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Pelé, 80 anos: a 'carreira artística' do jogador no cinema, na música e nos quadrinhos
Em 1986, 15 anos depois de ter parado de jogar pela Seleção Brasileira e 12 anos depois de ter deixado de vestir a camisa do Santos, Pelé voltou a pisar o gramado do Maracanã, o maior estádio de futebol do mundo.
Pelé e Renato Aragão nas filmagens de Os Trapalhões e o Rei do Futebol, em 1986 No dia 20 de abril, ele participou das filmagens de Os Trapalhões e o Rei do Futebol, dirigido pelo experiente Carlos Manga (1928-2015), durante a final da Taça Guanabara. No intervalo da partida entre Vasco e Flamengo, Pelé, Renato Aragão e um grupo de figurantes rodaram as últimas cenas do filme, diante de um público estimado de 121 mil torcedores. "A equipe de filmagem teve menos de 15 minutos para rodar aquelas cenas. Numa época em que não havia computação gráfica ou efeitos especiais, ainda mais no Brasil, essa foi a solução encontrada para dar aquele clima de final de campeonato, com estádio lotado e tudo o mais", explica o jornalista Rafael Spaca, autor de O Cinema dos Trapalhões - Por Quem Fez e Por Quem Viu (2016). Os Trapalhões e o Rei do Futebol estreou no dia 26 de junho de 1986, a três dias da final da Copa do Mundo do México, e foi assistido por 3,6 milhões de espectadores. No filme, Pelé interpreta um repórter esportivo chamado Nascimento que, aos 35 minutos do segundo tempo, aceita jogar como goleiro para ajudar o fictício time do Independência Futebol Clube. Bom de bola, o repórter ainda marca um golaço ao cobrar o tiro de meta. Placar final: Independência 5 x 4 Gavião. Fim do Talvez também te interesse "Guardo duas recordações do set de filmagens. Na ocasião, os Trapalhões alugaram um trailer de primeira para oferecer todo o conforto possível ao Pelé. Quando soube que teria um trailer só para ele, agradeceu, mas dispensou. Queria ficar junto com todo mundo. Nas cenas de briga, Pelé ficava preocupado de não machucar os figurantes", relata o humorista Dedé Santana que, por dispensar dublê, quebrou os dois pés logo no início das filmagens ao pular de uma árvore e teve que fazer o restante do filme com uma bota de gesso pintada de preto no filme com o rei do futebol, que completa 80 anos nesta sexta-feira (23/10). Talento imodesto Aquela não foi a primeira vez em que Pelé atuou em um longa-metragem. A primeira participação de Pelé na tela grande foi no filme O Rei Pelé, de 1962, com direção de Carlos Hugo Christensen. O longa conta a trajetória de vida do menino nascido em Três Corações, passando por Bauru e Santos até conquistar o mundo como rei do futebol. Pelé foi dublado por um menino durante a infância e por um rapaz para ilustrar a adolescência do rei. Tarefa difícil pois ambos não só tinham que guardar semelhança física com o rei mas também serem bons de bola. Mas a tabelinha do garoto que cresceu assistindo aos filmes da dupla Oscarito e Grande Otelo com o cinema não parou aí. Em 1971, fez uma participação especial no filme O Barão Otelo no Barato dos Bilhões. Logo, vieram outros, como Os Trombadinhas (1979), de Anselmo Duarte; Fuga para Vitória (1982), de John Huston, e Pedro Mico (1985), de Ipojuca Pontes. Na ocasião, a primeira opção do cineasta para o personagem-título, um típico malandro dos morros cariocas, foi o americano Sidney Poitier. Às voltas com sua candidatura para a Academia de Hollywood, o astro de Ao Mestre, Com Carinho (1967) Poitier declinou do convite. Como precisava de um nome forte para projetar o filme internacionalmente, convidou Pelé depois de conversar com o veterano John Huston (1906-1987) em Nova Iorque. "Pelé deu algum trabalho porque nunca foi um ator profissional. Mas era sensível, sincero e malandro para se sair bem. Trabalhamos para que ele não 'interpretasse', mas, sim, agisse naturalmente em cena. Ele foi correto e a coisa funcionou", avalia o diretor. Além dos filmes, Pelé participou também de documentários, como Isto É Pelé (1974), de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto, Pelé Eterno (2004), de Aníbal Massaini Neto, e Cine Pelé (2011), de Evaldo Mocarzel. "Dos filmes em que atuei, o que me deu mais prazer e reconhecimento foi, sem dúvida, Fuga para a Vitória", elege Pelé. "Na época, jogava no Cosmos de Nova York e tive a chance de contracenar com Sylvester Stallone e Michael Caine. Se tivesse que me dar uma nota como ator, bem, acho que daria 10", brinca o craque. Reza a lenda que, segundo o roteiro original, quem marcaria o gol de bicicleta na sequência final de Fuga para a Vitória seria Stallone. Mas, diante da dificuldade do astro de Rocky, Um Lutador (1976) de completar a jogada, ele teve que se contentar com o papel de goleiro. Contatos imediatos Além de se enveredar pela telona, Pelé aceitou um convite da novelista Ivani Ribeiro (1922-1995), autora de "remakes" de sucesso, como A Gata Comeu (1985), Mulheres de Areia (1993) e A Viagem (1994), da TV Globo, para protagonizar uma produção de sua autoria, Os Estranhos (1969), na extinta TV Excelsior. Na trama, o jogador dá vida a Plínio Pompeu, um escritor de sucesso que mora numa ilha distante e, certo dia, conhece e faz amizade com seres extraterrestres do planeta Gama Y-12. Na ocasião, Pelé conciliava as gravações da novela com os jogos do Santos. Para não fazer feio em frente às câmeras, a direção da novela escalou o ator Stênio Garcia para "bater o texto" com o jogador. No jargão artístico, ensaiar as cenas antes da gravação. "Pelé era muito gentil e esforçado. Estava aprendendo, né?", recorda a atriz Rosamaria Murtinho, que interpretou uma das alienígenas da novela, Dioneia. "Mas, a novela não fez sucesso, não. Tanto que pedi para sair." Stênio Garcia, Regina Duarte e Pelé nos bastidores da novela Os Estranhos, em 1969 De lá para cá, Pelé gravou outras participações: na sitcom Família Trapo (1967), da Record, onde aprendeu a jogar bola com Ronald Golias (1929-2005); no humorístico A Praça É Nossa (1991), do SBT, onde ouviu poucas e boas da fofoqueira Dona Vamércia, vivida por Maria Teresa Fróes (1936-1999); e na novela O Clone (2002), da TV Globo, onde visitou o bar da Dona Jura, interpretada por Solange Couto. Na gravação, Pelé aproveitou a deixa para exercitar outra faceta artística: a de cantor. Ele soltou o vozeirão na música Em Busca do Penta, de sua própria autoria. Pé quente, o jogador deu sorte à seleção comandada por Luís Felipe Scolari. Três meses depois, o Brasil venceu a Alemanha por 2 a 0 e conquistou a Copa do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no Japão. Do gramado para o estúdio Sim, além de aspirante a ator, Pelé também gosta de compor e cantar. Autor de mais de 100 músicas, como Meu Mundo É Uma Bola, Cidade Grande e ABC do Bicho Papão, já gravou um compacto ao lado de Elis Regina (1945-1982), participou de especial de Natal do Roberto Carlos e lançou um CD produzido por Sérgio Mendes. Um de seus álbuns, Peléginga (2006), gravado com coro, banda e orquestra, foi lançado apenas no mercado internacional. Com 12 músicas selecionadas entre as mais de 100 que compôs, vendeu 100 mil cópias. "Algumas de suas canções são boas. Outras nem tanto. Uma das minhas favoritas é Acredita no Véio. Ele compôs para o pai de santo que os jogadores consultavam antes dos jogos. Quando o time ganhava, estava tudo bem. Quando perdia, o pai de santo arranjava um monte de desculpa", diverte-se o maestro, produtor e arranjador Ruriá Duprat. Pelé e Ruriá Duprat no estúdio de gravação do álbum Peléginga, em 2006 No estúdio, Duprat conta que Pelé costuma dar trabalho, sim. Mas afirma que o jogador nunca se recusou a regravar uma música quantas vezes fossem necessárias: "Quando algo não está legal, sou franco e ele procura fazer melhor. Nessas horas, o Pelé não sai do estúdio enquanto não fica satisfeito com o resultado", diz. Em 2009, Pelé e Duprat cogitaram a hipótese de lançar um novo álbum. Na ocasião, o ex-jogador chegou a convidar Bono para dividir os vocais em uma das faixas, mas o vocalista do U2 não pode participar do projeto por causa da turnê 360º. "Nunca pensei que, um dia, pudesse viver da música ou do cinema. O dom que Deus me deu foi jogar bola. A música e o cinema simplesmente aconteceram. Entre cantar e atuar, acho que me saio melhor atuando", arrisca Pelé. A Turma do Pelezinho Foram muitos os convites que Pelé recebeu ao longo dos anos. Para fazer filmes, gravar novela, lançar discos. O mais inusitado de todos aconteceu a bordo de um avião, entre Roma e São Paulo. O convite partiu do desenhista Maurício de Sousa, o "pai" da Turma da Mônica, em 1976. Pelé e Maurício de Sousa em 1977, no lançamento da revista Pelezinho Sua ideia era transformar o atleta do século em personagem de história em quadrinhos. Pelé topou na hora. Passado algum tempo, Maurício agendou uma reunião em Nova Iorque e levou uns esboços para Pelé aprovar. Com os desenhos em mão, o jogador franziu a testa. "Não gostou?", perguntou Maurício. "O desenho está bonitinho, mas eu pensava que devia ser diferente", gaguejou o jogador. "Diferente como?", quis saber o desenhista. "Devia ser um atleta. Vitorioso, campeão...", tenta explicar. "Pelé, a ideia não é essa. Criança gosta de brincar com criança", argumentou. "Ah, não sei...", coçou a cabeça, em dúvida. Diante da indecisão do jogador, Maurício propôs um trato: levar os esboços para casa, mostrá-los aos filhos, Kelly Cristina e Edinho, e perguntar o que eles acharam. "Eu sabia qual seria a resposta e não deu outra. Os filhos do Pelé adoraram a versão infantil do pai e, assim, nasceu o Pelezinho", orgulha-se Maurício que, para criar Cana Brava, Frangão e a turma do Pelezinho, colecionou histórias e mais histórias da infância de Pelé. A revista do Pelezinho foi publicada de agosto de 1977 a dezembro de 1986. Desde então, só seria publicada em ocasiões especiais, como em 1990, por ocasião do aniversário de 50 anos do Pelé, e em 2012, às vésperas da Copa das Confederações do Brasil, em 2013. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'The Nation': Para o bem da pátria
The Nation é a mais antiga revista americana. Está fazendo 141 anos.
Semanal, foi lançada em 1865 por William Lloyd Garrison, um anglo-irlandês abolicionista. A revista teve seus altos e baixos, mas sempre manteve a linha liberal e antigoverno. No começo do século 20, The Nation fez campanha pelo perdão de Tom Mooney, um líder sindical injustamente condenado. Na década de 20, mobilizou seus leitores por um novo julgamento dos anarquistas Sacco e Vanzetti, foi contra o "roubo" do Canal do Panamá, a anexação do Havaí e apoiou a independência das Filipinas. Neste século, duvidou da versão oficial sobre armas no Iraque desde o começo e liderou as críticas contra a invasão muito antes de a guerra entrar pelo cano. Desde o primeiro exemplar, The Nation foi financiada por ricos e intelectuais com dinheiro, uma certa raridade, entre eles, Henry Wadsworth Longfellow, James Russel, William James, Henry James e Henry Adams. Começou com US$ 100 mil, uma baba de dinheiro. E desde o primeiro ano deu prejuizo. Durante 130 anos, The Nation só ganhou dinheiro três anos e até hoje ninguém sabe direito que anos foram esses. Quando Victor Navasky assumiu a direção em 1978, a revista tinha uma circulação de 25 mil exemplares e perdia, em média, US$ 500 mil por ano. Muitos ricos investem em publicações liberais ou conservadoras pelas idéias - fica bem no currículo e nos coquéteis - e também porque os prejuizos são dedutíveis do imposto de renda. Durante a gestão de Navasky, a circulação subiu para 85 mil e passou a dar lucro. Os investidores não reclamaram. Victor Navasky já publicou quatro livros, entre eles o premiado Naming Names sobre as perseguições e denúncias em Hollywood no periodo do Macartismo. Hoje ele também dirige uma das melhores escolas de jornalismo do mundo na Universidade Columbia. No The Nation, ele se tornou sócio e publisher em 95 e atualmente é publisher emeritus. Ainda é um dos donos, reina, mas a editora-chefe é Katrina van den Heuvel, jovem, bonita, inteligente e de família rica. Passei uma manhã com Victor Navasky nesta semana para uma entrevista do programa Milênio. Aos 75 anos, Navasky parece saudável e mais próspero do que nunca. "É uma pena, mas nada é melhor para nossa circulação do que um governo radical de direita". Desde Bush, The Nation dobrou a circulação. Está com 185 mil assinantes e outros 40 mil leitores na internet. Para uma revista política de esquerda, é a estratrosfera.
A batalha entre católicos e evangélicos pelo domínio dos Conselhos Tutelares
Interessadas em ocupar um espaço estratégico na arena política sobre crianças e adolescentes, dezenas de igrejas tentarão eleger representantes nas eleições para os Conselhos Tutelares, que ocorrerão em quase todos os municípios brasileiros, em 6 de outubro.
À direita, Jaziel dos Santos Ferreira, que concorre como Irmão Jaziel ao cargo de conselheiro tutelar em Goiânia e diz ser apoiado por mais de 60 líderes evangélicos de sua região Entre os temas que mobilizam as entidades está o controle da abordagem de questões de gênero e sexualidade nas escolas. A disputa opõe católicos e evangélicos, e espelha o crescimento de igrejas protestantes no Brasil. Uma busca feita no Facebook revela dezenas de candidatos, de todas as regiões do Brasil, que se apresentam como pastores evangélicos — a maioria de igrejas em bairros periféricos. Alguns citam passagens bíblicas no material de campanha. As eleições são abertas a todos os eleitores. Como o voto é facultativo, candidatos apoiados por organizações capazes de engajar eleitores, como igrejas, saem na frente. A ofensiva preocupa entidades de defesa de direitos de crianças e adolescentes, que temem a transformação dos órgãos em instâncias religiosas e em trampolins políticos (leia mais abaixo). Fim do Talvez também te interesse 'Compromisso com Deus' Uma das denominações evangélicas envolvidas nas eleições para os conselhos é a Igreja Universal do Reino de Deus. Em 15 de setembro, a igreja publicou em seu site um artigo intitulado "Conselho Tutelar: é nosso dever participar". "Talvez nunca na história da humanidade crianças e adolescentes tenham precisado tanto de quem defenda seus direitos, que dia a dia são desrespeitados pela mídia que expõe material inapropriado, pelos maiores de idade que os agridem de alguma forma e até pelas próprias famílias que não suprem suas necessidades básicas", diz a Universal. O texto exorta os fiéis a votar em candidatos "que, acima de tudo, tenham compromisso com Deus". Procurada pela BBC News Brasil, a Universal não quis responder a perguntas sobre a eleição e questionou se a reportagem também citaria o papel da Igreja Católica no pleito, enviando em anexo um texto do jornal da Arquidiocese de São Paulo. No texto, publicado em agosto, a coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor em São Paulo, Sueli Camargo, conclama os católicos a participarem da eleição para frear o avanço evangélico nos conselhos. "Quando nos ausentamos, deixamos espaço aberto para outras denominações religiosas, como os evangélicos, que estão presentes não só nos conselhos, mas em diversos campos da política e nem sempre estão preparados para ocupar esses cargos", afirmou Camargo ao jornal. Busca no Facebook revela dezenas de candidatos a conselheiro tutelar que se apresentam como pastores ou usam passagens bíblicas no material de campanha Questionada pela BBC sobre a declaração, Camargo diz não se opor à presença de qualquer evangélico nos conselhos. "O problema é quando essa atuação faz o conselho perder sua essência, que é a defesa da criança", afirma. Segundo ela, muitos candidatos evangélicos encaram os conselhos como "trampolim político" para outros cargos eletivos. Quanto à abordagem de temas sexuais e de gênero nas escolas, no entanto, Camargo afirma que candidatos católicos têm visões parecidas com as dos evangélicos. "Também somos contra essa ideologia que é pregada", diz ela, sem detalhar a que ideologia se refere. Camargo diz que a Arquidiocese de São Paulo tem incentivado a participação de leigos católicos na eleição, formando candidatos e estimulando o voto dos fiéis. Segundo ela, porém, a Arquidiocese não pede votos para candidatos nem indica padres para os cargos. O que é o Conselho Tutelar Criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, o Conselho Tutelar é um dos principais órgãos de democracia participativa no Brasil. Entre suas atribuições está notificar o Ministério Público sobre violações de direitos de crianças e adolescentes, solicitar a troca de guarda familiar e fiscalizar as políticas públicas para menores. Em cada município brasileiro há pelo menos um conselho, composto de cinco membros eleitos. São Paulo, maior cidade do país, abriga 52 conselhos tutelares, com 260 integrantes ao todo. O mandato dos conselheiros dura quatro anos, e eles recebem salários definidos pelas Câmaras de Vereadores (cerca de R$ 1,5 mil por mês em média, segundo dados do — hoje extinto — Ministério do Trabalho e Emprego). Alguns municípios submetem os candidatos a uma prova e exigem experiência no atendimento a crianças e adolescentes. Em muitos outros, porém, basta que os candidatos morem no município, tenham mais de 21 anos e "reconhecida idoneidade moral". Em vários aspectos, a campanha para conselheiro tutelar se assemelha a uma disputa por cargos legislativos. Candidatos criam páginas em redes sociais para pedir votos, divulgar atividades de campanha e exibir vídeos com apoiadores ilustres. Muitos que se elegem como conselheiros posteriormente concorrem a vereadores, e é comum que vereadores recompensem cabos eleitorais apoiando-os na disputa para conselheiros. As práticas não são ilegais. Especialistas em direitos de crianças e adolescentes dizem que conselheiros movidos pela fé ou por interesses políticos podem causar mais danos por omissões do que por ações de sua autoria. Isso porque várias de suas decisões precisam do aval do Ministério Público e da Justiça para serem concretizadas, o que limita o poder dos conselheiros. Por outro lado, caso deixem de agir em casos que avaliem contrariar suas crenças religiosas — como o de crianças vítimas de homofobia nas escolas —, eles podem perpetuar cenários de violação de direitos. Nessas situações, caso se comprove que descumpriram as funções, os conselheiros podem sofrer sanções e até perder o cargo, embora isso raramente ocorra. Pastor Valnez (à dir.) concorre ao posto de conselheiro tutelar em Pacatuba, na Grande Fortaleza Não há dados sobre presença de religiosos em conselhos tutelares hoje. Entidades que militam em prol de crianças e adolescentes dizem que, embora organizações religiosas tenham sempre participado das eleições, o fenômeno vem se intensificando à medida que igrejas evangélicas expandem sua atuação política e tentam ocupar espaços em vários órgãos públicos. Experiência como pastor Valnez de Freitas concorre com o nome Pastor Valnez a uma vaga de conselheiro no município de Pacatuba, na Grande Fortaleza. Formado em Teologia e servidor na área de saúde, ele atua como pastor há 11 anos na Assembleia de Deus Ministério de Sião de Pacatuba. "Me sinto habilitado para atuar como conselheiro tendo em vista as demandas que surgem dentro da comunidade evangélica em relação a crianças, como denúncias, abusos, violência e evasão escolar", diz o pastor à BBC News Brasil. Valnez afirma que uma de suas funções será fiscalizar o que as escolas de Pacatuba ensinam sobre sexualidade. "Nós, do segmento evangélico, entendemos que as escolas não devem impor assuntos como ideologia de gênero e sexualidade. Esses assuntos cabem aos pais e à família", ele diz. O combate à chamada "ideologia de gênero" é uma das principais bandeiras da bancada religiosa no Congresso. O grupo avalia que a abordagem de temas sexuais e de gênero entre crianças pode antecipar a vida sexual dos alunos e estimulá-los a adotar comportamentos que, segundo a bancada, agridem valores cristãos, como a homossexualidade e a transexualidade. Já defensores da inclusão dos temas os consideram essenciais para conscientizar alunos sobre questões como ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e a gravidez precoce, além de combater a homofobia e a transfobia entre jovens. Conselheiros que reprovem o conteúdo das aulas podem pedir ao Ministério Público que verifique se a escola está descumprindo o ECA por oferecer conteúdo impróprio. Se houver concordância, a Justiça pode ser acionada para decidir sobre o caso. O ECA não especifica que tipos de conteúdo se enquadram na categoria de impróprios, mas há o entendimento de que materiais pornográficos ou que promovam a violência são inadequados para crianças e adolescentes. Juristas ouvidos pela BBC afirmam que as restrições não se aplicam a beijos e demonstrações de afeto entre homossexuais, e que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou a homofobia um crime equivalente ao racismo em junho. Defensores da abordagem de temas relacionados à diversidade sexual e de gênero nas escolas afirmam que postura busca combater homofobia e transfobia entre os jovens Diversidade sexual em Juazeiro Em artigo de 2017 na Revista de Gênero, Sexualidade e Direito, o advogado Sérgio Pessoa Ferro, mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba, analisou como conselheiros tutelares de Juazeiro (BA) trataram casos relacionados à diversidade sexual e de gênero em 2010 e 2011. Ferro diz que muitas famílias acionaram o conselho para reprimir condutas de filhos que destoavam da "moralidade popular cristã". Segundo ele, houve casos em que os pais procuraram conselheiros "para 'curar' os(as) filhos(as) da homossexualidade, do comportamento afeminado ou masculinizado". O advogado diz que, nessas situações, os conselheiros deveriam identificar que as crianças estavam sendo discriminadas pelos pais e mediar os conflitos familiares. Mas ele afirma que temas que envolvam gênero e sexualidade são vistos como um tabu pelos conselheiros, o que os impediu de encontrar soluções para os casos. Segundo Ferro, a formação "explicitamente preconceituosa de alguns (conselheiros)" é empecilho "à adoção de uma política de combate às situações de violência por motivo de LGBTfobia". Apresentação de 'drag queen' Em 2017, a apresentação da drag queen Femmenino em um colégio de Juiz de Fora (MG) motivou protestos do conselheiro tutelar Abraão Fernandes, que pediu ao Ministério Público que investigasse o caso. Ele citou um vídeo, gravado dias após a apresentação na escola, em que Femmenino dizia buscar "destruir a família tradicional". Segundo o conselheiro, no vídeo, a drag queen deixou "transparecer a questão da ideologia de gênero ao dizer que não existe brinquedo de menino e de menina", além de ter ofendido "crianças que são parte de uma família". O caso teve uma reviravolta um ano depois, quando o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente pediu o afastamento do conselheiro por descumprir normas do cargo e disseminar conteúdo "racista, homofóbico, preconceituoso, machista e político-ideológico" em suas redes sociais. O Ministério Público encampou a ação. Fernandes foi destituído do cargo e condenado por improbidade administrativa. Em artigos, ele agradeceu "igrejas evangélicas e católicas" que o apoiaram no processo e disse ter sido condenado por "defender crianças do assédio psicológico e da ideologia de gênero". Arquidiocese de São Paulo tem estimulado a participação de católicos nas eleições para conselheiro tutelar Expulsão de conselheiros Para Glícia Salmeron, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conselheiros que usem os cargos como trampolim político devem ser afastados pela Justiça — assim como conselheiros que, por motivos religiosos, deixem de agir em casos de homofobia ou transfobia contra jovens. "A gente percebe uma dificuldade de compreensão de que o conselheiro precisa se desvincular de sua função religiosa pra assumir a função de conselheiro tutelar", afirma. Ela diz que igrejas podem indicar candidatos ao conselho, "mas não para ensinar religião ou doutrinar as crianças". Salmeron menciona outro tipo de omissão ligado a questões religiosas com que já deparou: conselheiros que se recusam a agir para proteger crianças discriminadas por integrar religiões afrobrasileiras. "Não me lembro de nenhuma denúncia feita por conselheiros tutelares com relação à violação de direitos de crianças de comunidades de terreiro", afirma. 'Irmão Jaziel - Deus é fiel' Evangélico, Jaziel dos Santos Ferreira é um dos três aspirantes ao Conselho Tutelar da região oeste de Goiânia a adotar termos religiosos na ficha de candidato. Nas cédulas, seu nome aparecerá como Irmão Jaziel — Deus é fiel (os outros candidatos a usarem nomenclatura religiosa são Pastor Julio e Pastor José Roberto). Em sua página do Facebook, Ferreira divulga vídeos em que pastores de Goiânia endossam sua candidatura. Segundo ele, mais de 60 líderes de igrejas evangélicas estão engajados em sua campanha. Ferreira não é pastor, mas diz que sua família fundou há 34 anos a Assembleia de Deus Faiçalville Ministério Vila Nova, o que lhe deu credibilidade junto a muitos líderes religiosos de Goiânia. Membros da bancada evangélica do Congresso se reúnem com o presidente Jair Bolsonaro e ministros em Brasília Ele diz ter trabalhado por 20 anos numa ONG que promovia oficinas de informática entre crianças pobres. Como conselheiro, diz que pretende estimular atividades esportivas em comunidades carentes. "Muitos craques saem do campo de terra", afirma. Ferreira é crítico à abordagem de temas sobre diversidade sexual nas escolas, por avaliar que os conteúdos podem estimular jovens a antecipar sua vida sexual e a mudar de gênero. "A criança está em formação, não se pode incentivá-la", diz. Mas ele afirma que, se eleito conselheiro, não fechará os olhos para casos de homofobia contra jovens. Negro, Ferreira diz ter sofrido com apelidos racistas na infância, experiência que o sensibilizou para outros tipos de discriminação. "Não é porque um menino é, entre aspas, mais afeminado que ele pode sofrer bullying. Não concordo, temos de respeitar." Ferreira tampouco concorda com outras pautas caras a setores da direita brasileira, como a do Movimento Escola Sem Partido. Acusado por críticos de promover a censura, o movimento defende controlar o conteúdo político das aulas para impedir que os alunos sejam "doutrinados ideologicamente". Para Ferreira, porém, não cabe à escola restringir o debate político. "Se Deus que é Deus nos deu o livre arbítrio, na política é da mesma forma: a pessoa vai para onde achar que é melhor", afirma. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A incrível história do brasileiro chamado de louco pelos vizinhos por plantar a própria floresta
Antonio Vicente era chamado de louco pelos vizinhos.
Prestes a completar 84 anos, Antonio Vicente orgulha-se de ter plantado a própria floresta Afinal, quem compraria um pedaço de terra a 200 km de São Paulo para começar a plantar árvores? "Quando comecei a plantar, as pessoas me diziam: 'você não viverá para comer as frutas, porque essas árvores vão demorar 20 anos para crescer'", conta Vicente ao repórter Gibby Zobel, do programa Outlook, do Serviço Mundial da BBC. "Eu respondia: 'Vou plantar essas sementes, porque alguém plantou as que estou comendo agora. Vou plantá-las para que outros possam comê-las." Vicente, prestes a completar 84 anos, comprou seu terreno em 1973, uma época na qual o governo militar oferecia facilidades de crédito para investimentos em tecnologia agrícola, com o objetivo de impulsionar a agricultura. Mas sua ideia era exatamente a oposta. Criado em uma família numerosa de agricultores, ele via com preocupação como a expansão dos campos destruía as fauna e flora locais, e como a falta de árvores afetava os recursos hídricos. "Quando era criança, os agricultores cortavam as árvores para criar pastagens e pelo carvão. A água secou e nunca voltou", explica. "Pensei comigo: 'a água é o bem mais valioso, ninguém fabrica água e a população não para de crescer. O que vai acontecer? Ficaremos sem água." As florestas são fundamentais para a preservação da água porque absorvem e retém esta matéria-prima em suas raízes. Além disso, evitam a erosão do solo. A primeira árvore que Vicente plantou foi uma castanheira Recuperação da floresta Quando tinha 14 anos, Vicente saiu do campo e passou a trabalhar como ferreiro na cidade. Com o dinheiro da venda de seu negócio, pôde comprar 30 hectares em uma região de planície perto de São Francisco Xavier, distrito de 5 mil habitantes que faz parte de São José dos Campos, no interior de São Paulo. "A vida na cidade não era fácil", lembra ele. "Acabei tendo de viver debaixo de uma árvore porque não tinha dinheiro para o aluguel. Tomava banho no rio e vivia debaixo da árvore, cercado de raposas e ratos. Juntei muitas folhas e fiz uma cama, onde dormi", diz Vicente. "Mas nunca passei fome. Comia sanduíches de banana no café da manhã, almoço e jantar", acrescenta. Após retornar ao campo, começou a plantar, uma por uma, cada uma das árvores que hoje formam a floresta úmida tropical com cerca de 50 mil unidades. 'Nadando contra a corrente' Vicente nadava contra a corrente: durante os últimos 30 anos, em que se dedicou a reflorestar sua propriedade, cerca de 183 mil hectares de mata atlântica no Estado de São Paulo foram desflorestados para dar lugar à agricultura. Segundo a Fundação Mata Atlântica SOS e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a mata atlântica cobria originalmente 69% do Estado de São Paulo. Hoje, a proporção caiu para 14%. Depois de ter diminuído, ritmo de desmatamento voltou a crescer no Brasil E, ainda que esteja distante do pico de 2004, quando 27 mil hectares foram destruídos, o ritmo de desmatamento voltou a aumentar. Entre agosto de 2015 e julho de 2016, por exemplo, foram destruídos 8 mil hectares de floresta - uma alta de 29% em relação ao ano anterior e o nível mais elevado desde 2008, segundo dados do Inpe. Animais e água Um quadro pendurado na parede da casa de Vicente serve de lembrança das mudanças que ele conseguiu com seu próprio esforço. "Em 1973, não havia nada aqui, como você pode ver. Tudo era pastagem. Minha casa é a mais bonita de toda essa região, mas hoje não se pode tirar uma foto desse ângulo porque as árvores a encobrem, porque estão muito grandes", brinca Vicente. Com o replantio, muitos animais reapareceram. "Há tucanos, todo tipo de aves, pacas, esquilos, lagartos, gambás e, inclusive, javalis", enumera. "Temos também uma onça pequena e uma jaguatirica, que come todas as galinhas", ri. O mais importante, contudo, é que os cursos de água também voltaram a brotar. Quando Vicente comprou o terreno, só havia uma fonte. Agora, há cerca de 20. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Dois mil posam para 'nu artístico em massa' na Áustria; assista
Quase 2 mil pessoas posaram no domingo em um nu artístico em massa para o fotógrafo americano Spencer Tunick, em um estádio de futebol em Viena, na Áustria.
O fotógrafo pediu que as pessoas não usassem óculos escuros, roupas íntimas e que ficassem sérias. Durante horas, os voluntários posaram de várias maneiras, conforme dirigia o fotógrafo. Em uma das fotos, as mulheres aparecem deitadas no gramado segurando bolas de fotebol. Spencer Tunick é famoso por suas fotografias de centenas de pessoas nuas em lugares inusitados.
Como a máquina de propaganda da China retrata a guerra comercial com os EUA
A máquina de propaganda chinesa mais uma vez se organiza para contrapor os Estados Unidos.
Segundo a televisão chinesa, o país vive uma "guerra do povo" Depois de dias de silêncio desde que o presidente americano, Donald Trump, impôs tarifas a US$ 200 bilhões em produtos da China, os meios de comunicação do país asiático - controlados pelo Estado - começaram a responder na semana passada com uma incomum campanha contra a guerra comercial com Washington. Em uma série de editoriais e artigos de opinião, os jornais e emissoras de TV passaram a recordar o histórico passado chinês para assegurar que o país resistirá, uma vez mais, a pressões, à "avareza" e à "arrogância" americanas. "Toda a China e seu povo estão sendo ameaçados", disse editorial publicado na agência Xinhua e no Diário do Povo, "porta-voz" do Partido Comunista. "Para nós, isto é uma verdadeira 'guerra do povo'." Outra declaração lida no noticiário da emissora CCTV dizia que a China "lutaria por um novo mundo" e superaria o impacto econômico da disputa. "Depois de 5 mil anos de vento e chuva, a que a nação chinesa não resistiu?", questionava o locutor. Fim do Talvez também te interesse Já o jornal Global Times, voz de Pequim no idioma inglês, acusou o governo de Trump de enganar os americanos a respeito de quem seriam as verdadeiras vítimas das sobretaxas. "(A taxação) causará muitos danos autoinfligidos e são de difícil sustentação no longo prazo", diz o texto. "A China, por outro lado, vai evitar se prejudicar." Enquanto isso, o tema também ganhava espaço nas redes sociais chinesas, com memes, posts e comentários patrióticos. Avanço da guerra comercial com os EUA tem levado a reações da propaganda chinesa Uma foto que pedia que os turistas americanos pagassem mais 25% em impostos foi uma das imagens mais compartilhadas na rede social Weibo, espécie de Twitter chinês. Pôsteres com ilustrações de militares chineses vencendo invasores americanos também entraram em circulação, junto a pedidos para que as pessoas comessem tilápia chinesa, um produto nacional, de forma a mitigar "a guerra dos EUA". Segundo o BBC Monitoring, serviço de monitoramento de meios de comunicação feito pela BBC, até a semana passada, a imprensa estatal chinesa mal havia mencionado as tensões comerciais entre Washington e Pequim e focava, sobretudo, as "boas notícias" da economia nacional e como esta havia resistido aos embates globais. O que mudou? A enxurrada de artigos e comentários de tom nacionalista sucedeu, na semana passada, ao anúncio de Pequim de que responderia às medidas do governo Trump com novas taxas sobre produtos americanos - cerca de US$ 60 bilhões em mercadorias - a partir de 1º de julho. "Os meios de comunicação chineses estiveram calados por alguns dias, enquanto a liderança principal avaliava como responder (aos EUA), afirmou à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Bonnie Glaser, diretora do Projeto de Poder Chinês do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS). Para a analista, as deliberações levaram a uma defesa nacionalista e contundente do sistema, de modo a insistir que a China não cederia à pressão estrangeira. "Essa liderança, obviamente, percebe que é vulnerável à crítica pública e está tratando de isolar-se de uma acusação de que a China fez concessões sob pressão. A economia está estreitamente vinculada à política, tanto nos EUA como na China", aponta Glaser. Além disso, segundo outros analistas consultados pela BBC News Mundo, a forma como a China apresenta a guerra comercial a sua população busca não só angariar apoio público, como amenizar impactos econômicos e defender-se de potenciais questionamentos que sejam feitos ao presidente Xi Jinping e ao Partido Comunista. Líderes chineses têm exaltado o patriotismo e o nacionalismo "O objetivo é mostrar que Xi Jinping está tomando conta desse assunto; que, como fez em outras ocasiões (o então líder chinês) Mao Tsé-Tung (que governou de 1949 a 1976), ele também tentará tirar proveito de uma situação ruim", afirma Anne-Marie Brady, especialista em temas chineses na Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia. "A resposta nacionalista apresentada nos meios dirigidos pelo Partido Comunista aponta a estimular o apoio popular a Xi, unindo a população chinesa contra as 'forças estrangeiras hostis'", agrega. Xi sob a mira Desde que Xi aboliu o limite temporal de sua Presidência, no ano passado, as notícias sobre descontentamentos com o governo cruzaram as fronteiras chinesas. Seus críticos o acusam de concentrar ainda mais o poder e de promover uma campanha de culto a sua personalidade em nível inédito desde os tempos de Mao. O mandatário também tem estado sob a mira da comunidade internacional por conta das denúncias sobre sistemas de vigilância massiva da população, de queixas de trabalhadores por jornadas laborais desmedidas e de detenções de membros da minoria muçulmana em campos de detenção na região de Xinjiang. A cruzada dos EUA também levou a uma pressão sobre diferentes países para que rejeitem os investimentos chineses em alta tecnologia, principalmente a 5G - sendo o auge dessa discussão a polêmica envolvendo a gigante de telefonia Huawei e a prisão, no Canadá, de sua diretora-financeira, Meng Wanzhou. Mas a gestão de Xi também se viu em apertos por outros temas internos: a segunda maior economia do mundo tem titubeado em alguns indicadores recentes. A perda de empregos, a desaceleração do crescimento, o aumento da dívida, a falta de investimentos privados, a escassez de crédito e até temas mais urgentes, como o abastecimento de grãos e carne de porco, também causaram descontentamento em distintos setores da sociedade. Decorações com o rosto de Mao e Xi Jinping; ele também enfrenta problemas internos "Tem havido certo questionamento a Xi entre a elite chinesa, por concentrar um excesso de poder em suas mãos e por conduzir mal a economia e a relação com os EUA", opina Glaser. "No entanto, não há evidências de que a crítica das elites tenha debilitado a posição de Xi ou de que o público em geral compartilhe desses questionamentos." Como resposta, Xi disse em janeiro que o Partido Comunista deve fazer "grandes esforços" para enfrentar "grandes riscos em todas as frentes", segundo a agência Xinhua. Para Elizabeth Economy, diretora de estudos asiáticos do centro de estudos Council on Foreign Relations, recorrer ao nacionalismo não apenas pode servir a Xi para culpar os EUA pelos problemas internos chineses. "Também ajuda a manter a atenção longe do fato de que a economia chinesa tem uma série de debilidades estruturais que serão realmente prejudicados pelas tarifas (americanas)", diz ela à BBC News Mundo. Um ano de efemérides polêmicas Mas as pressões da guerra comercial chegam também em um momento de significado especial para a China. "Acho que Xi tem medo de aparentar fazer concessões aos EUA de uma maneira que prejudique a dignidade e a soberania da China, especialmente em um ano de aniversários delicados", opina Glaser. É que em 2019 se comemoram 70 anos desde que Mao fundou a República Popular da China, 60 anos desde o fracassado levante do Tibete contra o governo chinês e uma década desde os distúrbios étnicos em que morreram centenas de pessoas em Xinjiang - noroeste chinês com parcela de população muçulmana. Junho marcará o aniversário de 30 anos do massacre da Praça Tiananmen Mas, sobretudo, é o 30º aniversário das manifestações estudantis que pediam mudanças democráticas na China, e que culminaram em uma sangrenta repressão armada na Praça Tiananmen, um dos fatos que mais ressentimento ainda geram perante a cúpula política chinesa. Há relatos de que o acesso à Wikipedia será bloqueado na China por conta da efeméride, em 4 de junho. Xi, por sua vez, tem exigido desde o ano passado controles mais rígidos da internet e mais doutrinação para "garantir que a geração de jovens se converta em construtora e herdeira do socialismo". "Impulsionar o sentimento nacionalista em torno da guerra comercial serve a alguns propósitos para a liderança de Xi: colocar os EUA como malvados em vez do Partido Comunista é uma ferramenta conveniente de distração ao redor de 4 de junho", opina Economy. Mas, segundo Brady, dada a situação interna da China, é imprevisível se a tática dará retorno de longo prazo. "Com a desaceleração da economia chinesa, a inflação crescente - afetando sobretudo a alimentação básica e a carne de porco - e a preocupação pela reserva chinesa de grãos, é questionável se a retórica nacionalista terá o efeito desejado", comenta. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Dois anos de maior acesso a armas reduziu violência como dizem bolsonaristas?
Com o argumento de que a população está mais segura quando armada, o presidente Jair Bolsonaro promoveu em seus dois primeiros anos de governo uma série de medidas para aumentar o poder de fogo dos brasileiros.
Driblando a necessidade de o Congresso aprovar novas leis, foram editados mais de 30 atos normativos, como portarias e decretos presidenciais, para desburocratizar e ampliar o acesso a armas e de munição que podem ser adquiridas por cidadãos comuns e por aqueles que têm registro de CAC (colecionador, atirador e caçador), assim como liberar a essas pessoas o acesso a armamentos de maior potencial ofensivo, como fuzis. Na iniciativa mais recente, quatro decretos presidenciais foram publicados na noite de sexta-feira (12/02) elevando a quantidade de armas que um cidadão comum pode comprar de quatro para seis (em 2019 já havia passado de duas para quatro). Além disso, atiradores agora foram autorizados a adquirir até 60 armas e caçadores, até 30, sendo exigida autorização do Exército apenas quando essas quantias foram superadas. O volume de munições que pode ser comprado por essas categorias também subiu para 2.000 no caso de armas de uso restrito e 5.000 para armas de uso permitido. Embaladas pelo discurso da família presidencial de forte apologia ao uso de armas, essas ações têm dado resultados. Estatísticas da Polícia Federal e do Exército — órgãos responsáveis pelo registro de armamentos — mostram que os brasileiros estão se armando como nunca antes. Segundo dados obtidos pela BBC News Brasil, os novos registros de CAC concedidos pelo Exército bateram recorde em 2019 e 2020, somando 178.721, quantidade que supera todos os registros liberados nos dez anos anteriores (150.974 de 2009 a 2018). Fim do Talvez também te interesse Jair Bolsonaro vem flexibilizando o acesso a armas ao longo de seu mandato Já o registro de novas armas pela Polícia Federal também bateu dois recordes consecutivos, somando 273.835 na primeira metade do governo Bolsonaro, sendo quase 70% referentes a registros obtidos por cidadãos (o restante inclui categorias como servidores públicos com direito à porte, revendedores e empresas de segurança privada). O número significa um aumento de 184% frente à soma de 2017 e 2018 (96.512) e supera o total dos seis anos anteriores a Bolsonaro (265.706 de 2013 a 2018). Enquanto o impacto do governo Bolsonaro no maior armamento da população é inegável tanto para apoiadores como para críticos da sua política armamentista, os dois grupos travam uma batalha sobre quais os impactos dessa nova realidade para a violência e a criminalidade no país. De um lado, pesquisadores da segurança pública dizem que estudos científicos deixam claro o aumento das mortes provocadas por mais armas em circulação. De outros, os entusiastas do uso de armas para autoproteção citam a queda acentuada dos homicídios no Brasil em 2019 para sustentar que a população mais armada contribuiu para a redução da violência — esquecendo de mencionar, porém, a volta do aumento dos assassinatos em 2020 (alta de 5%, segundo dados preliminares), justamente quando o consumo de armas acelerou ainda mais. Estudioso da segurança pública, por sua vez, dizem que a queda nos homicídios — que tiraram a vida de 45.433 pessoas em 2019 no Brasil, após o recorde de mais de 65 mil mortes em 2017, segundo estatísticas oficiais do Datasus — reflete outros fatores, como envelhecimento da população (homicídios são mais comuns entre os mais jovens), melhores políticas estaduais de combate à violência e tréguas no conflito entre entre facções criminosas. Apesar disso, a associação entre mais armas e menos homicídios tem sido exaltada nas redes sociais por parlamentares, como os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Caroline De Toni (PSL-SC) e Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). Em um dos posts do filho do presidente, ele compartilhou um gráfico mostrando o aumento das armas no país em 2018 e 2019 e a queda dos homicídios no mesmo período, acompanhada da seguinte mensagem: "O estatuto do desarmamento deixou os bandidos mais à vontade. Resultado: aumento no número de homicídios. A flexibilização no aceso (sic) às armas resultou, junto com outras políticas, na diminuição histórica de homicídios, dentre outros crimes". Os números são comemorados também por Hugo Santos, presidente da Associação dos Proprietários de Armas de Fogo do Brasil (Aspaf). Ele espera que a queda da criminalidade ajude na argumentação para manter as medidas de Bolsonaro quando seu governo acabar. "Nós conseguimos conquistar muitos direitos agora, ter muitos avanços (no acesso a armas), mas sabemos que no futuro nós vamos ter que lutar para manter esses direitos, que o governo não vai durar pra sempre. Vai haver um momento em que vamos ter que militar por essas causas", disse à BBC News Brasil. "Assim, ter esses números, desenvolver pesquisas, que é o que nós aqui da associação fazemos, é importantíssimo, porque vamos apresentar números: 'olha a criminalidade, os números são esses aqui após o acesso às armas, e antes era isso daqui', então a gente tem trabalhado muito nesse sentido", reforçou. 'Política de armas é como a da covid-19: anticientífica' O Estatuto do Desarmamento citado por Eduardo Bolsonaro é uma lei de 2003 que criou regras mais restritivas para acesso a armas e penas mais duras para porte e posse ilegal — segundo pesquisas que analisaram seu impacto, houve redução da taxa de crescimento nas mortes por armas de fogo após o estatuto, em especial em Estados como São Paulo, que adotaram medidas mais rigorosas de retirada de armas das ruas. Ou seja, esses homicídios seguiram crescendo, mas em ritmo menor. Segundo a edição mais recente do Atlas da Violência, publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa média anual de crescimento das mortes por armas de fogo passou de 6% entre 1980 e 2003 para 0,9% nos quinze anos após o Estatuto do Desarmamento (2003 a 2018). Liberação do acesso a armas de fogo é uma das principais bandeiras do presidente Com isso, após a proporção dessas mortes no total de homicídios do país dar um salto de 40% no início dos anos 80 para para 70,9% em 2013, manteve-se nesse patamar nos anos seguintes (foi de 71% em 2018). Se o ritmo de crescimento tivesse se mantido no mesmo nível de antes do estatuto, as mortes por armas de fogo já teriam ultrapassado o patamar de 80 mil em 2018, diz ainda o Atlas da Violência — naquele ano o número ficou em quase metade disso (42.754, segundo números do Datasus). "A política de armas do Bolsonaro representa muito o que ele anda fazendo também com covid-19. O que as duas políticas têm em comum? Primeiro, são políticas anticientíficas, que desprezam a ciência. E, segundo, são políticas irresponsáveis e que levam ao aumento de mortes no país", afirma o economista Daniel Cerqueira, idealizador do Atlas da Violência e que no momento está cedido pelo Ipea para presidir o Instituto Jones dos Santos Neves. Homicídios caíram em 2019 ao menor nível em duas décadas Após uma década de crescimento quase constante, o número de homicídios no Brasil atingiu o patamar recorde de 65.602 em 2017, segundo números do Datasus, banco de dados do Ministério da Saúde sobre causas de mortes no país. Nos dois anos seguintes, porém, os assassinatos apresentaram uma queda expressiva, recuando para 57.956 em 2018 (menos 11,6%, ante 2017) e para 45.503 em 2019, nova queda de 21,5% para o menor patamar desde 2000 (45.433). As mortes causadas especificamente por armas de fogo tiveram diminuição semelhante, recuando do seu ápice de 48.650 em 2017 para 33.136 em 2019, menor patamar desde 1999 (29.938). Esses números foram destacados no ano passado por Fabricio Rebelo em seu site pessoal dedicado ao tema armamentista e passaram a ser citados por parlamentares e sites bolsonaristas para sustentar que a queda dos assassinatos no país era um reflexo do aumento das armas nas mãos dos cidadãos. Em um desses compartilhamentos, o deputado Rogério Peninha Mendonça postou a informação em sua conta no Facebook em setembro, estabelecendo uma confusa associação entre o aumento de armas em 2020 e a redução de mortes no ano anterior. Rebelo é atleta amador de tiro desportivo, formado em direito e assessor jurídico no Tribunal de Justiça da Bahia. Ele contou à BBC News Brasil que começou a pesquisar a questão armamentista por conta própria (sem vinculação com alguma instituição acadêmica) após o Estatuto do Desarmamento. Embora seus dados sejam usados para defender o impacto de mais armas na redução de crimes, ele diz que a conclusão é "leviana" porque múltiplos fatores influem na violência, como "sistema jurídico-penal, legislação, momento socioeconômico". Segundo Rebelo, seu objetivo não é mostrar que existe uma relação entre mais armas e menos crimes, mas desconstruir o "mito" de que o inverso é verdadeiro. "O que estamos percebendo agora é a ausência dessa relação de causalidade. Isso foi um mito construído ao longo dos últimos anos no sentido de associar as duas coisas: dizer que mais armas legalmente circulando implicariam em mais homicídios", afirma. "Os nossos indicadores de criminalidade nunca permitiram fazer essa constatação. Isso sempre foi artificialmente construído", acrescenta. Rebelo divulga as informações que pesquisa e coleta, como os números do Datasus, em um site chamado Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes)— apesar de o nome dar um aspecto institucional ao seu trabalho de divulgação, Rebelo disse que não tem outras pessoas atuando junto com ele. Segundo o atirador, ele já fez tentativas de realizar um mestrado sobre o tema, mas desistiu por considerar que as portas estão fechadas para quem contesta a tese de que mais armas geram mais crimes. "Eu justamente acabei fundando o Cepedes diante da resistência de meio acadêmico à aceitação de projetos de pesquisa que questionassem o desarmamento", reclama. Para os estudiosos do tema, porém, o entendimento de que mais armas têm impacto negativo na segurança não se trata de "mito" ou resistência a outras teses, mas da conclusão de estudos conduzidos com rigor científico. O economista e cientista de dados Thomas Victor Conti, professor do Insper e do Instituto de Direito Público (IDP-SP), realizou em 2017 uma revisão de estudos acadêmicos intitulada "Dossiê Armas, Crimes e Violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes". Ele concluiu que 90% das revisões de literatura são contrárias à tese "mais Armas, menos Crimes". "Das 10 revisões de literatura ou meta-análises publicadas em periódicos com revisão por pares entre 2012 e 2017, nove concluíram que a literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crime", diz sua análise. Ele ressalta que "a grande maioria dos estudos internacionais de alta qualidade acabam sendo quase todos sobre os Estados Unidos, pois é um dos únicos países com dados confiáveis e amplamente disponíveis que possui um problema bastante grave de violência por armas de fogo". Bolsonaro é um entusiasta do armamento da população Considerado um dos estudos mais abrangentes sobre o tema, pesquisa desenvolvida por John J. Donohue (Universidade de Stanford), Abhay Aneja (Universidade da Califórnia) e Kyle D. Weber (Universidade de Columbia) estimou que taxa de crimes violentos aumentava entre 13% e 15%, em dez anos, nos estados norte-americanos que possuíam legislações flexíveis ao acesso à arma de fogo. O que explica a forte queda nos assassinatos no país? A queda dos homicídios em 2019, confirmada pelos dados oficiais do Datasus, foi captada também pelo Monitor da Violência — ferramenta do portal G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública que levanta mensalmente os homicídios registrados pela secretarias estaduais de Segurança Pública. Segundo esse monitoramento, porém, a queda dos assassinatos em 2019 foi puxada principalmente pela redução no primeiro semestre. A partir de setembro daquele ano, as mortes violentas voltaram a subir mês a mês, atingindo seu ápice em março de 2020 (4.150 mortes naquele mês), e voltando a cair a partir de abril, período que coincide com as medidas de isolamento social da pandemia de coronavírus (cerca de 3,2 mil ao mês de julho a setembro). Já no último trimestre, as mortes violentas tiveram nova elevação, se aproximando do patamar de 4 mil mortes ao mês. Com isso, o Monitor da Violência registrou 43.892 mortes violentas em 2020, contra 41.730 em 2019, alta de 5% nos homicídios do país. Embora estudos ainda precisem ser feitos para investigar mais a fundo essa variação, especialistas em segurança pública consideram que a queda dos assassinatos em 2018 e 2019 é resultado de múltiplos fatores, entre eles um apaziguamento temporário na briga entre facções. Apesar de os homicídios terem atingido patamar recorde em 2017, a maioria dos Estados do país já apresentava redução dos assassinatos naquele ano, refletindo o aperfeiçoamento de políticas estaduais de segurança, dizem estudiosos. Segundo o Atlas da Violência, o crescimento no resultado nacional naquele momento refletiu a forte alta em especial no Norte e Nordeste do país, regiões que nos últimos anos ganharam importância como rota de exportação de cocaína peruana e boliviana para Europa e África. Isso provocou uma disputa violenta entre facções, que, após muitas perdas de vidas, acabaram estabelecendo tréguas. Já em 2020, esse fator pode ter se revertido novamente, uma vez que foi a região Nordeste que puxou a alta dos homicídios no país. O defensor do armamentismo Fabrício Rebelo cita justamente as mortes associadas ao tráfico de drogas para defender o mercado legal de armas. "A grande expansão do tráfico de drogas no Brasil é um dos maiores catalisadores dos nossos altos índices de homicídio, o mercado legal de armamento jamais esteve vinculado a isso", afirma. Daniel Cerqueira contesta esse raciocínio. Segundo ele, pesquisas feitas com inquéritos policiais em Estados como Sergipe, Rio de Janeiro e nas cidades de Belo Horizonte e Maceió revelam que as mortes relacionadas à ilegalidade das drogas - desde tráfico, disputas entre facções criminosas e repressão estatal ao comércio e consumo - respondem por um terço ou até 40% dos assassinatos em que estava identificada a motivação do crime. "Isso inclui qualquer evento associado com grupos de narcotraficantes, seja brigas entre eles mesmo, seja com envolvimento da polícia. O resto são crimes interpessoais, feminicídio, latrocínio, outras mortes por intervenção policial que não associadas ao tráfico, entre outras", afirma. Para os críticos da política de Bolsonaro, o aumento da circulação de armas pode aumentar as mortes provocadas por pessoas que não são criminosos habituais (por exemplo, em um momento de descontrole durante uma briga), assim como abastecer criminosos por meio de furtos ou roubos de armas legais. O próprio presidente é exemplo desse tipo de situação: em 1995, Bolsonaro sofreu um assalto em Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro, em que o criminoso levou sua moto e sua arma. Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, é ainda mais preocupante que a facilitação do acesso não esteja sendo acompanhada de medidas do governo para controlar a circulação de armas. Em abril, o presidente determinou que fossem revogadas três portarias do Exército que tornavam mais rígido o rastreamento, identificação e marcação de armas e munições, após reclamações de atiradores CAC sobre novas burocracias. O Exército disse que as portarias seriam revisadas e novamente publicadas, mas isso não aconteceu até o momento. "Além de aumentar o acesso, o governo está fazendo muito pouco para controlar as armas ilegais. Porque não tem mecanismo de rastreamento, os mecanismos de marcação de munição que existem são falhos, e estamos num limbo normativo após a revogação dessas portarias. Então, está a farra das armas no Brasil", critica. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A desconhecida ação judicial com que advogado negro libertou 217 escravizados no século 19
Em um dia do mês junho de 1869, uma nota no jornal chamou a atenção de Luiz Gama, advogado considerado um herói nacional por seu ativismo abolicionista no século 19. A notícia relatava que a família do comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto, um dos homens mais ricos do Império, estava brigando na Justiça pelo espólio do patriarca, morto repentinamente em Portugal.
Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro Ferreira Netto tinha uma grande fortuna: 3 mil contos de réis (cerca de R$ 400 milhões em valores atuais), distribuídos em inúmeras fazendas, armazéns comerciais, sociedade em empresas lucrativas, e centenas de pessoas negras escravizadas em suas propriedades. Em uma linha de seu testamento, publicado em um jornal um ano antes, o comendador fez um pedido comum entre grandes proprietários de escravos da época: depois de sua morte, ele gostaria que todos fossem libertados. A "alforria post mortem" era vista como uma espécie de "redenção moral e de consciência", pois, ao final da vida, os escravocratas também queriam garantir um espacinho no céu. Ao ler a notícia, Luiz Gama procurou saber se a vontade do morto havia sido cumprida: as 217 pessoas escravizadas pelo comendador tinham sido libertadas como determinava o testamento? Logo descobriu que não, como ocorria com frequência em documentos do tipo. A família e alguns sócios brigavam pelos bens, mas os cativos continuaram na mesma situação. O advogado, em início de carreira, decidiu acionar a Justiça para que a liberdade e a vontade do empresário fossem respeitadas. O processo judicial que se seguiu, conhecido nos jornais da época como "Questão Netto", é apontado por historiadores consultados pela BBC News Brasil como a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas. Por ora, não há registro de processo que envolva mais pessoas, segundo eles. Fim do Talvez também te interesse O historiador Bruno Rodrigues de Lima precisou decifrar as várias caligrafias do processo Essa ação de Luiz Gama foi encontrada recentemente pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute, em Frankfurt, na Alemanha. A peça de mais de mil páginas - toda escrita à mão - estava armazenada no Arquivo Nacional e não há registros de que ela tenha sido analisada em profundidade. "Não há grandes registros desse processo na historiografia sobre Luiz Gama. Encontrei citações nas décadas seguintes ao processo e uma uma nota de rodapé num livro dos anos 1990", diz Lima, que há mais de uma década pesquisa a vida e a obra do abolicionista. Lima fez uma cópia do processo e a levou para a Alemanha, onde passou meses decifrando as várias caligrafias presentes no calhamaço. "Logo identifiquei a letra de Gama, que era de mais fácil leitura. Mas havia várias outras, como a de escrivães, promotores e juízes", explica. A análise do processo agora fará parte da tese de doutorado que o historiador vai apresentar ao final deste ano sobre a obra jurídica do abolicionista. Além desse, a tese contará com dezenas de outros processos ainda desconhecidos, diz. A 'Questão Netto' Lima conta que o processo passou a correr em Santos, litoral sul de São Paulo, por causa de uma pendenga judicial do comendador Ferreira Netto com um sócio da cidade. Inicialmente, Luiz Gama se apresentou ao juiz da comarca apenas como um interessado no caso. "Ele fez uma petição ao juiz de maneira bastante escorregadia, porque ele não era parte naquela briga judicial pela herança. Ele entra no processo como um cidadão que queria saber o que aconteceu com os escravizados. O juiz respondeu que eles precisavam de um representante", diz. A princípio, Gama não foi nomeado "curador" dos interesses do grupo, mas, depois de outros cidadãos se recusarem a participar da ação, ele foi indicado pelo próprio juiz para assumir a tarefa. O abolicionista não sabia quem estava representando de fato, mas mandou emissários para descobrir os nomes, idades e há quanto tempo pertenciam ao comendador. O historiador Bruno Rodrigues de Lima estuda a vida e a obra de Luiz Gama há mais de uma década No total, havia 217 escravizados nas propriedades do fidalgo - gente de Angola, Moçambique, Congo, entre outras nações africanas. "Gama recebe informações com nome, idade, naturalidade, histórias de vida. Havia famílias inteiras nas fazendas", diz Lima. Mas como garantir que o direito à liberdade, recém-conquistado com a morte do comendador, fosse garantido? Lima acredita que a "Questão Netto" tenha sido o primeiro grande processo de liberdade de Luiz Gama, que, na época, havia sido demitido de um cargo na polícia. Quem era Luiz Gama? Nascido em 1830 em Salvador, Luiz Gama teve de lidar com a escravidão desde cedo. Sua mãe era uma mulher negra e seu pai, um fidalgo de origem portuguesa. Luiz Gama atuou como advogado em São Paulo, onde trabalhou na polícia. A imagem mostra a praça da Sé "A vida dele foi singular em todos os aspectos. Muitos historiadores acreditam que ele era filho de Luiza Mahin, uma guerreira que participou de várias revoltas negras na Bahia", diz Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon e ex-presidente da Fundação Palmares durante o governo Lula. "Mas não há certeza de que Mahin era sua mãe mesmo ou se foi uma história inventada por Gama. O fato é que a mãe dele desapareceu, e ele foi criado pelo pai." Aos 10 anos, Gama foi vendido pelo próprio pai a um contrabandista do Rio de Janeiro, que logo o repassou a um fazendeiro paulista. O dinheiro da venda serviria para o pai saldar uma dívida de jogo. Na adolescência, ele foi escravizado, mas, com 18 anos, conseguiu provas de sua liberdade e fugiu do cativeiro. Aprendeu a ler e escrever, foi poeta e trabalhou como jornalista, tipógrafo e escrivão de polícia, onde passou a lidar diariamente com a legislação. Autodidata, o jovem tentou cursar Direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, mas foi rejeitado pela elite que comandava a instituição. Ele só ganharia o título oficial de advogado, dado pela OAB, em 2015, quando sua morte completou 133 anos. "Gama era uma pessoa 'improvável' para a época, porque era negro e pobre. Ele aprende o Direito na prática, trabalhando na polícia e frequentando a biblioteca particular de Furtado de Mendonça, chefe da polícia e amigo que o protegia", explica Tâmis Parron, professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Commun (Núcleo de Estudos de História Comparada Mundial). "A grande sacada dele foi perceber a centralidade do Direito na luta abolicionista e como estratégia para destruir a escravidão. O ativismo jurídico tinha sido muito importante para o abolicionismo na Inglaterra e nos Estados Unidos. Ele o trouxe para o Brasil. Gama percebeu que a própria legislação podia ser usada contra os senhores", diz Parron. Estima-se que o advogado tenha conseguido libertar centenas de escravizados com ações na Justiça - há centenas de processos de liberdade com seu nome no arquivo do Tribunal de Justiça de São Paulo, material em boa parte desconhecido da historiografia. Muitas vezes, ele trabalhava de graça. Mas como ele conseguia libertar tantas pessoas? Primeiro, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 7 de novembro de 1831, pressionado pela Inglaterra, o Império brasileiro assinou uma lei que proibia o tráfico de africanos ao Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, qualquer africano trazido ao país deveria ser libertado imediatamente. O processo tem mais de mil página e está armazenado no Arquivo Nacional Mas isso não aconteceu na prática. Embora embarcações inglesas patrulhassem a costa brasileira em busca de navios negreiros, o contrabando era bastante comum no país - essa discrepância entre o que estava na lei e a vida real fez com que a norma ganhasse o apelido de "lei para inglês ver". Estima-se que mais de 700 mil africanos foram trazidos ilegalmente para o Brasil entre 1831 e 13 de maio de 1888, quando a escravidão foi finalmente abolida pela Lei Áurea. Em todo o período de escravidão, foram cerca cinco milhões de pessoas. Luiz Gama passou a atuar em casos de pessoas contrabandeadas ao país depois dessa legislação. "Ele reunia provas para demonstrar que, se a pessoa tinha nascido na África e foi trazida ao Brasil depois de 1831, ela fatalmente foi traficada e sua condição de escravizada era ilegal. Esse foi um dos argumentos que ele utilizou para conseguir libertar centenas de pessoas", conta Bruno Lima. Segundo Tâmis Parron, o tráfico negreiro ocorria com o consentimento e a participação do Império, que dependia da economia escravista. "Para existir e atuar, o crime organizado precisa da participação ou da anuência de alguma esfera da burocracia estatal", diz. "O que Gama fez com seu ativismo foi escancarar que o Estado e o escravismo brasileiros, além de roubarem os direitos naturais e inalienáveis do homem, eram literalmente ladrões e criminosos, pois burlavam a lei que eles próprios criaram", completa Parron. Escravizados urbanos coletando água no Brasil da década de 1830 Liberdade, vidas perdidas Luiz Gama apresentou uma tese jurídica bastante simples, porém inédita, para tentar ganhar a ação contra a família e os sócios do comendador Ferreira Netto, que queriam manter a propriedade de seus 217 cativos. "Ele teve a sacada de usar a voz do senhor de escravos como argumento jurídico contra ele próprio. O testamento havia sido publicado em vida na imprensa. Então, a estratégia dele foi a seguinte: se o próprio comendador escreveu que gostaria que os escravizados fossem libertados, por que eles ainda não estavam livres?", conta Bruno Lima. Ou seja, o advogado argumentou que, quando Ferreira Netto morreu, os cativos ficaram livres imediatamente, pois o testamento assim o pregava. Para Gama, o papel da Justiça no caso não seria conceder a liberdade aos escravizados, mas devolvê-la a eles. "Ele para de usar a palavra 'escravo' no processo, chama-os de libertandos. Na época, havia o crime de redução de uma pessoa livre à condição de escravizado. Isso não era permitido pela lei. Então, Gama inverte o jogo, mostrando ao juiz que a família do comendador estava cometendo um crime ao escravizar pessoas que já eram declaradas livres. É um argumento meticuloso e muito bem pensado", explica Lima. Os herdeiros da herança, temendo perder um bem tão valioso, contrataram um advogado renomado para representá-los no tribunal: José Bonifácio, poeta romântico, professor de Direito no Largo São Francisco, conhecido como "o Moço". Segundo o historiador, a ideia da família era ter como defensor um advogado que não fosse identificado com a escravidão. Bonifácio era um político liberal e abolicionista. De fato, anos depois do caso, ele participaria como senador da campanha pelo fim do regime. No processo do comendador, porém, defendeu os escravocratas. Curiosamente, o argumento jurídico de Bonifácio, que contestou o trecho do testamento que libertava os cativos, começava de maneira um pouco culpada: "Sem opor-me à liberdade, mas…". O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos Para Lima, ao longo do processo, Bonifácio "jogou sua imagem de abolicionista no lixo". "Se ele começou escrevendo que não se opunha à liberdade, no restante da ação agiu como um escravocrata confesso, defendendo de maneira ensandecida a família do comendador", aponta o historiador. No auge do processo, quando a causa ganhou repercussão em jornais da corte, Luiz Gama contou estar sofrendo ameaças de morte. Mencionou o fato em dois textos escritos em uma mesma semana de setembro de 1870, quando houve uma audiência importante do caso: Ao jornal Correio Paulistano, revelou uma trama da chefia da polícia para matá-lo. Já em uma carta ao filho, que tinha apenas 11 anos na época, escreveu o seguinte: "Lembra-te de escrevi essas linhas em momento supremo, sob ameaça de assassinato." Porém, apesar da pressão da elite escravocrata, o juiz de Santos deu ganho de causa ao argumento de Gama, em tese libertando os 217 cativos. Mas Bonifácio apelou a outras instâncias no interior de São Paulo, numa chicana jurídica que prolongou o processo e adiou a libertação das vítimas. Em 1872, o julgamento do mérito finalmente chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, a última instância, no Rio de Janeiro. No tribunal, Gama foi representado por um amigo, o advogado Saldanha Marinho, pois a corte não aceitava sua atuação fora de São Paulo. O abolicionista escreveu a sustentação final, apresentada por Marinho, e acompanhou o julgamento no palácio da Justiça. Os ministros concordaram com a tese de Gama, mas a vitória não foi completa. Eles determinaram um prazo de 12 anos para a libertação dos 217 escravizados a partir da feitura do testamento, de 1866. Ou seja, os cativos tiveram que prestar serviços forçados para os herdeiros do comendador até 1878, quando finalmente foram libertados. O tráfico de africanos foi proibido no Brasil em 1831, mas o contrabando continuou por várias décadas "Essa liberdade condicional foi uma derrota para Gama, mas a vitória dele no mérito da causa, uma alforria coletiva, foi uma coisa escandalosa para a época. Isso nunca tinha acontecido no Brasil. São raríssimas as libertações coletivas no sistema escravocrata das Américas, o que dirá de uma alforria de 217 pessoas", explica Lima. A vitória histórica de Gama na maior corte do país não foi noticiada com destaque na imprensa paulista, bastante ligada a fazendeiros escravocratas. Temia-se que a repercussão da história pudesse gerar novos processos. "Saiu apenas uma pequena nota em um jornal, e ela só informava o final da causa", diz o historiador. Ao final do prazo, em 1878, um jornal paulista noticiou uma grande festa em comemoração pela libertação dos cativos do comendador Ferreira Netto. No entanto, das 217 pessoas representadas por Gama, apenas 130 ainda estavam vivas para gozar a liberdade finalmente conquistada, segundo a publicação. "No fim das contas, Gama não se sentiu vitorioso, talvez por isso ele pouco tenha falado dela depois. Mesmo tendo ganho o mérito, 80 vidas foram perdidas", diz Lima. Maior ação coletiva A "Questão Netto" foi a maior causa de libertação defendida por Luiz Gama. Segundo Bruno Lima, ela chegou a ser citada brevemente por historiadores nas décadas seguintes, mas caiu no esquecimento. A segunda maior ação de Gama, por exemplo, tinha 18 pessoas, e correu em Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Portanto, dado que o advogado foi o maior ativista do abolicionismo jurídico do país, o caso dos 217 cativos pode ser o maior processo do tipo na história do Brasil. O historiador Tâmis Parron, da UFF, vai mais longe: o catatau encontrado e analisado por Bruno Lima pode ser a maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas até hoje. "Nos Estados Unidos e no restante da América, os processos de alforria eram bem distintos. Nos EUA, por exemplo, a alforria não dependia apenas da vontade do senhor, como no Brasil, mas sim da autorização de várias instâncias da burocracia estatal. Era difícil ter ações coletivas. Nunca li nada na historiografia do abolicionismo sobre um processo que envolvesse tantas pessoas", diz. Para Lima, a descoberta abre brechas importantes nas pesquisas sobre o abolicionismo brasileiro e sobre a trajetória de um de seus maiores expoentes. Em seu doutorado, ele analisa principalmente os argumentos jurídicos das partes, mas outros aspectos da ação ainda podem ser pesquisados. "Há muito a se estudar ainda sobre esse processo: quem eram esses escravizados? O que aconteceu com eles depois? Outro ponto é que ele joga luz sobre a figura de José Bonifácio, visto historicamente como um grande abolicionista, mas que na ação defendeu escravocratas de maneira bastante enfática", aponta o historiador. Apagamento Existem algumas biografias sobre Luiz Gama, mas sua obra completa e sua atuação como advogado ainda não são de todo conhecidas. Há diversas razões para explicar os motivos desse esquecimento. "Primeiro, existe um problema estrutural da pesquisa acadêmica no Brasil que é o subfinanciamento. É uma vergonha que a obra de Luiz Gama não esteja toda publicada. Se ele fosse americano, dada a sua importância histórica, tudo o que ele escreveu já estaria na vigésima edição. Qualquer assunto da história do Brasil ainda é um terreno a se desbravar", diz Tâmis Parron. Para ele, outro problema afeta os estudos sobre o abolicionismo. "Com o racismo estrutural e o negacionismo em relação à escravidão e às desigualdades sociorraciais, não é difícil entender por que esse grande abolicionista da história mundial não tem sua obra estudada no país", completa. Já Zulu Araújo, ex-presidente da Fundação Palmares e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia, acredita que a elite brasileira tentou "branquear" a história ao associar o fim da escravidão apenas à Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em 1888, e não ao trabalho incessante dos abolicionistas. "Tentou-se apagar a escravidão da história do país com a assinatura de uma senhora da elite. Esse tipo de narrativa apaga a participação popular no processo abolicionista e as lideranças que tinham origem popular, como Luiz Gama", diz. "Ele era um negro que viveu todas as instâncias da escravidão: nasceu livre, foi vendido pelo próprio pai, tornou-se escravo e depois se libertou para defender outros escravizados." Segundo Zulu, o movimento negro, depois dos anos 1970, escolheu Zumbi dos Palmares como seu maior símbolo na luta contra o racismo. "Para se contrapor à Princesa Isabel, escolheu-se uma figura guerreira como referência. Foi uma escolha histórica. Acredito que hoje, com o maior acesso da população negra às universidades, outras pessoas importantes voltarão a ser estudadas. Acredito que uma das saídas para o movimento é resgatar outros símbolos da nossa história, como Luiz Gama", diz. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Como a rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, ganha dinheiro?
