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brasil
Categoria e Ministério da Saúde estão em crise desde lançamento do Mais Médicos, há mais de um ano; em MG resultado de exame fazia propaganda contra presidente.
Exame com 'Fora Dilma' ilustra guerra entre governo e médicos
Era só mais um exame oftalmológico de rotina: "A!", "F!", "W!", repetia o paciente, enquanto tentava enxergar letras cada vez menores. Ao receber o resultado impresso de suas taxas de miopia e astigmatismo, porém, os olhos do paciente saltaram: "Fora Dilma", dizia em letras maiúsculas um trecho do laudo médico. O caso aconteceu na segunda semana de setembro, dentro da clínica de olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - hospital cujo atendimento é 100% vinculado ao SUS. Após a eclosão da história, descoberta pelo jornal mineiro O Tempo, a entidade divulgou uma carta pública, pedindo desculpas à presidente e candidata à reeleição pelo PT Dilma Rousseff, e anunciou abertura de sindicância para investigar o que considerou um "ato de sabotagem" contra a instituição. As investigações sobre o caso continuam, mas fontes ouvidas pela BBC Brasil afirmaram que dificilmente o responsável será identificado, já que a máquina utilizada para imprimir os resultados dos exames é manuseada por pelo menos dez profissionais. De qualquer forma, o episódio ilustra a crise entre parte da classe médica e o governo federal, acirrada especialmente após o lançamento do programa Mais Médicos, em julho do ano passado. A vinda de médicos estrangeiros para trabalhar na atenção básica, como parte do programa, fez com que a principal entidade de representação da classe médica (o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério da Saúde passassem a viver em pé de guerra, em uma situação que se estende por mais de um ano. Em meio ao fogo cruzado, os cerca de 4 mil brasileiros especialistas em medicina de família - que atendem pacientes nas periferias e nos rincões mais distantes do país e que são os personagens principais neste enredo - afirmam enxergar prós e contras no discurso de ambos os lados. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Conselho e Ministério os representam - mas nenhum deles parece falar sua língua. Entre os principais fatores de discordância entre o governo e a entidade médica estão o volume de investimentos em infraestrutura de postos de saúde, as políticas de remuneração e formação de profissionais e a vinda de médicos estrangeiros - especialmente os cubanos. "Por um lado, o programa (Mais Médicos) tornou a atenção em saúde acessível e reduziu mortalidade. Por outro, não veio uma política de Estado de médio prazo", pondera o pediatra e professor de Atenção Básica Luis Cutolo, que ensina na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univale. Nos dois extremos do comentário do professor estão as posições do governo e do CFM. "Há cidades no interior onde pessoas morrem de pneumonia porque não têm médico nem penicilina, em pleno século 21. Ora, era necessário uma atitude urgente para fazer com que essas pessoas não morressem", argumenta Cutolo. "Esses médicos vieram para ocupar espaços que os médicos brasileiros não ocupavam. Mas o governo cometeu uma série de erros estratégicos: não foi claro, não debateu isso com a sociedade antes." Em entrevista à BBC Brasil, o clínico Carlos Vital Corrêa Lima, vice-presidente do CFM, atacou "a falta de vontade política" para a criação de planos de carreiras e a existência de "postos carentes de condições básicas de infraestrutura" na atenção básica. "O problema da saúde no Brasil é crônico, mas vem agonizando nos últimos 12 anos", diz o representante da categoria, em referência aos governos petistas. Representantes do governo, por sua vez, afirmaram que os aportes financeiros na área mais que dobraram na gestão de Dilma Rousseff. "O Ministério da Saúde está investindo fortemente em infraestrutura para melhorar a rede de atenção à saúde e oferecer condições adequadas de trabalho aos profissionais. São R$ 5,6 bilhões destinados aos municípios para a construção, reforma e ampliação de 26 mil Unidades Básicas de Saúde e R$ 1,9 bilhão para construção e reforma de Unidades de Pronto Atendimento 24h", disse o Ministério. Hoje, de acordo com o governo, existem 37.319 equipes de saúde da família no país, cobrindo uma população de 116.417.019 pessoas. Em resposta às cobranças de planos de carreira, o governo diz que "estimula a implantação e a reestruturação dos planos de carreira nos âmbitos estaduais e municipais" e que financia "projetos estaduais para criação de planos de carreiras, cargos e salários e para a desprecarização de vínculos trabalhistas no SUS". "O SUS é interfederado, tem atribuições de Estados, Municípios e da União", diz Marcos Pedrosa, médico de família e professor da UFPE. "Para federalizar toda a mão de obra seria preciso acabar com a lei de responsabilidade fiscal, que estabelece teto para a participação da folha de pagamento do funcionalismo público no orçamento da União. Em cidades pequenas, o salário do prefeito muitas vezes é menor que o salário necessário para atrair um médico", afirma. Profissionais de medicina familiar entrevistados pela BBC Brasil disseram considerar a criação de planos de progressão salarial para médicos do SUS um dos pontos críticos para que mais estudantes decidissem se especializar na atenção básica. Hoje, apenas um em cada dez desses profissionais tem esta especialização - considerada a formação mais adequada para o atendimento primário de saúde. De acordo com a Constituição brasileira, a gestão e os serviços de saúde devem ser descentralizados - portanto, a responsabilidade federal é compartilhada com Municípios e Estados. O médico de família Paulo Klingelhoefer de Sá, que há mais de 20 anos trabalha na atenção básica e hoje é coordenador do curso de medicina da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), opta pelo meio termo entre os discursos do governo e da entidade representativa. "O Partido dos Trabalhadores, quando no poder, não criou condições adequadas de contratação, de salário e de condições de trabalho para o profissional. Ele teve iniciativas que foram interessantes, mas não suficientes. Se você não botar dinheiro no bolso do cara para ele ter condição de pagar as contas dele, ele não vai ficar." Segundo o governo, mesmo com ofertas de salários acima de R$ 20 mil, apenas 12% das vagas foram preenchidas antes da abertura do processo de cooperação com médicos estrangeiros. Hoje, segundo o Ministério, quase 80% dos mais de 14,4 mil participantes do programa Mais Médicos vêm de Cuba. Ainda de acordo com o governo, 2,7 mil cidades são atendidas exclusivamente por cubanos. O vice-presidente do CFM novamente bate de frente. "A vinda dos cubanos é parte de um processo de sustentação econômica dessa bela ilha do Caribe", diz Vital. "É um interesse de Cuba, haja vista a resistência natural (dos brasileiros) fundamentada pela falta de condições de trabalho", afirma. "Por isso há dificuldade de preenchimento dos espaços." O ministério contra-argumenta. "(As localidades atendidas pelo programa) agora têm o médico atendendo, de segunda a sexta-feira, em tempo integral". Rodrigo Lima, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), critica a "ideologização" da discussão. Segundo o médico, a discussão hoje é muito mais política (direita X esquerda) do que efetivamente construtiva. "Há um componente ideológico forte, porque as corporações médicas historicamente têm se posicionado mais à direita. E o governo anuncia que vai trazer tantos médicos cubanos, sem validar o diploma e passando o dinheiro direto para o governo cubano. Foi uma declaração de guerra", diz. Para o médico, o Mais Médicos "tem muitos defeitos", mas vale a pena trabalhar para aperfeiçoá-lo. "Temos que estar junto para construir algo que é melhor", diz. "Fomos muito criticados dentro da corporação médica por isso."
2014-09-24 11:46:21
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140924_guerra_medicos_salasocial_eleicoes2014_rs_cq.shtml
brasil
Fontes ligadas à Santa Casa de BH afirmam que 'seria impossível' identificar quem manipulou o equipamento oftalmológico onde crítica à presidente foi digitada.
Exame médico prega 'Fora Dilma'; investigação não deve apontar autor
Era só mais um exame oftalmológico de rotina: "A!", "F!", "W!", repetia o paciente, enquanto tentava enxergar letras cada vez menores. Ao receber o resultado impresso de suas taxas de miopia e astigmatismo, porém, os olhos do paciente saltaram: "Fora Dilma", dizia em letras maiúsculas um trecho do laudo médico. O caso aconteceu na segunda semana de setembro, dentro da clínica de olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte - hospital cujo atendimento é 100% vinculado ao SUS. Após a eclosão da história, descoberta pelo jornal mineiro O Tempo, a entidade divulgou uma carta pública, pedindo desculpas à presidente Dilma Rousseff, e anunciou abertura de sindicância para investigar o que considerou um "ato de sabotagem" contra a instituição. O episódio ilustra a hostilidade de parte da classe médica com o governo federal, acirrada especialmente após o lançamento do programa Mais Médicos, em junho do ano passado. Fontes ligadas à Santa Casa mineira, entretanto, afirmaram à BBC Brasil que a investigação sobre o caso não deverá trazer resultados objetivos, já que seria impossível identificar quem manipulou o equipamento - que seria manuseado por pelo menos dez profissionais. A imprensa mineira chegou a indicar, sem citar nomes, um dos médicos de plantão como responsável pelo caso. Nas redes sociais, o suspeito postaria recorrentemente mensagens críticas à atual presidente e candidata à reeleição pelo PT. Por conta da quantidade de profissionais com acesso à máquina oftalmológica, entretanto, ainda não é possível confirmar quem foi o responsável. Procurado pela BBC Brasil, o departamento de imprensa da Santa Casa afirmou, apenas, que a sindicância ainda não foi encerrada. Segundo relatos, outros pacientes também teriam recebido laudos com a inscrição "Fora Dilma" - os primeiros registros foram publicados no Twitter em maio deste ano. "A dedução de que um dos médicos teria digitado a mensagem é óbvia, mas isso poderia ter sido feito por enfermeiros, técnicos ou qualquer outro profissional que estivesse ali", disse o entrevistado, que optou por manter seu nome em segredo por medo de represálias. A nota divulgada pela Santa Casa (veja o texto completo abaixo) afirma que "o Grupo Santa Casa BH manifesta publicamente seu pesar e apresenta formalmente pedido de desculpas pelo lamentável ato de sabotagem ocorrido na Clínica de Olhos da instituição e noticiado por órgãos da imprensa no dia 10 de setembro". "Importante ressaltar que, em seus 115 anos de existência, a instituição sempre se pautou pela isenção, neutralidade e decoro em processos eleitorais e disputas partidárias", continua a nota, que se encerra convidando a presidente da República a visitar pessoalmente as instalações do hospital. Após ameaçar denunciar o caso ao TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral), o PT disse considerar a mensagem um ato isolado. Segundo a sigla, o ato teria sido realizado por "um profissional da área de saúde que não tem compreensão das ações do governo Dilma na área". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "À EXMA. SRA. Dilma Rousseff O Grupo Santa Casa BH manifesta publicamente seu pesar e apresenta formalmente pedido de desculpas pelo lamentável ato de sabotagem ocorrido na Clínica de Olhos da instituição e noticiado por órgãos da imprensa no dia 10 de setembro. Por repudiar qualquer tipo de manifestação de desrespeito à figura da Presidenta da República, de intolerância a qualquer corrente de pensamento ou de uso indevido do nome ou imagem da Santa Casa BH na tentativa de influenciar a escolha soberana e democrática da população brasileira, o Grupo Santa Casa BH abriu sindicância para apurar o fato e identificar o(s) responsável(eis) por este mal feito e para que sejam aplicadas as medidas legais cabíveis. Importante ressaltar que, em seus 115 anos de existência, a instituição sempre se pautou pela isenção, neutralidade e decoro em processos eleitorais e disputas partidárias. Em seu Conselho, conta com pessoas ilustres que exercem ou exerceram cargos públicos, filiados a diversos partidos políticos de diferentes correntes de pensamento. A principal missão da Santa Casa BH é servir a população mineira com serviços hospitalares e ambulatoriais de excelência, atualmente 100% dedicados ao Sistema Único de Saúde. Nos últimos anos, experimentamos notável crescimento e qualificação nos atendimentos prestados graças às profícuas parcerias junto aos poderes Federal, Estadual e Municipal. Por fim, gostaríamos de convidá-la a visitar pessoalmente a nossa instituição, nacionalmente conhecida como um exemplo de sucesso na prestação de serviços ao Sistema Único de Saúde e de amor ao povo mineiro."
2014-09-24 01:27:19
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140922_salasocial_eleicoes2014_foradilma_bh_rs.shtml
brasil
Documento foi firmado por mais de 30 países, entre eles, Estados Unidos, Canadá e União Europeia; governo brasileiro alega que não foi consultado.
Brasil não assina acordo mundial para reduzir desmatamento
No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff exaltou as medidas tomadas por seu governo na área ambiental, o Brasil se recusou a assinar um documento propondo reduzir pela metade a derrubada das florestas do mundo até 2020 e zerar por completo o desmatamento até 2030. O compromisso foi anunciado nesta terça-feira com a 'Declaração de Nova York sobre Florestas', durante a Cúpula do Clima das Nações Unidas, na sede da organização, em Nova York. Participam da iniciativa mais de 30 países, entre eles, Estados Unidos, Canadá e União Europeia, além de dezenas de empresas, organizações ambientalistas e grupos indígenas. O evento antecedeu à abertura da Assembleia Geral da ONU, prevista para acontecer nesta quarta-feira. À revelia do governo federal, os Estados do Acre, Amapá e Amazonas também assinaram o acordo. A 'Declaração de Nova York sobre Florestas' é uma espécie de cartas de intenções anterior a um tratado internacional, que começaria a vigorar a partir do ano que vem. Uma vez implementado, cortaria a emissão anual de gás carbônico (CO2) entre 4,5 e 8,8 bilhões de toneladas. Autoridades ligadas à defesa do meio ambiente lamentaram a falta de apoio do Brasil, dono da maior floresta tropical úmida contínua do mundo. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o Brasil ficou de fora porque "não foi consultado" sobre a nova resolução. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Infelizmente, não fomos consultados [sobre a declaração]. Acredito que seja impossível pensar uma iniciativa em prol das florestas a nível mundial sem incluir o Brasil. Não faz sentido", disse Teixeira à agência de notícias Associated Press (AP) na segunda-feira (22). Na prática, porém, o compromisso vai de encontro às regras do governo brasileiro sobre o manejo sustentável das florestas e a derrubada de áreas para agricultura, o chamado 'desmatamento legal'. Como não havia distinção no texto entre o que poderia ou não ser desmatado, o país resolveu não assinar o documento. "Desmatamento legal é diferente de desmatamento ilegal. Nossa política nacional é interromper o ilegal", afirmou a ministra. Caso as metas propostas no documento sejam alcançadas, a redução de dióxido de carbono lançado na atmosfera seria equivalente ao volume atualmente expelido por todos os carros do planeta, informou a ONU. O grupo que assinou o documento também prevê recuperar mais de 2,5 milhões de km² de floresta no mundo até 2030. A Noruega, por sua vez, prometeu gastar US$ 350 milhões (R$ 840 milhões) para proteger as florestas do Peru e outros US$ 100 milhões (R$ 240 milhões) na Libéria. Em entrevista à AP, Charles McNeill, assessor de política ambiental para o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, afirmou que não houve "intenção de excluir o Brasil". "Não houve intenção de excluir o Brasil. Eles são o mais importante país naquela área. Um esforço que envolva o Brasil é muito mais poderoso e impactante". Segundo McNeill, "houve tentativas de falar com integrantes do governo brasileiro, mas não obtivemos uma resposta". Segundo dados oficiais, o desmatamento caiu 79% no Brasil desde 2004. No ano passado, contudo, o desmatamento na Amazônia Legal subiu 28% após quatro anos em queda. Apesar do aumento, o índice foi o segundo menor desde que o país começou a acompanhar a derrubada de árvores na região, em 1988. Em discurso na plenária da ONU, Dilma exaltou a agenda sustentável do seu governo e descreveu os indicadores de desmatamento brasileiros como "excepcionais". Ela afirmou ainda que sua adversária na corrida presidencial pelo PSB, Marina Silva, mente ao afirmar que a atual política ambiental brasileira representa um retrocesso. A presidente lembrou que o Brasil tomou a decisão voluntária, durante a Cúpula de Copenhague, em 2009, de cortar entre 36% e 39% as emissões de dióxido de carbono até 2020. Segundo ela, o país também deixou de emitir cerca de 650 milhões de toneladas de gases desde 2010. "Quero saber onde está o retrocesso. Por que quem definiu 36% e 39% voluntariamente, quem reduziu 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, foi o meu governo e o governo do presidente Lula. E não foi na época dela que fizemos isso", afirmou Dilma. Em compromisso de campanha em Florianópolis, Marina Silva voltou a criticar Dilma. A candidata do PSB à presidência lamentou que o Brasil não assinou a carta de proteção às florestas. Marina afirmou ainda que a petista não assumiu um compromisso para o futuro. "Acabo de receber a notícia de que, infelizmente, a presidente Dilma, que está participando em Nova York da cúpula do Clima, a convite do secretariado geral das Nações Unidas, fala tão somente das conquistas já alcançadas no passado, mas não sinaliza nenhum compromisso para o futuro", disse a ex-senadora.
2014-09-24 02:27:30
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140924_brasil_acordo_clima_lgb.shtml
brasil
Para o médico brasileiro, que está há 10 anos no Canadá, acesso comum à saúde faz com que classes sociais dividam vantagens e desvantagens de sistema público.
'Pobres e ricos têm tratamento idêntico em sistema único no Canadá', diz médico brasileiro
Com passagem pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no Paraná e há mais de 10 anos atuando no Canadá, o médico brasileiro Fabio Cury acumula experiência nos dois sistemas públicos de saúde e acredita que o Brasil poderia aproveitar alguns aspectos do modelo canadense. Para Cury, que é especializado em rádio-oncologia - o tratamento do câncer com radiações ionizantes (também conhecido como radioterapia) - uma das grandes diferenças entre os dois países é a presença, no Brasil, de dois sistemas de saúde, um público e outro privado, diferentemente do que acontece no Canadá. “A vantagem de ter um sistema único realmente único (como acontece no Canadá) e não ter um sistema paralelo, como o sistema privado ou o plano de saúde, é que todo mundo tem que ser tratado, e bem tratado, sob aquele sistema (público)”, disse Cury à BBC Brasil. “(No Canadá) Toda a população tem acesso aos mesmos tratamentos, aos mesmos médicos, independentemente da sua classe social. É diferente do Brasil, onde uma pessoa com mais recursos será tratada em um hospital particular, e outra, com menos recursos, às vezes não será sequer tratada, ou será tratada em um hospital com menos tecnologia”, diz. Cury explica que todos os canadenses, independentemente da situação financeira, usam o sistema público para serviços médicos e atendimento hospitalar. O gasto com saúde já está incluído no Imposto de Renda, de acordo com os rendimentos de cada um. Na hora de receber o atendimento, geralmente não é preciso desembolsar nada. Mesmo no caso de uma clínica de propriedade privada, o pagamento pelo tratamento será feito pelo governo, dentro do sistema público de saúde, e não pelo paciente. O sistema privado pode ser usado apenas para alguns serviços, como testes e diagnósticos, algumas cirurgias estéticas ou tratamento odontológico. Cury faz uma comparação com a situação no Brasil, onde, dependendo dos recursos financeiros, os pacientes vão optar pelo SUS, por planos de saúde ou por pagar pelo tratamento integralmente. “No tratamento do câncer, por exemplo, há drogas que o SUS não cobre, e o convênio cobre. Ou só tem acesso se pagar. Então essa pessoa (com mais recursos financeiros) vai receber um tratamento diferenciado do que aquele que está lá pelo SUS (no Brasil)”, afirma. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Para Cury, uma possível maneira de elevar a qualidade do sistema público de saúde no Brasil seria melhorar salários e equipamentos, até que houvesse uma transição natural dos pacientes do sistema privado para o público. “Quando (o tratamento pelo SUS) chegasse no mesmo nível dos grandes hospitais, talvez o paciente particular olhasse com outros olhos, visse que poderia fazer o tratamento de graça e com a mesma qualidade e no mesmo tempo”, destaca. O brasileiro ressalta que os hospitais públicos no Canadá, ao contrário de muitos no Brasil, são equipados com tecnologia de ponta, acessível a todos os pacientes, ricos ou pobres. “O investimento em tecnologia poderia fazer o sistema público do Brasil se tornar algo mais próximo do que o que existe aqui fora. Porque os profissionais do Brasil são bem treinados, de maneira geral”, afirma o brasileiro, que integra a equipe do Montreal General Hospital, parte do McGill University Health Center (Centro Universitário de Saúde McGill) em Montreal, na Província do Québec. No sistema canadense, todos compartilham dos mesmos benefícios e eventuais desvantagens. “Aqui toda a população tem acesso a tecnologia de ponta, tratamento de ponta, com as devidas restrições”, resume Cury. Uma reclamação comum no Canadá é em relação ao tempo de espera para determinados tratamentos, considerado longo – mas, de acordo com Cury, ainda menor que a média no Brasil. Naquele país, um órgão do governo é responsável por vistoriar e ter certeza de que os prazos são cumpridos. “Aqui tem fila, mas ninguém morre na fila”, afirma Cury, ao observar que o tempo de espera costuma ser menor que o registrado no SUS, mas maior do que no sistema privado do Brasil ou de outros países. Ao contrário do que ocorre no Brasil, no Canadá o paciente não tem a opção de pagar mais para ser atendido mais rápido. Cury observa que há casos de pacientes com mais recursos que acabam, por exemplo, viajando aos Estados Unidos em busca de uma consulta de segunda opinião ou de tratamento mais rápido. Mas de modo geral, em caso de descontentamento com algum serviço, a reação da população costuma ser reclamar e exigir seus direitos ao tratamento de saúde de ponta. Para o rádio-oncologista, o maior estímulo ao ensino e à pesquisa também são aspectos do modelo canadense que poderiam ser adotados no Brasil. Outro fator que, na visão de Cury, poderia ser melhorado no Brasil seria a criação de condições para que os profissionais de saúde se dediquem exclusivamente a um determinado local, sem precisar recorrer a dois ou mais empregos para pagar as contas. “Infelizmente, vejo colegas no Brasil trabalhando em dois ou três lugares. Aqui, a maioria trabalha em um único hospital. É onde você vai ver seus pacientes, vai fazer sua pesquisa e vai lidar com a sua parte de ensino”, afirma. “A ideia de se ter plano de carreira para um médico, tanto dentro da universidade quanto alguma coisa guiada pelo governo, com salários melhores, com plano de aposentadoria e tudo mais, seria um grande atrativo para o médico brasileiro.” Formado pela Universidade Federal do Paraná, Cury, de 40 anos, chegou ao Canadá em 2003, após concluir residência no Brasil. Logo depois, surgiu o convite para permanecer no país. Assim como todos os médicos formados fora do Canadá, ele teve de revalidar seu diploma e fazer diversas provas, inclusive de língua francesa (falada no Québec), para ganhar a permissão para atuar. O fato de muitos médicos estrangeiros atuarem no Canadá facilitou a adaptação, diz Cury. “Nunca senti preconceito em relação a ser de fora ou em relação a ser brasileiro”, afirma. “Acho que o aspecto humano do médico brasileiro é uma coisa que chama a atenção de qualquer população. Quando o brasileiro vem para cá, faz sucesso entre os pacientes. Essa forma carinhosa que o brasileiro tem é um ponto positivo.” A demanda por médicos levou o Ministério da Saúde e Serviços Sociais do Québec a criar há mais de dez anos um programa de recrutamento, o Recrutement Santé Québec, para atrair profissionais formados em outros países. Esses médicos precisam ser aprovados pela ordem profissional de médicos, o Collège des Médicins du Québec, equivalente a um CRM (Conselho Regional de Medicina) no Brasil. As regras do programa incluem ainda a aprovação em testes e cursos de treinamento, e o recrutamento não vale para áreas universitárias, como Montreal, mas somente para áreas onde há muita demanda. Segundo a assessoria de imprensa do projeto, desde seu início, em 2003, o programa já recebeu 62 inscrições do Brasil. Desses candidatos, 12 obtiveram licença para atuar no Québec, sendo três recrutados como professores. Atualmente, nove deles permanecem no programa.
2014-09-22 14:53:10
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140922_medico_salasocial_eleicoes2014_canada_ac_cq.shtml
brasil
Pacientes no Reino Unido precisam passar por um profissional generalista antes de serem encaminhados para especialistas.
Desvalorizada no Brasil, saúde básica é chave do sucesso de sistema britânico
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado no Brasil com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, tendo como uma de suas inspirações o sistema de saúde pública britânico, o NHS (National Health Service). A forma como cada sistema opera, porém, apresenta profundas diferenças. Enquanto no Brasil, os médicos de formação generalista como clínico geral e o médico de família são pouco valorizados, no Reino Unido esses profissionais, chamados de general practitioners (GP) são o eixo central do atendimento. Há 65,3 mil médicos registrados como GP (incluindo os sistemas público e privado), o que representa praticamente um quarto do total de médicos atuando no Reino Unido (267,5 mil). Do total de GPs, 61% atuam no serviço público, onde quase toda a população busca atendimento, inclusive pessoas com renda equivalente à classe média alta brasileira. Não existe um equivalente direto ao GP no Brasil. Esse profissional está entre o que seria o médico de família e o clínico geral que atua em unidades de pronto atendimento. A BBC Brasil mostrou nesta segunda-feira que existem apenas 4 mil médicos de família no país e que essa formação é estigmatizada dentro da categoria médica. "É preciso valorizar a atenção básica de saúde no Brasil. No sistema britânico, é o oposto: há uma supervalorização do GP", afirma o professor da USP Oswaldo Tanaka, que já morou no Reino Unido e estudou o NHS. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast No sistema britânico, o paciente não marca atendimento com médicos especializados de acordo com seu problema, por exemplo cardiologista, endocrinologista, dermatologista, etc. Ele primeiro passa pelo GP, que decide então se o paciente deve ou não ser encaminhado para um especialista. Mesmo no caso de a pessoa ter um seguro de saúde, ela deve passar primeiro por um GP que atue no sistema privado, que posteriormente encaminha o paciente para um especialista."Não é como no Brasil, que você abre seu livrinho do plano de saúde, escolhe o médico especialista e vai lá direto", explica a médica ginecologista Vânia Martins, que trabalhou quinze anos no setor público no Brasil antes de se mudar para Londres, onde atende em uma clínica privada e no NHS. A forma de remuneração dos médicos e gestão dos recursos também é muito diferente da do SUS. Tanaka explica que o GP é como se fosse um prestador de serviço ao NHS, mais do que um funcionário assalariado. Ele é remunerado de acordo com os atendimentos que faz. Os residentes do Reino Unido devem se registrar em um GP na região em que moram, mas têm a opção de trocar de médico ou de clínica se assim desejarem, desde que na mesma região. Dessa forma, é de interesse do GP ter mais pacientes, pois assim ele receberá mais recursos. Não há dados estatísticos sobre qual o tempo médio necessário para marcar uma consulta com um GP. Médicos e usuários ouvidos pela BBC Brasil disseram que é fácil conseguir um horário em poucos dias ou na mesma data, mas as consultas costumam ser breves, duram de dez a quinze minutos e, em geral, se resumem a uma conversa. O GP é quem vai encaminhar o paciente a um médico especialista ou para fazer um exame ou tratamento, por exemplo, e os recursos que pagam por esses serviços saem do orçamento público administrado por sua clínica, explica Tanaka. Dessa forma, o GP tende a só fazer o encaminhamento se tiver certeza de que é necessário. Por isso, muitas vezes as pessoas deixam de marcar a consulta se o caso não é grave. "Esse modelo foi criado com as reformas implementadas pelo governo da Margaret Thatcher nos anos 1980. O GP precisa ser produtivo e atender metas, por isso as consultas são rápidas", diz Tanaka. Apesar das limitações, profissionais brasileiros que trabalham no NHS falaram à BBC Brasil sobre a importância desse modelo centrado no atendimento básico para garantir acesso à saúde para toda a população. "Se você comparar os dois sistemas, ainda é melhor que o brasileiro. Aqui, você levantou passando mal, consegue uma consulta de emergência de dez minutos", diz Vânia Martins. Para ela, a pequena cobertura de saúde da família no Brasil acaba sobrecarregando as emergências. "Se você tem um problema pequeno, o que você vai fazer numa emergência? Quando você não tem um sistema que absorve isso, essas bobeirinhas, digamos assim, que você pode tratar passando uma prescrição, uma injeção e mandar para casa, você sobrecarrega o sistema". "O que eu via no Brasil era gente que ia fazer uma tomografia na emergência, mas não era emergência. É que não conseguia fazer no outro lugar que deveria fazer do SUS", afirma. A enfermeira Ana De Stefano, que já atuou no sistema público brasileiro e hoje trabalha na maternidade do St. Peter's Hospital (Chertsey), observa que, assim como os médicos de família, profissionais como ela também têm um papel mais relevante no Reino Unido do que no Brasil. "Aumentar a qualificação e a responsabilidade dos enfermeiros também diminuiria a pressão sobre os médicos no Brasil", acredita. No Reino Unido, por exemplo, enfermeiros realizam o teste ginecológico papanicolau e exames de ultrassom, procedimentos que costumam ser executados por médicos no Brasil. Vânia Martins, que já trabalhou na Secretaria Estadual de Saúde do Rio e chefiou o Programa de Saúde do Adolescente do município de Belford Roxo (RJ), diz que procurou ampliar o papel dos enfermeiros na sua gestão, mas que há resistência dos médicos, que temem perder mercado. A enfermeira Ana De Stefano destaca ainda o papel da parteira. Após estudar a prática por três anos, são elas que fazem os partos normais no Reino Unido, enquanto os médicos realizam as cesarianas, procedimento raro no sistema britânico. O NHS emprega mais de 1,7 milhão de pessoas e quase metade é de profissionais de saúde, sendo cerca de 40 mil GPs e 370 mil enfermeiros. O sistema é aberto a toda a opulação residente no Reino Unido, que soma 63,2 milhões de pessoas. De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS conta com mais de 2 milhões de profissionais, dos quais mais de 184 mil são enfermeiros e 440 mil são médicos de diversas especialidades. Dentre eles, cerca de 113 mil são clínicos gerais. A população total do Brasil é de 203,1 milhões de habitantes. De acordo com dados do Banco Mundial, o gasto público em saúde no Reino Unido é bastante superior ao brasileiro. As tendências, porém, são opostas. Enquanto os recursos destinados ao setor britânico têm recuado em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto) nos últimos anos, no Brasil eles têm crescido. Segundo a instituição, o total destinado por todas as esferas de governo à saúde passou de 3,8% do PIB brasileiro em 2009 para 4,3% em 2012, dado mais recente. No mesmo período, essa taxa passou de 8,2% para 7,8% no Reino Unido. A crescente demanda por serviços devido ao envelhecimento da população e a redução dos gastos por causa do aperto fiscal do governo têm se refletido na piora da qualidade de alguns serviços na Grã-Bretanha. Em abril deste ano, por exemplo, a quantidade de pessoas esperando por mais de 18 semanas por uma operação – prazo limite previsto no NHS – atingiu 3 milhões, maior número em seis anos.
2014-09-23 11:19:18
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140923_nhs_sus_ms.shtml
brasil
Setor que antes 'ia atrás dos candidatos' agora é procurado por ser responsável por fatia cada vez maior da economia brasileira.
Cortejado por candidatos, agronegócio expõe força eleitoral inédita
"Estávamos habituados a ir atrás dos candidatos à Presidência para levar nossos pedidos, mas pela primeira vez eles é que estão nos procurando". A declaração, feita à BBC Brasil pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, expõe a força do agronegócio nesta eleição. Responsável por uma fatia cada vez maior da economia brasileira, o setor nunca esteve tão presente nos discursos, agendas e alianças dos candidatos que lideram a corrida presidencial. Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) têm se reunido com representantes do segmento de olho em doações para suas campanhas, no poder do grupo em influenciar votos e na sua força no Congresso. "O cortejo dos candidatos ao agronegócio cresceu de forma excepcional em relação a eleições passadas e está mais escancarado, intenso e assumido", diz o jornalista Alceu Castilho, estudioso das relações entre política e agronegócio e autor do livro Partido da Terra (editora Contexto, 2012). Uma das maiores provas desse cortejo, diz Castilho, ocorreu no início de agosto, quando os três principais presidenciáveis – à época, o candidato do PSB era Eduardo Campos – foram sabatinados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Na última eleição presidencial, somente o candidato do PSDB, José Serra, visitou a entidade. As contribuições do setor às campanhas ajudam a explicar a aproximação, diz Castilho. Elas expõem o crescente poderio do agronegócio num momento em que a economia nacional fraqueja. Segundo a CNA, o setor hoje representa 23% do PIB (Produto Interno Bruto) e foi responsável por 41% das exportações do país em 2013. O Brasil hoje é o maior exportador global de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina, frango, soja em grão e milho. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Castilho diz que as doações do grupo JBS, maior processador de carne do mundo, são emblemáticas. Na eleição de 2010, a empresa repassou R$ 35 milhões a comitês e diretórios partidários e integrou o segundo escalão entre as maiores doadoras. Neste pleito, a empresa já doou R$ 71,9 milhões e disputa a liderança da lista. Outros grandes grupos do setor – entre os quais a Cosan, a Cutrale e a Copersucar – também integram a lista das empresas que mais doaram até agora. Castilho diz, no entanto, que o peso do agronegócio nas doações eleitorais não pode ser medido somente pelos repasses de empresas do ramo, já que importantes doadoras de outros segmentos também têm fortes laços com o setor. Ele cita entre essas companhias a construtora Queiroz Galvão, dona de fazendas de eucalipto no Maranhão, e a fabricante de bebidas Ambev, que possui indústrias de sucos e exerce grande influência na cadeia produtiva agrícola. Para ele, as duas gigantes – assim como várias outras empresas originariamente de outros ramos – também exercem lobby político em favor do agronegócio. Dentre os três principais presidenciáveis, Aécio é considerado o candidato mais próximo do agronegócio. O coordenador de seu programa de governo para o setor é o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Dilma tem como principal aliada no ramo a presidente licenciada da CNA Kátia Abreu (PMDB-TO), cotada para assumir o Ministério da Agricultura se a petista for reeleita. Marina é quem desperta mais receio no setor. Desde a morte de Eduardo Campos, ela tem elogiado o segmento e dito que apenas uma "pequena fração" de seus representantes "não atualizou suas práticas" ambientais. A candidata do PSB tem buscado se aproximar de empresários de açúcar e etanol em São Paulo, e conta nessa tarefa com a ajuda de seu vice, o deputado federal Beto Albuquerque (PSB-RS), que mantém boas relações com o setor. Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, ao acenar ao agronegócio, os presidenciáveis também tentam garantir apoios no Congresso caso vençam a disputa. A bancada ruralista é considerada pelo Diap como a mais forte da Casa. Segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária, nome oficial da bancada, 23% dos deputados e 16% dos senadores integram o grupo. A bancada se reúne em almoço todas as sextas para definir prioridades e posições. Segundo Queiroz, o grupo indicou o atual ministro da Agricultura, Neri Geller (PMDB-MT), e os presidentes das comissões de Agricultura e do Meio Ambiente da Câmara e da Comissão de Reforma Agrária do Senado. Tradicionalmente, afirma ele, associações que representam grandes produtores de matérias primas agrícolas – como a CNA – exerciam na bancada uma influência sem paralelo. Hoje, porém, a bancada também mantém relações próximas com indústrias ligadas ao agronegócio, representadas por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria). O perfil dos representantes da bancada também tem mudado, diz Queiroz. Grandes empresas do ramo deixaram de apoiar apenas políticos que são proprietários de terra e passaram a chancelar candidatos de outros ramos profissionais. "Hoje há a opção em apoiar candidatos economistas, advogados, profissionais liberais que sejam identificados com o setor, mas não sejam tão expostos como os donos de terras." Para o cientista político Edélcio Vigna, que estuda a bancada desde o fim da ditadura, outro motivo para o cortejo dos presidenciáveis ao agronegócio é sua capacidade de angariar votos. Vigna afirma que o PMDB, que tem o maior número de congressistas ruralistas, é também o partido que controla mais prefeituras no país. E especialmente nos municípios pequenos, que são 80% do total e onde as campanhas dos presidenciáveis só chegam pela TV, os prefeitos têm grande poder de influenciar votos. Para ele, o peso político do setor eliminou do debate eleitoral bandeiras tradicionais da esquerda. "Não se discute mais reforma agrária, função social da propriedade, desapropriação de terras", afirma. "Hoje a discussão sobre o campo é somente econômica, desenvolvimentista."
2014-09-10 22:06:49
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140910_eleicoes2014_agronegocio_salasocial_jf.shtml
brasil
Categoria que atua em postos de saúde e que poderia ser chave para solucionar problemas de atendimento médico no Brasil sofre com preconceito e baixos salários.