O governo britânico anunciou que a rainha Elizabeth 2ª vai receber um aumento de 8% no pagamento público que recebe, após o bom desempenho no último ano do Crown Estate, a entidade gestora do patrimônio da monarquia do Reino Unido, que anunciou um lucro de 328 milhões de libras (R$ 1,4 bilhão) em 2016/2017, um aumento de 24 milhões de libras (R$ 101 milhões) em relação ao ano anterior.
Por causa de acordo feito em 1760, monarca recebe espécie de "salário" do Tesouro britânico a cada dois anos Isso significa que o Fundo Soberano - espécie de pagamento fixo do Tesouro Britânico à rainha que paga pelos salários dos funcionários da família, pelas viagens oficiais e pela manutenção dos palácios - para 2017/2018 será de cerca em 82,2 milhões de libras, um aumento de mais de 6 milhões. Mas exatamente quão rica é a rainha? E de onde vem este dinheiro? Apesar de muitos detalhes sobre as receitas da rainha serem públicos, sua exata fortuna é desconhecida, porque ela não é obrigada a revelar suas finanças pessoais. A principal fonte de receita é o Fundo Soberano, composto por uma porcentagem fixa dos lucros do patrimônio da Coroa - gerenciados pelo Crown Estate - que são pagos ao Tesouro. Fim do Talvez também te interesse O Crown Estate foi criado em 1760, quando o rei George 3º chegou a um acordo com o governo estabelecendo que o lucro desse patrimônio iria para o Tesouro e, em troca, o monarca receberia um pagamento anual - o Fundo Soberano. O Estate é uma entidade independente que administra um dos maiores portfólios de propriedades e concessões do país, que inclui residências, escritórios, lojas, empresas e centros comerciais. A monarquia é dona de terras em Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. A rainha ou rei em exercício recebe, do Tesouro, 15% dos lucros anuais do Crown Estate para pagar os custos com sua equipe, manutenção de propriedades, viagens e compromissos oficiais. O governo já havia anunciado, no entanto, que entre 2017 e 2027 esse percentual aumentará para 25%, para ajudar a pagar uma reforma de 369 milhões de libras no Palácio de Buckingham. Tecnicamente, o patrimônio da Coroa pertence ao monarca durante a duração de seu reinado, mas, na prática, não pode ser vendido por ele ou ela. Reforma do Palácio de Buckingham, uma das principais atrações turísticas de Londres, aumentará valor fixo pago à rainha Riqueza privada Já os gastos gerados por outros membros da família real são custeados por uma receita privada da rainha, o privy purse. Os fundos para isso vêm em sua maioria do Ducado de Lancaster, um portfólio de terras, propriedades e bens da rainha que são administrados se forma separada do patrimônio da Coroa. Este portfólio consiste de 18.454 hectares de terras na Inglaterra e no País de Gales, além de propriedades comerciais, agrícolas e residenciais. Apesar de ser classificado como um patrimônio privado da rainha, não pode ser vendido por ela. Assim como o patrimônio da Coroa, os lucros do Ducado de Lancaster vão para o Tesouro, que então financia parte das despesas da rainha não cobertas pelo Fundo Soberano. O chanceler do Ducado de Lancaster é quem administra as propriedades e aluguéis deste ducado. De forma separada, a receita do Ducado da Cornualha financia os gastos privados e oficiais do príncipe de Gales (Charles) e da duquesa da Cornualha (Camilla). Ambos são isentos do pagamento de taxas para o governo porque são entidades da Coroa. De acordo com o Sunday Times, a rainha tem ainda um portfólio de investimentos que consiste em sua maior parte de ações de empresas britânicas consideradas mais confiáveis, avaliado em 110 milhões de libras. Seus bens ainda incluem uma coleção de selos, joias, carros, cavalos, o legado da rainha-mãe. Tudo isso contribui para sua fortuna pessoal. Separadamente, ainda há a coleção real, que inclui joias da Coroa, obras de arte, móveis antigos, fotografias históricas e livros, num total de mais de 1 milhão de objetos avaliados em 10 bilhões de libras. Mas esta coleção não pode ser contabilizada na fortuna da monarca porque é administrada em nome de seus sucessores e do país. Sustento No país, há grupos que fazem campanha pelo fim da monarquia e do pagamento do Fundo Soberano. A ONG Republic publicou seu próprio relatório das despesas da família real em 2016/2017 e chegou a uma conta de 345 milhões de libras. Para o chefe da ONG, Graham Smith, é "uma conta enorme para os pagadores de impostos" e para sustentar "vidas privilegiadas". "O aumento mais recente do Fundo Soberano foi anunciado num momento em que há restrições salariais no setor público e uma forte discussão no Reino Unido sobre o abismo entre ricos e pobres", diz o analista para assuntos da monarquia da BBC Peter Hunt. "Mas todos os anos, os críticos da instituição reclamam, e assistentes da família real garantem que mantêm os custos sobre controle e que o dinheiro extra é necessário para salvar o palácio (de Buckingham)." No ano passado, a despesa bruta oficial da rainha aumentou em cerca de 2 milhões de libras. Mesmo assim, o tesoureiro da monarca, Alan Reid, afirmou que ela representa "um excelente custo benefício". "Quando você analisa estas contas, percebe que o Fundo Soberano custou, no ano passado, 65 pence (R$ 2,74) por pessoa ao Reino Unido. Isso é o preço de um selo", afirmou. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Quero negociar', disse Saddam ao ser preso, segundo oficial
Saddam Hussein pediu para negociar quando as forças americanas o capturaram perto de sua cidade natal, Tikrit, no norte do Iraque, segundo o major americano Brian Reed.
"Ele disse 'Eu sou Saddam Hussein, eu sou o presidente do Iraque e quero negociar'", afirmou o oficial. "A resposta foi 'O presidente Bush manda lembranças'", acrescentou Reed, dizendo que um soldado americano relatou a conversa na própria noite de sábado, quando Saddam foi capturado após oito meses de procura. Segundo o coronel James Hickey, as forças americanas esperavam achá-lo em um esconderijo mais elaborado. Elas também esperavam que Saddam reagisse e que houvesse troca de tiros. "Não pensávamos que seria tão simples", admitiu Hickey.
Iraque: Parlamento aprova saída de tropas dos EUA
O Parlamento iraquiano aprovou nesta quinta-feira um plano que prevê a retirada das tropas americanas do país até o fim de 2011.
Ainda pelo projeto, os soldados americanos sairão das ruas iraquianas até meados do ano que vem. O acordo é resultado de um ano de negociações com os Estados Unidos. Vários grupos apresentaram objeções ao plano, e milhares de pessoas participaram de manifestações contra o projeto. O presidente do Parlamento, Mahmoud al-Mashhadani, disse que "uma maioria decisiva" votou a favor do plano, segundo a agência de notícias Associated Press. O governo iraquiano disse nesta semana que a sessão parlamentar representa um prelúdio ao retorno do país à soberania completa.
O gato que ganhou 'mais uma vida' graças à clonagem na China
O gatinho Alho “voltou” à vida.
Na verdade, ele foi clonado por uma empresa chinesa de Pequim, a pedido do seu dono. O Alho original morreu, mas a companhia conseguiu criar um novo embrião com o seu DNA. O material, então, foi colocado em uma “barriga de aluguel” pelos cientistas. Resultado: nasceu um gato idêntico, que foi batizado com o mesmo nome. "Estou muito feliz em ver o Alho. Depois de tanto tempo, eu não sei como descrever esse sentimento”, disse o dono do animal, Huang Yu, que desembolsou o equivalente a R$ 143 mil para fazer a clonagem. O Alho foi o primeiro gato a ser clonado na China. O país vem se tornando uma potência genética, junto do Reino Unido, dos EUA e da Coreia do Sul. Apesar dos avanços, essa indústria tem recebido críticas. Ela é acusada de explorar animais para beneficiar donos ricos de pets. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
China e Taiwan negociam vôos diretos
Negociadores da China e de Taiwan voltaram a se reunir pela primeira vez em quase uma década. O objetivo das negociações atuais é discutir a possibilidade de criação de vôos diretos entre os dois países e o acesso de turistas chineses à ilha.
Autoridades de Taiwan e China se reuniram em Pequim. Segundo a correspondente da BBC em Taipei Caroline Gluck, os encontros sinalizam um esfriamento das tensões entre os dois países. A China considera Taiwan como parte do seu território e ameaça usar força caso a ilha declare independência. Apesar do encontro histórico entre as autoridades, há pouca expectativa de resultados práticos. Com exceção de alguns feriados, não há vôos diretos diários entre os dois lados desde 1949, ano da guerra civil na China. Taiwan também pleiteia vôos de carga para a China. O pedido de Taiwan faz parte das promessas eleitorais do novo presidente Ma Ying-jeou, que tem planos para reanimar a economia da ilha e melhorar as relações com a China. As autoridades esperam chegar a um acordo até sexta-feira. Nesta quinta-feira, o negociador chinês Chen Yunlin aceitou o convite para visitar Taiwan, o que é visto como um gesto de boa vontade. Os negociadores também concordaram em estabelecer representações em Pequim e Taipei para lidar com emissão e pedidos de vistos.
De 'fato muito grave' a 'não tem nada ali', as reações ao vazamento de supostas mensagens entre Moro e Dallagnol
No fim da tarde do domingo (9), o site Intercept Brasil publicou reportagens baseadas em supostas conversas vazadas do procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR). O ministro Sérgio Moro também aparece nas conversas, que teriam ocorrido no aplicativo Telegram.
'Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas', disse Moro no Twitter A série de quatro reportagens é baseada em supostas trocas de mensagens entre o procurador da República Deltan Dallagnol, outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato e com o então juiz federal Sérgio Moro, que era responsável por julgar os casos da Lava Jato na 1ª Instância da Justiça em Curitiba (PR), onde a investigação começou. A BBC News Brasil não conseguiu confirmar de maneira independente a veracidade das mensagens reproduzidas pelo The Intercept, mas a série de reportagens tem movimentado autoridades e políticos desde a noite de domingo. 'Aguardemos os desdobramentos', afirmou Gilmar Mendes sobre suposto vazamento de mensagens entre Moro e Dallagnol Segundo os textos publicados pelo Intercept, as conversas de Dallagnol mostrariam "motivações políticas" que teriam guiado a atuação dos investigadores da Lava Jato. Em nota publicada na madrugada desta segunda-feira (10), a força-tarefa disse que sua atuação "é revestida de legalidade, técnica e impessoalidade". "A imparcialidade da atuação da Justiça é confirmada por inúmeros pedidos do Ministério Público indeferidos, por 54 absolvições de pessoas acusadas, e por centenas de recursos do Ministério Público". Fim do Talvez também te interesse Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) comentaram o assunto ainda no domingo. Para Gilmar Mendes, as alegações contidas nas reportagens precisam ser apuradas. "O fato é muito grave. Aguardemos os desdobramentos", disse o ministro em mensagem de texto à reportagem da BBC News Brasil. Mendes faz parte da Segunda Turma do STF que analisa um pedido de suspeição de Sérgio Moro. Em dezembro do ano passado, Mendes pediu vista para se debruçar sobre o caso. No pedido, a defesa do ex-presidente Lula (PT) alega que Moro não teria condições de julgar o petista; pede a nulidade de todos os atos processuais praticados pelo ex-juiz e a libertação de Lula. O assunto também foi comentado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF. Segundo ele, as supostas mensagens colocam em xeque a imparcialidade esperada da Justiça. "Apenas coloca em dúvida, principalmente ao olhar do leigo, a equidistância do órgão julgador, que tem que ser absoluta. Agora, as consequências, eu não sei, Temos que aguardar", disse ele ao jornal Folha de S. Paulo. "Isso (relação entre juiz e investigador) tem que ser tratado no processo, com ampla publicidade. De forma pública, com absoluta transparência", disse. O que Moro teria feito, segundo o Intercept As reportagens afirmam que Sérgio Moro extrapolou seu papel como juiz ao trabalhar em conjunto com os procuradores para prejudicar os réus e pessoas investigadas - Moro teria orientado Deltan Dallagnol sobre a melhor ordem para deflagrar fases da Lava Jato; e teria indicado possíveis delatores aos procuradores. Uma das reportagens publicadas pelo The Intercept reproduz suposta mensagem de Deltan Dallagnol a respeito da denúncia contra o ex-presidente Lula no caso conhecido como "Tríplex do Guarujá". A denúncia apresentada pela Lava Jato resultou na primeira condenação de Lula por Sérgio Moro, em julho de 2017. Segundo a peça do MPF, a empreiteira OAS teria tentado presentear o ex-presidente com um apartamento de três andares no balneário do Guarujá (SP), em troca de contratos com a Petrobras - a transação não foi concluída. Segundo o relato do The Intercept, Dallagnol teria dúvidas sobre a tese da acusação. Quatro dias antes de apresentar a denúncia, ele teria escrito aos seus colegas procuradores: "Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram tô com receio da história do apto (apartamento)… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua." Sobre este ponto, a força-tarefa da Lava Jato disse que "apenas oferece acusações quando presentes provas consistentes dos crimes. Antes da apresentação de denúncias são comuns debates e revisões". "No caso Tríplex, a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi examinada por nove juízes em três instâncias que concordaram, de forma unânime, existir prova para a condenação". Diálogos de Dallagnol revelariam, segundo o Intercept, 'motivações políticas' na condução das investigações da Lava Jato Outras mensagens, desta vez em um grupo de procuradores da Lava Jato no aplicativo Telegram, mostrariam os investigadores preocupados com a possibilidade de Lula conceder uma entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. As conversas teriam ocorrido no fim de setembro de 2018, apenas duas semanas antes do primeiro turno das eleições do ano passado. O ministro do STF Ricardo Lewandowski tinha acabado de determinar, em decisão liminar (provisória), que Lula poderia conceder a entrevista. "Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara (Lula) fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo", teria escrito a procuradora Laura Tessler. "Sei lá… mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o (Fernando) Haddad", continua ela, referindo-se ao então candidato presidencial do PT. O procurador Januário Paludo discute no grupo formas de lidar com a decisão de Lewandowski. "Plano a: tentar recurso no próprio STF, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada". Sobre este tema, a equipe comandada por Dallagnol disse que "a prisão em regime fechado restringe a liberdade de comunicação dos presos, como já manifestado em autos de execução penal, o que não se trata de uma questão de liberdade de imprensa. O entendimento vale para todos os que se encontrem nessa condição". Moro: 'Não tem nada ali' Hoje ministro da Justiça e Segurança Pública de Jair Bolsonaro (PSL), Sérgio Moro disse em sua conta no Twitter que há "muito barulho" por causa das "supostas mensagens obtidas por meios criminosos". "Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas." Moro também divulgou uma nota oficial, por meio de sua assessoria de imprensa. "Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo", diz um trecho. "Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias." Lava Jato: vazamento foi ataque criminoso às investigações A força-tarefa da Lava Jato enviou uma primeira nota a jornalistas por volta das 20h do domingo. Um segundo texto, respondendo em detalhes às reportagens, foi disparado depois de meia-noite. No primeiro texto, o grupo de quinze procuradores disse que seus integrantes "foram vítimas de ação criminosa de um hacker", que "praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança" dos investigadores. Para Marco Aurélio Mello, as supostas conversas colocam em xeque a imparcialidade esperada da Justiça Em sua conta no Twitter, Deltan Dallagnol se limitou a reproduzir trechos da primeira nota. "A ação vil do hacker invadiu telefones e aplicativos de procuradores da Lava Jato usados para comunicação privada e no interesse do trabalho, tendo havido ainda a subtração de identidade de alguns de seus integrantes", diz um trecho desse primeiro texto. O texto da força-tarefa prossegue para dizer que "não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão", mas que há o receio de que incluam "documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento". Em seguida, a nota afirma que "Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação". "Os procuradores da Lava Jato em Curitiba mantiveram, ao longo dos últimos cinco anos, discussões em grupos de mensagens (...), em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto", diz a nota. "Vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras", afirma o texto do grupo coordenado por Dallagnol. "De todo modo, eventuais críticas feitas pela opinião pública sobre as mensagens trocadas por seus integrantes serão recebidas como uma oportunidade para a reflexão e o aperfeiçoamento dos trabalhos da força-tarefa." Na segunda nota, o grupo chamou a atenção para o fato de que "nenhum pedido de esclarecimento ocorreu antes das publicações, o que surpreende e contraria as melhores práticas jornalísticas. Esclarecimentos posteriores, evidentemente, podem não ser vistos pelo mesmo público que leu as matérias originais, o que também fere um critério de justiça", diz o texto. "Além disso, é digno de nota o viés tendencioso do conteúdo divulgado, o que é um indicativo que pode confirmar o objetivo original do hacker de, efetivamente, atacar a operação Lava Jato, aspecto reforçado pelo fato de as notícias estarem sendo divulgadas por site com nítida orientação ideológica", afirma a força-tarefa. Defesa de Lula: reportagens mostraram 'conluio' O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, também publicou nota sobre o assunto. Segundo ele, as supostas mensagens reproduzidas pelo The Intercept mostram um "conluio" entre Moro e os investigadores, para "atuarem politicamente condenando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um processo sem provas". 'Ninguém pode ter dúvida de que os processos contra o ex-presidente Lula estão corrompidos', diz defesa de Lula "A atuação ajustada dos procuradores e do ex-juiz da causa, com objetivos políticos, sujeitou Lula e sua família às mais diversas arbitrariedades. A esse cenário devem ser somadas diversas outras grosseiras ilegalidades, como a interceptação do principal ramal do nosso escritório de advocacia para que fosse acompanhada em tempo real a estratégia da defesa de Lula, além da prática de outros atos de intimidação e com o claro objetivo de inviabilizar a defesa do ex-presidente", diz um trecho da nota de Lula. "Ninguém pode ter dúvida de que os processos contra o ex-presidente Lula estão corrompidos pelo que há de mais grave em termos de violações a garantias fundamentais e à negativa de direitos. O restabelecimento da liberdade plena de Lula é urgente." Ao longo da noite de ontem, o tema também gerou reação da defesa de outros réus da Lava Jato. Conhecido como Kakay, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro não atua na defesa de Lula, mas defende outros réus e investigados da Lava Jato no STF. Segundo ele, "as questões que estão sendo reveladas são de uma gravidade ímpar. Mesmo eu, que sou um crítico contumaz dos excessos da operação Lava Jato, não poderia imaginar o grau de promiscuidade, de crimes, se se comprovar o que consta das gravações". Para Kakay, "é necessário uma investigação profunda para saber se havia uma organização criminosa tentando usar a estrutura do Poder Judiciário em proveito próprio e com fins políticos. O Brasil precisa e merece saber a verdade. O Judiciário está sob suspeita". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Países anunciam túnel sob o mar entre a África e a Europa
Espanha e Marrocos fecharam um acordo para construir um túnel de 39 km sob o mar Mediterrâneo que deverá possibilitar a primeira ligação terrestre entre a África e a Europa.
O túnel, que será usado por trens, deverá seguir o modelo do Eurotúnel, que hoje liga a Grã-Bretanha ao resto do continente europeu. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento da Espanha, dois túneis adjacentes devem correr pelo estreito de Gibraltar, que separa os dois continentes. O túnel deve ligar a cidade de Punta Malabata, perto de Tânger (Marrocos), a Punta Palomas, na Espanha. Segundo o ministério espanhol, as duas cidades foram escolhidas porque, na região entre elas, o Mediterrâneo tem apenas 300 metros de profundidade. Uma comissão conjunta de autoridades dos dois países já chegou a um plano preliminar de obras. Elas devem durar três anos e começar no ano que vem. O custo inicial da obra será de US$ 30 milhões (R$ 88,3 milhões).
De cultos online a 'não leia notícias sobre pandemia': como as religiões estão lidando com o coronavírus no Brasil
A preocupação com o novo coronavírus também chegou aos templos religiosos do Brasil. No fim de semana, algumas denominações, como igrejas evangélicas e mesquitas, suspenderam cultos e celebrações por tempo indeterminado para evitar a aglomeração e uma possível transmissão em massa do vírus entre os fiéis.
Cultos religiosos, que costumam receber centenas ou até milhares de pessoas, podem se transformar em um local de transmissão em massa - assim como jogos esportivos, protestos e festas Para tentar resolver essa questão, alguns templos têm transmitido mensagens religiosas aos fiéis por meio de serviços de streaming, redes sociais, aplicativos e até do rádio. Há entidades que mantiveram alguns eventos, mas orientaram fiéis com mais de 60 anos ou com sintomas da doença a ficar em casa. Por outro lado, alguns líderes religiosos de grandes igrejas disseram que não vão fechar as unidades e até pediram para que fiéis parem de ler notícias sobre a pandemia. A transmissão da doença pode ocorrer por contato com pessoas infectadas ou superfícies que tenham o vírus — respirando no mesmo ambiente ou tocando algo que uma pessoa infectada tocou, por exemplo. Transmissão crescente Hoje, o Brasil tem 234 casos de coronavírus registrados e 2.064 suspeitos, segundo o Ministério da Saúde. A primeira morte foi confirmada nesta terça-feira (17/03). Fim do Talvez também te interesse Porém, esse número deve aumentar substancialmente nas próximas semanas, segundo projeções de especialistas e médicos. Por isso, cultos religiosos — que costumam receber centenas ou até milhares de pessoas — podem se transformar em um local de transmissão em massa, assim como jogos esportivos, protestos e festas. Na Coreia do Sul, um dos países mais afetados pelo vírus, por exemplo, uma igreja foi responsável por boa parte das transmissões. Pastor Silas Malafaia afirmou em um culto que não fechará sua igreja, a Vitória em Cristo, por causa da pandemia A Igreja de Jesus de Shinchonji, uma seita dedicada a expandir a ideia de que seu fundador, Lee Man-hee, é a segunda encarnação de Jesus Cristo, chegou a esconder das autoridades os nomes dos fiéis que estavam infectados — alguns deles viajaram pelo país. Dias depois, o líder da seita pediu desculpas à população pela negligência. No Brasil, um dos templos que suspenderam todos os cultos foi a Igreja Batista da Água Branca, na zona oeste de São Paulo. Em comunicado nas redes sociais na quinta-feira, o pastor Ed René Kivitz afirmou que todas as atividades presenciais estão "suspensas até segunda ordem". "Atendendo às orientações das autoridades e dos profissionais de saúde, nós resolvemos nos juntar a esse esforço global de contenção da disseminação do vírus", afirmou. Os cultos do domingo, dia em que a igreja recebe um grande número de fiéis, foram transmitidos ao vivo pela internet — no templo havia apenas alguns membros da denominação. O mesmo ocorreu com a Comunidade da Vila, igreja evangélica na zona oeste paulistana — três cultos desse domingo, sem a presença dos fiéis, foram transmitidos pelas redes sociais e pelo aplicativo da igreja. "Nós vamos manter nossa programação, mas você não precisa estar junto, porque estamos tentando evitar aglomerações", explicou o pastor Marcos Botelho, em vídeo enviado a fiéis. "Não queremos criar pânico. Acreditamos que Deus está no controle de todas as coisas, mas queremos ajudar o Brasil a não espalhar o vírus de maneira rápida e não ocupar nossos leitos de hospitais. Nos vemos online", finalizou. Outras religiões também têm seguido recomendações de evitar reunião de pessoas. Justiça determinou suspensão de missas e eventos religiosos no Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo 'Muita seriedade' A Mesquita Brasil, no centro de São Paulo, é uma delas. "Estamos levando essa questão com muita seriedade. A partir da última sexta-feira, cancelamos nossas orações que têm congregações e reunião de fiéis, para evitar qualquer contato entre as pessoas", disse o xeique Mohamed al Bukai. Segundo ele, outras mesquitas do país têm tomado medidas parecidas, mas, por enquanto, ainda não há transmissão de eventos pela internet. "Estamos esperando o que vai acontecer para decidir como continuar com nossas celebrações. Vamos aguardar mais orientações das autoridades", explica. Segundo a Federação Israelita de São Paulo, algumas sinagogas da cidade também suspenderam as atividades, assim como todas as escolas judaicas da capital paulista. Fiéis com mais de 60 anos também estão sendo orientados a não comparecer aos locais de reunião. Por outro lado, há unidades que mantiveram os cultos em áreas abertas, como jardins, ou dividiram o público em diversos espaços. Os terreiros de umbanda têm se dividido nessa questão, segundo o sacerdote Pai Engels de Xangô, dirigente do templo Amor e Caridade Caboclo Pena Verde, em São Paulo. Alguns locais suspenderam as atividades nessa semana, embora outros continuem abertos. Esses têm orientado os fiéis com possíveis de sintomas de covid-19 a ficar em casa. "Estamos pedindo uma coisa difícil na nossa religião, que é evitar o cumprimento, o beijo na mão e a troca de bênçãos. São gestos muito tradicionais", explica. Seu terreiro continua aberto, mas ele diz que a situação pode mudar nos próximos dias, a depender da evolução das infecções no Brasil. Para o pastor batista Levi Araújo, é importante que, nesse momento, denominações religiosas se posicionem com o objetivo de proteger seus fiéis e o restante da população. Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, pediu que seus fiéis não leiam notícias sobre o coronavírus "Seja qual for a religião, essa situação do coronavírus vai apontar quem são os fanáticos e os oportunistas, muitos dos quais só pensam em dinheiro. Esses vão continuar a promover a aglomeração de pessoas dentro das igrejas", disse à BBC News Brasil. "Os religiosos de bom senso vão seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde e das autoridades de saúde", afirmou ele, que também suspendeu viagens pelo Brasil e tem pregado apenas por meio das redes sociais e de aplicativos de vídeo. Igreja Católica e líderes evangélicos No sábado, a Justiça suspendeu missas e eventos religiosos no Santuário Nacional de Aparecida, interior de São Paulo, local com grande concentração de católicos. Nesse domingo, apesar da suspensão das celebrações, centenas de fiéis compareceram ao templo, pois as visitas estavam liberadas. Outras denominações religiosas mantiveram as atividades plenamente — ou apenas com algumas alterações ou recomendações ao público. A Diocese de São Paulo da Igreja Católica, por exemplo, orientou as igrejas a se manterem "limpas e bem ventiladas". As unidades com grande presença de pessoas devem aumentar o número de missas para evitar grandes aglomerações em um único evento, afirmou a cúpula. "Durante as celebrações, evite-se o contato físico, sobretudo, na saudação da paz e na oração do Pai-Nosso; a comunhão seja recebida, preferencialmente, na mão", escreveu a Diocese, pedindo também que idosos ou pessoas com sintomas de covid-19 fiquem em casa. Já grandes igrejas evangélicas do país, como a Sara Nossa Terra, Mundial do Poder de Deus e a Renascer em Cristo mantiveram os cultos. A Renascer, por exemplo, afirma em seu site que vai disponibilizar álcool em gel, que a unção com óleo na testa deve agora ser feita com spray e que os fiéis não devem dar as mãos durante as orações e não terão mais funcionários disponíveis para manobrar os carros em estacionamentos da igreja. Nos últimos dias, famosos líderes evangélicos causaram polêmica ao se posicionarem sobre o coronavírus. O pastor Silas Malafaia, por exemplo, afirmou em um culto que não fechará sua igreja, a Vitória em Cristo, por causa da pandemia. "Não vou fechar igreja coisíssima nenhuma. Se amanhã os governos disserem que vão impedir transporte público, fechar mercados, fechar todas as lojas… Como pastor, acredito que a igreja tem que ser o último reduto de esperança para o povo. Se fechar tudo, numa medida drástica, a igreja precisa estar de porta aberta." Na semana passada, o missionário R.R Soares, da Graça de Deus, afirmou que a população "não precisa ter medo de jeito algum" do coronavírus. "Já houve outras ameaças no meio da humanidade. A profecia, lá no Apocalipse, diz que vai chegar um tempo em que uma terça parte das pessoas vai morrer. Mas ainda não estamos nessa época, não estamos na época de ganhar as almas para Jesus", afirmou. Já o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, pediu que seus fiéis não leiam notícias sobre o coronavírus. "Quem anda pela fé anda pela frente. Quando você vê no noticiário 'morreu fulano, beltrano teve coronavírus', não olhe para isso, não leia essas notícias", afirmou em um vídeo nas redes sociais. "Ao invés de você ler essas notícias que falam de morte e de quarentena, da epidemia e pandemia, olhe para a palavra de Deus e tome sua fé na palavra de Deus, porque essa, sim, faz você ficar imune a qualquer praga e a qualquer vírus, inclusive o coronavírus", disse. Mesmo com a fala de Macedo, a Igreja Universal está tomando medidas para tentar impedir a disseminação do vírus em suas dependências, segundo nota da instituição enviada à BBC News Brasil.A denominação afirmou que vai limitar o número de pessoas nos templos caso as autoridades estipulem uma lotação máxima — mas que também vai aumentar o número de cultos para "atender a todos os que procuram a igreja". Também disse que as pessoas "são orientadas a se sentarem distantes umas das outras, mantendo pelo menos uma ou duas cadeiras vazias entre si". E que também serão evitadas orações com imposição de mãos. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
As florestas sagradas que protegem igrejas e resistem ao desmatamento na Etiópia
Um grupo de crianças ouvia uma história sob a sombra de um zimbro em uma pequena floresta perto de Debre Tabor, no norte da Etiópia.
Pequenos grupos de árvores, cada um a cerca de 2 km de distância um do outro, garantem que a população local nunca esteja longe de florestas Três mulheres andavam ao longo de um caminho, o som de suas conversas permeando as densas árvores enquanto nosso grupo de 12 pessoas, claramente estrangeiros, se aproximava. Quando as crianças nos viram na borda da floresta, vieram correndo, saltaram sobre uma parede de pedra baixa e se aproximaram curiosamente de nós. Eu acompanhava um grupo de pesquisadores liderados pela ecologista Catherine Cardelús, da Universidade Colgate, nos Estados Unidos, e Bernahu Tsegay, da Universidade Bahir Dar, na Etiópia, que estavam ali para aprender sobre a ecologia da floresta. As crianças, no entanto, já eram especialistas no assunto. Conheciam cada centímetro do lugar por terem crescido em meio àquelas árvores, na única floresta que já viram na vida. Fim do Talvez também te interesse Eu estava em uma "floresta sagrada", uma das mais de mil espalhadas pela paisagem e que formam uma rede quase perfeita, com cada uma protegendo uma igreja ortodoxa tradicional da Etiópia em seu centro. Esses pequenos grupos de árvores, cada um a cerca de 2 km de distância um do outro, asseguram que a população local nunca esteja longe das florestas que estão profundamente enraizadas em sua vida social e espiritual. Eles são usados como centros comunitários, locais de reunião, cemitérios e até banheiros; são também parte de cerimônias religiosas cristãs e fornecem a única sombra por quilômetros. Algumas destas florestas sagradas são bastante acessíveis, como as da ilha no Lago Tana, que podem ser visitadas em um passeio de barco a meio dia de distância a partir da cidade de Bahir Dar. Mas, nas paisagens montanhosas e rurais a leste de Bahir Dar, estas florestas podem ser mais difíceis de serem encontradas. Desmatamento generalizado Cada ponto verde se destaca na paisagem porque ali estão algumas das únicas árvores que restam em um país que sofreu um desmatamento generalizado. Algumas florestas eclesiásticas têm mais de mil anos, e essas preciosas árvores foram poupadas para preservar a sombra que oferecem - uma conservação que é um subproduto da proteção de suas igrejas. Mas elas são pequenas e estão ameaçadas pela construção de estradas e prédios e pela abertura de campos de cultivo por agricultores. Paradoxalmente, os humanos que as protegem representam a maior ameaça ao seu futuro. Um padre apareceu à beira da floresta e ouviu nosso intérprete explicar que estávamos ali para aprender mais sobre a relação entre a população local e as florestas em que eles adoram. Ele assentiu, e seguimos até a sombra das árvores, deixando o calor intenso das plantações para trás. As florestas eclesiásticas da Etiópia, cada uma com uma igreja ortodoxa tradicional no centro, fornecem a única sombra por quilômetros Estas florestas têm em média apenas cinco campos de futebol de área, de modo que levamos só alguns minutos para irmos da borda até a igreja no meio. Toda floresta consiste em um anel de árvores em torno de uma clareira central. Um muro de pedra rodeava este local, onde uma igreja redonda estava no meio com uma cruz ornamentada no topo e as cores nacionais - vermelho, amarelo e verde - no telhado. Mais tarde, aprendi que a distância simbólica entre a igreja e essa parede é tradicionalmente descrita como o "quarenta vezes o comprimento do braço de um anjo". O padre explicou que as florestas são sagradas porque cada uma delas abriga no centro da igreja um tabot, que se acredita ser uma réplica da Arca da Aliança original, descrita na Bíblia como o objeto em que as tábuas dos dez mandamentos e outros objetos sagrados teriam sido guardados. Diz-se que a santidade do tabot irradia para fora, de modo que, quanto mais próximo se estiver da igreja, mais sagrado será o espaço. O mesmo vale para as árvores - elas são vistas como "roupas" da igreja, parte da própria construção, e é por isso que apenas um pequeno anel de árvores foi protegido, criando pequenas florestas. Imagens aéreas ajudaram a mapear florestas Florestas assim são, no entanto, mais suscetíveis a distúrbios naturais e causados pelo homem, e essa região sofreu um desmatamento massivo nas últimas décadas. Hoje, apenas cerca de 5% da Etiópia é coberta por florestas, em comparação com cerca de 45% há cerca de um século. Embora sejam principalmente as árvores entre as pequenas matas que desapareceram, as florestas sagradas também são indiretamente afetadas. Um muro de pedra marca a fronteira entre os campos dos agricultores e as florestas sagradas da Etiópia Sentados perto da borda da floresta com o geógrafo da equipe, Peter Scull, vimos um fazendeiro levando seus bois pelo campo vizinho. Scull contou como a equipe de pesquisadores usou uma série de registros fotográficos históricos para identificar a localização dessas florestas, medir seu tamanho e determinar exatamente como a paisagem mudou no último século. Ele explicou que, no final da década de 1930, o exército italiano tirou fotos aéreas da região e armazenou as imagens em caixas de munição quando se retirou em 1941. Em 2014, 8 mil imagens foram encontradas no porão do prédio da Agência de Cartografia da Etiópia, em Addis Abeba. Após a Segunda Guerra Mundial, na década de 1960, o programa de satélite Corona dos Estados Unidos também passou pela região. O programa usou um satélite espião de foto-reconhecimento lançado durante o auge da Guerra Fria para identificar potenciais locais de lançamento de mísseis da União Soviética. O ex-presidente americano Bill Clinton retirou o sigilo das imagens em 1995, e uma comparação das imagens históricas com registros modernos do Google Earth mostrou aos pesquisadores que os limites das florestas não diminuíram - e alguns, de fato, cresceram graças ao plantio de eucaliptos para a exploração madeireira. Mas as imagens mostram que árvores e arbustos costumavam crescer do lado de fora da floresta propriamente dita, o que protegia as árvores do vento, da erosão e das mudanças de temperatura e umidade. Cada igreja abriga uma réplica do que se imagina ser a Arca da Aliança Ameaças Nas últimas décadas, as árvores nesta área foram derrubadas para serem usadas na construção e como combustível, e as terras, convertidas em campos agrícolas. Não há uma mais transição gradual da floresta para a zona de cultivo. As fotos também revelam que o que costumava ser um dossel ininterrupto de vegetação agora tem lacunas que deixam a luz do sol entrar onde deveria haver sombra. E, com menos árvores entre as florestas, cada uma se tornou um refúgio isolado para plantas e animais. Vistos do ar, os respingos de verdes parecem sobreviventes amontoados em busca de proteção. As tomadas aéreas, no entanto, não permitem identificar que tipos de árvores estão crescendo, quantas mudas existem, se o solo tem os nutrientes de que as plantas precisam e quanta perturbação humana existe. Para isso, é preciso estar no chão. Pesquisadores usaram registros fotográficos da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria para identificar a localização das florestas eclesiásticas da Etiópia Ao longo do dia, os pesquisadores coletaram amostras de solo e folhas de espécies como a cerejeira africana e o zimbro africano, uma árvore nativa de crescimento lento que foi usada para construir igrejas quando era mais abundante. As crianças se reuniram em torno de nós, timidamente a princípio, mas depois chamando os nomes das árvores no idioma local, rindo quando tentávamos repetir as palavras. Algumas crianças perguntaram se essa era a floresta mais linda que já vimos. No entanto, não estávamos em uma floresta tropical exuberante ou nas infinitas florestas de coníferas da América do Norte. Florestas como essa, onde há muitas estruturas feitas pelo homem, como caminhos e clareiras, tendem a ter uma abundância de plantas densas que sufocam o crescimento de outras, e há muitas árvores não nativas crescendo no lugar de espécies nativas. As florestas estão vivas, mas não estão em ótima forma. E, quando chegar a hora daquelas crianças assumirem o papel de preservá-las, não se sabe o que restará. Uma floresta saudável deve ter um dossel robusto e árvores jovens. "Algumas das florestas que visitamos têm essas árvores grandes e lindas", disse a ecologista Carrie Woods, "mas o problema é que você olha por baixo e só vê grama e pedras". Em algumas florestas, não há uma próxima geração de árvores. Hoje, apenas cerca de 5% da Etiópia é coberta por florestas, em comparação com cerca de 45% há cerca de um século No entanto, mesmo que as florestas não sejam robustas, Cardelús diz que elas também não estão sendo degradadas tanto quanto se temia. Algumas paróquias estão tomando medidas para fortalecer a saúde da floresta, adicionando um muro de pedra ao redor do perímetro externo para evitar que o gado entre para pastar. E isso ajuda um pouco, ao permitir que mudas cresçam. As paróquias também tiram aproveito de programas governamentais que fornecem mudas grátis. Infelizmente, as mudas são frequentemente de árvores não nativas, como o eucalipto, que crescem rápido enquanto espécies nativas são de crescimento mais lento. As plantações de eucaliptos surgiram nas bordas de muitas florestas sagradas e tornaram-se centrais para a economia. Em um país que precisa de sua escassa madeira para cozinhar e construir, o eucalipto tem sido um salvador e, no final, trata-se de uma escolha difícil equilibrar a preservação de espécies nativas e a necessidade de vender madeira de espécies de rápido crescimento. Até agora, a equipe visitou 44 florestas sagradas, subindo colinas, cruzando riachos e campos até os topos de montanhas, onde entrevistaram padres sobre a administração religiosa da floresta e coletaram amostras de solo e folhas para medir a biodiversidade. Cardelús espera que as informações coletadas ajudem nas estratégias de conservação, como criar viveiros para mudas nativas, remover espécies exóticas ou daninhas e limitar mais construções dentro das florestas. "Mas, no fim das contas,", disse Cardelús, "nossa pesquisa mostra que são as pessoas que precisam dessas florestas que as preservam, então, devemos celebrar o que os locais fizeram, ajudá-los a fazer melhor e apoiar a conservação em outros lugares." Catherine Cardelús e sua equipe coletaram amostras do solo e de folhas para elaborar estratégias de conservação No final da tarde, a novidade de nós, como visitantes, parecia ter desaparecido apenas parcialmente. Um pastor tirou uma foto nossa com o celular. Cardelús agradeceu ao padre e, mais uma vez, as crianças nos acompanharam. Um menino tirou uma flauta feita à mão e conduziu-nos para fora da floresta e de volta para os campos, dando risadas de seus companheiros. Ficou claro que a vida espiritual e cultural da comunidade está entrelaçada com essas árvores. Apesar do pequeno tamanho destas florestas e da quantidade de perturbações causadas pelos humanos, o apego cultural a estes lugares - que são adorados e percorridos há centenas de anos - tem sido a ferramenta de conservação que os salvou. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A queda de avião que transformou viagem de lua de mel em aventura pela selva amazônica
Quando o avião em que estavam fez um pouso forçado em meio à selva peruana, a lua de mel dos sonhos de Holly Fitzgerald e do marido Fitz pela América do Sul logo ganharia ares de tormento.
O marido de Holly, Fitz, em frente ao avião acidentado na selva peruana — o primeiro incidente da lua de mel do casal Era o início de uma aventura que culminaria com os dois "ilhados" em uma balsa improvisada, por quase um mês, no rio Madre de Dios, à mercê de tempestades, piranhas e jacarés. Sem nada para comer, a não ser lesmas e sapos, Fitz chegou a ficar à beira da morte. O relacionamento, a sanidade mental e a força física do casal seriam testados ao limite absoluto. Em entrevista ao programa de rádio Outlook, da BBC, Holly conta como eles sobreviveram a tamanha provação. Fim do Talvez também te interesse Holly Fitzgerald e o marido Gerald, mais conhecido como Fitz, estavam casados havia menos de dois anos quando partiram em uma viagem de lua de mel de um ano ao redor do mundo, que tinha como ponto de partida a América do Sul. Era início da década de 1970, e o casal americano tinha pouco mais de 20 anos na época — ambos estavam perdidamente apaixonados e em busca de aventura. "Estávamos muito animados. Economizamos durante um ano. Nós dois trabalhávamos, ele era repórter de um jornal e eu era assistente social", relembra Holly. Fitz havia combinado com o editor do jornal que escreveria artigos semanais sobre a viagem, enquanto Holly seria responsável pelas fotos. No fim do ano de 1972, eles haviam juntado dinheiro suficiente e estavam prontos para embarcar. No entanto, só após quatro meses viajando pela América do Sul, a verdadeira aventura do casal começaria de fato. Holly e Fitz no topo de uma montanha perto de Cusco Eles estavam na cidade peruana de Pucallpa, quando decidiram conhecer a Bacia Amazônica. Para isso, o plano era voar até Puerto Maldonado, também no Peru, onde pegariam um barco comercial para descer até Riberalta, na Bolívia. De lá, seguiriam de carona para o Brasil. Mas estavam com o cronograma apertado: tinham dez dias para chegar a tempo de pegar a embarcação, só haveria outra três meses depois. Pouso forçado Eles decolaram então em um avião bimotor militar antigo, modelo DC-3, rumo à Bolívia. "Estávamos muito longe da civilização, não havia casas lá embaixo, apenas árvores sobre árvores, uma ondulação de árvores, quase como um oceano verde", descreve Holly. Mas a contemplação da vista aérea da floresta logo seria interrompida: "O avião ia fazer uma parada em uma aldeia no caminho do nosso destino e, à medida que descia, começou a tremer, a balançar... estava descendo muito rápido. Eu perguntei: 'Fitz, esse avião não está indo rápido demais?'" A aeronave, com 13 pessoas a bordo, acabou fazendo um pouso forçado no meio da selva. "Quando o avião bateu no solo, era tudo lama, uma grama lamacenta, e ele parecia não conseguir frear. Havia uma península de água em volta, e ele colidiu nas árvores da floresta." "A asa quebrou, e o trem de pouso ficou todo amassado", acrescenta. A foto no início desta reportagem, tirada por Holly, retrata o momento logo após o acidente. "Foi muito assustador, mas eu estava com minha câmera e pensei: 'Preciso tirar uma foto porque ninguém vai acreditar nisso'." "Eu recuei um pouco e disse: 'Fitz, para um minuto, vou tirar uma foto'. E ele falou: 'Não, isso pode explodir a qualquer momento, temos que ir embora'. Mas ele parou, e parece bem atordoado, chocado na foto." Colônia penal Naquela época, não havia telefone celular, tampouco internet. Só restava a eles seguirem então os outros passageiros em busca de ajuda, embora não tivessem a menor ideia para onde estavam indo. "Atravessamos um riacho em um barco a motor, quatro pessoas de cada vez, e começamos a caminhar por uma trilha no meio da selva, uma trilha lamacenta, porque era estação de chuva." "Pensamos que íamos para uma aldeia, mas acabou que era uma colônia penal", revela. Era a Colônia Penal Agrícola del Sepa, localizada em meio à selva peruana. "Os guardas foram muito simpáticos, deixaram a gente dormir no alojamento deles." "Era um campo aberto, como um campo de futebol, e eles diziam que os presos não tinham para onde fugir. Portanto, não havia grades, tampouco muros", relata. O plano era esperar alguns dias até a grama secar para pegar então outro avião até Puerto Maldonado. Quando a lama secou, eles prosseguiram viagem um tanto quanto apreensivos. Mas, desta vez, sem surpresas no voo. "Quando pousamos, todos aplaudiram, porque estávamos muito felizes por estar no chão novamente. A jangada No entanto, haviam chegado tarde demais para pegar o barco — e o próximo só passaria três meses depois. "Ficamos arrasados. Estávamos naquela cidade pequena, era estação de cheia, tinha lama até meu tornozelo, simplesmente não era onde queríamos ficar por meses esperando um barco." Até que um morador local deu uma alternativa: "Ele disse: 'Vocês poderiam pegar uma jangada, que é o que as pessoas aqui fazem. Todos nós aqui usamos jangadas'." A jangada 'The Pink Palace' que Holly e Fitz construíram para descer o rio Holly logo se entusiasmou com a ideia, mas Fitz estava reticente. "Nós não conhecemos esse cara. Por que deveríamos confiar no que ele disse?", questionou. Não demorou muito, no entanto, para ela convencer o marido. Eles construíram então uma jangada, a qual batizaram de Pink Palace (Palácio Rosa), uma plataforma com quatro toras de madeira amarradas e uma tenda de plástico rosa em cima. E zarparam pelo rio Madre de Dios, que vai do Peru até a Bolívia, em direção à cidade de Riberalta, a cerca de 800 quilômetros de distância. Uma viagem prevista para durar cinco dias e cinco noites. A princípio, parecia que seria um passeio idílico. "Era lindo e relaxante. É claro que, no fundo havia aquele pensamento: Uau, não há absolutamente ninguém por aqui. Mas também tinha uma parte maravilhosa e encantadora de borboletas chegando e pousando na gente, o chilrear dos pássaros..." Para se distrair, Holly conta que eles chegaram a dançar sobre a jangada. Tempestade Mas a calmaria estava prestes a acabar. No meio da quarta noite, eles foram atingidos por uma forte tempestade de raios e trovão. "Era muito alto e assustador. Eu acordei e gritei: 'Fitz, tempestade, tempestade'", relembra. "Ele acordou e olhou para fora da tenda, claro que estava escuro, mas com os relâmpagos você podia ver que a água estava turbulenta." Holly batizando a jangada 'The Pink Palace' De repente, uma árvore caiu sobre a embarcação. Não só rasgou o plástico da tenda, permitindo que a água entrasse, como deixou Holly presa embaixo do tronco. Se não bastasse, ela ainda foi picada por uma legião de formigas-lava-pé que estavam na árvore e subiram sobre seu corpo. "Parece que você está pegando fogo", descreve. "Eu gritava para Fitz me ajudar a sair. Meu cabelo estava todo emaranhado nas raízes da árvore." "E ele dizia: 'Você consegue, você consegue'. Fui capaz de me libertar das raízes, e nós dois tivemos que empurrar aquele tronco enorme para fora da jangada porque estava afundando o barco." Luta pela sobrevivência Na manhã seguinte, a tempestade deu lugar a um lindo dia de sol. Mas com o novo dia, veio também uma terrível constatação: a maior parte da comida que tinham havia caído no rio em meio ao temporal. "Não havia sobrado quase nada." "Só tínhamos agora uma caixa com uma lata de atum, um pouco de sopa de ervilha em pó, um pouco de açúcar e café instantâneo. Era isso", enumera. E, infelizmente, agora eles não podiam mais simplesmente continuar navegando rio abaixo conforme haviam planejado. A tempestade havia mudado o curso da jangada para um afluente do rio — e eles estavam "encalhados" em uma planície alagada, sem terra à vista. Era basicamente um pântano, sem qualquer corrente para levá-los de volta. Nadar no rio infestado de piranhas e jacarés tampouco parecia uma opção. Sem ter para onde ir, se tornaram alvos fáceis para os animais selvagens que viviam na floresta. "A gente podia ouvir os animais, principalmente durante noite. Havia rugidos, alguns rugidos pareciam de onça. E, embora a terra estivesse submersa, sabíamos que elas podiam subir pelas árvores." "Sabíamos que havia ainda anacondas e jacarés." Fitz a bordo do 'Pink Palace' no rio Madre de Dios Holly e Fitz fizeram uma tentativa de escapar do pântano tentando remar de volta para o rio principal. Mas uma tempestade os impediu, além do fato de que a jangada era grande demais para navegar entre as árvores alagadas. Com o passar dos dias sem comer, eles começaram a perder peso rapidamente, e a ficar cada vez mais fracos. "Foi assustador ver o quão rápido isso poderia acontecer com a pessoa que eu amava", diz Holly. O objetivo de chegar à Amazônia brasileira deu lugar a uma verdadeira luta pela sobrevivência. E, contrariando o conselho dos moradores locais para não entrar na água, eles não tiveram escolha a não ser tentar nadar para fora do pântano. "Cada um de nós tinha um pedaço de madeira, e nós nadamos o mais longe que conseguimos." "Nadamos o dia todo, do amanhecer ao anoitecer. Éramos jovens e fortes, mas não comíamos fazia quase duas semanas, estávamos realmente ficando fracos... e não havia terra para descansar, foi horrível", recorda. Eles estavam à beira do limite físico e psicológico. "Num dado momento, Fitz começou a gritar com Deus. Ele estava com o punho levantado, apenas gritava... E eu pensei: Meu Deus, ele está desmoronando." "Ele estava furioso e dizia: 'Por que você me deixou sobreviver ao Vietnã? Fui ferido duas vezes, por que sobrevivi à meningite no quartel? Quase morri. E agora estamos aqui. Vamos morrer nesta selva abandonados por Deus. Por que isso está acontecendo? Por que você está deixando isso acontecer'?" Foi quando decidiram voltar para a jangada e começar a procurar comida, o que não haviam feito até então. E foram pequenos sapos, caracóis e lesmas que não deixariam o casal morrer de fome. Por volta do 23º dia, Holly teve uma epifania. "Eu acordei e pensei: Céus, eu quero ter um filho. Acordei Fitz, e contei para ele. Não sei se ele achou que era meio fora de hora, então eu disse: 'Não aqui, mas no futuro. Vejo que teremos uma família'. E ele disse: 'Ah, isso seria maravilhoso, claro'." "E aquilo simplesmente deu um novo significado, renovou a esperança de que sairíamos dali. Mal conseguíamos nos mover, apenas engatinhávamos pelas toras, e ainda assim seguiríamos em frente porque queríamos aquele bebê", afirma. Mas, no 31º dia, Holly enfrentaria mais uma provação. Quando acordou, ela não conseguiu despertar o marido — e receou que ele tivesse morrido enquanto dormia. "Ele estava deitado tão imóvel, que eu não conseguia vê-lo respirar. Ele estava muito frágil. Eu chamava: 'Fitz, Fitz'. E ele não respondia." "E então, quando ele atendeu, eu comecei a chorar. Estava tão aliviada. Ele estava vivo!" O resgate O que eles ainda não sabiam é que aquele também seria o último dia do martírio. Pouco tempo depois do susto, Fitz avistou dois homens em uma canoa — e usou a pouca força que lhe restava para gritar por socorro. "Descobrimos que (os dois homens) eram de uma tribo local e se chamavam Rocque e Silveiro. Duas pessoas maravilhosas, eles salvaram nossas vidas." Os indígenas colocaram o casal na canoa em que estavam, e os levaram até sua aldeia. Holly e Fitz com seus heróis, Rocque e Silveiro "Demorou algumas horas, eles cortaram caminho pela mata, o que a gente não conseguia fazer com a jangada, mas com a canoa dava para navegar pela floresta inundada, e eles iam cortando a vegetação com um facão" diz ela. Quando menos esperavam, estavam finalmente de volta ao rio Madre de Dios. "Eu pensava: Eu vou beijar aquele rio se voltar a vê-lo, então é claro que eu beijei. Levantei um pouco de água com a mão e dei um beijo." Ao chegar na aldeia, a primeira providência dos nativos foi alimentar o casal. "Primeiro, comemos laranjas maravilhosas, chamadas laranjas de Santo Domingo." "Mas quando a professora apareceu, ela tirou a laranja da gente e jogou num saco, presumo eu por causa da acidez, é claro que nosso estômago não aguentaria." "Ela fez então uma canja de galinha, peixe e um pouco de arroz..." A condição física do casal era alarmante — ambos haviam perdido muito peso, estavam extremamente desnutridos e desidratados. "O médico que nos atendeu disse que Fitz talvez não tivesse nem um dia de vida, eu talvez tivesse alguns dias." Os dois precisaram ficar hospitalizados por 17 dias até se recuperarem totalmente. "Depois de alguns dias, eu conseguia andar até o quarto dele", diz Holly, que estava na enfermaria feminina, e Fitz na masculina. "Antes disso, nós trocávamos mensagens por intermédio das auxiliares de enfermagem que levavam nossos bilhetes junto com a comida, para lá e para cá." Após receberem alta, eles decidiram voltar para casa, em Connecticut, nos EUA, onde foram recebidos pela família no aeroporto. "Demoramos alguns meses para fazer um balanço de tudo que havíamos passado." "Víamos que ninguém conseguia compreender, até tentavam entender, mas era muito difícil de explicar. E a gente tentava explicar de uma forma um pouco mais divertida, mais leve, porque era tão doloroso, não só para as pessoas ouvirem, como para a gente contar", desabafa. Uma parceria de 50 anos Atualmente, Holly vive com Fitz no Estado americano de Massachusetts. Eles têm duas filhas — e cinco netos. O casal completa 50 anos juntos E todos os anos, desde que foram resgatados, eles celebram uma tradição um tanto quanto original, que envolve laranja, peixe e arroz. "Fazemos essa refeição até hoje todo dia 16 de março , porque foi neste dia que Rocque e Silveiro nos salvaram. Chamamos de dia da jangada. É um agradecimento." Você pode se perguntar como Holly consegue se lembrar de tantos detalhes depois de tanto tempo. É porque ela escreveu um diário durante toda temporada na floresta. Mas levou muitos anos para fazer algo com ele. Finalmente, em 2017, ela escreveu um livro para contar a experiência na selva, chamado Ruthless River ("Rio Implacável", em tradução livre). Em dezembro deste ano, o casal vai completar 50 anos juntos, uma relação que saiu fortalecida da provação pela qual passaram na floresta. "Eu diria, da minha parte, que (a aventura na selva) serve sempre de comparação para outras coisas que vivemos: 'Bom, ele sobreviveu à jangada, então podemos lidar com essa doença ou com o que quer que aconteça'", avalia. "Lembramos que passamos por isso juntos, e podemos passar por outras coisas." Ouça aqui (em inglês) a íntegra do programa de rádio Outlook Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Os sete erros de Mauricio Macri
Quando assumiu a Presidência argentina, em dezembro de 2015, Mauricio Macri fez pelo menos três promessas que não conseguiu cumprir até este momento, faltando seis meses para o fim do mandato.