Médica de família 'dirige Chevette e namora Creisom' em apostila para concurso
"Ao ouvir as histórias dos amigos, você ficava triste: os dermatologistas, todos bem de vida (...); o pessoal da cirurgia plástica chegando de carro importado e você caladinha, envergonhada de estar em um fim de mundo, dirigindo seu Chevette hatch, ano 87, com três calotas, e namorando Creisom, motorista da ambulância do seu município...". Esta é a descrição de um hipotético encontro de colegas de Medicina que aparece em uma apostila do Medcurso, o principal curso preparatório para concursos médicos no Brasil. A situação descrita acima introduz uma série de perguntas sobre a atenção básica de saúde. A "motorista do Chevette", que aparece envergonhada, é uma médica que optou por atuar em um Posto de Saúde da Família (PSF) em uma cidade do interior. O material do curso preparatório chega a dizer ainda que líderes de esquerda como Hugo Chávez e Evo Morales seriam os "heróis" dos médicos que trabalham com atenção básica. A apostila ilustra a imagem que médicos de família e comunidade - que atuam majoritariamente no SUS e em postos de saúde - têm entres os profissionais de Medicina no Brasil. Apesar de estarem no centro de programas de governo - como o Mais Médicos - e das propostas de candidatos à Presidência para a saúde, os médicos de família são ainda uma especialidade pouco conhecida da população e pouco procurada dentro das escolas de Medicina: dos cerca de 390 mil médicos no país, apenas cerca de 4 mil são médicos de família, cerca de 1% do total. Profissionais que optaram pela especialidade relatam sofrer preconceito entre professores e colegas, apesar da importância da categoria no atendimento aos problemas de saúde mais básicos que afetam os brasileiros. "Sou formado há 12 anos e aconteceu em vários momentos em encontros de turma de me perguntarem quando farei uma especialidade de verdade", disse Rodrigo Lima, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, à BBC Brasil. "Eu já tive muitos alunos que chegaram a relatar: 'Eu tenho vontade de ser médico de família, mas não sei como minha família encararia isso, não sei se vou conseguir convencê-los'. Para um aluno de 20 anos é difícil resistir à pressão de ter que ter o carro do ano, ser muito bem sucedido financeiramente. É o ideal que a sociedade tem do que é ser médico." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O Programa de Saúde da Família - criado durante o governo Fernando Henrique Cardoso – tem o objetivo de oferecer atendimento primário de saúde, que procure prevenir e resolver a maior parte dos problemas em determinado território sem a necessidade de encaminhamento para hospitais especializados. A estratégia foi ampliada durante os governos do PT. Nos postos de saúde e unidades básicas, uma equipe de médicos, enfermeiros e agentes comunitários deve acompanhar até quatro mil pessoas – desde crianças até idosos. O bom funcionamento do modelo, que também é adotado por países como Inglaterra, Canadá e Austrália, ajudaria a evitar a superlotação de emergências e hospitais, um dos principais gargalos do atendimento médico no país. Na prática, no entanto, os profissionais relatam unidades com demanda mais alta do que o previsto, condições precárias de trabalho, falta de materiais básicos para o atendimento e dificuldade de completar as equipes médicas. "Os Postos de Saúde e Unidades Básicas de Saúde hoje não dão conta da demanda por uma série de razões. Então o que temos hoje é uma rede enorme de serviços que não conseguem resolver os problemas e cria nas pessoas a ideia de que 'o postinho não resolve, o melhor é o hospital'", diz Rodrigo Lima. Além do Mais Médicos, que contratou profissionais brasileiros e estrangeiros para complementar equipes de saúde da família em todo o país, a formação de profissionais dispostos a atuar na atenção básica também foi alvo de diversas estratégias durante os governos Lula e Dilma. Entre elas, a mudança no currículo de Medicina – que passou a exigir que os alunos frequentem postos de saúde desde o início do curso, e o estímulo à abertura de mais programas de residência da especialidade no país. Muitos desses programas, no entanto, não conseguem preencher boa parte das vagas, segundo a SBMFC. Para os médicos, é um sinal de que os estudantes precisam de mais estímulo para seguirem a carreira. O salário é considerado um dos fatores que desestimula os médicos - eles ganham em média R$ 8 mil, contando com bonificações oferecidas pelas prefeituras para complementar os salários. "Nos últimos anos, o governo teve iniciativas que foram interessantes, mas não suficientes. Se você não botar dinheiro no bolso do cara para que ele pague as contas, ele não vai ficar", disse Paulo Klingelhoefer de Sá, médico de família e coordenador do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), à BBC Brasil. "Os alunos falam isso na minha cara. Eu os coloco na atenção primária desde o começo do curso. Eles acham muito legal, ficam com pena da população, mas escolhem outro caminho. Escolhem fazer oftamologia, radiologia, dermatologia. Dizem que medicina da família é coisa para pobre." Os três candidatos melhor colocados nas pesquisas sobre a disputa pela Presidência, Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves, mencionam a "ampliação" da Estratégia de Saúde da Família em seus programas de governo e a "valorização" dos profissionais de saúde que atuam no serviço público. Dois deles, Marina e Aécio, falam especificamente da criação de uma carreira para médicos no SUS. A BBC Brasil também ouviu a opinião de leitores pelo Facebook. A questão gerou um debate acalorado sobre os aspectos positivos e negativos do atendimento básico no sistema de saúde público. Segundo relatos colhidos pela BBC Brasil (leia abaixo) os médicos de família costumam ser vistos – até mesmo pelos pacientes - como profissionais de qualidade inferior, discriminados por receberem salários mais baixos em relação aos colegas e por serem considerados "de esquerda". Nas situações criadas para as perguntas sobre saúde da família, a apostila do Medcurso chega a dizer que "ideias de Evo Morales e Hugo Chávez" atraíram a personagem que começa a trabalhar em um Posto de Saúde da Família. "Achamos que não valia a pena nos pronunciarmos publicamente sobre a apostila, mas ela contribui com esse estigma social de que o médico de família é um médico inferior, que 'não presta para nenhuma especialidade'. Isso é de uma ignorância incrível", diz Rodrigo Lima. "Nesse cenário desfavorável nas faculdades, os alunos que se aproximam da área geralmente são os que se incomodam mais com a questão da desigualdade social, algo que costuma ser associado à esquerda. Mas isso também não é regra, conheço muitos médicos de família que são de direita". afirma. Até a publicação desta reportagem, o Medgrupo, que produz as apostilas do Medcurso, não havia respondido ao pedido de resposta da BBC Brasil. Confira alguns depoimentos de médicos de família: A medicina de família e comunidade é uma especialidade pouco divulgada até hoje. Eu não tinha nenhum professor que fosse médico de família. Quando entrei na faculdade a reforma curricular já tinha acontecido, mas pouquíssimos professores aderiram. Alguns até se recusaram a dar aulas. Eles diziam que não concordavam com a ideia de "formar médico para trabalhar no posto". Dentro da faculdade de Medicina a gente percebia o quanto a profissão tinha status. Muitos colegas meus se espelhavam nesses professores, que eram reconhecidos como médicos especialistas. Eu tinha um professor de anatomia que era neurocirurgião e dizia em sala de aula que tínhamos que aprender para não nos tornarmos "médicos de posto de saúde". Trabalhar em posto de saúde é visto como coisa de gente que não quis estudar para fazer uma residência mais concorrida. Acho que há preconceito, sim. No Brasil, esta é a especialidade que trabalha com a periferia. Não há um médico de família famoso. É uma especialidade que não paga tão bem como as outras pagam. Dentro da sociedade e das famílias, a medicina de família e comunidade não é vista como algo que dê status para o médico. Quando eu disse a minha família que optei por essa especialidade foi difícil para eles entenderem. Eles diziam que eu não ia ganhar dinheiro e que eu ficaria desempregado, porque ainda achavam que era só um programa de governo e poderia acabar. Percebo hoje que os alunos de medicina têm um maior interesse pela especialidade, mas não por causa do estímulo dos professores. Apenas pelo aumento da prática na faculdade. Da minha turma de 40 pessoas, só duas, contando comigo, seguiram a carreira (de médico de família). Sempre fomos discriminadas por causa disso, a medicina de família e comunidade é a prima pobre das residências. O médico de família é "aquele que não ganha dinheiro, que cuida de pobre e que não gosta de estudar". As pessoas acham que quem não conseguiu passar em outra residência, faz Medicina de Família. Havia muita chacota dos colegas, dos professores. Diziam: "você não quer ganhar dinheiro, quer ficar pobre para sempre? Gosta de trabalhar com pobre?". Muitas pessoas não entendiam a residência como necessária para essa especialidade. Até hoje a comunidade médica me olha de lado quando digo que sou médica da família. Fui acompanhar a cesárea de uma parente em Uberlândia e o obstetra me perguntou o que eu fazia. Eu disse que era médica de família e ele perguntou se eu não queria fazer residência em nada. Eu expliquei que já tinha residência em medicina de família e comunidade e ele me disse: "mas ninguém precisa de residência para trabalhar no postinho, você não quer ser médica de verdade?". Acaba acontecendo um distanciamento de outros colegas médicos, porque as conversas, as prioridades, a atenção ao paciente é diferente. Eu gosto de ter vínculo, de conhecer o paciente, de ir às casas deles. E para muitos dos meus colegas não é assim. Muitos escolhem algumas especialidades porque não é preciso ter tanto contato com o paciente. O médico também escolhe muito a especialidade pela qualidade de vida que ela oferece, por ter acesso a alguns privilégios que a categoria médica tem. Para minha família foi impactante eu dizer que queria fazer medicina da família e comunidade, porque ninguém sabia direito o que era, qual era a rotina do profissional. Todo mundo está muito acostumado com as divisões em áreas, então me perguntavam que tipo de gente eu iria atender. Durante a minha residência ainda perguntavam: "mas tu atende paciente? Tu trata doença?". Achavam que eu estava me capacitando para uma carreira de gestão. Até meu tio, que é clínico e ultrassonografista, ainda tem dúvidas sobre o que é o trabalho. Acho que a imagem histórica do que é médico - que é o especialista, aclamado pela população - acaba afastando as pessoas da medicina de família. Eu observava muito nos estudantes a visão do médico como um profissional liberal: me formo numa instituição pública, trabalho um pouco para ganhar essa experiência e vou abrir meu consultório. Já a medicina de família e comunidade tem como grande - quase único - campo de trabalho o SUS. E isso desencoraja muitos dos nossos colegas por conta da pouca consolidação das unidades – há algumas mal funcionantes, com pouca estrutura e profissionais que não cumprem carga horária - e falta de um plano de carreira. O bullying universitário também existiu para mim e isso passou a me abalar menos quando tive mais certeza do que eu queria. No meio do curso eu sofri muito por isso, ser diferente da maioria é difícil. Mas eu procurava estar mais perto das pessoas que pensavam parecido. Meu irmão, que também é médico, me chamava de "estrela vermelha", porque eu vinha com histórias de mudar o mundo e ele estava no caminho da cirurgia. Mas um dia ele me veio me perguntar o que poderia fazer para mudar um pouco a realidade dos pacientes dele – muitos tinham câncer de pulmão e ele não podia fazer nada. O grande nó é a visão que se tem da Medicina. Por mais que a gente tenha políticas e evidências de que o caminho da medicina de família é eficiente, as pessoas que participam da formação dos médicos não são médicos de família. Meu pai tem uma história bem diferente da minha e era bastante crítico em relação a eu não querer trabalhar em um hospital. Minha mãe foi a pessoa com quem eu mais discuti sobre o que quero fazer da vida, por causa do que ela achava que era trabalhar em um posto, no interior, com unidades mal estruturadas. Meus pais me perguntavam: "O médico que tem um carro velho, tu quer ser isso mesmo?". Tempos depois, ela disse pra mim: "Murilo, eu já te aceito uns 80%". Eu sempre quis fazer medicina de família de comunidade. Na própria graduação a gente tinha opções de estágios alternativos em unidades da família e eu sempre gostei desse modelo de ajudar a população mais carente. Os médicos geralmente estão muito mais voltados para hospitais, procedimentos técnicos. Sempre ouvi "você é maluco, não faz isso não, não dá dinheiro". Também dizem que o médico de família não é um médico bom, que não tem preparo. De fato há muitos médicos despreparados para lidar com as pessoas atuando nas Unidades de Saúde da Família. Se fosse obrigatório fazer a residência para atuar na atenção básica, isso ajudaria a acabar com essa imagem. Havia resistência dos professores e dos colegas. No caso dos professores, há muito a fala de que o médico de família não tem capacidade técnica, não ganha bem, que pode ganhar mais, que os casos são muito simples. Isso se reflete nos colegas. Alguns diziam que era "desperdício" que eu fizesse medicina de família, porque eu era bom aluno. De forma geral, era visto como algo para pessoas em começo de carreira e em fim de carreira. No início, quando comecei a trabalhar na cidade de Cachoeira, alguns pacientes me falavam "obrigada doutor, tudo de bom, espero que tudo dê certo para você, que algum dia você tenha sua clínica, consiga trabalhar num hospital, saia daqui desse postinho". Eu achava que os estudantes de Medicina tinham que ser de esquerda para querer fazer medicina de família e comunidade, porque no Nordeste as coisas são um pouco assim, essa ligação é maior. Mas quando fiz residência em Ribeirão Preto (SP), percebi que no eixo Sul-Sudeste é diferente, que é muito comum que pessoas não ligadas à esquerda também sejam médicos de família.
2014-09-21 02:07:13
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140920_salasocial_eleicoes2014_saude_abre_medicos_cc.shtml
brasil
Aumento de equipes de Saúde da Família e criação de carreira para médicos no SUS são destaque nas propostas de candidatos para a saúde.
Enfraquecido, programa de saúde da família é unanimidade entre candidatos
Enfraquecida pelo estigma de classe e pela falta de profissionais, a aposta no fortalecimento da atenção básica (ou primária) em saúde é unanimidade entre os candidatos mais bem colocados nas pesquisas sobre a disputa pela Presidência nas eleições deste ano. Criado durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e ampliado nos governos seguintes de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do PT, o Programa de Saúde da Família visa tem o objetivo de oferecer atendimento primário e de prevenção, evitando a superlotação do atendimento de emergência. Mas o programa sofre com demanda além do previsto, condições precárias de trabalho e, principalmente, com a falta de profissionais, formados em quantidade insuficiente - em parte por conta do preconceito da própria classe médica e me parte pelo falta de estímulos profissionais a seguir a carreira. Os candidatos à Presidência líderes nas pesquisas, Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves, dão destaque à atenção básica e a Estratégia de Saúde da Família em seus programas. Luciana Genro (PSOL) e Eduardo Jorge (PV) também mencionam a criação de uma carreira para profissionais do SUS, com o objetivo de aumentar as equipes de Saúde da Família e fixar os profissionais na rede pública. Entre os cinco, a presidente Dilma é a única que não menciona explicitamente a criação da carreira para profissionais de saúde, uma das principais bandeiras da categoria médica. A BBC Brasil publica nesta semana uma série de reportagens sobre o tema dos médicos de família, como parte da cobertura especial das eleições presideniciais. O tema foi escolhido a partir de uma consulta com os leitores da BBC Brasil no Facebook, de acordo com a proposta do #salasocial, projeto que usa as redes sociais como fonte de histórias originais. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Nessa consulta, leitores comentaram sobre as dificuldades de serem atendidos em postos e unidades básicas de saúde, sobre a falta de profissionais e as longas filas de espera para exames e consultas com especialistas. Os rumos da saúde pública têm sido amplamente discutidos no país no último ano - seja pelas reivindicações por mais investimentos, feitas por manifestantes desde os protestos de 2013, seja pelo debate em torno do programa Mais Médicos. No centro das discussões está a atenção básica em saúde, considerada a "porta de entrada ideal" para a população no Sistema Único de Saúde (SUS). A atenção básica é um modelo adotado com sucesso por diversos países europeus, mas vem encontrando obstáculos para sua implementação satisfatória no Brasil. Médicos de família e comunidade de todo o país - profissionais cujo principal campo de trabalho é a atenção básica no SUS - ouvidos pela BBC Brasil apontaram questões como a precarização de Postos de Saúde da Família, os baixos salários e a falta de incentivos à qualificação dos profissionais como problemas-chave na rede pública. Confira a seguir as principais propostas dos candidatos sobre o tema, retiradas do material submetido por suas campanhas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE): Nas diretrizes de governo, único documento disponibilizado oficialmente pela campanha da presidente Dilma Rousseff, fala-se da expansão do programa Mais Médicos, que buscou complementar equipes de Saúde da Família em todo o país com profissionais brasileiros e estrangeiros. A campanha da presidente, no entanto, não esclarece como exatamente aconteceria esta expansão. Inicialmente, o programa teria validade de três anos, prorrogáveis por mais três. Em um trecho de discurso enviado à BBC Brasil pela coordenação da campanha de Dilma, no entanto, a presidente afirma que "essa iniciativa vai durar enquanto o povo brasileiro precisar dela. Não tem prazo de validade." Em seu site oficial, a presidente também anunciou o programa Mais Especialidades, que pretende agilizar o atendimento dos médicos especialistas e o acesso a exames de laboratório instalando, em todas as regiões do país, "uma rede de unidades especializadas integradas, com consultas de pediatria, ginecologia, ortopedia, cardiologia, oftalmologia, oncologia, entre outras áreas". A dificuldade de conseguir consultas e exames laboratoriais para todos os pacientes é, de fato, uma queixa comum a diversos médicos de família entrevistados pela BBC Brasil. As diretrizes de governo da presidente não mencionam um plano de carreira para profissionais da saúde no SUS. Outras propostas de Dilma Rousseff*: *Propostas retiradas das diretrizes de governo divulgadas pela campanha e de material enviado à BBC Brasil pela assessoria de imprensa do PT. Nas diretrizes de seu plano de governo, o candidato fala da criação do Programa Saúde da Família pelo PSDB e diz que os baixos salários da rede pública precisam ser "rediscutidos com urgência". Ele menciona a necessidade de um aumento de gastos federais com a saúde. Segundo o programa, também será criada uma rede de centrais de agendamento de consultas na atenção primária - um dos principais problemas apontados pelos médicos de família ouvidos pela BBC Brasil. Outras propostas de Aécio Neves: A candidata do PSB se refere ao Programa Saúde da Família como "chave para alcançar uma nova realidade" e diz que a atenção primária de saúde deve ser "universalizada". Em seu plano de governo estão previstas melhorias na gestão das equipes de saúde da família, modernização dos sistemas de informação utilizados no atendimento e aumento do percentual do orçamento da Saúde dedicado à atenção básica. Marina afirma ainda que irá implantar gradualmente, ao longo de quatro anos, uma proposta de projeto de lei de iniciativa popular de vincular 10% da Receita Corrente Bruta da União ao financiamento das ações de Saúde. Outras propostas de Marina Silva:
2014-09-22 05:14:35
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140921_salasocial_eleicoes2014_saude_candidatos_cc.shtml
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Pesquisa divulgada na quinta-feira havia apontado alta da concentração de renda em 2013; governo diz ter ficado 'chocado'.
IBGE admite erro em Pnad e desigualdade cai
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) admitiu nesta sexta-feira ter cometido erros nos cálculos da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2013, divulgada na quinta-feira (18). O equívoco gerou distorções de alguns dados, como a concentração de renda. Ao contrário de subir, como havia sido informado anteriormente, a desigualdade social no Brasil recuou entre 2012 e o ano passado. Os dados anteriores apontavam uma ligeira alta do índice de Gini ─ que mede a concentração de renda ─ no período. Ou seja, um aumento da desigualdade social no país. O índice de Gini vai de zero a um. Quando mais próximo de zero, melhor distribuída é a renda. De acordo com o novo levantamento apresentado pelo IBGE, o Gini do trabalho, que mede exclusivamente a distribuição dos rendimentos do trabalho, caiu de 0,496 para 0,495 (o que para o instituto significa estagnação) – antes, a Pnad registrava alta para 0,498. Já o Gini que considera todas as rendas recuou de 0,504 para 0,501 (anteriormente o índice apontava um aumento para 0,505). O avanço ainda que sutil da desigualdade, como revelavam os dados anteriores, foi objeto de cobertura extensiva da imprensa brasileira, inclusive da BBC Brasil, uma vez que a concentração de renda no país vinha caindo gradativamente desde 2001. Caso os dados originais estivessem corretos, 2013 teria sido, assim, o primeiro ano em que a trajetória de queda da desigualdade no país teria sido interrompida. Segundo o IBGE, os erros ocorreram em sete Estados: Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "No processo de expansão da amostra da Pnad 2013, foi utilizada, equivocadamente, a projeção de população referente a todas as áreas metropolitanas em vez da projeção de população da Região Metropolitana na qual está inserida a capital", informou o órgão por meio de um comunicado. Por se tratar de uma pesquisa por amostragem, a Pnad usa, para determinados tipos de cálculo, a população da principal região metropolitana dos Estados. Nos sete Estados onde houve erro, entretanto, o IBGE admitiu ter usado informações de mais de uma região metropolitana. Em entrevista a jornalistas, a presidente do IBGE, Wasmália Bittar, pediu desculpas pelos erros. "A pesquisa continha erros extremamente graves. Cabe pedir desculpas a toda a sociedade brasileira", afirmou Bittar. Já o diretor de Pesquisas do órgão, Roberto Olinto, descartou qualquer interferência política na revisão dos dados. "Não há o menor indício de pressão. Nós encaramos o fato como um acidente estritamente técnico e que será investigado. O processo do trabalho será investigado. O IBGE está extremamente abalado por isso", afirmou. Olindo também afirmou que a recente greve dos funcionários do órgão não teve impacto no erro. O IBGE também alterou outros dados da pesquisa. O rendimento mensal do trabalho, por exemplo, foi reduzido de R$ 1.681 para R$ 1.651 (alta de 3,8% em relação a 2012, contra avanço inicial de 5,7%). A taxa de analfabetismo também foi corrigida e subiu de 8,3% para 8,5%. A pesquisa inicial mostrava que teria havido queda de 0,5 pontos porcentuais entre 2012 e 2013, de 8,7% para 8,3%. Já taxa de desemprego não sofreu alteração e ficou em 6,5% no ano passado. A taxa de desocupação também foi mantida, em 6,5%. Mas, diferentemente dos dados originais, o aumento da população desocupada foi menor: 6,3% contra os 7,2% divulgados anteriormente. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, afirmou que o governo ficou "chocado" com os erros e acrescentou que criará duas comissões para investigar o que aconteceu. A primeira será formada por especialistas independentes para averiguar a consistência da Pnad. Já a segunda "vai apurar as razões dos erros e as responsabilidades funcionais". "Lamento que isso tenha acontecido. Houve falta de cuidado num procedimento básico de checagem e rechecagem para quem faz trabalhos de estatística", afirmou Belchior. Belchior falou ainda do uso eleitoral da situação. "Em momentos eleitorais, qualquer coisa é usada politicamente". A ministra do Planejamento também rebateu críticas de que os erros poderiam ter sido causados por um ajuste fiscal ou redução do quadro de funcionários do órgão. "[O erro] é muito básico. Não tem a ver com o ajuste fiscal", disse.
2014-09-20 00:04:34
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_ibge_erro_lgb.shtml
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Mães que perderam filhos em comunidades cariocas trocam experiências em associação; veja depoimentos.
Tragédia une mães de mortos por policiais: 'Eles acham que a gente não tem voz'
"Cheguei na hora. Vi direitinho. O policial da UPP já em posição de atirar. Foi quando puxei meu filho pela camiseta, no meio da gritaria. Ele (o policial) atirou, mas quem morreu foi o filho da minha amiga", conta Fátima dos Santos Pinho de Menezes, de 40 anos, ao lado amiga Ana Paula Gomes de Oliveira, de 37 anos, na comunidade de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ambas moradoras da mesma favela, as duas mal se conheciam antes da tragédia ocorrida no dia 14 de maio desse ano, quando o menino Johnatha de Oliveira Lima morreu, aos 19 anos, baleado durante uma confusão entre policiais de UPP armados e crianças e adolescentes que atiravam pedras neles. Agora, integram juntas o Fórum Social de Manguinhos, ONG local que advoga pelos direitos da comunidade, e têm comparecido a manifestações, marchas e reuniões de mães que perderam filhos em comunidades cariocas. Fátima já havia perdido um filho, Paulo Roberto Pinho de Menezes, no dia 17 de outubro de 2013. Aos 18 anos, o garoto foi espancado até a morte e depois asfixiado. Consultada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro respondeu sobre os três casos e disse que o policial responsável pelo disparo na ocorrência que acabou tirando a vida de Johnatha foi indiciado pelo crime de homicídio culposo (sem intenção de matar), e que segue trabalhando na UPP de Manguinhos enquanto aguarda julgamento. Quanto ao caso de Paulo Roberto, cinco policiais da mesma UPP foram indiciados pelo crime de lesão corporal seguida de morte, e trabalham em outros batalhões enquanto aguardam julgamento. "Hoje em dia os jovens de comunidade têm que provar o tempo todo que são produtivos, que não estão envolvidos com nada. É uma pressão constante, e há muito desrespeito, há muita injustiça", diz Ana Paula Gomes de Oliveira. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Embora esteja distante, na Rocinha, favela da Zona Sul do Rio, no outro lado da cidade, Maria de Fátima dos Santos Silva, de 55 anos, tem muito em comum com as duas amigas. Ela também perdeu um filho, Hugo Leonardo dos Santos Silva, aos 32 anos, no dia 17 de abril de 2012, meses antes da instalação da UPP na comunidade. Embora seu caso seja mais antigo, somente há uma semana ela conseguiu falar publicamente sobre sua história. "Foi lá em Manguinhos, durante uma manifestação. Conheci a Ana Paula e a Fátima. Elas me deram muita força. Foi uma vitória, pegar o microfone e contar, diante de todo mundo, a minha história. É bom a gente ver que não está sozinha", diz. Sobre o caso, a Secretaria de Segurança Pública disse que a ocorrência foi registrada como homicídio decorrente de intervenção policial, que ocorreu antes da instalação da UPP da Rocinha, e que permanece sendo investigada. Integrantes de grupos como o Fórum Social de Manguinhos, Mães Vítimas de Violência e a Rede de Movimentos e Comunidades Contra a Violência, as três tornam-se, aos poucos, ativistas nas redes sociais e agora dão força umas às outras. As três mães contaram suas histórias de dor e perda à BBC Brasil para esta reportagem, parte de uma série especial sobre o tema da violência policial e contra policiais. Os temas foram sugeridos pelos leitores da BBC Brasil nas redes sociais para nossa cobertura do tema de segurança pública no contexto das eleições presidenciais, de acordo com a proposta do projeto da BBC Brasil #SalaSocial, que pretende usar as redes sociais como fonte de histórias originais. Duas netas de Maria de Fátima acompanharam com atenção a reportagem na Rocinha, sendo que Carolina era a mais falante. Em Manguinhos, Maria Paula e Alejandra corriam e brincavam enquanto as mães, respectivamente Ana Paula e Fátima, davam suas entrevistas. Todas com menos de dez anos, presenciaram a emoção, choro, saudade, revolta e esperança da avó e das mães ao falarem sobre seus filhos mortos de forma violenta. "Nós nos ajudamos, e queremos Justiça. Somos as vozes dos nossos filhos que se foram. Mas lutamos por elas também. Para que no futuro não seja uma delas conversando com um repórter. Para que tenham um futuro sem essa dor", diz Ana Paula. Veja abaixo os principais trechos dos três depoimentos: "Eles vinham atrás dele, era sempre ele. Queriam que ele dissesse coisas, mas ele não sabia de nada. Na primeira vez, bateram muito. Entraram na casa dele e espancaram. Na segunda, levaram para a delegacia, e ele foi liberado. Na terceira eles conseguiram, mataram meu filho", conta a diarista Maria de Fátima dos Santos Silva, de 55 anos, moradora do Beco 199, na Rocinha. Naquele dia 17 de abril de 2012, Hugo Leonardo dos Santos Silva descia as escadas de um beco estreito quando foi surpreendido por três PMs que ordenaram que ele levantasse as mãos. O rapaz de 32 anos estava em frente a uma creche, onde buscaria o sobrinho. Já com as mãos para o alto, andou na direção dos policiais, quando foi baleado no abdômen. "Uma das minhas filhas ouviu. Nessa hora, os policiais discutiram entre si e um disse: 'Olha a merda que você fez, agora termina'. Foi quando atiraram na cabeça do meu filho, que já estava caído no chão. E aí começou uma confusão para conseguir lençóis para levar para o hospital. Uma gritaria. Os moradores não queriam dar, mas eles ameaçaram e assim conseguiram desfazer a cena do crime. Ele já estava morto", diz Maria de Fátima. A polícia alegou que houve tiroteio e que Hugo seria traficante. "Ninguém ouviu mais do que aqueles dois tiros. E veja bem, a creche fica num beco muito estreito. Se tivesse havido tiroteio, muito mais gente teria morrido ali. Crianças, inclusive, do jeito que o lugar é apertado", diz a mãe. Consultada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Janeiro informou que o caso foi registrado como homicídio decorrente de intervenção policial e que as investigações estão em andamento. Maria de Fátima nunca mais passou em frente à creche. "Não consigo", diz. Na sala de sua casa, no alto da favela da Rocinha, Maria de Fátima ainda chora quando relembra a história. "Eu tomei muito remédio para dormir, para os nervos. Nunca mais fui a mesma pessoa. Às vezes, estou ali cozinhando e ouvindo uma música e começo a chorar. É saudade", diz. De um lado, bijuterias, elásticos e materiais para confeccionar brincos e correntes. Do outro, o computador aberto em sua página do Facebook. Ela conta que, se não está fazendo faxina, faz artesanato e interage com outras mães nas redes sociais, para "ocupar a cabeça". Ao lado do computador, um objeto chama a atenção. Uma cruz de madeira. "Mandei fazer para participar de uma passeata na Candelária, relembrando a chacina (de oito jovens nas escadarias da igreja, em 1993)", conta. "Minha cruz eu carrego todo dia. A gente é pobre, preto, desempregado, favelado. Eles pensam que a gente não tem voz. O que mais tem aqui dentro é gente apanhando. Tapa na cara, humilhação. E morrendo também. Isso é pacificação? Mas eu estou falando pelo meu filho. Agora eu sou a voz dele", diz. Para a diarista, o que importa é limpar o nome de Hugo. "Ele não era traficante, era trabalhador. Aqui tenho a carteira de trabalho, os holerites, tudo aqui na pastinha, você quer ver? Ah, e o que eu quero? Justiça. Eu quero Justiça. Alguém tem que fazer alguma coisa. Pouco depois dele mataram o Amarildo, que todo mundo aqui conhecia. Não pode ser assim para sempre, não pode", diz. "Eram umas quatro horas da tarde do dia 14 de maio deste ano, e eu tinha acabado de fazer um pavê. Pedi ao Johnatha para levar para a minha mãe, que mora aqui em Manguinhos também. Bati uma foto dele com o pavê na mão e mandei para a minha mãe por WhatsApp", conta Ana Paula Gomes de Oliveira, de 37 anos, formada em pedagogia. "Olha, é assim que está saindo daqui. Inteirinho", dizia a mensagem. "Mãe, tu é demais, não acredito que você está fazendo isso", o garoto respondeu bem-humorado, antes de dar um beijo em Ana Paula e sair com a namorada. "Como eu ia imaginar que aquele seria meu último momento com ele?", diz a mãe de Johnatha de Oliveira Lima, que morreu duas horas depois, aos 19 anos. Ana Paula foi ao supermercado, e escolhia o refrigerante que o filho gostava. "Ele era a alegria da casa. Carinhoso comigo, com todo mundo. Sorridente, alegre", conta. Na volta da casa da avó, Johnatha acabou entrando numa parte da favela onde acontecia uma confusão entre crianças e adolescentes. "É comum isso aqui. As crianças e jovens ficam na rua conversando, e por uma palavra atravessada, por alguma troca de ofensas, a polícia é agressiva", conta Ana Paula. Quem testemunhou a cena foi Fátima dos Santos Pinho de Menezes, de 40 anos, que foi avisada por vizinhos de que uma confusão se formava ali por perto e a situação já era tensa. "Eu fui lá ver, e o lugar é bem perto da minha casa mesmo. As crianças e adolescentes começaram a jogar pedras nos policiais, que estavam com os fuzis em punho. Eu cheguei na hora. Vi direitinho. O policial da UPP já em posição de atirar. Foi quando puxei meu filho pela camiseta, no meio da gritaria. O policial atirou, e quem morreu foi o filho da Ana Paula, minha amiga", conta. No outro lado da comunidade, ainda no supermercado, Ana Paula ouviu tiros e comentou com a caixa enquanto pagava as compras. Não tinha ideia de que os disparos que ela ouvia eram os que matavam seu filho enquanto ela comprava o refrigerante favorito do menino e se preocupava como o pavê teria chegado ao destino. "É muito injusto. É muito triste. Até quando vai ser assim? Eles me tiraram um pedaço. Dói tanto, tanto, que só mesmo outra mãe pode entender. Eu perdi esse pedacinho de mim, mas meu marido e minha filha também me perderam, porque eu nunca mais vou ser a mesma pessoa que eu era", diz. Consultada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro informou que o policial responsável pelo disparo foi indiciado pelo crime de homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e que ele segue lotado na UPP de Manguinhos enquanto o julgamento tramita na Justiça. "Você quer saber o que dói também? Ver os policiais rindo e gozando da nossa cara do lado de fora da igreja em que acontecia a missa de sétimo dia do meu filho. Parentes se irritaram, mas eu pedi para deixarem, porque eu não queria mais confusão. É muito humilhante, é um desrespeito muito grande", diz Ana Paula. "Dói demais lembrar. Dói demais. Eu cheguei correndo, e eles não queriam me deixar passar. Minha filha ficou, mas eu passei por baixo das pernas do policial. Meu menino estava no chão, deitado, e eu acho que ele só estava esperando por mim. Era aquela gritaria, tudo ao mesmo tempo, e ele deu o último suspiro e morreu, nos meus braços." Foi assim que há quase um ano, em 17 de outubro de 2013, Fátima dos Santos Pinho de Menezes, então com 39 anos, se despedia do filho Paulo Roberto Pinho de Menezes, de 18 anos. Ela demora a contar sua história. Com um olhar distante, sereno, dá força para a amiga Ana Paula durante a entrevista, e comenta a situação de violência em geral na favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, pacificada em janeiro do ano passado. "Sabe, a gente achou que quando eles [os policiais de UPP] chegassem, viria a paz, a segurança, a tranquilidade que a gente quis durante todos esses anos. Mas é humilhação, pancadaria, e morte, morte e mais morte. Eles estão matando com fuzil as crianças que jogam pedras. Não podemos deixar", argumenta. Basta começar a contar o que aconteceu naquela noite, no entanto, para a fisionomia de Fátima mudar. O olhar distante e sereno dá lugar ao choro, gestos rápidos e um olhar que parece traduzir uma fração do desespero sentido ao presenciar o último suspiro do filho espancado até a morte. "Eu fui avisada da confusão na favela. Fiquei com medo, e fui procurar o Paulo Roberto. Eles tinham marcação com ele. Era sempre ele que era abordado, revistado. Eles faziam perguntas, encrencavam. Eu sabia disso, então fiquei muito preocupada", conta. Quando foi se aproximando do local, amigos do menino já vinham gritando: "Eles vão matar ele, tia, eles vão matar ele. Eles estão batendo muito nele, vão matar". "Ele vinha de um barzinho, e ia dormir na casa de um amigo. É a única diversão que eles têm, ficar conversando nesse barzinho até tarde. Eu tinha medo, mas adianta proibir? Os policiais da UPP estavam fazendo abordagem num beco, e quando ele foi passar, houve confusão e começaram a bater nele. Bateram até ele quase morrer, depois asfixiaram", diz Fátima. Ela conta que os policiais quiseram argumentar que ele estava drogado e que tinha tido um mal súbito, embora na certidão de óbito a causa da morte seja clara: "Múltiplas lesões e asfixia mecânica". "Os exames da perícia mostraram que ele não tinha droga no organismo, e no dia seguinte, no caixão, dava para ver os hematomas. O rosto dele todo arranhado, cheio de marca roxa", diz a mãe, acrescentando que no seu caso também teve que enfrentar as piadas e gozações dos policiais do lado de fora da Unidade de Pronto Atendimento para onde o menino foi levado. Consultada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro confirmou que os cinco policiais da UPP de Manguinhos foram indiciados pelo crime de lesão corporal seguida de morte e que estão lotados em diferentes batalhões da Polícia Militar enquanto aguardam julgamento. "Eu sei que não vai trazer ele de volta. Mas hoje faz quase um ano, 11 meses que ele se foi. E eu estou aqui, falando dele para você. Eu prometi isso pra ele. Ele foi, mas eu fiquei, e eu posso ser a voz do meu filho aqui, até que se faça Justiça, e que outras mães não passem mais por isso. Ninguém deveria passar por isso. Dói demais", diz Fátima.
2014-09-19 11:28:30
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_depoimentos_maes_vitimas_salasocial_eleicoes2014_rw.shtml
brasil
Para Ignacio Cano, professor do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da UERJ, desmilitarização é importante, mas não é panaceia para a segurança.
Truculência e barbárie não são soluções para a segurança, diz sociólogo
No Brasil há mais de 15 anos, o sociólogo espanhol Ignacio Cano, professor do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é um dos principais nomes do país em questões relativas à segurança pública. Ao lado de outros 12 especialistas de diferentes partes do Brasil, ele assinou um documento entregue aos candidatos à Presidência da República pedindo uma agenda mínima de medidas importantes com a meta de reduzir o número de homicídios no país, como a reforma do modelo policial, a revisão da política criminal e penitenciária e a reformulação da política de drogas. Em entrevista à BBC Brasil, Cano comentou alguns dos principais assuntos em debate na segurança pública atualmente, como a desmilitarização da polícia, a violência policial e as mortes de agentes da lei, e a crise nas UPPs do Rio de Janeiro, cidade que, segundo ele, vive um "ciclo negativo" na segurança há no mínimo dois anos. Durante a conversa, o sociólogo comentou a alta cifra de homicídios no Brasil. Em 2012, no número mais recente divulgado pelo SUS, foram registrados 56.337 homicídios, sendo 40.077, ou seja, 71% do total, com armas de fogo. O número é o mais alto da história do país. Confira os principais trechos da entrevista: BBC Brasil – Que medidas um novo governo poderia tomar para tentar impactar de forma positiva a segurança no Brasil a curto prazo? Ignacio Cano – Acho que dois pontos são essenciais. O primeiro, um plano nacional de redução de homicídios, ou seja, determinar que a meta central da segurança pública no país seja a redução do número de homicídios, e o segundo, uma melhora das investigações para que a gente consiga reduzir as taxas de impunidade. Esses dois pontos teriam que ser abordados a curto prazo. A médio e longo prazo nós temos que melhorar a inserção dos jovens nas periferias e controlar a difusão de armamentos. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast BBC Brasil – Uma pesquisa da FGV e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de julho deste ano mostrou que de 21.101 policiais ouvidos, 73,7% são a favor da desmilitarização da polícia. O tema divide opiniões no país e há setores que apoiam e outros que rejeitam a proposta que foi uma das demandas recorrentes nos protestos de junho do ano passado. O senhor é a favor? Na sua opinião, trata-se de algo realista? Ignacio Cano - Até o ano passado não era muito realista, mas com as manifestações de junho, se abriu de novo o debate, e apareceu como uma medida possível. Tudo depende da mobilização popular. Pela inércia institucional não acontecerá. A desmilitarização seria uma medida positiva, e mais um meio do que um fim. Ajudaria a recolocar em pauta a busca pelo melhor modelo policial para o Brasil e a construir também um modelo que seja de proteção e não de guerra ao inimigo. A desmilitarização aceleraria o processo, mas não garantiria que no dia seguinte que as polícias agissem de forma diferente. Precisaria mudar o treinamento, a cultura. É preciso também educar a sociedade de que a truculência não é a solução. É um processo lento, e a desmilitarização seria um elemento importante, mas não uma panaceia para resolver todos os problemas de segurança do Brasil. BBC Brasil – Quando se discute violência policial, a maioria dos argumentos são de condenação a abusos e excessos. Mas em 2008, uma pesquisa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos apurou que 43% dos brasileiros concordam com a frase "bandido bom é bandido morto". Até que ponto a sociedade apóia a violência policial? Ignacio Cano – No debate sobre violência policial, muita gente só fica indignada se essa violência for dirigida a pessoas supostamente inocentes. Mas quando ela atinge pessoas vistas como culpadas, criminosas, um setor da população apóia, e trata-se de um setor importante. Veja essa pesquisa. Quarenta e três por cento das pessoas concordam com essa frase. A gente tem que entender que o problema da violência policial não é um problema apenas das polícias e das instituições, é um problema da sociedade como um todo. Isso não significa, claro, que a polícia possa fazer isso só porque um setor apóia. A polícia não pode fazer porque é contra a lei. Nós precisamos cobrar a polícia, por um lado, para que ela cumpra a lei e modifique seu treinamento e doutrina, mas também precisamos educar a sociedade, para que perceba que a barbárie nunca vai resolver nosso problema de segurança. BBC Brasil – Há países em que a polícia tende a ser mais respeitada do que no Brasil, onde muitos temem os agentes da lei. É possível vislumbrar um cenário de maior harmonia e respeito entre a polícia e a sociedade no Brasil? Ignacio Cano – É preciso lembrar que alguns países da Europa que hoje são modelo de desenvolvimento social e de segurança também foram muito violentos um século atrás. Não há uma condenação natural a uma situação de insegurança no Brasil. Mas vivemos na América Latina, que é a região mais violenta do mundo, e somos um continente muito desigual, então há vários fatores que nos limitam, mas nada que a gente não possa mudar. Temos que traçar os mesmos objetivos desses países que eram muito violentos e que hoje têm uma polícia apoiada pela população e baixos níveis de violência. Se o Brasil quer ser um país desenvolvido, não basta aumentar o PIB. É preciso que as pessoas não sejam mortas por intervenções policiais, é preciso que nós não tenhamos o nível de impunidade que temos hoje. BBC Brasil – Um maior controle de armas e munições poderia reduzir o alto número de homicídios no país? Controlar o uso de armamentos e munições dos policiais também poderia ajudar? Ignacio Cano – Houve um esforço na década passada, apesar da derrota no referendo do desarmamento. As armas deveriam estar exclusivamente nas mãos dos profissionais de segurança pública. Os particulares não deveriam ter acesso a armas de fogo, salvo alguma exceção muito bem justificada. Na medida em que a gente caminhar neste sentido, seremos uma sociedade mais segura. Quanto aos policiais, hoje em dia há somente um controle administrativo. O policial muitas vezes preenche um relatório para receber mais munição, mas não para explicar como ele usou essa munição. Isso tem que mudar, a gente tem que justificar cada bala. Isso ajudará a restringir o uso do armamento e da força letal. É imperativo que o governo federal faça um esforço para que haja um controle maior sobre as armas de fogo, incluindo o desvio de armas para os criminosos. BBC Brasil – Desde que as UPPs começaram a ser instaladas no Rio de Janeiro, em 2008, os números de pessoas mortas pela polícia, assim como os de policiais assassinados, caíram consideravelmente. No primeiro semestre de 2014, no entanto, foram maiores do que no mesmo período de 2013. O que isso indica? Ignacio Cano – Nós estamos hoje em dia num ciclo negativo da segurança. Depois de vários anos de diminuição dos homicídios e dos roubos, nós estamos há dois anos pelo menos num ciclo negativo. Nesse cenário era esperado que aumentassem os mortos pela polícia e também os policiais mortos. Sem dúvida nenhuma preocupa, porque isso é um presságio de um aumento na violência de forma geral. Se disparam as mortes pela polícia e mortes de policiais, provavelmente todos os índices vão continuar numa tendência negativa, porque essas mortes estão simbolizando esse velho modelo de guerra ao crime, que tem sido tão deletério para o Rio de Janeiro e o Brasil em geral. Mais mortes pela polícia significam mais policiais que vão ser mortos fora de serviço, e por consequência seus colegas vão matar mais. É um ciclo vicioso que só prejudica a sociedade.
2014-09-19 08:34:41
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_entrevista_ignacio_cano_jeff_salasocial_eleicoes2014_rw.shtml
brasil
Fotos e vídeos de 'vinganças contra bandidos' e mortes violentas em ações policiais e militares são populares nas redes sociais.
'Morte sem pena': Perfis nas redes fazem apologia à violência policial
"Recado à bandidagem: não matem PMs, não vale a pena - o risco de ir pro inferno mais cedo é muito grande." A frase, publicada numa página com mais de 10 mil seguidores no Facebook, serve de legenda para imagens sangrentas de supostos "assassinos de PMs" que teriam sido baleados na barriga e no rosto pela polícia. Mais de 400 pessoas curtiram. Quase 100 compartilharam com mensagens de apoio. Não se trata de um caso isolado. Perfis que compartilham fotos e vídeos de "vinganças contra bandidos", linchamentos públicos e mortes violentas em ações policiais e de membros do Exército são populares entre os brasileiros no Facebook. Levantamento da reportagem da BBC Brasil encontrou pelo menos 15 exemplos - juntas, as páginas são seguidas por mais de meio milhão de pessoas. Em comum, elas defendem práticas de tortura, pena de morte e criticam defensores de direitos humanos. "Pena de morte pra marginal é pouco, tem que matar sem pena!", diz uma das páginas."Bandido bom é bandido morto" é a resposta padrão para quem tenta defender tratamento mais humano a criminosos. A Polícia Militar de São Paulo, uma das principais citadas nas páginas de apologia à violência, comentou as menções à corporação em nota enviada à BBC Brasil. "A PM repudia qualquer forma de violência, bem como de incitação a ela", diz o texto. As PMs do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, também citadas nos vídeos, não responderam aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem. Procurado pela BBC Brasil, o Exército Brasileiro se limitou a dizer que as páginas citadas não são oficiais. Segundo as Forças Armadas, é proibida a divulgação de conteúdo relacionado à rotina de trabalho militares "que possam comprometer sua segurança e a imagem do Exército". Os donos das páginas não se pronunciaram. Já o Facebook disse, em nota, que "usuários não podem publicar ameaças reais a outras pessoas ou organizar atos reais de violência" e que "poderemos comunicar às autoridades locais se notarmos o risco real de lesões físicas ou uma ameaça direta à segurança pública" "Homens de preto, o que que 'vocês faz' [sic]? / Eu faço coisas que até assusta [sic] o Satanás! / Homens de preto, qual é sua missão? / Entra [sic] na favela e deixar corpo no chão." Versos como estes, supostamente cantados como gritos de guerra das corporações, são publicados junto a fotos de policiais em favelas do Rio de Janeiro. Boa parte dos conteúdos mostra ações de dentro das viaturas, delegacias ou durante operações em becos e comunidades na periferia. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Caso do vídeo em que supostos policiais obrigam um jovem suspeito de ser traficante a lixar a perna até apagar uma tatuagem que faria menção ao tráfico. Com uma arma apontada para o pé, ele esfrega a perna até sangrar. Noutro filme, dois supostos traficantes são obrigados a se beijarem na boca. "Língua com língua", obriga o oficial. Imagens de abordagens agressivas de oficiais do exército em comunidades ocupadas pelas forças armadas também são comuns. As fotos de pessoas baleadas são as mais populares. Quanto mais sangrentas, mais curtidas. A reportagem questionou a polícia: o vazamento de vídeos e fotos de operações é permitido? "É importante ressaltar que a maioria das páginas ou perfis é criada de maneira anônima, por supostos 'admiradores'", diz a PM de São Paulo. "Evidentemente, sem a anuência da Polícia Militar, não havendo assim nenhum vínculo com a Instituição." A corporação diz recomendar que os agentes da lei usem as redes sociais "com prudência". "O Comando da Polícia Militar sempre recomenda aos seus integrantes o uso das redes sociais com prudência", diz a corporação. "Caso, eventualmente, seja identificado algum policial militar responsável por página na internet ou perfil em rede social estimulando a violência, ele está sujeito a punições administrativas rigorosas e também na esfera penal." Para o jornalista Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP, essas páginas multiplicam uma visão histórica de "violência como entretenimento". "Isso não é novo. Na Idade Média tinha gente sendo esquartejada em praça pública. Era como um programa de domingo num ambiente anterior à justiça moderna, as pessoas levavam as crianças para assistir." O pesquisador compara a popularidade da violência nas redes sociais com programas policiais populares da televisão. "Numa sociedade em que prevalecem medo, insegurança e vulnerabilidade, essas imagens criam bodes expiatórios que fazem o cidadão 'se sentir vingado'. Elas supostamente têm aspecto pedagógico, porque mostrariam o que acontece com quem transgride", diz. "Isso traz audiência." No caso, audiência não significa qualidade. "Há uma sensação de que exterminar esses 'vilões' e fazê-los apodrecer na cadeia vai diminuir o problema. Essa falta de reflexão turva a visão das pessoas. É um pensamento meio óbvio - quanto mais bandidos, mais insegura é a sociedade", afirma Paes Manso. "Dizer que 'quanto mais criminosos morrem, mais seguros estamos' é um raciocínio raso. As instituições não conseguem resolver o problema da segurança há mais de 30 anos. Exterminar suspeitos não deixa o mundo mais seguro, ao contrário." Sobre o envolvimento direto de policiais e militares nas postagens, Paes Manso é direto: "Nem os policiais confiam na justiça. Eles próprios defendem a segurança privada". Uma das justificativas seria a fragmentação das forças policiais no Brasil. "Há duas polícias aqui: a civil, para investigar, e a militar, para patrulhar. A PM prende o suspeito, o leva para a Civil e não sabe mais o que vai acontecer com ele", explica. "Passar o suspeito para outra corporação e não saber o que acontece depois traz uma vontade de fazer justiça pelas próprias mãos. Isso cria grupos que defendem o extermínio de forma privada, como se isso fosse um atalho para se fazer justiça", avalia o pesquisador. Ao mesmo tempo em que publicam imagens de extrema violência e supostos atos de "vingança", as páginas também trabalham para mostrar um "lado humano" dos agentes de segurança. Os exemplos mais comuns são fotografias de policiais carregando crianças e bebês no colo ou ajudando idosos a, por exemplo, atravessar as ruas. Junto às fotos, os perfis publicam textos que criticam a imagem que seria criada por ONGs e movimentos de direitos humanos sobre os fardados. "Enquanto ongueiro defende vagabundo a gente faz nosso trabalho, graças a Deus", diz uma das imagens. Também são populares fotografias e registros de policiais mortos em confronto. "Soldado... Teu corpo serviu com alma e coração. Fez-te escudo para o próximo! Portanto, anda em paz pelo Paraíso. O inferno já foi tua missão!", diz a legenda de outra.