Macri responsabilizou seus adversários kirchneristas pela turbulência no mercado financeiro, após a derrota que sofreu nas urnas no domingo Há três anos e meio, ele prometeu pobreza zero, mas ela aumentou; disse que ia dominar a inflação, mas o índice disparou; e também jurou atrair investimentos externos, o que ocorreu em setores "específicos" e "não de maneira geral", segundo especialistas. Mas as promessas não atendidas não foram seus únicos erros, observam analistas políticos após a derrota expressiva de Macri nas eleições primárias de domingo. O pleito serve de termômetro para o primeiro turno da eleição presidencial, marcado para o dia 27 de outubro. Candidato à reeleição pela coalizão Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança), Macri foi derrotado pela chapa opositora Frente de Todos, formada pelo ex-chefe de gabinete do kirchnerismo, Alberto Fernández, e pela ex-presidente Cristina Kirchner, candidata a vice. Em entrevista na tarde da segunda-feira (12) a um grupo de jornalistas, Macri responsabilizou seus adversários kirchneristas pela turbulência no mercado financeiro que se seguiu ao resultados das urnas. Fim do Talvez também te interesse O presidente costuma atribuir problemas à herança que recebeu de sua antecessora, Cristina, que governou de 2007 a 2015. "O kirchnerismo não tem credibilidade. Por isso, os mercados reagem assim", disse. Para o rival Alberto Fernández, porém, a volatilidade do dólar, que costuma ser transferida para a remarcação de preços e tem forte impacto na inflação, é responsabilidade de Macri. No dia seguinte às primárias, o dólar saltou de 46 pesos para 60 pesos nas casas de câmbio, a Bolsa de Buenos Aires registrou queda histórica de 37,9% e as ações das empresas argentinas em Wall Street tiveram, em sua grande maioria, perdas de dois dígitos. A BBC News Brasil ouviu analistas e relaciona os sete principais erros do presidente argentino. 1 - As promessas não cumpridas: Um dos mantras de Macri, no início do seu mandato, foi a promessa de "pobreza zero". Em 2015, segundo dados do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (UCA), a pobreza atingia 28% da população. Nos anos seguintes o índice subiu aos 30% em 2016, recuou para cerca de 25% em 2017 e atingiu 33% no ano seguinte. Ou seja, pelo menos 3 de cada 10 argentinos são considerados pobres. O próximo dado oficial sobre a pobreza será divulgado em setembro, pouco antes do primeiro turno da eleição presidencial. "Este ano a pobreza subiu mais porque a inflação continuou subindo, resultado da desvalorização de 2018 e os salários não acompanharam o ritmo dos preços. O emprego também passou a ser mais precário e escasso", explicou o especialista Eduardo Donza, do Observatório da Dívida Social. Para ele, o quadro poderia piorar se a turbulência atual do dólar for transferida para a remarcação de preços. Macri disse que a inflação cairia em seis meses, mas o índice não recuou Outra promessa foi a de inflação de um dígito. Macri dizendo que a inflação cairia em seis meses, mas o índice não recuou. Ao contrário, subiu, apesar da difícil comparação com a gestão anterior, de Cristina Kirchner, já que os dados oficiais eram falsificados, segundo os próprios diretores do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (INDEC). Para analistas e opositores, Macri devolveu a credibilidade às estatísticas oficiais. A inflação de 2016 foi de cerca de 40%, a de 2017 ficou em torno dos 25% - acima dos 17% da meta estabelecida pelo Banco Central. Pouco depois, o governo acabou desistindo do sistema de metas. A inflação de 2018 foi de 47%, segundo dados oficiais, e a previsão para 2019 era de 40%. Porém, a desvalorização do peso decorrente da derrota do governo nas primárias de domingo deve pressionar ainda mais os preços. A ideia de atrair investimento estrangeiro também não decolou. Apesar da abertura da economia, o governo Macri não viu acontecer a esperada "invasão" de novos investidores. Mas analistas econômicos e o próprio governo destacam investimentos setoriais pontuais, como o automotivo, além de "no complexo energético não convencional de Vaca Muerta, na Patagônia, nas energias renováveis, que tiveram incentivos para vir para a Argentina, mineração de lítio, no setor tecnológico e na entrada de chineses em frigoríficos que antes eram de brasileiros", elenca o economista Raúl Ochoa, professor da Universidade Tres de Febrero, em entrevista à BBC News Brasil. 2 - 'A nova política' isolada Ao assumir, Macri disse que surgia ali uma "nova política" e exaltou o trabalho com uma equipe formada por assessores de quando foi prefeito de Buenos Aires e presidente do clube de futebol Boca Juniors, além de economistas, executivos e empresários. Para o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, Macri errou ao "não abrir seu leque de apoio incluindo outros setores da política argentina". Político não peronista, Macri mudou sua estratégia na campanha antes da realização das primárias de domingo ao chamar o senador peronista Miguel Ángel Pichetto, um dos principais articuladores políticos do movimento político, para ser seu candidato a vice. Mas seus opositores, como mostraram as urnas, conseguiram atrair muito mais apoio por parte do peronismo, que acabou se unindo em torno da candidatura de Fernández e de Cristina. Macri também foi criticado por governar "obedecendo demais" os conselhos de marketing que teriam funcionado durante gestão como prefeito e sua campanha presidencial, mas que surtiram pouco efeito sobre a realidade econômica e social, como mostraram as eleições primárias. Ainda assim, mesmo sem maioria no Congresso, Macri vinha conseguindo aprovar seus projetos com apoio de setores do peronismo - maior movimento político da Argentina, fundado há mais de 70 anos pelo ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974) e que abriga diferentes linhas ideológicas, incluindo a chapa opositora de Fernández e Cristina. 3 - 'Tarifaço' mal comunicado Pouco depois de assumir a Casa Rosada, em 2015, Macri descongelou as tarifas dos serviços como de transportes públicos, luz e gás. As duas últimas passaram a ser tão altas, principalmente comparadas aos padrões anteriores, que começaram a ser cobradas em duas parcelas. Durante o kirchnerismo (2003-15), chegaram a ser tão baratas quanto um refrigerante. O sistema econômico daquela gestão defendia manter as tarifas artificialmente baixas a fim de conter a inflação, incentivar o consumo e manter um certo patamar de atividade econômica em funcionamento, ao segurar, por exemplo, o preço de combustíveis. Presidente Macri admitiu que eleição foi 'ruim' para sua coalizão Mas, por outro lado, esse tipo de medida reduz lucros ou gera prejuízos às empresas que prestam esses serviços. Macri dizia que a prosperidade argentina era falsa, graças ao aumento da dívida pública. E no fim, a conta do rombo causado pelo artificialismo dos preços administrados pode cair no colo do consumidor, como ocorreu no Brasil com a política energética do governo Dilma Rousseff. Com o chamado "tarifaço" do governo Macri, pequenas e médias empresas atribuíram à pressão dos preços a queda na sua produção ou ao fechamento das empresas de diversos setores, contribuindo para o desemprego. "Os aumentos eram necessários, não era possível manter os congelamentos de tarifas do governo anterior, mas o problema é que faltou explicar o impacto destas altas de preços. E para complicar, a alta do dólar afetou a produção, a atividade das empresas", afirmou o economista Raúl Ochoa, professor da Universidade Tres de Febrero. Para ele, este quadro gerou um "voto castigo" de diferentes segmentos da economia argentina, incluindo setores da classe média que na eleição anterior haviam apoiado Macri. Em meio à onda de indicadores negativos, o presidente argentino anunciou em abril medidas que iam contra a agenda liberal pregada por seu governo, entre eles o congelamento de preços de 60 itens de consumo. 4 - Câmbio Para atrair investimentos, Macri buscou desmontar os controles (chamados "cepos") impostos pelo kirchnerismo, entre eles o do câmbio. Este era alvo de críticas de empresas nacionais e estrangeiras, por impedir ou complicar o envio de recursos para pagamentos no exterior. O controle cambial incluiu ainda medidas polêmicas como batidas policiais nas casas de câmbio de Buenos Aires. Muitas fecharam na época. No entanto, como observou a economista Marina dal Poggetto, da consultoria econômica Eco Go, "a falta de um plano organizado para sair do controle cambial acabou gerando a desvalorização do peso e inflação". No dia seguinte às primárias, o dólar saltou de 46 pesos para 60 pesos nas casas de câmbio No primeiro ano do governo Macri, em 2016, a inflação foi de 40%, a mais alta desde 2002. O índice foi alto também em 2017 e bateu recorde de mais de 20 anos em 2018, chegando a 47%. Mas a política monetária, baseada em taxas de juros altas para evitar o aumento da inflação e o interesse pelo dólar, também tem sido criticada pelo mercado. 5 - 'Gradualismo e herança' Macri também é criticado por especialistas por não ter "revelado detalhes à população", assim que assumiu, da herança econômica que recebeu do kirchnerismo. Economistas mais ortodoxos criticaram ainda o fato de ele não ter realizado reformas econômicas mais amplas assim que chegou à cadeira presidencial. O presidente optou pelo chamado "gradualismo", uma política de restabelecimento da confiança internacional por meio de um plano de corte de gastos públicos e eliminação de subsídios - em oposição aos choques macroeconômicos habituais no passado recente do país. Mas as medidas graduais de correções da economia não surtiram o efeito esperado, levando o governo a recorrer ao ajuste fiscal exigido pelo acordo que assinou em 2018 com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Macri e a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde: crise cambial empurrou Argentina de volta aos braços do fundo Com apoio do governo de Donald Trump, observam analistas, Macri conseguiu o empréstimo bilionário com o FMI, que agora gera controvérsia entre seus opositores. Fernández disse que não pretende deixar de pagar a dívida, mas reclama dos prazos dos vencimentos da fatura de US$ 57 bilhões que recairão sobre o próximo governo. Ontem, Macri atribuiu a volatidade dos mercados à herança kirchnerista. Economistas da equipe do candidato opositor observaram que o dólar valia 18 pesos no ano passado e chegou a 46 pesos antes das primárias. 6 - 'Falta de esforço' para gerar tranquilidade depois das primárias Após a derrota de domingo, Macri responsabilizou o kirchnerismo pela turbulência no mercado financeiro. Na visão do presidente, o dólar disparou e a Bolsa de Buenos Aires afundou porque os investidores temem a volta do kirchnerismo e sua política de controle da economia. Os críticos de Macri afirmam, no entanto, que o governo nada fez para contornar a situação e adotou a postura do silêncio. "O governo ainda não apresentou nenhuma medida para dizer qual será o rumo a partir de agora até dezembro. É preciso tomar alguma iniciativa", disse o político opositor Federico Storani à emissora de TV TN, de Buenos Aires. Para o economista Gabriel Rubinstein, Macri deveria convocar o opositor Alberto Fernández para dialogar, num gesto para tranquilizar os mercados. "É preciso reduzir os efeitos da incerteza política logo para evitar que esta situação piore ainda mais. A crise já era séria com a taxa de juros em torno dos 60%, imagine agora que o Banco Central teve que elevá-la a mais de 74%? Devemos sair desse caminho de caos, o mais rápido possível." Cristina concorre como vice na chapa de Alberto Fernandez, que saiu vencedora das primárias realizadas neste domingo na Argentina 7 - 'Máfias' O presidente fez campanha atacando o que chamou de "máfias" e "autoritarismo", num claro recado aos sindicatos que apoiam o kirchnerismo e ao estilo kirchnerista de governar, como observou a diretora do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Buenos Aires, Elsa Llenderrozas. Mas analistas políticos e econômicos ressalvaram que as mensagens de Macri, na campanha, passaram longe do problema central dos argentinos hoje: a crise socioeconômica. "A economia está melhorando. Estamos registrando a recuperação econômica e a inflação está caindo. Estamos acabando de atravessar o rio para chegar do outro lado, num bom porto, no caminho que nos levará ao crescimento sustentável. Não é hora de retroceder, de voltar às políticas do passado, às políticas que já conhecemos e que não fizeram bem à Argentina", disse Macri, após a recente derrota nas urnas. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Como Isaac Newton perdeu milhões com ações apostando que faria fortuna na América do Sul
"Posso calcular o movimento das estrelas, mas não a loucura dos homens", disse Isaac Newton (1643-1727) após perder sua fortuna na bolha financeira criada pela especulação em torno da Companhia dos Mares do Sul- uma companhia público-privada britânica que detinha, na época, os direitos exclusivos de comercialização com a América do Sul.
O cientista Isaac Newton perdeu dinheiro investindo na companhia Mares do Sul A aposta no comércio com as colônias espanholas arruinou, em 1720, muitos investidores, como Newton, e deu origem ao termo "bolha". A Companhia dos Mares do Sul (SSC, na sigla em inglês) foi fundada em 1711, supondo-se que a Guerra de Sucessão da Espanha (1701-1714) terminaria com um tratado que permitiria intercâmbios comerciais com as colônias espanholas no Novo Mundo. Até aquela época, a Espanha impedia trocas comerciais entre as colônias na América Latina e outros países. Do total de ações da SSC, 22,5% foram destinados à rainha britânica na época, Ana (1665-1714). Os papéis da empresa, com juros garantidos de 6%, venderam bem graças à promessa de imensas riquezas nos territórios sul-americanos. A prata e o ouro das colônias espanholas na América faziam os europeus sonharem | Foto: Wellcome Images Todo mundo havia escutado falar das minas de ouro do Peru e do México, consideradas inesgotáveis. Circulou, inclusive, um informe que assegurava que a Espanha estava disposta a conceder quatro portos nas costas chilenas e peruanas, o que aumentou a confiança no negócio. Mas o rei espanhol Felipe 5º (1683-1746) nunca teve a intenção de admitir os ingleses em seus portos na América, e o Tratado de Utrecht, celebrado no fim da guerra, em 1713, foi menos favorável do que o esperado. O documento dava ao Reino Unido o direito de ser o único provedor de escravos das colônias espanholas na América do Sul por 30 anos, impunha um imposto anual sobre os escravos importados e somente permitia à empresa enviar um barco por ano para comercializar com México, Peru e Chile. Mesmo assim, a popularidade das ações da empresa continuou em alta. Quando a rainha morreu em 1714, George 1º (1660-1727) assumiu, herdou suas ações e comprou mais. Seu filho, o príncipe de Gales, não apenas foi investidor como também assumiu o comando da SSC em 1715. Com esse respaldo, além de aristocratas, políticos e comerciantes, os servos destas pessoas também puderam investir na companhia. Primeira viagem O rei George 1º investiu na Companhia dos Mares do Sul A primeira viagem comercial à América aconteceu em 1717 e teve êxito moderado, mas, após uma disputa familiar com o príncipe de Gales, o rei passou a comandar a SSC em 1718, gerando confiança na empresa. Em 1720, o valor das ações da empresa disparou como resultado da proposta que apresentou ao Parlamento de se encarregar da dívida nacional, e com os rumores sobre as riquezas produzidas nas minas de Potosí, na Bolívia, e de que tratados entre Inglaterra e Espanha autorizariam o livre comércio em todas as colônias da Coroa espanhola. Além disso, dizia-se que os moradores do México esvaziariam suas minas de ouro em troca de produtos feitos com algodão e lã, algo que os britânicos podiam prover com abundância. Em resumo, os mercadores da SSC se tornariam os mais ricos da história. Na Câmara dos Comuns do Parlamento britânico, apenas um membro se manifestou contra essas ideias e, mesmo que na Câmara dos Lordes vários tenham também tenham se posicionado assim, eles foram comparados à figura mitológica de Cassandra, aquela que tinha o dom da predição, mas a maldição de não acreditarem nela. O pesadelo de Newton Newton era reconhecido como o principal cientista da época e admirado por haver definido as leis da gravidade, além de ser o chefe da Casa da Moeda britânica. Mas, pelo visto, ser um gênio não é uma garantia de sucesso na bolsa. Ele saiu-se bem com seus investimentos inicialmente. Comprou ações da SSC em fevereiro de 1720, quando seu valor era de cerca de 175 libras (atualmente, 24.170 libras) e as vendeu em maio por quase o dobro. Se tivesse ficando com os lucros, estaria entre os que enriqueceram com a bolha. Mas ele se deixou levar pela onda produzida por uma campanha de marketing extremamente efetiva impulsionada pelo fato de que o governo queria trocar a dívida soberana por ações da SSC. Os detentores de títulos do governo se converteram em acionistas da companhia, e esse nomes da elite conferiram à ela uma aparente legitimidade que atraiu muitos outros compradores. A ambição cegou o público e ocultou a realidade. Em questão de meses, o preço da ação passou de 100 libras para mil libras, apesar de isso não se refletir nos ganhos da companhia: a única ação razão da alta era que alguém estava disposto a pagar mais pelos papéis. Fim de festa Caricatura de William Hogarth mostra à direita o monumento "em memória da destruição da cidade pela Mares do Sul em 1720, com a roda da fortuna ao centro| Foto: Reprodução Em setembro daquele ano, o mercado entrou em colapsou, e as ações da SSC caíram, levando muitos investidores à ruína e provocando estragos na fortuna de Newton. A Câmara dos Comuns ordenou uma investigação que mostrou que ao menos três ministros haviam aceitado suborno para especular e inflar o preço dos papéis. A SSC sobreviveu até 1853, depois de vender a maioria de seus direitos ao governo espanhol, em 1750. Entre 1715 e 1731, foi responsável pelo transporte de aproximadamente 64 mil escravos africanos, para se ter uma dimensão de suas atividades. Mas claro que nem todos investidores saíram perdendo. O compositor anglo-alemão George Handel, que passou a maior parte da vida em Londres, está entre os que tiveram sucesso. Ele comprou ações em 1716, mas as vendeu a tempo.
Coletânea suíça mostra como europeus viram Brasil colonial
Uma exposição no museu etnológico de Zurique, na Suíça, traz uma coletânea de ilustrações do Brasil nos séculos 18 e 19 e mostra como o público europeu viu o país na época.
A exposição Expedição Brasil mostra como as ilustrações de fundo etnológico mudaram através dos tempos e também como elas foram apresentadas ao público europeu. Segundo o museu, vários desenhos originais foram modificados para atender a demanda de um público ávido por ver cenas exóticas. A visão européia do Brasil na época foi influenciada por reproduções de desenhos que acentuavam o lado tropical e selvagem do país. Em Zurique estão expostos desde livros, aquarelas e gravuras até fotos primitivas, pinturas murais e fotografias tridimensionais. A coletânea reúne obras dos acervos de vários museus europeus, entre eles de Lisboa, Paris, Stuttgart, Berlim e Berna. Entre as obras expostas estão desenhos do conhecido ilustrador Jean Debret e fotos históricas de índios no Paraná e no Amazonas. A mostra Expedição Brasil fica exposta no museu etnológico de Zurique até o próximo dia 27 de janeiro.
Conclave mais longo do século 20 durou cinco dias, diz livro
Houve oito conclaves no século 20, e o mais longo deles durou cinco dias, segundo o livro Conclave, de John L. Allen, um dos maiores especialistas em Vaticano do mundo.
Esse conclave mais longo aconteceu em 1922 durante a eleição do papa Pio 11. Os conclaves mais curtos duraram dois dias. O primeiro desses conclaves mais curtos, em 1939, elegeu o papa Pio 12. No segundo com essa duração, em 1978, o eleito foi o papa João Paulo 1º. A duração média dos conclaves do século 20 é de três dias. Votações O número oficial de votações de cada conclave é fechado e selado em um envelope e depositado nos arquivos do Vaticano. Por isso, há divergências no levantamento de historiadores. Segundo Allen, o menor número de votações para escolher um papa no século 20 foi de três, no conclave que elegeu o papa Pio 12. O maior número de votações foi de 14, quando foi escolhido o papa Pio 11. A média do total de votações para eleger um papa no século 20 foi de pouco menos de oito.
Coronavírus: a festa que pode ter espalhado o vírus em uma família de SP e levado à morte de 3 pessoas
Uma festa de aniversário na noite de 13 de março, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, marcou para sempre uma família. Depois do evento, ao menos 14 convidados tiveram sintomas da covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. Entre os casos, três irmãos, com mais de 60 anos, tiveram complicações graves e morreram pouco mais de duas semanas depois.
Salete (sentada) junto com irmãs e outras familiares; em pé está a aniversariante, Vera *Atualizada em 08/04 Um dia antes da festa, a responsável pelo evento, a servidora pública Vera Lúcia Pereira, havia completado 59 anos. O avanço do novo coronavírus quase fez a família desistir da comemoração. "Ficamos em dúvida, mas decidimos fazer, porque não eram tantos casos no país", conta a aniversariante à BBC News Brasil. Na data da comemoração, havia 98 casos do novo coronavírus confirmados no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Destes, 56 eram em São Paulo. Não havia nenhum caso confirmado em Itapecerica da Serra — atualmente há ao menos 12. No último dia 13, o isolamento social ainda era incipiente e as orientações referentes ao vírus eram quase totalmente voltadas à higienização das mãos. Dias depois, os Estados passariam a adotar medidas mais rigorosas. A festa de Vera, realizada no quintal de sua casa, teve 28 convidados. O prato principal era o churrasco. Entre as pessoas que foram ao evento estavam os irmãos do marido dela, o servidor público Paulo Vieira, de 61 anos. "Também convidamos minhas irmãs e nossos sobrinhos. Foram apenas os parentes mais próximos, para evitar que viessem muitas pessoas", diz Vera. Fim do Talvez também te interesse Nos dias seguintes ao evento, os familiares começaram a apresentar sintomas como tosse, febre, dificuldades para respirar ou diarreia — características associadas à covid-19. No grupo da família no WhatsApp, compartilharam suas dificuldades. A estimativa da família é de que metade dos convidados teve algum problema de saúde dias após a comemoração. Pouco mais de duas semanas após o aniversário, a alegria deu lugar ao luto. Na semana passada, três irmãos da mesma família morreram com suspeita do novo coronavírus. Um deles testou positivo para a covid-19 e a família aguarda os resultados dos outros dois — ainda não há prazo para que os exames fiquem prontos, em razão da grande demanda em todo o país. "Os médicos que os acompanharam disseram ter 99% de certeza de que era covid-19, pelo quadro clínico deles e pela forma como se deu toda a situação", pontua Vera. Ela, assim como o único filho, também apresentou sintomas para o vírus, mas se recuperou. "Fisicamente, estou bem, apenas com um pouco de tosse. Mas têm sido uma fase muito difícil. A gente tem vivido dias de terror. Tudo isso é uma tragédia", declara a servidora pública. Após aniversário em Itapecerica da Serra, familiares apresentaram sintomas semelhantes à covid-19 Os irmãos Vieira Unidos e adoráveis. Assim os parentes definem os irmãos Vieira. Eram sete. As reuniões em família eram momentos de extrema felicidade. "Nós vivíamos juntos. Tudo era motivo para que nos reuníssemos", relata a aposentada Maria do Carmo Vieira, de 58 anos. Ela conta que o aniversário de Vera foi um momento em que ela e os seis irmãos aproveitaram para se reunir. "Estávamos há alguns dias sem nos ver, porque nem sempre era fácil reunir todos em um lugar", comenta. O aniversário no quintal da casa de Vera e Paulo foi o último evento que reuniu os sete irmãos Vieira. Dois dias depois, Maria Salete, uma das três mulheres da família Vieira, começou a passar mal. A aposentada, de 60 anos, relatou aos irmãos que estava com diarreia intensa. "Depois, ela começou a ter febre, como se estivesse com alguma infecção. Eu e meu marido a levamos ao hospital, ela recebeu medicamentos e voltou para casa", explica Maria do Carmo. Diabética e hipertensa, a situação de Salete piorou com o passar dos dias. Depois dela, diversos familiares também relataram problemas de saúde. A maioria teve sintomas leves, que podem ser associados à covid-19. Nem todos, porém, necessitaram de ajuda médica. "Estávamos fazendo as contas de relatos e pelo menos 14 pessoas que foram ao aniversário podem ter sido infectadas pelo coronavírus", diz Maria do Carmo. "Alguns ficaram debilitados, principalmente os mais velhos", revela Vera, que teve febre, tosse e dores pelo corpo. Ela fez exames para a covid-19 há quase duas semanas, mas não ficaram prontos até o momento. A princípio, os familiares não acreditaram que pudesse se tratar do novo coronavírus. "Ainda havia poucos registros no Brasil, então a gente achava que fosse algo distante", afirma Maria do Carmo. Ela conta que nenhum familiar apresentou sintomas durante a festa, por isso não ficou claro quem pode ter transmitido o novo coronavírus. "Descobrir isso agora não vai mudar nada para a gente", declara Carmo. Salete junto com a filha, Rafaela: idosa não resistiu a complicações de saúde e faleceu em 1 de abril Eles passaram a cogitar a possibilidade de que a família pudesse ter sido infectada pelo Sars-Cov-2, como o vírus é conhecido oficialmente, somente uma semana depois dos primeiros sintomas dos parentes. "Os casos começaram a aumentar em todo o país, principalmente São Paulo, e a gente percebeu que não era algo tão distante. E como os sintomas que muitos tiveram eram muito parecidos com os do coronavírus, passamos a entender que os meus irmãos, sobrinhos e familiares da Vera poderiam ter sido infectados", diz Maria do Carmo. O segundo irmão Vieira a apresentar quadro grave de covid-19 foi o mecânico Clóvis, de 62 anos. "Três dias depois da festa, o meu pai começou a tossir muito, teve dor de cabeça, febre e perdeu o olfato e o paladar", explica o gerente de relacionamento Arthur Ribeiro, de 30 anos, filho caçula do idoso. A saúde de Clóvis, que não tinha comorbidades, também piorou com o passar dos dias. Arthur conta que levou o pai a um hospital no dia 23 de março, quando os problemas pioraram. Os médicos receitaram alguns medicamentos e liberaram Clóvis. "Sequer cogitaram que pudesse ser coronavírus", diz o rapaz, que também esteve no aniversário, teve sintomas de covid-19, mas não conseguiu fazer exames. Salete passou mais de uma semana em casa. Ela tinha tosse, febre e dores em todo o corpo. "A médica tinha me dito que era para procurar novamente atendimento médico somente se ela tivesse falta de ar, porque seria um claro sinal de coronavírus", diz Maria do Carmo, que é vizinha da irmã e a acompanhou desde os primeiros sintomas. "A minha irmã não teve falta de ar, mas a situação piorou muito e a levamos para um hospital particular, da rede na qual ela trabalhava, na região do ABC Paulista", relata Carmo. Mesmo aposentada, Salete trabalhava na área administrativa de uma operadora de saúde. As suspeitas de coronavírus A família acompanhava o quadro de saúde de Salete à distância, somente Maria do Carmo estava junto com a irmã. Ela foi internada na noite de 25 de março. Os médicos fizeram uma tomografia que apontou que 60% dos pulmões dela estavam comprometidos — uma característica associada à covid-19. Clóvis junto com o filho mais novo, Arthur: idoso não tinha comorbidades e apresentou problemas de saúde logo após festa em família "Os médicos a entubaram e a colocaram em isolamento, porque disseram que era 99% de chance de ser covid-19", relata Carmo. As irmãs se despediram, com o uso de máscaras. "Eu disse para a Salete que a filha dela estava bem e que iria ficar tudo bem. Falei para a minha irmã que as coisas iriam melhorar, mas depois dali a gente nunca mais se viu", diz Carmo, em meio às lágrimas. A internação de Salete na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) logo acendeu o alerta na família. Horas mais tarde, Clóvis foi levado para um hospital público em Itapecerica. "Ele estava em uma situação muito triste. O quadro de saúde dele piorou muito três dias depois que ele foi ao hospital. O meu pai estava completamente fraco e abatido, não conseguia comer e tinha muitas dificuldades para respirar. Quase não conseguia ficar em pé sozinho. Ele não deveria ter sido liberado pelos médicos na primeira vez em que procuramos ajuda", diz Arthur. Clóvis foi internado e logo foi entubado. A tomografia dos pulmões também apontou para situação semelhante à causada pela covid-19. "Coletaram amostras dele para o teste do coronavírus, que ainda não ficou pronto. Não há sequer previsão, porque disseram que há mais de 10 mil pedidos de exames atrasados", relata. No dia seguinte, Paulo também foi ao hospital. Com histórico de atleta, ele era considerado o mais saudável entre os irmãos. Tinha hipertensão controlada. Diariamente praticava exercícios físicos e com frequência fazia longos percursos de bicicleta e caminhava por trilhas. Quando Paulo deu entrada no hospital, o estado de saúde dele era avaliado como bom. Ele foi à unidade de saúde porque estava com falta de ar. "O meu marido chegou muito bem, foi apenas para a internação, para que pudesse ficar em observação. Mas dois dias depois o quadro dele piorou muito e ele foi para a UTI", relata Vera. Assim como toda a vida, Clóvis e Paulo ficaram juntos em seus últimos dias. Os dois, considerados casos altamente suspeitos para o novo coronavírus, foram colocados em camas próximas na UTI destinada a pacientes com o Sars-Cov-2, em um hospital público de Itapecerica. Ali, passaram seus últimos dias. Clóvis junto com os filhos e a esposa: ele morreu aos 62 anos, em 2 de abril Na manhã da última quarta-feira (01/04), Salete teve parada cardiorrespiratória. Não resistiu. No dia seguinte, Clóvis também faleceu após uma parada cardiorrespiratória. Na noite de sexta-feira (3), Paulo morreu. "Foi tudo muito horrível. Nós éramos sete irmãos muito unidos. Nos amávamos muito. A vida da família virou um pesadelo. Tenho vivido à base de calmantes. Ainda me pergunto se tudo isso foi real. Acompanhei de perto o sofrimento dos meus irmãos, principalmente o da minha irmã, e não desejo isso para ninguém", desabafa Maria do Carmo. Carmo acompanhou as três cerimonias de despedidas dos irmãos. Salete e Paulo foram enterrados em caixão lacrado, conforme recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para casos suspeitos ou confirmados de covid-19. Eles foram deixados no jazigo da família. Ali, também estão enterrados os pais deles, que décadas atrás deixaram o Nordeste em direção a São Paulo, em busca de uma vida melhor para os sete filhos. Clóvis foi cremado, desejo que ele havia manifestado à família. As três cerimônias foram realizadas separadamente, nos dias seguintes a cada uma das mortes. As despedidas foram breves, duraram alguns minutos, e reuniram no máximo 10 pessoas, conforme orientação da Anvisa. Família pede cuidado Os convidados da festa de 13 de março permanecem em isolamento. Aqueles que tiveram problemas de saúde já se recuperaram. Todos optaram por permanecer isolados por precaução. Hoje, eles pedem que as pessoas se preocupem com o coronavírus e evitem sair nas ruas por motivo desnecessário. Paulo junto com o filho e a esposa, Vera: ele era considerada uma pessoa saudável e praticava atividades físicas com frequência "Isso não é uma gripezinha. É uma catástrofe. É um vírus horroroso e muito cruel. Ele pode levar as pessoas muito rapidamente. As pessoas precisam entender a importância de se cuidar, de se isolar e de cuidar dos seus. É fundamental ter mais empatia e respeito com os outros neste momento", afirma a zootecnista Rafaela Hanae, de 33 anos, única filha de Salete. Ela critica a demora para que os resultados dos exames do novo coronavírus fiquem prontos — o de Salete, que ficou pronto nesta quarta-feira (08/04), demorou duas semanas, e ainda não há previsão para a entrega dos resultados de Clóvis e Paulo. "Isso é mais um problema enfrentado pelas famílias, porque essa demora para o resultado do exame dificulta ainda mais as coisas. Isso mostra que os números divulgados oficialmente não demonstram a realidade do coronavírus no Brasil. Há muito mais casos", declara Rafaela. Vera também pede que as pessoas se cuidem e permaneçam em casa sempre que possível. Ela considera que uma das maiores dificuldades no enfrentamento ao novo coronavírus no Brasil é o discurso do presidente Jair Bolsonaro. "Ele fala um monte de besteira. Ele é uma autoridade e precisa ter consciência disso. As pessoas não podem seguir o que ele diz ao comparar o coronavírus com uma gripezinha. Os brasileiros precisam se cuidar", diz. Para ela, o maior desafio a partir de agora será seguir em frente sem o marido. "Mas temos que continuar a vida, apesar de tudo. Não queremos que nenhuma família passe pela mesma situação que passamos", declara. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
ONU condena demolições feitas por Israel
Peter Hansen, chefe da agência da ONU para refugiados palestinos (Unwra, na sigla em ingês), disse que pode não dar conta do número de pessoas desabrigadas pelas demolições do Exército de Israel.
Em visita à Faixa de Gaza, Hansen condenou a política do governo israelense de destruir as residências como sendo uma resposta militar desproporcional. Ele foi cercado por palestinos enfurecidos que pediam que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconstruísse as casas demolidas. De acordo com a instituição, cerca de 600 pessoas ficaram desabrigadas no campo de refugiados de Rafah desde 16 de janeiro. Desde outubro de 2000, mais de 14 mil palestinos na Faixa de Gaza perderam suas casas – em torno de 10 mil delas apenas em Rafah. Hansen avisou que os recursos da ONU estão terminando. “Nós simplesmente não podemos seguir com isso”, disse. “Vamos precisar de cerca de US$ 30 milhões para ter certeza de que essas pessoas que perderam suas residências serão capazes de ter um outro lar.”
Sonia Gandhi renuncia ao Parlamento indiano
A líder do partido governista da Índia, Sonia Gandhi, renunciou nesta quinta-feira ao seu cargo no Parlamento do país depois de ser acusada de quebrar a lei por receber salários de duas fontes públicas.
A Constituição indiana não permite que parlamentares recebam salários por mais de um cargo público, a menos que o Parlamento aprove casos excepcionais. No caso de Sonia Gandhi, ela também era membro do Conselho Nacional Consultivo – um órgão público criado para ser, segundo a definição em seu website, uma interface entre o governo e a população. A política diz que está renunciando também de seu cargo no conselho. Gandhi vai, no entanto, permanecer como presidente de seu partido, o Congresso, e disse que deve concorrer às próximas eleições parlamentares. Nascida na Itália, Sonia Gandhi é viúva do antigo premiê indiano, Rajiv Gandhi, e se distanciou da política do país após o seu assassinato em 1991. Ela assumiu a presidência do partido em 1998 e, após a surpreendente vitória nas eleições parlamentares de 2004, decidiu não assumir o cargo de primeira-ministra por ter escutado "vozes interiores". A política deve voltar a concorrer para o Parlamento nas próximas eleições.
Derrotado nas urnas, presidente da Colômbia vence Nobel da Paz
Apesar da derrota no referendo de 2 de outubro, em que a maioria dos colombianos rejeitou o acordo feito com o grupo Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para encerrar 50 anos de guerra civil, o presidente Juan Manuel Santos, principal arquiteto das negociações, foi agraciado nesta sexta-feira com o Prêmio Nobel da Paz.
Santos (centro) cumprimenta o líder das Farc, Timoshenko, durante a assinatura do acordo: esforço reconhecido com o Nobel da Paz O anúncio foi feito em na capital da Noruega, Oslo, pela presidente do júri, Kaci Kullman Five. Em uma rápida entrevista coletiva, ela disse que a escolha é um reconhecimento à iniciativa de Santos em negociar com as Farc. Depois de cinco anos de esforços, o governo colombiano obteve do grupo paramilitar garantias de desarmamento em troca de uma ampla anistia e da promessa de fazer do grupo armado um partido político com cadeiras no parlamento. Nas cinco décadas de conflito com as Farc, mais de 260 mil pessoas morreram na Colômbia. A presidente do Comitê do Nobel da Paz, Kaci Kullman Five, disse que decisão reconheceu esforços de Santos A proposta foi derrotada no último domingo em um referendo convocado pelo próprio Santos como parte das negociações – o resultado praticamente partiu o eleitorado ao meio, com o "não" obtendo 50,2% dos votos, uma diferença de pouco mais de 50 mil votos. Recorde A campanha pelo "não" foi capitaneada pelo ex-presidente Alvaro Uribe, para quem o acordo era por demais leniente com as Farc, sobretudo nas investigações relacionadas a crimes cometidos por guerrilheiros. Fim do Talvez também te interesse O ex-presidente Uribe comandou a campanha que derrubou o acordo com as Farc nas urnas "O povo colombiano não rejeitou a paz, mas sim os termos do acordo apresentado. O comitê reconhece os esforços absolutos do presidente Santos pela paz e espera que o prêmio sirva de incentivo para que a Colômbia continue buscando uma solução para que a Guerra Civil não recomece", disse Five. O comitê se recusou a comentar o porquê da não inclusão do líder das Farc, Timoleon Jimenez, conhecido como Timoshenko, que teve participação decisiva no acordo. No início da semana, Santos disse que a derrota no referendo não iria interromper as negociações. Segundo o comitê do Nobel, houve um número recorde de indicações ao Prêmio da Paz: 376. Até o candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, teria sido incluído. Vale lembrar que as indicações são abertas ao público. No entanto, a praxe do comitê é não comentar sobre candidatos.
Paul Krugman ganha Nobel de Economia
O economista americano Paul Krugman foi o vencedor da edição 2008 do Prêmio Nobel de Economia por sua capacidade de "analisar os padrões do comércio e localizar a atividade econômica".
A Academia Real de Ciências da Suécia disse que o prêmio reconhece a teoria criada pelo economista, de 55 anos, que determina os efeitos do livre mercado e da globalização, assim como as forças dominantes por trás da urbanização mundial. "Por meio desta teoria, ele integrou os campos de pesquisa em comércio internacional com geografia econômica", disse o comunicado da Academia. Krugman é professor de Economia e Relações Internacionais na Universidade Princetown, nos Estados Unidos, e mantém uma coluna no jornal americano The New York Times. A tese do economista parte do princípio de que muitos bens e serviços podem ser barateados quando produzidos em larga escala. O economista procura esclarecer por que o comércio internacional é dominado por países que não apenas têm condições econômicas similares, como também comercializam produtos semelhantes. Krugman já criticou a administração do presidente americano, George W. Bush, dizendo que suas políticas levaram à atual crise financeira mundial.
Veterano, Alvaro Dias diz que estará no 2º turno: 'Às vezes, ser desconhecido é uma vantagem'
Alvaro Dias entrou no Senado pela primeira vez em 1983. Entre idas e vindas, o tradicional político já ocupou a cadeira de senador por 23 anos. Sonhando com voos mais altos, no entanto, ele ainda se considera um "desconhecido" e entra na disputa eleitoral pela Presidência com a promessa de romper com o sistema político vigente e "refundar a República".
O senador Alvaro Dias, do Podemos, tem apenas 4% das intenções de voto para Presidência Pré-candidato pelo Podemos, Alvaro Dias tem 4% das intenções de votos, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 10 de junho. O baixo patamar a pouco mais de três meses das eleições, no entanto, não o assusta. "Às vezes, ser desconhecido é uma vantagem", diz o paulista, nascido em Quatá (SP), criticando os postulantes "muito conhecidos e rejeitados" pela população. Com 74 anos, Dias é um crítico dos partidos brasileiros, que chama apenas de "siglas" por não seguirem conteúdo programático. Ele mesmo já transitou por vários: PSDB, PDT, PV e, desde 2017, Podemos (antigo PTN). Para as eleições, ele refuta qualquer aliança com o antigo colega de partido, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB). "Seria uma proposta constrangedora", diz, sobre um possível convite para concorrer como vice na chapa tucana, por considerar tratarem-se de duas candidaturas plenamente viáveis. De postura liberal, Dias afirma ser a favor do "livre-arbítrio" do cidadão para escolher ter ou não armas, mas se diz contrário a qualquer mudança na legislação brasileira referente ao aborto que não seja decidida a partir de um plebiscito. "Entendo que a legislação atual atende as necessidades", diz. Leia os principais trechos da entrevista abaixo. BBC News Brasil - Há rumores de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso gostaria de convidá-lo para ser candidato a vice de Geraldo Alckmin. O senhor estaria disposto? Alvaro Dias - Não tenho ouvido isso, não. FHC não falou comigo e os que falaram não colocaram esses termos. Até porque seria deselegante. E eles, os tucanos, são pessoas elegantes. É uma elite elegante do país. Eles não fariam esse tipo de proposta constrangedora. BBC News Brasil - Por que constrangedora? Por causa da pontuação de ambos nas pesquisas? 'FHC não falou comigo', diz Alvaro Dias sobre possibilidade de entrar em chapa com Geraldo Alckimin Dias - Não é uma questão de pesquisa, até porque elas hoje pouco significam. Elas não são de definição de voto, mas de intenção. Isso se altera ao sabor das circunstâncias. Se você fizer uma avaliação em função da rejeição dos candidatos, até acho que seria mais razoável, porque a rejeição diz respeito ao passado e ao presente. A intenção fala do futuro, do que pode se alterar. BBC News Brasil - O senhor tem 15% no Sul, mas entre 2 e 3% nas outras regiões, onde não é tão conhecido... Dias - Tem pesquisa para todo gosto. Recebo algumas com números diferentes. Por isso eu digo que elas não me assustam, não me atemorizam. Ao contrário, elas até me animam, porque, quando vejo que 62% (dos eleitores) não definiram o voto, isso significa que há um espaço enorme à frente, que a eleição está aberta. Quem tiver passado limpo, experiência e proposta de futuro certamente terá espaço para conquistar voto. Às vezes, ser desconhecido é uma vantagem, até porque é possível se fazer conhecido positivamente. Os que são muito conhecidos possuem alta rejeição exatamente porque apresentaram problemas que proporcionaram desgaste. BBC News Brasil - O Podemos terá 12 segundos por dia na TV. Para aumentar esse tempo, o senhor precisará de alianças com os partidos que critica. Como fazer isso? Dias - Confesso que não imaginava ter a possibilidade de fazer alianças, por causa da nossa proposta radical, de ruptura com o sistema, propondo a refundação da República. Mas hoje há uma consciência de que é preciso mudar de fato. Então, os partidos estão admitindo assumir uma proposta de mudança real. Nós não estamos fora do jogo em matéria de alianças, ao contrário. Acho que só lá para o começo de julho é que vamos ter um avanço nisso. BBC News Brasil - O PSB é uma possibilidade de aliança? Dias - Nós gostaríamos de retomar as conversas com o PSB, pois elas foram interrompidas com a possibilidade do ex-ministro [do STF] Joaquim Barbosa se candidatar. No entanto, nós sabemos das dificuldades. O PSB tem divisões visíveis, uma realidade no Nordeste e outras realidades no restante do país. Gostaríamos de conversar sobre uma eventual coligação. BBC News Brasil - E o seu irmão Osmar Dias? O senhor declarou que não vai apoiá-lo na eleição ao governo do Paraná. Alvaro Dias está no Senado desde 1983; também foi governador do Paraná, deputado estadual e federal Dias - Ele compreende o momento, que é de construção de unidade em torno da minha candidatura no Paraná. Nós realizamos recentemente um grande evento suprapartidário, com presença de todos os partidos. Tenho tido essa cautela (de não apoiar nenhum candidato no Paraná) e meu irmão sabe disso. BBC News Brasil - O senhor criticou a reforma da Previdência. Qual seria a reforma ideal? Dias - Acho a reforma da Previdência imprescindível, e ela chega com atraso em função da desarrumação das finanças públicas. Nós consumimos 65% do total da receita pública com previdência e folha de pessoal. É inevitável uma reforma. É preciso fazer um balanço sobre o que ocorreu com a Previdência. Por que esse desastre? Outro ponto: há uma inadimplência de R$ 400 bilhões. Por quê? São grandes empresários, grandes bancos e grandes empresas devendo para a Previdência. E o governo se mostra impotente, ou seja, ele é forte para botar a mão grande no bolso dos pequenos, mas não tem força para cobrar dos grandes. BBC News Brasil - Como seria feita essa cobrança? Dias - É só cobrar. Como se cobra? Cobrando. BBC News Brasil - Mas por que ninguém cobrou até agora? Dias - Também me faço essa pergunta. A JBS*, por exemplo. O governo repassou mais de R$ 18 bilhões do BNDES para eles e sequer provisionou o que deviam à Previdência, algo de R$ 2 bilhões. Mesma coisa Eike Batista, grandes bancos. Certamente há duas questões essenciais: a paridade do sistema público e privado e idade mínima, que é inevitável em todos os países. BBC News Brasil - O senhor defende que a idade mínima para aposentadoria seja no formato que foi apresentada ou gradual? Governo Temer não conseguiu votar a reforma da Previdência no Congresso Dias - Acho que pode ser gradual, como ocorre em outros países em que há uma espécie de gatilho. A idade vem crescendo conforme a longevidade aumenta. Tem que se estudar a melhor das formas de modernizar a legislação. É um primeiro passo importante no ajuste fiscal. Há os desafios da produtividade, de investimento, mas o fiscal é o primeiro e inevitável. BBC News Brasil - O déficit primário das contas públicas está se aproximando do limite para este ano. Como reduzi-lo? Dias - Todas as reformas previstas têm esse objetivo. O que iniciou esse processo de deterioração das finanças públicas foi o comprometimento do tripé macroeconômico lá por volta de 2007, 2008. Meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Ela passou por essa irresponsabilidade dessas desonerações pontuais, que significaram renúncia fiscal de R$ 354 bilhões, segundo o Tribunal de Contas, ou 4,5% do PIB. O próprio presidente da República já assume com contrato celebrado de desonerações no primeiro ano, em 2019, de R$ 306 bilhões e, no ano seguinte, de R$ 330 bilhões. É terra arrasada. O Tribunal de Contas da União apresentou relatório dizendo que, no início da próxima gestão, o governo não terá dinheiro para pagar a folha de pessoal. (É necessária uma) reforma tributária para melhorar o ambiente de negócios com a simplificação do sistema, desburocratização, combate à corrupção para melhorar a imagem do país, fazendo com que voltem os investimentos que se foram. Enfim, a valorização do empreendedorismo, com a tese de que o combate à pobreza começa pela valorização da produção. BBC News Brasil - O senhor votou contra a reforma trabalhista proposta por Temer. Pretende revogá-la? Dias - Votei contra muito mais para registrar inconformismo com a forma de apresentação e condução. Em vez de eliminar conflitos, o governo estimulou conflitos. E anulou a presença do Senado federal como Casa revisora. Existem lá mais de 800 emendas e centenas de destaques foram todas ignorados. O governo assumiu compromisso em 27 itens e não cumpriu nenhum. BBC News Brasil - Por que o desemprego não cai? Dias - Estamos num clima de pessimismo que se instalou no país. E porque medidas estruturais não foram adotadas. O próximo presidente precisa chegar com capacidade de comunicação com a sociedade, convencer que num primeiro momento é preciso descolar a atividade pública do setor privado. O fato de você combater rigorosamente a corrupção, você já passa ao exterior a imagem de que você voltou a ser sério. Portanto, cabe aos empresários e investidores estrangeiros voltar a investir e acreditar no país. BBC News Brasil - O senhor fala em reforma do Estado. O que isso significa exatamente? Entrariam privatizações? O senhor privatizaria a Petrobras e outras empresas públicas? Dias - A reforma do Estado vem no contexto de substituição do sistema que está aí. Quando falo da refundação da República, inclui-se a substituição de sistema de governança, que é corrupto e incompetente, fábrica de escândalos de corrupção. Na simulação que fizemos, reduziríamos para 14 ministérios, inclusive as empresas estatais, que são 146 hoje. Teríamos que pensar um grande projeto de privatizações que começaria pela revalorização de empresas desvalorizadas pela corrupção e incompetência. BBC News Brasil - Privatizaria a Petrobras? Senador Alvaro Dias afirma que não pretende privatizar a Petrobras, caso seja eleito presidente Dias - Não, a Petrobras não. Há pouco tempo, a grande discussão do Congresso era onde colocaríamos o dinheiro que sobra da Petrobras, o lucro. Na saúde, educação, segurança? Isso revela a grandeza dessa empresa, que foi assaltada e privatizada pela corrupção. O assalto foi o que a derrubou. Mas ela é recuperável. No futuro, quem sabe? No presente, não se privatiza. BBC News Brasil - O senhor foi um dos que declararam apoio à greve dos caminhoneiros... Dias - A greve dos caminhoneiros ocorreu pela incapacidade do governo ou do presidente de se antecipar aos fatos. Acompanho esse movimento desde 2015: o inconformismo, a revolta, as reivindicações ignoradas. Verifiquei que era impossível alguém sobreviver com os parâmetros de preços estabelecidos, com os encargos, com o preço do diesel, do pedágio e com o frete. Era uma profissão inviável. BBC News Brasil - Mas parte da greve era fomentada pelos empresários. Alguns foram até presos. Dias - Na minha opinião, essa (acusação) foi um jogo desonesto do governo. Ele confrontou a desonestidade com sua incompetência de se antecipar aos fatos. BBC News Brasil - O senhor esteve em Betim recentemente com o Vittorio Medioli, ligado à transportadora Sada, por exemplo. No momento da greve, o senhor conversou com ele? Dias - Conversei. Mas ele não teve participação nenhuma nesse movimento. Houve uma ação da Polícia Federal para colher depoimentos, ele foi depor. A própria PF disse que não havia qualquer participação dele. BBC News Brasil - O senhor concorda com a política de preços da Petrobras? Senador Alvaro Dias apoiou greve dos caminhoneiros no mês passado Dias - Não, ela é injusta com os brasileiros. O governo, por decreto, autoriza a Petrobras a promover reajustes quase todos os dias. Isso não é praticado por outros países produtores de petróleo. BBC News Brasil - E qual deveria ser a política? Dias - Deveria ser uma política que leva em conta o custo da produção do petróleo em nosso país. O que não se compreende é que o governo brasileiro determine que os petroleiros atuem na baixa e não em sua plenitude, refinando petróleo no exterior e encarecendo o preço final dos combustíveis. O governo não se explica sobre isso. BBC News Brasil - O mercado sempre sinaliza ser a favor dessa política implantada pelo Pedro Parente. Quando foi adotada, as ações subiram. Dias - Nem sempre o interesse do mercado coincide com o da sociedade. BBC News Brasil - O senhor então colocaria uma barreira entre os interesses do mercado e a política de preços da Petrobras? Dias - Em primeiro lugar está o interesse do povo brasileiro, sem prejuízo aos interesses de seus acionistas. É possível compatibilizar (esses interesses), desde que o objetivo principal não seja o lucro. Você deve preservar a margem de lucro, mas você precisa impor um limite, mesmo que a empresa tenha sido assaltada pelos barões da corrupção. BBC News Brasil - Limitar lucro de acionista? Dias - Quem é majoritário? É o povo brasileiro. Não é limitar o lucro, é estabelecer justiça na prática de preços. BBC News Brasil - O senhor disse que pretende transformar corrupção em crime hediondo. Qual a utilidade disso diante de uma quantidade de condenações tão pequena? Dias - Já aprovamos isso no Senado, e fui o relator. A legislação precisa impor rigor máximo. Obviamente, ela é uma etapa no combate à corrupção, pois as medidas preliminares também precisam ser adotadas. O que há de ruim no país é que nós legislamos, muitas vezes mal, muitas bem, mas nem sempre respeitamos e cumprimos a lei. Muitas vezes interpretamos ao sabor da conveniência. BBC News Brasil - O senhor defende também o fim do foro privilegiado. Não é mais fácil arrastar um processo na primeira instância? Pré-candidato Alvaro Dias afirma que Petrobras deveria ser "reestatizada" Dias - Os números estão aí. O Supremo Tribunal Federal não consegue julgar. Não é uma corte criminal. A prescrição é a consequência natural. Veja a Lava Jato, que tem pouco mais de quatro anos, houve apenas uma condenação no STF, do deputado Nelson Meurer (PP). Enquanto em Curitiba são centenas de presos. BBC News Brasil - Em 2014, para se locomover, o senhor usava o jatinho de seu suplente, Joel Malucelli. Nesta campanha, como o senhor está se locomovendo? Dias - De avião de carreira, o partido está pagando. Nesse ano, está mais fácil. O candidato pode gastar o total de sua campanha de recursos próprios. O candidato à presidência pode gastar até R$ 70 milhões. Se eu tivesse R$ 70 milhões, eu poderia gastar tudo. BBC News Brasil - Caso o senhor seja eleito, pretende abrir uma discussão sobre o auxílio-moradia para magistrados? Dias - Pretendo acabar com o auxílio nos três Poderes. Eu, inclusive, posso falar sobre isso, pois abri mão da minha aposentadoria como governador por 27 anos. BBC News Brasil - Mas depois o senhor pediu o dinheiro de volta, de forma retroativa. R$ 1,6 milhão. Dias - Eu pedi de volta porque duas entidades, sabendo que eu era o único a não receber a aposentadoria, me fizeram um apelo para colaborar com a manutenção delas. Houve uma reação negativa. Fui mais atacado do que aqueles que colocavam no bolso. Então recuei e zerei o assunto. Eu teria mais de R$ 10 milhões na minha conta e abdiquei. BBC News Brasil - O senhor faz críticas diretas ao governo Temer, até em pontos sobre corrupção. No entanto, metade dos deputados do seu partido votaram por arquivar as denúncias de corrupção contra o presidente. Não é uma contradição? Dias - Não. Naquele momento, o líder do partido foi afastado em função desse episódio. E outros foram afastados porque aceitaram ministérios, tiveram de sair. Ou seja, é o único partido que até aqui demonstrou praticar o discurso tomando providências. Evidentemente, você não consegue evitar que as pessoas sejam tentadas ao erro. BBC News Brasil - O senhor foi relator do Plano Nacional de Educação e retirou os termos "identidade de gênero" e "orientação sexual". Não houve influência excessiva de grupos cristãos? Dias - Nós ampliamos o alcance a esse texto. Não vejo razão para discriminação e preconceito. O que colocamos foi a redução das desigualdades educacionais, superação dos preconceitos de toda natureza. Não ficamos limitados a determinados grupos. Todos estão atendidos. BBC News Brasil - O senhor defende flexibilização do porte de armas no Brasil. Quer se aproximar do eleitor do deputado Jair Bolsonaro? Dias - A legislação estabeleceu que plebiscito resolveria essa questão. 63% dos brasileiros autorizaram a venda de armas. Portanto, não houve respeito à soberania popular. Defendo a flexibilização em respeito a essa decisão. Não como uma solução para a segurança pública do país. Como democrata, tenho de respeitar a decisão e o livre-arbítrio do cidadão em fazer a escolha. BBC News Brasil - Mas a flexibilização ajudaria em que na diminuição da violência? Dias - Na minha opinião, em nada. O que defendo é o direito do cidadão optar por ter ou não. Não creio que poderia ser pior em matéria de violência do que vivemos hoje no país. BBC News Brasil - O senhor defenderia uma proposta parecida a que a Argentina está para aprovar em relação à descriminalização do aborto? Dias - É outro terreno de complexidade. O Brasil acolhe todas as crenças e religiosidades e deve respeitar as manifestações. Considero a legislação atual suficiente. Ela estabelece as excepcionalidades, a questão do estupro, do risco de vida à mãe e dos fetos anencefálicos. Qualquer hipótese de avanço, nós teríamos de consultar a população com um plebiscito. Isso não é assunto para um presidente da República. BBC News Brasil - O senhor não considera o aborto uma questão de saúde pública? Dias - Sim, considero. BBC News Brasil - E como resolver por plebiscito? Dias - Entendo que a legislação atual atende as necessidades e, para qualquer alteração, deve haver consulta à população. BBC News Brasil - Num segundo turno entre Bolsonaro e Ciro, o senhor iria com quem? Dias - Isso não vai acontecer, eu estarei lá. *Em nota, a JBS contesta os valores mencionados pelo pré-candidato. Leia a íntegra: "Em relação à menção feita à JBS em entrevista publicada no dia 20 de junho de 2018, a companhia esclarece que os aportes do BNDES totalizam R$ 5,5 bilhões e foram realizados via participação acionária, de acordo com a legislação, via o braço de investimentos BNDESPar, que hoje tem 21,3% das suas ações e conta com dois membros no Conselho de Administração. Quanto à dívida previdenciária, a JBS aderiu ao PERT, regularizando assim os débitos com a Fazenda, conforme Fato Relevante divulgado em 7 de Novembro de 2017."
Como traficantes mexicanos usam pandemia para ganhar popularidade distribuindo alimentos
O México é um dos países mais atingidos pelo coronavírus na América Latina, com muitas famílias perdendo empregos por causa da pandemia de covid-19.
Agora, alguns dos poderosos cartéis de drogas do país resolveram distribuir alimentos às comunidades locais em uma ação polêmica. Dizem que só querem ajudar, mas são acusados de tirar proveito da situação aumentando sua popularidade junto às comunidades atingidas para contar com a proteção deles contra a ação da polícia. A BBC obteve acesso exclusivo a um cartel que deseja conquistar os corações e mentes dos pobres do México
Monitoramento e coordenação de ONGs é para melhorar resultados, afirma ministro
A nova atribuição da Secretaria de Governo de "coordenação", "monitoramento" e "supervisão" de atividades de organismos internacionais e organizações não governamentais (ONGs) no Brasil, criada pelo presidente Jair Bolsonaro por meio de medida provisória, gerou reação da sociedade civil já na primeira semana da administração.
'Se usou dinheiro público, tem que fazer prestação de contas', diz Santos Cruz (foto) sobre ONGs Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro responsável pela nova tarefa, general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que a intenção não é intervir em ONGs. "O objetivo não é de restrição, não é de influir no método de trabalho, não tem nada a ver. É simplesmente de coordenação e de obter melhores resultados", afirmou. Questionado sobre a Constituição garantir autonomia ao terceiro setor e o fato de organizações pretenderem ir ao Supremo Tribunal Federal para derrubar a nova atribuição, o ministro não se comprometeu em rever a questão, mas disse que seu gabinete está aberto para receber reivindicações de todos os segmentos sociais, inclusive ONGs críticas ao governo e movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Em outros trechos da entrevista, se mostrou crítico sobre o que vê como viés ideológico de parte dessas organizações. "A generalização de ONGs é complicada. Tem ONGs boas e outras não tão boas assim", ressaltou. Ministro diz não considerar o MST uma organização terrorista A abertura com a imprensa ele já começou a botar em prática. Na sexta-feira, quando recebeu a BBC News Brasil em seu gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, o ministro passou o dia atendendo jornalistas de diferentes veículos. Responsável por administrar a verba publicitária do governo, o general prometeu dar total transparência ao uso dos recursos e disse que não terá "preconceito" contra grupos que publicarem reportagens negativas sobre a administração Bolsonaro. Fim do Talvez também te interesse Enquanto tenta distensionar a relação do novo governo com a imprensa, Santos Cruz deu à BBC News Brasil indicações que podem desagradar grupos evangélicos que apoiam Bolsonaro. Segundo ele, consequências práticas da prometida transferência de embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém podem "inviabilizar" que a ideia se concretize. Analistas internacionais apontam risco de retaliações econômicas por nações árabes e que o Brasil vire alvo de ataques extremistas. "Entre a ideia e a realidade, você tem uma distância bastante longa", ressaltou. Sobre a rotina de ministro, contou que continua dirigindo seu próprio carro e quer manter o hábito de acordar às 4h30 da manhã para andar a cavalo antes de iniciar o batente - tem três animais em Brasília. Conhecido pelo semblante sério em suas aparições públicas, Santos Cruz conversou por cerca de uma hora com a reportagem de ótimo humor. "Tem o personagem e o real", brincou, ao final da entrevista. Confira abaixo os principais trechos. BBC News Brasil - A Medida Provisória 870 estabelece que a Secretaria de Governo vai "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional". O que significa isso exatamente? Santos Cruz - Isso está dentro de um princípio de otimização do recurso público. Você tem milhares de entidades que utilizam recursos públicos, e você pode usar muito melhor essas entidades para complementar a ação governamental (segundo o Ipea, havia 820 mil ONGs no Brasil em 2016, das quais 7 mil receberam recursos do governo federal). Mas só que precisa uma coordenação maior. Então, o objetivo não é de restrição, não é de influir no método de trabalho, não tem nada a ver. É simplesmente de coordenação e de obter melhores resultados. Agora, esses resultados precisam ser acompanhados. Santos Cruz (sentado, esq.), o gen. Augusto Heleno (de pé), e Onyx Lorenzoni (dir.): ministros palacianos do novo governo BBC News Brasil - Então se trata apenas de organizações que recebem dinheiro público? Santos Cruz - Mesmo aquelas que recebem dinheiro privado é necessária a coordenação porque a gente tem que saber, às vezes, a qualidade técnica. Por exemplo, você tem uma organização dedicada a doenças de criança ou de gravidez precoce, coisas assim, ou que trabalha com índios. Você tem que ter uma coordenação com o Ministério da Saúde, para ver a qualidade técnica do pessoal. E aí você vai até orientar para ter um resultado melhor. BBC News Brasil - A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) diz que a forma como está redigida a medida provisória não deixa isso claro, já que o texto não fala sobre o recebimento ou não de dinheiro público. E juristas ressaltam que a Constituição garante total autonomia a atuação das organizações da sociedade civil. Eles veem na medida provisória margem para intervenção. Santos Cruz - Lógico que tem autonomia, mas autonomia não quer dizer que, se você usou dinheiro público, você não precise fazer prestação de contas. BBC News Brasil - A preocupação do setor é que o texto não fala especificamente em ONGs que recebem dinheiro público. Santos Cruz - As que não recebem dinheiro público são só coordenadas. BBC News Brasil - Mas o que seria essa coordenação? Santos Cruz - Aquilo que eu expliquei a você. Há uma quantidade muito grande de organizações que trabalham com saúde, então o Ministério da Saúde, se coordenar bem isso aí, elas vão complementar a ação da saúde pública. Agora, se você não tiver uma coordenação, como vai fazer? A finalidade dessas organizações é complementar. BBC News Brasil - Então, a intenção do governo não é intervir em ONGs? Santos Cruz - Não, não tem nada de intervenção. BBC News Brasil - Mas as ONGs estão preocupadas com essa redação e pretendem ir ao Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade. Não seria necessário um ajuste de texto pelo governo para evitar isso? Santos Cruz - Primeiro lugar, isso aí não tem problema nenhum. Vamos para o conteúdo. Qual a ideia central? Se não você fica numa discussão por termos: se é supervisionar, se é coordenar, se é acompanhar. A melhor maneira é vir aqui par a gente conversar. (Estamos de) porta aberta. Inclusive estou pensando até em convidar umas dez ou doze (ONGs) para vir aqui. Para mim, o de menos é o termo. BBC News Brasil - E o senhor já sabe quais ONGs pretende receber? Santos Cruz - Eu vou dar uma selecionada e escolher uma data próxima para a gente conversar. E também eles podem tomar iniciativa de pedir essa reunião e vir aqui conversar. BBC News Brasil - O senhor disse no discurso de transmissão de cargo que a Secretaria estará aberta a todos os movimentos. E em entrevista recente disse inclusive que isso incluía o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Santos Cruz - Sim, quando eu falei "qualquer segmento social", me perguntaram sobre o MST, e eu disse: "qual o problema do MST?" Militantes do MST em Brasília: Santos Cruz diz que o grupo não é terrorista, embora militantes às vezes cometam crimes BBC News Brasil - É que o presidente já disse que considera o MST terrorista. O senhor concorda? Santos Cruz - O que classifica você como terrorista é a maneira como você age. Você teve agora em Fortaleza (refere-se à grave crise de segurança pública no Ceará) verdadeiros atos terroristas tentando destruir um viaduto. O crime organizado passou do limite que pode ser chamado de terrorista. Qualquer um que ultrapasse determinado limite pode ser classificado como terrorista. Agora, existe a lei. No caso do MST, dependendo da ação, pode incorrem num crime, numa concepção dessa. BBC News Brasil - Mas o senhor considera o MST terrorista? Santos Cruz - Não. De vez em quando você vê gente fazendo coisa, destruindo propriedade, isso é terrorismo. BBC News Brasil - O senhor está distinguindo o que é a instituição e possíveis atos isolados? Santos Cruz - Grupos isolados talvez, porque quando se fala em MST você tem espalhado pelo Brasil uma infinidade de grupos. De vez em quando você vê grupo que entra numa fazenda, deliberadamente destrói o patrimônio, queima os tratores. Isso é absurdo, é crime, e você classifica como quiser o crime. Agora, não é por causa disso que as outras centenas ou dezenas de grupos vão de comportar da mesma maneira. BBC News Brasil - Que tipo de diálogo o senhor vislumbra ter com o MST e ONGs que não se veem bem recebidos pelo governo? Santos Cruz - Você falou de MST e ONGs. Em primeiro lugar, são coisas totalmente distintas. Você tem milhares de ONGs. A generalização de ONGs é complicada. Tem boas e outras não tão boas assim. Têm as que são ideológicas, têm outras que são dedicadas absolutamente ao trabalho filantrópico ou humanitário, outras ao controle de verificação de contas públicas. São vários tipos. Algumas têm perfil mais ideológico, mas idealista. O gabinete da Secretaria de Governo, ocupado por Santos Cruz, fica no 4º andar do Palácio do Planalto (foto) Então, você pega a Transparência Internacional, verifica as contas públicas e o momento mais famoso dela é quando faz o ranking da corrupção. Eu acho que ela não devia fazer só o ranking da corrupção, ela deveria acompanhar muito mais a conta pública na sua essência para servir como mecanismo de alerta junto a outros órgãos sociais. BBC News Brasil - A Transparência Internacional também atua na proposição de ações e leis para dar mais transparência às contas públicas. Há também ONGs de direitos humanos que podem ser críticas a algumas diretrizes do governo. Os senhores estão abertos ao diálogo com essas? Santos Cruz - Qualquer uma. E outra coisa: assim como eu acho que eles devem exigir mais transparência, eu preciso ter toda essa transparência (por parte das ONGs). E aqui está aberto para receber essas sugestões e depois (elas podem) perguntar para a gente qual o encaminhamento que foi dado. BBC News Brasil - O senhor já serviu em diversas missões da ONU. O presidente e o chanceler Ernesto Araújo têm feito ataques ao organismo e já manifestaram intenção de sair do Conselho de Direitos Humanos e do pacto de migração. Qual sua opinião sobre a ONU? Considera a melhor decisão o Brasil romper esses compromissos? Santos Cruz - Cada governo tem a sua orientação política. A ONU tem seus problemas também. Inicialmente foi feita para ser um fórum político, com a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, depois ela viu que ela tinha que defender a população (com missões de paz), interferir em alguns casos, então acaba também sofrendo as consequências da política internacional. Não são todos os setores que funcionam bem, ela também não acerta todas as vezes, mas é o único órgão multilateral que se tem com essa dimensão, é a mãe de todos os órgãos, e ela tem que ser prestigiada. Brasil tem de continuar participando da ONU, diz ministro Você pode ver que tem determinadas resoluções que um país ou outro acaba não concordando - por exemplo, (resolução sobre) minas terrestres, têm vários países que não assinaram, porque às vezes não satisfaz a sua necessidade. Então, não é problema também ficar fora de uma coisa ou outra. O nosso ministro se manifestou (dizendo que vai sair do pacto de migração); em compensação estamos apoiando 100% os venezuelanos (que entram por Roraima fugindo da crise em seu país). Então, depende da situação essa questão de orientação de política externa. BBC News Brasil - No Conselho de Direitos Humanos, o senhor acha que seria melhor o Brasil permanecer? Santos Cruz - Tem que fazer diferença de Conselho e Comissão de Direitos Humanos. O problema é que às vezes você tem posições tomadas longe daqui completamente fora da realidade daqui. Então, você toma uma decisão lá no conselho que não tem nada a ver com o funcionamento da nossa Justiça. Na verdade, esses conselhos se desgastam quando passam a ser ideológicos, quando pega um criminoso comum e acha que está sendo vítima de um processo político. Não, ele cometeu um crime. BBC News Brasil - O senhor se refere ao ex-presidente Lula (cuja participação na eleição foi recomendada pelo Conselho de Direitos Humanos)? Santos Cruz - Ele ou qualquer outra que tenha cometido infração semelhante. Querem transformar caso de polícia em caso político, aí começa a confusão. BBC News Brasil - Mas o senhor acha que o Brasil deve permanecer na ONU e atuante? Santos Cruz - Sem dúvida. O Brasil é um dos grandes países do mundo. BBC News Brasil - Em entrevista recente ao SBT, o presidente não descartou discutir no futuro uma base militar dos EUA no Brasil. Haveria alguma hipótese em que poderíamos ter uma base americana? Santos Cruz - Eu acho que no campo das hipóteses tudo pode ser, mas se você for para a vida real é outra história. Aí vai ter que discutir, ver as condicionantes. Discussões assim acabam ficando muito estéreis, afastadas da realidade. General diz não ver necessidade de uma base militar norte-americana em território brasileiro neste momento BBC News Brasil - Mas, olhando a realidade, o senhor não vislumbra uma base americana no Brasil? Santos Cruz - Não vejo necessidade nenhuma nesse momento. Agora, talvez um dia, numa (mudança de) conjuntura, você tem momento político. É como foi na Segunda Guerra Mundial (quando houve uma base em Natal, no Rio Grande do Norte, de onde partiam aviões americanos para África e Europa), porque era outro contexto. Discutir nesse contexto agora não tem sentido. Naquele contexto tinha sentido por causa da proximidade (de Natal) com África. Quando entra no campo hipotético, vira um vale tudo danado. BBC News Brasil - Aos Estados Unidos interessam uma maior aproximação com o Brasil também por causa da crise venezuelana. O que o Brasil pode fazer concretamente? Santos Cruz - Concretamente, o que você pode fazer hoje é auxiliar os venezuelanos que estão em estado de necessidade cruzando a fronteira (para o Brasil). É a prioridade, vida real. Vejo gente falando que tem que fechar a fronteira. Nada disso, temos que dar esse apoio. O caso venezuelano é de deterioração da qualidade de vida do povo. Um governo ideológico, totalmente desconectado (disso). Então, essa crítica bem clara ao governo venezuelano é muito importante. Agora, você não tem como interferir lá dentro. O povo venezuelano que vai ter que fazer a reação dele. O que (o Brasil) pode fazer, é na área internacional, condenar esse sofrimento que o povo está passando. A gente lastima, vemos o povo sofrendo. Ninguém quer sair da sua casa, pegar uma bolsa e pegar a estrada caminhando para cruzar uma fronteira. É o cúmulo da irresponsabilidade você se adonar do poder e esquecer que o poder não é para você, nem para sua ideologia, é para fazer o trabalho para a população. BBC News Brasil - O senhor fala muito sobre o problema da ideologia, assim como o presidente. Muitos intelectuais entendem que o governo Bolsonaro também é ideológico e que é natural ter ideologias em um governo. Santos Cruz - Depende do que você considerar. Eu não tenho ideologia nenhuma. Eu morei nos Estados Unidos, morei na Rússia, países maravilhosos. Não tem nada a ver ideologia. Ideologia vem quando você deixa de fazer as coisas ou faz as coisas com segundo objetivo. Por exemplo, para mim o MST tem ideologia, porque nunca fizeram nada para aquele povo que fica na beira da estrada. Você tem muita gente necessitada. Vão ficar o resto da vida na beira da estrada como massa de manobra? Em nome de uma ideologia, do seu projeto de poder, quando você tem que resolver o problema daquelas pessoas. BBC News Brasil - Eles dizem que estão em uma luta por distribuição de terra. Santos Cruz - Ficaram 14 anos no poder e nunca deram terra. (O PT) Ficou 14 anos e não conseguiu tirar aquele povo da beira da estrada? Por quê? Porque interessa para eles ficarem como sua massa de manobra. Isso é ideologia, quando você usa as pessoas para seu projeto de poder. BBC News Brasil - Na política externa, esse alinhamento com os Estados Unidos e Israel não tem viés ideológico? Santos Cruz - Não, é viés político, não ideológico. BBC News Brasil - Líderes evangélicos querem mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém até o aniversário de Israel, em abril. Considera possível? Santos Cruz - Olha, eu não vou falar nem pelo Bolsonaro, nem pelo Ernesto (Araújo), mas eu acho que eles (líderes evangélicos) vão ficar na esperança. Porque uma coisa é você dizer que tem intenção, outra coisa é você concretizar. (Para) você sair de uma ideia para a vida real, você tem uma série de outras considerações de ordem prática. Então, eu acho completamente inviável essa conexão. BBC News Brasil - Além das possíveis retaliações comerciais, vê risco do Brasil e embaixadas brasileiras virarem alvo de ataques extremistas se essa transferência se concretizar? Santos Cruz - Mais uma vez vamos para o campo (da hipótese) da base americana, da embaixada em Israel, da intervenção na Venezuela. São coisas (as ameaças de retaliações e riscos de ataques) que seriam levantadas, consideradas na avaliação da concretização da ideia. A ideia, (quando) você vai querer concretizar, você vai levantar tudo isso, e tudo isso pode até inviabilizar. Então eu acho que o pessoal tem que ter um pouco mais de calma que, entre a ideia e a realidade, você tem uma distância bastante longa. Ao contrário do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (foto), Santos Cruz se mostra reticente sobre mudança de embaixada BBC News Brasil - O senhor vai comandar as campanhas publicitárias do governo. Há um temor de que os anúncios em veículos que deram matérias negativas sobre o governo serão cortados. Como vão ficar os critérios de distribuição de verba? Santos Cruz - Olha, não estamos em período eleitoral. Sem dúvida nenhuma, nas eleições, você viu às vezes um veículo de comunicação que saiu de uma isenção de informação à população e adotou uma linha política. Agora, isso para mim não tem valor. Se fizeram essa opção errada, perderam a eleição, e todo mundo tem que ser tratado da mesma maneira. Não tenho discriminação por conta da campanha. O critério (é) o que a gente quer atingir. Se eu quero fazer uma campanha de vacinação, qual é o fim do filme (publicitário)? É a mãe e a criança tomarem conhecimento. Então eu tenho que divulgar no meio que vai levar essa informação até lá. Não adianta eu fazer uma opção por um pseudoaliado político que não vai levar a informação até lá. Não é assim. BBC News Brasil - Pergunto porque é normal a imprensa fazer matérias negativas sobre o governo. Queria entender se isso vai influenciar de alguma forma na distribuição do recurso. Santos Cruz - Assim como a imprensa tem a liberdade total de adotar a linha que quiser, tem coisas que são discricionárias de governo. Eu não pretendo trabalhar com esse preconceito. Se tiver que fazer opção por um ou por outro, eu vou dizer: "a decisão é essa, por causa disso". Haverá transparência completa. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Coronavírus: teste rápido de saliva poderia acabar com a pandemia de covid-19?
O que aconteceria se houvesse uma maneira de voltar a viver como antes do coronavírus? Sem mais distanciamento social, sem máscaras, sem medo da infecção por covid-19? Obviamente, o motivo de todas as restrições impostas recentemente em vários países é repelir o vírus e minimizar o contágio. O que precisamos é de uma maneira rápida e confiável de detectar pessoas infectadas em nosso ambiente.
O primeiro problema é que menos de uma em cada quatro pessoas que fazem testes e têm resultados positivos para o coronavírus manifestam sintomas no dia em que realizam o teste. Isso cria o risco de o vírus se espalhar para pessoas que não sabem que estão infectadas. Um segundo problema é o próprio teste. A melhor maneira atual de detectar o coronavírus envolve coletar uma amostra de mucosa, inserindo um cotonete na parte posterior da garganta e no nariz. É possível que eu seja excessivamente sensível, mas acho que colocar um cotonete nas amígdalas e depois nas narinas um pouco desagradável — isso me faz querer vomitar. O procedimento leva apenas alguns segundos, mas não tenho certeza se você deseja fazê-lo toda semana, conforme proposto pelo NHS (sistema de saúde pública do Reino Unido). Um terceiro fator é o tempo. A amostra colhida com a zaragatoa ou teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) deve ser enviada a um laboratório, que leva algumas horas processá-la. No Reino Unido, nove em cada 10 pessoas que vão a um dos centros de testes recebem os resultados em 24 horas. Mas esse ainda não é um serviço rápido. Fim do Talvez também te interesse A amostra de saliva deve ser enviada para um laboratório, mas o resultado pode sair muito mais rápido Portanto, precisamos de uma maneira mais rápida, ágil e confiável de testar o coronavírus. Experimentos já estão sendo realizados com cotonetes, de resultados rápidos, o que seria um grande passo à frente. O teste de saliva pode ser revolucionário. Imagine que tudo que você precisava fazer seria a cuspir em um tubo de ensaio saber se está com coronavírus. Ok, não é assim tão simples. A amostra de saliva deve ser enviada para um laboratório, mas o resultado pode sair muito mais rápido. Jayne Lees e sua família estão participando de um teste de saliva em Southampton (uma cidade portuária no sul da Inglaterra). Eu assisti Jayne e seus três filhos adolescentes, Sam, Meg e Billy, sentados ao redor de uma mesa, cuspindo em uma colher e derramando saliva em um tubo de ensaio. "Um cotonete pode ser muito invasivo, especialmente se você não estiver se sentindo muito bem", diz Jayne. "O teste de saliva é muito mais fácil." Jayne e seus três filhos adolescentes, Sam, Meg e Billy, cuspindo em uma colher para realizar teste de coronavírus Mais de 10 mil médicos e outros trabalhadores da cidade estão participando do projeto, junto a suas famílias. "Achamos que a saliva é um fluido muito importante para analisar", diz Keith Godfrey, um dos coordenadores do experimento na Universidade de Southampton. "As glândulas salivares são o primeiro lugar do corpo que se infecta com o vírus. Parece que as pessoas testam positivo em sua saliva antes dos dutos respiratórios serem infectados", diz Godfrey. "Se estamos procurando detectar pessoas nos estágios primários da infecção, esse pode ser o caminho a seguir." Jayne faz o teste O sucesso do exame depende de quão preciso é o teste de saliva para detectar o coronavírus. Amostras do estudo de Southampton estão sendo processadas em laboratórios do governo da Agência de Saúde Animal e Vegetal do Condado de Surrey. As amostras são misturadas em uma solução que é aquecida para liberar o material genético do vírus. O método, conhecido como RT-Lamp (amplificação isotérmica mediada por alça com transcrição reversa, em tradução livre), leva cerca de 20 minutos, em comparação com as várias horas que o teste de RCP necessita para ficar pronto. "Estamos muito animados", diz o professor Ian Brown, virologista-chefe da universidade. "Fizemos um progresso significativo nas últimas semanas em termos de superar os desafios técnicos do uso de um teste de saliva." Projeto piloto quer processar testes rapidamente Nesse ponto as coisas começam a ficar interessantes. Se o projeto piloto funcionar, toda a cidade de Southampton, com mais de 250 mil moradores, poderá ter acesso a testes semanais de saliva. "Se estivermos dispostos a reabrir a sociedade e a economia, essa pode ser a maneira de monitorar a presença do vírus nas comunidades e detectar surtos antes de elas precisarem entrar em isolamento", diz Godfrey. Algumas pessoas gostariam de ir mais longe. Um grupo de cientistas liderado pelo professor Julian Peto, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, sugere que toda a população do Reino Unido tenha acesso semanal ao teste de saliva para coronavírus. O grupo argumenta que a epidemia de covid-19 poderia "acabar e restaurar a vida normal" se a vigilância em massa fosse realizada. Isso significaria um grande aumento em testes de laboratório. Atualmente, o governo do Reino Unido diz que pode executar 300 mil testes por dia, mas esse número teria que subir para 10 milhões por dia. Funcionaria assim: você faz o teste de saliva e o envia ao laboratório. Dentro de 24 horas você recebe o resultado. Se for positivo, você e sua família terão que se isolar. Restaurantes e outros locais públicos poderiam solicitar resultados negativos recentes antes de permitir que os clientes entrem. A esperança é que a identificação precoce dos infectados acabe rapidamente com a epidemia. Naturalmente, o programa seria caro: por volta de US$ 1,25 bilhão (R$ 6,7 bilhões) por mês. Mas essa é uma pequena fração do impacto do coronavírus na economia britânica. O órgão responsável pelo orçamento da região indica que a crise provavelmente custará ao Reino Unido cerca de US$ 400 bilhões (mais de R$ 2 trilhões) neste ano fiscal, e possivelmente mais. Se o teste de Southampton funcionar, todo o Reino Unido poderá ter acesso ao teste semanal de saliva Um dos problemas seria cumprir a escala de testes. Quantos de nós estariam dispostos a cuspir em um tubo de ensaio todas as semanas? Pode parecer uma perda de tempo, mas o outro lado da moeda é que poderia ser o fim completo do distanciamento social. Você não aproveitaria essa oportunidade? Se funcionasse, significaria o fim das máscaras e do isolamento para milhões de idosos e pessoas vulneráveis. Você pode abraçar seus amigos e avós novamente. Um pouco menos de ambição, mas uma estratégia voltada a obter objetivos específicos, também poderia ter um grande impacto. As escolas conseguem testar alunos e funcionários semanalmente. Testes frequentes de saliva também podem ser realizados em asilos ou áreas de surtos. Laboratórios poderiam ser montados em aeroportos para que os passageiros pudessem ser testados enquanto aguardavam o voo. Há muito em jogo na pesquisa de Southampton. Uma situação que pode complicar as coisas é que a incidência de coronavírus naquela cidade está caindo. Jayne Lees e sua família tiveram dois resultados negativos até agora. Suspeito que o mesmo possa ser dito de todos ou quase todos os que participaram do projeto. Para que esse estudo funcione, amostras positivas e negativas devem ser identificadas. Mas os filhos de Jayne estão entre aqueles que esperam que esses obstáculos possam ser superados e que os testes de saliva em massa se tornem a solução. "Seria ótimo, nos livraríamos da pandemia de uma vez por todas", diz Sam, de 19 anos. "Isso mudaria a vida das pessoas." *Como repórter de saúde da BBC desde 2004, Fergus Walsh já cobriu ameaças de doenças globais, como gripe aviária, gripe suína, Sars, Mers e Ebola. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Governo americano anuncia déficit recorde neste ano
O governo americano vai ter o maior déficit de sua história neste ano, chegando a US$ 455 bilhões, segundo previsões do próprio governo Bush.
A Casa Branca diz que o déficit recorde foi causado pela recessão econômica, pelos cortes nos impostos e pelos custos da chamada guerra ao terrorismo. O governo Bush também previu que déficit deve aumentar ainda mais no ano que vem, chegando a US$ 475 bilhões, mas cair a partir de então, chegando a US$ 226 bilhões em 2008. Os números ultrapassam em muito o recorde anterior, de US$ 290 bilhões de déficit, atingido em 1992. Preocupação "O déficit certamente continua preocupando, mas é uma preocupação que dá para controlar e da qual nós já estamos tratando", disse o porta-voz da Casa Branca Scott McClellan.
Quem é quem no megaescândalo da suposta ligação entre a Rússia e a campanha de Trump
É uma trama mais envolvente que a de qualquer seriado do momento. As investigações sobre a interferência russa na eleição americana e um suposto conluio entre a campanha de Donald Trump e o Kremlin continuam a ter desdobramentos diários tal qual intrincadas séries como House of Cards e Game of Thrones .
Três pessoas já foram formalmente acusadas por Robert Mueller, o investigador que busca saber se há ligações entre a equipe do presidente americano e Moscou. Entenda a seguir quem são os principais personagens das primeiras três temporadas do drama político mais importante do mundo no momento. 1ª Temporada - A Eleição Essa é a temporada em que Trump, a estrela de um reality show, lança sua campanha presidencial com o apoio de sua família e chama a atenção do russos. Ao final dela, resta a pergunta: Trump pode de fato vencer? Quem é? Donald Trump, o candidato bilionário que, na 3ª temporada, assumirá como o 45º presidente dos Estados Unidos. A trama Conforme ele se ocupa com sua campanha, cruzando o país em busca de votos, os serviços de inteligência americanos dizem que a Rússia hackeou os emails de seus rivais democratas. A questão é: por quê? O Kremlin tentava alterar o resultado da eleição? E o quanto sabia Trump e sua equipe? Trump teria tentado encobertar alguma coisa diante dessa investigação? Quem é? Era quem comandava a campanha de Trump antes de ser obrigado a se demitir por ter laços com oligarcas russos e a Ucrânia. A trama Manafort passou mais de uma década como consultor político na Ucrânia. Ele deixou a campanha de Trump em agosto de 2016, depois de ser acusado de ter ligações com grupos pró-Rússia naquele país. Também participou de uma reunião crucial com um advogado russo que estava tentando fornecer à equipe de Trump informações secretas. Nega as 12 acusações contra ele, entre elas lavagem de dinheiro, sem relação com a eleição de 2016. Um de seus sócios, Rock Gates, também refutou as acusações. Terá um papel importante na 3ª temporada. Quem é? O filho mais velho do presidente. O Trump que sabidamente se encontrou com russos - a questão é por quê. A trama Seu papel nesta saga gira em torno de uma reunião com uma advogada russa, organizada por um empresário do ramo musical (personagem da 3ª temporada). Em junho de 2016, esse empresário, Rob Goldstone, ofereceu a Trump Jr. um encontro com Natalia Veselnitskaya prometendo informações comprometedoras sobre Hillary Clinton. "Essas são obviamente informações privilegiadas e sensíveis referentes à Rússia e ao apoio de seu governo a Trump", escreveu Goldstone. "Amei", respondeu Trump Jr., que, em seguida, convidou o empresário e Veselnitskaya à Torre Trump, em Nova York, onde eles se encontraram com integrantes da equipe do presidente, Jared Kusher e Paul Manafort. Essa reunião é uma peça-chave da trama, porque levanta diversas questões importantes. Isso significa que houve um conluio entre a campanha de Trump e um governo estrangeiro? Trump Jr. diz que a reunião foi sobre a política de adoções da Rússia, e Veselnitskaya afirma que não atuava como representante do governo russo. Mas essa cena será repassada inúmeras vezes pelos investigadores enquanto eles tentam saber se ocorreu algo inapropriado. 2ª Temporada - A Transição Trump deixa seus críticos confusos ao vencer a eleição. Mas a transição é tão intensa quanto a temporada anterior conforme Trump escolhe seu gabinete e introduz personagens-chave. A temporada termina com ele fazendo o juramento presidencial em uma manhã fria de janeiro - mas há novas reviravoltas por vir. Quem é? O ex-general de semblante duro que se tornaria o integrante mais fugaz do gabinete de Trump. Foi forçado a se demitir depois de não ser honesto sobre seu contato com uma autoridade russa - o que ele sabia e a quem contou isso? A trama Foi nomeado conselheiro de segurança nacional dias após a eleição, contrariando conselhos do então presidente Barack Obama, que alertou Trump sobre sua contratação. O papel de Flynn ganhou destaque quando, em dezembro de 2016, ele falou com o embaixador russo Sergeu Kislyak. Os jornais The Washington Post e The New York Times afirmaram que os dois debateram as sanções contra a Rússia e que Flynn mentiu depois para o vice-presidente Mike Pence sobre essa conversa. O FBI está investigando Flynn. E é neste ponto que o presidente americano entra em cena - a agência averigua se Trump tentou dar fim a essa investigação. Quem é? Muitos fios dessa trama levam a essa figura carismática e alegre que, até julho de 2017, foi o embaixador russo em Washington. A trama Seu papel na história ainda não está claro, mas ele faz diversas participações como o homem com quem diversos personagens se encontram. Os investigadores se perguntam por que essas pessoas foram atraídas até ele e o que foi dito. Ele falou tanto com Flynn quanto com Sessions, reuniões que, a princípio, autoridades do governo Trump não disseram ter ocorrido. Há algo mais que devemos saber? Bem, a Rússia negou veementemente acusações feitas pela emissora CNN de que Kislyak seria um "espião de alto escalão e um recrutador de espiões". Quem é? Passa a maior parte da 1ª temporada entre os personagens secundários, quando ainda era apenas um senador do Alabama e um conselheiro de confiança de Trump, mas o público o conhece melhor na 2ª temporada, quando é indicado pelo presidente como procurador-geral. A trama É um dos membros da equipe de Trump que se encontra com o embaixador russo, e há muitas questões em torno dessas reuniões. Desde que a investigação do FBI se concentrou na campanha de Trump, Sessions se afastou do caso, uma decisão que gerou muita tensão e o tornou alvo de diversos tiros disparados pelo presidente pelo Twitter. Sessions disse que qualquer sugestão de que ele agiu em conluio com a Rússia é uma "mentira descarada e detestável". 3ª temporada - A Presidência É quando o drama realmente se intensifica e todas as tramas convergem entre si. Muitos personagens secundários da 1ª temporada voltam com sede de vingança, e as brigas internas ficam feias - e não olhe agora, mas a polícia está se aproximando. Quem é? Uma advogada russa que lutou contra as sanções americanas contra a Rússia, conhecida por ser destemida e ter uma propensão para o drama. Mas é um fantoche do Kremlin? Ela diz que não. A trama Seu papel é pequeno, mas crucial - é com ela que Trump Jr., Kushner e Manafort se encontram em junho de 2016, encontro cujos detalhes foram divulgados um ano depois, quando Trump tornou-se presidente. Ela diz que a reunião foi para discutir sobre adoções, mas quem ajudou a organizá-la afirma que a advogada ofereceu informações comprometedoras sobre os democratas e a campanha de Hillary Clinton. Esse encontro nunca teria ocorrido sem... Quem são? Emin Agalarov é a maior estrela pop do Azerbaijão. Ele ajudou a levar o Miss Universo, concurso do qual Trump é dono, para a Rússia, e ele e o presidente americano são próximos a ponto de trocarem mensagens de aniversário. Seu pai, Aras, é um bilionário que circula pelos mais altos círculos de influência de Moscou. A trama Emin é o homem que ajuda a tornar realidade aquela reunião com a participação de Trump Jr.. Um email enviado ao filho do presidente americano indica que Emin estava oferecendo informações sobre os democratas (ele nega). A mensagem também afirma que Aras havia se encontrado com o "procurador real" da Rússia, um cargo que estranhamente não existe, e obteve informações sobre Hillary Clinton. Você está conseguindo acompanhar? Quem é? Um personagem coadjuvante que saiu do nada para ter um papel muito importante no restante da temporada. Ela era a procuradora-geral interina, até Sessions ser confirmado no cargo. E, então, ela foi demitida... A trama Foi quem informou à Casa Branca que Flynn não havia sido honesto quanto às suas reuniões com os russos. Argumentou que o fato de que os russos sabiam desses encontros e que a Casa Branca os desconhecia tornava Flynn vulnerável a chantagem. Seu prêmio por isso? Trump a demitiu sob outras justificativas não relacionadas semanas depois. Tem sido crítica ao presidente desde então. Quem é? Tornou-se vice-procurador-geral sob Sessions. Neste drama, teria um tipo de papel que seria dado a um ator de teatro que você conhece de rosto, mas não sabe dizer o nome. A trama Dado que Sessions se afastou da investigação sobre as ligações entre Trump e a Rússia, coube a Rosenstein liderá-la. Em um grande desdobramento da história, ele é indicado como investigador especial - algo que não cai nada bem com a Casa Branca. Ele também é quem recomenda em uma carta que o chefe do FBI, James Comey, seja demitido. Esse gesto se provou um pouco mais popular perante Trump. Quem é? Casado com a filha de Trump, Ivanka, é um personagem presente, mas pouco vocal. A trama Em meio a acusações de nepotismo, é nomeado para um cargo de conselheiro sênior na Casa Branca. São seus contatos com os russos durante a campanha eleitoral que chamaram a atenção de investigadores. Em junho de 2016, Kushner compareceu àquela reunião entre Trump Jr. e a advogada russa. Diz ter ficado tão entediado que enviou uma mensagem para seu assistente ligar para ele para que tivesse uma desculpa para ir embora. Kushner é outro membro do elenco que teve contato com o embaixador russo, inclusive por meio de ligações (que ele nega) e de um encontro em dezembro de 2016, no qual ele supostamente teria debatido a criação de um canal de comunicação secreto com Moscou. Ele nega isso também, mas investigadores querem saber por que ele não falou sobre essas reuniões antes. Quem é? Quando a Casa Branca diz que "enviará suas perguntas para o advogado de Trump", está se referindo a ele. A trama Washington é uma cidade repleta de advogados, mas nenhum é mais importante que Sekulow, conselheiro pessoal do presidente. Como muitas figuras políticas, ele também tem um programa de rádio e, com frequência, defende a Casa Branca das mais recentes revelações da investigação em curso. Quem é? Um ex-jornalista de tabloide britânico com uma queda por fotos de si próprio com chapéus exóticos e, talvez, uma adição improvável ao elenco. Mas, como em bons dramas, sempre há espaço para um excêntrico que parece estar fora de lugar. A trama Entra para o círculo de confiança de Trump graças às suas conexões com a entrela pop Emin Agalarov. Ele é empresário do artista e é quem entra em contato com Trump Jr. em nome de seu cliente para a infame reunião na Torre Trump em junho de 2016. Envia um email a Trump Jr. prometendo informações sobre Hillary - essa conversa é uma das evidências descobertas pela investigação. Outro destaque de seu currículo é seu trabalho para levar o Miss Universo à Rússia, e é por causa conta de tudo isso que ele acaba conhecendo o presidente. Quem é? Com pouco mais de 2m de altura, é uma figura altiva que revela pouco sobre si mesmo, mas tem um papel imenso nessa história. A trama Ele entra no drama na 1ª temporada, quando como chefe do FBI ele reabre a investigação sobre os emails de Hillary semanas antes da eleição. Democratas o culpam pela derrota dela. Republicanos o consideram um herói. Pensava-se que essa seria a última vez que seria visto em cena. Corta para a 3ª temporada, quando, meses após Trump assumir, é demitido pelo novo presidente. Em uma típica cena de ficção, ele sabe de sua demissão enquanto assiste a notícias na TV em uma viagem para Los Angeles. A essa altura, liderava uma investigação sobre as possíveis ligações entra a campanha de Trump e a Rússia. Foi por isso que ele foi parar na rua? Seu testemunho no Senado foi uma das cenas mais tensas desse drama até agora. Sob juramento, ele disse a políticos que foi pedido que ele jurasse lealdade ao presidente, mas ele se recusou. Também afirmou que teria ouvido de Trump para "deixar de lado" a investigação sobre Flynn. Um personagem em alta - só não se sabe quando fará sua próxima participação. Quem é? O homem que pode decidir o futuro da Presidência de Trump. A trama Alguns personagens têm muito poder, mas não têm um papel de destaque, como é o caso de Mueller, nomeado "conselheiro especial" para assumir a investigação sobre a Rússia após a demissão de Comey. Ambos são ex-chefes do FBI, o que gerou acusações de que não seriam imparciais. Há relatos de que o presidente já cogitou demiti-lo, mas ele ainda está no cargo. Com uma equipe de mais de 15 advogados e três dezenas de funcionários, trabalha discretamente nos bastidores coletando evidências. Acusações já foram feitas, e prisões ocorrerão em breve. A investigação conduzida por ele corre em paralelo a outras semelhantes feitas por congressistas, mas ele é o único que pode acusar criminalmente uma pessoa e deverá ter um papel muito importante da 4ª temporada em diante. Texto de Rajini Vaidyanathan e Roland Hughes; ilustrações por Gerry Fletcher
'Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento', diz ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa sobre comoção com incêndio
O produtor cultural e bacharel em Direito Antonio Carlos Sartini reviveu os momentos mais tristes de sua vida quando viu as chamas que consumiam o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Em 21 de dezembro de 2015, ele era diretor do Museu da Língua Portuguesa, instituição cultural do bairro da Luz, em São Paulo, que também sofreu um incêndio de grandes proporções - o museu ainda não foi reaberto ao público.
Museu fluminense tinha acervo composto de peças únicas, que jamais serão repostas Há uma diferença fundamental: ao contrário do museu fluminense, cujo gigantesco acervo era composto de peças únicas e que jamais serão repostas, a instituição paulistana, pela própria natureza, continha um material que pode ser reproduzido. O Museu da Língua Portuguesa, afinal, fora criado com essa premissa: seu acervo é a própria língua portuguesa, imaterial, e o material expositivo sempre foi baseado em reproduções, muitas vezes multimídia. Sartini, na qualidade de ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa, conversou com a reportagem da BBC News Brasil a respeito da tragédia que destruiu o Museu Nacional. BBC News Brasil - O senhor viveu situação semelhante há três anos. O que passa na cabeça de um diretor de museu quando o prédio está em chamas? Antonio Carlos Sartini - Passam tantas coisas na cabeça de um brasileiro que preza pela cultura e pela sua história, tantos pensamentos. Primeiro, uma tristeza muito grande, que beira quase uma raiva: a de perdermos um acervo tão importante. Em seguida, vem a reflexão: este acervo, do Museu Nacional, era ligado a uma universidade federal. É isso que vem sendo feito com nossas universidades federais? BBC News Brasil - Como o senhor compara o ocorrido agora com o que aconteceu no Museu da Língua Portuguesa? Sartini - É importante lembrar que eu era diretor-técnico do Museu da Língua Portuguesa. Havia uma equipe específica no museu para a infraestrutura e salvaguarda. BBC News Brasil - Mas, como diretor, o que o senhor pensou na época? Sartini - Não existem palavras que possam definir ou que possam realmente espalhar o que sente um diretor de uma instituição museológica, o que pensa um diretor de museu, quando vê sua instituição sendo consumida pelas chamas. Imagino a situação do Museu Nacional. Em nosso acervo, no Museu da Língua, o conteúdo não era material, pois tudo estava preservado em registro de áudio e vídeo. Tivemos uma perda humana, um bombeiro civil que trabalhava conosco. Mas eu imagino a situação do diretor do Museu Nacional. Deu sua vida, lutou, batalhou pela preservação, da melhor maneira possível de itens importantíssimos do acervo - e todos esses itens acabaram consumidos em questão de minutos, horas. Por um incêndio. Uma sensação que eu acho absolutamente inexplicável. 'Uma sensação que eu acho absolutamente inexplicável', diz ex-diretor de museu sobre incêndio BBC News Brasil - O Brasil vive um momento de crise econômica e política. Como imaginar investimentos em cultura em um cenário como o atual? Sartini - Todos sabemos que o País vive uma crise sem precedentes. Ontem mesmo vi publicado nas redes sociais um quadro com os investimentos feitos no Museu Nacional, com recursos dos últimos anos. Não sei se os dados eram verdadeiros ou não. Mas só de olharmos aquele quadro já conseguimos ter um bom entendimento do que acontece, da falta de recursos financeiros. BBC News Brasil - E tudo isso ainda considerando um prédio histórico... Sartini - Um prédio antigo, com falta de investimentos. Em edifícios históricos, investimentos precisam sempre ser feitos e refeitos. Há toda uma questão de equipamentos, de segurança contra incêndios, de capacitação de funcionários que trabalham em prevenção e manutenção de equipamentos. O Brasil é um país que prefere investir milhões em novos museus em vez de olhar para os que já existem. BBC News Brasil - O sentimento é que não se olha para o que já existe? Sartini - No próprio Rio de Janeiro há bons exemplos de instituições que foram recém-inauguradas, com arquiteturas fantásticas, arquitetos estrangeiros. Verdadeiras obras-primas. Ao mesmo tempo, se esquece daqueles museus que fazem parte da nossa história, que fazem parte do nosso dia a dia, que abrigam nossa memória. Essa é uma grande falha dos administradores culturais, dos nomes responsáveis pela cultura no Brasil inteiro. Todos procurando novidades. Museus e equipamentos culturais novos aparecendo em todos os lugares, cheios de tecnologias, enquanto aqueles mais antigos, que abrigam a nossa história, estão esquecidos, no anonimato. Isto é muito grave. Acredito que estamos em um belo momento para se pensar em uma mudança de políticas públicas e culturais. BBC News Brasil - O sentimento é de tristeza, impotência? Sartini - É uma tristeza muito grande estarmos perdendo, dia a dia, nossa memória, nosso rico patrimônio. E pensarmos que este acervo estava sob a guarda de uma universidade federal e de uma universidade do Rio de Janeiro. Precisamos repensar as políticas públicas de educação, construídas ao longo de décadas neste país. Vimos a criação de uma série de universidades federais novas e importantes, mas o esquecimento total, a penúria, daquelas que já existiam. Ao mesmo tempo, uma série de museus novos, de encher os olhos, que atraem turistas e permitem aos patrocinadores a exposição da marca, que acabam viabilizando negócios aos milhões. Mas que acabam desviando recursos de instituições tradicionais, que merecem e precisam da nossa atenção. Foi um pouco da História do Brasil que se consumiu naquelas chamas. 'Em tragédias sempre vemos uma grande comoção, atualmente nas redes sociais, muitas manifestações e isto é importante. Muita indignaçãoo. Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento' BBC News Brasil - Acredita que esta comoção pode trazer algum resultado? Sartini - Em tragédias sempre vemos uma grande comoção, atualmente nas redes sociais, muitas manifestações e isto é importante. Muita indignação. Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento. É preciso uma postura mais firme, cobrando dos governos federal, estadual e municipal. Estamos em período eleitoral. E chegou a hora de falarmos um 'basta' para os políticos que vierem com projetos de novas obras, novas instituições. Não queremos mais. Queremos que eles olhem pelo que já existe e que não está sendo cuidado. Queremos que os recursos sejam utilizados para recuperar patrimônios como o Museu Nacional. Chegou o momento de mudar a política pública e o comportamento das pessoas, principalmente daqueles que têm a responsabilidade da cultura neste País. BBC News Brasil - De modo prático: o que fazer para evitar tragédias como a do Museu Nacional ou mesmo do Museu da Língua? Sartini - Sem dúvida nenhuma, investimento. E investimento adequado. Digo, capacitação de mão de obra, em todos os níveis. E acho que esta mudança de postura tanto por parte daqueles que fazem nossas políticas públicas como da parte das pessoas que atuam na área pública. É preciso um 'chega'. Não precisamos de mais teatros, mais museus, mais lindas e mirabolantes bibliotecas. É o momento de pararmos. Diante de uma crise profunda que o país vive e continuará vivendo nos próximos anos, é hora de fazermos uma análise de como estão os equipamentos culturais. BBC News Brasil - Não precisamos de novidades, é isso? Sartini - É esta a questão: precisamos de novidade ou é melhor cuidar daquilo que nós temos, olhar com uma lupa como estão nossas instituições culturais, nossos acervos, nossa história, nossa memória? Vamos parar de ser um país de novidades e pensar um pouco a nossa História. Mais do que nunca é isto que é extremamente importante.
5 boas notícias da ciência desde o início da pandemia de coronavírus - e que não têm a ver com a covid-19
Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, o mundo está quase inteiramente voltado para essa tragédia global que já causou, até esta quarta-feira (15/04), mais de 120 mil mortes.
Mas isso não significa que o planeta parou, em especial, o mundo da ciência, que segue fazendo descobertas importantes em outras áreas. Reunimos a seguir cinco descobertas fascinantes, das quais você talvez não tenha ouvido falar, mas que representam avanços importantes em diferentes campos do conhecimento científico desde dezembro. 1. A prova da existência de uma partícula que pode revolucionar a computação Lembra-se do Grande Colisor de Hádrons, construído em Genebra, na Suíça? Agora imagine algo assim, mas do tamanho do diâmetro de um cabelo humano, projetado por um grupo de pesquisadores para fazer um experimento único, reportado pela revista Science. "Nosso estudo prova pela primeira vez a existência de partículas chamadas anyons", diz um dos autores do estudo, o físico Manohar Kumar. Fim do Talvez também te interesse Por meio de uma experimento único, cientistas comprovaram a existência de partículas conhecidas como anyons Anyons são um tipo de quasipartículas, que são partículas capazes de viajar em estado sólido cercadas por outras partículas que se arrastam à medida que se movem. No nosso "mundo comum" em 3D, explica Kumar, há dois tipos de partículas: férmions e bósons. Mas os anyons pertencem ao mundo da física 2D, ou seja, seus ambientes são sistemas bidimensionais. "Existem fenômenos onde as condições físicas literalmente fazem tudo acontecer em 2D. Os físicos costumam dizer que uma das dimensões congela. Assim, embora nosso espaço diário seja 3D, a física de certos fenômenos é realmente restrita ao universo 2D ", explica o blog científico Quantum Tales. Na Finlândia, a Universidade de Aalto, na qual Kumar trabalha, destacou o trabalho dos cientistas por ser "o primeiro a medir diretamente as propriedades quânticas de anyons, que são consideradas partículas exóticas. 'Trabalhamos duro nos últimos anos para fazer esse experimento', diz o físico Manohar Kumar Elaborados teoricamente em 1977, "os anyons foram alvos de experimentos, mas a verdadeira natureza quântica dessas partículas era desconhcida até agora", diz a instituição. Gwendal Féve, líder do grupo de pesquisadores (do Laboratório de Física da Escola Normal Superior de París), diz que "a prova definitiva da existência dos anyons é demonstrar que se comportam como algo que está no meio do caminho entre um férmion e um bóson, e é isso que conseguimos mostrar pla primeira vez com esse experimento". Os estudos sobre essas partículas são um avanço importante para a física e para o desenvolvimento de tecnologias futuras, como a computação quântica, que promete revolucionar computadores usando a mecânica quântica para resolver problemas milhões de vezes mais rápido do que as máquinas atuais. 2. Uma vacina contra uma doença que mata dezenas de milhares todos os anos Em 28 de fevereiro, a Universidade de Navarra, na Espanha, anunciou que um de seus pesquisadores havia desenvolvido uma vacina contra shigelose ou disenteria bacteriana, uma infecção que causa diarreia, dor de estômago e febre e, nos casos mais graves, leva à morte. Em lugares onde o acesso à água limpa é limitado, a disenteria bacteriana é um problema sério, especialmente para crianças De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), há entre 80 e 165 milhões de casos em todo o mundo a cada ano e 600 mil óbitos. "Shigelose é um problema global de saúde pública para o qual uma vacina ainda não está disponível, apesar do fato de a Organização Mundial de Saúde considerar uma prioridade", disse Carlos Gamazo, diretor do Departamento de Microbiologia da Universidade de Navarra. A doença, transmitida principalmente pelo consumo de água e alimentos contaminados, afeta drasticamente as crianças em países em desenvolvimento. "O maior benefício seria alcançado com a introdução de uma vacina de baixo custo que requer apenas uma dose única. O grupo de Yadira Pastor (cientista que liderou a investigação) trabalha para obter essa vacina de administração única e 'sem agulhas', com os níveis esperados de proteção ", afirma Gamazo. A bioquímica Yadira Pastor está desenvolvendo uma vacina para ajudar a combater a shigelose Segundo Pastor, o projeto foi testado em camundongos "para verificar a eficácia e a toxicidade deste produto, com resultados muito promissores". Além disso, "diferentes vias de administração foram estudadas para substituir a via parenteral (intravenal)", explica a bioquímica. O objetivo é facilitar a vacinação em massa e reduzir o uso de resíduos biológicos. Para isso, a pesquisadora criou géis imunoestimulantes para administração via nariz ou microadesivos, para a via intradérmica. "Ambas as vias tiveram resultados muito promissores em camundongos que, após serem vacinados pelas duas vias, ficaram protegidos contra a infecção pela bactéria shigella", diz Pastor. Para tornar essa vacina uma realidade, será preciso confirmar sua eficácia em outros animais e só então será possível partir para testes de que ela é segura e funciona em humanos, explicou a pesquisadora. Pastor criou micro-adesivos para aplicar a vacina 3. A vida selvagem prospera na zona do acidentes nuclear de Fukushima Em 11 de março de 2011, um violento tsunami sacudiu a costa leste do Japão e causou danos à usina nuclear de Fukushima. Grandes quantidades de material radioativo foram liberadas no meio ambiente e causaram o pior acidente nuclear desde o desastre de Chernobyl, em 1986. Mais de 100 mil pessoas foram evacuadas. Uma raposa vermelha olha para uma das 106 câmeras que foram colocadas para estudar uma grande área Em janeiro, a revista especializada Frontiers in Ecology and Environment publicou um estudo mostrando como, apesar da contaminação radioativa, a vida selvagem voltou a prosperar nessa área. Os cientistas descobriram populações abundantes de animais nas áreas que foram atingidas. Um dos líderes da pesquisa, o biólogo James Beasley, explica que o estudo, realizado entre 2016 e 2017, coletou, com câmeras colocadas em 106 lugares, mais de 267 mil imagens de 20 espécies de animais selvagens. Esta é, diz Beasley, "a primeira avaliação em larga escala das comunidades de mamíferos em Fukushima" e o primeiro estudo das populações de vida silvestre na área levando em consideração a situação peculiar da baixa presença humana. Dois macacos em uma área de Fukushima que foi atingida pelo acidente nuclear e permanece desabitada Ele afirma que Chernobyl e Fukushima foram enormes tragédias para a humanidade, que, agora, 'representam importantes laboratórios em que estudos podem ser realizados para entender os efeitos da exposição crônica à radiação em plantas e animais". O especialista acredita que "o fato de a vida selvagem estar se saindo bem nos territórios evacuados em torno de Chernobyl e Fukushima é um testemunho da resistência da vida selvagem quando não há pressão humana direta, como a perda e fragmentação de seu habitat". Ação humana pode ser pior do que radiação para a vida selvagem, diz pesquisador E é um sinal de que as zonas de exclusão podem abrigar "populações abundantes e autossuficientes" de várias espécies. "Mas é importante observar que isso não sugere que a radiação seja boa para a vida selvagem, sabemos que altos níveis de exposição aguda à radiação podem causar danos genéticos", diz o cientista. "Mas ela mostra que os efeitos das atividades humanas cotidianas são piores para muitas espécies da vida selvagem do que quaisquer efeitos potenciais da radiação." Beasley indica que ainda há muito a ser conhecido sobre o impacto dos acidentes nucleares de Chernobyl e Fukushima nos animais, incluindo por meio de análises individuais. Este serau japonês é uma das 20 espécies que Beasley e sua equipe conseguiram detectar na área E ele destaca que, "embora a vida selvagem pareça se beneficiar da criação dessas novas áreas, muita gente foi afetada" pelos dois desastres. Apesar disso, ele se sente um pouco otimista em relação a um desafio global: "Ainda há tempo para conservar muitos animais ameaçados e em perigo de extinção em todo o mundo, desde que possamos lhes proporcionar um habitat suficiente". 4. Os segredos genéticos da massa cinzenta Em março, a Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, anunciou que "havia sido produzido o primeiro mapa genético do córtex cerebral, no qual foram identificadas mais de 300 variantes genéticas que influenciam a estrutura cortical" e, em alguns casos, distúrbios psiquiátricos e neurológicos. Mais de 360 cientistas de vários países contribuíram para o estudo de 'uma parte muito importante do cérebro' O córtex é a camada de massa cinzenta que recobre o cérebro; é essencial para o pensamento, processamento de informações, memória e atenção. Um dos coautores da pesquisa, Jason Stein, professor do Departamento de Genética e Neurociência, explica que o estudo identificou como as diferenças genéticas das pessoas afetam a estrutura de seus cérebros. "Focamos especificamente no córtex, que, em comparação com o de outros primatas, se expande acentuadamente nos seres humanos. Acredita-se que esse prolongamento leve a um melhor desenvolvimento cognitivo e comportamento social. Portanto, é uma parte muito importante do cérebro", diz Stein. Para analisar a estrutura do cérebro, os pesquisadores estudaram exames de ressonância magnética do cérebro de 50 mil pessoas e se concentraram no tamanho e espessura da superfície. Além disso, recolheram amostras de DNA dos participantes para entender suas diferenças genéticas.. "Identificamos centenas de lugares em que variações do genoma têm impacto na estrutura cortical, no tamanho e na espessura do córtex. Curiosamente, essas diferenças foram encontradas em locais do genoma ativos durante o desenvolvimento inicial do cérebro, antes do nascimento, em um tipo de célula chamada célula progenitora neural", afirma Stein. "Essas células produzem quase todos os neurônios do córtex, mas só estão presentes antes do nascimento. Isso significa que as variantes genéticas influenciam as células progenitoras antes do nascimento para causar alterações no número de células produzidas e no tamanho do cérebro após o nascimento. Isso é realmente interessante, porque significa que a genética pode mudar nossa estrutura cerebral adulta." Essas descobertas são importantes porque podem ser usadas em diferentes campos da neurociência e ajudar a determinar, por exemplo, quais variantes genéticas afetam a estrutura do cérebro e a tornam mais suscetível ao desenvolvimento de certos tipos de distúrbios, como esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão. A pesquisa foi realizada graças ao trabalho de mais de 360 ​​cientistas de vários centros em todo o mundo. Stein esclarece que não é a primeira vez que se busca identificar variantes genéticas que afetam a estrutura do cérebro. Mas "é a maior e mais abrangente análise do impacto das variantes genéticas na estrutura cortical produzida até hoje". 5. Como o sistema nervoso detecta salmonellas e nos defende Em dezembro, a Faculdade de Medicina da Universidade Harvard informou que um estudo em ratos mostrou como o sistema nervoso não apenas detecta salmonella, mas "defendeu ativamente o corpo" contra a ameaça. Geralmente, a salmonela é encontrada no intestino de animais e pessoas e é liberada pelas fezes Segundo a instituição americana, a pesquisa, publicada na revista especializada Cell, descobriu que os nervos no intestino dos ratos percebiam a presença da bactéria - a principal causa de intoxicação alimentar no mundo - e formavam "duas linhas de defesa". "Nossos resultados mostram que o sistema nervoso não é apenas um sistema simples de detecção e alerta. Descobrimos que as células nervosas no intestino vão além. Elas regulam a imunidade intestinal, mantêm a homeostase intestinal e fornecem proteção ativa contra infecções", disse o líder do estudo, Isaac Chiu. O trabalho aponta que o intestino delgado possui neurônios sensíveis à dor, que também estão localizados sob células chamadas placas de Peyer. Os experimentos revelaram que esses neurônios são ativados na presença de salmonella, que, segundo os pesquisadores, é a causa de 25% das doenças bacterianas diarreicas no mundo. A infecção geralmente ocorre quando você come comida ou água contaminada com a bactéria. "Uma vez ativados, os nervos usam duas táticas defensivas para impedir que as bactérias infectem o intestino e se espalhem pelo resto do corpo", diz a universidade. A primeira tática é regular os acessos celulares através dos quais os micro-organismos entram e saem do intestino. E a segunda é aumentar o número de micróbios intestinais protetores, que fazem parte do microbioma do intestino delgado. "Está ficando cada vez mais claro que o sistema nervoso interage diretamente com organismos infecciosos de diferentes maneiras para influenciar a imunidade", disse o professor de imunologia, no artigo da Universidade Harvard. Segundo uma das autoras do estudo, Nicole Lai, os resultados demonstram uma comunicação importante entre o sistema nervoso e o sistema imunológico: "É claramente uma via de mão dupla com os dois sistemas enviando mensagens e influenciando-se mutuamente para regular as respostas de proteção durante a infecção". E a razão é que o intestino geralmente é chamado de segundo cérebro. De fato, possui mais neurônios do que a coluna vertebral e age independentemente do sistema nervoso central. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? 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Economista do BID defende salários flexíveis
Carmen Pages-Serra, pesquisadora sênior do Departamento de Pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), defende maior flexibilidade dos salários no Brasil. Segundo ela, uma legislação trabalhista muito restritiva impede a redução dos salários quando a economia não cresce rapidamente, como é o caso brasileiro, e o ajuste do mercado de trabalho fica mais complicado, com aumento do desemprego.
A seguir, a entrevista que Carmen Pages-Serra deu à BBC Brasil: BBC Brasil - Qual a influência do governo na criação de empregos? Carmen Pages-Serra - De modo geral, os empregos são criados por empresas. O que o governo pode fazer é estimular as empresas a contratarem, e isso significa várias coisas: promover um bom ambiente econômico, no qual as empresas produzam, vendam e, portanto, precisem de empregados, e estabelecer condições que sejam atraentes para as empresas e boas para os empregados.Há um espaço pequeno para que os governos criem empregos diretamente, porque isso é normalmente chamado de empreguismo. BBC Brasil - O que um país como o Brasil deveria fazer para reduzir o emprego? Pages-Serra - Para reduzir o desemprego, a economia precisa crescer rápido. Se isso não acontece, os salários têm que ser adaptados para que todos possam ter um emprego. É preciso ver se os salários são flexíveis o suficiente para que todo mundo que quer trabalhar consiga um emprego. Isso às vezes significa reduzir salários. É difícil, mas pode ser necessário para que todos tenham emprego.Os sindicatos tendem a negociar salários para quem está trabalhando e isso deixa os desempregados sem ninguém que brigue por eles. Quanto mais insensível os sindicatos forem em relação aos desempregados, o desemprego persiste por mais tempo.Se a legislação impede a redução de salários, fica mais difícil o ajuste.Muitas vezes quem faz o ajuste são os trabalhadores informais, os que têm menos poder de negociação ou foram contratados há pouco tempo.No passado, no Brasil e em outros países da América Latina, a inflação fez este papel de ajustar os salários. No Brasil, a legislação é muito restritiva. Uma legislação muito protetora pode ter um efeito inverso. BBC Brasil - O desemprego nunca foi tão alto na América Latina. Por quê? Pages-Serra - Primeiro, a região foi submetida a um severo choque, com forte queda na atividade econômica. Isso aconteceu quando esses países estavam tentando controlar a inflação.O desemprego já é um reflexo de que a economia ficou mais pobre. É uma questão de escolha: se o ajuste é concentrado em poucas pessoas, que vão de um salário bom para zero, ou se o peso do ajuste é distribuído mais igualmente para todos.Na Europa, por exemplo, se há um choque, há pouco ajuste nos salários, o mercado se move bem devagar, é bastante regulado. Mas o Estado tem muitas reservas e paga salário-desemprego.Já nos Estados Unidos, se há uma recessão, o seguro-desemprego é muito baixo, os sindicatos têm pouco poder, o mercado é muito flexível e a recuperação é rápida.Na América Latina, o mercado é extremamente regulado, os governos têm menos dinheiro, e no caso de uma recessão a economia não se ajusta. Quando a economia reage, algumas dessas pessoas talvez voltem ao mercado, mas alguns se tornam pobres permanentemente. Então, qual sistema seria melhor para a América Latina? O europeu ou o americano? Cada país tem que analisar e ver o que seria melhor. Leia no Dossiê Desemprego:
Médico descreve "tortura sofrida em prisão na Líbia"
O médico Ashraf Alhajouj, um dos integrantes da equipe médica estrangeira que ficou oito anos presa na Líbia sob a acusação de ter infectado crianças com o vírus HIV, disse que foi torturado na prisão.
Em entrevista a uma emissora de TV holandesa nesta sexta-feira, Alhajouj disse que foi atacado por cães policiais e recebeu choques elétricos nos genitais. Alhajouj afirmou que, antes de ser libertado pela Líbia, na última terça-feira, ele e as outras cinco enfermeiras búlgaras presas foram obrigados a assinar um documento dizendo que haviam sido bem tratados. O médico (que é palestino mas obteve cidadania búlgara no mês passado) e as cinco enfermeiras foram presos em 1999 sob a acusação de infectar com o vírus HIV 438 crianças em um hospital na cidade líbia de Benghazi. Em 2004, os seis foram condenados à morte. Na semana passada, essa pena foi transformada em prisão perpétua, e na nesta terça-feira, depois de anos de negociações, os seis prisioneiros foram libertados pela Líbia e enviados à Bulgária, onde receberam perdão pelo crime. O médico e as enfermeiras sempre haviam negado as acusações contra eles e dito que confessaram o crime sob tortura.
Hipnose no Enem: youtuber garante que técnica psíquica pode dobrar desempenho na prova
Em uma sala, com dezenas de desconhecidos, o estudante coloca à prova - em poucas horas - anos de estudo e dedicação. É o que acontecerá no próximo domingo com mais de 5 milhões de brasileiros, que deverão fazer o primeiro dia de provas do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, usado como processo seletivo para dezenas de universidades públicas e privadas.
Youtuber diz que hipnose pode dobrar desempenho de candidatos em provas como o Enem | Foto: Divulgação Além da dificuldade da prova, muitos estudantes enfrentam a tensão e a dificuldade de controlar seus nervos durante o teste. Mas, para alguns, a solução para o mal-estar e a chance de turbinar o desempenho podem estar, literalmente, num estalar de dedos. É isso o que promete Pyong Lee, youtuber brasileiro que faz sucesso nas redes sociais com técnicas de hipnose. Em vídeos em seu canal, assinado por 5,1 milhões de seguidores, ele garante que o estudante pode fazer sumir todos ao seu redor, silenciar o ambiente e, assim, se concentrar de forma plena em seu teste. Para provar que a solução funciona, Lee já hipnotizou famosos como o cantor Mr. Catra e o apresentador Celso Portiolli. Ele diz que as sessões são capazes de acalmar, reduzir a ansiedade e aumentar significativamente a concentração dos candidatos a ponto de dobrar a quantidade de acertos em exames. O youtuber diz que há diversas técnicas de hipnose. "O terapeuta vai induzir a pessoa ao estado de relaxamento durante as sessões - o que a gente chama de transe hipnótico. Isso o faz transitar entre diferentes estados emocionais e de relaxamento. Nesse momento, ele ativa o gatilho - o disparador desse transe - e, a partir disso, o paciente poderá ativar o transe em qualquer lugar", diz Pyong Lee. "E não precisa ser num ambiente silencioso. Pode ser até numa balada, ainda assim a pessoa ficará concentrada." Uma das técnicas permite que o paciente em transe se visualize no momento da prova, como se ele tivesse na sala de testes semanas antes de visitá-la. A intenção é fazer com que na hora do exame a pessoa se sinta familiarizada com o ambiente e fique mais calma. A mesma estratégia é usada para quem tem medo de avião ou sofre de fobias sociais, como temor de apresentações em público. Lee diz que uma simples sessão de hipnose pode permitir que o estudante ative o gatilho. Psiquiatra ensina técnica para se preparar no dia da prova | Foto: Divulgação Outros usos Especialistas ouvidos pela BBC Brasil afirmam que a hipnose também é usada por pessoas que querem sentir menos dor no parto ou parar de fumar. Segundo o psiquiatra Thiago Moraes, da Associação Brasileira de Psiquiatria, atletas usam hipnose em momentos de grande concentração e pressão, como antes da cobrança de um pênalti no futebol ou para praticar tiro esportivo. Eles dizem ainda que a hipnose pode ser usada para ajudar a dormir ou para dar uma "injeção mental" de adrenalina. "A pessoa pode ativar um gatilho para que ela se sinta como se tivesse tomado um energético e fique pilhada. Você consegue acessar praticamente qualquer comando no seu subconsciente com a hipnose. Basta programá-lo para isso", explica Lee. Moraes ensina uma técnica rápida de hipnose para melhorar o desempenho nos vestibulares. "No dia da prova, o candidato deve entrar em um cômodo vazio, com temperatura agradável, luminosidade baixa e fechar os olhos. Ele deve fazer respirações profundas enquanto visualiza todo o ano de estudo. Deve se lembrar dos livros que usou, suas capas e folhas, além dos exercícios que fez e os ambientes onde estudava", indica o psiquiatra. "Isso trará ao estudante uma sensação de conforto. Na hora da prova, ele deve lembrar desse ambiente para retomar durante o teste a sensação de tranquilidade. Isso aumentará a confiança e fará com que o exame pareça simples", diz. Especialistas ouvidos pela BBC Brasil dizem que hipnose ajuda candidato a otimizar o tempo durante a prova e reduzir nervosismo Segundo o psiquiatra, fazer ao menos uma pausa durante a prova, voltar a fechar os olhos e fazer essa mesma respiração profunda ajuda os candidatos a evitar o "branco" na hora do vestibular. "Quando a gente começa a refazer os caminhos do estudo, a gente se lembra de detalhes que foram vistos em aulas e leituras", afirma. Funciona ou não? De acordo com Moraes, há pelo menos 700 estudos científicos que atestam - em algum grau - a eficácia da técnica. Ele diz que exames de ressonância magnética e PET scam feitos com pessoas em transe comprovam sua eficácia. "A hipnose permite que você tenha acesso profundo a algumas áreas do cérebro que controlam as emoções e dores. Isso faz com que a região do córtex cingulado anterior - responsável pelas atividades críticas e autoavaliativas - diminua sua intensidade de ação. Desta forma, o paciente consegue se concentrar em objetivos que exigem grande concentração, como atividades esportivas, entrevistas de emprego, discursos em público e provas", explica. Ele conta que não há nenhuma contraindicação para a prática da hipnose - mas diz que esquizofrênicos e pessoas com deficiência mental não conseguem entrar em transe. Já Daniel Perry, coordenador do Anglo Vestibulares, afirma que em 15 anos nunca recomendou hipnose aos estudantes porque não conhece nenhum caso de sucesso do método. "Não sei de nenhum aluno que foi aprovado em universidades de alto nível que teve um aumento significativo em seu desempenho por causa da hipnose. Pode ser que tenha alguém, mas eu não conheço", diz. As dicas de Perry são convencionais: ele recomenda apenas que o candidato faça exercícios leves na véspera da prova, como caminhadas, tenha uma alimentação saudável e descanse bastante. Ele ainda indica assistir a filmes e se encontrar com familiares e amigos. "A gente trabalha de maneira tradicional. Recomendamos estudo intenso durante todo o ano com horas para descanso e lazer, pois é importante o aluno cuidar da sua saúde física e mental. Mas no dia anterior o melhor é relaxar", afirmou Daniel Perry. Psiquiatra Thiago Moraes, da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que há mais de 700 estudos sobre a eficácia da hipnose | Foto: Ag. Brasil Caso a ansiedade persista, Perry indica que o candidato leia as apostilas e cadernos usados para estudar ao longo do ano. "Mas a gente não recomenda que ele tente responder questões porque ele pode se deparar com alguma que não sabe e isso vai aumentar sua ansiedade ainda mais", afirma. Para Lee, no entanto, a hipnose pode sim melhorar a vida de quem é testado. "O candidato pode ativar esse gatilho pouco antes da prova. Funciona como o botão de uma máquina. Não é mágica nem milagre, mas apenas uma ferramenta da ciência para extrair o máximo que o candidato conseguiu aprender. É claro que se ele não estudar e não tiver o conhecimento, não vai ter o que aplicar", diz. Amigo de Lee, o hipnólogo Rafael Baltresca também tem um canal no YouTube com 435 mil seguidores. Um de seus vídeos mais vistos é de técnicas de hipnose para se concentrar nos estudos. Nos comentários, seus seguidores dizem que fizeram a técnica proposta e deu certo. "Muito obrigada, eu estava precisando me concentrar ainda mais nos estudos. Quando você falou em pensar sobre o futuro, chorei, pois me consegui ver num lugar que eu era incapaz de ver. Me senti orgulhosa por ter conseguido realizar meus sonhos", disse uma delas. Mestre em filosofia do direito e campeão latino americano de memória, o hipnólogo Alberto Dell'Isola tem mais de 130 vídeos no YouTube para ensinar hipnose. Assim como os psiquiatras e outros especialistas na técnica, ele alerta que a técnica só pode se realizar com a anuência de quem será hipnotizado e que não há risco de alguém entrar em um transe tão profundo a ponto de perder completamente o controle de suas ações. Cada pessoa tem um ritmo para acessar o transe. Por isso, algumas sessões podem demorar de 5 a 50 minutos, dependendo do trabalho que o psiquiatra terá para explicar a técnica e convencer a pessoa a ser hipnotizada. "A pessoa sempre está ouvindo tudo e vai filtrar o que ela quer e sai do processo quando quiser. O paciente mantém o crivo de julgamento porque seus princípios fundamentais são mantidos. Se for pedido algo que vá contra o princípio do paciente, como pedir sua senha do banco, ele desperta", diz o psiquiatra Thiago Moraes. O transe, eles explicam, é um estado ampliado de consciência e voltado para a interior do paciente, como se ele fizesse uma viagem para dentro de si.
'Petrobras não é agência de desenvolvimento', diz ministro de Minas e Energia após redução de preços
Diante de uma plateia lotada de empresários e investidores em Londres, o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, afirmou nesta sexta-feira que a decisão da Petrobras de reduzir o preço de gasolina e diesel nas refinarias é uma prova de que a estatal está disposta a seguir a lógica de mercado, baseada em oferta e demanda.
Ministro justificou redução de preços de combustível afirmando que empresa deve seguir lógica de mercado Na declaração do ministro, está embutida uma crítica direta à gestão do PT à frente da estatal. Por mais de uma vez, a Petrobras controlou preços para tentar conter o aumento da inflação. "A Petrobras não é uma agência de desenvolvimento, é uma empresa de petróleo. Deve tomar decisões que façam sentido para ela e seus acionistas", afirmou Coelho Filho, em evento na London Business School, na capital inglesa. A Petrobras anunciou nesta sexta um novo plano para o preço dos combustíveis. A redução do preço cobrado das distribuidoras começa a valer a partir da 0h deste sábado (15). Será de 3,2%, para a gasolina e de 2,7% para o diesel. Para o consumidor, contudo, o tamanho da queda do preço depende do valor a ser repassado aos postos. Estima-se que o combustível fique cerca de R$ 0,05 mais barato na bomba. Popularidade No mesmo evento, em conversa com jornalistas, Moreira Franco, secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, salientou que a medida mostra que a Petrobras "está retomando sua autonomia". "Não é para ser uma medida popular, é uma medida de negócio. Ela (Petrobras) quer vender", afirmou Moreira Franco, após ser questionado se a decisão de reduzir os preços podia ser encarada como iniciativa a melhorar a popularidade do governo. "Antes, (a Petrobras) manipulava os preços. Você tinha uma empresa com ação em bolsa e conselho que praticava política de preços para servir ao governo e por isso chegou onde chegou", afirmou Moreira Franco, citando a prática empregada na gestão petista. Por mais de uma vez a Petrobras congelou o preço do combustível para controlar o aumento da inflação. Tal medida atraia críticas de analistas econômicos, que associavam a iniciativa aos problemas econômicos da estatal. "A Petrobras voltou a ser uma empresa. Não está compromissada com a inflação, (está) compromissada com o resultado dela", salientou Moreira Franco, dizendo que a estatal segue a regra de mercado fundamentada em oferta e demanda. Um dos motivos que levaram a empresa a decidir reduzir os preços, de acordo com a própria Petrobras, foi o aumento recente da importação de combustível por outras empresas. O cálculo do custo do combustível foi alterado para que o preço caísse nas refinarias. Comitiva do governo brasileiro tenta atrair investidores estrangeiros e convencê-los que turbulência no Brasil já passou Tour por investimentos O ministro de Minas e Energia e o secretário-executivo do PPI integram comitiva do governo brasileiro que tenta atrair investidores estrangeiros e convencê-los que o período de turbulência no Brasil já passou. Eles, que já passaram por Portugal, visitarão ainda o Japão. Como parte do otimista discurso oficial, os representantes do Brasil têm prometido que, a partir de agora, o país está empenhado em não gastar mais do que se arrecada e em garantir segurança jurídica mantendo regras de concessões e privatizações. Mesmo com a promessa de que a economia é a grande prioridade desse governo, investidores ainda estão desconfiados. Muitos preferem esperar para verificar, antes de começar a investir, se as promessas - em especial sobre reformas - serão de fato cumpridas.
Em dia de pânico no mercado, Bolsonaro diz nos EUA que é leal 'às políticas econômicas de Paulo Guedes'
Na manhã desta segunda feira (09/03), enquanto o presidente Jair Bolsonaro se reunia com cerca de 350 empresários brasileiros em um hotel em Miami para reafirmar que "somos leais às políticas econômicas do sr. (ministro da Economia) Paulo Guedes", a Bolsa de Valores de São Paulo adotava o mecanismo do 'circuit breaker' — interrupção automática das atividades de compra e venda de ações — após registrar queda de 10% no índice Ibovespa.
Bolsonaro e Trump jantaram no sábado (7/3): presidente americano disse que o país sempre 'ajudaria o Brasil' O mercado financeiro internacional vive um dia de pânico em meio à desaceleração das economias forçada pela epidemia de novo coronavírus e pela disputa entre Arábia Saudita e Rússia sobre o ritmo da produção de barris de petróleo. A bolsa de valores de Nova York também adotou circuit breaker após cair mais de 7%. No Brasil, isso se refletiu em um aumento do dólar comercial para o patamar de R$ 4,80, queda de quase 25% nos valores das ações da Petrobras, e intervenção do Banco Central, com vendas de US$ 3 bilhões em reservas, embora o ministro da Economia tenha dito, em Brasília, que a equipe econômica está "absolutamente tranquila". "Somos leais às políticas econômicas do sr. Paulo Guedes, qualquer um dos nossos ministros estão habilitados para enfrentar quaisquer desafios", disse Bolsonaro nos EUA. Bolsonaro disse ainda que os princípios da economia brasileira são "a confiança acima de tudo, honrar compromissos, buscar retaguarda jurídica e garantias". Fim do Talvez também te interesse Guerra com o Congresso Bolsonaro, que há três dias, em Roraima, chegou a apoiar abertamente as manifestações do dia 15 de março, que têm como alvo o Congresso Nacional, baixou o tom em relação ao Legislativo. "Vencemos o primeiro ano com muito sacrifício. Tivemos apoio do Parlamento na aprovação da reforma previdenciária, a mãe de todas as reformas, outras duas se apresentam pela frente. Conversei ontem rapidamente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e ele falou que apesar de alguns atritos, que são muito normais na política, a Câmara fará sua parte buscando a melhor reforma, a administrativa e a tributária", afirmou Bolsonaro. Após forte retração na semana passada, bolsas iniciaram a semana em queda por causa da queda brusca nos preços no petróleo Em Miami, ao evento organizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), compareceram o senador republicano pela Flórida Rick Scott, o prefeito de Miami, Francis Suarez, o senador brasileiro Nelsinho Trad, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, e os deputados federais Eduardo Bolsonaro e Daniel Freitas, famoso por ter quebrado, durante a campanha eleitoral de 2018, uma placa de homenagem com o nome da vereadora do PSOL Mariele Franco, assassinada no Rio de Janeiro. Sem citar diretamente a Argentina, Bolsonaro disse ainda que "sabemos que não podemos dar trégua para a esquerda. Se não eles voltam, como voltaram em um importante país ao sul do nosso". O presidente voltou a dizer que o Brasil está "no caminho certo". Imediatamente antes de falar, ele foi saudado pelo senador Scott, ex-governador da Flórida. "Eu estou convencido de que a eleição do presidente Bolsonaro vai ser uma mudança radical para os brasileiros, vai significar mais negócios e mais empregos." Sem medidas emergenciais A instabilidade nos mercados levou Rodrigo Maia a postar uma mensagem no Twitter, ainda na noite deste domingo, em que conclamava o Executivo a trabalhar com o Congresso para proteger a economia brasileira da volatilidade nos preços dos combustíveis e nos valores das empresas de capital aberto em bolsa. "O cenário internacional exige seriedade e diálogo das lideranças do país. A situação da economia mundial se deteriora rapidamente. O Brasil não vai escapar de sofrer as consequências dessa piora global. É preciso agir já com medidas emergenciais", escreveu. Questionado sobre se cogitava qualquer medida emergencial para o setor, como o aumento de tributo federal sobre os combustíveis, a Cide, o Ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque foi categório em descartar qualquer ação imediata do governo em relação ao assunto. "No momento não há nenhuma medida emergencial que será adotada pelo Executivo. Como eu falei nós estamos monitorando, acompanhamento e no momento oportuno serão adotadas as medidas e os instrumentos que se fizerem necessários", disse Albuquerque Apenas hoje, em decorrência da desvalorização em 30% do barril de petróleo, as ações da Petrobras caíram mais de 22% e a empresa perdeu R$67 bilhões em valor de mercado. De acordo com Albuquerque, sua pasta trabalha em parceria com o Ministério da Economia na avaliação dos cenários de crise e repassa o resultado dos estudos ao presidente Bolsonaro. "O presidente está acompanhando tudo. Hoje conversei cedo com o presidente, o presidente está muito tranquilo, ele já colocou claramente que não vai haver interferência de preço (dos combustíveis) e ele disse que quem conduz essa questão é a equipe econômica. É dessa forma que vai ser feito. Ele disse por exemplo que a Petrobras tem total liberdade, a Petrobras vai continuar conduzindo a sua política de preços como veio conduzindo até agora. Nada mudou, o momento é de tranquilidade", afirmou Albuquerque. Pouco depois da entrevista do ministro, o próprio presidente Bolsonaro, que tem evitado a imprensa na viagem, reafirmou as palavras do titular de Minas e Energia via Twitter: "- NÃO existe possibilidade do Governo aumentar a CIDE para manter os preços dos combustíveis. O barril do petróleo caiu, em média, 30% (US$ 35 o barril). A Petrobras continuará mantendo sua política de preços sem interferências. A tendência é que os preços caiam nas refinarias." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? 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'Não quero sair do país, quero morar em outro Brasil', diz bilionário dono da Natura e ex-candidato a vice em 2010
Dono da gigante de cosméticos Natura, o bilionário brasileiro Guilherme Peirão Leal já tinha o nome sacramentado no rol dos empresários mais bem sucedidos do país, quando, em 2010, decidiu lançar-se candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva - da qual foi um dos principais patrocinadores, chegando a investir milhões de recursos do próprio bolso.