2014-09-17 22:49:40
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_salasocial_eleicoes2014_violencia_rs.shtml
brasil
Segundo pesquisa, os 1% mais ricos continuam a ganhar cem vezes mais do que 10% mais pobres; governo contesta que desigualdade parou de cair.
IBGE: redução da desigualdade no Brasil estaciona nos níveis de 2011
Após anos de queda lenta porém constante, os índices de desigualdade no Brasil estacionaram no mesmo patamar nos últimos três anos e, no ano passado, apresentaram a primeira piora em mais de uma década, aponta o IBGE. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, o chamado Índice Gini, que varia de 0 a 1, piorou de 0,496 em 2012 para a 0,498 em 2013, o primeiro aumento desde pelo menos 2001. O Gini é usado no mundo todo para medir a desigualdade e aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. De acordo com a gerente da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, Maria Lúcia Vieira, a variação é muito pequena para afirmar que a concentração de renda aumentou no Brasil, mas indica a interrupção de uma tendência de queda constante. "Vínhamos observando quedas importantes ano a ano, mas não vemos movimentação nos índices agora. Diria que estamos na mesma condição de 2011", diz Vieira, uma das responsáveis pela PNAD. Divulgada nesta quinta-feira, a pesquisa anual do IBGE indica avanços em diversas áreas, como escolaridade e infraestrutura nos domicílios (ver quadro abaixo), e mostra que a renda média continua subindo no país. De 2012 para 2013, este rendimento teve aumento real de 5,7%, passando para R$ 1.681 por trabalhador. Porém, a renda média aumentou mais no topo da pirâmide (6,4%) do que na base (3,5%), não contribuindo para diminuir a desigualdade. O contingente de 1% dos brasileiros mais ricos ainda ganha quase cem vezes mais que os 10% mais pobres. A renda média é de R$ 235 por mês entre os 8,6 milhões de trabalhadores mais pobres, contra R$ 20.312 entre os 864 mil no topo da pirâmide. "Para o índice melhorar (Gini), as pessoas com rendimento mais baixo precisariam ter aumentos superiores aos das populações mais ricas. Não é o que estamos observando", diz Vieira. Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), José Eustáquio Diniz Alves diz que essa interrupção vem na esteira do baixo crescimento da economia e do PIB – que afeta diretamente o reajuste do salário mínimo, indexado à inflação e ao PIB de dois anos antes. Para ele, os benefícios gerados por programas sociais como o Bolsa Família propiciaram um período de queda na concentração de renda, mas esse efeito pode ter chegado agora a um limite. "Os programas sociais já tiveram esse efeito de reduzir a pobreza e não geraram ganho significativo nos últimos anos", avalia o demógrafo. Os índices de desigualdade no Brasil cresceram de forma contínua a partir dos anos 1960, com uma piora expressiva durante o período da ditadura militar. A economista Sônia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (IETS), explica que o agravamento da desigualdade ocorreu sob conjunturas bastante diferentes, tanto durante os anos de forte crescimento do "milagre econômico", na década de 70, quanto nos anos 1980, um período de inflação alta e baixo crescimento. A tendência de queda sustentada começa em meados dos anos 1990, lembra a economista, e foi consistente em fases macroeconômicas distintas, tanto durante o governo Fernando Henrique Cardoso quanto nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. "Na primeira fase, quando o rendimento caía, os pobres perdiam menos, ou não perdiam, se ganhassem algo em torno de um salário mínimo. Na segunda, quando todos os rendimentos aumentaram, a renda daqueles na base de distribuição subiu muito mais que a do extremo superior”, diz Rocha, especialista em estudos sobre a evolução da pobreza. Para ela, no entanto, o processo de redução de desigualdade está se esgotando, e o principal entrave é o funcionamento inadequado do sistema educacional. "A desigualdade educacional – antes mais relacionada aos anos de estudo, mas que agora está cada vez mais à qualidade da educação – está na raiz da desigualdade de renda." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Na coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira em Brasília para comentar os dados da PNAD, representantes do governo contestaram a ideia de que a desigualdade parou de cair. O economista Marcelo Neri, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), afirmou que os dados deste ano da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) indicam que essa queda continua mês a mês. “A parada na queda da desigualdade não veio para ficar. A PME tipicamente antecipa os dados da PNAD, e temos indicadores de 2014 que apontam para a continuidade da redução da desigualdade”, afirmou. Neri disse que a expansão do Brasil Sem Miséria (programa do governo para combater a extrema pobreza), o aumento da escolaridade e a redução do analfabetismo contribuiriam para continuar reduzindo a desigualdade nos próximos anos, e que é difícil uma série em queda há 11 anos não ter flutuações. Ao ser questionado por que, em 2013, a renda entre os ricos tinha crescido mais que a renda entre os pobres, Neri disse que 2012 foi o ano em que a renda dos 5% mais pobres mais cresceu (20,1%). “Foi um ano excepcional, e você não colhe vários anos excepcionais.” Ele destacou o aumento de renda no país como um todo como “a melhor notícia” da PNAD e afirmou que pesquisa indica uma melhora qualitativa no mercado de trabalho, com mais trabalhadores com carteira assinada, portanto, maior acesso à proteção social e trabalhista. A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, lembrou que o Banco Mundial usa outros critérios além da renda para medir a desigualdade e argumentou que esses indicadores devem ser considerados. “Não podemos nos prender a um debate exclusivo sobre a renda”, afirmou. “Se olharmos para a desigualdade como o acesso a um conjunto de bens e direitos, e não só de renda, ela está caindo. O acesso à escolaridade, à agua, à energia elétrica e à saúde tem melhorado de forma expressiva.” Para a ministra, melhorias em saúde, educação e outros investimentos que vêm sendo feitos futuro “vão garantir que o Brasil continue nessa trajetória de redução de desigualdade”.
2014-09-18 13:53:52
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140918_desigualdade_ibge_brasil_pnad_rb.shtml
brasil
Em relato à BBC Brasil, policial militar fala sobre preconceito sofrido por PMs, perseguições dentro da corporação e sua decisão de deixar a polícia.
'Na faculdade, deixei minha profissão camuflada; somos discriminados', diz PM
Orgulho e decepção são dois sentimentos que se misturam quando o policial X fala sobre sua experiência na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Em depoimento à BBC Brasil, o policial (que não será identificado para evitar represálias) fala sobre a satisfação em poder ajudar a população em seu trabalho diário e lamenta o preconceito que é dirigido aos agentes da lei em algumas situações. Crítico ao caráter militar da polícia, ele relata situações de perseguição dentro da corporação, fala sobre a necessidade de reformas e confessa ter decidido deixar a PM. Leia o relato concedido ao repórter Luis Kawaguti, da BBC Brasil. "Eu entrei na PM mais por vocação, por gostar da profissão. Eu admirava o trabalho dos policiais militares, a maneira como eles se comportavam com o cidadão, pelo menos isso foi na época em que eu entrei, há mais de dez anos. Eu via o policial como autoridade, um funcionário da lei que poderia mudar um pouco a situação do Estado de São Paulo. Mas na escola de soldados eu já tive aquela decepção com a profissão. Você entra e acredita que vai aprender todas as atividades de policial. Claro, a gente têm aulas de Direito, de procedimentos, mas eles te mandam fazer coisas diversas da profissão como carpir mato, ser pedreiro, lixar, pintar parede, coisa que não faz parte da segurança pública. Fora a pressão interna. Se você chegasse um dia com a bota mal engraxada os comandantes deixavam a gente preso no final de semana. Eles obrigavam a gente a limpar um alojamento enorme em vez de contratar uma empresa especializada. Uma vez eu entrei para pegar algo no meu armário e um tenente me viu com botas. Falou que o chão estava limpo e eu estava sujando, por isso me deixou preso no final de semana. Na minha primeira ocorrência, até considero que agi errado. Guardas civis foram apreender a mercadoria de um vendedor de água e lanches em frente a uma faculdade porque ele não tinha alvará. Estava ele e a filha dele. Ela tinha uns 10 anos de idade e veio correndo e abraçou a minha perna falando: "Salva o meu pai, salva o meu pai, eles vão apreender a mercadoria dele e é a única coisa que a gente tem para trabalhar". Aí eu conversei com os guardas e eles não apreenderam a mercadoria. Isso me marcou. Eu gostava de atender casos de roubo a banco. Às vezes não conseguíamos prender os bandidos, mas podíamos conversar com as vitimas, tranquilizá-las, depois levar para a autoridade policial. Eu me sentia bem, gostava de ajudar as pessoas. A função da polícia militar não é ruim não. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Em festa de amigos ou de parentes, quando o policial militar chega e alguém fica sabendo logo começa aquela conversa numa roda. Você vai bater um papo para descontrair e eles começam a contar casos policiais, como: 'O policial militar me parou nessa semana e o veículo estava com o licenciamento vencido e o policial solicitou dinheiro para mim. Nossa, o policial é corrupto'. Aí eu falo: 'Espere aí! Nem todos os policiais militares são corruptos. Eu não sou, trabalho com vários policiais que não são, esse foi um caso isolado que o policial pediu dinheiro para você, mas nem toda a polícia é corrupta'. Eu defendo o policial militar porque eu convivo com ele e eu acredito que a maioria é honesta, a maioria quer trabalhar, cumprir com seu dever e voltar no outro dia para casa. Eu ficava chateado porque era uma afronta ao fato de eu ser policial e por saber que eu sou honesto e os meus amigos também. Não ficava chateado por falarem mal da instituição, mas por generalizarem o policial militar como desonesto. Ele não é desonesto nem violento, salvo exceções. Na faculdade de Direito, eu procurei deixar camuflada a minha profissão. O policial tem receio, nós somos discriminados. Se eu chegasse na faculdade e me apresentasse como policial militar o tratamento seria outro. Seria entrar naquele debate sobre o policial honesto, todo mundo ia querer contar aquela história sobre o que o policial fez. Eu me preservei por causa disso, quis ser normal na faculdade. No final do curso eu fui falar que era policial e o pessoal falou: 'Nossa, não acredito! Não tem nada a ver você de policial militar'. Eu não sei qual era a analogia. Não sei se é pelo fato de eu estar em uma faculdade estudando, almejando crescer . (Me disseram que) 'o policial militar não tem essa vontade de crescer, ele não tem cultura, não tem estudo'. Mas eu não questionei porque já era o final do curso. Já no curso da pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal tinha quatro delegados na minha sala, o resto eram advogados. Quando me apresentei como PM senti um certo afastamento. Eu sentava no fundo da sala e quando me apresentei todo mundo olhou para trás e disseram: 'Nossa, um policial militar aqui na sala!' Hoje a população pensa de maneira errada que o policial militar não tem cultura, não tem estudo, não tem nem o segundo grau, não sabe ler ou escrever. Simplesmente a população acha que ele passou em frente do setor de seleção da PM e foi arrastado para dentro. Mas não, é um concurso muito difícil de entrar e o PM tem que ter muito conhecimento. Antigamente tinha aquela musiquinha: 'É, é , é não estudou virou gambé (gíria para policial em algumas regiões do Brasil)'. Hoje não, para ser 'gambé' tem que estudar, para ser policial tem que estudar muito. O homem com conhecimento pode exercer profissão bem melhor, o policial com conhecimento de Direito vai exercer sua profissão muito melhor. Eu conseguia trabalhar e agir sempre de uma maneira legalista, mas eu fui desanimando por causa de perseguição interna. Exemplo clássico: o policial está dirigindo a viatura e se vier a bater, pronto! De duas uma: vai ficar preso ou vai pagar a viatura e ser perseguido. Como fiz Direito, já defendi muito policial militar em processo administrativo. Mas eu ia vendo que as decisões do comandante eram tendenciosas e isso ia me desanimando. Hierarquia há em todos os órgãos públicos, mas a hierarquia militar, por ter regulamento próprio, é pior. Se você chegar atrasado – o trem pode atrasar, o ônibus pode quebrar - você já responde processo. Eu tomei providências em relação ao meu oficial, que era um tenente. Ele não aceitou o fato de que um soldado poderia abrir um processo contra ele. Ele quis utilizar um armamento que não poderia usar por norma do comandante. Eu fiz um documento comunicando isso a um superior dele e acabei transferido de companhia. Esse é um tipo de punição na Polícia Militar que não tem no regulamento, que é a transferência, mudança de escala, é uma punição velada. O PM é obrigado a melhorar o salário fazendo o famoso bico. Um comandante que quer perseguir vai botar o policial para trabalhar no dia do bico, puxar escala extra e aí ele perde o dinheirinho extra do bico. Eu respondi a dois processos administrativos. Hoje quero sair da PM. Não tenho mais aquele brilho no olhar para a polícia, não gosto mais da profissão. Não quero mais fazer um serviço desses para sofrer perseguições, o militarismo desanima a gente. A PM é a única instituição em que você vai trabalhar e pode ser preso, ser morto ou responder a um processo. A Polícia Militar hoje é uma instituição secular. Felizmente, bem ou mal, é a única polícia que consegue segurar a criminalidade no país, mas tem que passar por muitas reformas. Mas eu não vou ficar para ver, se Deus quiser, vou sair em breve." (Procurada pela reportagem da BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirmou que não se pronunciaria sobre o relato do policial. Já a Polícia Militar do Estado de São Paulo não havia enviado seu posicionamento até a publicação desta reportagem)
2014-09-17 16:29:41
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_depoimento_pm_kawa_salasocial_eleicoes2014_rw.shtml
brasil
Testemunhas com medo, cenas de crime alteradas e armas 'frias' dificultam a apuração de homicídios cometidos por agentes da lei.
Por que é tão difícil investigar abusos por policiais? Conheça 5 razões
Investigar e punir policiais que cometem crimes é um dos maiores desafios dos órgãos de segurança pública brasileiros, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil. Entre as maiores dificuldades envolvidas no processo estão enfrentar o corporativismo das polícias e convencer testemunhas a vencer o medo e prestar depoimentos contra agentes da lei responsáveis por crimes. "Investigar abusos e crimes cometidos por policiais é difícil porque predomina a cultura de autoproteção e imunidade quanto a esses crimes", diz Átila Roque diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil. Por todo o país, são relativamente comuns os casos em que policiais são flagrados recebendo propina, envolvidos em roubos e até atuando como "seguranças" de criminosos. Porém, o crime que mais preocupa organizações de defesa de direitos humanos e os policiais encarregados de investigar os próprios colegas são os assassinatos cometidos por policiais. Segundo Roque, embora haja alguns casos de órgãos corregedores competentes e atuantes, o controle da violência policial ainda é uma realidade distante no Brasil. "Como fazer isso em um país onde não se sabe nem ao certo quantas pessoas são mortas por policiais por ano?". A BBC Brasil conversou com policiais envolvidos na investigação de crimes cometidos por policiais. Sem se identificar (para não sofrer represálias de seus superiores) eles apontaram cinco fatores que tornam mais difícil a obtenção de provas e o esclarecimento de crimes cometidos por agentes da lei. Uma das tarefas mais difíceis na investigação de homicídios cometidos por policiais é encontrar testemunhas dispostas a se apresentar às autoridades. Especialmente em regiões mais periféricas, pessoas que testemunharam abusos de policiais temem ser assassinadas caso denunciem esses crimes a órgãos corregedores ou à Justiça. Os programas de proteção à testemunha existem, mas muitas preferem o silêncio a aderir a eles. Isso porque os programas implicam que a pessoa mude de casa, de nome, de emprego e corte totalmente os laços com familiares e amigos por longos períodos de tempo. Dessa forma, mesmo que identificada pelos órgãos de investigação, as testemunhas em geral preferem não se envolver, mesmo depois de receberem todas as garantias de proteção e anonimato. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A análise correta da cena de um crime por peritos pode fornecer as provas necessárias para processar um policial que tenha cometido irregularidades, mesmo que não haja nenhuma testemunha. Exames de balística podem, por exemplo, determinar que um tiro partiu da arma de determinado policial e não de um criminoso. Os peritos conseguem dizer também se a vítima foi baleada quando trocava tiros com a polícia, se foi executada sem chance de defesa, quando o crime aconteceu, entre outas informações. A análise do local do crime serve, portanto, para reforçar a versão de um policial envolvido em uma ação suspeita ou desmascarar uma fraude criada por ele para encobrir um assassinato. Porém, por vezes, policiais que cometem delitos tentam alterar a cena do crime com o objetivo de reforçar sua versão dos fatos. Algumas das práticas já identificadas são a introdução de elementos na cena do crime (armas, drogas, entre outros) ou a remoção de cadáveres do local. Ou seja, os maus policiais matam um suspeito e, em vez de preservar a cena do crime para os peritos, levam o cadáver a um hospital – alegando posteriormente que a pessoa morreu no caminho. Policiais de São Paulo disseram à reportagem que estimam que cerca de 80% dos locais onde houve supostos confrontos entre policiais e suspeitos sejam corrompidos de alguma forma antes da chegada dos peritos. Alguns Estados brasileiros controlam a quantidade de munições usadas por policiais e adotam um calibre específico a ser usado pelas forças de segurança cujo uso é proibido a civis. Medidas como essas ajudam as equipes de investigação a obter indícios da participação de policiais em crimes de assassinato. Mas para dificultar essa identificação, foi constatado por autoridades que alguns policiais usam armas apreendidas ilegalmente de suspeitos para cometer crimes. Essas armas são então descartadas para que não sejam analisadas por peritos criminais. O corporativismo é um dos fatores que enfraquecem a atuação de órgãos corregedores e dificultam que policiais denunciem colegas de trabalho que cometam atos ilegais. Mas o silêncio dos companheiros e a falta de ação não são os únicos problemas de quem investiga a própria polícia. Segundo policiais ouvidos pela reportagem o próprio cenário político em um Estado em determinadas ocasiões pode influir na disposição de superiores hierárquicos para incentivar ou não a investigação e a punição de policiais que tenham cometido algum crime. Em alguns casos mais graves, as ameaças feitas por policiais suspeitos não se restringem às testemunhas de seus crimes. Policiais encarregados de investigar colegas disseram à reportagem que já sofreram ameaças ou têm amigos que já foram vítima desse tipo de ação. Segundo eles, policiais que cometeram crimes chegam a fazer ameaças por telefone e até mesmo a passar em veículos fazendo disparos próximo das casas dos investigadores. As ações de intimidação não chegam a impedir os investigadores de continuar com o trabalho, mas os desestimulam e tornam suas atividades mais difíceis.
2014-09-16 21:05:42
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140914_investigacao_crimes_salasocial_eleicoes_lk.shtml
brasil
Para especialistas ouvidos pela BBC Brasil, restrições ao uso da arma de fogo podem ajudar no combate à violência; tema, no entanto, ainda divide a população.
O controle de armas e munições pode ajudar a reduzir as mortes no Brasil?