"Quando vi meu nome nas primeiras páginas dos jornais, com minha reputação ameaçada por inverdades, fiquei profundamente incomodado", disse Guilherme Leal Em entrevista à BBC Brasil, Leal diz não se arrepender da incursão política ("Foi uma experiência positiva"), mas deixa transparecer desconforto quanto a revezes da empreitada. O maior deles aconteceu no ano passado. Ele foi acusado por Léo Pinheiro, dono da empreiteira OAS, de ter pedido contribuição para a campanha de Marina Silva em 2010 via caixa-dois (recursos não contabilizados). Leal nega veementemente as acusações e afirma ter ficado "profundamente incomodado" com a situação. "Quando vi meu nome nas primeiras páginas dos jornais, com minha reputação ameaçada por inverdades, fiquei profundamente incomodado", disse. "A política não é um campo fácil de se navegar", opina. O bilionário dono da Natura diz que não vai mais se candidatar a cargos políticos, porém afirma continuar engajado para mudanças no país. "Continuo muito envolvido com as transformações aqui. Não quero morar em outro lugar, quero morar em outro Brasil. Obviamente, vivemos um momento muito delicado politicamente. Reconheço as dificuldades, mas não vou desistir do Brasil." Confira abaixo os principais trechos da entrevista, realizada durante o primeiro dia do Brazil Forum UK 2017, evento organizado por estudantes e acadêmicos brasileiros no Reino Unido neste sábado. BBC Brasil - O sr. diz que deixou a política por "falta de vocação". Quando o Sr. se deu conta disso? Depois das eleições de 2010? Guilherme Leal - Sim. Percebi que minha contribuição para a mudança do país, com a qual continuo comprometido, pode se dar de melhor maneira fora da política, buscando a conciliação, o desenvolvimento de novas lideranças políticas, um aprofundamento da mudança cultural das empresas, e da própria gestão do terceiro setor. Não me sinto à vontade nos palanques. Foi uma decisão pessoal. BBC Brasil - Essa decisão pessoal foi influenciada por uma desilusão com a política? Leal - Não fiquei desiludido. Mas saí absolutamente convencido de que sem política não se muda o país. BBC Brasil - Como o sr. avalia a experiência? Leal - A política não é um campo fácil de se navegar. Obviamente, sabemos e estamos vivendo nos últimos anos no Brasil a complexidade do nosso sistema político. Considero a experiência muito positiva no sentido de entender melhor o que é esse sistema. Foi um aprendizado importante, pois me deu mecanismos para pensar no desenvolvimento do país. Quero ajudar a transformar o Brasil. Guilherme Leal foi candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva BBC Brasil - Por que o sr. decidiu se envolver com a política? O que motivou sua candidatura? Leal - Estávamos discutindo uma nova agenda. É claro que tivemos avanços muito importantes, como a estabilidade constitucional e monetária. Mas tínhamos um grande desafio sobre qual país queríamos ser. Percebi naquele momento que essa discussão não vinha sendo feita pela "velha política". Não se discutia o que queríamos ser. Então, naquele momento, queria passar duas mensagens básicas. Em primeiro lugar, queria ajudar a trazer para o centro da discussão do país o que Brasil queria ser para frente, festejando, celebrando e buscando preservar os avanços passados, mas definindo sua visão de futuro, o que não estava presente. E, em segundo, mostrar de alguma forma, que a política é uma questão de todos nós. Sem a política, o que sobra? A barbárie, a violência e o privilégio dos mais fortes. Foi uma maneira simbólica de dizer que todos deveríamos nos envolver de alguma forma. BBC Brasil - O sr. se sente menos esperançoso com o futuro do Brasil hoje do que quando se candidatou? Leal - Não. Continuo muito envolvido com as transformações do Brasil. Continuo atuando de diversas formas, seja empresarialmente, seja no terceiro setor. Não quero morar em outro lugar, quero morar em outro Brasil. Para mim, essa frase é perfeita. Define com perfeição meu sentimento. Obviamente, vivemos um momento muito delicado politicamente. Reconheço as dificuldades, mas não abro mão do Brasil. Não vou desistir do Brasil. BBC Brasi - O sr. diz não ter se desiludido com a política. Não ficou nenhum arrependimento? Leal - Sim. Me arrependo de ter falado com Léo Pinheiro (dono da empreiteira OAS) da maneira mais ortodoxa possível (Leal foi acusado por Pinheiro de ter pedido contribuições via caixa-dois para a campanha de Marina Silva em 2010). Não teria o menor sentido colocar recursos como coloquei, pessoais, numa campanha, e me expor a um risco de adotar as práticas que queria abolir. Isso é inconsequente, não tem lógica. Deveria ter evitado esse contato. Pinheiro me foi apresentado por um companheiro de partido, que intermediou nosso encontro. Minha reputação é o capital que construí ao longo da vida. O capital econômico é bobagem. Quando vi meu nome nas primeiras páginas dos jornais, com minha reputação ameaçada por inverdades, fiquei profundamente incomodado. BBC Brasil - O sr. consideraria se candidatar novamente em uma eventual chapa de Marina Silva no ano que vem? Leal - Não. Em hipótese alguma. Já até falei isso com ela. BBC Brasil - O sr. é dono de uma fortuna bilionária. Qual é a sua motivação para continuar a trabalhar? Leal - Acho que a gente busca sentido para a vida. Quero ajudar a construir uma realidade mais justa. Não dá para dormir tranquilo com tantos problemas no Brasil. Sozinho, não vou resolver nada. Mas meu sono é mais tranquilo sabendo que estou tentando fazer a minha parte.
Coronavírus: em dúvida se poderá receber o auxílio de R$ 600? Veja 15 casos
A BBC News Brasil recebeu nos últimos dias muitas perguntas sobre o auxílio emergencial de R$ 600 que o governo pagará por ao menos três meses durante a crise econômica gerada pela pandemia do coronavírus.
Auxílio emergencial de R$ 600 será pago em meio à crise gerada pela pandemia do novo coronavírus *Atualizada às 13h de 7 de abril de 2020 Nesta reportagem, você confere a resposta para algumas dessas consultas: quem sabe não te ajuda a esclarecer uma dúvida sua também? Mas antes de entrar nas perguntas, vamos relembrar os requisitos básicos para acessar o benefício. Terá direito quem for maior de 18 anos, não tiver emprego formal ativo e não receber benefício previdenciário (aposentadoria), assistencial (como o Benefício de Prestação Continuada, o BPC) ou seguro desemprego. Também poderão receber o benefício pessoas cuja renda mensal total da família somar três salários mínimos (R$ 3.135) ou cuja a renda per capita (por membro da família) for de até meio salário mínimo (R$ 522,50). Até duas pessoas por família poderão receber o auxílio, mas uma mãe solteira que sustenta a casa sozinha poderá acumular dois benefícios individualmente. Fim do Talvez também te interesse Além disso, não terá direito quem tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018. Parlamentares querem aprovar uma nova lei que derrube esse último requisito e que permita também a pais solteiros acumular dois benefícios, mas isso ainda está em análise no Congresso. O governo iniciou nesta terça-feira (07/04) o cadastramento de trabalhadores autônomos que não estão no programa Bolsa Família nem no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) e têm direito a receber o auxílio emergencial. Esse grupo que precisa se cadastrar inclui microempreendedores individuais (MEI), pessoas que fazem contribuição individual ao INSS e trabalhadores informais sem qualquer cadastro. O cadastramento está sendo feito pelo site auxilio.caixa.gov.br ou pelo aplicativo de celular Caixa Auxílio Emergencial, disponível para ser baixado gratuitamente tanto no sistema Android quanto no sistema IOS (Apple). Dúvidas podem ser tiradas pelo telefone, discando 111. Aplicativo para inscrição daqueles que não estão no CadÚnico estará disponível para ser baixado no celular ou computador gratuitamente a partir de terça Pessoas que já são beneficiárias do programa Bolsa Família ou já estão no CadÚnico e atendem às regras do auxílio emergencial serão automaticamente habilitadas pela Caixa Econômica Federal a receber benefício e não precisarão se cadastrar. Quem baixar o aplicativo terá que digitar seu CPF e assim será informado se já está cadastrado ou se precisa se registrar. Os grupos receberão os pagamentos em diferentes datas, a partir de quinta-feira (09/04). Cada beneficiáro terá direito a três parcelas de R$ 600 — o governo prevê que duas sejam pagas ainda em abril e a terceira em maio. Confira a seguir 15 perguntas enviadas por seguidores da BBC News Brasil nas nossas redes sociais. 1) Como fica a situação de quem contribuía com INSS, mas parou? Trabalhadores que fazem contribuição individual ao INSS têm direito a requisitar o auxílio emergencial. No entanto, isso não é obrigatório para acessar o benefício. Mesmo tendo parado de contribuir ao INSS, você poderá requisitar o auxílio se não tiver emprego formal e estiver dentro dos requisitos de idade e renda. O mesmo vale para quem estiver atrasado com o pagamento das mensalidades de Microempreendendor Individual (MEI). 2) Só vai ter direito a esse benefício quem trabalha e está em quarentena ou quem está desempregado vai ter direito também? Todas as pessoas sem emprego formal fixo, com mais de 18 anos e que atendam aos critérios de renda têm direito ao benefício, inclusive os desempregados. No entanto, não é possível receber o auxílio se você já estiver no momento recebendo seguro desemprego. 3) Trabalhadores intermitentes que não estão trabalhando terão direito a esse benefício? O trabalhador intermitente que estiver com contrato inativo, ou seja, que não estiver sendo chamado para trabalhar, poderá pedir auxílio emergencial. Nova lei prevê que o benefício do Bolsa Família será automaticamente substituído pelo auxílio emergencial, quando esse valor for mais vantajoso 4) Minha família recebe Bolsa Família. Li na BBC News Brasil que o benefício seria automaticamente transformado nesse auxílio de R$ 600. Mas eu sou informal. Posso mesmo assim pedir o auxílio para mim? Há um limite de dois benefícios de R$ 600 por família. Se uma pessoa na sua casa passar a automaticamente receber o auxílio emergencial no lugar do Bolsa Família, você ainda poderá requerer mais um benefício de R$ 600, caso atenda aos requisitos obrigatórios, como limite de renda familiar e idade mínima de 18 anos. A nova lei prevê que o benefício do Bolsa Família será automaticamente substituído pelo auxílio emergencial, quando esse valor for mais vantajoso. O Bolsa Família voltará a ser pago normalmente quando o auxílio emergencial acabar. 5) Li a reportagem e fiquei intrigado: no meu caso, eu tenho o MEI, mas não tenho a certeza se tenho o CadÚnico. Como o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) da minha cidade está fechado, gostaria de saber se isso atrapalharia eu receber o auxílio. A inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) não é obrigatória para receber o benefício. Se você não estiver no CadÚnico, deverá se registrar por meio do site auxilio.caixa.gov.br ou pelo aplicativo de celular Caixa Auxílio Emergencial, disponível para ser baixado gratuitamente. Se você tiver entrado no CadÚnico até 20 de março e estiver dentro das regras para receber o auxílio, será automaticamente habilitado a receber o pagamento, sem necessidade de se inscrever pelo aplicativo. Quem entrou depois de 20 de março no CadÚnico terá que se registrar pelo aplicativo também. Ou seja, nada adianta tentar se cadastrar agora no Cras. 6) Eu não tenho cadastro no CadDúnico nem no MEI. Eu trabalho com doces e salgados, do modo informal, e tive que parar minhas vendas por conta da pandemia, pois faço entregas em estação de metrô e não posso me expor, pois minha mãe está no grupo de risco. Na questão da renda, eu me enquadro, pois minha mãe trabalha, recebe um salário (mínimo), e somos nós duas em casa. Como eu poderia provar que sou trabalhadora informal e que fui afetada devido à covid-19? Será que eu me encaixo para receber esse auxílio? Se você mora apenas com a sua mãe e ela tem um emprego formal em que recebe um salário mínimo, vocês estão dentro dos limites de renda do programa, já que, para receber os R$ 600, é preciso ter renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo (R$ 522,50) ou a renda familiar mensal total de até três salários mínimos (R$ 3.135). Se você não está no CadÚnico, deverá se registrar por meio do site auxilio.caixa.caixa.gov.br ou pelo aplicativo de celular Caixa Auxílio Emergencial, disponível para ser baixado gratuitamente. O governo disse que a verificação de renda será feita por meio do cruzamento de bancos de dados da Receita Federal, da Secretaria do Trabalho e da Secretaria da Previdência. Ou seja, por meio do CPF da pessoa que está requisitando o auxílio, o governo poderá checar, por exemplo, se ela tem ou não Carteira de Trabalho assinada, se já recebe aposentadoria do INSS e quanto declarou de Imposto de Renda em 2018. Lei diz que não poderão receber o benefício 'todos os agentes públicos, independentemente da relação jurídica, inclusive os ocupantes de cargo ou função temporários' 7) E os estagiários que atuam no serviço público? Também não poderão receber, como os demais funcionários públicos? A lei diz que não poderão receber o benefício "todos os agentes públicos, independentemente da relação jurídica, inclusive os ocupantes de cargo ou função temporários". Embora a lei não fale especificamente da situação dos estagiários, o advogado trabalhista Roberto Parahyba diz que ela parece abarcar esse grupo, já que a restrição se aplica para qualquer tipo de vínculo profissional. Além disso, o auxílio é para pessoas que tiveram perda de renda devido à crise provocada pela pandemia. Se você tem um contrato de estágio remunerado no setor público que continua ativo, é mais provável que não possa receber. O seu estágio, porém, não impede que outras pessoas da sua família requisitem o benefício, caso não tenham emprego formal e estejam dentro dos limites de renda familiar. 8) Estou na fila de análise do INSS aguardando meu benefício por auxílio-doença há meses, será que eu tenho direito a esse auxílio emergencial? A lei que criou o auxílio emergencial estabeleceu condições especiais para quem está na fila do auxílio-doença durante a pandemia do coronavírus. Nesse caso, o INSS está autorizado a antecipar a você por três meses o pagamento de um salário mínimo (R$ 1.045). É exigido, porém, que você apresente um atestado médico, mas o INSS ainda não publicou um ato regulamentando como isso será feito e analisado pelo órgão. Lei que criou o auxílio emergencial estabeleceu condições especiais para quem está na fila do auxílio-doença durante a pandemia do coronavírus 9) Eu tenho o MEI. Quanto tempo de contribuição eu tenho que ter para receber o benefício? Não é exigido tempo mínimo de contribuição. Toda pessoa com MEI pode receber se atender aos requisitos obrigatórios, como idade mínima e limite de renda. 10) Eu tenho uma filha, mas faço parte do cadastro do Bolsa Família da minha mãe. Tenho como receber o auxílio também? Sim, pois até duas pessoas da mesma família podem receber o benefício, caso atendam aos requisitos obrigatórios, como idade mínima e limite de renda. 11) Como fica a mãe solteira que recebe pensão? Estão inclusas mesmo recebendo pensão? Poderá receber se estiver dentro dos limites de renda familiar. Ou seja, se o valor da pensão e eventuais outras fontes de dinheiro da família somarem até três salários mínimos (R$ 3.135) ou a renda per capita (o total dividido por membro da família) for de até meio salário mínimo (R$ 522,50). 12) Se alguém da minha família recebe o BPC, eu posso receber o benefício? A pessoa que recebe o Benefício de Prestação Continuada não pode receber a auxílio emergencial. Mas outra pessoa da família pode, desde que atenda os requisitos obrigatórios, como os limites de renda familiar. 13) Meu marido está desempregado e tem o cartão cidadão. Se ele tiver direito ao auxílio, ele ainda precisa fazer o cadastro ou não? O Cartão Cidadão é emitido pela Caixa Econômica Federal para possibilitar o saque de benefícios sociais. Ter esse cartão não dá direito automático ao benefício. Caso seu marido não esteja inscrito no CadÚnico, ele deverá se cadastrar por meio do site auxilio.caixa.gov.br ou pelo aplicativo de celular Caixa Auxílio Emergencial, disponível para ser baixado gratuitamente. Todo que forem receber o benefício, mas não tenham ainda conta na Caixa ou no Banco do Brasil, receberão gratuitamente uma conta de poupança digital na Caixa. O recurso poderá ser sacado nas agências da Caixa e em casas lotéricas ou ser transferido gratuitamente para uma conta em outro banco. Governo anunciará o calendário de pagamento do auxílio nesta segunda 14) Podia servir para estudante também. Pago minha faculdade, será que tem algum meio? Você poderá solicitar se for maior de 18 anos, não tiver emprego formal e sua família cumprir os requisitos de renda. Mas vale lembrar que o limite é de dois benefícios por família. 15) Me restam algumas dúvidas: o que o governo entende como renda familiar e como vai fiscalizar isso? Como fica a situação dos trabalhadores informais que não declaram renda? A renda familiar que será considerada é a soma dos rendimentos brutos dos familiares que residem em um mesmo domicílio, exceto o dinheiro do Bolsa Família. A renda per capita é a renda total dividida pelo número de membro da família. Eventualmente, podem entrar na conta também outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou que tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar. A renda da família será verificada por meio do CadÚnico para os inscritos no sistema. Os não inscritos farão autodeclaração por meio de um aplicativo. O governo deve explicar nesta terça-feira como será o processo para baixar o aplicativo. O governo ainda não esclareceu como será feita a verificação nos casos de autodeclaração. Reportagem atualizada às 22h23 do dia 6 de abril de 2020. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Sarah Palin ainda faz sucesso... entre os estilistas
Sarah Palin gastou US$ 150 mil em roupas durante a campanha
A estratégia de indicar a governadora Sarah Palin como candidata a vice-presidente na chapa republicana parece ter sido um tiro pela culatra para John McCain. Inicialmente, graças às suas visões conservadoras, a presença de Palin foi vista como um chamariz para a base republicana, mais à direita. Uma gente que sempre encarou McCain com certa desconfiança e que não o queria como candidato do partido. Mas agora já há quem diga que se McCain perder a disputa da Casa Branca, Palin terá contribuído decisivamente para empurrá-lo ladeira abaixo. Uma pesquisa recém-divulgada pelo jornal Washington Post e a rede NBC mostra que mais de 55% dos americanos acreditam que ela não está apta a assumir a presidência americana. A coisa só piorou com a divulgação que ela gastou US$ 150 mil em seu vestuário para a campanha presidencial. Destes, ela teria até torrado US$ 75 mil em um único dia. Uma cifra que talvez nem o elenco completo da série Sex and The City conseguiria gastar em um semestre. Em seu banho de loja, Palin teria adquirido uma jaqueta, desenhada pelo estilista Valentino, pela bagatela de US$ 2.500. A política que tanto condena o elitismo do rival democrata Barack Obama fez boa parte de suas compras na sofisticadíssima Saks Fifth Avenue, loja situada em uma cidade pouco receptiva às ''hockey moms'' como Palin, a ultra-liberal Nova York. A campanha de McCain disse que as roupas serão todas doadas para instituições de caridade após a campanha presidencial. Aqui vai uma sugestão, que tal doar as roupas para o tal de Joe, o Encanador, o americano médio que sonha em adquirir o seu próprio negócio e que se tornou o símbolo da campanha de McCain. Bastaria que Joe depois botasse as roupas à venda no eBay, por um preço um pouco acima do valor de mercado. Assim, quem sabe, ele poderia se aproximar dos mais de US$ 250 mil que precisa para comprar a empresa na qual trabalha. Acho que Joe teria alguma esperança, ainda mais se a governadora do Alasca estivesse navegando pela internet na hora do leilão virtual.
'Essa ideia da sociedade de que ninguém presta é muito perigosa', diz Boris Fausto
Aos 86 anos, o historiador e cientista social, Boris Fausto já viveu - e relatou - diversos momentos políticos do Brasil. Desde a ditadura de Getúlio Vargas nas décadas de 1930 e 1940, passando pelo período militar em 1964, o impeachment de Fernando Collor em 1992 e, mais recentemente, o de Dilma Rousseff em 2016.
Presidente Michel Temer teria dado aval a pagamento para silenciar o ex-deputado Eduardo Cunha segundo delação de dono da JBS divulgada por jornal O Globo No entanto, nenhum deles se compara ao momento que o país está vivendo agora, diz ele - especialmente após as denúncias divulgadas pelo jornal O Globo afirmando que, segundo gravações feitas por dono da JBS, Joesley Batista, o presidente Michel Temer teria dado aval a pagamento para silenciar o ex-deputado Eduardo Cunha, que está preso. O peemedebista nega a acusação. "Nunca antes na história desse país houve uma crise tão grande e tão dramática", descreveu Fausto em entrevista à BBC Brasil. A situação piorou ainda, para ele, com o pronunciamento de Temer negando veementemente tanto as acusações, quanto a possibilidade de renúncia. "Acho que isso, de certo modo, piora porque prolonga essa situação. Mas é de se imaginar que ele queira ganhar tempo pra ver em que pé isso fica. É uma situaão extremamente delicada, está um espetáculo." O historiador não vê uma solução clara para acalmar essa crise que assola o país "há dois, até três anos". No entanto, ele classifica como "perigosa" a tendência de rejeição à política que tem surgido diante de todas as denúncias trazidas à tona pela operação Lava Jato. "O problema da sociedade, é essa ideia de que 'ninguém presta'. Essa ideia é muito perigosa. Ela abre um espaço muito perigoso. As pessoas começam a se perguntar: então quem presta?", indagou. "Nessa hora, os salvadores aparecem no imaginário das pessoas." Autor de "História do Brasil" e ganhador do prêmio Jabuti de 1995, Boris Fausto não consegue ver correlação histórica direta deste momento com qualquer outro pelo qual tenha passado a política brasileira. No entanto, a gravidade da situação, para ele, lembra os anos vividos antes do golpe militar, instituído em 1964. "Essa crise é a mais grave que já vivemos, não vejo nenhuma outra semelhante a ela. Mas uma conjuntura tão grave assim foi a que vivemos nos anos que precederam o golpe militar", pontuou ele. Apesar disso, Fausto reitera que não vê qualquer chances de uma nova ditadura militar ser instaurada neste momento - isso porque o Exército não teria tanta voz hoje, como tinha no passado. No entanto, ele alerta para alguns cenários que poderiam contribuir para o agravamento ainda maior da crise política, que poderia aí abrir uma possibilidade de mudança desse quadro. "Até hoje, as especulações não estão em torno do Exército. Não existe nenhuma conversa entre generais ou qualquer coisa que possa ser indício disso. Mas eu temo que a gente possa chegar a uma situação que mude esse quadro, que empurre militares para intervenção." Perguntado sobre qual seria essa situação, ele afirmou: "Uma situação de caos social, de desentendimento completo, as manifestações de rua escaparem dos limites. E a polarização contribui para isso. Seria muito triste, mas pode ocorrer." Para historiador Boris Fausto, 'situação de caos social, de desentendimento completo' poderia levar à mudança de cenário e 'empurrar militares para intervenção' Falando em polarização, Fausto lembra que, na época que precedeu o golpe militar, a população também estava dividida, e isso favoreceu o fortalecimento do Exército. Ele reforça, no entanto, que aqueles eram tempos em que as Forças Armadas tinham um papel mais decisivo na política - diferentemente de hoje. "A divisão de opiniões, essas posições muito contrastantes e uma alta mobilização social eram o cenário da época. Só que o Exército tinha um papel decisivo, bem diferente de hoje. Na época, isso deu na ditadura. Hoje, a conjuntura é bem diferente por vários fatores, mas a situação é dramática." Solução? Para Boris Fausto, a situação talvez menos dolorosa para acalmar os ânimos no país poderia vir de uma eleição indireta no Congresso, uma das possibilidades listadas na Constituição. Ele acredita que "uma figura em torno da qual houvesse razoável consenso para terminar esse mandato" seria a solução viável nesse momento. "O Congresso poderia eleger alguém em torno do qual houvesse razoável consenso pra terminar esse mandato e que pudesse criar condições para mais entendimento. Mas teria que ser uma pessoa livre de investigações. Não há mais lugares para as pessoas atingidas pela Lava Jato." Com a quantidade de nomes de políticos envolvidos com acusações de corrupção na operação, o historiador acredita que seria mais "fácil" encontrar um nome "da sociedade" ou então alguém vindo do Judiciário. "Seria mais fácil lançar mão de um nome da sociedade. Ou poderia ser alguém do Judiciário que poderia assumir. Mas aí nós temos um precedente não muito animador, lá atrás, em 1945", contou o historiador. "À época, acho que ele era presidente do Supremo, José Linhares. Ele foi guindado ao poder com respeito geral, afinal era o presidente do Supremo, estava acima de qualquer suspeita. Ele fez um governo de poucos meses, mas andou distribuindo cargos, cartórios, e foi uma grande decepção." Perguntado sobre o que poderia acontecer agora, diante da instabilidade política que vive o país, Boris Fausto foi categórico: "Eu que sei?". Mas ele admite que seria "tentador" poder escrever uma nova parte para o seu livro "História do Brasil" apenas com os acontecimentos dos últimos três anos - e já tem até um nome para o capítulo: "Circo de Horrores".
Em dois anos, partidos em formação duplicam no Brasil: 68 legendas buscam assinaturas
Juntos, eles são 68. Já têm nome, sigla e estatuto. Alguns têm até hino. Mas, apesar de tudo isso, ainda são partidos em formação.
Se todos os partidos em formação fossem aprovados, o Brasil teria mais de 100 legendas lançando candidatos e recebendo Fundo Partidário | Foto: Ag. Brasil Para cada um deles ser uma legenda com direito a lançar candidatos e a receber uma fatia do Fundo Partidário, que, no ano passado, atingiu R$ 819 milhões, é preciso apresentar quase meio milhão de assinaturas que devem ser coletadas em pelo menos nove Estados - e de quem não é filiado a nenhuma sigla. Na lista, tem sigla para todo o tipo de causa. Tem o dos Animais, o Militar, o Frente Favela Brasil, o Nacional Indígena, o da Família Brasileira e até o Movimento Cidadão Comum. Seis deles carregam a palavra "cristão" no nome. As possíveis novas legendas defendem causas aleatórias que vão da proteção aos animais e ao meio ambiente a pautas específicas como o direito à segurança e defesa dos interesses de servidores públicos e privados - e também dos pequenos e microempresários. Há ainda releituras de legendas como a Arena e a UDN, que ajudaram a escrever a história política do Brasil, disputas por siglas como a Prona, do ex-deputado Enéas Carneiro (1938-2007), e até movimentos como o Conservador, que há mais de 20 anos tenta, sem sucesso, sair do papel. Dos 68 partidos na fila, apenas dois estão em processo mais adiantado. São eles o Partido da Igualdade (ID), que defende a causa de pessoas com deficiência física, e o Muda Brasil (MB), que tem entre os idealizadores o ex-deputado Waldemar da Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no processo do mensalão. O número de partidos em formação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais do que dobrou em dois anos, como tentativa de driblar a legislação eleitoral, que passou a exigir fidelidade partidária dos eleitos a partir de 2007. Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que deputados federais, estaduais, distritais e vereadores podem perder o mandato caso troquem de partido, a menos que migrem para legendas recém-criadas. Essa regra, contudo, não se aplica a cargos majoritários, ou seja, aos eleitos presidentes da República, governadores, senadores e prefeitos, conforme decisão da corte de 2015. Se conseguirem o registro, as novas legendas dividirão com as 35 já existentes o auxílio financeiro distribuído pelo TSE, que vem do orçamento federal, de multas e doações. Poderiam ainda abrigar deputados federais e vereadores já eleitos em seus quadros, que, ao trocarem de legenda, levariam com eles o tempo de TV no horário eleitoral gratuito proporcional aos votos recebidos por esses parlamentares. Reforma política As futuras novas legendas, contudo, podem ser as mais afetadas pelas mudanças nas regras eleitorais que estão sendo discutidas no Congresso. Debatida de forma fatiada, a atual reforma política ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado até o 7 de outubro para valer nas eleições de 2018. Mas a Câmara já aprovou o fim das coligações partidárias a partir das eleições municipais de 2020 e novas regras para distribuir o fundo partidário. Os deputados ainda precisam votar destaques para, em seguida, o Senado analisar as mudanças. O texto-base que passou na Câmara estabelece a chamada cláusula de desempenho nas urnas já partir da eleição de 2018. Pelas novas regras, só terão acesso à assistência financeira e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV os partidos que preencham os seguintes requisitos: obtenham ao menos 1,5% dos votos válidos na eleição para deputados federais, distribuídos por ao menos nove Estados (com mínimo de 1% dos votos em cada um desses Estados); ou elejam ao menos nove parlamentares vindos de pelo menos nove Estados. As barreiras aumentariam progressivamente até 2030, dificultando ainda mais a atuação de partidos novatos ou dos conhecidos como nanicos, título que a maioria das legendas com pouca ou nenhuma representatividade no Congresso rechaçam. Se todos os partidos em formação saíssem do papel e fossem parar nas urnas eletrônicas, seria de mais de cem o número de legendas no Brasil. Aumentaria, assim, a concorrência entre as siglas, muitas delas dependentes do Fundo Partidário, em especial depois que as doações de empresas foram proibidas pelo STF. Ideologia De acordo com o texto aprovado pela Câmara para o fim das coligações, siglas com afinidade ideológica poderão, a partir de 2020, se unir em federações para disputar eleições para deputados federal, estadual e vereadores. Se juntas atingirem as exigências da cláusula de desempenho, mantêm acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Mas, em contrapartida, serão obrigadas a se manter unidas, atuando como um bloco parlamentar durante toda a legislatura. Entre os partidos em formação, nem todos decidiram se seriam progressistas ou conservadores nem têm posições definidas sobre, por exemplo, qual deve ser a participação do Estado na economia. "Obrigatoriamente teremos que nos posicionar em relação a todos os temas, mas isso fica para um momento seguinte, depois que virarmos um partido", diz Alexandre Gorga, presidente do Partido dos Animais. Registrada em cartório no ano passado, a legenda se autointitula o "primeiro movimento político no Brasil visando a ampla defesa dos animais não humanos em todas as suas representações biológicas". Gorga diz que a sigla conta com o apoio de 102 ativistas veganos, integrantes de mais duas dezenas de ONGs e de protetores independentes em 18 Estados. Mas o que os motivou a tentar tirar do papel um partido, em vez de defender a causa por meio de ONGs ou movimentos em defesa dos animais? "Associações já tem muitas. Queremos mudanças que venham debaixo para cima. Estamos cansados de ver os políticos aparecendo de quatro em quatro anos e nenhum deles defendendo realmente a nossa causa", argumenta Gorga, que é funcionário público em Brasília. Já o Partido Pirata do Brasil, ou simplesmente Piratas, quer "hackear" o sistema político por dentro para mostrar as disfuncionalidades do modelo brasileiro e "buscar o empoderamento popular", diz um de seus representantes, Daniel Amorim. A possível sigla surgiu no Brasil enquanto movimento no final de 2007, a partir da rede Internacional de Partidos Piratas, que defendem acesso à informação, compartilhamento do conhecimento e transparência na gestão pública. Questionado sobre se definirem como de direita ou de esquerda, Amorim diz: "Defendemos a democratização da economia e isso dá um bug (um defeito de software) nas pessoas" diz, emendando que no estatuto do Piratas está previsto ainda a liberdade de expressão, a plena autodeterminação individual e o ativismo hacker. Dificuldades Mas Amorim admite que, para um partido de militância como o Piratas, é muito difícil passar por todas as barreiras impostas pela legislação. Como foi registrada em cartório em 2012, a legenda não precisa, por exemplo, recolher assinaturas em até dois anos - regra imposta pela Justiça Eleitoral para os partidos em formação criados a partir de 2015. Ainda assim, o representante afirma que o processo é caro e os entraves burocráticos, muitos. "A lei de partidos é vaga, e às vezes falta um entendimento mais consistente por parte do próprio Tribunal Eleitoral. Tudo fica difícil e caro. Conseguir um CNPJ, abrir conta em banco, publicar o estatuto no Diário Oficial foi complicado para nós", diz. Segundo ele, coletar mais de 460 mil assinaturas, número exigido pelo TSE, é também um desafio para quem não tem dinheiro. Além de informações pessoais, a assinatura precisa estar igual à do título do eleitor do apoiador. Há mais de 30 anos o fotógrafo e arquiteto Elton Moreira tenta tirar do papel o Partido Conservador. Na sua opinião, no passado era ainda mais difícil conseguir cumprir todas as regras - mas convencer um eleitor a apoiar a criação de um partido está cada vez mais complicado. "Muitas pessoas resistem e dizem que não querem apoiar o ladrão do futuro", lamenta Moreira, citando a decepção de muitos eleitores com os partidos e os políticos. Como criar um partido 101 pessoas, em pelo menos 9 Estados, têm que aprovar e assinar um estatuto de criação * Registrar ata de fundação em cartório * Publicar estatuto no "Diário Oficial" * Informar o TSE em até 100 dias * Recolher mais de 490 mil assinaturas em 9 ou mais Estados em até 2 anos A ideia de criar o Conservador, que chegou a ser registrado em cartório em 1995 como PACO, renasceu no ano passado, quando Moreira e seus amigos viram que pautas como Estado mínimo e bandeiras contra o aborto, a legalização de drogas e a união homoafetiva passaram a ganhar mais adeptos. O deputado federal Jair Bolsonaro é o nome que mais combina com as ideias do PACO, afirma ele. O parlamentar, atualmente filiado ao PSC, está sendo cortejado e apoiado por diferentes legendas já criadas e outras em formação. O nome é meu O PEN (Partido Ecológico Nacional) conseguiu seu registro de partido oficial em 2012, mas decidiu mudar de nome para garantir a filiação de Bolsonaro. Adilson Barroso Oliveira, líder da sigla, fez uma consulta virtual para saber se seus apoiadores queriam manter o nome original ou se preferiam Patriota ou Prona. Venceu Patriota, sugestão do próprio Bolsonaro, diz ele. Mas na lista de partidos em formação há uma sigla com nome muito parecido: Patriotas. "O nosso é no singular", assinala Oliveira, que diz ter recebido um telefonema do presidente da possível legenda que leva o nome no plural pedindo para reavaliar o nome. O PEN, contudo, deve levar a ideia adiante e pedir a troca de nome no TSE. "Ter ecológico no nome acaba sendo confundido com radicalismo. Não somos radicais, defendemos o sustentável", justifica Oliveira. Ele espera poder usar o nome Patriota já na próxima eleição, mas isso depende da agilidade do TSE em aprovar o pedido. PEN quer mudar o nome para Patriota para abrigar o deputado federal Jair Bolsonaro (centro) | Foto: Ag. Brasil Outro partido que ainda nem saiu do papel, mas já apoia Bolsonaro é o Partido Militar, cujo principal mentor é o deputado federal José Augusto Rosa, o Capitão Augusto (PR-SP). A sigla em formação também tem uma relação próxima com a palavra "patriota". "Assim como os petistas se chamam de companheiro, nós, no Partido Militar, nos chamamos de patriota", diz o parlamentar. A ideia de criar o Partido Militar, diz Rosa, surgiu em 2010, quando ele se deparou com pesquisas que mostravam que uma grande parcela do eleitorado brasileiro não se identificava com nenhum partido e que um montante expressivo se declarava conservador. Ele admite que foi criticado por colocar a palavra militar no nome do partido, mas diz que não há motivos para se ter qualquer tipo de receio de associação com o regime militar. Além disso, garante, a legenda não é nem será classista, ou seja, não é para membros das Forças Armadas. Mas vai defender a ordem, o progresso e a segurança pública, afirma. Em 2010, para criar a legenda, ele conseguiu fazer um encontro virtual, com autorização da Justiça Eleitoral, que reuniu mais de 18 mil pessoas. Agora, corre contra o tempo para coletar as assinaturas que faltam para o Partido Militar poder disputar a próxima eleição. "Não falta muito", diz, otimista. Brasil tem 35 partidos registrados, 28 deles com representação no Congresso | Foto: Ag. Brasil Segundo ele, ainda há um esforço no Congresso para mudar a legislação em vigor e jogar para março de 2018 o prazo final para filiação partidária. Atualmente, é preciso se filiar um ano antes para disputar um cargo público. Apesar de estar à frende de um partido em formação, o deputado acha que a Justiça Eleitoral precisa conter o aumento das legendas que não têm representatividade. "Ter partido é um grande negócio. Dá poder e dinheiro", diz, referindo-se ao que chama de "legendas de aluguel" por negociarem apoios em período eleitoral. "Não acho que tenham que restringir a criação, mas tem que garantir a representatividade", completa.
Prescrição para matar: como antidepressivos podem ter influenciado massacre em cinema nos EUA
Com seu olhar alucinado, roupa desgrenhada e cabelo mal pintado de laranja, James Holmes aparenta dos pés à cabeça o monstro que executou friamente 12 pessoas e feriu outras dezenas que assistiam a uma sessão da meia-noite do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Depois de parar de tomar antidepresivos, Holmes começou a fazer coisas que nunca havia feito antes, como pintar o cabelo de laranja Holmes cometeu o massacre em 20 de julho de 2012 no condado de Aurora, Colorado, com um arsenal de armas que havia acumulado nas semanas anteriores. Usava um colete à prova de balas e havia planejado tudo nos mais precisos detalhes. Na gravação do interrogatório, na delegacia de polícia do Estado, realizado algumas horas depois de ele cometer uma das piores matanças da história dos Estados Unidos, o único indício de consciência do que havia acabado de fazer foi quando ele perguntou a um dos detetives: "Havia alguma criança entre os feridos?". Na verdade, Veronica Moser-Sullivan, de 6 anos, foi a vítima mais jovem do ataque, morta enquanto assistia ao filme, do lado de sua mãe, no cinema lotado. Os americanos já estão acostumados a massacres como esse. Normalmente, nos dias ou semanas que se seguem, aparece alguma explicação - ato de terrorismo, vingança ou alguma predisposição à violência. É raro que o perpetrador sobreviva. Geralmente eles são mortos ou se matam na cena do crime. Fim do Talvez também te interesse Holmes sobreviveu, e pelo que sabe até agora, parece que a tragédia veio da combinação de um colapso mental com as leis brandas sobre o porte de armas no país. James Holmes não tinha um histórico de violência Como explicar de outra maneira que um jovem tímido, mas inteligente, e sem histórico de violência possa ter cometido tal atrocidade? Holmes não tinha inimigos, nem uma ideologia extremista para motivá-lo. Porém, ele frequentava consultas com uma psiquiatra da sua universidade que havia lhe receitado um remédio contra a depressão. Antes do julgamento, Holmes foi avaliado por uma série de psiquiatras. Nenhum chegou exatamente à mesma conclusão. Houve diagnósticos de esquizofrenia, de transtorno de personalidade esquizoide, de transtorno da personalidade esquizotípica e mesmo de algum transtorno não diagnosticável. Houve quem dissesse que ele seria insano e que não poderia ser responsabilizado por seus atos, ou que ele podia, sim, diferenciar o certo do errado quando cometeu a matança. Quando essas opiniões foram apresentadas a um júri, há dois anos, o veredito foi unânime. Foi considerado culpado de todos os assassinatos e múltiplas tentativas de assassinato e recebeu uma sentença de 12 prisões perpétuas e outros 3.318 anos de prisão que cumpre em confinamento solitário em uma prisão de segurança máxima, cujo nome e local não foram revelados. Caso encerrado? Com a sentença, muitos pensaram que foi feita a justiça sobre o caso Holmes. Mas há um outro ângulo na história: o dos efeitos secundários potencialmente perigosos produzidos pelos antidepressivos. "Essa matança nunca teria acontecido se não fosse pelo medicamento receitado a James Holmes", disse o psicofarmacêutico David Healy, entrevistado no programa investigativo da BBC Panorama. James Holmes cometeu o massacre com um arsenal de armas que havia comprado semanas antes Healy faz campanha para alertar sobre os efeitos secundários dessas drogas. Ele foi contratado como perito, chamado pela defesa de Holmes, e visitou o réu em sua cela antes do julgamento. Ele tentou avaliar se o antidepressivo sertralina (conhecido como Zoloft nos EUA), que tinha sido receitado a Holmes, poderia ter um papel no massacre. O remédio faz parte de uma nova geração de medicamentos chamada Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS). A serotonina é um neurotransmissor que atua no cérebro regulando o humor. Em outros casos descobertos pelo programa Panorama da BBC, esses remédios foram ligados a pessoas que, sem nenhum antecedente de violência ou tendência suicida, causaram danos graves a outros ou contra eles mesmos após entrarem em um estado de agitação mental depois de ingerir ISRS. 'Incrivelmente incomuns' Acredita-se que os ISRS elevam os níveis de serotonina no cérebro. Stephen Buckley, da organização britânica de caridade Mind, diz que milhões de pessoas tomam esses e outros antidepressivos e que os efeitos secundários da medicação podem ser sérios. "Mas é importante reconhecer que os efeitos secundários severos são incrivelmente incomuns", disse. No ataque, conhecido como 'o massacre do Batman', 12 pessoas morreram e várias outras ficaram feridas A professora Wendy Burn, presidente do Royal College of Psychiatrists (Faculdade Real de Psiquiatras), acrescentou: "Em todos os tratamentos, inclusive os psiquiátricos, remédios podem fazer bem mas também mal. A evidência recente de estudos de grande alcance continua mostrando que há mais benefícios que riscos para o uso de antidepressivos". David Healy insiste que os antidepressivos podem salvar algumas pessoas, mas que em outras podem causar mais danos que os problemas que levaram o paciente ao tratamento. Mas o que faz um jovem planejar um massacre durante meses e levá-lo a cabo com tamanha precisão? Poderiam os antidepressivos levá-lo a isso? 'Bom demais' Arlene e Bob Holmes estiveram presentes em todos os dias do julgamento de seu filho mas rejeitaram dar qualquer declaração pública ou entrevista em respeito às vítimas e suas famílias. No entanto, um livro escrito por Arlene chamado When the Focus Shifts: The Prayer Book of Arlene Holmes 2013-2014 ("Quando muda o foco: o livro de orações de Arlene Holmes entre 2013 e 2014", em português), dá uma ideia de seus pensamentos na época anterior ao julgamento, em abril de 2015. Foi uma das piores matanças da história dos Estados Unidos Em um trecho do livro, ela descreve os efeitos de tomar a dose mais baixa de um antidepressivo ISRS em março de 2014: "Engordei, fiquei mais tonta, mais inchada. Sem tanta vontade de chorar, sim. Infelizmente, menos de tudo. O entardecer e a praia não me animam." Arlene Holmes, que é enfermeira, escreveu que havia parado de tomar as pílulas antes do julgamento depois de dizer a seu médico que queria ter a capacidade de sentir as coisas e de chorar caso desejasse. Se ela teve uma experiência ruim com o antidepressivo ISRS, qual seria sua opinião sobre a visão de David Healy sobre o caso de seu filho? Arma utilizada por James Holmes No final de junho, Holmes foi a um campo de treinamento de tiros, onde começou a praticar com as armas que havia comprado O casal aceitou falar com a BBC. Durante a conversa telefônica, ficou claro que os Holmes nunca haviam considerado com seriedade o efeito que os antidepressivos poderiam ter sobre o comportamento de seu filho. Na verdade, eles nem sabiam que Healy era um perito chamado para analisar o caso antes do julgamento. Depois de serem convencidos de que analisar o caso de seu filho poderia ajudar outras pessoas, eles aceitaram conceder uma entrevista para a equipe da BBC. Eles sabem que isso não ajudaria o filho, e que ele nunca vai sair da prisão. Chegando perto da casa deles em um subúrbio de San Diego, me dou conta de como é normal a vizinhança. A casa deles é modesta, como eles. "Somos uma família introvertida", diz Arlene. "Não gostamos de aparecer, mas gostamos de ter gente ao nosso redor. Somos cristãos, vamos à igreja." O casal teve dificuldades para entender como o filho pôde causar tanta dor a outros. "Ele gostava de crianças, de cachorros, fazia os deveres escolares. Nem nos seus mais loucos sonhos você imaginaria que seu filho mataria um estranho", disse Arlene à BBC em sua casa em San Diego (Califórnia). Ela disse que nunca notou sinais de violência e que seu filho não havia mostrado nenhum interesse em consumir álcool ou drogas. "Em retrospectiva, acho que ele era bom demais. Talvez eu deveria ter me preocupado por ele ser bom demais, mas como mãe você pode se preocupar com qualquer coisa". Seu pai, Bob, um especialista em estatísticas aposentado, é um homem de poucas palavras. "Ele nunca havia se interessado por armas e nem sequer era um menino violento, por isso que foi uma surpresa. Foi do nada. Parecia feliz, como qualquer menino crescendo". A mãe de James Holmes (algemado na imagem), lembra dele como uma criança feliz e nada violenta A família mudou para a casa atual quando Holmes tinha 13 anos - e ele teve dificuldades para se adaptar à mudança. Mesmo assim, fez amigos e praticou vários esportes. A primeira lombada no caminho foi quando Holmes tentou entrar em seis prestigiosas universidades para fazer um doutorado em neurociência. Academicamente brilhante, sua timidez nas entrevistas de admissão parecia prejudicá-lo. Foi rejeitado em todas. Sua mãe conta que o jovem passou um tempo ocioso e que dormia muito, até que conseguiu um emprego noturno em uma fábrica de pílulas e tentou outras universidades. Em 2011, começou a estudar neurociência na Universidade de Denver, no Colorado, e, segundo sua mãe, disse que queria se estabelecer na cidade e pediu dinheiro emprestado para comprar uma casa. "Quando você escuta algo assim, a última coisa que pensa é que pode ocorrer algo tão horrível como um massacre desses. Ele estava planejando um futuro ali", diz. A consulta com a psiquiatra Hillary Allen estudava neurociência com Holmes e lembra quão inteligente ele era. "Ele não fazia muitas anotações na aula, o que me dava inveja, porque eu estava sempre anotando tudo. Parecia que trabalhava muito no laboratório e era bem-sucedido. Lembro de ter pensado 'nossa, James é muito esperto, verdadeiramente inteligente'". Ela reconhece que a amizade era complicada às vezes. "Fazíamos parte de um grupo de cientistas, então todos nós éramos bem nerds. Talvez ele fosse um pouco mais estranho que os outros, talvez socialmente mais desajeitado". Hillary Allen, colega de James Holmes na universidade, lembra dele como socialmente desajeitado Socialmente desajeitado. É uma expressão usada várias vezes para descrever Holmes. Foi o que o levou a contatar o departamento da universidade que fornece acompanhamento psicológico, poucos meses antes do tiroteio, em 2012. Foi quando começaram a aparecer problemas na trajetória de aparente sucesso sem esforço de Holmes. Durante as férias de Natal, foi diagnosticado com febre glandular. Cansado e doente nos primeiros meses de 2012, continuou assistindo às aulas, mas seu rendimento caiu. Ficou ainda mais difícil para o tímido e ansioso Holmes fazer apresentações diante de seus colegas. Sua primeira relação amorosa com a estudante Gargi Datta também havia terminado. Datta não falou com a BBC, mas, segundo a mãe de Holmes, o fim do namoro afetou muito seu filho. Foi Datta quem sugeriu a Holmes buscar ajuda no centro de aconselhamento psicológico do campus. Em 21 de março de 2012, James teve sua primeira consulta com a psiquiatra Lynne Fenton. É esse o momento - como argumentaria a promotoria no julgamento - que marcou o ponto em que Holmes reconhece pela primeira vez que tem dificuldades mentais em meio ao sofrimento com o fim de sua relação amorosa, seus problemas acadêmicos e uma ansiedade social de longa data? David Healy acredita que as ideias psicóticas de Holmes foram uma consequência da medicação Ou será que essa data é significativa por outro motivo - apontado por Healy -, por ter sido o dia em que Fenton receitou o antidepressivo sertralina a Holmes? Mania Em sua primeira reunião com Fenton, Holmes não se abriu muito, mas descreveu sua ansiedade social. Durante a sessão, emergiram detalhes que ele nunca havia abordado com sua família. Holmes disse que pensava em matar pessoas de três a quatro vezes por dia. Ainda que isso soe alarmante, Fenton não viu perigo nesse momento. Seus pensamentos eram abstratos, não havia um plano, ou, ao que parecia, uma intenção real. A psiquiatra receitou sertralina para aliviar sua ansiedade e seus pensamentos obsessivos. Nas entrevistas que deu a partir da prisão, Holmes disse que tinha pensamentos intrusivos desde sua adolescência. Não exatamente sobre matar, mas desejar que as pessoas morressem para escapar de situações sociais incômodas. O psiquiatra que o atendeu na prisão, William Reid, disse que esse tipo de pensamento não é incomum. "Ele não falava sobre um ódio vingativo. Falava de uma aversão à humanidade", disse. Acredita-se que os ISRS elevam o nível de serotonina no cérebro O promotor distrital do Colorado George Brauchler, que conduziu - com sucesso - a acusação contra Holmes, disse que esse ódio à humanidade ofereceu um motivo claro - é por isso que ele matou tanta gente. Para Brauchler, Holmes era uma pessoa "má". É um argumento persuasivo. Alguns especialistas e, em última instância, o júri, não tiveram problema em aceitá-lo. Mas a cronologia do que se passou entre a primeira prescrição de sertralina a Holmes e o tiroteio não foi explorada no julgamento. Pouco antes de cometer o ataque, Holmes enviou um caderno com seus escritos à psiquiatra Lynne Fenton. Apesar das divagações, ele dá uma ideia do que passava por sua mente. Tanto Reid como Healy concordam que o caderno é uma evidência valiosa. Nele, Holmes escreveu sobre os efeitos iniciais do uso de sertralina. "Não faz efeito quando se precisa dele. Aparecem os primeiros episódios maníacos, que não são bons. A ansiedade e o medo desaparecem. Já não se sente medo do fracasso. E é o medo do fracasso que faz você ser melhor e ter êxito na vida. Já não há medo das consequências." Em seu caderno, James Holmes descreveu os primeiros efeitos de se tomar sertralina A primeira evidência de que seus pensamentos homicidas se tornavam reais foi uma conversa por telefone com Gargi Datta em 25 de março, quatro dias depois de começar a tomar sertralina. — Sinto que quero fazer o mal, algo que não posso fazer. — O que você quer fazer que é tão mal? — Matar pessoas, é claro. No julgamento, Datta disse que, num primeiro momento, achou que aquilo fosse uma piada. Mas quando insistiu no assunto, a teoria delirante de Holmes começou a vir à tona. Assim continuou a conversa: — Matar alguém evitaria que essa pessoa vivesse qualquer uma dessas experiências. — Como isso o ajudaria? O que você ganharia ao tirar uma vida? — Capital humano. Algumas pessoas poderão ganhar um milhão de dólares, outras 100 mil. Mas a vida não tem preço. Se você acaba com uma vida, seu capital humano não tem limites. — E o que você faria com esse capital humano? — Teria uma vida com mais significado. 'Em retrospectiva, acho que ele era bom demais', disse Arlene, mãe de James (na foto, junto a seu marido Bob Holmes) Essa teoria de aumentar seu chamado "capital humano" ao matar pessoas era bem diferente dos pensamentos abstratos que havia tido antes. Psiquiatras consultados pela BBC concordam que se trata de um sinal de psicose. Holmes voltou a se reunir com a psiquiatra Fenton dois dias depois da conversa sobre capital humano com Datta, mas não comentou nada daquilo. Apenas lhe disse que a medicação não havia ajudado a reduzir seus pensamentos obsessivos. Ela então dobrou a dose de sertralina, de 50 para 100 miligramas. Healy acredita que isso fez seu estado mental piorar. "Há evidência de que se um remédio está fazendo bem a alguém, um aumento da dose pode ajudar. Mas quando causa um problema, aumentar a dose é uma receita para o desastre". 'Pensamento de nível psicótico' Em sua quarta consulta com Fenton, em 17 de abril, Holmes relatou que seus pensamentos homicidas haviam aumentado, ainda que não tenha mencionado nada sobre o "capital humano". As anotações de Fenton sobre esse encontro documentam uma piora de seu estado mental. A família Holmes 'Ele nunca se interessou por armas, nem foi um menino violento', disse o pai, Bob Holmes "Pensamento de nível psicótico. Pensamento reservado, paranoico e hostil, sobre o qual não se dá detalhes", escreveu. Seja qual tenha sido o efeito causado pela sertralina, desde o início não estava ajudando. Healy disse acreditar que as ideias psicóticas mencionadas por Fenton nas anotações teriam sido uma consequência da medicação. Nessa consulta, Fenton aumentou a dose de antidepressivos para 150 miligramas. No julgamento de Holmes, a especialista disse que essa era a dose que sempre havia pensado para ele. "Não estava em seu radar que essa droga poderia estar lhe causando os problemas que tinha", disse Healy. Fenton negou um pedido de entrevista, mas um comunicado da Universidade de Denver disse que as leis de confidencialidade entre paciente e médico impedem a psiquiatra de falar sobre Holmes sem sua autorização, que não tinha sido concedida. A missão Em maio, a missão de Holmes, como ele a chamava então, estava tomando corpo. Começou a comprar armas. Escreveu em seu caderno: "Comece com o pequeno. Comprar uma arma de eletrochoque (feita para paralisar alguém com uma descarga elétrica) e uma faca dobrável. Pesquise leis de armas e doenças mentais. Comprar uma arma de fogo. (...) Uma pistola, AR-15, a segunda arma". Nesse momento, o rendimento acadêmico de Holmes havia caído seriamente. Ele fez uma apresentação desastrosa no final e foi reprovado nos exames. Em maio, James Holmes começou a investir em armas Até que parou de frequentar a universidade. Pouco antes disso, encontrou-se pela última vez com a psiquiatra Fenton e uma de suas colegas. Ambas estavam tão preocupadas com seu estado mental que lhe ofereceram continuar o tratamento sem cobrá-lo por isso, mas ele negou. Fenton chegou a entrar em contato com a equipe de segurança do campus para pedir os antecedentes criminais e as permissões de porte de armas de Holmes. Ambos estavam em ordem. Holmes nunca lhe disse nada sobre as armas que havia comprado nem sobre os planos que tinha. Ele não apenas parou de ver Fenton como também interrompeu o consumo de sertralina. Não se sabe exatamente quando o fez, mas sua última prescrição deve ter vencido em 26 de junho. E o ataque aconteceu em 20 de julho. "Até um terço dos pacientes que param de tomar ISRS têm sintomas de abstinência que podem durar entre duas semanas e dois meses", diz o Royal College of Psychiatrists (a principal associação de psiquiatras do Reino Unido) em relação ao tempo que transcorreu entre o dia em que Holmes parou de tomar o remédio e o dia do ataque. "E para um grupo restrito de pessoas, pode ser bastante severo", acrescenta a instituição. Tanto William Reid como David Healy concordam que o caderno de notas de Holmes é uma evidência valiosa Já o professor Peter Tyrer, especialista em transtornos de personalidade que tem avaliado a eficácia dos antidepressivos ISRS desde que entraram no mercado há três décadas, disse que deixar de tomá-los de repente é muito pouco aconselhável. "Está bem determinado que, se há um problema de abstinência, ao deixar de tomar a droga, os efeitos adversos voltarão mais fortes", disse. 'Nunca se saberá' Logo após suspender o consumo, Holmes começou a fazer coisas que nunca havia feito antes. Pintou o cabelo de laranja, criou um perfil em um site de swing e começou a anotar planos detalhados do tiroteio em seu caderno de notas. Holmes também foi até a sala de cinema em Aurora, onde foi realizado o atentado, e, no final de junho, foi a um campo de treinamento de disparos, onde começou a praticar com as armas que havia comprado. Talvez jamais saberemos se o que levou Holmes a matar 12 pessoas e ferir outras 15 em um cinema foi uma doença mental, os efeitos secundários de uma droga prescrita ou a combinação de ambos. A BBC não encontrou evidências de que Holmes tivesse planos de assassinar alguém antes de tomar antidepressivos, mas há provas posteriores sugerindo que sua saúde mental se deteriorou rapidamente com o consumo de sertralina. Talvez jamais se saberá com certeza que problemas Holmes enfrentava "Seus sintomas eram os indicados para que fosse receitada a sertralina, mas sua personalidade...", afirma Peter Tyrer, "nesse tipo de pessoa, os efeitos secundários da droga podem ser mais fortes e, no caso de Holmes, foram muito perigosos". Em um comunicado, a Pfizer, que desenvolveu sertralina, disse: "Baseado nas evidências científicas atuais, a ligação entre o uso de sertralina e comportamento homicida não foi estabelecida. Sertralina ajudou milhões de pacientes diagnosticados com depressão e transtornos de ansiedade, incluindo transtorno obsessivo compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático". Muitas pessoas dizem que os antidepressivos salvaram suas vidas. Mas agora que o consumo desses remédios seguem crescendo, será chegado o momento de reconhecer que, em alguns poucos casos, eles podem contribuir para levar a um assassinato? É uma pergunta importante com a qual os tribunais talvez não saibam lidar. A BBC encontrou casos de pessoas no Reino Unido que, sem um histórico de violência, cometeram ou tentaram cometer um assassinato depois de tomar antidepressivos ISRS. O assunto não foi abordado pela Justiça e essas pessoas foram presas por seus crimes. Agora, a culpa e a vergonha do que fizeram os impede de falar publicamente. Peter Tyrer acredita que a Justiça precisa levar mais em consideração os efeitos secundários sérios, mesmo que aconteçam em apenas alguns casos: "ainda que torne o processo mais complicado, acredito que será necessário no futuro".
'Despacito' não sai da sua cabeça? Ciência explica o sucesso das músicas-chiclete
Pode ser que a canção te agrade. Ou não.
Luis Fonsi (à esquerda) e Daddy Yankee tomaram o mundo de assalto Mas a ciência ajuda a explicar por que Despacito, dos porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee, parece "grudar" na memória de quem a escuta. Estudos na área de neurociência e psicologia encontraram certos elementos em comum nas chamadas "músicas-chiclete". "A música ativa as áreas do cérebro relacionadas com sons e movimentos, mas também as associadas às emoções e recompensas", explica Jessica Grahn, cientista da Universidade do Oeste de Ontario, no Canadá, à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC. Especialista em estudos ligados à música, Grahn conta que as canções que geram maior comunicação entre as áreas do cérebro ligadas ao som e às emoções são as que mais agradam. Mas como fazer essa conexão? 'Guloseimas' para o cérebro Não há uma fórmula mágica, mas certos elementos funcionam como "guloseimas" para o cérebro. O primeiro ingrediente é o ritmo. Quando uma canção tem uma batida fácil de seguir, como é o caso de Despacito, ela aumenta a atividade cerebral na zona associada ao movimento, segundo experimentos. Mesmo se a pessoa está totalmente quieta. Em geral, as canções pop a que estamos expostos têm ritmos familiares, o que até certo ponto é previsível. Essa característica, diz Grahn, funciona como uma espécie de recompensa para o cérebro, pois é agradável que a canção se desenvolva como pensamos que vai ocorrer. A "mágica", porém, ocorre quando a canção inclui algum elemento que fuja do previsível. "Trata-se usar a batida, mas fazê-la mais interessante com alguma novidade. Fazer a canção interessante, mas sem tirar muito do que esperamos ouvir", afirma a cientista. Nahúm García, um produtor de música espanhol, acredita ter encontrado o pequeno detalhe que tornou Despacito algo especial. "Vocêm riem de 'Despacito', mas a maneira como o ritmo quebra antes do refrão é uma genialidade", escreveu ele em sua conta no Twitter. Com este gráfico, Nahúm García explica, em espanhol, a 'magia' de 'Despacito': há uma quebra no ritmo Ruptura García se refere ao que acontece após 1m23s de canção, momento em que a melodia para e Fonsi diz pela primeira vez a palavra despacito (algo como "devagarzinho" em espanhol). É quase imperceptível, mas o fraseado "atravessa" o ritmo durante uma parada da batida. "A ruptura é radical e faz alusão a intenção sexual da letra (que contém um pedido de ritmo mais lento para o ato), criando uma unidade entre intenção e efeito", disse García em sua página no Facebook. "O cérebro se dá conta de que houve uma parada incomum, e isso chama a atenção." Segundo García, esse truque não é muito comum na música pop. Mas... por que esse efeito ocorre apenas na entrada do primeiro refrão? "Se usado de novo, pode cansar", acredita o espanhol. "Não se pode quebrar o ritmo de uma canção muitas vezes, porque isso resulta em um esforço para o cérebro." Topo das paradas em 45 países. Daddy Yankee só pode mesmo sorrir Canção-chiclete Psicólogos e cientistas chamam canções-chiclete de "vermes de ouvido". O termo foi criado por James Kellaris, compositor e professor de marketing da Universidade de Cincinnati, nos EUA, e cujos estudos têm como tema a influência da música sobre consumidores. Kellaris argumenta que os "vermes" são normalmente canções repetitivas e pouco complexas seja em ritmo, letra ou ambos. Mas outra característica é justamente que a canção conte com elementos inesperados, como um compasso irregular ou um padrão de melodia pouco usual. "Despacito tem elementos de um 'verme'. É animada, simples, repetitiva e tem um ritmo pegajoso", diz Kellaris. Mas o especialista americano menciona outros elementos que ajudam a explicar o sucesso, como o atraente vídeo ou o nível de exposição que as pessoas tiveram à canção. O êxito é inegável: Despacito já encabeçou as paradas de sucesso em 45 países e se tornou a primeira canção em espanhol a chegar ao posto de número da revista americana de música Billboard desde 1996, quando Macarena tomou o mundo de assalto. O vídeo da música já ultrapassou a impressionante marca de 1 bilhão de visualizações no YouTube.
'Ali Químico', ex-ministro de Saddam, é executado no Iraque
Um dos principais nomes do regime do ex-líder iraquiano Saddam Hussein, o ex-ministro da Defesa Ali Hassan Al-Majid - conhecido como "Ali Químico" - foi executado nesta segunda-feira, de acordo com informações divulgadas por um porta-voz do governo do Iraque.
Ex-ministro de Saddam, Ali Químico foi condenado várias vezes Segundo a emissora de televisão estatal iraquiana, Al-Majid - que era primo de Saddam - foi enforcado. Majid já havia recebido quatro condenações à morte desde 2007. Duas delas diziam respeito a massacres de muçulmanos xiitas no Iraque em 1991 e 1999. Na semana passada, ele também foi condenado por seu envolvimento em um ataque com gás na cidade curda de Halabja, em 1988. Estima-se que cerca de 5 mil pessoas morreram no ataque, a maioria delas mulheres e crianças. Expurgo O então ministro da Defesa recebeu o apelido de Ali Químico por causa do ataque, em que jatos despejaram por cinco horas um coquetel de gás mostarda, sarin e outros gases que atuam sobre o sistema nervoso. Como outras autoridades do círculo de influência de Saddam, Majid conquistou a confiança do líder devido aos laços familiares. Ele desempenhou um papel importante no expurgo do partido Baath, em 1979, quando Saddam - instalado como chefe de Estado - ordenou que outros integrantes da organização fossem detidos e levados para execução, acusados de traição. O Alto Tribunal Iraquiano foi instituído para julgar integrantes do governo predominantemenmte sunita de Saddam, que foi condenado à morte em dezembro de 2006.