Sete anos após 64% dos eleitores brasileiros terem rejeitado a proibição da venda de armas de fogo e munições num referendo popular, em outubro de 2005, o Brasil atingiu a marca de 56.337 homicídios no ano de 2012, a maior de sua história, de acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde). Deste total, 40.077 pessoas foram mortas por armas de fogo, ou seja, 71% de todas as mortes. O número total de homicídios ocorridos no Brasil em 2012 representa 10% de todos os crimes do tipo no mundo, segundo o Relatório Global de Homicídios da UNODC de 2013 (Escritório da ONU para Drogas e Crime, na sigla em inglês). Embora o país já tenha uma legislação que controla o porte e o uso de armas de fogo (o chamado Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003), para especialistas consultados pela BBC Brasil os atuais índices de violência poderiam ser mais facilmente revertidos caso o país adotasse leis que restringissem ainda mais o uso e a venda de armas do tipo. Eles argumentam que em outros países, como o Reino Unido, onde o acesso a armas e munições é mais difícil, o menor número de armas de fogo em circulação tende a diminuir a incidência de homicídios. “É difícil comparar, porque são contextos muito diferentes, mas falta uma política de segurança pública mais efetiva nesta área, e reduzir o número de armas de fogo e munições é, sem dúvida nenhuma, benéfico para a segurança”, diz Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, sociólogo, professor da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para o pesquisador, embora o Estatuto do Desarmamento tenha passado a penalizar de “forma adequada” o porte ilegal de armas, o fato de os índices de homicídios no Brasil continuarem entre os maiores do mundo faz com que novas medidas sejam necessárias. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Luis Flávio Sapori, sociólogo e professor da PUC-MG, no entanto, é mais crítico com a atual legislação sobre armas em vigor no Brasil. “O Estatuto (do Desarmamento) não melhorou a segurança pública no Brasil. A violência continuou crescendo no país, as armas de fogo continuam se proliferando de forma acelerada nas ruas das cidades brasileiras. A capacidade da polícia de pegar essas armas ilegais não foi aumentada”, diz. Para ele, a legislação foi enfraquecida quando, em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o pagamento de fiança para quem fosse preso em flagrante portando arma de fogo ilegal. “O assunto perdeu destaque. As campanhas eleitorais para Presidência poderiam ser um bom momento de retomar essa discussão, mas nem os movimentos de direitos humanos estão se atentando para isso. O estatuto está desmoralizado. Se não conseguiram proibir a venda, então que ao menos tornem o uso e o porte bem mais difíceis”, argumenta. A lei atual pune com dois a quatro anos de reclusão - além de multa - o porte ilegal de armas no fogo no Brasil. Para Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, a legislação aprovada em 2003 é avançada e a rejeição dos brasileiros à proibição da venda de armas e munições, em 2005, não esvaziou o estatuto. Ele lamenta, porém, que o movimento de entrega voluntária de armas tenha pedido força ao longo dos anos, e que o momento atual não seja de avanço, mas sim de ameaça de retrocesso. “Não há confiança na polícia por parte da população e é claro que há uma questão ideológica, e de lobbies de interesses”, diz o especialista. Tanto Sapori como Ghiringhelli de Azevedo concordam que a redução das armas de fogo em circulação seria um avanço para a segurança pública e reduziria o número de homicídios, mas nem todos partilham da mesma opinião. Tanto entre os parlamentares quanto na sociedade há uma série de mobilizações contrárias à legislação e a favor de uma liberalização maior do porte de arma, tornado mais restritivo pelo estatuto. Mais de 40 projetos de lei neste sentido foram apresentados no Congresso nos últimos anos, entre eles o do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), que pede a revogação total do Estatudo do Desarmamento. Para ele, as normas mais rígidas não diminuíram os índices de violência, e os criminosos seguem tendo acesso a armas ilegais de qualquer maneira. Recentemente um desses projetos de lei que visam alterar cláusulas do estatuto foi aprovado, e as guardas municipais de todo o país passaram a ser armadas, no que foi visto como um retrocesso por analistas. “Temos um discurso no Congresso argumentando que a pessoa precisa ter a capacidade de defesa própria, senão está à mercê da criminalidade. É um discurso muito disseminado e acho que se houvesse outro referendo hoje em dia, o resultado infelizmente seria o mesmo”, avalia Ghiringhelli de Azevedo. O pesquisador questiona o argumento de que o uso de armas de fogo pode propiciar melhores meios para que as pessoas comuns se defendam de criminosos. “A arma de fogo disponível na rua não está sendo usada para defesa pessoal. Ela acaba sendo usada pelo crime e, em 90% das situações de tentativa de defesa, o que ocorre é o latrocínio, quando a vítima de um assalto acaba sendo morta pelo bandido”, diz.
2014-09-16 15:40:49
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140916_salasocial_eleicoes2014_controle_armas_jf_cq.shtml
brasil
Fórum Econômico Mundial seleciona anualmente lideranças com menos de 40 anos em diferentes áreas como política, negócios e mídia.
Quatro brasileiras são 'jovens líderes globais'
Quatro brasileiras integram hoje o seleto grupo do Young Global Leaders (YGL). Com perfis diferentes, a cineasta Julia Bacha, a ex-secretária de Comércio Exterior, Tatiana Lacerda Prazeres, a presidente da companhia aérea TAM, Claudia Sender, e a fundadora da rede de salões Beleza Natural, Leila Cristina Velez, têm se destacado internacionalmente em suas áreas. O Fórum Econômico Mundial, conhecido por suas reuniões anuais em Davos, na Suíça, seleciona, por um mandato de seis anos, personalidades com menos de 40 anos, que tenham se destacado na política, negócios, mídia, pesquisa, cultura e artes. Na última semana, 214 jovens líderes vindos de 66 países se reuniram em Tianjin, na China, durante a edição 2014 do YGL. Mais da metade dos integrantes desse ano são mulheres. "A comunidade do YGL reúne os mais proeminentes dirigentes da próxima geração, que obtiveram resultados extraordinários e os ajuda a continuarem a se desenvolver na estrada da liderança", define David Aikman, responsável pela New Champions Community do FEM, da qual o YGL faz parte. Para Tatiana Lacerda Prazeres, única indicada brasileira que vem do setor público, o grupo reúne pessoas com trajetórias e experiências distintas, mas motivadas a dar uma contribuição para o mundo nas áreas em que atuam. "É muito inspirador o contato", avalia. Julia Bacha, cineasta brasileira, diz que o que une perfis tão diferentes é a preocupação social. "São pessoas que têm um comprometimento em trabalhar para que o futuro seja melhor do que o agora", diz. Tatiana não se considera um exemplo para os brasileiros, mas acredita que a nomeação como jovem líder global é um reconhecimento em relação a sua carreira e uma aposta para o futuro. "Olhando para lideranças mundiais, que já passaram pelo grupo e que hoje ocupam posições de destaque, se reconhece que o fórum tem capacidade para identificar pessoas com potencial". A BBC Brasil preparou perfis de cada uma delas. Leia abaixo: Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Desde 1998, a carioca de 33 anos, vive em Nova York para onde se mudou para estudar inglês e acabou cursando graduação na Universidade de Columbia. Sua carreira de documentarista começou em 2004, quando escreveu e editou Control Room, um dos documentários políticos de maior bilheteria de todos os tempos nos Estados Unidos. O trabalho teve grande impacto na cobertura da Guerra do Iraque. Julia se dedica atualmente a um novo filme sobre as mulheres palestinas, que lideraram campanhas de desobediência civil no final dos anos 80, durante a primeira Intifada. Ela conta que se envolveu com a questão entre Israel e Palestina por acaso. O interesse veio através da colaboração desenvolvida com a cineasta israelense, Ronit Avni, fundadora e diretora da Just Vision, organização sem fins lucrativos, que pesquisa e desenvolve conteúdo sobre líderes palestinos e israelenses comprometidos com a não-violência, da qual Julia é a diretora criativa. Juntas elas dirigiram Encounter Point, em 2006, em Israel. "Quando cheguei em Jerusalém, vi a importância desse trabalho. Queria realmente mudar a dinâmica, na qual a atenção da comunidade internacional e da mídia está sempre focada nos atores que usam a violência. Enquanto israelenses e palestinos, que adotam a resistência pacífica, a desobediência civil, são em grande parte ignorados", denuncia. "Nosso trabalho é o de contar as histórias e mostrar quem são os indivíduos que acreditamos que no futuro vamos olhar com a mesma admiração que reservamos a Martin Luther King, Nelson Mandela e Mahatma Gandhi. Esses indivíduos existem!" Tatiana, que até o ano passado integrava o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fez história na pasta já que pela primeira vez um funcionário de carreira chegou ao cargo de vice-ministra. Atualmente, ela é assessora do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra. Com passagem pelo mundo acadêmico, Tatiana é doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e autora de dois livros sobre questões comerciais. Ela coordenou a área internacional da Apex-Brasil e passou pela consultoria de Relações Internacionais da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Além de suas obrigações profissionais, ela ajuda jovens pesquisadores que trabalham com temas relacionados a OMC. "Faço uma orientação informal de pessoas estudando comércio internacional. Achei que esta era a melhor forma de contribuir aproveitando o que eu tenho de melhor". Duas outras jovens líderes foram indicadas por suas atuações no mundo dos negócios. Claudia Sender é a primeira mulher à frente de uma companhia aérea brasileira. Com 39 anos, ela comanda os cerca de 30 mil funcionários da TAM e define a estratégia da empresa, que tem faturamento de quase US$ 13 bilhões. Formada em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo, Claudia mudou de área e fez carreira no mundo corporativo atuando em marketing e planejamento na Whirlpool e na Bain & Company. Ela se especializou na Harvard Business School e apenas em dezembro de 2011 entrou para a maior empresa de aviação do país, como vice-presidente Comercial e de Marketing. Após a fusão com a chilena LAN Airlines assumiu a Unidade de Negócios Doméstica Brasil. Em 1993, Leila Cristina Velez criou aos 19 anos um dos primeiros salões de beleza especializado em cabelos crespos, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Hoje, a Beleza Natural é uma rede de cabeleireiros com quase 20 unidades, 2 mil funcionários e mais de 100 mil clientes por mês. A empresa criou ainda nos anos 90 uma linha de produtos para o negligenciado mercado de cabelos afro no Brasil. O sucesso é atribuído pela companhia ao ganho de "autoestima" em milhares de pessoas, por valorizar os fios naturais e ir contra a corrente das técnicas de alisamento praticadas por salões convencionais. No último ano, a cadeia de institutos de beleza presente em cinco estados brasileiros, recebeu um incentivo de US$ 32 milhões da GP Investments, para financiar sua expansão para todo o país. Nascida em uma favela carioca e ex-funcionária do McDonald’s, Leila é formada em Administração de Empresas e fez cursos de Empreendedorismo e Competitividade na América Latina na Columbia Business School e em Harvard .
2014-09-17 04:45:07
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_mulheres_lideres_globais_rm.shtml
brasil
A adoção de temas pouco conservadores por bispos e jornalistas católicos rendeu elogios e debates paralelos nas redes sociais.
Debate promovido pela igreja discute aborto, casamento gay e drogas
As cartas foram lançadas em primeira pessoa por bispos e jornalistas da igreja católica: drogas, casamento gay, Estado laico e aborto foram, surpreendentemente, os trunfos do debate promovido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com os candidatos à presidência na noite de terça-feira. Transmitido por mais de 200 rádios e pelo menos quatro canais de TV católicos, o encontro aconteceu na Basílica do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida e foi mediado pelo jornalista Rodolpho Gamberini. Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Eduardo Jorge (PV), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidelix (PRTB), Luciana Genro (Psol), Marina Silva (PSB) e pastor Everaldo (PSC) precisaram se posicionar - alguns pela primeira vez - sobre assuntos polêmicos. A adoção de temas menos conservadores em relação aos debates de eleições passadas é coerente com a postura mais "progressista" adotada pelo Papa Francisco, nomeado no início do ano passado. As respostas dos presidenciáveis - algumas vagas, outras mais objetivas - renderam, como sempre, debates paralelos nas redes sociais. Questionada sobre violência e uso de drogas entre jovens, Marina Silva respondeu que "o combate à violência é fundamental para termos meios de combater o tráfico de drogas e de armas. Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas por ano, a maioria jovem". A resposta da candidata foi alvo de críticas. Dom João Carlos Petrini perguntou a Levy Fidelix sobre "o processo de desvalorização da família, formada por pai, mãe e filhos". O candidato aproveitou a senha para declarar-se contra o casamento entre pessoas nascidas com o mesmo sexo. "Os maus exemplos são uma questão crucial, a união homoafetiva destrói a família. Isso é terrível", disse. À socialista Luciana Genro, coube responder sobre como veria - caso fosse eleita - a relação entre Estado e religião. "Digo com muita sinceridade que não sou uma pessoa religiosa, mas respeito todas as religiões. Não vou me converter como muitos candidatos fazem por oportunismo. O Estado laico é importante para assegurar os direitos de todas as religiões e de quem não tem religião. Sou a favor da união civil entre homossexuais. Precisamos combater a homofobia, o racismo e a transfobia", respondeu. A posição da candidata, que junto a Eduardo Jorge costuma repercutir muito nas redes sociais, rendeu críticas e elogios. O médico Eduardo Jorge voltou a defender o aborto, após ser questionado por um jornalista católico. "Não se pode deixar abandonadas 800 mil mulheres que fazem abortos no Brasil. É preciso revogar essa lei atual, criminosa e machista, que deixa mulheres morrerem e transforma elas em criminosas, mulheres que muitas vezes são católicas e evangélicas." Questionado sobre a regulamentação da maconha para consumo e uso medicional, o estreante em debates com presidenciáveis nestas eleições, Eymael, chegou a gritar. "Totalmente contra. A democracia é totalmente contra a descriminalização das drogas e da maconha. A juventude é assassinada pelas drogas e armas que entram pelas fronteiras desguarnecidas desse país. A função das Forças Armadas é defender as fronteiras deste país, impedindo a entrada de drogas e armas." Aécio Neves precisou responder à seguinte pergunta: "Se eleito, o senhor deve aprovar o projeto de lei que prevê a criminalização da homofobia?" A resposta foi encarada por internautas como ambígua. "É preciso que fique claro que qualquer tipo de discriminação seja tratada como crime. Inclusive a homofobia. Essa discussão tramita no Congresso há muito tempo. Nossa posição é a seguinte: há uma resolução do STF que já é realidade, isso é pagina virada. Essa é nossa posição, bem clara, diferente de outras candidatas. O que precisamos é definir se a PL122 é o instrumento adequado, ou se encontraremos outro texto." Dilma Rousseff foi poupada de temas polêmicos entre religiosos. Questionada pelo bispo Dom Guilherme Werlang, a atual presidente falou sobre redução da pobreza. Depois apresentou suas propostas sobre saúde, questionada por um jornalista.
2014-09-17 05:30:07
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140916_salasocial_eleicoes2014_debatecnbb_polemica_rs.shtml
brasil
Terceiro debate entre os candidatos promovido pela CNBB teve discussões mais acaloradas e trouxe 'questões morais' como temas de perguntas.
Dilma e Aécio são principais alvos em debate tenso entre presidenciáveis
Os candidatos à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff, e pelo PSDB, Aécio Neves, foram os principais alvos de críticas e ataques em encontro organizado nesta terça-feira pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que rendeu um debate um pouco mais 'tenso' entre os presidenciáveis. Em um evento pontuado por questões morais, como o direito ao aborto, o casamento gay e a legalização das drogas, os candidatos do PV, Eduardo Jorge, e Luciana Genro, do PSOL, destoaram dos demais postulantes ao confrontarem posições defendidas pela Igreja Católica. Luciana e Genro também fizeram algumas das críticas mais duras dirigidas a Dilma e Aécio. Marina Silva, que estava rouca e aparentava cansaço, ficou à margem das principais polêmicas. O formato do debate promovido pela CNBB - o terceiro entre os aspirantes à presidência - permitiu pouca interação entre os três principais candidatos. Apenas no quarto bloco, houve perguntas entre os presidenciáveis, que não podiam escolher para quem direcionariam suas questões - essas definições eram feitas por sorteio pelo mediador. O momento mais tenso do debate ocorreu quando Luciana Genro associou Aécio Neves a escândalos de corrupção ocorridos em Minas Gerais e no governo federal. "O senhor falando do PT é como o sujo falando do mal lavado", disse Luciana. Ela afirmou que o mensalão, principal escândalo de corrupção do governo petista, deriva do mensalão tucano, em que políticos mineiros – entre os quais o ex-governador Eduardo Azeredo, do PSDB – são acusados de envolvimento em um esquema de compra de apoio na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Luciana disse ainda que Aécio protagonizara um dos últimos escândalos da política brasileira ao reformar um aeroporto em Cláudio (MG). Uma reportagem da Folha de São Paulo revelou em julho que a obra, ocorrida em 2010, quando Aécio era governador, custou R$13,9 milhões e foi feita em terreno desapropriado de um tio-avô do tucano. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "O senhor é tão fanático das privatizações que consegue privatizar um aeroporto e entregar à família, tão fanático da corrupção que consegue construir um aeroporto para beneficiar sua família." Aécio rebateu as acusações dizendo que Luciana se portava como "linha auxiliar do PT" e que se escusou de responder sua pergunta sobre educação porque não tinha proposta de governo. Em sua última fala, disse ainda que "aqueles que são irrelevantes fazem acusações absurdas e levianas, que não devem ocupar o tempo tão escasso (que há) para se falar do Brasil". O embate ocorreu no dia em que uma pesquisa revelou o crescimento de Aécio na corrida. De acordo com um levantamento do Ibope, Aécio ganhou quatro pontos percentuais em relação à última pesquisa, de 12 de setembro, e chegou a 19% das intenções de voto. Ele continua em terceiro lugar na disputa, atrás de Dilma Rousseff (que passou de 39% a 36%), e de Marina Silva (31% a 30%). O bate-boca entre Luciana e Aécio foi precedido por duras críticas do tucano ao governo de Dilma Rousseff. Em resposta a pergunta do candidato do PSC, Pastor Everaldo, sobre denúncias recentes de corrupção na Petrobras, Aécio afirmou que o caso "fez com que o mensalão parecesse coisa pequena". "Quem não teve condições de administrar nossa maior empresa não tem condições de administrar o Brasil", disse o tucano, referindo-se a Dilma. "A Petrobrás é a face mais visível de governo que abandonou há muito tempo um projeto de país e se permite usar de todas as armas para se manter no poder", afirmou. Dilma pleiteou o direito de resposta e foi atendida. Ela disse ter "tolerância zero" com a currupção e que quem investiga o escândalo na Petrobrás é o próprio governo, por meio da Polícia Federal. "Se hoje se descobrem atos de corrupção, ilícitos, é porque não varremos para debaixo do tapete", afirmou. Em outra ocasião, a petista foi duramente criticada pelo candidato do PV, Eduardo Jorge. Respondendo questão sobre demarcações de terras indígenas, Jorge afirmou que a política do governo Dilma – que paralisou todos os processos demarcatórios – "significou mais violência, mais fome e mais mortalidade infantil" entre índios. Citando informações do Cimi (Conselho Indigenista Missionário, braço da Igreja Católica), ele afirmou que há 17 processos de demarcação de terras indígenas parados na mesa da presidente, e outros 12 na mesa do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ele disse que, se eleito, concluirá as demarcações em seu primeiro dia de governo. O governo afirma que os processos foram paralisados para evitar conflitos, já que a maior parte das demarcações em curso ocorre em áreas também ocupadas por agricultores.
2014-09-17 04:05:00
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140917_analise_debate_cnbb_jf_rm.shtml
brasil
História de sargento ilustra vulnerabilidade de policias a criminosos nos períodos de folga; em 2013, mais de 300 agentes foram mortos.
Dois anos após morte de policial, viúva ainda aguarda prisão de criminosos
O futebol de várzea não era só um passatempo para o sargento Maurício (nome fictício), do serviço de saúde da Polícia Militar de São Paulo. "Se houvesse convite para jogos, ele era capaz de praticar todos os dias, isso desde criança. Ele não fumava, não bebia, nem era mulherengo, era um homem de família, mas tinha essa paixão pelo futebol", diz Ana, a mulher com quem dividiu a vida por mais de 25 anos. Porém, seus familiares e amigos não eram os únicos que sabiam desse "ponto fraco" de Maurício. Em junho de 2012, criminosos supostamente ligados à facção PCC (Primeiro Comando da Capital) montaram uma emboscada e assassinaram o policial em um campo de várzea na zona norte de São Paulo. Segundo as investigações da polícia, o assassinato teria sido um presente de aniversário para um chefe local da facção. Embora o crime que resultou na morte de seu marido tenha ocorrido há pouco mais de dois anos, sua viúva Ana ainda luta para ver seus responsáveis presos, enquanto aguarda o pagamento de uma indenização por parte do Estado. A história do sargento Maurício ilustra uma das faces da guerra cotidiana que toma a maior parte das cidades brasileiras. Embora soubesse dos riscos que corria, o policial Maurício tentava acalmar sua família dizendo que era inútil se preocupar. "Ele dizia que não devíamos nos preocupar, deixar de fazer coisas ou sair na rua, porque se fosse acontecer alguma coisa, os criminosos viriam até em casa, porque têm o endereço de todo mundo", lembra Ana. "Ele sempre fazia o mesmo caminho para sair do campo e ir até a casa da mãe dele. Quando o jogo terminou (dois criminosos) o seguiram. Ele estava dentro do carro, um veio do lado dele e chamou seu nome. O que estava do outro lado atirou nele", afirmou a viúva. O assassinato aconteceu em junho de 2012, no auge do mais recente conflito entre a Polícia Militar de São Paulo e o PCC (maio a dezembro de 2012), quando a facção determinou o assassinato de agentes da lei como resposta à morte de membros do grupo criminoso. Desde então, Ana aguarda o esclarecimento do caso e a prisão de seus responsáveis. Além de acompanhar de perto o processo criminal, ela diz fazer sua própria investigação. "Eu conversei com colegas dele que não falaram com a Polícia Civil e comecei a levar essas informações para investigação", disse. "Faço isso por uma sede que tenho, não de vingança, mas de justiça", afirmou. As autoridades policiais identificaram três suspeitos, que respondem ao crime em liberdade. Após ser arquivado e depois reaberto a partir de dados novos obtidos pela Corregedoria da Polícia Militar, o inquérito foi relatado pela Polícia Civil à Justiça no início deste mês. Segundo a viúva, seu marido foi um dos policiais mortos de forma quase aleatória pelo PCC. Na ocasião, mensagens do crime organizado interceptadas pelos setores de inteligência da polícia ordenavam que os membros do grupo assassinassem policiais (sem dar nomes específicos) em retaliação a ações da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), a controversa unidade de elite da polícia paulista. Segundo ela, a maior prova de que queriam matar um policial, não importando qual fosse, é que Maurício trabalhava havia 20 anos como protético, no centro odontológico da PM. Há muitos anos ele não participava do policiamento de rua. Ana conta que a morte do marido também afetou as condições econômicas da família, além de ter atingido duramente seu filho. "Minha luta ainda não terminou", disse. "Meu padrão econômico de vida caiu em 60%, meu filho passou seis meses tendo desmaios frequentes e estamos passando por tratamento psicológico", conta. Ela tenta agora obter uma indenização paga pelo governo para policiais que morrem em decorrência de seu trabalho. Muitas vezes, no entanto, esse processo é burocrático, especialmente se o assassinato ocorre fora do horário de serviço. Ana disse que só consegue trabalhos esporádicos e com eles tenta ajudar o filho, que hoje tem 17 anos, a cursar uma faculdade. "Depois que conseguir essas coisas, vou tentar viver."