De 1994 a 2017: a evolução no mundo das compras virtuais
O clique que concluiu a primeira compra online aconteceu em 1994.
O empreendedor Dan Kohn, de 21 anos, vendeu um CD por US$ 12,48, mais o custo do frete. Um ano depois, a Amazon lançou sua primeira livraria virtual. E no mesmo ano, a empresa que se tornaria o eBay vendeu seu primeiro item. Atualmente, uma em cada cinco pessoas no mundo faz compras online. Neste ano, as vendas devem superar US$ 2 trilhões. Os britânicos são os que mais gastam, seguidos pelos noruegueses e americanos. Mas, apesar disso, as pessoas ainda continuam adorando "bater perna" para fazer compras. Segundo uma pesquisa recente, 85% dos consumidores ouvidos disseram que ainda preferem as lojas físicas. Os varejistas estão de olho nisso, usando ferramentas online para maximizar a experiência de compras. Também estão unindo forças com os gigantes online para atrair os clientes.
Vacina de Oxford/AstraZeneca: sucessão de erros põe em xeque resultados
Na segunda-feira (23/11), a farmacêutica AstraZeneca fez um anúncio que foi muito comemorado no mundo todo. A análise preliminar de sua candidata à vacina contra a covid-19, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, na Inglaterra, revelou uma taxa de eficácia que variou entre 62% e 90%.
Mudança no protocolo das doses aplicadas em voluntários motivada por erro deu origem a um verdadeiro imbróglio envolvendo a candidata à vacina de Oxford/AstraZeneca Passados alguns dias, a análise mais cuidadosa dos dados apresentados apontou uma série de dúvidas, inconsistências e erros relacionados ao estudo clínico de fase 3, a última etapa antes da aprovação pelas agências regulatórias. "Eu estou absolutamente chocada com o que aconteceu. Isso jamais poderia ter ocorrido", lamenta a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS). Tudo começou a partir da curiosidade a respeito da própria taxa de eficácia. Como explicar essa variação de 62% a 90%? A justificativa da empresa foi que uma parte dos voluntários recebeu um esquema especial das doses. O protocolo inicial era que todos os milhares de participantes ganhassem duas doses iguais da vacina. Só que uma parcela deles acabou tomando apenas metade da primeira dose, seguida de uma dose inteira alguns dias depois. Fim do Talvez também te interesse Curiosamente, essa variação na dosagem foi capaz de oferecer uma proteção maior (calculada em 90%), enquanto o protocolo previamente divulgado, de doses homogêneas, atingiu uma taxa de eficácia de 62%. O grande problema é que esse esquema novo (meia dose + dose inteira) não estava prevista no planejamento. E executivos da AstraZeneca admitiram nos últimos dias que isso aconteceu porque causa de um erro da empresa contratada para conduzir parte do estudo clínico. O que explica a diferença de 62 e 90%? A AZD1222, nome oficial da vacina, é feita a partir de um vetor viral não-replicante, uma tecnologia absolutamente nova. Em resumo, os cientistas utilizam a "casca" de um adenovírus, um tipo de vírus que não tem capacidade de se replicar em nosso organismo ou prejudicar a saúde. Dentro dele, são colocadas as informações genéticas do Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual. O objetivo é que essa formulação seja reconhecida pelo sistema imunológico, que, a partir daí, gera uma resposta protetora contra uma infecção de verdade. Além do produto de Oxford/AstraZeneca, outras duas instituições que estão mais avançadas nos testes clínicos apostaram nessa mesma estratégia em suas vacinas: a farmacêutica americana Johnson & Johnson e o Instituto Gamaleya (responsável pela Sputnik V), da Rússia. Mas, afinal, o que poderia justificar essa variação de 62% a 90% nas taxas de eficácia desse imunizante? Os especialistas especulam que isso teria a ver com o tipo de adenovírus utilizado. Inofensivos na grande maioria das vezes, os adenovírus são extremamente comuns no ambiente. Portanto, é natural que nosso sistema de defesa já tenha lidado com cepas dele algumas vezes durante a vida e gerado algum tipo de resposta imune. A vacina de AstraZeneca/Oxford utiliza um adenovírus de chimpanzé em sua formulação. Pode ser que, no esquema das duas doses completas, tenha acontecido algum tipo de reação cruzada nos voluntários e o corpo deles neutralizou a vacina antes que ela tivesse todo o efeito esperado. Isso poderia explicar a taxa de eficácia de 62%. Na contramão, ao aplicar a primeira dose pela metade, o imunizante seria mais "tolerado" pelas células de defesa, cumprindo melhor seu papel de gerar proteção contra o coronavírus. Daí viriam os 90% de eficácia obtido nesse grupo. Vale reforçar que essa é apenas uma teoria, que ainda precisa ser comprovada cientificamente. Essa precaução com uma eventual "reação cruzada" pode ser observada também nas outras candidatas. O Instituto Gamaleya, por exemplo, variou o tipo de adenovírus na primeira e na segunda dose da Sputnik V. Já os estudos clínicos da Johnson & Johnson avaliam atualmente a possibilidade de obter proteção contra a covid-19 com apenas uma dose, numa tentativa de evitar essa exposição dupla ao adenovírus Primeira mancada "O protocolo estabelecido era que todos os voluntários receberiam duas doses cheias. Daí, na segunda-feira, ficamos sabendo que 2.800 pessoas tomaram meia dose e depois uma dose inteira", rememora a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência. Enquanto isso, 8.900 participantes fizeram o esquema completo, como estava previsto. Em entrevistas ao The New York Times e à Reuters, diretores da AstraZeneca admitiram que houve realmente um erro da empresa contratada para administrar as doses no estudo clínico que está sendo conduzido especificamente no Reino Unido. Com isso, parte dos voluntários (aqueles 2.800 citados anteriormente) ganharam apenas metade do volume estipulado na primeira dose. Ao notar o erro, a empresa logo informou os órgãos reguladores. Por meio de uma nota encaminhada pela assessoria de imprensa à BBC News Brasil, a farmacêutica diz que recebeu a liberação para continuar a pesquisa normalmente, apesar do percalço: "Essa constatação foi apresentada pelo time de estudo da Universidade de Oxford e revisada pelo Comitê Independente de Monitoramento de Segurança e Dados e pela agência reguladora do Reino Unido (MHRA), e ambos aprovaram a continuação deste regime de dosagem do ponto de vista clínico e científico, sendo publicamente afirmado pela agência a confirmação de que 'não haviam preocupações nesse sentido'. Todas as demais autoridades regulatórias foram informadas de que continuaríamos a monitorar e estudar essa população específica no estudo de Fase II/III no Reino Unido." A vacina de Oxford/AstraZeneca é feita a partir de um vetor viral não-replicante, uma tecnologia absolutamente nova Os especialistas criticam que a notícia relevante tenha sido divulgada apenas para as autoridades e para investidores e acionistas da AstraZeneca. "Foi uma conduta irresponsável e nada transparente. Eles não foram claros e, quando as taxas de eficácia vieram ao público na segunda-feira, não se justificaram prontamente", avalia Pasternak. A neurocientista Mellanie Fontes Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, também aponta uma falha na forma em que esses resultados preliminares estão sendo divulgados. "Infelizmente, ficamos sabendo das informações por meio de comunicados à imprensa. Precisamos que os dados completos sejam disponibilizados para que a gente possa entendê-los de verdade", afirma. Mais controvérsia pela frente Outros fatos vieram à tona nas últimas horas e lançaram mais dúvidas sobre as taxas de eficácia divulgadas. Todos os voluntários que receberam o esquema diferente (meia dose + dose completa) tinham menos de 55 anos. "Nós sabemos que a população idosa costuma responder de forma diferente à vacinação. Portanto, não incluir essa faixa etária é bastante problemático", acredita Dutra. No anúncio de segunda-feira, a AstraZeneca também afirmou que as taxas de 62% e 90% permitiram calcular uma eficácia média de 70%. Mais uma vez, os especialistas discordam. "Isso é ridículo. Não dá pra obter essa média a partir de dois grupos tão distintos", avalia Pasternak. Pelas informações divulgadas até o momento, é impossível saber como é que a empresa chegou a esse número. Vale destacar ainda que os responsáveis por essa vacina fizeram diversos protocolos de estudo em vários países. No Reino Unido, por exemplo, metade dos participantes recebeu o imunizante contra a covid-19, enquanto a outra parcela tomou uma vacina contra a meningite (que não tem ação alguma contra o coronavírus). Já no Brasil, uma etapa dos testes clínicos foi feita com placebo, substância sem nenhum efeito terapêutico. "Quando você faz estudos diferentes, como é o caso aqui, não dá pra juntar todos os resultados numa mesma análise. Isso é ciência ruim. Precisamos ver os dados separadamente", conclui Bonorino, que também faz parte do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia. Não é o fim da linha Apesar de todas as controvérsias, não dá pra descartar o progresso feito até aqui: a vacina de Oxford/AstraZeneca continua como uma forte candidata nessa corrida. Uma eficácia de 62%, aliás, não é necessariamente uma má notícia. "Esse é um número perfeitamente aceitável", aponta Pasternak. Há alguns meses, a própria Organização Mundial da Saúde estabeleceu como meta uma taxa mínima de 50% nos imunizantes contra a covid-19. Depois dos anúncios de Pfizer/BioNTech e Moderna, cujos imunizantes superaram os 90% de eficácia, uma taxa 30 pontos percentuais mais baixa até parece frustrante à primeira vista. Mas a candidata de Oxford e AstraZeneca traz vantagens importantes em relação a suas concorrentes: pra começo de conversa, ela é mais barata e mais rápida de fabricar. O planejamento da farmacêutica, inclusive, é entregar 3 bilhões de doses ao longo de 2021, quantidade de poderia cobrir um quinto da população mundial. Outro ponto positivo está em seu armazenamento: ela permanece estável em geladeiras comuns, sem necessidade de equipamentos rebuscados e menos acessíveis, como acontece com os produtos de Pfizer/BioNTech e Moderna. Do ponto de vista do Brasil, outro trunfo está no acordo assinado pelo Governo Federal, que garante a produção de doses no próprio país pelo Instituto Bio-Manguinhos, ligado à Fundação Oswaldo Cruz. Isso significa que, se essa vacina se mostrar segura a eficaz, ela poderá chegar mais rápido à nossa população. Com a polêmica, o imunizante de Oxford/AstraZeneca deve demorar um pouquinho mais para ser submetido às análises das agências regulatórias e chegar à população Próximos passos e aprendizados Tudo indica que o imunizante de Oxford/AstraZeneca precisará passar por novos estudos antes de ser liberado pelas agências regulatórias. Os próprios responsáveis pelo produto admitem isso na nota enviada à BBC News Brasil. Eles também dizem que vão divulgar mais detalhes sobre os dados: "Dada a alta eficácia que vimos agora com os diferentes regimes de dosagem, que é um resultado alinhado com os objetivos de um estudo de fase II/III, há forte evidência em continuar a investigar e entender esses achados a fim de estabelecer o regime de dosagem mais eficaz para a vacina. Estamos discutindo com agências regulatórias em todo o mundo para avaliar esses resultados e esperamos a publicação dos resultados detalhados revisados por especialistas independentes, que agora foram submetidos a publicação em revista científica." Diante de tantas polêmicas, será que é possível tirar algum ensinamento de todo o imbróglio? "Espero que os responsáveis pelas vacinas aprendam como é importante se comunicar com transparência, e não priorizar os investidores em detrimento da população", raciocina Pasternak. Dutra entende que essa lição se estende às outras competidoras, cujos resultados devem ser divulgados nas próximas semanas. "É o caso de Sinovac e Instituto Butantan, responsáveis pela CoronaVac. Eles precisam ter muita responsabilidade e minimizar ao máximo qualquer ruído que possa levar a mais polarização e desconfiança", conclui. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brasil prioriza Taiwan em visto eletrônico, abrindo caminho para crise com China
No fim de outubro, o presidente Jair Bolsonaro disse que iria isentar chineses e indianos da necessidade de visto para entrar no Brasil — na verdade, os cidadãos dos dois países passariam a ter direito ao visto eletrônico brasileiro, uma facilidade que já é concedida hoje aos moradores dos Estados Unidos, da Austrália e do Japão que desejam vir ao Brasil.
Bolsonaro anunciou que chineses e indianos passariam a ter direito ao visto eletrônico brasileiro Agora, telegramas diplomáticos obtidos pela BBC News Brasil mostram que o Itamaraty está priorizando a implementação do visto eletrônico para os passaportes emitidos pelo governo de Taiwan — e também que não há qualquer iniciativa para estender o benefício a chineses e indianos, ao contrário do que foi dito por Bolsonaro durante sua viagem à Ásia. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) trabalha para garantir o visto eletrônico aos taiwaneses pelo menos desde agosto, segundo as mensagens. "Não há neste momento iniciativas para implantar a modalidade de visto eletrônico para portadores de documentos de viagem da Índia e República Popular da China", disse o MRE à reportagem da BBC News Brasil, em nota. Nas respostas aos pedidos via Lei de Acesso à Informação, o órgão também disse que "não há comunicações entre a Divisão de Controle Migratório (DIM) e a Embaixada do Brasil em Pequim sobre o tema em questão, no período solicitado (até o fim de outubro)". A mesma resposta foi dada em relação à Índia. Fim do Talvez também te interesse O governo de Taiwan (RoC, na sigla em inglês) não é reconhecido oficialmente pela República Popular China (RPC), como é chamada a China continental. Por isso, qualquer gesto diplomático na direção do governo da ilha é visto com desconfiança pelas autoridades chinesas. Segundo especialistas em relações internacionais consultados pela BBC News Brasil, a concessão do visto eletrônico para Taiwan pode arranhar as relações do Brasil com a China — especialmente se o benefício acabar não sendo estendido aos chineses. A China é a principal compradora dos produtos brasileiros desde o começo desta década. Segundo os dados do Índice do Comércio Exterior (Icomex), da Fundação Getúlio Vargas, o país asiático foi o destino de mais de um quarto (27,8%) das exportações brasileiras este ano, até outubro. Em 2018, o intercâmbio comercial entre os dois países atingiu a marca recorde de US$ 98,5 bilhões. Os telegramas mostram que o Itamaraty está trabalhando para viabilizar o visto eletrônico para os cidadãos de Taiwan pelo menos desde agosto — o primeiro telegrama sobre o assunto é do dia 12 daquele mês. "Diante da necessidade de adotar medidas que permitam a intensificação do fluxo de pessoas entre Taipé (capital e maior cidade de Taiwan) e o Brasil (...), muito agradeceria dar início aos trâmites necessários à contratação de serviços de concessão de vistos eletrônicos para portadores de documentos de viagem emitidos por autoridades de Taipé", diz a mensagem de Brasília para o Escritório Comercial do Brasil em Taipé, no dia 12. Telegrama diplomático aponta que Itamaraty prioriza implementar visto eletrônico para passaportes emitidos pelo governo de Taiwan As últimas mensagens sobre o assunto, de setembro deste ano, mostram o Itamaraty estabelecendo uma comissão de licitação para contratar a empresa que será responsável pelo serviço para os taiwaneses. Em nota à reportagem, o MRE disse que o visto eletrônico para Taiwan será anunciado depois do fim do processo de licitação. "Somente será anunciada a entrada em operação da modalidade de visto eletrônico quando for encerrado o processo licitatório para contratação de empresa responsável pelo processamento dos pedidos do referido visto", diz a nota do MRE. Ao contrário do visto normal, exigido hoje, o visto eletrônico dispensa a necessidade de passar por uma entrevista presencial em um consulado. Também costuma ser emitido com mais rapidez e com custo menor que o documento físico. 'Entra no radar da China como preocupação' Para o especialista em relações internacionais e ciência política Leandro Consentino, o Brasil deveria "tomar cuidado" ao fazer este tipo de aceno para o governo de Taiwan — um assunto ao qual o Partido Comunista chinês é extremamente sensível. "Isso (o visto eletrônico) claramente entra no radar da China com uma nota de preocupação. Não sei se chega a comprometer as relações, mas causa um certo desconforto. Não passa batido, não", diz ele, que é professor do Insper, em São Paulo. "O Brasil não deve levantar com força essa bandeira de Taiwan, porque isso pode comprometer o bom andamento dos negócios brasileiros com a China. Acho que se deveria tomar bastante cuidado com esse tipo de relação", diz Consentino. Em encontro com Xi Jinping, Bolsonaro se comprometeu com o princípio de 'uma só China', defendido pelo governo chinês Ao todo, só 14 dos 193 países que integram as Nações Unidas reconhecem a soberania de Taiwan — a Santa Sé também o faz. Na América do Sul, o Paraguai é um dos países que reconhece o governo da ilha. O Brasil não reconhece a soberania de Taiwan desde 1974 — o país não tem relações diplomáticas formais com a ilha, pois entende que o local é parte do território chinês. Em nota à reportagem, o MRE destacou que a iniciativa do visto eletrônico para os taiwaneses não significa o reconhecimento do governo da ilha. "O fato de o governo brasileiro conceder vistos aos portadores de passaporte emitidos por Taiwan não configura reconhecimento do Estado. De acordo com a Norma 12.1.9, do Serviço Consular e Jurídico: 'O visto poderá ser aposto a qualquer documento de viagem válido emitido nos padrões estabelecidos pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), não implicando sua aposição o reconhecimento de Estado, Governo ou Regime'". Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) — além de estudar o tema, mantém contato com diplomatas brasileiros e chineses. Ele explica que é bem mais simples estender o passaporte eletrônico a Taiwan (cerca de 23 milhões de pessoas) que à China - o país comandado por Xi Jinping é considerado "de risco migratório" pelas autoridades brasileiras, ao contrário da ilha. O mal-estar com a China se tornará sério, avalia Stuenkel, se ficar claro que Taiwan obterá um regime diferenciado em relação aos cidadãos da República Popular da China. Sobre o fato dos telegramas não mostrarem qualquer iniciativa para garantir o visto eletrônico a chineses e indianos, Stuenkel diz que provavelmente isto se deve a uma questão de tempo — Bolsonaro fez o anúncio sem avisar outros setores do governo, diz o estudioso; e leva algum tempo até que a decisão do presidente possa ser concretizada. "Esse pronunciamento do Bolsonaro não tinha uma comunicação com outras partes do governo, antes. O (Luiz Inácio) Lula (da Silva, do PT) também fazia isso às vezes, em viagens. 'Ah, a gente vai fazer isso aqui, o investimento tal'. Basicamente, o presidente diz algo, e aí as burocracias precisam ir atrás dos trâmites para fazer acontecer", diz Stuenkel. Em viagem, Bolsonaro fez acenos à China Esta não é a primeira vez que a ilha de Taiwan causa atritos entre o Brasil e a China. Em março de 2018, Jair Bolsonaro visitou a cidade de Taipé acompanhado dos filhos Eduardo e Carlos. Durante a visita, o então pré-candidato presidencial gravou um vídeo elogiando a ilha. "Só o fato de nós termos feito uma viagem para Israel, Estados Unidos, Japão, Coreia e Taiwan, nós estamos mostrando com quem nós queremos ser amigos, juntar com gente boa, gente que pensa no seu país. Lógico que Taiwan em primeiro lugar pra quem está aqui, mas junto lá conosco também", dizia ele na gravação. Ministério de Relações Exteriores disse que iniciativa do visto eletrônico para taiwaneses não significa reconhecimento do governo da ilha Desde que assumiu o poder, o presidente brasileiro vem se esforçando para melhorar as relações com o governo de Pequim. Já em maio, o vice-presidente Hamilton Mourão foi ao país asiático. Em outubro, a passagem de Bolsonaro por Pequim foi o ponto alto da viagem do mandatário brasileiro à Ásia. Durante o encontro com o mandatário chinês Xi Jinping, Bolsonaro se comprometeu com o princípio de "uma só China", defendido pelo governo continental. "Quando passei por Taiwan, eu era apenas um parlamentar. E não houve, no meu entender, nenhum atrito. Eu falei em China Única e Brasil único também", disse. A cisão entre a China continental e o governo de Taiwan remonta a 1949, quando o Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang, então no poder) foi derrotado na Guerra Civil Chinesa pelo Partido Comunista. Os nacionalistas, liderados por Chiang Kai-shek, fugiram para a ilha de Taiwan e transferiram a capital da República da China para Taipé - antes, o território desta República abrangia a maior parte da China continental e também áreas que hoje integram a Mongólia. Apesar disso, a República da China continuou sendo reconhecida por diversos países até os anos 1970. O governo da ilha tinha assento no Conselho de Segurança da ONU até 1971, por exemplo, quando foi substituído pela República Popular da China. Ao contrário da China continental, Taiwan sempre teve uma economia de mercado — e experimentou forte crescimento na segunda metade do século 20. O país é considerado um "tigre asiático", junto com Singapura, Coreia do Sul e a província chinesa de Hong Kong. *Colaborou Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil em São Paulo. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Epidemia de fake news ameaça vacinação em terras indígenas
Um helicóptero da Força Aérea Brasileira carregado de agentes de saúde e doses de vacina contra o coronavírus levanta voo em Lábrea, no sul do Amazonas, rumo à terra indígena dos Jamamadi. Povo de contato recente, os Jamamadi fazem parte, como todos os 410 mil indígenas adultos em aldeias do Brasil, do grupo prioritário para receber o imunizante.
'Contaminados' por notícias falsas, indígenas do povo Jamamadi recusaram vacinação contra covid-19 Ao pousar, às margens do rio Purus, o helicóptero é recebido por homens e mulheres com arcos e flechas pedindo a retirada da equipe. Eles dizem temer pela própria vida se tomarem a vacina e exigem o retorno de um missionário americano proibido de entrar na região pela Funai. Querem orientações dele sobre a imunização. A aeronave tem de levantar voo com o carregamento de vacinas intacto. O incidente, no dia 2 de fevereiro, foi descrito à BBC News Brasil por testemunhas que pediram para não serem identificadas. Temem abalar a relação entre equipes de saúde e indígenas. Esse nível de tensão é incomum, mas cada vez mais frequente. E ilustra um fenômeno grave. Em meio à pandemia, indígenas estão vulneráveis a outro tipo de vírus, as chamadas "fake news", que se espalham principalmente pelo WhatsApp nas comunidades indígenas. Conteúdo falso pelo WhatsApp, missionários estrangeiros e pastores pregando contra imunização tem dificultado trabalho de agentes de saúde, segundo relatos Para o comunicador e empreendedor indígena Anápuàka Tupinambá, as ferramentas de comunicação instantânea permitiram "um salto" em ações conjuntas de indígenas na área da política e da educação. Fim do Talvez também te interesse "Mas viraram também uma faca de dois gumes. Vi parentes indígenas falarem que viram que mais de 900 indígenas no Xingu teriam morrido por conta da vacina. Uma senhora com mais de 90 anos me disse que não iria se vacinar por causa disso", afirma. "Nenhuma região do país está a salvo (das notícias falsas), nem áreas isoladas como Amazônia e Pará." A ideia da "faca de dois gumes" serve também para o efeito da inclusão gratuita do uso de dados por aplicativos como Facebook, Instagram e WhatsApp em planos de celular no Brasil. Acessar a internet, para muitos brasileiros, acaba se limitando a esses aplicativos. Um simples clique "fora do pacote" para verificação de uma informação vista no WhatsApp, por exemplo, tem um custo adicional. 'Falsa internet': com oferta gratuita de dados em aplicativos como Facebook, Instagram e WhatsApp, muitos brasileiros acabam se limitando a esses aplicativos e não clicam em links que levem para 'fora' das redes sociais. "O que nós temos hoje é uma falsa internet. Quando tem as fake news, você não tem como checar", diz Anápuàka. "Então dá aquela sensação de 'estou na internet', mas na verdade não, estou dentro de um sistema, quase uma 'intranet' de uma grande empresa." As limitações do WhatsApp como fonte de informação e de desinformação para muitos indígenas se soma à atuação de dois grupos com influência crescente: políticos e religiosos. "A aldeia se pergunta: 'se o presidente não tomou, como é que a gente vai tomar?', diz a enfermeira Indianara Ramires Machado, de 30 anos, vice-presidente da associação de jovens indígenas da Reserva de Dourados, no Mato Grosso do Sul, e mestranda em fisiopatologia experimental pela faculdade de Medicina da USP. 'Muitos parentes têm Bolsonaro como influência e acabam absorvendo suas narrativas', diz a enfermeira indígena Indianara Machado; 'Se o presidente não tomou, por que vamos tomar?' Declarações do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao longo da pandemia que já matou quase 300 mil pessoas no Brasil ecoam nas comunidades indígenas. "Ninguém pode me obrigar a tomar a vacina", afirmou em setembro de 2020. No mês seguinte, disse que "o povo brasileiro não será cobaia de ninguém". Depois, que não tomaria a vacina "e ponto final". A fala que mais repercutiu nos grupos indígenas, no entanto, foi esta: "Se você virar um jacaré, é problema de você (…) Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso". Vítimas de vídeos falsos pelo WhatsApp Perder os pais era o maior medo de Joel Paumari, coordenador pedagógico de um polo de educação indígena do rio Ituxi, que banha o município de Lábrea, no sul do Amazonas. E sua preocupação crescia com o número de mortes. Segundo a contagem oficial da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a Sesai, morreram até agora 615 indígenas que viviam em aldeias. A população em terras indígenas é de 517 mil, segundo o último dado disponível, o censo do IBGE de 2010. Os pais de Joel vivem na aldeia Ilha da Onça, que fica a um dia de viagem de barco de Lábrea. "Na minha aldeia tem internet. Meus pais não têm celular, mas meus irmãos, minhas irmãs e meus sobrinhos têm. Como estão em grupos de WhatsApp e recebem esses vídeos, eles mostram para os meus pais", conta. Joel encaminhou à reportagem da BBC News Brasil exemplos de vídeos que circulam nos grupos de indígenas em seu WhatsApp. Um traz o pastor Silas Malafaia criticando a "vacina chinesa" e defendendo o uso de ivermectina, remédio sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19. Outros dois trazem conteúdo falso. Em um deles, um homem narra como a vacina "acabou com a vida" de uma família, modificando seu DNA e tirando dela seu "Deus". Em outro, um suposto médico diz que a vacina altera o código genético de "cobaias". Foram três dias de explicações e conversas - tudo por áudio de WhatsApp - para convencer os pais a tomarem a vacina. "Meu pai foi muito resistente", diz. Uma irmã e um irmão decidiram não tomar. Joel Paumari teve medo de perder os pais, que não queriam tomar a vacina Áudios, textos escritos e vídeos mentirosos vêm sendo espalhados por grupos no WhatsApp há anos no Brasil. Durante as eleições em 2018, o aplicativo foi inundado por uma campanha de desinformação. De lá para cá, o aplicativo limitou a cinco vezes o compartilhamento de mensagens e inseriu uma marcação que mostra quando uma mensagem foi encaminhada várias vezes. Para estas, o limite de encaminhamento é um contato por vez. Procurado pela BBC News Brasil, o WhatsApp, que pertence ao Facebook, disse que não tem acesso ao conteúdo das mensagens e não faz mediação de conteúdo, mas que tem agido para combater a desinformação no aplicativo. Em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), lançou um serviço gratuito com informações em português sobre a covid-19 acessado pelo próprio aplicativo (leia mais no fim da reportagem). Um porta-voz do Facebook disse que a empresa está trabalhando com ONGs em formas de ampliar campanhas sobre vacinação para atingir populações altamente vulneráveis, como comunidades indígenas. Ritmo da vacinação do grupo prioritário de indígenas decepciona especialistas; circulação de vídeos falsos criticando "vacina chinesa" e afirmando que imunizante "acabou com a vida" e "mudou DNA" dificulta Rejeição a vacinas e 'fake news' via barco Uma das perguntas cruciais quando se analisa o fenômeno da desinformação é qual é o impacto concreto do conteúdo falso ou de baixa qualidade em quem recebe a desinformação. E um dos riscos claros em meio à pandemia é o aumento da rejeição à vacinação. São preocupantes os casos identificados pela BBC News Brasil e os índices de vacinação até agora. Segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai), durante quase três meses de vacinação, receberam a primeira dose apenas 68% dos 410 mil indígenas que vivem em aldeias e são maiores de 18 anos. Para comparar o resultado com o de campanhas anteriores, a BBC News Brasil obteve, via via Lei de Acesso à Informação, dados da imunização de indígenas no Brasil desde 2011. De lá para cá, a cobertura vacinal da população indígena vinha aumentando. A vacina contra a gripe, que é aplicada em adultos, por exemplo, saltou de 75% em 2011 a 90% em 2019. Além disso, nos últimos anos, a adesão a vacinas como a tríplice bacteriana, BCG (contra tuberculose), tetravalente, tetra viral, tríplice viral e varicela tem sido superior a 90%. O risco é que esse possível retrocesso se consolide. "Sempre houve adesão. A vacina de gripe é dada duas vezes ao ano e aceitam numa boa, sem problema algum", diz a antropóloga médica Maria de Lourdes Beldi de Alcântara, professora da USP (Universidade de São Paulo) que trabalha em campo, na Reserva Indígena de Dourados, Mato Grosso do Sul, onde vivem mais de 15 mil indígenas. Os maiores gargalos estão na região amazônica, onde, além da rejeição, há dificuldade para se chegar a determinadas regiões. Nas regiões do Alto Rio Juruá, no Acre, do Kaiapó e do Rio Tapajós, no Pará, menos de um quarto dos indígenas recebeu a primeira dose da vacina. Uma agente de saúde da região amazônica que não quis ser identificada diz à BBC News Brasil que a situação é tão grave que está criando uma instabilidade na frágil e preciosa relação entre os trabalhadores de saúde e os indígenas. "Tinha aldeias em que a relação com a equipe era muito boa e agora está estremecida justamente por causa da insistência na vacinação, da equipe ir, orientar, conversar, tentar uma, duas, três vezes. Eles se sentem afrontados porque já disseram que não querem, já explicaram suas razões e a gente continua insistindo. É um trabalho de formiguinha", diz ela. A rejeição "gerou trabalho duplicado para a Sesai", diz o educador indígena Eliel Benites, professor da Universidade Federal da Grande Dourados, que viu conhecidos rejeitarem a vacina na Reserva Indígena de Dourados. As equipes de saúde tiveram de ir e voltar duas vezes para tentar vacinar a população. "Estão cansados." À BBC News Brasil, a Sesai informou que continua com uma campanha em aproximadamente seis mil aldeias envolvendo 14 mil profissionais de saúde indígena. "Mesmo as equipes enfrentando dificuldades de acesso às aldeias, que é feito por meio de transportes aéreo, fluvial e rodoviário, e depende também de condições climáticas favoráveis para voos e deslocamentos, a vacinação indígena continua em ritmo favorável", disse, em nota. "Os profissionais de saúde reforçam a importância de que todos sejam imunizados, ressaltam a não obrigatoriedade da vacinação, e reafirmam que as vacinas são seguras e possuem autorização da Anvisa", acrescentou. Em quase três meses de vacinação, receberam a primeira dose apenas 68% dos 410 mil indígenas que vivem em aldeias e são maiores de 18 anos. Beto Marubo, de 44 anos, faz parte do movimento indígena do Vale do Javari, região com a maior concentração de povos isolados do Brasil. Marubo diz que o discurso antivacina de um governo negacionista está em sintonia com a pregação antivacina de um ramo da igreja evangélica e de missionários. "As aldeias que não querem receber vacina têm um grande vínculo com as igrejas. Fake news no Vale do Javari anda por barco e terra, não por celular. São os próprios indígenas vinculados às agremiações religiosas que levam", disse. Marubo relata que precisou enviar um vídeo a seus contatos no WhatsApp rebatendo a informação de que vários indígenas haviam morrido após tomar a vacina. "Temos que conter essa onda de informação falsa, que o Nawa ("o Nada" ou o não indígena) chama de fake news. Enquanto Marubo, tenho que dizer pra vocês que nenhum Marubo morreu após a vacinação. Lembrando sempre que se essa vacina fosse ruim, os o Nawa não iam aplicar neles mesmos, nos avós deles", diz o indígena no vídeo. O papel dos missionários estrangeiros em terras isoladas Em 1963, o casal de missionários norte-americano Robert e Barbara Campbell chegou à terra indígena Jarawara/Jamamadi/Kanamati, no sul do Amazonas e começou um trabalho de tradução da Bíblia para a língua jamamadi. Foi ali onde o episódio do helicóptero que abre este texto aconteceu no mês passado. Um dos filhos do casal, Steve Campbell, foi criado na terra indígena, fala a língua e conhece a cultura do povo. Ele seria, segundo testemunhas, o pivô da recusa à vacinação por parte dos Jamamadi. Alguns dias depois da operação que não conseguiu vacinar os Jamamadi, o cacique mudou de ideia e equipe voltou ao território, mas maioria ainda não foi vacinada "Nesses anos todos, a assistência à saúde jamamadi se firmou como a principal estratégia dos pastores norte-americanos: o Deus cristão, através da mão benéfica dos Campbell, garantiria aos Jamamadi a proteção das doenças dos brancos", escreveu o antropólogo Miguel Aparicio, pesquisador do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato em um texto sobre o tema. Isso explicaria em parte a confiança que muitos depositam no missionário. Mas desde março de 2020, uma portaria da Funai estabeleceu que está proibida a entrada de pessoas não essenciais em terras indígenas para evitar a propagação do coronavírus. Além disso, o Ministério Público Federal investiga se Steve Campbell usou os Jamamadi para entrar ilegalmente em uma terra de indígenas isolados, os Hi-Merimã. Terra indígena Jarawara/Jamamadi/Kanamanti fica na região dos rios Juruá e Purus, no sul do Amazonas O missionário, portanto, não acompanhou a equipe de vacinação, que teve de se retirar, como registrado no início desta reportagem. "Essa operação de helicóptero em aldeias é muito solene, ela chama a atenção. É feita em missões de vacinação ou de acidente grave. Tem que ter uma atitude muito marcada de rejeição para rejeitar um helicóptero da FAB e membros da Funai", diz o antropólogo Miguel Aparicio. "Em quase 30 anos na região, nunca vi a rejeição de um helicóptero. Ela está atrelada a essa polêmica recente, ligada à política desse governo e à presença do missionário", avalia. Segundo ele, o povo Banawá, que é vizinho ao povo Jamamadi e próximo à sua cultura e história, foi totalmente vacinado. A diferença? "A presença missionária, ali, não é forte", diz o antropólogo. A BBC News Brasil apurou que alguns dias depois, um cacique da aldeia São Francisco, a maior aldeia dos Jamamadi, fez contato com a Sesai dizendo que queria tomar a vacina. A equipe voltou e vacinou alguns indígenas. A Funai e a Sesai continuam tentando resolver o problema das outras aldeias. Povo Jamamadi tem forte presença de missionários estrangeiros, como ocorre em várias partes da Amazônia Procurada, a Funai disse somente que não autorizou o ingresso de Campbell na Terra Indígena Jamamadi. Em busca de um contato com Campbell, a BBC News Brasil pediu um posicionamento, por e-mail, à Greene Baptist Church, no Maine, e à Faith Baptist Church, no Texas, que o apresentam em seus sites como um de seus missionários apoiados pelo mundo, mas não obteve resposta das igrejas americanas. 'Pastor fala que vacina tem o chip da besta' O caso dos Jamamadi é apenas um exemplo do impacto da multiplicação de missionários e igrejas evangélicas - principalmente pentecostais e neopentecostais - em territórios indígenas no Brasil. A pressão que muitas vezes exercem é tão forte que, em fevereiro de 2020, um ex-missionário evangélico que trabalhou na Amazônia por uma década foi nomeado chefe do órgão da Funai responsável justamente pela proteção a indígenas isolados. Ricardo Lopes Dias, exonerado do cargo nove meses depois, atuou entre 1997 e 2007 na Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização com origem nos EUA que promove a evangelização de indígenas brasileiros desde os anos 1950. Indianara Ramires Machado, da associação de jovens indígenas da Reserva de Dourados, diz que muitos dos vídeos que circularam nos grupos de WhatsApp de indígenas eram de pastores indígenas fazendo cultos. "Vão na igreja, o pastor fala para não tomar a vacina, que ela tem o chip da besta, eles gravam e compartilham nos grupos de WhatsApp", diz ela. Pastor Henrique Terena diz que pessoas influenciando indígenas a não tomarem a vacina apenas se dizem pastores evangélicos Segundo o último Censo do IBGE, o percentual de indígenas evangélicos cresceu de 14% a 26% entre 1991 e 2010. O Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (Conplei) disse à BBC News Brasil haver 4 mil lideranças que atuam em comunidades indígenas no Brasil hoje "com a visão de ver Deus glorificado entre as tribos do Brasil". Um slogan do grupo é: "Em cada povo uma igreja genuinamente indígena". O pastor Henrique Terena, presidente da Conplei, admite que no Mato Grosso do Sul há "um segmento neopentecostal que afirma que as vacinas não são boas, são do Diabo, e colocaram seus membros dizendo que não pode vacinar". Em entrevista por vídeo à BBC News Brasil, Terena diz que nem é a igreja evangélica, nem são pastores indígenas que estão professando palavras contra a vacina. São pessoas "que se dizem evangélicas, que são pastores", mas que não são. "São pessoas individualistas, tipo aventureiros, que vêm aí e começam a disseminar situações que não são verdades. São pastores de fora que vêm disseminar dentro da comunidade. E aí o indígena escuta tudo e acaba disseminando isso." Reação com campanhas indígenas Diante da crescente rejeição, membros da própria comunidade criaram diversas campanhas pró-vacina. Na Reserva de Dourados, a associação de jovens colheu relatos e produziu "cards" para serem distribuídos por WhatsApp. "Perdi um tio amado por causa dessa terrível doença. Proteja sua vida e de sua família! Jau'ke vacina" ("Vamos tomar a vacina"), diz um com a foto de uma jovem indígena. Campanhas a favor da vacina em guarani kaiowá: 'Vacina contra coronavírus já chegou' e 'Não fique com medo, a vacina é boa' O educador indígena Eliel Benites, da Reserva de Dourados, está fazendo um livro com financiamento da Fiocruz explicando a pandemia do ponto de vista da cosmologia indígena do seu povo guarani. "Os indígenas acreditam muito que cada doença tem seus donos", diz. A partir dessa lógica, ele explica como o vírus "tem donos de outros lugares" e, por isso, são necessários remédios, como a vacina, de outros lugares. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) lançou em janeiro a campanha "Vacina, parente!" e há iniciativas pipocando pelo Brasil, como programas de rádio transmitidos justamente via áudios de WhatsApp. Mas as iniciativas são "limitadas" e falta apoio do governo, segundo Eliel. "Há uma ausência de comunicação adequada do governo à população indígena", critica. Para Indianara, a enfermeira indígena de Dourados, "é preciso haver um 'choque' de educação em saúde para combater as fake news". "Tem que fazer, tentar sensibilizar, uma hora alguém vai ouvir", diz ela. "Com esse governo e infelizmente com a igrejas, a gente tem que se desdobrar. Se não tivesse o negacionismo do governo e a frente radical das igrejas pentecostais, estaríamos em uma melhor situação de vacinação." Para checar informações sobre a covid-19 no WhatsApp, o aplicativo oferece um serviço automatizado que podem ser acessado pelos números +1 727 291-2606, +55 21 98217-2344, +55 21 99193-3751, +55 21 99956-5882 e +55 11 97683-7490. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Justiça volta atrás sobre plebiscito na Venezuela
A Câmara Constitucional da Suprema Corte de Justiça da Venezuela anulou a sentença da Câmara Eleitoral da mesma Corte que favorecia o referendo contra o presidente do país, Hugo Chávez.
A decisão tomada nesta terça-feira anula a do dia 15 de março, que determinava que as autoridades eleitorais do país suspendessem as objeções contra mais de 800 mil assinaturas recolhidas por partidos de oposição ao governo para respaldar a realização do referendo. Segundo a Câmara Constitucional, cabe ao Conselho Eleitoral, e não à Câmara Eleitoral da Suprema Corte, decidir se as assinaturas recolhidas para a realização do referendo contra Chávez são verdadeiras. Com a validação das 800 mil assinaturas, o número total passaria dos 2,4 milhões, número suficiente para a realização do referendo. O referendo seria realizado para decidir sobre o encurtamento do mandato de Chávez. A oposição terá de esperar até que as assinaturas sejam revisadas para saber se o referendo poderá acontecer.
'É como ir para a guerra sem nenhuma arma': médicos e MP relatam caos no Amazonas com a pandemia
"Sempre houve déficit no Amazonas, sempre faltou vaga. Sou formada há mais de 10 anos e sempre vi pacientes nos corredores das emergências porque não tem lugar nas enfermarias", conta uma médica que atua em emergências, UTIs e em ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Manaus.
Amazonas tem a pior taxa de incidência de casos confirmados de coronavírus do país O texto foi atualizado em 17 de abril de 2020. Hoje, a profissional está na linha de frente do combate ao novo coronavírus no Estado. "A piora é substancial. Sem macas, agora os pacientes ficam em cadeiras nos corredores das emergências. São pessoas com suspeita de covid-19 contaminando todo mundo. A gente não sabe quem tem, quem não tem, porque até os exames estão em falta", diz. "A equipe de enfermagem também é a que mais sofre: eles não têm equipamentos de proteção individual. Não têm, simplesmente não têm." Fim do Talvez também te interesse A cena narrada pela médica é repetida por outros quatro profissionais de saúde do Amazonas ouvidos pela BBC News Brasil ao longo da semana. O Estado tem a pior concentração de casos confirmados do Brasil: 323,7 a cada milhão de habitantes (quase o triplo da média nacional: 111/milhão). Além de hospitais superlotados e falta de equipamentos, profissionais denunciam escassez de exames, salários atrasados e riscos enfrentados por médicos e enfermeiros. "Está sendo o caos", diz uma das profissionais, que conta que colegas têm comprado equipamentos do próprio bolso para poderem trabalhar. "Álcool 70, coisas básicas, máscara, capote de proteção. Compramos praticamente tudo"acrescenta ela, com a voz embargada. "Atualmente, a gente tem quer rezar para o paciente não chegar em estado grave." Com mais de 90% dos leitos ocupados por pacientes com o novo coronavírus, segundo o governador, o Estado recebeu do governo federal uma verba extraordinária de mais de R$ 40 milhões, para o combate específico à covid-19, doença causada pelo vírus. Médicos, enfermeiros, procuradores e promotores, no entanto, questionam onde o dinheiro tem sido investido. Silêncio Nesta semana, a Sociedade Brasileira de Cardiologia questionou o governo do Estado, em uma carta à qual a reportagem teve acesso, sobre o uso de verbas federais para o combate à covid-19. "Para onde estão sendo enviados os recursos e os investimentos da área de Saúde no Amazonas?", diz o texto. Na quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP) ajuizaram uma Ação Civil Pública na mesma linha. No texto, eles pedem que o Estado seja obrigado "a publicar informações claras e atualizadas, no site na internet, sobre verbas federais já recebidas e a receber e sobre o repasse, pelo Ministério da Saúde, de respiradores, equipamentos de proteção individual (EPIs) e testes." A BBC News Brasil procurou, por telefone, e-mail e mensagem de texto, o governo e a secretaria de Saúde do Estado em busca de esclarecimentos. Nas mensagens, a reportagem pergunta como as verbas federais de urgência destinadas ao enfrentamento do novo coronavírus têm sido usadas no Estado. A BBC News Brasil também enumerou as reclamações dos profissionais de saúde sobre falta de equipamentos, superlotação de unidades e dúvidas sobre o uso das verbas. O Estado não respondeu a nenhum dos questionamentos. Autoridades questionam onde verbas federais estão sendo investidas Segundo o portal da Transparência, nos meses de março e abril, R$ 46.138.354,09 foram transferidos pelo governo federal para o Fundo Estadual de Saúde (FES), administrado pela Secretaria Estadual de Saúde. O valor deveria ser destinado especificamente ao "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus". Na ação ajuizada na Justiça Federal, o Ministério Público destaca "que o Estado já recebeu verbas federais para o combate ao Covid-19, como se extrai do portal do Fundo Nacional de Saúde, o que justifica a prestação dessa informação". Ainda segundo a ação, "o MPF e o MP-AM destacam que não foram adotadas até hoje, mais de um mês após o início do surto, medidas que assegurem a transparência das ações públicas". Mortes de médicos A carta enviada pela sociedade médica também discute o "apagão" de verbas emergenciais no Estado. "Há de se ter clareza nas informações destes dados (financeiros) e não auferir capital político nessa conjuntura", diz o texto. Ao menos dois médicos morreram na última semana, em Manaus, após serem internados com suspeita de covid-19. Um deles teve a doença foi confirmada, segundo o Conselho Regional de Medicina do Amazonas. Ainda não há resultado dos testes para o segundo, enquanto as mortes de outros três profissionais, segundo médicos do Estado, também estariam ligadas à doença. "Entendemos que é nosso dever salvar vidas. Somos fiéis ao nosso juramento, mas não podemos, num quadro caótico como esse, sermos negligentes. Temos consciência que muito mais pode ser feito sem sacrificar a vida dos colegas e dos cidadãos. Quantos mais profissionais da saúde precisam perder suas vidas para haver mudanças na saúde pública do Estado?" À BBC News Brasil, uma das diretoras do conselho, a cardiologista Wladia de Albuquerque Silva, descreveu a situação dos profissionais de saúde sem equipamentos "como ir para a guerra sem nenhuma arma". Além de hospitais superlotados e falta de equipamentos, profissionais denunciam escassez de exames, salários atrasados e riscos enfrentados por médicos e enfermeiros "A gente sabe que o Estado tem sua receita, sabe que esse valor foi repassado pelo governo federal, mas a gente não vê recursos sendo destinados para lugar nenhum aqui em Manaus. Estamos explodindo de casos. E não é uma situação só local, no interior é pior." Boa parte do efetivo de atendimento de saúde do Amazonas não é concursada e oferece serviços terceirizados ao Estado por meio de cooperativas. Dois enfermeiros que trabalham neste regime disseram à reportagem que estão com salários atrasados há dois meses. No fim de março, já em meio à pandemia, quando o Estado já tinha mais de 80 casos confirmados, enfermeiros fizeram um protesto em Manaus pedindo a regularização dos pagamentos. Alguns afirmaram estar há oito meses sem receber o salário regular. A BBC News Brasil questionou o Estado sobre os atrasos, mas não teve resposta até a quinta-feira (16). Limite Em uma semana, os casos confirmados da doença no Estado aumentaram 192% e os registros de óbitos subiram 360%. Esses dados colocam o Amazonas na fase de "aceleração descontrolada" do novo coronavírus, segundo o Ministério da Saúde. Segundo o governo do Amazonas, 18 dos 61 municípios do interior têm casos da doença. Na semana passada, em entrevista a jornalistas, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a situação em "Manaus nos preocupa muito". Ao jornal El País Brasil, o governador do Estado, Wilson Lima, disse que "90% dos leitos estão com pacientes de covid-19". "É uma corrida contra o tempo", afirmou. Além dos pacientes, a corrida afeta o cotidiano e a saúde mental de profissionais de saúde, que tentam como podem dar conta da nova demanda. Em uma semana, os casos confirmados da doença no Estado aumentaram 192% e os registros de óbitos subiram 360% "A gente tenta o máximo possível preservar a vida do paciente, até se expondo em algumas situações", diz uma profissional. "Apesar da nossa situação ruim de material e tudo mais, o material humano está sendo nota 10. Vejo cada um tentando o máximo para salvar uma pessoa e enfrentar uma situação que chega no limite. É muito triste." Para médicos ouvidos pela reportagem, a crise expôs um problema antigo no Estado. "A gente tinha até desistido de (esperar) alguma ação dos governantes, porque eles sempre usam a saúde como massa de manobra para poderem se eleger, mas de efetivo não faziam nada. Isso tem anos já", diz uma médica concursada. "Agora, a pandemia do coronavírus mostrou o tamanho da deficiência da saúde aqui no Amazonas. E só tende a piorar." Outro lado Procurada por telefone, email e mensagem de texto durante toda a quinta-feira (16), a secretaria de saúde do Amazonas não respondeu aos questionamentos da BBC News Brasil. Após a publicação da reportagem, a pasta enviou os pontos a seguir: Uso de verbas federais Atrasos em salários Os profissionais citados não recebem salários, mas pró-labore, pois são sócios das empresas e cooperativas. O prazo contratual prevê até 90 dias para o pagamento de serviços prestados. A atual gestão vem mantendo a regularidade no pagamento mensal das empresas médicas de modo que cada uma receba pelo menos uma competência mensal que, necessariamente, não será a do mês corrente. Ressalta-se que o Amazonas é um dos poucos estados da federação que nunca atrasou salário de servidores públicos, mesmo diante das sucessivas crises econômicas dos últimos anos, que levou parte dos Estados a atrasar e até parcelar salários. Falta de equipamentos Apesar do aumento do consumo em até cinco vezes após a epidemia (hoje se consome em uma semana o que era consumido em um mês) e a escassez do produto no mercado mundial, o Amazonas ainda vem conseguindo manter até aqui um estoque de EPIs e o abastecimento de todas as unidades de saúde da rede estadual. Todavia, tem sido orientado aos gestores o uso racional e adequado dos EPIs - seguindo o que recomenda a Agência Nacional de Saúde (Anvisa) - para que não haja desabastecimento. As medidas, obviamente, não agradam aos profissionais, uma vez que o uso dos produtos está sendo controlado. O que tem se observado é que, por medo da contaminação, os profissionais que atuam dentro das unidades têm exigido equipamentos diferentes daqueles definidos para cada ambiente e situação recomendada pela Anvisa. É o caso do macacão e da máscara N95, esta última indicada para uso em procedimentos que produzem aerossóis, mas que é reivindicada por todos, inclusive profissionais para os quais o equipamento indicado é a máscara cirúrgica. O abastecimento vem sendo garantido com aquisições pelo Estado e Ministério da saúde, além de doações e de parcerias, como a que está em curso com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) para a produção de EPIs para a rede estadual de saúde. Superlotação em emergências Levando em conta que, além da covid-19, o Amazonas também enfrenta o período sazonal, que vai de novembro a maio, das Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) por outros vírus - Influenza A e B, Metapneumovírus, Adenomavírus, Vírus Sincicial Respiratórios e outros - , foi criado um fluxo de atendimento na rede de urgência e emergência da capital-Manaus para acolhimento e manejo adequado desses casos e do covid-19. Todo paciente que entra em pronto-socorro, serviço de pronto-atendimento (SPA) e Unidade de Pronto Atendimento (UPA) passa por uma triagem e aqueles que apresentam sintomas respiratórios que necessitam de cuidados são encaminhados a espaços chamados "sala rosas". Nessas salas eles recebem o atendimento adequado segregados do restante do hospital e são testados e classificados enquanto aguardam a remoção para o serviço de referência, caso necessitem. Por isso, tem sido recomendado que só busquem a emergência hospitalar pessoas com sintomas mais graves que realmente necessitem de atendimento médico. Para sintomas leves é recomendado que fiquem em casa. Para reduzir a superlotação dos serviços de emergência, o Governo do Amazonas lançou em 6 de abril um chatboot com atendimento por telemedicina onde as pessoas podem acessar um aplicativo para receber orientações e até falar com um médico que vai dar as orientações sobre o que fazer diante de sintomas e qual o momento de buscar o serviço hospitalar. Até quarta-feira (15/04), 5.790 pessoas foram atendidas por meio do serviço. Nesta sexta-feira, o governo inicia um novo processo de triagem externa em tendas montadas fora dos hospitais para garantir que só acessem a unidade as pessoas que realmente estejam necessitando de atendimento de urgência e emergência. Mesmo com as limitações e a grande demanda, as unidades têm se esforçado para dar o atendimento adequado a quem precisa. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Pacientes que tomam cloroquina há anos têm o mesmo risco de pegar covid-19, diz estudo brasileiro
Apesar de ter ganhado fama durante a pandemia, a cloroquina é uma droga utilizada na medicina há quase 100 anos. Criada originalmente como um tratamento contra a malária, algumas pesquisas realizadas a partir das décadas de 1930 e 40 indicaram que ela também possui uma capacidade de modular o sistema imunológico.
A hidroxicloroquina (uma das versões da cloroquina) foi alvo de intensa disputa durante a pandemia da covid-19. A evidência atual não sustenta seu uso para tratar a infecção pelo coronavírus Durante os últimos 70 anos, ela se tornou uma das drogas mais prescritas na reumatologia, área da medicina voltada às doenças que atingem articulações, ossos, músculos, tendões e ligamentos. Os especialistas costumam indicar o uso crônico desses comprimidos para pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide, duas doenças em que o sistema imunológico ataca áreas do próprio corpo, como as articulações, a pele e os rins. "Quando começamos a ver as primeiras notícias de que a cloroquina estava sendo testada para conter a pandemia, lá em março de 2020, ficamos muito intrigados. Afinal, nossa experiência nos mostra que o medicamento precisa ser usado por três meses para dar efeito. Então como é que ele funcionaria tão rápido na covid-19, em questão de cinco dias?", questiona o reumatologista Marcelo Pinheiro, da Universidade Federal de São Paulo. Foi para sanar essa e outras curiosidades que Pinheiro coordenou um estudo que contou com a participação voluntária de cerca de 400 estudantes de medicina e quase 10 mil voluntários espalhados por 20 centros do Brasil. Fim do Talvez também te interesse O objetivo do trabalho era conferir se os pacientes com doenças reumatológicas que tomavam a cloroquina há mais de cinco anos possuíam algum tipo de proteção contra a infecção pelo coronavírus ou se o quadro seria mais leve e sem maiores complicações neles. A conclusão do trabalho vai na linha de outras pesquisas que foram feitas nos últimos meses: o uso da cloroquina não mudou em nada o risco de ter a covid-19 ou desenvolver as formas mais graves, com necessidade de internação ou intubação. A pesquisa, antecipada em primeira mão para a BBC News Brasil, será apresentada nesta sexta-feira (20/11) durante o Congresso Brasileiro de Reumatologia. Passo a passo do estudo O trabalho do time de especialistas começou no finalzinho de março, com a inclusão dos voluntários. No dia 17 de maio, essa etapa foi finalizada com a confirmação de que 9.589 pessoas fariam parte da experiência. Desses, 5.166 indivíduos tinham lúpus, artrite reumatoide ou outras enfermidades reumatológicas e faziam uso da cloroquina todos os dias há vários anos. Os 4.423 restantes não tinham qualquer doença do tipo e eram familiares ou amigos dos pacientes que moravam na mesma casa. "Selecionamos esse grupo de controle porque eles dividem uma mesma rotina e estão expostos a um risco parecido de se infectar com o coronavírus", justifica Pinheiro. Os milhares de participantes estavam espalhados por 97 cidades brasileiras e eram atendidos em 20 centros especializados em reumatologia. Para acompanhar tanta gente, Pinheiro montou uma verdadeira força-tarefa. "Tivemos o apoio da Sociedade Brasileira de Reumatologia, da qual faço parte, e contamos com o trabalho de 395 estudantes de medicina", conta. Essa equipe ficou responsável por ligar para todos os voluntários a cada 15 dias. A proposta era saber como estava a saúde deles, se eles tinham adoecido ou apresentavam algum sintoma sugestivo de covid-19. "Além dessa monitorização, também montamos um call center, em que o paciente poderia telefonar caso estivesse se sentindo mal nesse meio tempo das duas semanas", completa o reumatologista. Doenças como artrite reumatoide e lúpus possuem uma origem autoimune. Isso significa que o próprio sistema imunológico passa a atacar algumas estruturas do corpo, como as articulações. Sintomas mais frequentes incluem dores e inchaço. Após a coleta dos dados e a análise estatística, os cientistas puderam comparar os dois grupos em relação à maior probabilidade de desenvolver covid-19: pacientes com doenças reumatológicas que usavam cloroquina versus indivíduos sem essas enfermidades que moravam na mesma residência. A conclusão do trabalho foi a de que não houve diferença alguma entre as duas turmas. "A cloroquina não protegeu e nem evitou formas graves, que exigem intubação", resume Pinheiro. Perguntas sem respostas Apesar de trazer uma série de novidades, a pesquisa brasileira também apresenta limitações. Para começo de conversa, ela apenas foi apresentada num congresso e ainda precisa ser revisada por cientistas independentes antes da publicação num periódico. "Nós já enviamos o trabalho para algumas revistas especializadas e estamos esperando a resposta", diz Pinheiro. Outro ponto que merece destaque: o estudo não fez exames para verificar se todos os pacientes que relataram sintomas realmente tiveram covid-19. "Nós usamos os critérios clínicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, pois naquele momento da pandemia os recursos eram escassos e a orientação era fazer testes somente nos quadros mais graves", explica o reumatologista. Portanto, é possível que uma parcela dos voluntários tenha se infectado com outras doenças respiratórias, como a gripe ou o resfriado. Mas, como a circulação do Sars-CoV-2 estava (e está) muito intensa no país, é bastante provável que a maioria deles tenha sido acometido pela covid-19 mesmo. Cloroquina nas doenças reumatológicas Esse remédio costuma ser usado frequentemente nos casos de lúpus eritematoso sistêmico e, mais ocasionalmente, na artrite reumatoide. "Ele tem um papel razoável de imunomodulador, ou seja, controla o processo inflamatório ocasionado pelo sistema imunológico e alivia incômodos como inchaço e dor", explica o reumatologista Rubens Bonfiglioli, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. No contexto dessas doenças, a cloroquina é extremamente segura e não provoca grandes efeitos colaterais. Ela é prescrita, inclusive, para mulheres grávidas ou na fase de amamentação. Seu evento adverso mais preocupante ocorre na visão, pois o acúmulo do fármaco no organismo ao longo do tempo pode afetar algumas estruturas dos globos oculares. "Para evitar isso, basta fazer uma consulta por ano com um oftalmologista", esclarece Bonfiglioli, que também é o presidente do Congresso Brasileiro de Reumatologia deste ano. O médico tem certeza que a promoção da cloroquina contra a covid-19 afetou os pacientes que realmente precisavam dela. "Antes, a medicação era obtida com facilidade e a um preço bastante acessível. Com a pandemia e toda a propaganda nacional e internacional que foi feita, ela começou a desaparecer ou ter um preço exorbitante nas farmácias. Nossos pacientes sofreram com isso", relata. Em razão da maior procura, pacientes que realmente precisaram da cloroquina (como aqueles acometidos por lúpus e artrite reumatoide) sofreram nos últimos meses com o desabastecimento e o aumento de preço das farmácias. Cloroquina e covid-19 "Só no futuro a gente vai conseguir entender realmente o que aconteceu nessa história", analisa o infectologista Alexandre Zavascki, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em resumo, tudo começou no início da pandemia, quando os cientistas avaliaram se existia alguma droga já disponível no mercado que conseguisse inibir o Sars-CoV-2. Nos experimentos em laboratório, com culturas de células, a cloroquina mostrou essa capacidade. "Logo na sequência, um grupo de especialistas franceses liderados pelo médico Didier Raoult publicou um estudo com 36 pacientes sugerindo que esse remédio poderia ser efetivo na covid-19. O trabalho, porém, apresentava uma série de falhas metodológicas e gerou estranhamento na comunidade acadêmica", lembra Zavascki. Essas informações serviram de gatilho para que líderes mundiais, como o americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro, passassem a divulgar a cloroquina como a solução para acabar com a pandemia. No final de outubro, o presidente Bolsonaro chegou a afirmar a alguns apoiadores na frente do Palácio do Planalto que "no Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, há 100% de cura". A ciência, no entanto, não corrobora essas alegações. "Já temos vários estudos mostrando claramente uma ausência de benefício da cloroquina no contexto da covid-19. A evidência contrária ao seu uso é particularmente forte nos casos mais graves", afirma Zavascki. Mesmo nos quadros leves, onde alguns defensores falam em "tratamento precoce", o poder de fogo da cloroquina é muito questionável. "Em primeiro lugar, é extremamente difícil definir o que seria um tratamento precoce, uma vez que o Brasil não tem nem estrutura para fazer o diagnóstico com rapidez. Há uma demora para o desenvolvimento de sintomas e uma espera para obter o resultado dos exames", destaca o infectologista. O segundo ponto é que, nos pacientes que desenvolvem a forma mais branda da covid-19, a enfermidade costuma evoluir bem, sem a necessidade de medicamentos específicos. Portanto, se um indivíduo infectado com um quadro leve tomar ou não a cloroquina, na maioria das vezes o resultado final será o mesmo. Zavascki percebe que, nos últimos meses, a popularidade da cloroquina vem caindo nas consultas. "Era comum casos de pessoas que vinham até nós e exigiam o tratamento com cloroquina, o que era uma situação bastante delicada. Mais recentemente, essa demanda diminuiu bastante", observa. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Por que as pessoas gastam demais nas férias?
Esta Shah tem um hábito: ela sempre planeja alguma atividade divertida para o dia seguinte ao fim de suas férias. Não se trata de uma forma para lidar com a depressão de voltar ao trabalho, mas sim um truque para evitar gastar demais. Saber que a diversão vai continuar quando você volta para casa "evita gastos desnecessários nos últimos dias de férias", explica Shah, que dá aulas de marketing na Universidade de Cincinnati (EUA).
Gastança de férias pode ser inconsciente | Crédito: Alamy A tática, segundo a professora, faz com que ela não "persiga" a felicidade durante as férias, pois sabe que haverá mais diversão mesmo depois da volta para casa. Permite que gaste de forma mais racional e não se comprometa com gastos desnecessários. Ponto cego coletivo Muitas pessoas voltam das férias com contas de cartão de crédito mais altas do que esperavam. Nos EUA, por exemplo, os excessos nos gastos têm grande impacto no orçamento familiar: 74% dos americanos admitem terem contraído dividas de mais de US$ 1,1 mil na volta das férias, de acordo com uma enquete do site de finanças pessoais Learnvest. No Reino Unido, uma pesquisa da Associação de Agentes de Viagens Britânicos determinou que a média individual de gastos pessoais com as férias mesmo antes de entrar no avião é da ordem de US$ 718, o que inclui duty free e compras de roupas. "Já trabalhei com muitos clientes que não têm problemas em sua vida financeira - a não ser quando saem de férias", explica Brad Klontz, psicólogo e consultor financeiro que vive no Havaí e é especializado em controle de gastos. Dinheiro Mas por que as pessoas perdem o controle quando viajam? Diferenças cambiais podem nos confundir e fazer com que gastemos mais Klaus Wertenbroch, professor de marketing da Escola INSEAD de Negócios, em Singapura, explica que há uma gama de razões subconscientes que explicam tanto os maiores gastos nas férias quanto a dificuldade em controlá-los. Para começo de conversa, variações cambiais podem dar a ilusão de que você tem mais dinheiro do que imagina no exterior. Em um estudo de que foi coautor, publicado em 2007, Wertenbroch, descobriu que o valor nominal de moedas afeta a maneira como as pessoas percebem seu valor real: quem está em um país cujo valor da moeda é uma fração da moeda do país de origem tem chance de gastar mais. Por exemplo, se você vai do Canadá à Indonésia, um dólar canadense vale por volta de 10.800 rúpias indonésias. Com uma carteira recheada de notas altas, as chances de gastar demais são ainda maiores porque fazer conversões mentais é um processo exaustivo - Wertenbroch afirma que é mais provável que indivíduos façam uma avaliação influenciada pelo valor das notas em detrimento do valor real do dinheiro. Contabilidade "maleável" Viajantes podem ser suscetíveis a fazer orçamentos baixos ou altos demais por causa de um efeito batizado de "contabilidade mental maleável", que aumenta a tendência de gastar, de acordo com Shah. Isso porque tendemos a justificar os gastos com base em circunstâncias de momento em vez de nos atermos a um controle mais restrito das despesas. Por exemplo: se você planejou gastar apenas US$ 100 por dia em suas férias, você pode incorrer em gastos extras de US$ 30 em alimentação se categorizar comida como uma despesa corriqueira e não uma de férias. Como resultado, justificamos que podemos gastar os US$ 30 extras sem reconhecer que estamos gastando mais do que fazemos em casa. "Nossos orçamentos não são tão bons quanto pensamos", diz Shah. "Eles desmontam com base em nossas motivações". Mesmo estimativas mais conservadoras não funcionam. Por exemplo, separar US$ 1 mil para um viagem de uma semana e descobrir, no último dia, que ainda sobraram US$ 500, torna muito fácil "torrar" tudo antes de entrar no avião, de acordo com estudos de Shah. "Números redondos em um budget criam uma espécie de licença e uma desculpa mental para gastar mais", explica a especialista. A geração millenial valoriza mais a experiência que as compras Outro fator influenciador dos gastos é a sensação de falta de tempo, diz Deepak Chhabra, professora da Universidade do Arizona especializada em turismo. Seja em souvenires ou jantares, estamos, segundo ela, "encarando a vida em uma perspectiva de curto prazo e isso pode entusiasmar demais". Com base em um estudo do site de viagens Expedia, que mostrou que viajantes de Japão, EUA, e Coreia do Sul são menos propensos a tirar todos os dias de férias a que têm direito em comparação com cidadãos de alguns países europeus, Chhabra concluiu que pessoas com menos tempo para férias por ano são mais vorazes no que diz respeito a gastos. Outro ponto a ser considerado é o efeito das mídias sociais. Ver viagens de amigos e conhecidos pode inspirar um "medo de ficar de fora da experiência", um sentimento que tende a levar viajantes a gastar demais - especialmente os mais jovens, que Chhabra diz serem mais propensos a valorizar experiências que outras gerações. Mesmo pessoas boas de orçamento podem relaxar nas despesas quando estão longe de casa A professora explica que a influência de ver contatos gastando mais dinheiro em viagens é maior até que o efeito da publicidade. "Você quer fazer igual ao que as outras pessoas (de sua rede) estão fazendo". O que fazer, então? Em vez de criar um budget baseado no que você pretende gastar, trate suas férias como dias normais de vida, explica Shah. O primeiro passo é entender a moeda do país e seu custo de vida. Inteirar-se sobre itens como comida, bebida, transporte e entretenimento tornam os preços mais familiares quando se está na viagem. Faça um orçamento diário baseado em sua pesquisa de quanto espera pagar por subsistência e atividades, em vez de um semanal. Ele é mais fácil de acompanhar. Por fim, tente pagar pelas férias em um curto período de tempo, incluindo despesas de voos e acomodação. Pagamentos de parcelas durante meses tornam mais fácil perder o controle do quanto estamos gastando em cada porção da viagem, aconselha a especialista em marketing. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital
No Afeganistão, Talebã vira um inesperado 'aliado' contra Estado Islâmico
Talebã e Estado Islâmico são dois dos grupos militantes islâmicos mais conhecidos no mundo, e estão numa batalha sangrenta por poder.