2014-09-15 05:04:37
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140914_personagens_seguranca_salasocial_eleicoes2014_lk_jp.shtml
brasil
Ao revisar para baixo o crescimento da economia brasileira, OCDE cita inflação alta e incertezas pós-eleições.
OCDE: Brasil deve crescer 1,4% em 2015, ainda abaixo de emergentes e ricos
O Brasil deverá crescer 1,4% em 2015 contra 0,3% neste ano, mas ainda abaixo de vários emergentes e países ricos, informou um relatório divulgado nesta segunda-feira pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O estudo, intitulado Avaliação Econômica Intermediária, revisou consideravelmente para baixo as previsões em relação ao crescimento da economia brasileira neste ano e no próximo. Segundo a OCDE, a alta do PIB brasileiro (Produto Interno Bruto, a soma dos bens e serviços produzidos por um país) em 2014 deve ser inferior, inclusive, à da Zona do Euro (0,8%), que ainda não conseguiu se recuperar totalmente da crise financeira. No próximo ano, o Brasil continuará crescendo menos do que a China (7,3%) ou a Índia (5,9%) e também terá expansão menor do que países como Estados Unidos, Alemanha e Canadá. Por outro lado, deve ter um crescimento maior que o da Zona do Euro (1,1%) e da Itália (0,1%), diz a OCDE. Em maio passado, no relatório Perspectivas Econômicas, publicado semestralmente, a organização havia previsto que a economia brasileira cresceria 1,8% em 2014 e 2,2% em 2015. O novo levantamento diz que, no curto prazo, o Brasil deve registrar "apenas uma lenta retomada econômica após a recessão", ressaltando que a inflação permanece acima da meta e sugerindo, assim, que as políticas monetárias deverão continuar restritivas. A economia brasileira entrou oficialmente em recessão – quando há dois trimestres consecutivos de queda – no final deste primeiro semestre. A OCDE destaca que os investimentos no Brasil têm sido particularmente fracos neste ano, "afetados pelas incertezas em relação à direção da política econômica após as eleições e pela necessidade de reduzir a inflação". A organização ressalva, no entanto, que "uma recuperação moderada do crescimento pode ser esperada no Brasil quando esses fatores se dissiparem". Mas o crescimento da economia brasileira "deve permanecer abaixo do potencial em 2015", prevê a OCDE. O novo documento divulgado nesta segunda-feira tem o objetivo de atualizar as previsões e análises publicadas em maio, avaliando se elas continuam pertinentes. As novas perspectivas no curto prazo foram publicadas devido à reunião de ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais do G20 nos dias 19 a 21 de setembro em Cairns, na Austrália. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A OCDE também afirma no documento que uma expansão econômica moderada está em andamento na maioria das economias desenvolvidas e emergentes, mas isso ocorre a um ritmo desigual entre as regiões. "Há um aumento das diferenças entre as principais economias. A retomada nos Estados Unidos é sólida e o crescimento é uma tendência no Japão e na China e também está se reforçando na Índia, após o recente ritmo fraco", afirma o documento. O cenário contrasta com a situação do Brasil, com perspectiva de recuperação lenta da economia, e também nos países da zona do euro, onde a expansão permanece fraca no curto prazo e "há risco de estagnação prolongada se não houver medidas para aumentar a demanda", estima a OCDE. O PIB dos Estados Unidos deve crescer 2,1% neste ano e 3,1% em 2015, contra 2,6% e 3,5% previstos no estudo de maio passado. A zona do euro deve crescer apenas 0,8% neste ano. Enquanto a Alemanha deve ter expansão de 1,5% neste ano e no próximo, a Itália, por exemplo, deve encerrar 2014 com retração de 0,4% do PIB e crescimento de apenas 0,1% em 2015. A economia da China deve avançar 7,4% em 2014 e 7,3% no próximo ano, sem mudanças em relação às estimativas anteriores. Já no caso da Índia, a OCDE revisou para cima a estimativa de crescimento econômico do país neste ano, que deverá ser de 5,7%, contra 4,9% previsto anteriormente para o mesmo período. Em 2015, o PIB indiano deverá crescer 5,9%. "O grupo de economias emergentes continuará crescendo muito mais rápido do que os países avançados, mas o ritmo também é desigual entre esses países", afirma a OCDE, comparando a expansão do PIB na China e na Índia e os números bem mais modestos no Brasil.
2014-09-15 17:28:12
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140915_ocde_relatorio_economia_brasil_lgb.shtml
brasil
Para os especialistas, apesar de controle sobre polícia militar ser atribuição do Estado, propostas do governo federal seriam essenciais para o avanço da discussão sobre a violência policial e contra os policiais.
Medo de perder 'voto conservador' afasta violência policial de campanhas
Após os protestos de 2013, a ONU cobrou explicações do Brasil sobre o que chamou de uso excessivo da força policial na repressão aos manifestantes. Casos como o do pedreiro Amarildo também levantaram o debate sobre a atuação cotidiana da polícia militar em todo o país. Mas uma "fuga histórica do debate" e o receio de perder votos de setores conservadores impedem que o tema entre nos programas dos presidenciáveis lideres nas pesquisas, segundo especialistas. A violência policial e também a violência sofrida pelos policiais – até mesmo dentro da corporação – foram apontadas por leitores em uma consulta promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais como fonte de histórias originais. Trataremos do tema ao longo desta semana, durante a quarta parte da cobertura especial da BBC Brasil sobre as eleições de 2014. Em seus programas oficiais de governo, os candidatos líderes nas pesquisas, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), apresentam propostas de capacitação, modernização e investimento na carreira e na infraestrutura policial (ver quadro). Alguns deles mencionam itens como "transparência" e "controle da atuação policial". No entanto, não há menção explícita a questões relacionadas ao uso excessivo de força, à alta letalidade da força policial no Brasil e a ações que promovam uma diminuição da violência que atinge os policiais. Entre os candidatos à Presidência, apenas Luciana Genro (PSOL) e Zé Maria (PSTU) mencionam a violência policial. Ambos propõem a desmilitarização da polícia. Para Bruno Langeani, coordenador da área de sistema de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz, a segurança ainda não é um tema no qual os candidatos à Presidência "gostam de entrar", apesar de ter aparecido como a segunda maior preocupação dos brasileiros em uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada no início de agosto. "O maior papel na segurança está com os Estados e as políticas públicas dão resultados de longo prazo. Não é algo que traz benefícios políticos imediatos para o candidato. Historicamente, eles fogem do debate, quando podem", afirma. O cenário, no entanto, estaria mudando, na medida em que a população cobra mais posicionamentos. "Há um tempo, o candidato podia passar a campanha inteira sem falar do tema. Hoje eles já têm que responder mais perguntas sobre isso nos debates. Estamos avançando", disse Langeani à BBC Brasil. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "O combate à violência policial é reivindicado por todos os movimentos de periferia e é talvez o único tema que unificava dos protestos de 2013. Acho um fato notável que isso não seja mencionado pelos principais candidatos", afirma o filósofo, ativista e professor da USP Pablo Ortellado, autor do livro Vinte centavos: a luta contra o aumento. Para Ortellado, a ausência do tema nas campanhas se deve a um processo que chama de "moralização do debate político brasileiro, semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos nos anos 90 e acontece agora na França e em muitos países". "Temas como a proibição do aborto e do casamento gay, guerra contra as drogas e a redução da maioridade penal ganharam muito espaço, ultrapassando temas econômicos. A defesa de uma polícia mais dura faz parte dessa agenda", diz. "Acho que os candidatos simplesmente não estão lidando com o tema porque temem perder o eleitor conservador, seja ele de direita ou de esquerda." No Brasil, a organização da Polícia Militar é de competência dos governos estaduais, o que explicaria, em parte, a menor presença do tema nas campanhas presidenciais. Para os especialistas ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, propostas do governo federal seriam essenciais para o avanço da discussão sobre a violência policial e contra os policiais. "A violência policial não é o único problema da polícia, mas ela não é resolvida apenas com carreira, salário, estrutura e outras questões da segurança pública", diz Pablo Ortellado. "A polícia precisa de reforma em vários níveis, mas a violência policial é uma cultura, que precisa de ações específicas como uma corregedoria independente, instrumentos de sanção para quem cometa violência. É necessário que o policial preste contas." Para Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, o problema da violência policial "tem que estar expressamente colocado nos programas, porque afeta a falta de confiança na polícia e o desgaste da corporação". "O papel do governo federal é ter liderança, colocar modelos e diretrizes. Ele poderia estabelecer como critério que os Estados recebam recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública que tenham programas de redução de violência policial ou mesmo a criação de corregedorias e ouvidorias policiais independentes", disse ele. "Mas isso também só dará certo se o governo federal investir mais em segurança pública. O orçamento da segurança pública atualmente é menos de 0,5% do PIB brasileiro, em média." Mudanças mais profundas na formação e atuação dos profissionais – como a possibilidade de realizar o ciclo completo de policiamento (preventivo, ostensivo e investigativo), uma das bandeiras de movimentos pela diminuição da violência – devem também ser propostas pelo poder executivo, de acordo com Langeani. "Os candidatos falam da capacitação para o ciclo completo, mas isso só não dá conta, porque é preciso ter mecanismos legais para que o policial possa atuar no ciclo completo. Mesmo que isso seja uma atribuição do Legislativo, sabemos que quando as propostas vêm do Executivo elas têm mais força”, afirma.
2014-09-12 22:47:30
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140912_salasocial_eleicoes2014_candidatos_policia_seguranca_cc.shtml
brasil
Em relatório, Nações Unidas elogiam avanços e políticas, mas apontam que país vive 'mito de democracia racial' e 'ideologia de embranquecimento' na sociedade
Governo reconhece 'racismo institucionalizado' apontado pela ONU
"O Governo Brasileiro reconheceu e reconhece sua responsabilidade e criou a Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em 2003." O comentário, enviado à BBC Brasil pela secretaria com status de ministério, responde a um relatório divulgado nesta sexta-feira pela ONU. O órgão mundial afirma que o racismo "permeia todas as áreas da vida" no Brasil. As Nações Unidas concluem que o país vive um "mito de democracia racial" e que há "racismo institucionalizado" e uma "ideologia de embranquecimento" na sociedade brasileira. Tanto a ONU quanto o governo, entretanto, também destacam avanços nas políticas para afrodescendentes no Brasil. Segundo o Planalto, a implementação de cotas raciais na educação e no serviço público e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra foram medidas importantes no processo de reversão deste problema histórico no país. A ONU concorda e diz que os principais avanços ocorreram durante o governo do ex-presidente Lula. As críticas do relatório e o posterior "mea culpa" são resultado da visita de um grupo de trabalho da ONU a Brasília, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, em dezembro do ano passado. Os especialistas foram recebidos por representantes do governo, do judiciário e de organizações da sociedade civil. O texto do relatório informa que "o racismo permeia todas as áreas da vida no país" e que é difícil para os negros discutir o tema, já que "o país vive um mito de democracia racial". Segundo a ONU, o desemprego é 50% maior entre afrodescendentes e a média salarial dos brancos, por sua vez, é o dobro do salário dos negros. Enquanto a expectativa de vida entre os negros não passa de 66 anos, a dos brancos é seis anos maior. Mais da metade dos negros não tem saneamento básico adequado no país - a média chega a 3 em cada 10 brancos. As Nações Unidas reconhecem que o país conta com "diversas instituições para a promoção da igualdade social" e "diversos avanços expressivos foram feitos na legislação sobre a igualdade racial", especialmente nos últimos dez anos. "Os mecanismos de reprodução das desigualdades raciais se atualizam no Brasil. O reconhecimento do papel estruturante do racismo é o principal fator para que a atual gestão apoie decididamente ações afirmativas para produzir as mudanças que, por longo tempo, foram impedidas de acontecer na sociedade brasileira", disseram os porta-vozes do governo à reportagem da BBC Brasil. "Esses ganhos ainda são acompanhados pela persistência das desigualdades raciais", afirma o governo federal. Segundo o Planalto, as diferenças entre brancos e negros demandam "um renovado esforço de articulação de iniciativas capazes de neutralizar seus efeitos deletérios sobre as oportunidades de inclusão que se abrem no Brasil de hoje". "É um processo", diz a pasta. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Entre os resultados da pesquisa, a ONU aponta que a educação é uma das principais áreas de discriminação e uma das principais fontes de desigualdade. "É importante que se desconstrua a ideologia de embranquecimento que continua a afetar uma parcela significante da sociedade", diz a ONU. Segundo o órgão internacional, "políticos conservadores desvalorizam ações afirmativas, políticas e leis" direcionadas aos afrodescendentes - que têm menos acesso à saúde e educação, menor expectativa de vida, menos cargos públicos e maior presença nas prisões. O relatório critica as administrações estaduais e municipais, onde "faltam recursos materiais e financeiros para que as atividades possam ser conduzidas". O órgão ainda destaca o trabalho de redução do racismo institucional em Pernambuco, com trabalhos de sensibilização e capacitação de policiais, e um grupo de trabalho contra o racismo criado pelo Ministério Público pernambucano. Segundo o órgão internacional, o foco nos policiais é "importante para transformar a cultura de violência sob pretexto de segurança nacional" - três negros morreram em cada quatro homicídios cometidos no Brasil em 2010. A dificuldade de acesso à justiça pela população negra é, para a ONU, um dos pontos-chave da discussão. Segundo o órgão, como a sociedade ainda nega a existência de praticas racistas, estas questões acabam não chegando no judiciário e, quando chegam, dificilmente são penalizadas. As Nações Unidas indicam ainda que a polícia atua com critérios "baseados na cor da pele" dos cidadãos. "O papel da polícia é garantir a segurança pública", diz o relatório. "Mas o racismo institucional, a discriminação e a cultura de violência levam a práticas de tortura, chantagem, extorsão e humilhação, em especial contra afro-brasileiros." Ainda segundo o documento, "o direito à vida sem violência não é garantido pelo Estado".
2014-09-12 22:06:09
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140911_eleicoes2014_onu_racismo_rs.shtml
brasil
Tática do PT de 'atacar' Marina Silva parece estar funcionando, pelo que indicam as últimas pesquisas de intenção de voto.
Norte e Sul impulsionam Dilma; analistas veem riscos em estratégia agressiva
Pesquisas recentes mostram que as sucessivas críticas da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, à sua principal concorrente, Marina Silva, do PSB, surtiram efeito principalmente entre eleitores do Norte e Sul do país. Dilma aparece numericamente à frente de Marina segundo a última pesquisa de intenções de voto do Datafolha (36% a 33%) e já teria se descolado na primeira colocação pela pesquisa CNI/Ibope, divulgada nesta sexta (39% a 31%). Nas simulações de segundo turno, os dois institutos apontam agora empate técnico - Marina chegou a ter dez pontos de vantagem no Datafolha e nove no Ibope no início do mês. Analistas afirmam, porém, que a estratégia de atacar Marina é arriscada e pode aumentar a rejeição a Dilma, que já é bastante alta. Na pesquisa CNI/Ibope, 42% disseram que não votariam na candidata do PT de jeito nenhum, 11 pontos percentuais a mais do que o índice medido pelo Ibope no fim de agosto. Marina tem rejeição de 26%, segundo o mesmo instituto. Foi na região Norte que Dilma mais avançou nos últimos dias. Segundo o Datafolha, a petista passou de 38% das intenções de voto, entre 1º e 3 de setembro, para 48% uma semana depois. Como nesse intervalo Marina se manteve com 32%, é provável que a petista tenha roubado votos do candidato do PSDB, Aécio Neves – que passou de 14% para 10% -, e dos indecisos (de 10% a 4%). As intenções de voto em Dilma no Norte ultrapassaram seu índice de apoio no Nordeste, tradicionalmente o principal reduto do PT em eleições para presidente. Segundo o Datafolha, no Nordeste a petista teria 47% dos votos. Para Pedro Fassoni Arruda, professor do departamento de política da PUC-SP, o desempenho de Dilma nas duas regiões se deve principalmente aos programas sociais implantados nas gestões petistas – como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e o Prouni – e à política de valorização do salário mínimo. Ele diz que o apoio relativamente fraco de Marina no Norte, sua região de origem – ela nasceu no Acre –, reflete o distanciamento entre a candidata e suas bases eleitorais. "Ela deixou o Partido dos Trabalhadores e deu uma guinada mais à direita, se aproximando de setores como o agronegócio, banqueiros. Com isso, acabou se afastando de um eleitorado que é tradicionalmente do PT", afirma. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast No outro extremo do país, na região Sul, Dilma também ampliou sua vantagem em relação a Marina. No fim de agosto, segundo o Datafolha, as candidatas do PT e do PSB estavam empatadas, com 32% das intenções de voto cada. Desde então, Dilma abriu sete pontos de vantagem em relação a Marina: ela subiu para 35%, enquanto a ambientalista caiu para 28%. Para Susana Krause, professora do programa de pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não se deve considerar que eleitores da região Sul se comportam de modo homogêneo, já que cada um dos três Estados sulistas segue lógicas eleitorais distintas. Quanto ao Rio Grande do Sul, Estado mais populoso da região, ela afirma que a força de Dilma se assenta em três pilares. O primeiro, diz Krause, é a forte tradição do trabalhismo no Estado. Dilma militou nessa corrente política, que teve o gaúcho Leonel Brizola como um de seus principais expoentes. O segundo pilar é a identificação de boa parte do eleitorado gaúcho, particularmente em Porto Alegre, com partidos de esquerda. Krause afirma que, embora nas últimas eleições parte desse eleitorado tenha se afastado do PT, a polarização política em vigor pode ter reaproximado o grupo do partido. "Talvez alguns daqueles eleitores de esquerda mais aguerridos dos anos 80 e 90 tenham se sensibilizado com a onda de acusações contra o PT. Talvez o antipetismo tenha revigorado neles o desejo de votar no PT." O terceiro motivo, segundo a professora, é a popularidade de Dilma e de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, entre agricultores familiares gaúchos, grupo numeroso no interior do Estado. Analistas avaliam, porém, que a estratégia eleitoral que tem melhorado o desempenho de Dilma nas pesquisas pode produzir efeitos contrários, se não for conduzida com cuidado. Dilma tem dito em seus discursos e propagandas eleitorais que Marina menospreza a importância do pré-sal e entregará o governo a banqueiros. A ambientalista rebate as críticas. Ela afirma que investirá no pré-sal, mas que também dará importância a outras fontes de energia, e que nos governos do PT os bancos tiveram lucros recordes. "Sem julgar o mérito das críticas, a estratégia alcançou seus objetivos, que era conter o crescimento da Marina e estancar tendência de queda da Dilma", diz Arruda, da PUC-SP. Ele afirma, porém, que a tática funciona "até certo ponto" e que, se as críticas derem lugar a ataques, pode afastar eleitores. "Por enquanto a campanha da Dilma não cruzou a linha, mas sempre há o risco de errar o tom", diz o professor.
2014-09-12 19:50:06
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140912_dilma_estrategia_marina_jf_rm.shtml
brasil
Campanha questiona justiça de SP por declarar fotógrafo alvejado por bala de borracha culpado por perder a visão do olho esquerdo
#SalaSocial: Jornalistas usam tapa-olhos em protesto contra violência policial
Maio do ano 2000, avenida Paulista, São Paulo, protesto de professores e profissionais de saúde. "Eu estava fotografando. Veio uma bomba de gás. Me virei para sair de perto. Foi quando a bala de borracha veio direto para o meu olho", conta o repórter fotográfico Alex Silveira. No início deste mês, 14 anos depois, a Justiça divulga sua conclusão sobre o caso: Silveira foi declarado culpado por perder 80% da visão do olho esquerdo. A conclusão dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo não ganhou grandes manchetes, mas repercutiu nas redações de jornais. Usando tapa-olhos como símbolo para a perda de visão de Silveira e a "falta de visão" da Justiça, jornalistas, militantes de direitos humanos, advogados e ativistas lançaram na última quarta-feira uma campanha de apoio ao fotógrafo. "Quando vi tanta gente usando tapa-olhos como os meus eu chorei, bicho. Chorei muito", diz Silveira ao #SalaSocial. "Fiquei sem palavras mesmo. Se parar para pensar, nos não somos uma classe extremamente unida. É muito lindo ver todos juntos apoiando não só a mim, mas ao Sergio e a todas as pessoas que também sofreram violência." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Sérgio Silva, a quem Alex se refere, entende bem o que sente o colega. Não apenas por ser também é fotógrafo - mas porque no ano passado também perdeu parte da visão após levar um tiro de bala de borracha no olho esquerdo, durante os protestos de junho. "Todos nós, na reunião sobre o caso, entendemos como absurda a decisão da justiça. Parece que estão criando uma jurisprudência. Quem pode garantir que meu caso não vai ser julgado igual, assim como tantos outros que não estão em evidência?" O encontro foi organizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e pela Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematógraficos do Estado de São Paulo. Entre os participantes, profissionais de jornais como a Folha de S.Paulo e Agora São Paulo (onde Alex trabalhava), além de entidades como Conectas, Artigo 19, Advogados Ativistas e Associação Brasileira de Imprensa. Além das fotos em seus perfis nas redes sociais, os profissionais decidiram usar tapa-olhos em seus ambientes de trabalho e nas ruas. A data da ação conjunta deve ser divulgada na semana que vem. Meses depois do disparo, quando a perda de 80% da visão foi confirmada, Silveira entrou com ação de danos morais e materiais contra o Estado. "A primeira instância saiu em 2007, com ganho para mim e indenização de 100 salários mínimos por danos físicos", conta Silveira. "Mas disseram que eu não tive perdas materiais. Eu perdi meu material fotográfico, que é bem caro. Recorri, o Estado também, e no fim das contas, depois de sete anos, o Estado me vem dizer que sou culpado pela situação." Segundo a justiça, Silveira também deverá pagar as despesas do processo, estimadas em R$ 1.200. A cifra é bem maior do que parece. "Tenho tido muito menos oportunidades de trabalho desde que tomei o tiro. Minha capacidade de trabalho mudou, mas não diminuiu, só funciono de outra forma." Silveira não participou do encontro porque estava no Amapá, fotografando. "Foi meu primeiro job de foto em 2014, não podia perder. <span >Meu portfólio é tão bom quanto era, talvez seja melhor, mas não me contratam única e exclusivamente porque eu sou um deficiente. Sim, hoje eu sou um deficiente." "Carta aos companheiros! Não é necessário dizer a vocês o quanto a posição tomada por esse Júri me afetou. Na prática, fiquei sem chão e me sentindo um lixo quando soube dessa notícia. Obviamente no primeiro momento foi um misto de indignação e auto piedade, coisa que quem me conhece direito sabe que passa logo, pois sou muito mais teimoso em tudo que faço. Mas passado o susto da notícia, me veio o pior dos sentimentos, que foi o de me sentir literalmente “um boi de piranha" por tudo que vem acontecendo já há um tempo e com vários de nós. (Obviamente que estou citando a era pós-ditadura), na qual saímos pra trabalhar com convicção que somos abonados pela constituição e pelo direito de exercer nossa profissão livremente. E é isso que mais me preocupa e amedronta no momento. Pois permanecendo este parecer ridículo, todos nós estaremos em um grande perigo de uma nova ditadura, mas agora velada de interesses mesquinhos e danosos, e dando para os agentes do estado um Salvo Conduto no qual o despreparo desses mesmos, certamente, causaram muitos danos, físicos, morais e constitucionais, mas isso tudo é muito óbvio. Sobre essa decisão realmente não consegui encontrar outra forma de explicar tal absurdo: Sim eu estava lá no cumprimento de minha profissão, entendeu o Juiz. Sim, foi a polícia a responsável pelo tiro que me atingiu no rosto (bala de borracha) Mas julgou com isso que eu tenho culpa por ter me colocado na frente da bala rs (podem rir, isso realmente foi cômico). E deixou claro que eu deveria ter deixado o local assim que o confronto começou. E o mais bizarro e perigoso "pra todos nós" Ele entendeu que ao permanecer no local eu "assumi o risco" de ter tomado o tiro. Bem, não acho que seja necessário falar sobre isso aqui entre nós, mas, alguém aí cobre, seja lá o que for, sentado na redação?? Obviamente não! Enfim, no fim das contas entendi com tudo isso que essa decisão tem uma clara intenção de "colocarmos em nosso lugar". Acredito que essa causa é maior que todos nós. Perdemos a nossa individualidade e nos tornamos um só Repórter, essa luta agora é de todos nós. Alex Silveira"
2014-09-12 17:39:15
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140912_salasocial_jornalistas_tapaolho_rs.shtml
brasil
Em artigo, estudante analisa conteúdo de três publicações. 'Como ter orgulho de ser negra, se o conteúdo estimula embranquecimento?'
Revistas excluem adolescentes negras: 'Estou no Brasil, mas me sinto na Rússia'
A pedido da BBC Brasil, a estudante de Jornalismo Isabela Reis analisou o conteúdo de três revistas voltadas para o público adolescente em busca de exemplos concretos da falta de representatividade de meninas negras na mídia. O artigo abaixo faz parte de um especial que busca dar voz a jovens nos principais debates que mexem com o Brasil. A invisibilidade dos negros na mídia brasileira não é assunto novo, mas as revistas para o público adolescente revelam um quadro cruel de exclusão. Em um país onde 57,8% das meninas de 10 a 19 anos se declaram pretas ou pardas (categorias cuja soma é comumente usada para medir a população negra), as publicações juvenis não as enxergam. Somente as brancas estão nas páginas. Não há diversidade. É difícil crescer lidando com produtos que não te contemplam. Como explicar para uma pré-adolescente negra, em plena formação de identidade, que ela é bonita, se a revista preferida ignora seu tom de pele? Como enaltecer a beleza afro, se o conteúdo estimula o embranquecimento? Como acreditar que o crespo é normal, se as reportagens só exibem cabelos lisos? Estamos no século 21 e parece que paramos no tempo. Nós queremos existir. As edições de agosto das três principais revistas para adolescentes do país omitem a população negra. Atrevida, Capricho e Todateen: 294 páginas, apenas cinco fotos de adolescentes pretas ou pardas. Na Capricho, uma imagem estava num anúncio; outra apresentava a nova integrante da equipe de leitoras que colaboram com a revista. Na Todateen, duas fotos estavam no mural de fãs; a terceira, como na concorrente, era da equipe de colaboradoras. E só. A Atrevida não trouxe uma adolescente negra. As cantoras e atrizes pretas ou pardas conseguiram espaço nas publicações pela fama, não pela cor. Foram 114 páginas de padronização e exclusão. As redações sabem da composição do público. Quatro das cinco imagens foram enviadas por leitoras negras. Elas compram, leem, se interessam, interagem, participam, colaboram. Elas estão presente e são ignoradas. Não havia um editorial de moda com modelos negras, uma seção de penteados para cabelos cacheados e crespos ou uma dica de maquiagem para pele negra. As revistas abordam bullying, sexo, masturbação, compulsões, vícios, sempre com personagens brancas, como se as questões não afetassem ou não interessassem as negras. O racismo também não foi pauta. Estamos em 2014, as pessoas ainda xingam negros de "macaco" e a juventude negra está sendo massacrada. O Mapa da Violência 2014, da Flacso Brasil, denunciou aumento de 32,4% nos homicídios de negros de 15 a 24 anos entre 2002 e 2012. Para cada jovem branco que morre, 2,7 jovens negros perdem a vida. E ninguém toca no assunto. As revistas não responderam às tentativas de contato. Se retornassem, conseguiriam justificar? É possível explicar a predominância das brancas nas páginas, quando elas são apenas uma parte das meninas de 10 a 19 anos? Se houvesse lógica nos números, 57,8% das imagens deveriam ser de meninas negras. Não é o que acontece. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Somos aproximadamente 9,7 milhões de cores, de cabelos com personalidade própria, de bocas grandes, de narizes largos, de sorrisos lindos, de leitoras, de público que vai pagar pelas revistas, de lucro. E ainda assim, não estamos lá. A mídia nos vende uma realidade que não existe. Vivemos no Brasil, o país da miscigenação. Ao abrir uma revista, me sinto na Rússia. É cruel com as crianças que crescem com o sentimento de não pertencer ao universo apresentado nas revistas. É cruel com as adolescentes que se convencem que, ao alisar o cabelo e parar de tomar sol, vão se encaixar no padrão irreal. É cruel com as famílias que precisam trabalhar em dobro para promover a aceitação. Deviam ter as revistas como aliadas, mas elas são, na verdade, um desserviço. *Isabela Reis é estudante de Comunicação Social da UFRJ e tem 18 anos
2014-09-12 08:39:05
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140912_isabela_artigo_cq.shtml
brasil
Em entrevista à BBC, Valneide Nascimento dos Santos diz não saber se governo do PSB será melhor que o de Lula e que cotas raciais devem ter horizonte de 10 anos.
'Tivemos medo de errar', diz coordenadora de Marina sobre política para religiões afro
A coordenadora nacional de promoção da igualdade racial da campanha de Marina Silva diz que sua equipe errou ao não detalhar políticas para religiões como o candomblé e a umbanda - questões consideradas de primeira importância por representes da militância afrobrasileira. "Como Marina, sou protestante e não tinha um acúmulo de conhecimento sobre políticas específicas para religiões de matriz africana", diz Valneide Nascimento dos Santos, em entrevista exclusiva à BBC Brasil. Filiada ao PSB há 17 anos - "meu primeiro, único e último partido" -, Santos demonstrou diversas vezes admiração pelo ex-presidente Lula, criador de políticas como o Brasil Quilombola (destinado a comunidades tradicionais) e das cotas para estudantes negros em universidades. "Se [o governo Marina] vai ser melhor que o de Lula, não sei. Queremos que seja no mínimo igual", afirma. Em conversa por telefone, a coordenadora de campanha adianta que a política de cotas raciais de Marina deve ter horizonte máximo de 10 anos. "Não quero que meus filhos e netos sejam cotistas daqui a 20 ou 30 anos", diz. BBC Brasil: Que acha das críticas sobre as políticas de Marina para religiões de matriz africana? Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Valneide Nascimento dos Santos: Não detalhar foi um erro nosso. Como a Marina, eu que sou a coordenadora nacional sou protestante e não tinha um acúmulo de conhecimento sobre políticas específicas para religiões de matriz africana. Então deixamos para os militantes do PSB de Salvador e da coligação que viessem somar posteriormente. Não foi uma falha do programa, foi uma falha nossa enquanto ativistas negros. Nós deixamos de colocar porque não tínhamos um entendimento sobre como deveria ser, na época. BBC Brasil: Então o programa será alterado? Valneide: Não. Se você pegar o programa, já estão incluídas as políticas. O que falta é o detalhamento. Faltou o compromisso com religiões africanas, que nós sabemos que são muito perseguidas pelos evangélicos. Sabemos de terreiros no Rio de Janeiro que foram tocadas fogo. Não queremos que isso se repita. Eu, que estou na coordenação, Marina, que é evangélica, e alguns companheiros, que são da academia, não temos acúmulo de conhecimento. A gente ficou com medo de errar e ter problemas futuros, entendeu? BBC Brasil: Quais são os comentários de Marina em relação à liberdade religiosa? Valneide: Ela reconhece a dificuldade do povo de religiões africanas em participar de uma política com mais atuação e visibilidade. Ela mostrou em todas as conversas vontade de fazer as pessoas verem a importância desses cultos como os demais cultos da sociedade. Ela sempre demonstrou abertura em todos os sentidos, não só ela como o Eduardo [Campos]. Eles sempre falaram a mesma língua. BBC Brasil: Marina diz querer manter a política de cotas raciais "como política emergencial, temporária, com data para terminar". O que significa ser "temporário e com data para terminar"? Valneide: Nós defendemos cotas com data de dez anos. Dez anos dá para fazer uma avaliação. Não defendemos cotas permanentes, vemos isso como retrocesso. BBC Brasil: Qual será o horizonte final da política de cotas raciais? Valneide: Não tenho uma data para falar. Defendemos no máximo 10 anos. BBC Brasil: As cotas de universidades começaram no início do governo Lula. Não se passaram 10 anos? Valneide: Você vê que na UNB começou a acabar. Já está sendo discutido, a cada ano diminuem as vagas para negros e negras e estão entrando as cotas sociais, que é algo que acreditamos que vai prevalecer futuramente. BBC Brasil: Muitos ativistas do movimento negro diz que racismo não tem a ver com pobreza. Valneide: Tem muitos negros e negras que não defendem cotas para negros, em espécie nenhuma. A gente respeita a opinião de todos, mas tem que respeitar também o partido e a proposta da coligação. Tem que acreditar e ver para crer. É igual Bolsa Família. Concordamos com ele, mas não podemos deixar ter neto e bisneto de Bolsa Família. Não quero que meus filhos e netos sejam cotistas daqui a 20 ou 30 anos. BBC Brasil: Qual será a política para quilombolas? Valneide: O governo do presidente Lula, em 2003, avançou muito. Criou a esperança, abriu portas para todos nós para o reconhecimento e a titularização [das terras quilombolas]. Lula foi o cara que criou o "Brasil Quilombola". A presidente Dilma não avançou em nada, parou. Queremos dar continuidade ao "Brasil Quilombola’ que o Lula criou. Não é copiar e colar, é dar continuidade a algo que está dando certo. BBC Brasil: Se a ideia não é copiar e colar o programa de Lula, qual será a diferença? Valneide: É dar continuidade ao que o presidente Lula com muita sabedoria criou e Dilma engavetou. BBC Brasil: A senhora faz duras críticas à Dilma Rousseff e muitos elogios a Lula. O governo Marina em relação ao movimento negro será melhor que o de Lula? Valneide: Se vai ser melhor, não sei. Queremos que seja no mínimo igual. Vamos abrir as portas para o movimento negro e ouvir. Foi o que Lula fez. A nossa defesa com Marina, e ela participou do governo Lula, é que a população negra seja ouvida, não queremos ser só coadjuvantes. Não vamos só votar, queremos ser votados e participar da gestão. Dilma não abriu para a sociedade.
2014-09-12 01:54:18
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140911_salasocial_eleicoes2014_coordenadora_marina_rs.shtml
brasil
Militantes questionam políticas para religiões africanas,comunidades quilombolas, cotas raciais e vínculos com o movimento negro
Única presidenciável negra, Marina sofre resistência entre afrodescendentes
"Brasileira nata, nascida em Rio Branco - AC, no dia 08/02/1958, do sexo feminino, cor/raça preta", diz o documento do Tribunal Superior Eleitoral que oficializa a candidatura de Marina Silva à presidência. Em 2010, quando disputou o Planalto pela primeira vez, Marina disse querer ser "a primeira mulher negra, de origem pobre, presidente da República Federativa do Brasil". Quatro anos depois, ela aparece, segundo o Ibope, na liderança de intenções de voto entre eleitores brancos, mas atrás de Dilma Rousseff entre os negros e pardos. Apesar de ser a única entre os três principais candidatos a dedicar um capítulo inteiro do programa de governo à população negra, a ex-senadora não é percebida como representante dessa parcela dos eleitores. Evangélica, filha de mãe mestiça e pai negro, Marina é analisada com desconfiança por professores universitários, institutos de pesquisa, coletivos, organizações sociais e ativistas ouvidos pela BBC Brasil. As críticas mais frequentes questionam a postura da candidata sobre temas importantes à militância negra. Liberdade para religiões de matriz africana, registro de terras para comunidades quilombolas, viabilização de políticas afirmativas, como cotas raciais, e a falta de vínculos com o movimento foram os principais pontos levantados pelos entrevistados. "Ficamos muito felizes que alguém se autodeclare negro, mas em hipótese alguma Marina representa a luta dessa população", diz o professor Paulino Cardoso, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e pesquisador da cultura afrobrasileira há 30 anos. "Somos [os negros] os mais miseráveis entre os miseráveis no Brasil", afirma Cardoso. "Será que o Estado enxuto que ela promete, de caráter neoliberal, com Banco Central independente, vai conseguir financiar nossas políticas sociais? Os negros dependem muito dessas iniciativas, elas custam mais de R$ 12 bilhões ao governo e são mal vistas pelas oligarquias", diz o professor. O comitê de Marina assegurou que a candidata responderia pessoalmente às questões enviadas sobre o tema pela BBC Brasil. Após desmarcar duas vezes o compromisso, os assessores deixaram de atender a reportagem. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A doutora em psicologia Elisa Nascimento, presidente do Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros), diz que os aliados políticos de Marina podem comprometer sua postura em relação à tolerância religiosa. À imprensa, Marina Silva disse repetidas vezes defender um "estado laico". A candidata, entretanto, tem o apoio de importantes lideranças políticas evangélicas - caso do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que já disse "profetizar o sepultamento dos pais de santo" e o "fechamento dos terreiros de macumba". "Tenho visto Marina tentar desvincular religião de seus posicionamentos, mas fica evidente que suas crenças influenciam sua ação política. Há neopentecostais que repetidamente desrespeitam o candomblé e a umbanda. Há terreiros sendo invadidos e destruídos. Religiosos sendo perseguidos. Marina não se posiciona e tem apoio de alguns dos principais inimigos destas religiões." Ouvida pela BBC Brasil, Valneide Nascimento, coordenadora nacional de política e promoção da igualdade racial da campanha, reconhece falhas. "Não detalhar (a política sobre religiões) foi um erro nosso", disse à reportagem, por telefone. "Como Marina, eu que sou a coordenadora nacional também sou protestante e a gente não tinha um acúmulo de conhecimento sobre religiões de matriz africana", diz. "Nós deixamos de colocar porque não tínhamos um entendimento sobre como deveria ser, na época." Valneide, no entanto, nega outra alteração no programa de governo - no fim de agosto, o PSB eliminou trechos do capítulo destinado aos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais). A mudança foi justificada na época como "falha no processo de editoração". "Não vamos alterar. As religiões estão no programa, o que faltou foi o detalhamento. Mas vamos anunciar esses detalhes pessoalmente no dia 20, em Salvador." Segundo dados de 2013 da Fundação Cultural Palmares, de pelo menos 1.281 comunidades quilombolas em processo de oficialização, só 21 tiveram seus territórios efetivamente titulados, como recomenda a Constituição. O programa de governo divulgado por Dilma Rousseff não cita quilombolas em nenhum momento. Já Aécio Neves menciona a "implementação de programas de apoio e auxílio a comunidades quilombolas", além de referências a "setores vulneráveis" como "mulheres, crianças, idosos, afrodescendentes, LGBT, quilombolas, ciganos, pessoascom deficiências, vítimas da violência e indígenas" (veja mais no quadro). Além de citar quilombolas 34 vezes, o programa de Marina é o único a dedicar um capítulo ao tema. No texto, ela promete "acelerar os processos de reconhecimento e titulação de terras quilombolas", "melhorar o abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo", "coibir a especulação imobiliária em áreas de quilombos e arredores", entre outras iniciativas. Mesmo assim, suas propostas encontram resistência. "Culturalmente, os limites da negociação de terras para comunidades tradicionais esbarra na agropecuária. A demarcação nunca vai ser interesse dos proprietários", diz João Jorge Rodrigues, mestre em Direito Público e presidente do Olodum, na Bahia. "Como alguém pode anunciar uma série de políticas para comunidades quilombolas e ao mesmo tempo ter um dos líderes do agronegócio como vice?", indaga. Paulino Cardoso, da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), também é cético. "Marina se alia a bancos e oligarquias para fazer o que chama de nova política. Papel aceita tudo. A gente precisa saber como vai ser feito." Os três principais candidatos à presidência nestas eleições defendem a política de cotas raciais em universidades. Em seu programa de governo, a ex-senadora diz "reafirmar a importância das cotas para população negra brasileira, como medida temporária, emergencial e reparatória da dívida histórica, com data prevista para terminar". Já Dilma Rousseff afirma pretender "tornar realidade a Lei de Cotas no serviço público federal, garantindo-lhe a mesma efetividade já alcançada pela lei de cotas nas universidades". Aécio Neves vai na mesma linha, pregando a "defesa e manutenção das ações afirmativas de inclusão social, inclusive cotas, em razão de raça". Viúva do ex-senador Abdias Nascimento, criador do Teatro Experimental do Negro nos anos 1940 e premiado pela Unesco por seu pioneirismo na luta pelos direitos da população negra, Elisa Nascimento, a presidente do Ipeafro, critica o texto do programa da candidata do PSB sobre cotas. "Ela fala sobre as cotas como medida com data prevista para terminar, mas não vejo como determinar uma data. Estamos longe de uma situação social de equilíbrio, sem desigualdades estatísticas entre negros e brancos", diz. Segundo o IBGE, 66,6% dos estudantes brancos de 18 a 24 anos frequentam universidades, enquanto 37,4% dos negros ou pardos estão no ensino superior. Ouvida pela BBC Brasil, a coordenação do programa racial de Marina afirma que 10 anos seriam o horizonte esperado para a transição de cotas raciais para cotas sociais. "A gente não quer que o negro fique para sempre dependendo das cotas", diz Valneide Nascimento. "O recorte racial nas cotas é necessário, porque pobreza e racismo são coisas diferentes", contra argumenta Elisa. "O fator racial é outro e não se resolve com políticas generalistas." Para a médica Jurema Werneck, da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, a falta de propostas efetivas para a população negra é um problema comum a todos os candidatos. A possibilidade de uma presidente negra "é simbolicamente importante", diz a ativista. "Mas este é um simbolismo que fala mais do passado, da luta que o movimento negro travou e que permitiu que ela chegasse lá", diz. "Marina Silva e nenhuma outra candidatura à presidência se colocaram [sobre políticas para os negros]. A classe política ainda está muito atrasada nisto." Para Thaís Santos, do Coletivo Negro, da USP, a candidata se declarar ou não negra "não significa muito". "Num país onde muitos dos negros não se entendem como negros, não a entenderão também. Se ela declarasse isso nas propagandas, se isso fosse parte de sua campanha, era outra coisa." A biografia da candidata, publicada em seu site oficial de campanha, não menciona sua cor. Ainda assim, Dennis de Oliveira, professor da USP e coordenador do coletivo Quilombação, considera importante que afrobrasileiros ganhem espaço em esferas de poder - e cita Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. "Marina militou com seringueiros, mas não me lembro de políticas para a população negra", afirma. "Ela é muito mais percebida pela questão ambiental do que pela identificação com os negros." Segundo a coordenadora de políticas raciais, Valneide Nascimento, "o programa foi construído com a participação de representantes da sociedade e da militância em todo o Brasil". Questionada sobre quais grupos de militância participaram, Nascimento não soube responder. "Eram muitos, a gente chamava e eles iam."
2014-09-11 03:39:18
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140910_salasocial_eleicoes2014_marina_movimentonegro_rs.shtml

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