Talebã e EI declaram guerra em janeiro de 2015 O EI tem desafiado o domínio e monopólio do Talebã sobre a insurgência no Afeganistão, uma região habitada por diversos grupos locais e estrangeiros, e tem recebido apoio nesta campanha. Mas o grupo tem registrado revezes significativos em seu reduto - áreas da Síria e do Iraque - devido à ofensiva aérea liderada pelos Estados Unidos. Já o Talebã tem realizado ganhos após ter sido enfraquecido pela campanha militar no Afeganistão, liderada por forças americanas, após os ataques de 11 de setembro de 2001. Os dois grupos são conhecidos pela brutalidade e rigidez das leis em áreas sob seu controle, com decapitações, execuções e punições públicas, além do massacre de adversários. Fim do Talvez também te interesse Mas quem está ganhando a guerra dos militantes islâmicos? Quantas forças do Talebã lutam contra o EI? De acordo com fontes do Talebã, uma força-tarefa especial, parte do comando especial do Talebã, foi criada no início de outubro e tem mais de mil combatentes - melhor equipados e treinados do que talebãs comuns e com o único objectivo de derrotar o EI. Equipes de operações especiais são escolhidas a dedo por suas habilidades de combate e experiência. E são ativas em todas as províncias onde o EI está presente ou tem potencial de presença - incluindo Nangarhar, Farah, Helmand e Zabul. Leia também: Análise: Como o Estado Islâmico consegue sobreviver a ataques É a primeira expansão do EI para fora do mundo árabe Muitos insurgentes foram mortos? Quando o Estado Islâmico planejou sua expansão sobre o Afeganistão, o Talebã ordenou silenciosamente que seus comandantes confrontassem o grupo por "todos os meios possíveis". Desde abril, o Talebã e o EI têm se atacado diversas vezes enquanto tentam tomar ou manter território. Células do EI, a maioria liderada por ex-comandantes do Talebã afegão ou por militantes do Paquistão e Uzbequistão, têm sido atacadas. A maioria dos combates tem sido registrada em Nangarhar, Helmand, Farah e Zabul, e centenas de insurgentes de ambos os lados morreram. Não se tem números exatos, mas acredita-se que unidades de operações especiais do Talebã mataram dezenas de combatentes do EI desde outubro. Já o EI também já matou dezenas de talebãs, principalmente em Nangarhar. Eles procuram por integrantes do grupo em qualquer lugar e já realizaram diversas emboscadas. O EI decapitou 10 combatentes do Talebã no início deste ano nesta região. Por enquanto, parece que o EI foi eliminado no sul e oeste do país. Mas seus pequenos grupos de combatentes são ativos no leste do Afeganistão, especialmente nas províncias de Nangarhar e Kunar. O EI também está se concentrando no norte do Afeganistão, onde quer estabelecer bolsões para conectar-se com outros militantes uzbeques, tajiques, chechenos e uigures, para cruzar fronteiras internacionais com facilidade. Leia também: Liberação do WhatsApp não encerra polêmica disputa com Justiça brasileira Quando os dois grupos começaram a lutar? Os dois grupos declararam guerra em janeiro de 2015 após o EI ter anunciado o estabelecimento de sua filial em "Khorasan", um nome antigo para o Afeganistão e partes do Paquistão, Irã e na Ásia Central. Foi a primeira vez que o Estado Islâmico se expandiu oficialmente para fora do mundo árabe. O EI, conhecido como "Daesh" em árabe, foi o primeiro grande grupo militante a desafiar diretamente a autoridade do fundador do Talebã, o mulá Muhammad Omar, considerado pelo Talebã como Amir-ul Momineen (Líder dos Fiéis) do Emirado Islâmico do Afeganistão. Os líderes da Al-Qaeda foram abrigados pelo líder talebã e eles reconheceram sua autoridade. Mas o EI se opôs vocalmente, com depoimentos e vídeos de propaganda questionando a legitimidade do Talebã e acusando-os de promover os interesses da agência de inteligência do Paquistão (ISI). O Talebã rebateu, dizendo ao EI que parasse de "criar uma frente jihadista paralela". Em uma carta aberta ao líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, de 16 de junho, o Talebã advertiu que eles deveriam "defender nossas conquistas". A resposta do EI veio uma semana depois, na qual combatentes receberam ordens para "não terem piedade ou compaixão" com aqueles que não se "arrependessem" e se "juntassem ao califado". Leia também: A nova meca do mercado de luxo da América Latina que desbancou Brasil O quão sério é para o Talebã? Mulá Akhtar Mansour pediu ao Talebã que se mantenha unido diante de divisões O domínio do Talebã nunca foi tão diretamente desafiado por outros militantes. Agora, seu pior pesadelo é uma deserção em massa de seus integrantes rumo ao EI. Para evitar isso, eles têm combatido o novo inimigo em duas frentes: militarmente e ideologicamente. O Estado Islâmico executa uma campanha agressiva de recrutamento e tem como alvo principal os comandantes militantes que foram expulsos ou marginalizados. O grupo tem explorado, ainda, a luta interna pelo poder dentro do Talebã, que tornou-se mais visível quando o mulá Akhtar Muhammad Mansour foi nomeado como novo líder após a morte do mulá Omar, anunciada em julho. No mês passado, uma facção separatista do Talebã foi formada, o que complicou ainda mais as coisas - mas este grupo diz ser também contra o EI. Os recursos financeiros do EI também servem de isca. Muitos, especialmente jovens desempregados, têm sido atraídos por salários de até US$ 500 por mês. O futuro do Estado Islâmico no Afeganistão também está estreitamente ligado à realidade do grupo no Iraque e na Síria. Mas muitos militantes estão numa fase de "esperar e ver" ou estão com muito medo de represálias severas do Talebã para tornar pública sua adesão ao EI. Integrantes do poderoso exército do Paquistão, que é acusado de apoiar o Talebã, terão um papel importante nesta disputa. Leia também: A cidade onde um homem pode levar 30 chibatadas por guardar fotos de mulheres no celular Estado Islâmico x Emirado Islâmico Estado Islâmico anunciou criação de califado em áreas da Síria e do Iraque Existem várias diferenças ideológicas e culturais entre os dois grupos. O EI é uma organização pan-islâmica, tem uma agenda de jihad global sem fronteiras e visa estabelecer uma entidade política única que consiste em todos os países e territórios muçulmanos. Os talebãs insistem que sua agenda é local, confinada apenas ao Afeganistão. O objetivo declarado é o de libertar o Afeganistão da "ocupação estrangeira" e a retirada total e imediata de todas as forças estrangeiras do país. Ao declarar o Califado, Abu Bakar Al-Baghdadi reivindica a fidelidade de todos os muçulmanos. Um vídeo postado pelo capítulo Khorasan do EI no final de maio diz categoricamente que não pode haver dois califados no mundo e, que na existência de um, o outro precisa ser destruído. Existem diferenças teológicas também. O Talibã é um movimento clérigo conservador leal à versão puritana da escola Hanafi do islamismo sunita, praticada pela grande maioria dos sunitas afegãos. Eles geralmente acreditam no sufismo e tendem a evitar a violência sectária anti-xiita. O EI, adepto da ideologia da linha wahabi/salafista do islamismo sunita, mais rígida, não acredita no sufismo e considera os xiitas não-crentes. Leia também: O que aconteceu com os refugiados que viraram símbolo da crise? Os afegãos temem o Estado Islâmico? Em alguns casos, militantes do Estado Islâmico implantaram maneiras mais duras e mais elaboradas de punir e matar seus oponentes. Um vídeo em particular, lançado em agosto, causou horror e medo em todo o país: mostrava combatentes levando 10 pessoas vendadas, incluindo idosos, a uma encosta no bairro Achin. Eles, então, foram obrigados a sentar-se no chão sobre buracos cheios de explosivos. Em algumas partes da província de Nangarhar, o EI disse a moradores que oferecessem esposas para combatentes recém-recrutados e proibiu o uso e venda de cigarros. Narcóticos, inclusive o cultivo de papoula de ópio, também foram banidos. Em dezembro, o EI lançou uma estação local de rádio FM em Nangarhar como parte de sua propaganda para atrair mais recrutas. Integrantes do grupo também têm saqueado e destruído centenas de casas de oponentes ou tomaram outras que estavam desocupadas. Enquanto a ideologia do grupo e o anúncio do califado atraiu recrutas nas regiões sul e central da Ásia, suas táticas também alienaram muitos na região. E agora? Emergência do EI representa ameaça à supremacia do Talebã A emergência do Estado Islâmico na região representa uma ameaça à supremacia do Talebã. Mas também tem ajudado o grupo em várias formas. Líderes do Talebã iniciaram diálogo com vários países da região, garantindo-lhes que não irão permitir que o EI ganhe espaço no Afeganistão ou que ameacem sua estabilidade. Países como Irã, China e Rússia revisaram suas políticas antigas de não-interação com o Talebã afegão. O Talebã luta, agora, contra dois inimigos - o Estado Islâmico e o governo afegão e seus aliados internacionais - além da facção dissidente do Talebã. O EI está enfrentando dificuldades em se tornar uma grande força no já lotado mercado de militantes. Mas, se conseguir, o grupo poderá mudar fundamentalmente a insurgência, e marcar o fim de qualquer esperança para um processo de paz no Afeganistão. E a instabilidade na região cresceria. A não ser que Estados regionais implementem um plano conjunto para estabilidade, os prospectos para a região parecem ruins.
Economia, imigração, popularidade: O 1º ano de governo Trump em seis gráficos
Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos há um ano, prometendo mudar a cara da política americana e transferir o "poder de volta ao povo". Mas o que de fato ele conseguiu fazer até agora?
Trump diz que sua gestão representou um 'avanço incrível'. Será? A BBC preparou seis gráficos que analisam os primeiros 12 meses do seu governo, incluindo comparações interessantes – e até surpreendentes – com seus antecessores. Como está sua taxa de aprovação? Trump é um dos presidentes mais impopulares da era moderna. Sua taxa de aprovação semanal gira em torno de 39% após 12 meses no cargo, de acordo com o instituto Gallup. Os presidentes Barack Obama (50%), Bill Clinton (54%) e George W. Bush (83%) apresentavam índices muito maiores no mesmo período de seus respectivos mandatos. A média de aprovação de Trump ao longo do ano também é de 39%, a mais baixa registrada entre os presidentes em seu primeiro mandato. Clinton apresenta, por sua vez, a segunda menor taxa: 49%. Fim do Talvez também te interesse Mesmo Gerald Ford, que assumiu a Presidência após a renúncia de Richard Nixon e o escândalo de Watergate, tinha cerca de 40% de aprovação após 12 meses no cargo, segundo o Gallup. Quando Trump tomou posse, em 20 de janeiro, ele tinha a taxa de aprovação mais baixa que qualquer outro presidente recém-chegado à Casa Branca. Ele ganhou as eleições com menos votos que a adversária democrata Hillary Clinton, então, não é surpreendente que os percentuais fossem baixos. O que pode preocupar a Casa Branca é que algumas pesquisas de opinião indicam que o apoio a Trump está se esvaindo entre seus principais eleitores, incluindo homens brancos sem diploma universitário e americanos da zona rural. Se a taxa de aprovação do presidente continuar à mercê da força da gravidade, a expectativa é de inquietação na bancada republicana à medida que o Congresso se prepara para as eleições legislativas de novembro de 2018. O que Trump fez para impedir a imigração ilegal? A construção de um muro na fronteira com o México, uma das principais promessas da campanha de Trump, está longe de acontecer. Há protótipos construídos, mas os democratas se recusaram a aprovar um centavo sequer para o projeto – e as autoridades do México dizem que nunca vão pagar por isso. Trump continua a pressionar o Congresso para mudar as leis de imigração dos Estados Unidos, incluindo o encerramento do sistema de "loteria de vistos", no qual candidatos são selecionados aleatoriamente, por computador, entre as inscrições qualificadas. E também com a "migração em cadeia", que dá prioridade a parentes de residentes legais. Ao mesmo tempo, ele assinou dois memorandos executivos que orientam os oficiais de imigração a adotar uma abordagem muito mais severa para fazer cumprir as medidas existentes. Em setembro, o governo Trump anunciou o fim do programa Daca, criado em 2012 durante a gestão de Barack Obama para regularizar temporariamente imigrantes em situação ilegal que chegaram aos Estados Unidos quando eram menores de idade. A Casa Branca e o Congresso tentaram negociar uma forma de tentar promulgar uma legislação que ofereça proteções semelhantes, mas não chegaram a um acordo final. A coação à imigração – e a dura retórica de Trump – podem ter levado a uma queda no número de pessoas que tentaram entrar ilegalmente nos Estados Unidos nos primeiros meses da nova gestão, mas os números se recuperaram em 2017. O enfático discurso de Trump contra os imigrantes ilegais faz parecer que o governo Obama pegou mais leve, mas não foi à toa que o ex-presidente foi rotulado de "deportador-chefe". Entre 2009 e 2015, seu governo deportou mandou embora do país mais de 2,5 milhões de pessoas – a maioria tinha sido condenada por alguma infração criminal ou era recém-chegada. Mas cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais ainda vivem nos EUA, muitos deles provenientes do México. A agência de Imigração americana lançou uma série de incursões em todo o país desde que Trump foi eleito – uma mudança em relação à gestão Obama, que focava em áreas ao longo da fronteira, levando a um aumento mensal de 40% na comparação com a última fase do governo anterior. A mudança ainda não levou a mais deportações. Em vez disso, mais de 600 mil casos estão acumulados à espera da avaliação final de juízes de imigração. Como está o desempenho da economia? Durante a campanha, Trump prometeu criar 25 milhões de empregos ao longo de 10 anos e se tornar "o maior presidente em termos de (geração de) empregos de todos os tempos". Ele costumava afirmar que a taxa de desemprego era de mais de 40%. Mas, depois de assumir a gestão do país, passou a usar dados que antes descartava como "falsos". A trajetória básica da economia sob o governo Trump é semelhante à da gestão Obama. A taxa de desemprego atingiu 4,1% em outubro, a menor em 17 anos, e permaneceu nesse patamar, colocando o mercado de trabalho cada vez mais perto do chamado pleno emprego, após 81 meses consecutivos de crescimento. Os mercados acionários bateram recordes, os preços do petróleo permanecem baixos, a confiança dos consumidores e das pequenas empresas é dinâmica, e a inflação está sob controle. As vendas no varejo começaram a aumentar, embora as vendas de automóveis tenham diminuído em 2017. E o crescimento salarial permanece lento. A Casa Branca estabeleceu uma meta de crescimento de 3%, que os Estados Unidos superaram no segundo e terceiro trimestres de 2017, marcando 42 meses consecutivos de expansão econômica. E os republicanos esperam que os cortes nos impostos ajudem a impulsionar isso, embora muitos especialistas argumentem que reduzir a taxação dos mais ricos não se traduz em mais postos de trabalho, mas em maior concentração de renda. Que projetos de lei foram aprovados? "Aprovamos mais leis do que ninguém. Quebramos o recorde de Harry Truman", disse Trump no fim de dezembro. O presidente sancionou 107 leis durante seu primeiro ano no cargo, menos que seus três últimos antecessores em números totais, de acordo com o site independente GovTrack, que monitora os projetos de lei do Congresso americano. Trump ficou atrás de George W. Bush (118) e de Barack Obama (124), mas conseguiu aprovar a lei de reforma fiscal mais abrangente (e também polêmica) do sistema tributário americano das últimas três décadas, no fim do seu primeiro ano de governo. Já a comparação com Harry Truman só está correta se analisados seus primeiros cem dias no cargo. Ele está atrás das administrações anteriores, conforme revelou o GovTrack. Mas o Poder Executivo tem um poder de ação limitado nesse sentido, uma vez que cabe ao Legislativo introduzir novas leis. Mais de 30 projetos de lei sancionados pelo presidente parecem ser modificações ou extensões da legislação já existente, segundo uma análise feita pela National Public Radio. Além disso, dezenas desses projetos de lei servem apenas para homenagear pessoas ou organizações, incluindo rebatizar um prédio em Nashville e nomear integrantes para o conselho de um museu. O presidente também exerce poder político por meio de ordens executivas unilaterais e decretos, o que permite ignorar o trâmite legislativo no Congresso em determinadas áreas. Trump usou o recurso para dar início à saída do país do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês), reduzir a regulamentação para a abertura de negócios e avançar na construção de dois oleodutos polêmicos. E os impasses do sistema de saúde? A saúde foi uma das bandeiras da campanha eleitoral de Donald Trump, que prometeu "revogar e substituir imediatamente" o Obamacare, sistema criado por Barack Obama, que proporcionou cobertura de saúde a mais de 20 milhões de americanos que não contavam com isso. A proposta de Trump passou na Câmara, apesar de o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), agência federal independente, ter condenado o projeto, estimando que mais de 24 milhões de americanos poderão ficar sem seguro de saúde até 2026. Mas o Senado rejeitou a tentativa. Foi um episódio embaraçoso para Trump e o Partido Republicano, que controla a Presidência e as duas Câmaras do Congresso pela primeira vez em 11 anos. O presidente se mobilizou de outras maneiras para mudar o sistema criado por seu antecessor. E suspendeu os pagamentos governamentais às companhias de seguro de saúde, que ajudavam a diminuir os preços de planos de saúde para cidadãos de baixa renda. O governo também cortou o financiamento para incentivar os americanos a se cadastrarem nos planos de saúde, enquanto a reforma fiscal aprovada pelos republicanos no Congresso suspende o seguro obrigatório estabelecido pelo Obamacare, eliminando a multa imposta aos americanos sem plano de saúde – algo que muitos consideravam crucial para garantir o funcionamento do sistema. A revogação da obrigatoriedade pode levar os americanos mais saudáveis ​​a abrirem mão dos planos de saúde, elevando os custos para quem está doente. O CBO estima que o número de americanos sem seguro de saúde pode aumentar em 13 milhões e as tarifas dos planos de saúde podem subir 10% ao ano durante a próxima década. Mas, até que o seguro obrigatório seja oficialmente suspenso, em janeiro de 2019, ainda não está claro qual será o impacto no mercado de seguros.
Como o jogo do bicho se tornou a maior loteria ilegal do mundo
Como explicar a um estrangeiro uma instituição tão brasileira como o jogo do bicho, uma antiga rifa de zoológico que existe há 125 anos, é proibida por lei e se tornou uma das maiores loterias ilegais do mundo?
Material de banca de jogo do bicho no Rio; pesquisa usou ferramentas da economia para investigar estratégias de sobrevivência de negócio ilegal multimilionário A pergunta surgiu em um bate-papo sem pretensão, mas motivou o cientista político paulistano Danilo Freire a investigar o assunto a fundo. Usando ferramentas da economia, ele chegou a conclusões inéditas sobre as regras informais e mecanismos de força que ajudaram essa bolsa ilegal de apostas a sobreviver a mais de 30 governos no Brasil, de ditaduras a democracias. Estudos sobre jogo do bicho no país foram feitos, sobretudo, dentro da antropologia e da história. Trabalhos excelentes, diz Freire, mas com foco em aspectos simbólicos - como a influência de sonhos e fatos cotidianos nos palpites dos apostadores - ou momentos do jogo em determinada época. "Tentei analisar o jogo do bicho como uma empresa capitalista, pois, antes de tudo, é isso o que ele é. Foi criado para gerar lucro", conta o pesquisador de 34 anos, que analisou o tema em seu doutorado em economia política no King's College de Londres, uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Fim do Talvez também te interesse A teoria da escolha racional - uma das ferramentas da economia empregadas por Freire - assume que as pessoas pensam em termos de custo-benefício. Tentam sempre melhorar seu bem-estar, embora não tomem as melhores decisões o tempo todo nem consigam prever o futuro. Mas fazem o possível para aumentar suas oportunidades. Papeis com resultados antigos de sorteios de jogo do bicho no Rio; prática sobrevive há 125 anos e movimentaria de R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões por ano no país "O jogo do bicho é um negócio, e me parece razoável que os bicheiros sejam racionais. Se não o fossem, é improvável que tivessem conseguido acumular a fortuna e influência que têm. São pessoas com ótimas habilidades comerciais e pensamento estratégico para negociar, legalmente ou não, com políticos e policiais, entre outros." Circunstâncias históricas O embrião do jogo do bicho surgiu em 1892, quando o barão João Batista Drummond teve uma ideia para atrair visitantes a seu zoológico em Vila Isabel, zona norte do Rio. O local tinha espécies exóticas e belas vistas da cidade, mas faltava público. Entre as novas sugestões de entretenimento para o local, uma se destacou: uma rifa. Pela manhã, o barão escolhia um animal em uma lista de 25 bichos e colocava sua imagem numa caixa de madeira na entrada no zoo. Quem participava ganhava um tíquete com uma estampa de algum desses 25 animais. Tíquete de entrada de 1896 no jardim zoológico do Rio que autorizava o visitante a participar de rifa Ao final do dia o barão abria a caixa e mostrava a figura. O vencedor levava 20 vezes o valor da entrada - o que já superava, por exemplo, a renda mensal de um carpinteiro da época. "Poder escolher o animal foi uma ótima ideia, pois tornou o jogo muito mais interessante. Eventualmente isso fez com que as pessoas passassem a interpretar sonhos, placas de carro e números, de maneiras muito divertidas também", afirma Freire, que também tem mestrado em Ciência Política pela USP e em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra. A loteria foi batizada de jogo de bicho e logo virou febre - bilhetes começaram a ser vendidos não apenas no zoológico, mas em lojas pela cidade. A repressão não demorou - autoridades criminalizaram a atividade ainda no final dos anos 1890, pelo bem da "segurança pública". Freire aponta quatro facetas do Brasil do final do século 19 que ajudam a explicar a emergência do jogo do bicho: 1) População urbana crescente e excluída do mercado de trabalho; 2) Fluxo de imigrantes com redes familiares que incentivavam a participação no comércio; 3) Aumento na circulação de capital, motivada por fatores como a abolição da escravatura e a industrialização nascente; 4) Sistema judicial fraco na repressão criminal. "As cidades começaram a crescer, e o fim da escravidão e a entrada de imigrantes no país aumentou o contingente de pobres urbanos. O mercado ilegal era a única opção de renda para muita gente", explica o cientista político. "Além disso, embora o jogo fosse ilegal, a lei nunca foi aplicada com muito rigor. Até hoje o jogo é considerado apenas uma contravenção, um delito menor (prevê quatro meses a um ano de prisão). Assim, a punição não era forte o suficiente para amedrontar os bicheiros - os lucros compensavam o risco de ser detido." Modus operandi No jogo do bicho, cada um dos 25 animais corresponde a quatro números: do avestruz (01 a 04) à vaca (97 a 00). Há diferentes opções de apostas, e o prêmio varia com a possibilidade de vitória. Tabela com 15 primeiros bichos do jogo; 'Poder escolher o animal fez o jogo muito mais interessante e fez com que as pessoas passassem a interpretar sonhos, placas de carro, números', diz pesquisador Em geral, seu animal ganha se os dois últimos números do milhar anunciado na Loteria Federal correspondem ao número do bicho. Por exemplo: se a loteria sorteou o número 3350, o vencedor é o galo (49 a 52). É possível também apostar no milhar (a chamada aposta "na cabeça"): escolher os quatro números e torcer para os quatro saírem no primeiro sorteio. É a jogada mais alta: costuma pagar R$ 4 mil por R$ 1 apostado. "Os bicheiros tentam expandir seus negócios e oferecer algo que atraia os apostadores. Quando uma aposta dá certo em um lugar, provavelmente ela será copiada pelos vizinhos e testada em outros mercados", afirma Freire. A estrutura do jogo tem três níveis de hieraquia. Os bicheiros ou anotadores são a face mais visível do negócio: vendem as apostas com seus bloquinhos e carimbos. Os gerentes são contadores que cuidam dos bicheiros de determinada área, intermediando o contato e o fluxo de dinheiro aos banqueiros (também conhecidos como bicheiros), a elite financeira do jogo. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas estimou que o jogo do bicho tenha arrecadado de R$ 1,3 bilhão a R$ 2,8 bilhões no país em 2014 - número que alguns consideraram subestimado. Nos anos 1990, empregaria 50 mil pessoas só na cidade do Rio de Janeiro - a Petrobras, por exemplo, tem 68 mil empregados. Banca de bicho no Rio; bicheiros são face mais visível, e montam bancas próprias ou dentro de outros negócios Tudo para dar errado Mas como esse negócio conseguiu se diferenciar de outros mercados ilegais e se tornar lucrativo a longo prazo? Em tese, tudo conspirava para dar errado: quem iria dar dinheiro a um contraventor e esperar que ele pagasse de volta? "Quem ganha e não recebe não pode reclamar no Procon, abrir um processo na Justiça ou chamar a polícia", lembra Freire. Além disso, sorteios eram realizados em locais escondidos (normalmente as "fortalezas", os QGs dos banqueiros) e a prática tinha fama de vício moral e forte oposição da Igreja Católica. O pesquisador identifica dois mecanismos que reduziram o estigma em torno do jogo: a construção de uma forte reputação de honestidade e a oferta de incentivos específicos para clientes e funcionários. A confiança veio com medidas como a publicação dos resultados dos sorteios à vista de todos (em postes, por exemplo), pagamentos em dia e uma fórmula de multiplicador fixo para os prêmios - se um apostador ganhar o menor prêmio, por exemplo, receberá 18 vezes o investimento, independentemente do valor da aposta. "Cada apostador já sabe de antemão o quanto pode ganhar. É mais fácil para as pessoas entenderem e deixa o bicheiro numa situação em que todos sabem o quanto ele tem que pagar", afirma Freire. Papel com resultado de sorteio do jogo; exposição pública de resultados é estratégia para melhorar reputação e criar confiança em prática ilegal Desde os anos 1950, quando os banqueiros do bicho transferiram suas operações para as "fortalezas", os sorteios saíram dos olhos do público, o que poderia reduzir a confiança e os lucros da atividade. O negócio, contudo, resolveu esse problema de "assimetria de informações" ao começar a usar os números vencedores da Loteria Federal em seus sorteios, pegando carona na credibilidade da bolsa oficial de apostas. Outra estratégia para criar boa reputação, aponta Freire, foi o financiamento de atividades culturais, sobretudo as escolas de samba do Rio. "Elas dão empregos a moradores, geram lucros para as comunidades, aumentam o turismo no Rio e, claro, acabaram virando símbolo nacional", afirma o pesquisador, que cita ainda a fundação por banqueiros do bicho, em 1985, da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro). "As escolas de samba começaram a receber apoio estatal em meados dos anos 1930. Mas o governo intervia em sambas e desfiles. O bicho deu certa liberdade às escolas, e permitiu desfiles mais elaborados e que as escolas se profissionalizassem", completa. Resolvendo problemas internos O negócio ilegal teve que lidar ainda com problemas comuns a qualquer empresa: funcionários preguiçosos, patrões carrascos, falta de dinheiro em caixa. Como garantir, por exemplo, que os empregados das bancas não embolsassem dinheiro de apostas? Há, naturalmente, ameaça de retaliação violenta, mas não é algo comum. Bloco com registro de apostas; trapaça de funcionários é coibida com benefícios coletivos e individuais, e violência é recurso pouso usado Uma tática mais frequente, diz Freire, é a oferta de "benefícios coletivos", como a segurança privada proporcionada por pistoleiros e policiais corruptos, pequenos empréstimos sem juros para despesas inesperadas, como tratamento de saúde, e gorjetas de apostadores. "Seria como se os banqueiros do bicho pagassem bônus e compartilhassem parte dos lucros para que os funcionários se esforcem. É algo que várias empresas também fazem", aponta. Há ainda o risco de "quebra da banca" - quando o negócio não consegue pagar os prêmios em caso, por exemplo, de uma aposta muito alta. A solução para possíveis problemas de liquidez foi a "descarga": bicheiros menores fazem um "seguro" ao pagar parte das apostas a um bicheiro maior, que garante apostas altas caso seja necessário. "Bancos e empresas fazem a mesma coisa com contratos de risco compartilhados, operações de hedge e seguros. O mecanismo é o mesmo", explica Freire - o mecanismo, porém, tende a enriquecer os bicheiros mais poderosos. O jogo do bicho também cresceu na colaboração com autoridades públicas. O cientista político diz que essas parcerias criminosas ganharam fôlego na ditadura e se mantiveram no atual período democrático. Políticos, por exemplo, se beneficiam de doações via caixa 2 e do acesso dos bicheiros a comunidades pobres. Jornal do Pará nos anos 1980 com reportagem sobre relação entre bicheiros e policiais; associações criminosas com Poder Público impulsionaram negócio Questões em aberto Após se debruçar por mais de um ano sobre a maior loteria ilegal do mundo, Freire ainda vê questões que precisam ser mais estudadas, como a relação entre o jogo e o tráfico de drogas e entre bicheiros de diferentes Estados. "Os bicheiros são muito anteriores ao crescimento do tráfico. Como ambos compartilham espaços? Há mais cooperação ou conflito? É possível que apenas dividam áreas de influência e mal se comuniquem, mas talvez façam negócios, troquem informações e se ajudem quando necessário. Mas é algo ainda em aberto", diz. E após estudar o tema a fundo, como ele vê, por exemplo, o projeto de lei de 2014 do Senado que legaliza jogos de azar no Brasil, inclusive o bicho? "Eu sou a favor. Se uma pessoa aposta por livre e espontânea vontade, cada um gasta seu dinheiro como quiser. O argumento que a legalização levaria a vícios não me parece convincente. Qual a diferença entre jogar no bicho e na Loteria Federal?", questiona. "Além disso, como o jogo do bicho prova, o fato de o jogo ser ilegal não fez com que as pessoas parassem de apostar. O Estado poderia até arrecadar com tributos do bicho. Resta saber se os bicheiros estão interessados em pagar impostos, o que tenho minhas dúvidas."
Como duas pesquisadoras estão derrubando clichês sobre a política no Brasil
O brasileiro é racista e privilegia candidatos brancos ao votar. Políticos corruptos se mantêm no poder porque o eleitor é ignorante. Quem recebe Bolsa Família é conivente com o governo. ONGs são um ralo de dinheiro público no Brasil. Será?
Nara Pavão e Natália Bueno: pesquisadoras questionam chavões da política no Brasil A julgar pelos estudos de duas jovens pesquisadoras brasileiras em ciência política, não. Natália Bueno e Nara Pavão, ambas de 32 anos, se destacam no meio acadêmico no exterior com pesquisas robustas que desmistificam chavões da política brasileira que alimentam debates em redes sociais e discussões de botequim. Natural de Belo Horizonte (MG), Natália faz doutorado em Yale (EUA), uma das principais universidades do mundo. Em pouco mais de oito anos de carreira, acumula 13 distinções acadêmicas, entre prêmios e bolsas. A pernambucana Nara é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Vanderbilt (EUA). Soma um doutorado (Notre Dame, EUA), dois mestrados em ciência política (Notre Dame e USP), 16 distinções. Fim do Talvez também te interesse Em comum, além da amizade e da paixão pela ciência política, está o interesse das duas em passar a limpo "verdades absolutas" sobre corrupção, comportamento do eleitor e políticas públicas no Brasil. Eleitor é racista? O Brasil é um país de desigualdades raciais - no mercado de trabalho, no acesso à educação e à saúde. Atraída pelo tema desde a graduação, Natália Bueno verificou se isso ocorre também na representação política. O primeiro passo foi confirmar o que o senso comum já sugeria: há, proporcionalmente, mais brancos eleitos do que na população, e os negros são subrepresentados. Por exemplo, embora 45% da população brasileira (segundo o IBGE) se declare branca, na Câmara dos Deputados esse índice é de 80%. E como a diferença foi mínima na comparação entre população e o grupo dos candidatos que não se elegeram, a conclusão mais rasteira seria: o brasileiro é racista e privilegia brancos ao votar. Abertura dos trabalhos no Congresso em 2016; pesquisa investigou desigualdade racial na política nacional Para tentar verificar essa questão de forma científica, Natália montou um megaexperimento em parceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley). Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só variavam no quesito raça. Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas. Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a resposta? No dinheiro, concluiu Natália - ela descobriu que candidatos brancos são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos e também das doações privadas. A diferença média de patrimônio entre políticos brancos (em nível federal, estadual e local) e não brancos foi de R$ 690 mil. E em outra prova do poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a mais em patrimônio pessoal do que os perdedores. Políticos brancos também receberam, em média, R$ 369 mil a mais em contribuições de campanha do que não brancos. A análise incluiu dados das eleições de 2008, 2010 e 2014. "Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na representação política), ela passa principalmente pelas inequidades de renda e riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negros de financiar suas campanhas", diz. Corruptos estão no poder por que o eleitor é ignorante? A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa assim, segundo pesquisa de 2014), porque tantos políticos corruptos continuam no poder? A partir de dados de diferentes pesquisas de opinião - entre elas, dois levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu sobre o tema. Ato contra corrupção no Congresso em 2011; estudo investiga por que corruptos se mantêm no poder Muitos estudos já mostraram que a falta de informação política é comum entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção quando, por exemplo, a economia vai bem. "Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto", afirma a cientista política. A pesquisa de Nara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no poder: o chamado cinismo político - quando a corrupção é recorrente, ela passa ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critério de diferenciação entre candidatos. Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros tolerantes à corrupção é a crença de que a corrupção é generalizada. "Se você acha que todos os políticos são incapazes de lidar com a corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do voto", afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espécie de armadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições servem para resolvê-lo. Quem recebe Bolsa Família não critica o governo? O programa Bolsa Família beneficia quase 50 milhões de pessoas e é uma das principais bandeiras das gestões do PT no Planalto. Até por isso, sempre foi vitrine - e também vidraça - do petismo. Uma das críticas recorrentes pressupõe que o programa, para usar a linguagem da economia política, altera os incentivos que eleitores têm para criticar o governo. Famílias beneficiadas não se preocupariam, por exemplo, em punir um mau desempenho econômico ou a corrupção, importando-se apenas com o auxílio no começo do mês. Material de campanha em dia de votação em São Paulo em 2012; receber benefícios do governo não implica em conivência com Poder Público, conclui estudo Deste modo, governos que mantivessem programas massivos de transferência de renda estariam blindados contra eventuais performances medíocres. Seria, nesse sentido, um arranjo clientelista - troca de bens (dinheiro ou outra coisa) por voto. Um estudo de Nara analisou dados do Brasil e de 15 países da América Latina que possuem programas como o Bolsa Família e não encontrou provas de que isso seja verdade. "Em geral, o peso eleitoral atribuído à performance econômica e à corrupção do governo é relativamente igual entre aqueles que recebem transferências de renda e aqueles que não recebem", afirma. A conclusão é que, embora esses programas proporcionem retornos eleitorais para os governantes de plantão, eles não representam - desde que sigam regras rígidas - incentivo para eleitores ignorarem aspectos ddo desempenho do governo. ONGs são ralo de dinheiro público? Organizações de sociedade civil funcionam como um importante instrumento para o Estado fornecer, por meio de parcerias e convênios, serviços à população. Diferentes governos (federal, estaduais e municipais) transferem recursos a essas entidades para executar programas diversos, de construção de cisternas e atividades culturais. Apenas em nível federal, essas transferências quase dobraram no período 1999-2010: de RS$ 2,2 bilhões para R$ 4,1 bilhões. Cisterna em Quixadá (CE), em serviço que costuma ser delegado a organizações civis; pesquisadora estudou distribuição de recursos públicos para essas entidades Esse protagonismo enseja questionamentos sobre a integridade dessas parcerias - não seriam apenas um meio de canalizar dinheiro público para as mãos de ONGs simpáticas aos governos de plantão? Com o papel dessas organizações entre seus principais de interesses de pesquisa, Natália Bueno mergulhou no tema. Unindo métodos quantitativos e qualitativos, analisou extensas bases de dados, visitou organizações e construiu modelos estatísticos. Concluiu que o governo federal (ao menos no período analisado, de 2003 a 2011) faz, sim, uma distribuição estratégica desses recursos, de olho na disputa política. "A pesquisa sugere que governos transferem recursos para entidades para evitar que prefeitos de oposição tenham acesso a repasses de recursos federais. Outros fatores, como implementação de políticas públicas para as quais as organizações tem expertise e capacidade únicas, também tem um papel importante." Ela não encontrou provas, porém, de eventual corrupção ou clientelismo por trás desses critérios de escolha - o uso das ONGs seria principalmente parte de uma estratégia político-eleitoral, e não um meio de enriquecimento ilícito. "Esse tipo de distribuição estratégica de recursos é próprio da política e encontramos padrões de distribuição semelhantes em outros países, como EUA, Argentina e México", diz Natália. Corrupção é difícil de verificar, mas a pesquisadora usou a seguinte estratégia: comparou ONGs presentes em cidades com disputas eleitorais apertadas, checou a proporção delas no cadastro de entidades impedidas de fechar parcerias com a União e fez uma busca sistemática por notícias e denúncias públicas de corrupção. De 281 ONGs analisadas, 10% estavam no cadastro de impedidas, e apenas uma por suspeita de corrupção.
Putin quer que sua cadela use coleira com localizador por satélite
O presidente russo Vladimir Putin quer que sua cadela labrador passe a usar uma coleira com um sistema de localização por satélite para poder controlar melhor onde ela vai, revelou um vice-primeiro-ministro da Rússia.
"Quando vou poder ter um sistema (de localização) para minha cachorra, Connie, para que ela não vá para muito longe?" teria perguntado Putin ao ministro, Sergei Ivanov. Ivanov estava apresentando planos para o lançamento de três novos satélites de navegação ao presidente. O vice-primeiro-ministro disse que as coleiras estarão em lojas na Rússia a partir de julho de 2008. Glonass Neste dia de Natal, o foguete russo Proton-K deve colocar em órbita três satélites para melhorar o sistema de navegação russo, o Glonass. Eles vão elevar para 18 o total de satélites mapeando o território do país. A meta final do governo da Rússia é que haja 24 satélites em órbita ligados ao sistema a partir de 2009. O sistema Glonass foi desenvolvido pelo Exército russo em 1980 e compete com o sistema americano, GPS, e o sistema europeu, Galileo.
O 'plano B' dos EUA para o Irã pode levar a uma guerra?
Este é o "plano B" dos EUA para o Irã - ampliar a pressão de sanções para forçar o governo em Teerã a negociar um novo acordo diplomático: o país teria de aceitar restrições mais abrangentes não só em suas atividades nucleares, mas também em seu programa de mísseis e em seu comportamento na região.
Os EUA podem estar subestimando o poder de dirigentes linha dura em Teerã. Nesta segunda-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, anunciou o novo plano. Washington lista 12 condições para que as sanções econômicas contra o Irã sejam aliviadas, entre as quais, encerrar o programa de mísseis balísticos e não intervir em conflitos regionais, como na Síria e no Iêmen. Mas essa é uma política realista para conseguir um novo compromisso de Teerã? Ou é uma receita para tensões crescentes, uma diplomacia agressiva que serve de cortina de fumaça para uma política que tem como principal objetivo uma mudança de regime no Irã? Ele é certamente uma política dura. Pompeo teve dificuldades para elaborar uma estratégia para conter o Irã e reduzir sua influência na região. Mas quantos dos aliados de Washington deverão endossá-la - além de sauditas e israelenses, para quem a nova política americana soa como música? De certa maneira, há lógica no discurso de Pompeo. Ele explica por que o governo Trump considera o acordo de Barack Obama com o Irã - normalmente conhecido por suas iniciais em inglês JCPOA (Plano Abrangente de Ação Conjunta) - como essencialmente falho. O argumento é o de que a equipe de Obama falhou em usar o poder que as sanções lhe conferiam e se contentou com um acordo pela metade, que só resolve parte das questões. Registros históricos, no entanto, mostram que o Irã não estava sendo contido pelo regime de sanções. Ele estava ficando cada vez mais perto da bomba nuclear. O governo Obama imaginou que, ao aceitar que o Irã continuasse a enriquecer urânio de forma controlada, conseguiria um pacto que protelasse a obtenção de um artefato atômico em, no mínimo, 18 meses. Esse acordo - se funcionasse - poderia ser seguido por outras negociações. Era imperfeito, mas muitas vezes a diplomacia é imperfeita. Não se pode esquecer que o regime mais amplo de sanções contra Teerã estava lentamente se fragilizando. Obama optou por agir imediatamente, sabendo que haveria mais trabalho para realizar no futuro. Mas os riscos bem reais de uma guerra com o Irã foram contornados. Agora, uma das demandas pela Casa Branca é que o Irã desista totalmente enriquecimento de urânio. Esse ponto era um entrave em 2015, quando o JCPOA foi anunciado, e continua a ser um obstáculo atualmente. Peso dos negócios A estratégia americana se baseia na imposição de um novo conjunto de sanções contra Teerã e numa coalizão de aliados regionais para conter sua crescente influência. Claro que, para as sanções funcionarem, devem ser abrangentes e apoiadas pelo máximo possível de países. Uma das demandas da Casa Branca é que o Irã desista totalmente do enriquecimento de urânio. Por enquanto, os aliados europeus dos EUA querem seguir com o JCPOA. Há quem diga que a posição dos governos europeus não importa - os empresários é que decidirão se vale a pena investir no Irã e correr o risco de sofrer punições dos EUA. E a visão de especialistas é que, ainda que países europes esperneiem, como tem feito a petrolífera francesa Total, investidores temerão as consequências e abandonarão negócios com os iranianos. Até onde Rússia, China e Índia devem se curvar à pressão das sanções americanas? Convencer aliados e outros países a abandonar o comércio com o Irã pode prejudicar uma série de relações diplomáticas mais amplas dos EUA. O governo Trump está realmente disposto a arriscar diversos laços bilaterais em nome de sua política em relação a Teerã? Objetivo incerto Quando ouvimos Pompeo, temos a impressão de que a principal novidade é sobre os meios, não aos fins. Os europeus, a Rússia, a China e, claro, o Irã ficariam felizes com a continuidade do JCPOA. Mas Pequim e Moscou compartilham várias das preocupações de Washington - que não são novas - e estão dispostos a adotar novas medidas para tentar bloquear o programa de mísseis do Irã e sua proeminência regional. Mesmo assim, muitos temem que, na verdade, o governo Trump discorde em relação aos fins - e esteja seguindo a linha do conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, que há muito tempo prega uma mudança de regime em Teerã. De qualquer maneira, o problema fundamental continua a ser o próprio Irã. O país não vai aceitar o plano de 12 pontos de Pompeo. Em algum momento, pode muito bem decidir sair do novo acordo e intensificar as atividades nucleares. Essa não é uma receita para enfraquecer a linha dura em Teerã ou garantir estabilidade regional. Muitos temem que essa não seja uma estratégia que levará a um acordo novo e melhor, mas uma estratégia que ameaça iniciar uma guerra.
Tsunami afeta biodiversidade marinha, diz jornal tailandês
O jornal tailandês Bangkok Post diz que os danos causados aos corais e as mudanças nas camadas de areia como resultado do tsunami que atingiu o sul da Ásia no fim de semana aumentaram as preocupações dos pescadores tailandeses sobre a biodiversidade marinha. Segundo eles, após o acidente, as águas do país podem não ser mais uma fonte natural para certas espécies.
Para Songsang Patavanich, presidente da Associação Tailandesa de Pesca para Exportação, a indústria pesqueira do país deveria levar em conta essas possíveis mudanças e reajustar suas estratégias. "O acidente vai inevitavelmente diminuir os nutrientes da água para animais marinhos. Alguns peixes podem migrar para outros ambientes ou até mesmo desaparecerão das águas tailandesas", disse ele ao jornal. Já o jornal Utusan Malaysia, da Malásia, disse em editorial que os moradores da região costeira "deveriam ter sido treinados" para esse tipo de catástrofe. "O mundo agora tem a sofisticação tecnológica e científica para enfrentar qualquer crise. Essa sofisticação deve ser usada para lidar com esse tipo de desastre." Artigo de Yushchenko O jornal britânico Financial Times traz um artigo do presidente eleito da Ucrânia, Viktor Yushchenko, em que ele diz que, ao negar a autocracia, a Ucrânia se afirmou como um país europeu livre, que compartilha os valores políticos dos Estados democráticos modernos. Segundo Yushchenko, na repetição do segundo turno das eleições, os ucranianos mostraram que querem ver mudanças na maneira em que o país é governado. "Quando o regime no poder interferiu censurando a mídia e fraudando os resultados das eleições, milhares de eleitores foram às ruas para defender o mais fundamental dos direitos civis - o direito de escolher o próprio destino", diz ele. "Não há dúvida de que a população quer mudanças. Eles querem o fim da corrupção no governo. Eles querem empregos decentes com salários honestos. E eles querem um governante que eles acreditem que possa fazer as mudanças necessárias no governo e na sociedade." De acordo com Yushchenko, ele tomará rápidas decisões para suprir as faltas deixadas pelo governo atual, implementando medidas populares que melhorariam a vida das pessoas e reforçariam as instituições sociais. Ele ainda afirma que a transformação democrática que começou na Europa há 15 anos atingiu a Ucrânia e que o país está pronto para contribuir para uma Europa unificada e estável. Economia O jornal americano The New York Times traz uma reportagem de que na América Latina, as grandes cadeias de supermercados trouxeram desafios inesperados e preocupantes aos pequenos fazendeiros. Essas cadeias revolucionaram a distribuição de comida em um período de uma década e começaram agora a transformar a maneira como os alimentos são plantados. Segundo o jornal, essas empresas exigem algumas especificações que os fazendeiros não conseguiram alcançar nesse período, já que não tiveram dinheiro para investir em estufas e formas de irrigação modernas ou no controle de pestes. Isso faz com que grandes fazendeiros se beneficiem em relação aos pequenos produtores. Para economistas e agronomistas ouvidos pelo jornal, o sucesso desses supermercados pode representar o declínio nos ganhos dos pequenos fazendeiros, o que levaria a uma piora na desigualdade social da região onde a diferença entre ricos e pobres já é alarmante. Pesquisadores do Estado de Michigan e do Centro Latino-Americano para o Desenvolvimento Rural em Santiago (Chile) dizem que, na década de 90, os supermercados, que controlavam de 10% a 20% do mercado na região, passaram a dominá-lo, uma transição que demorou 50 anos para se concretizar nos Estados Unidos. Segundo Thomas Reardon, da Universidade de Michigan, os supermercados controlam apenas de 10 a 15% das vendas de frutas e verduras na Guatemala. Na Argentina, esse número sobe para 30%, e no Brasil, cerca de metade desse mercado já é controlado por supermercados.
'Sou chamada de delinquente e débil mental no Congresso', diz deputada que confrontou ministro da Educação
"Parece que não há sequer um ministério", diz Tabata Amaral (PDT-SP), que em outubro se tornou a sexta deputada federal mais votada em São Paulo, com 264.450 votos.
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Tabata Amaral falou sobre rotina no Congresso, que classifica como "um ambiente que tenta te expulsar rapidamente" A visibilidade nacional, no entanto, chegou só na semana passada, quando Amaral protagonizou um debate duro com o ministro da Educação, Ricardo Vélez. "Em um trimestre não é possível que o senhor apresente um Power Point com dois, três desejos para cada área da educação. Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis?", diz a parlamentar estreante de 25 anos em um vídeo compartilhado milhares de vezes. Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil na Universidade de Harvard, onde participa de roda de palestras, Amaral falou sobre a rotina no Congresso, que classifica como "um ambiente que tenta te expulsar rapidamente". E conta que sofre recorrentemente assédio e preconceito. "Já perdi a conta do número de vezes em que alguém insinuou que eu era burra ou não tinha nenhum conhecimento", diz. "Sou chamada de burra, delinquente, débil mental e outras coisas que já me chamaram em plenário." "As pessoas chegam e perguntam se sou casada no meio de uma votação, vêm me tocar de uma maneira que não é adequada para uma parlamentar. É um ambiente muito arisco para as mulheres." Fim do Talvez também te interesse Também falou sobre a possível mudança do ministro, ventilada pelo presidente Jair Bolsonaro na última sexta-feira. "A gente não vai aceitar qualquer tipo de ministro", diz. "O maior exemplo que eu dou: o ministro da economia, se não tivesse a menor experiência de gestão ou com economia, não teria sobrevivido uma semana no cargo. Por que a gente demora tanto para se incomodar com o ministro da Educação?" Criada na Vila Missionária, bairro pobre paulistano, e novata no Congresso, Amaral já trabalhou como pesquisadora, professora, funcionária de secretarias de educação e estudou na universidade de Harvard, graças a bolsas de estudos. Filha de um cobrador de ônibus e de uma diarista, ela ganhou pelo menos 30 medalhas em concursos de matemática, astronomia, física e robótica. "O nosso vestibular é muito burro, para falar português claro. Ele olha quem chegou mais longe, e não quem correu mais", diz. "Não passei na Unicamp e no ITA, mas passei nas seis melhores faculdades dos EUA com bolsa completa. Porque no vestibular daqui (EUA) eu falei que trabalhava desde os meus 7 anos. E isso contou." A deputada, que se classifica como "progressista", de "centro-esquerda" e defende cotas sociais e raciais, diz acreditar que a universidade pública é um ambiente elitista, frequentado por ricos. "Se uma pessoa tem condições de pagar por uma faculdade, acho que ela deveria. E quem não tem condições, não tem que fazer financiamento, não tem que fazer nada, tem que ter a faculdade pública." Leia os principais trechos da entrevista: Amaral protagonizou um debate duro com o ministro da Educação, Ricardo Vélez BBC News Brasil - Como viu a repercussão do seu debate com o ministro da Educação? Tabata Amaral - Aquela não foi a primeira tentativa de conversar com o ministro. A praxe é que ele participe da primeira reunião da Comissão de Educação e ele não foi. Para mim, as pessoas se identificaram com o vídeo porque esta é a pasta mais importante do país, num dos países mais desiguais do mundo, e não víamos nada acontecendo, só fumaça, desmandos e polêmicas. A repercussão do vídeo deixa um sentimento de que esse é o trabalho do parlamentar. Não é só legislar, é fiscalizar o governo também. E não deveria ser estranho que a gente pedisse como parlamentares quais são os planos e ideias. Depois só ficou a certeza de que de fato não há um planejamento dentro do ministério. Parece que não há sequer um ministério. O MEC (Ministério da Educação) não se posiciona com os cortes de pessoas e verbas, não se posiciona quando é o ministério da Economia, que chama uma discussão sobre o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). O MEC foi como convidado a uma reunião sobre isso. Soma tudo isso com a falta de qualquer plano e para a gente dá uma revolta muito grande. BBC News Brasil - Como avalia a reação do ministro às suas colocações? Amaral - Não sei nem o que dizer. O ministro não tem a menor experiência com a educação pública brasileira, a menor experiência com gestão, e o que mais incomoda é que não há a menor disposição de aprender ou ouvir as pessoas que estão interessadas. Já que o ministro não tem um plano, não sabe quantos alunos há na rede, qual é a verba, qual a diretriz para o ensino técnico, isso tem que vir da sociedade e do Congresso. Dali eu não espero que venha mais nada. BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro acenou uma perspectiva mais clara de substituição do ministro. Isso traz algum tipo de esperança à senhora? Amaral - Dado o cenário de total paralisia e ausência do MEC nos principais debates, sim, eu fico pelo menos muito atenta para entender se dessa vez vem alguém com um pouco de experiência e conhecimento. Algumas pessoas não entenderam que neste momento eu não estou muito preocupada com o posicionamento ideológico de quem vai ocupar essa pasta. Porque está tudo paralisado, corremos o risco de não ter Enem. O Brasil corre o risco de não fazer as principais avaliações. Só quero alguém que conheça a educação pública e tenha experiência em gestão. A gente só vai descobrir na segunda-feira. Mas há espaço para o Parlamento e para a população dizer: 'A gente não vai aceitar qualquer tipo de ministro' O maior exemplo que eu dou: o ministro da economia, se não tivesse a menor experiência de gestão ou com economia, não teria sobrevivido uma semana no cargo. Por que a gente demora tanto para se incomodar com o ministro da Educação? BBC News Brasil - A senhora destacou com ênfase que ele tinha uma mera carta de intenções, mas não um projeto concreto. Que projeto a senhora propõe? Amaral - O MEC tem que apresentar sua visão para o Fundeb. Ele vence no próximo ano e não é possível que o principal motor da educação pública não receba a menor atenção do ministério. Que modelo eles estão propondo? Apoiam que o Fundeb vá para a Constituição? Como fazer que ele seja mais redistributivo? Como olhar para as práticas de gestão e resultados? O ministério não pode se ausentar dessa discussão, temos basicamente um ano para fazer isso. Quando vai apresentar? Outra coisa paralisada é a questão da formação dos professores. A gente tinha começado a avançar nessa discussão e não tem mais nada. O Brasil é um dos poucos países que se dizem comprometidos com a educação pública e não tem uma política nacional de formação. O que a gente espera de um professor depois de quatro anos? Que queremos avaliar depois da formação? Qualquer tipo de formação vale? Educação a distância faz sentido para todos os anos? Além das políticas que já estavam em andamento e estão paralisadas. Implementação da base comum curricular, municípios precisam de apoio nessa área, implementação da reforma do ensino médio, uma política de ensino técnico. Tudo isso não são coisas muito muito complexas, já estavam encaminhadas no MEC e foram engavetadas e foram deixadas de lado hoje. BBC News Brasil - A senhora é uma estreante no Congresso, como quase metade dos congressistas hoje em dia. Como é aquele ambiente? O que pode contar para quem nunca pisou no Salão Verde? Amaral - Trabalho com educação há quase 10 anos. Já trabalhei como pesquisadora, professora, em secretarias de educação. As figuras de educação da política nacional eu conhecia. Ou porque fiz pressão sobre elas, com abaixo-assinados, protestos, etc, ou porque elas estavam abertas para o diálogo com a juventude. Para mim, essa é a porta de entrada e eu quero realmente dedicar meu mandato a essa área. Sobre o dia a dia no Congresso, é um aprendizado rápido e muito difícil. É um lugar que não está acostumado com pessoas como eu e diariamente sou questionada sobre como fui parar ali. Eu não sou filha de político, não sou herdeira e estou muito longe de ser um fenômeno da internet. As pessoas não entendem. Elas perguntam mesmo: 'você é filha de alguém?', 'você é dona de alguma empresa?', 'você é casada ou solteira?', 'você não é deputada estadual?'. Eu sei a ordem em que as perguntas chegam. É um ambiente que tenta te expulsar rapidamente. Mas sempre que vejo as pessoas da minha comunidade, principalmente a juventude e as mulheres que olham para mim e sentem que a educação é para a gente também, você enfrenta o preconceito, o assédio, as piadas, e continua trabalhando e aprendendo. BBC News Brasil - Assédio, preconceito e machismo são problemas reais ali dentro? Amaral - Com certeza. Já perdi a conta do número de vezes em que alguém insinuou que eu era burra ou não tinha nenhum conhecimento. Eu estudei astrofísica, fui bolsista pelas Olimpíadas de Matemática. Eu só andava com os meninos que gostavam de ciência e sempre tive muito contato com o machismo porque as pessoas não entendiam como uma menina gostava de ciências. E toda vez tentavam dizer que eu não era tão boa por ser uma menina. Então, quando eu entro no Congresso e sou chamada de burra, delinquente, débil mental e outras coisas que já me chamaram em plenário… É um risco muito fácil você acreditar porque está todo mundo dizendo que você não é boa o suficiente. Tem assédio, as pessoas chegam e perguntam se sou casada no meio de uma votação, vêm me tocar de uma maneira que não é adequada para uma parlamentar. É um ambiente muito arisco para as mulheres. As pessoas não te encaixam ali e querem te expulsar e convencer que você nao deveria estar ali. BBC News Brasil - Na repercussão do vídeo, houve setores mais radicais que desconsideram a conversa e criticaram a senhora por não ser de esquerda, por exemplo. Como viu isso? Amaral - As pessoas tem uma necessidade muito grande de rotular os outros porque o nosso cérebro funciona assim. Eu tenho uma vida muito diferente. Conhecer a periferia e conhecer Harvard me definem mais que qualquer um dos dois extremos. Não sou mais só alguém da periferia, porque tive oportunidades que ninguém teve, mas também não sou só uma ex-aluna de Harvard, porque não fui aos mesmos museus, aos mesmos parques, e não tenho a mesma rede de contato. As duas coisas fazem de mim quem eu sou. Da mesma forma que as pessoas no Congresso ficam perplexas e incomodadas porque não faz sentido eu estar ali, as outras pessoas também ficam muito agoniadas porque não conseguem me encaixar em caixinhas. Eu me considero progressista, essa para mim é uma excelente apresentação. Para mim o maior problema do Brasil é a desigualdade, minha maior missão é com educação pública de qualidade para todos, mas acho que faz sentido falarmos de gestão eficiente, desenvolvimento econômico sustentável, e se as pessoas se incomodam porque isso não caracteriza alguém típico de extrema esquerda ou direita, sinto muito, eu vou continuar trabalhando. BBC News Brasil - A senhora falou em dois lados. É errado enxergá-la no centro? Amaral - Acho que direita e esquerda são termos muito antigos que não explicam o mundo de hoje. Foram cunhados há 200 anos, quando não se entendia o que é feminismo ou desenvolvimento sustentável. Se tivesse que me colocar no espectro, eu me colocaria na centro-esquerda. Mas sinceramente que no futuro progressista diga mais sobre quem eu sou. BBC News Brasil - Como foi sua trajetória até Harvard e depois ao Congresso nacional? Amaral - Minhas oportunidades na educação começaram com olimpíadas de matemática nas escolas públicas, uma política do governo federal em 2005. Com essa oportunidade e uma professora da escola estadual que me ajudou a me preparar para a competição, eu ganhei uma bolsa de estudos para escola particular e uma para estudar inglês. Eu trabalho desde pequena, bordava e fazia artesanato para ajudar em casa, e não pensava no que faria depois do Ensino Médio. Ninguém nunca nem tinha me posto essa possibilidade. Essa foi a grande diferença. Eu passei a estar em lugares em que as pessoas acreditavam que se podia fazer faculdade. Foi assim que vim parar em Harvard. Com uma bolsa da faculdade, quase sem falar inglês, mas com professores que acreditaram em mim. Vim em agosto de 2012 e terminei em maio de 2016. Eu cresci na periferia. Já perdi a conta do número de amigos e vizinhos que perdi com 14 ou 15 anos para as drogas, crime, violência. Perdi meu pai com 39 anos para as drogas. Eu não saí de um lugar para o outro, passei a viver em dois mundos completamente diferentes e vivo neles ainda. Me identifico com a periferia, aprendi muito em Harvard, mas não vivo 100% em nenhum dos dois mundos. Isso que me levou para a educação e para a política. BBC News Brasil - Como vê políticas afirmativas, cotas por cor ou situação econômica? Amaral - É importante olhar para as evidências e a realidade das pessoas e esses dois elementos mostram que alunos de escola pública saem muito atrás na corrida. E que alunos negros da escola pública saem ainda mais atrás. O nosso vestibular é muito burro, para falar português claro. Ele olha quem chegou mais longe, e não quem correu mais. Eu não passei na Unicamp e no ITA, mas passei nas seis melhores faculdades dos EUA com bolsa completa. Porque no vestibular daqui (EUA)eu falei que trabalhava desde os meus 7 anos. E isso contou. Eu contei a minha história. Quando o nosso vestibular é tão ignorante e quando o ponto de partida é tão desigual, as cotas são as maneiras que temos hoje de igualar um pouco esse ponto de partida. Mas acho que temos que mudar o vestibular como um todo. Tem que olhar para a trajetória da pessoa, para a renda. Não é só uma prova. Hoje sou a favor das duas cotas porque dentro da escola pública há uma desigualdade racial. BBC News Brasil - E sobre o fim do ensino público superior gratuito? Amaral - Nesse momento não acho que há ambiente para se falar em cobrança dentro do ensino superior. Defendo ampliar as formas que as universidades podem se financiar. Para mim, uma faculdade pode fazer uma parceria com empresas, como vi aqui em Harvard, para construir conhecimento. Para mim, uma universidade pode receber doações, inclusive de ex-alunos. Agora, em um futuro, acho que vale sim uma discussão nesse sentido. Se uma pessoa tem condições de pagar por uma faculdade, acho que ela deveria. E quem não tem condições, não tem que fazer financiamento, não tem que fazer nada, tem que ter a faculdade pública. Se você vê os carrões que estão na faculdade de física da USP, vê que a faculdade pública é para a elite hoje. Ou a gente muda o vestibular para dar chances iguais para todo mundo e para de financiar apenas um grupo da sociedade, ou a gente no futuro começa a cobrar de quem pode pagar e deixa a faculdade gratuita para quem precisa. Mas esse momento não chegou ainda. BBC News Brasil - Há alguma perspectiva de tempo para que essa discussão esteja mais madura? Amaral - Não, não é uma coisa de tempo, mas de mudar como vemos o Ensino Superior. Ele é extremamente elitizado, quem vai para a faculdade pública é quem teve muito acesso e oportunidade. Isso tem que mudar antes de falarmos de mudança de mentalidade. 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Putin acusa Ocidente de 'dois pesos e duas medidas' com o terror
O presidente russo, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de usar "dois pesos e duas medidas" para lidar com o terrorismo e diz que o país se prepara para lidar com o terrorismo "de forma preventiva".
"Estamos hoje fazendo grandes preparativos para agirmos contra o terrorismo de forma preventiva, embora dentro da lei", disse Putin. Falando em um encontro internacional que reuniu prefeitos de várias cidades do mundo, Putin rejeitou apelos vindos do Ocidente para negociar com separatistas chechenos. Ele comparou esses apelos com as tentativas fracassadas de apaziguar os nazistas antes da Segunda Guerra Mundial. Inimigos comuns "Toda concessão feita a potenciais criminosos leva a mais agressão da parte deles, um aumento de suas exigências e a mais vítimas", afirmou. Putin também acusou a Grã-Bretanha e os Estados Unidos de "darem abrigo" a separatistas chechenos, considerados "terroristas" por sua administração. O Kremilin insiste que os recentes ataques, incluindo o seqüestro na escola de Beslan, não são resultado de uma política equivocada da Rússia na Chechênia. O governo russo diz que esses ataques foram planejados pelas mesmas organizações internacionais que ameaçam o Ocidente.
O sem-teto que dormia em chão de banheiro público e se tornou um investidor multimilionário
De sem-teto a milionário. A história do americano Chris Gardner virou um filme que rendeu a segunda indicação do ator Will Smith ao Oscar, The Pursuit of Happyness (2006) - no Brasil, À Procura da Felicidade . Mas, mesmo depois de enriquecer de forma tão impressionante e virar um personagem conhecido mundialmente, ele largou tudo e voltou a se reinventar.
Chris Gardner agora viaja o mundo dando palestras de motivação Sua saga inicial começou na San Francisco da década de 1980. Aos 27 anos, desempregado e abandonado pela mulher, ele foi morador de rua por um ano, dormindo com o filho pequeno, Chris Jr., em abrigos da igreja, bancos de praças e banheiros públicos nas estações de trem. A vida mudou quando ele teve a chance de participar do programa de estágio da corretora de valores Dean Witter Reynolds (DWR). Mas a remuneração era baixa, suficiente apenas para manter Chris Jr. em uma creche enquanto ele trabalhava. Ambos chegaram, inclusive, a se alimentar em refeitórios para sem-teto. No fim, porém, deu tudo certo. Após o estágio, Gardner foi contratado e, em 1981, obteve licença para operar oficialmente na Bolsa de Valores. Depois, conseguiu um emprego na conceituada firma Bear, Stearns & Company. Trabalhou na área de San Francisco e, em seguida, em Nova York. Fim do Talvez também te interesse Desde então, deslanchou e nunca mais parou: em 1987, tornou-se empresário independente e abriu a própria companhia, a Gardner Rich. Aos 62 anos, Gardner tem hoje uma fortuna estimada em US$ 60 milhões (cerca de R$ 209 milhões). A biografia de Gardner se transformou no filme de sucesso 'À Procura da Felicidade' Somando-se a isso o fato de que ele teve uma infância muito problemática e passou um tempo na cadeia pouco antes do estágio na DWR, fica fácil compreender porque Hollywood se interessou ao saber que ele escrevia a biografia The Pursuit of Happyness (a grafia errada em inglês foi intencional). Olhando para trás, Gardner diz à BBC que "não mudaria nada". "Sofri quando era criança, mas meus filhos não têm que passar por isso", afirma. "Tudo o que me aconteceu foi porque fiz as escolhas certas." Mãe inspiradora Nascido em Milwaukee, no Estado do Wisconsin, Gardner não chegou a conhecer o pai. Cresceu na pobreza ao lado da mãe, Bettye Jean, e de um padrasto alcoólatra e violento. Will Smith (esq.) foi indicado ao Oscar de melhor ator ao interpretar Chris Gardner (dir.) no filme 'À Procura da Felicidade', em 2006 Também passou um tempo com uma família adotiva depois que a mãe - num momento de desespero - tentou matar o companheiro. Apesar das desventuras da infância, Gardner diz que ela foi uma inspiração. "Tive uma dessas mães à moda antiga, que me dizia todos os dias: 'Filho, você pode ser ou fazer tudo o que quiser'", conta ele. "E eu acreditava totalmente nisso." O empresário lembra que um dia, quando criança, estava vendo um jogo de basquete na TV e comentou com a mãe que aqueles jogadores podiam ganhar milhões de dólares. "Minha mãe disse: 'Filho, um dia será você que vai ganhar um milhão de dólares'. Até ela dizer isso, a ideia nunca tinha me passado pela cabeça." Encontro casual Os milhões de dólares não vieram rapidamente. Após terminar o colégio, ele passou quatro anos na Marinha dos Estados Unidos. Em 1974, mudou para San Francisco e começou a trabalhar como vendedor de equipamentos médicos. Sua vida mudou completamente quando ele viu um homem numa Ferrari vermelha procurando vaga num estacionamento no centro da cidade. Impressionado com o carro, ofereceu a sua vaga. "Falei para ele, você pode estacionar no meu lugar, mas me responda: O que você faz? E como faz?" O dono da Ferrari disse que era corretor da Bolsa de Valores, vendia ações e faturava US$ 80 mil por mês (atualmente o equivalente a R$ 278 mil). "Naquele momento tomei duas decisões: entrar no negócio de ações e futuramente comprar uma Ferrari", conta Gardner. Gardner e o filho pequeno passaram por momentos difíceis em San Francisco O dono da Ferrari se chamava Bob Bridges - e foi ele quem conseguiu que Gardner fosse entrevistado para a vaga de estágio na DWR. Mas não foi tão fácil. Com US$ 1.200 (equivalentes a R$ 4.170 hoje) em multas de trânsito sem pagamento, Gardner foi parar na cadeia às vésperas da entrevista. Ele conseguiu sair da prisão e foi direto para lá, usando as mesmas roupas com as quais tinha ficado na cadeia. Apesar da aparência desleixada, seu entusiasmo e foco impressionaram: ele conquistou a vaga. Mais uma mudança de vida Em 2012, seis anos depois do lançamento do filme, a vida de Gardner mudou novamente com a morte da sua mulher, aos 55 anos, vítima de um câncer. A perda o fez reavaliar a vida e, depois de três décadas de muito sucesso no mercado financeiro, ele resolveu mudar completamente de carreira. "Nas últimas conversas que tivemos, minha mulher me disse: 'Agora que vimos como a vida pode ser curta, o que você vai fazer no resto da sua'?" Gardner construiu uma nova carreira como palestrante "Quando se tem uma conversa dessas, tudo muda. Costumo dizer que, se você não está fazendo algo pelo qual é apaixonado, você está comprometendo cada dia da sua vida." Ao perceber que não queria mais trabalhar na área de investimentos, Gardner se reinventou como autor de livros e especialista em palestras de motivação. Hoje ele passa 200 dias por ano viajando pelo mundo e falando para auditórios lotados em mais de 50 países. Além disso, patrocina várias organizações que ajudam os sem-teto e combatem a violência contra as mulheres. Scott Burns, diretor da corretora americana Morningstar, afirma que Gardner "é uma incrível demonstração de fortaleza". Gardner afirma desmentir a teoria de que todos somos produto do ambiente em que vivemos na infância. "De acordo com esse pensamento, eu devia ter sido mais um perdedor, alcoólatra, analfabeto, espancador de mulher e abusador de crianças." Ele diz que fez suas escolhas positivas graças ao amor da mãe e ao apoio que recebeu de outras pessoas. "Eu escolhi seguir a luz da minha mãe e de outras pessoas com as quais não compartilho uma só gota de sangue."
Quem são as quatro mulheres que Donald Trump levou para debate presidencial e do que elas acusam os Clinton
Se já se esperava que o segundo debate entre os candidatos à presidência dos EUA, no último domingo, seria marcado por controvérisas e escândalos, Donald Trump fez questão de jogar lenha na fogueira uma hora antes da transmissão. O candidato do Partido Republicano convocou uma entrevista coletiva com três mulheres que já acusaram o ex-presidente Bill Clinton de abuso sexual e uma que foi vítima de estupro e viu seu agressor ser defendido pela então advogada e hoje candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton.
As quatro convidadas de Trump: Paula Jones (à esquerda), Kathleen Willey, Juanita Broaddrick e Kathy Shelton E não parou por aí: Paula Jones, Kathleen Willey, Juanita Broaddrick e Kathy Shelton assistiram ao debate na primeira fila do auditório da Universidade Washington, em Saint Louis. Na entrevista, Trump, que desde sexta-feira enfrenta em sua campanha críticas por causa da divulgação de um vídeo de 2005 em que se gaba de fazer avanços sobre mulheres, disse que suas convidadas estavam mostrando muita coragem em contar suas histórias. A campanha de Hillary classificou o evento como uma artimanha para desviar a atenção de temas importantes. "É um ato de desespero", disse um porta-voz. Bill Clinton se transformou em um tema central da campaha presidencial de 2016, 15 anos depois de deixar a Casa Branca. No início do debate, quando Trump fez menção à presença das mulheres, Clinton evitou falar delas e citou a primeira-dama Michelle Obama. "Quando eles abaixam o nível deles, nós elevamos o nosso". Quem são? Paula Jones é uma ex-funcionária pública do Estado do Arkansas que em 1999 fez um acordo extra-judicial com Bill Clinton, a quem acusara de assédio sexual nos tempos em que Clinton era governador. Recebeu US$ 850 mil, mas o processo terminou sem admissão de culpa do então presidente. Fim do Talvez também te interesse Juanita Broaddrick diz ter sido estuprada por Clinton em um quarto de hotel, em 1978, mas nunca prestou queixa. Clinton, que ocupou a Casa Branca entre 1993 e 2001, nega a acusação. Juanita Broaddrick acusou Clinton de estupro, mas nunca deu queixa E foi durante esse período que Kathleen Willey, ex-funcionária da Casa Branca, disse ter sido agarrada pelo presidente. Ela foi uma das testemunhas do processo movido por Paula Jones, mas contradições em seus depoimentos fizeram com que a Justiça declarasse não haver provas suficientes para incriminar Clinton. Já Kathy Shelton conheceu Hillary quando tinha apenas 12 anos. No início de sua carreira como advogada, Clinton foi designada para defender no tribunal, Thomas Taylor, de 41 anos, acusado de violentar a menina, no Arkansas. O juiz aceitou os argumentos de Clinton que levantavam dúvidas sobre a veracidade das acusações. Taylor teve sua sentença reduzida de estupro em primeiro grau para sexo com menores, sendo condenado a apenas um ano de prisão.
As 14 recessões dos últimos 150 anos - e por que a do coronavírus deve ser a 4ª pior
Nos últimos 150 anos, o mundo sofreu 14 recessões — e a causada pelo novo coronavírus deve ser a quarta pior, prevê o Banco Mundial.
Segundo Banco Mundial, recessão causada por novo coronavírus deve ser a quarta pior dos últimos 150 anos Segundo a instituição, a turbulência econômica decorrente da pandemia de covid-19 só seria superada pelas crises ocorridas no início da 1ª Guerra Mundial, em 1914, na Grande Depressão, em 1930-32, e após a desmobilização de tropas após a 2ª Guerra Mundial, em 1945-46. O Banco Mundial prevê que o PIB per capita global encolha 6,2% neste ano, mais do que o dobro do registrado na crise financeira de 2008. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil entrou em recessão no 1º trimestre de 2020, encerrando um ciclo de fraco crescimento de três anos (2017-2019). A expectativa é que a recessão atual seja curta, mas com intensidade recorde. Mas em que anos — e por que — a economia do mundo contraiu 14 vezes? Confira a lista completa abaixo, em ordem cronológica, e entenda cada uma delas. Fim do Talvez também te interesse 1) 1876 (queda de 2,1%): A recessão de 1876 decorreu do chamado Pânico de 1873, uma grave crise financeira que desencadeou uma depressão na Europa e América do Norte e que durou até 1879. Suas causas são variadas, mas têm a ver, entre outros fatores, com a inflação americana, investimentos especulativos desenfreados (predominantemente em ferrovias), a desmonetização da prata na Alemanha e nos Estados Unidos e a Guerra Franco-Prussiana (1870 a 1871). 2) 1885 (queda de 0,02%): A contração da economia global em 1885 está diretamente ligada à recessão americana que durou de 1882 a 1885. Com 38 meses de duração, foi a terceira maior recessão dos Estados Unidos, depois apenas da Grande Depressão de 1929 e da Grande Depressão de 1873. Em maio de 1884, o colapso de uma corretora, a Grant and Ward, provocou uma quebra generalizada no mercado de ações do país, afetando fortemente a economia americana. Recessão do coronavírus só seria superada pelas crises ocorridas no início da 1ª Guerra Mundial em 1914, na Grande Depressão em 1930-32 e após a desmobilização de tropas após a 2ª Guerra Mundial em 1945-46, diz Banco Mundial 3) 1893 (queda de 0,8%) O Pânico de 1893 foi uma grave depressão econômica nos Estados Unidos, que começou em 1893 e terminou em 1897, afetando profundamente todos os setores da economia e desencadeando revoltas políticas. Pela primeira vez, o nível de desemprego nos EUA superou 10% por mais de meia década. Vale lembrar que o período que durou de 1873 até 1879 ou 1896 (dependendo da métrica usada), foi apelidado na época de 'Grande Depressão' e manteve esse nome até a Grande Depressão de 1930. Atingiu particularmente a Europa e os Estados Unidos. Embora tenha sido um período de contração econômica e deflação generalizada, não foi tão severa quanto a turbulência financeira de 1930. 4) 1908 (queda de 3%) O Pânico de 1907 foi a primeira crise financeira mundial do século 20, apenas superada em gravidade pela Grande Depressão de 1930. Essa recessão trouxe um legado importante, pois estimulou o movimento de reforma monetária que levou ao estabelecimento do Federal Reserve, o banco central americano. Economistas argumentam que as lições do Pânico de 1907 mudaram a maneira como os banqueiros de Nova York percebiam a importância de um banco central porque o pânico se instalou principalmente entre empresas fiduciárias, instituições que competiam com os bancos por depósitos. Banco Mundial prevê que o PIB global encolha 5,2% neste ano, mais do que o dobro do registrado na crise financeira de 2008 5) 1914 (queda de 6,7%) A recessão de 1914 coincide com o início da 1ª Guerra Mundial. Economistas dizem que essa contração, apesar de grave, acabou ofuscada e esquecida por outra crise, a diplomática, que provocou o primeiro conflito a nível global da história. À medida que o confronto se tornava cada vez mais iminente, o temor nos mercados globais desencadeou um enorme pânico financeiro. Os investidores, temendo que suas dívidas não fossem pagas, retiraram ações e títulos em uma corrida por dinheiro, o que, naquela altura, significou uma corrida por ouro. A Bolsa de Valores de Londres reagiu, fechando em 31 de julho e permanecendo assim por cinco meses. Já a bolsa de valores dos EUA também fechou no mesmo dia e manteve-se inoperante por quatro meses. Mais de 50 países experimentaram alguma forma de esgotamento de ativos ou execução bancária. Segundo Richard Roberts, professor de História Contemporânea na Universidade King's College em Londres, "durante seis semanas, durante agosto e início de setembro, todas as bolsas de valores do mundo foram fechadas, com exceção da Nova Zelândia, Tóquio e da Bolsa de Mineração de Denver, Colorado". 6) 1917-1921 (queda de 4,4%) A recessão de 1917 a 1921 ocorreu ao fim da 1ª Guerra Mundial, quando o mundo ainda se recuperava dos estragos causados pelo confronto. 7) 1930-1932 (queda de 17,6%) Considerada a pior recessão econômica do sistema capitalista do século 20, a Grande Depressão, também conhecida como Crise de 1929, teve início em 1929 com o crash da Bolsa de Nova York. Diversos países do mundo, inclusive o Brasil, sofreram os efeitos devastadores desse cataclismo financeiro. O dia 24 de outubro de 1929 é considerado seu principal marco de referência, pois, naquele dia, os valores das ações na bolsa de valores de Nova York, a New York Stock Exchange, despencaram drasticamente. O crash da bolsa ficou conhecido como 'Quinta-Feira Negra'. Milhares de acionistas perderam tudo, da noite para o dia. Essa quebradeira acelerou drasticamente os efeitos da recessão já existente, provocando o fechamento de empresas e indústrias e forçando demissões em massa. 8) 1938 (queda de 0,5%) A recessão iniciada em 1937 ocorreu durante a recuperação da Grande Depressão. Segundo o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA, essa contração, que durou de maio de 1937 a junho de 1938, foi a terceira pior recessão do país no século 20: o PIB real americano caiu 10%; o desemprego, que havia diminuído consideravelmente após 1933, atingiu 20% e a produção industrial contraiu 32%. Segundo economistas, as possíveis causas dessa recessão foram uma contração no suprimento de dinheiro causada por políticas do Federal Reserve e do Departamento do Tesouro e políticas fiscais contracionistas. Economia brasileira deve cair 8% neste ano, prevê Banco Mundial 9) 1945-1946 (queda de 15,4%) A recessão de 1945-1946 resultou diretamente do pós-guerra. O conflito, que envolveu mais de 70 países, incluindo o Brasil, causou estragos drásticos na economia mundial, particularmente na Europa e nos Estados Unidos. 10) 1975 (queda de 0,8%) A recessão de 1973-1975 ou a recessão da década de 1970 foi um período de estagnação econômica em grande parte do mundo ocidental durante a década de 1970, que pôs fim ao boom econômico que se seguiu à 2ª Guerra Mundial. Diferentemente das recessões anteriores, foi uma "estagflação", ou seja, uma combinação de recessão com inflação alta. Entre suas causas principais, estavam a crise do petróleo de 1973 e o colapso do Sistema de Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional com o chamado "choque Nixon" - uma série de medidas adotadas pelo presidente americano Richard Nixon, entre elas, a de acabar unilateralmente com a convertibilidade do dólar em ouro. 11) 1982 (queda de 1,3%) A recessão do início dos anos 80 foi uma grave recessão econômica global que afetou grande parte do mundo desenvolvido no final dos anos 70 e início dos anos 80. Seus efeitos não foram tão duradouros nos Estados Unidos e no Japão, mas o alto desemprego continuou afetando outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) até pelo menos 1985. Suas origens remontam à crise do petróleo de 1973 e a crise energética de 1979. Até então, foi a recessão mais profunda desde o pós-guerra. 12) 1991 (queda de 0,3%) A recessão do início dos anos 90 afetou grande parte do mundo ocidental. Acredita-se que foi causada pela política monetária restritiva promulgada pelos bancos centrais principalmente em resposta a preocupações com a inflação, à perda de confiança do consumidor e das empresas como resultado do choque dos preços do petróleo em 1990, ao fim da Guerra Fria e à subsequente queda nos gastos com defesa, à crise de poupança e empréstimos e a uma queda na construção de escritórios resultante da construção excessiva nos anos 80. Segundo economistas do Banco Mundial, em 2020, "maior parcela das economias sofrerá contrações no PIB per capita anual desde 1870" 13) 2009 (queda de 2,9%) A recessão de 2009 decorreu do colapso do mercado imobiliário dos Estados Unidos por causa da crise financeira de 2007-2008 e da crise das hipotecas subprime. Como resultado, diversas empresas e bancos tiveram que ser resgatados por governos centrais em todo o mundo. Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), foi "o colapso econômico e financeiro mais grave desde a Grande Depressão dos anos 1930". No entanto, essa contração não foi sentida igualmente em todo o mundo. Se, por um lado, a maioria das economias desenvolvidas entrou em recessão, países emergentes, como o Brasil, sofreram um impacto proporcionalmente muito menor. A título de comparação, em 2009, o PIB americano caiu 2,5% enquanto o brasileiro, 0,1%. No ano seguinte, o Brasil registrou um crescimento estrondoso, de 7,5%. Naquela época, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a descrever a crise como uma "marolinha" para o Brasil. 14) 2020 (estimativa de queda de 6,2%) Segundo o Banco Mundial, a economia global deve encolher mais de 5% devido à pandemia de covid-19. O novo vírus, originário na China, forçou a maior parte dos países a implementar fortes medidas de restrição ao movimento de pessoas. Com populações confinadas diante do temor pela saturação dos sistemas de saúde, as trocas econômicas ficaram severamente prejudicadas. "As previsões atuais sugerem que a recessão global do coronavírus será a mais profunda desde a 2ª Guerra Mundial, com a maior parcela de economias experimentando declínios no PIB per capita desde 1870. A produção de mercados emergentes e economias em desenvolvimento (EMDEs) deverá contrair-se em 2020 pela primeira vez em pelo menos 60 anos", afirmaram os economistas Ayhan Kose e Naotaka Sugawara no blog do Banco Mundial. Segundo eles, em 2020, "a maior proporção das economias sofrerá contrações no PIB per capita anual desde 1870. A proporção será mais de 90% maior que a proporção no auge da Grande Depressão de 1930-32". "A recessão global da covid-19 é única em muitos aspectos. Também está associada a um enfraquecimento sem precedentes em vários indicadores da atividade global, como serviços e demanda de petróleo, além de declínios na renda per capita em todas as regiões do mundo emergente", concluem.
Grupo lança operação de caça a ex-nazistas; assista
O Centro Simon Wiesenthal, que defende os direitos humanos de judeus, lançou uma operação para encontrar e levar à Justiça ex-nazistas acusados de genocídio.
Juntamente com os governos da Áustria e da Alemanha, o centro oferece uma recompensa de mais de US$ 300 mil para informações que levem ao paradeiro de Aribert Heim. Atualmente com 93 anos, Heim é conhecido como "Dr. Morte" pelo assassinato de centenas de prisioneiros no campo de concentração de Mauthausen, na Áustria. O diretor do escritório israelense do centro, Efraim Zuroff, diz que a maioria das informações recebidas até o momento leva a crer que Heim esteja na América Latina. Vários ex-integrantes do regime nazista buscaram refúgio na América Latina, entre eles o ex-oficial Eric Pribke, que cumpre pena na Itália, e Adolf Eichmann, que acabou enforcado em Israel.
Explosões no retorno de ex-premiê matam 80 no Paquistão
Pelo menos 80 pessoas, entre elas 20 policiais, foram mortas e 150 ficaram feridas em duas explosões que atingiram o público que acompanhava a comitiva da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto em Karachi, no Paquistão.
Bhutto, que voltou ao país nesta quinta-feira após um exílio voluntário de oito anos, seguia com sua comitiva por ruas movimentadas da cidade em direção ao aeroporto de Karachi para participar de um ato de comemoração por seu retorno. A ex-primeira-ministra saiu ilesa das explosões, mas o veículo em que viajava teve as janelas quebradas e uma porta arrancada. As explosões ocorreram depois da meia-noite de quinta-feira (horário local), quando a comitiva passava lentamente por uma multidão de mais de 100 mil pessoas que se juntaram para acompanhar a passagem de Benazir Bhutto. Ameaças Imagens exibidas por emissoras de televisão locais mostraram cenas de enorme caos após as explosões, quando milhares de pessoas tentavam fugir do local. A passagem da comitiva era acompanhada também por uma forte presença de agentes de segurança depois de ameaças de ataques de militantes pró-Talebã. A polícia afirma que as explosões podem ter sido causadas por ataques suicidas. Bhutto retornou ao Paquistão para negociações com o presidente Pervez Musharraf sobre uma possível divisão de poder.
De Getúlio Vargas a Cristiane Brasil, como o PTB passou do trabalhismo histórico aos ataques à Justiça do Trabalho
Há oito décadas, Getúlio Vargas liderava a consolidação do trabalhismo por meio de instituições simbólicas desta corrente ideológica como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho, além do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 1945.
Fundado sob a liderança de Vargas, PTB aparece no noticiário neste início de 2018 pelo imbróglio na nomeação de Cristiane Brasil ao Ministério do Trabalho | Foto: Presidência da República/Câmara dos Deputados Mas o princípio de 2018 vem mostrando como, com o passar do tempo, o mesmo PTB se descolou de suas origens ideológicas. Em meados de janeiro, o presidente atual da sigla, Roberto Jefferson, defendeu ao jornal Folha de S. Paulo a extinção da Justiça do Trabalho, formada durante o Estado Novo. Jefferson classificou-a como uma "excrescência brasileira" e uma "babá de luxo". Enquanto isso, sua filha, a deputada federal pelo PTB Cristiane Brasil, fez referências à Justiça do Trabalho em um vídeo publicado nesta segunda-feira. Nele, ao lado de quatro amigos em um barco, a parlamentar se defende das acusações abertas por dois ex-funcionários na Justiça do Trabalho, onde foi condenada. Em meio a embates judiciais e políticos, as denúncias trabalhistas contra Cristiane Brasil vêm impedindo que ela assuma o Ministério do Trabalho, cargo ao qual foi indicada pelo presidente Michel Temer no início do mês. "Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata. O negócio é o seguinte: 'Quem é que tem direito?'. Ainda mais na Justiça do Trabalho. Eu, juro pra vocês, eu juro pra vocês, que eu não achava que eu tinha nada para dever para essas duas pessoas que entraram (com processos)", diz a deputada no vídeo. Para estudiosos da história política brasileira consultados pela BBC Brasil, os episódios recentes, além do posicionamento do partido em pautas como a reforma trabalhista, mostram que, do "trabalhismo", o PTB atual só mantém o nome. 'Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata', disse Cristiane Brasil em vídeo publicado nesta segunda-feira | Imagem: Reprodução/YouTube "Da minha perspectiva, o PTB não existe mais. Existe a sigla, mas não o seu sentido original. O partido deu recentemente provas inequívocas do seu descompromisso com essa tradição política", diz a historiadora Angela de Castro Gomes, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). "Os mais importantes líderes do PTB estariam se revolvendo no túmulo ao olharem para o partido atualmente". Em nota, a assessoria de imprensa do partido atual afirmou que a sigla "mais do que nunca" defende os direitos dos trabalhadores na política. "O PTB luta pelos trabalhadores sem voz e que pagam a conta da deformação das relações de trabalho", diz a nota. "O PTB foi e é um partido reformista e de vanguarda, está à frente de seu tempo, entende as aspirações da classe trabalhadora, da classe média urbana e do mundo rural". Para entender os caminhos do partido, é preciso voltar para alguns dos momentos mais importantes da política brasileira, como o Estado Novo, a ditadura militar e a redemocratização. Era Vargas Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas assume a Presidência do país. Em 1937, instaura autoritariamente o Estado Novo, que até 1945 vai ser marcado por políticas como a unicidade sindical, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a criação da Justiça e do Ministério do Trabalho - este particularmente fundamental para a projeção do trabalhismo e posterior fundação do PTB, em 1945. João Trajano de Lima Sento-Sé, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), indica que o partido, embora em sua origem tenha sido o "primeiro grande partido de massas do Brasil", continha ambivalências que foram exacerbadas nas décadas recentes. "Por um lado, sem sombra de dúvidas, o PTB foi o partido que melhor conseguiu encarnar, de 1945 a 1964, as questões dos trabalhadores e sindicalistas a ele filiados. Ele foi a grande sigla de atuação político-partidária da esquerda neste período", afirma Sento-Sé. "Mas o PTB não era um partido exclusivamente de trabalhadores. Havia segmentos residuais conservadores, ligados às classes médias urbanas e que formavam uma certa burocracia partidária". Em 1965, PTB, entre outras siglas, foi dissolvida pelo Ato Institucional nº 2 | Foto: Reprodução Com o suicídio de Vargas em 1954, o partido se vê diante de um esforço de renovação e competições internas - mas, ao longo da década seguinte, conquista significativos ganhos eleitorais. O petebista João Goulart, que assume a presidência em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros (à época, presidente e vice eram eleitos em pleitos separados), dá continuidade ao projeto trabalhista herdado de Vargas. Mas, com o golpe militar de 1964, o PTB passa a ser o principal alvo, entre os partidos, da repressão. Em 1965, a sigla, entre outras, é dissolvida pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2). Redemocratização Em meio à abertura política na transição entra as décadas de 1970 e 1980, o PTB se torna alvo de uma disputa judicial por sua titularidade. Competem pela sigla grupos liderados por Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio), de um lado, e Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pela Guanabara, que representava a ala mais à esquerda do partido. Em 1980, por decisão da Justiça Eleitoral, o PTB fica com Ivete Vargas. Brizola, então, funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Segundo Sento-Sé, enquanto Brizola era identificado pelos trabalhistas históricos como o herdeiro legítimo ao PTB, Ivete Vargas era tributária dos setores mais conservadores do partido - tendo trânsito, inclusive, entre os militares. "O processo de redemocratização foi controlado pelas elites vinculadas aos militares de forma que o poder não escapasse destas mãos. O trabalhismo era o grande fantasma e tinha um nome singular que assustava especialmente: o de Brizola", diz o cientista político. "Os setores conservadores influenciaram decisivamente na vitória judicial de Ivete Vargas. É historiograficamente aceito que a decisão judicial teve clara influência dos militares". De acordo com Sento-Sé, tal "renascimento" do PTB logo o batiza como um partido conservador - e a herança de Vargas e do trabalhismo acaba sendo associada ao PDT de Brizola. "Quem ganha a competição pelo legado histórico e pela relevância política é o PDT. Isso mostra que a sigla é importante, mas mais ainda é o que ela vai encarnar e defender", aponta Castro Gomes. Herança de Vargas e do trabalhismo acaba sendo associada ao PDT de Brizola (acima, em imagem de 2003) | Foto: Ana Nascimento/ABr Ressignificando a história Comunicados oficiais e recentes no site do PTB, porém, defendem um alinhamento entre a atuação atual do partido e suas origens históricas. Alguns deles, por exemplo, fazem referência ao passado do trabalhismo na defesa da reforma trabalhista - uma das principais pautas do governo Temer, aprovada no Congresso e sancionada em 2017. "O PTB tem a identidade de raízes, de pregação doutrinada, nos primados trabalhistas de Getúlio Vargas. Cremos nesse sindicalismo, no movimento do trabalhador e na inspiração judaico-cristã. Somos cristãos e cremos nesse tipo de organização e na busca da conquista por meio do diálogo. Nós não somos socialistas. O PTB foi construído para ser um partido trabalhista, diferente daquele que prega a ditadura do proletário", diz Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, em um comunicado de março de 2017. "Ao contrário do que dizem, a lei de modernização da legislação trabalhista representa um avanço para o Brasil. Ela não tira direitos nem é um retrocesso, ao contrário, é a garantia de um Brasil moderno, competitivo e próspero", indicou Jefferson em outro comunicado. O PTB é parte da base aliada do governo Temer: o primeiro a ocupar o Ministério do Trabalho na gestão foi o petebista Ronaldo Nogueira. Este então abriu espaço para que a correligionária Cristiane Brasil assumisse a pasta - nomeação essa suspensa temporariamente pela presidente e ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Bastidores de Brasília indicam que Temer está acatando a insistência - e decorrente desgaste - pela nomeação de Cristiane Brasil a troco do apoio de Jefferson e do PTB à reforma da Previdência. Nos governos dos petistas Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-2016), o PT e o PDT se alternaram na titularidade do ministério. 'Ao contrário do que dizem, a lei de modernização da legislação trabalhista representa um avanço para o Brasil', afirmou Roberto Jefferson | Foto: Valter Campanato/ABr 'Inverso do trabalhismo' Para Castro Gomes, a aprovação da reforma trabalhista e os ataques à Justiça do Trabalho são expressões da guinada conservadora no PTB. "Uma das instituições fundamentais na lógica original do partido é a própria Justiça do Trabalho. Segundo essa lógica, a intervenção do Estado no mercado de trabalho é necessária diante da ideia de que empregados e empregadores não têm a mesma força, mesmo com a organização de sindicatos", diz a historiadora. "O que vamos ver, principalmente no governo Temer, é uma reversão disso. Uma primeira grande mudança é que o negociado passa a se impor sobre o legislado. Isso é o inverso exato da lógica do trabalhismo" Ainda assim, segundo a pesquisadora, as referências ao passado do partido seguem como capital político. "Os usos que o PTB de hoje faz do PTB de antes são evidentemente uma estratégia retórica de se beneficiar da sua origem histórica", aponta. Para Sento-Sé, o governo atual também se beneficia do legado histórico do PTB. "Em governo conservadores, quando o PTB tem algum poder na composição governamental, há a demanda pelo Ministério do Trabalho. Em um contexto como o de hoje, de um governo conservador, relativamente isolado politicamente, que não conta com a capacidade de recrutamento de quadros relevantes na política nacional, o PTB faz valer sua expectativa de reforçar o seu legado trabalhista", afirma o cientista político. "Hoje, quando há episódios como estes recentes, do ponto de vista historiográfico não há nada que surpreenda. Já na sua reconstituição, o PTB ressurge como um partido conservador que sobrevive à custa de alianças fisiológicas e sem base social".
Ucranianos vivem em cidade-ruína após crise econômica
Donbas é uma área industrial importante da Ucrânia, onde estão as maiores fábricas do país pós-soviético. No entanto, nem todas elas sobreviveram durante os primeiros 20 anos de independência do país.
Ruínas industriais A cidade de Kostiantynivka, que foi uma das mais prósperas da região, hoje se assemelha a uma cidade em ruínas, com fábricas desativadas depredadas por pessoas em busca de sucata e materiais de construção. A estagnação econômica da Ucrânia, a perda de conexões industriais estabelecidas durante o regime soviético e a má administração política, segundo os moradores locais, resultou na crise que a região enfrenta agora. Nos anos 1980, a população de Kostiantynivka passava de 100 mil pessoas. Após a Segunda Guerra Mundial, jovens de toda a ex-União Soviética foram atraídos para lá para reconstruir o polo industrial de Donbas. No ano passado, Kostiantynivka apareceu em terceiro lugar numa lista dos dez piores lugares para se viver na Ucrânia, elaborada pelo centro de pesquisas Uiversitas. No entanto, os moradores não reclamam dos problemas da cidade e dizem ter muitas razões para aproveitar a vida.
Coronavírus: A longa lista de possíveis sequelas da covid-19
Sete meses depois do surgimento da covid-19, mais de 18 milhões já foram infectados pelo novo coronavírus no mundo e cerca de 11 milhões de pacientes são considerados recuperados.
Além dos pulmões, doença pode afetar coração, rins, intestino, sistema vascular e até o cérebro De um lado, a comunidade científica ainda busca uma vacina contra o Sars-CoV-2. De outro, médicos tentam entender quais consequências de médio e longo prazo o vírus pode trazer para aqueles que já entraram em contato com ele. Uma série de estudos divulgados nos últimos meses e a observação clínica dos profissionais que estão na linha de frente indicam as possíveis sequelas que a doença pode deixar — ainda que não seja possível dizer se elas são temporárias ou perenes. Já se sabe, por exemplo, que alguns sintomas podem persistir não apenas entre aqueles que tiveram casos mais graves da doença e que, além de danos nos pulmões, o Sars-CoV-2 pode afetar o coração, os rins, o intestino, o sistema vascular e até o cérebro. Respiração comprometida após a alta O pneumologista Gustavo Prado, do hospital Alemão Oswaldo Cruz, conta que tem recebido um volume expressivo de pacientes que tiveram quadros moderados de covid-19 e relatam, por exemplo, cansaço e falta de ar. Fim do Talvez também te interesse Um dos primeiros estudos sobre a função pulmonar de pacientes que haviam acabado de receber alta na China indicava, em abril, que a redução da capacidade pulmonar era uma das principais consequências observadas mesmo entre aqueles que não chegaram a ficar em estado crítico. Publicado em abril no European Respiratory Journal, o trabalho ressaltava a ocorrência de fenômenos semelhantes em epidemias causadas por outros coronavírus, os da Sars e da Mers, em que as sequelas se estenderam por meses ou anos em alguns casos. Mais recentemente, um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) verificou que, entre 143 pacientes avaliados na Itália, apenas 12,6% haviam sido internados em uma UTI, mas 87,4% relatavam persistência de pelo menos um sintoma, entre eles fadiga e falta de ar, mais de dois meses depois de terem alta. "A gente tem visto mesmo uma latência para a recuperação plena dos pacientes que tiveram quadros moderados", afirma o pneumologista do Fleury João Salge. Muitos desses pacientes, ele conta, retornam às atividades do dia a dia, mas relatam cansaço e veem sua produtividade e qualidade de vida afetados. A eles, o médico tem recomendado que façam exercícios físicos, respeitando as limitações do momento, e que tentem pouco a pouco desafiar o organismo para recuperar o condicionamento. Mas ainda não se sabe por quanto tempo esses sintomas podem se estender. 'Essa dicotomia entre 'morreu' e 'sobreviveu' é errada', diz Prado, chamando atenção para a necessidade de se discutir a reabilitação dos recuperados Fibrose pulmonar Nos casos mais graves, é possível que haja sequelas permanentes, como a fibrose pulmonar, uma doença crônica caracterizada pela formação de cicatrizes no tecido pulmonar. "A cicatriz preenche o espaço, mas não tem a mesma elasticidade, as mesmas características do tecido original", explica Prado. Assim, o pulmão expande menos, ou com maior dificuldade, com uma consequente perda de eficiência nas trocas gasosas. Com a redução da capacidade respiratória vem a falta de ar e o cansaço frequentes. A fibrose pode ser causada pela inflamação intensa e generalizada que o organismo provoca para tentar expulsar o vírus do corpo. Nesse caso, ela é consequência do processo de reparação natural do tecido danificado. Sequelas pulmonares também podem ser resultado de procedimentos como a ventilação mecânica Mas também pode ser resultado do próprio tratamento, quando o paciente é intubado, por exemplo. "Apesar de necessária na síndrome respiratória grave, a ventilação não adequada pode impor estresse sobre tecidos pulmonares — por uma distensão exagerada, pela manutenção de pressões altas no enchimento do pulmões ou pela oferta de oxigênio exagerada", exemplifica Prado. É a chamada lesão pulmonar induzida pela ventilação, ou VILI (acrônimo da expressão em inglês "ventilator-induced lung injury"), que pode evoluir para uma fibrose. Síndrome pós-UTI Longe de ser exclusividade da covid-19, esse tipo de lesão caracteriza diversas síndromes respiratórias mais graves. A particularidade, nesse caso, é o fato de que o intervalo de internação dos pacientes infectados pelo novo coronavírus costuma ser maior, o que aumenta a probabilidade de ocorrência desse tipo de sequela. "Eles ficam muito tempo intubados, traqueostomizados, em ECMO (sigla para "extracorporeal membrane oxygenation", ou oxigenação por membrana extracorporal, que consiste no uso de uma máquina que realiza a função do coração e pulmões e bombeia o sangue)", diz a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo. O período prolongado no hospital também eleva as chances de outro problema que acomete aqueles afetados por infecções graves: a síndrome pós-UTI. Os sintomas vão desde perda de força muscular, alterações da sensibilidade e da força motora por disfunção dos nervos até depressão, ansiedade, alterações cognitivas, prejuízo de memória e da capacidade de raciocínio. Os casos graves de covid-19 são a minoria, cerca de 5% do total. Diante de uma pandemia de grandes proporções, entretanto, um percentual pequeno pode significar números absolutos elevados. Entre cerca de 11 milhões de recuperados, por exemplo, os 5% se tornam 550 mil. Nesse sentido, Prado, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, chama atenção para o fato que parte desse grande contingente vai precisar de acompanhamento médico por algum tempo, seja no SUS ou na saúde privada. "E boa parte dos pacientes ainda pertence à população economicamente ativa. A gente precisa desmistificar um pouco essa ideia de que é só o idoso com comorbidade", acrescenta. 'Marco zero' Os pulmões são uma espécie de "marco zero" para o Sars-CoV-2. Uma vez que o vírus consegue atravessar nossa barreira imunológica e se instala no pulmão, ele segue fazendo estragos em outros órgãos. Um artigo publicado em abril na revista Science destacava que um possível sinalizador das regiões mais vulneráveis do corpo seria aquelas ricas em receptores chamados ECA2 (enzima conversora da angiotensina 2). Com a função de regular a pressão sanguínea, essas proteínas ficam na superfície da célula e são usadas como porta de entrada pelo vírus, que utiliza a estrutura celular para se reproduzir. Além dos pulmões (mais especificamente os alvéolos pulmonares), o ECA2 também é encontrado em órgãos como o coração, o intestino e os rins — que têm sofrido lesões importantes em pacientes em estado mais grave. "Por isso dizemos que a covid-19 é uma doença sistêmica, e não apenas respiratória", diz Dalcolmo, da Fiocruz. Os cientistas ainda investigam se esses danos são causados diretamente pelo vírus ou por fatores indiretos ligados à doença. Uma possibilidade, por exemplo, é que a "tempestade inflamatória" que o sistema imunológico gera para tentar combater o vírus, inundando o organismo de citocinas, acabe lesionando esses órgãos. Parte também pode ser uma consequência da própria infecção. Rins e coração Independentemente da causa, os cientistas procuram entender quais desses efeitos têm consequências de curto, médio ou longo prazo. Um estudo recente — com resultados preocupantes — realizado na Alemanha apontou que, entre 100 pacientes recuperados, 78% apresentaram algum tipo de anomalia no coração mais de dois meses após a alta. Boa parte (67%) tivera uma forma branda da doença e sequer havia sido hospitalizada. No caso dos rins, as evidências mostram uma incidência elevada de falência entre os casos mais graves de covid-19. Um amplo estudo com dados de pacientes internados em Nova York entre 1 de março e 5 de abril revelou que, dentre 5.449, mais de um terço, 1.993, desenvolveram insuficiência renal aguda. Cérebro A ocorrência de uma série de sintomas neurológicos que vão de confusão mental e dificuldade cognitiva a delírio também tem sido documentada entre pacientes com covid-19. No Brasil, uma força-tarefa do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (Inscer), vinculado à PUC-RS, investiga, entre outras frentes, quais sequelas podem ficar desses sintomas. O neurologista Jaderson Costa da Costa, que coordena o grupo, conta que, entre os casos mais graves atendidos pela equipe no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, têm sido observadas convulsões, casos de síndrome de Guillain-Barré (que ataca o sistema nervoso e causa fraqueza muscular) e de encefalite, a inflamação do parênquima do encéfalo. Um estudo recente da University College London chamou atenção para um caso raro e grave de encefalite que tem acometido alguns pacientes com covid — a encefalomielite aguda disseminada. Sistema vascular Outra complicação neurológica que os médicos têm observado em pacientes com casos graves é a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais (AVC). Por alguma razão que os cientistas ainda desconhecem, o Sars-CoV-2 aumenta a tendência de coagulação do sangue. Tanto que um fragmento de proteína usado no diagnóstico de trombose, o dímero-D, virou um marcador de gravidade para pacientes com covid. "Quando ele está alto, é um sinal de possível evolução para um quadro mais grave", diz o pneumologista do Fleury João Salge. A coagulação desenfreada pode levar a um tromboembolismo venoso — o bloqueio de uma via sanguínea, que pode acabar causando AVC, embolia pulmonar ou a necrose de extremidades, levando à necessidade de amputação, o que também tem sido observado em pacientes com covid. "Essa dicotomia entre 'morreu' e 'sobreviveu' é errada", diz o pneumologista Gustavo Prado, chamando atenção para a necessidade de se discutir a reabilitação dos recuperados. Para ele, a ampla gama de possíveis sequelas deixadas pela covid-19 e a dimensão da população atingida deveriam transformar esse processo de recuperação em uma questão mais ampla, que envolvesse uma estratégia de saúde pública e assistência social e incluísse profissionais da saúde de diferentes frentes. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A Constituição prevê a possibilidade de uma intervenção militar?
Na últimas semanas, com a crise provocada pelo movimento grevista de caminhoneiros em todo o país, voltaram a surgir nas redes sociais e em faixas espalhadas nas estradas pedidos por uma certa " intervenção militar constitucional", que daria a membros das Forças Armadas o poder para governar o país. Mas, apesar do uso do termo "constitucional", tal medida não tem nenhum fundamento jurídico. Na realidade, demandas do tipo são baseadas em interpretações equivocadas da Constituição, segundo juristas.
Forças Armadas estão 'sob a autoridade suprema do Presidente da República', segundo a Constituição (Foto: Agência Brasil) De acordo com os especialistas, diferentemente do que argumentam militantes polítcos que defendem a intervenção, a Constituição não prevê qualquer cenário em que militares possam assumir o poder, ainda que com missão e prazo delimitados. A hipótese de uma intervenção também é rechaçada pelos comandantes das Forças Armadas, que citam os riscos de um retrocesso institucional no país. "Qualquer intervenção em que os militares assumam o poder equivaleria a uma ruptura institucional e a um golpe de Estado", diz Daniela Teixeira, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Distrito Federal. 'Limpeza ética' Em grupos de apoiadores da greve no WhatsApp e no Facebook, além de outros movimentos, são comuns os pedidos por uma intervenção militar temporária, que promova uma "limpeza ética" no governo e conduza o país até a próxima eleição. Fim do Talvez também te interesse Segundo os difusores da ideia, esse tipo de intervenção seria diferente de um golpe ou da imposição de uma ditadura militar. "Em 1964 as leis eram outras, eram outros tempos", diz num áudio que circula em grupos de WhatsApp um homem que se identifica como militar da reserva da Aeronáutica. Ele diz que, nos golpes, os militares agem por conta própria. Já em intervenções, segundo ele, "as forças são convocadas a agir pela população" - fator que conferiria legalidade aos atos. O autor defende a realização de grandes manifestações pró-intervenção pelo Brasil. "Aí teremos o respaldo do mundo e da ONU, senão a ação cai por terra." Militares foram acionados para proteger refinarias e desobstruir estradas durante a greve (Foto: Agência Brasil) No grupo do Facebook "Adeptos da INTERVENÇÃO CONSTITUCIONAL DAS FFAA" (Forças Armadas), um membro que também se identifica como militar na reserva defende a convocação imediata "de uma Junta Civil e Militar Constitucional que dirija os destinos da Nação com Ordem e Progresso até as próximas eleições, sem urnas eletrônicas viciadas e fraudadas". Segundo o autor, a iniciativa garantiria que "bandidos e corruptos presos cumpram realmente suas penas" e que "a população se sinta mais segura e protegida". Subordinação ao presidente Todos os juristas ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, afirmam que a Constituição não dá respaldo a qualquer ação desse tipo e que a tomada de poder pelos militares - ainda que temporária - equivaleria a um golpe. E caso os militares exerçam o poder de forma autoritária e suspendam liberdades individuais para cumprir seus objetivos, como fizeram após o golpe de 1964, o novo regime seria uma ditadura. Para Elival da Silva Ramos, professor de Direito Constitucional da USP e ex-procurador geral do Estado de São Paulo, a Constituição claramente subordina as Forças Armadas ao presidente da República. No artigo 142, a Carta diz que as "Forças Armadas (...) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Segundo Ramos, é esse o trecho que legitima o emprego de militares em crises de segurança pública - caso, por exemplo, do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que ampara a presença atual de militares no policiamento do Rio de Janeiro. Mesmo nesses casos, porém, a iniciativa de convocar as tropas cabe ao presidente da República e deve ser aprovada pelo Congresso. E há limites à ação das tropas. "O presidente não pode decretar uma intervenção nos demais poderes, por exemplo", diz o professor. Emprego de militares em crises de segurança pública tornou-se frequente nos últimos anos (Foto: Agência Brasil) Alguns defensores de uma "intervenção constitucional" citam a possibilidade de que o processo seja conduzido pelo Conselho de Defesa Nacional, órgão que assessora o presidente da República nos assuntos de soberania nacional e defesa do Estado democrático. O conselho é composto pelos comandantes das Forças Armadas, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado e os ministros da Justiça, Defesa, Relações Exteriores e Planejamento. Entre as atribuições do órgão está "opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal". Ramos afirma, porém, que o "órgão tem caráter meramente consultivo e serve unicamente ao presidente da República". Para Sérgio Borja, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a transformação do Conselho de Defesa num órgão capaz de tomar decisões "representaria um atentado à fórmula constitucional". Intervenção temporária A defesa de uma intervenção que vigore até a próxima eleição ecoa o conteúdo do Ato Institucional nº 1 (AI-1), conjunto de normas impostas pelos militares após o golpe de 1964. No documento, os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica diziam agir para "restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista". Protesto pela anistia de perseguidos pela ditadura militar em 1979, no Rio de Janeiro (Foto: Arquivo Nacional) Segundo o AI-1, as regras do ato vigorariam até 31 de janeiro de 1966, data em que assumiria um novo presidente, a ser eleito no ano anterior. As promessas de uma intervenção temporária, porém, não foram cumpridas, e o Brasil só voltou a ter eleições diretas para presidente 25 anos depois, em 1989. Estado de sítio A advogada constitucionalista Vera Chemim diz que a greve dos caminhoneiros não se enquadra nas situações em que a Constituição permite a decretação de estado de sítio e, por consequência, a suspensão de algumas garantias constitucionais. Nos artigos 137 a 139, a Carta determina que o presidente poderá solicitar ao Congresso a imposição de estado de sítio quando houver "comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa", ou ainda quando houver "declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira". Nesses cenários, a Constituição permite, entre outros pontos, a suspensão da liberdade de reunião, a requisição de bens e intervenções em empresas públicas. Segundo Chemim, os distúrbios causados pela greve não chegaram a esse nível de gravidade. Além disso, ela afirma que mesmo sob estado de sítio as Forças Armadas continuariam subordinadas à Presidência. "Na Constituição Federal não há nenhum evento que justifique a tomada de poder pelos militares." Militares na política Jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura pelos militares durante a ditadura Para a advogada Daniela Teixeira, vice-presidente da OAB-DF, "não existe nenhuma possibilidade na Constituição de que se passe o comando supremo das Forças Armadas para um militar não eleito". A Carta impede que a Presidência da República, chefia máxima das forças, fique vaga em qualquer circunstância. Mesmo que um presidente e seus sucessores imediatos morram ou sejam afastados, há ritos para que o cargo seja imediatamente preenchido - ainda que de forma temporária. Assim, a autoridade da Presidência sobre as Forças Armadas sempre se mantém. Mesmo quando militares concorrem a cargos eletivos, devem antes passar à reserva, pois a Constituição proíbe que eles integrem partidos políticos enquanto estiverem na ativa. Rejeição entre comandantes A hipótese de uma intervenção militar tem sido rejeitada pelos três comandantes das Forças Armadas desde que a crise política se acirrou no país, em 2016. Nos últimos dias, até mesmo o general Antônio Mourão - que, até passar à reserva, em fevereiro, era visto como um dos oficiais mais intervencionistas do Exército - criticou a possibilidade de interferência das Forças Armadas em meio à greve dos caminhoneiros. "Tem gente que quer as Forças Armadas incendiando tudo", disse Mourão. "Soluções dessa natureza a gente sabe como começam e não sabe como terminam." O deputado federal e ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato à Presidência, também reprovou uma eventual intervenção. "Na minha opinião, dos meus amigos generais, se (os militares) tiverem de voltar um dia, que voltem pelo voto. Aí chega com legitimidade, não dá essa bandeira para o PT dizer 'abaixo a ditadura' ou 'foi golpe', porque aí foi golpe mesmo", afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo, na terça-feira. Comandante do Exército, general Villas Bôas criticou pedidos por intervenção (Foto: Agência Brasil) Em 2016, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, chamou de "malucos" e "tresloucados" os que pediam a volta dos militares ao poder. Em abril deste ano, porém, uma declaração de Villas Bôas no Twitter animou grupos pró-intervenção e foi interpretada como uma ameaça de interferência em outro poder. Na véspera do julgamento de um habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Villas Bôas disse que o Exército compartilhava do "anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade" e que a Força se mantinha atenta "às suas missões constitucionais". Poder constituinte originário Para Sérgio Borja, da UFRGS, o conceito de intervenção militar constitucional não existe "em nenhum livro ou manual de direito, e nunca ouvi nenhum professor falar a respeito". Ele afirma que, desde que o direito moderno surgiu, no Império Romano, civis criam regras para tentar conter o poder dos militares. Quando perdem o controle, nem sempre isso se deve a ofensivas da caserna. "Às vezes, (os governos civis) sucumbem diante de uma rebelião popular de imensas proporções." Segundo o professor, o povo representa, no Brasil e em outros países, o "poder constituinte originário". Em seu artigo 1º, a Constituição diz que "todo o poder emana do povo". "Num cenário de erupção do poder constituinte originário, o caos e a desordem poderiam exigir o emprego das Forças Armadas." Segundo ele, porém, essa situação não faria com que uma intervenção militar fosse constitucional. Crise gerada pela greve não se enquadra em situações que justificariam estado de sítio, diz jurista (Foto: Agência Brasil) "O poder constituinte originário sempre quebra a legalidade - uma legalidade sucumbe frente à outra que nasce." Legitimidade X legalidade Para o procurador Elival da Silva Ramos, há ocasiões extremas em que os conceitos de legitimidade e legalidade entram em choque. Ele cita os regimes de Adolf Hitler na Alemanha (1933-1945) e de Josef Stálin (1927-1953) na extinta União Soviética. Nos dois casos, segundo Ramos, os governos cometiam matanças sem violar as leis nacionais. "Somente nessas situações justifica-se a quebra da legalidade para restabelecer o respeito a direitos fundamentais." Segundo Ramos, o Brasil não vive uma situação desse tipo. Por outro lado, ele diz que quebrar a ordem constitucional é sempre perigoso. "Quando se age fora da legalidade, passa-se a uma situação em que tudo é possível e não há mais parâmetros. O risco é as coisas piorarem ainda mais."
'Sou negro, adotei um menino branco e fui acusado de sequestro'
Histórias de acolhimento e adoção inter-racial são quase sempre contadas por pais brancos que se dedicam a cuidar de crianças não-brancas.
Peter, que nasceu na Uganda, falou à BBC sobre o desafio de criar dois filhos brancos nos EUA Mas o que acontece quando pais não-brancos resolvem adotar crianças brancas? Um cotidiano de suspeita e interrogatório, dizem eles. Peter, que nasceu na Uganda, já viveu isso na pele. Ele é pai adotivo de crianças brancas nos EUA. 'Há um homem negro sequestrando uma criança branca' Fim do Talvez também te interesse Johnny*, de sete anos, estava agitado. Ele havia acordado de mau humor e isso só aumentava com o passar do dia. Agora, em um restaurante em Charlotte, no Estado americano da Carolina do Norte, Peter podia ver Johnny discutindo com outra criança na área de recreação. Ele teve que agir rápido para tirar seu filho adotivo do restaurante. Pegando o menino nos braços, Peter pagou rapidamente a conta. Enquanto carregava Johnny para o carro, a criança se contorcia em seus braços e não parou até Peter a colocar no chão para abrir a porta do carro. Uma mulher se aproximou deles e confrontou Peter. "Onde está a mãe desse menino?", perguntou ela. "Eu sou o pai dele", respondeu Peter. A mulher deu um passo para trás e parou na frente do carro de Peter. Ela olhou para a placa dele e pegou o telefone. "Olá, polícia, por favor", disse ela calmamente ao telefone. "Ei, é um homem negro. Acho que ele está sequestrando um garotinho branco." Johnny parou de fazer birra de repente e olhou para Peter. Peter colocou o braço em volta do filho adotivo. "Está tudo bem", disse ele ao menino. Peter adotou Anthony aos 11 anos Infância pobre No site de viagens Lonely Planet, Kabale é descrita como "o tipo de lugar por onde a maioria das pessoas passa o mais rápido possível". Em Uganda, perto da fronteira com Ruanda e a República Democrática do Congo, serve como via de transporte para vários parques nacionais famosos nas proximidades. Para Peter, sua cidade natal ainda guarda memórias dolorosas. Ele teve uma educação precária. Quando criança, oito membros de sua família dormiam no chão duro de uma cabana de dois quartos. "Não havia muito o que esperar. Se tivéssemos uma refeição, seria batata e sopa", diz ele, "e se tivéssemos sorte, comeríamos feijão." A violência e o alcoolismo eram uma realidade diária na vida de Peter. Ele corria para a casa de suas tias, que moravam a metros de distância, para escapar. "Por um lado, tinha o apoio das minhas tias e aprendi que, às vezes, é necessário um vilarejo inteiro para criar um filho", diz ele. "Mas foi caótico." Aos dez anos, Peter decidiu que preferia ficar sem teto do que continuar morando com sua família. Juntou o máximo de moedas que pôde e correu para o ponto de ônibus local. "Qual deles vai mais longe?", perguntou ele a uma mulher que estava ali. Ela apontou para um ônibus e, embora Peter não conseguisse ler a placa, embarcou nele. Seu destino estava a 400 km de distância: a capital de Uganda, Kampala. Quando Peter desembarcou depois de quase um dia de viagem, ele se dirigiu às barracas do mercado que margeiam as ruas e perguntou aos vendedores se ele poderia trabalhar - qualquer trabalho - por comida. Nos anos seguintes, Peter viveu nas ruas. Fez amizade com outros meninos sem-teto e eles dividiam seus ganhos e refeições. Peter diz que aprendeu uma habilidade inestimável para toda sua vida: ser capaz de reconhecer a bondade nas outras pessoas. Ali, ele também conheceu um homem gentil: Jacques Masiko. Ele visitava o mercado semanalmente e sempre comprava uma refeição quente para Peter antes de partir. Depois de cerca de um ano, Masiko perguntou a Peter se ele gostaria de estudar. Peter disse que sim, então Masiko conseguiu uma vaga para ele em uma escola local. Ao vê-lo progredir nos estudos, Masiko e sua família ofereceram a Peter que fosse morar com eles. Em Jacques Masiko, Peter encontrou um homem que o tratava como um membro da família. Peter retribuiu, destacando-se na escola e, finalmente, conseguindo uma bolsa de estudos para uma universidade dos Estados Unidos. Algumas décadas depois, Peter estava com quarenta e poucos anos e felizmente já bem estabelecido nos Estados Unidos. Ele trabalhava para uma ONG que levava doadores a Uganda para ajudar comunidades carentes. Foi em uma dessas viagens que ele viu uma família branca trazer sua filha adotiva com eles. Peter percebeu que crianças dos EUA precisavam de um novo lar tanto quanto as crianças em Uganda. Em seu retorno à Carolina do Norte, Peter foi a uma agência de adoção local e disse que gostaria de fazer trabalho voluntário para eles. "Você já pensou em se tornar um pai adotivo?", perguntou a funcionária do orfanato, enquanto anotava seus dados. "Sou solteiro", respondeu Peter. "E daí?", rebateu a mulher: "Há muitos meninos buscando um modelo a seguir, pessoas que desejam ser uma figura paterna em suas vidas". Havia apenas um outro homem solteiro que se inscreveu para ser pai adotivo no Estado da Carolina do Norte na época. Quando preencheu seus formulários, Peter presumiu que seria automaticamente associado a crianças afro-americanas. Mas ele ficou chocado ao saber que a primeira criança que ficou sob seus cuidados foi um menino branco de cinco anos. "Foi quando percebi que todas as crianças precisavam de um lar, e a cor não deveria ser um fator para mim", diz Peter. "Tinha dois quartos extras e deveria abrigar quem precisasse." "Assim como o sr. Masiko me deu uma chance, eu queria fazer isso por outras crianças." Peter diz que sofre preconceito por cuidar de duas crianças brancas 'Posso te chamar de pai?' Ao longo de três anos, Peter foi guardião de nove crianças por vários meses, usando sua casa como uma espécie de porto seguro antes que elas fossem devolvidas às suas famílias biológicas. Eram negras, hispânicas e brancas. "Uma coisa para a qual eu não estava preparado era dizer adeus", diz ele, "Você nunca está preparado", acrescenta. Peter cuidava de crianças em intervalos de tempo diferentes para que isso não afetasse sua saúde emocional. Então, quando recebeu uma ligação na noite de uma sexta-feira da agência de adoção sobre um menino de 11 anos chamado Anthony, que precisava de um lugar urgente para ficar, Peter recusou a oferta. "A última criança partira havia três dias, então eu disse, 'Não, preciso de pelo menos dois meses'. Mas eles me disseram que este era um caso excepcional, um caso trágico, e eles só precisavam hospedá-lo no fim de semana até que encontrassem uma solução." Relutantemente, Peter concordou e Anthony - um garoto alto, pálido e atlético de cabelos encaracolados castanhos - foi deixado em sua casa às 3 da manhã. Na manhã seguinte, Anthony e Peter sentaram-se para o café da manhã. "Você pode me chamar de Peter", disse ele ao menino. "Posso te chamar de pai?", respondeu Anthony. Peter ficou chocado. Os dois só se conheciam havia 20 minutos. Embora ele ainda não conhecesse a história de Anthony, Peter se sentiu instantaneamente conectado a ele. Os dois passaram o fim de semana cozinhando e conversando. Foram ao shopping para que Peter pudesse comprar algumas roupas para ele. Também falaram sobre quais comidas e filmes mais gostavam. "Estávamos os dois tentando ver como nos adequaríamos um ao outro." Na segunda-feira, quando a assistente social veio, Peter soube da história do menino. Anthony foi colocado à adoção aos dois anos de idade e adotado por uma família quando tinha quatro. Mas agora, sete anos depois, os pais adotivos de Anthony o abandonaram do lado de fora de um hospital. Assim que foram localizados, disseram à polícia que não podiam mais cuidar dele. "Não pude acreditar", diz Peter, "Eles nunca se despediram, nunca deram um motivo e nunca voltaram. Isso me matou. Como as pessoas podem fazer isso?" "A vida de Anthony me levou de volta à minha infância". "Esse garoto era como eu aos 10 anos nas ruas de Kampala, sem ter para onde ir. Então, me virei para a assistente social e disse: 'Quer saber? Só preciso da papelada para ele ir à escola e vamos ficar bem.'" Peter olhou para Anthony e percebeu que o menino talvez tivesse uma visão que ele não teve. "Ele me chamou de 'pai' imediatamente. Esse garoto sabia que eu seria seu pai." Jacques Masiko (à dir.) tirou Peter das ruas Abraçando a cultura africana "Acho que nós dois percebemos imediatamente que ele ficaria comigo permanentemente", diz Peter. Dentro de um ano, Peter adotou formalmente Anthony. O vínculo entre Peter e Anthony passou a crescer. Anthony queria ouvir tudo sobre a vida de seu pai em Uganda, porque agora, diz Peter, isso também fazia parte de sua história. Anthony ajudava Peter a preparar pratos de Uganda como o katogo, um café da manhã com mandioca picada misturada com feijão. Na escola, Anthony gostava de apresentar Peter aos amigos. "Este é meu pai", ele dizia, gostando dos olhares às vezes confusos que vinham de seus colegas. Chamando a polícia Mas nem tudo foi um mar de rosas. Em um feriado, a segurança do aeroporto parou Anthony para perguntar onde seus pais estavam. "Este é meu pai," Anthony apontou para Peter. Enquanto o segurança fazia a verificação de antecedentes criminais de Peter, Anthony ficava cada vez mais frustrado com o que considerava um ato de racismo aberto, mas Peter o acalmou. "Sou seu pai e amo você", disse Peter a Anthony, que agora tinha 13 anos, "mas as pessoas que se parecem comigo nem sempre são bem tratadas. Seu trabalho é não ficar com raiva das pessoas que tratam assim, seu trabalho é garantir que você trate as pessoas que se parecem comigo com honra". Na primavera deste ano, a agência de adoção ligou para Peter para ver se ele poderia cuidar temporariamente de um menino de sete anos chamado Johnny *, cuja família estava com problemas financeiros devido à pandemia de coronavírus. Johnny se adaptou tão bem quanto Anthony e, vendo como seu irmão adotivo se dirigia a Peter, ele também passou a chamá-lo de pai. Casa onde Peter cresceu, em Kabale, na Uganda Johnny, com seu cabelo loiro liso e estrutura pequena e pálida, atraía ainda mais olhares das pessoas quando estava com Peter. Motivo pelo qual Peter não ficou surpreso quando a mulher que os viu saindo do restaurante chamou a polícia. Os policiais levaram apenas alguns minutos para verificar se Peter era o guardião de Johnny, mas o fato deixou o menino abalado. Foi uma discussão que Peter já tivera com seu filho mais velho. Após o assassinato de George Floyd, um homem negro de 40 anos imobilizado e sufocado por um policial branco, em maio, Peter conversou com Anthony sobre o movimento Black Lives Matter. Foi uma conversa emotiva em que Peter pediu ao menino que se certificasse de que estava com seu celular pronto caso a polícia os parasse. "Como um homem negro, tenho 10 segundos para explicar quem sou à polícia antes que tudo termine em tragédia", diz Peter. "Eu sempre digo a Anthony: 'Se a polícia me parar, por favor, pegue o telefone e grave imediatamente.' Porque eu sei que ele é minha única testemunha, sabe? E eu tenho 10 segundos para salvar minha vida. " "Acho que ele entendeu. Ele sabe que, porque estamos nos Estados Unidos e eu pareço diferente dele, vou ser tratado de maneira diferente". "Esse tipo de tensão e suspeita não é algo que um pai branco enfrenta quando adota uma criança negra." Adoção inter-racial Os procedimentos de adoção variam de país para país e não há estatísticas oficiais sobre adoção inter-racial global - embora, segundo a plataforma online de adoção Rainbow Kids, 73% das crianças não-brancas adotadas por meio de adoção internacional são acolhidas por famílias caucasianas. De acordo com Nicholas Zill, psicólogo e pesquisador sênior do Instituto para Estudos da Família, as famílias brancas nos Estados Unidos têm muito mais probabilidade do que as famílias negras de adotar pessoas de outras raças. 'Sou acusada de sequestrar meu próprio filho branco adotado' "Os últimos dados que temos são de 2016. Naquele ano, apenas 1% das famílias negras adotaram crianças brancas e 92% adotaram crianças negras. As famílias brancas adotaram 5% crianças negras e 11% crianças multirraciais", diz ele à BBC, "Mesmo hoje, ainda é muito raro ver famílias negras adotando crianças brancas, muito mais do que o contrário, e isso pode ter a ver com preconceitos culturais que ainda existem dentro do sistema de adoção dos EUA." No ano passado, no entanto, um casal britânico, Sandeep e Reena Mander, ganhou cerca de £120 mil (cerca de R$ 840 mil) de indenização depois que um juiz decidiu que eles foram discriminados por não terem permissão para adotar uma criança de origem não asiática. O casal disse que foi informado pelo serviço de adoção local para pesquisar a adoção de uma criança da Índia ou do Paquistão, e processou o Estado por discriminação, em um caso apoiado pela Comissão de Igualdade e Direitos Humanos. "A lei no Reino Unido é muito clara: a raça não deve ser um fator decisivo na adoção de crianças", diz Nick Hodson, sócio do escritório de advocacia de família McAlister no Reino Unido, que cuida de casos relacionados a direito das crianças há mais de 20 anos. Ele acrescenta que, embora não possa comentar sobre casos individuais, a lei britânica atual, após sua última revisão, impede que a raça seja considerada um fator principal no processo de adoção. Agora, acrescenta, o que mais importa são as necessidades individuais da criança. Peter adorou Anthony (à dir.) e está cuidando de Johnny (centro) Mas Hodson diz que pais de minoria étnica, como os Manders, ainda estejam enfrentando dificuldades. "Não estou convencido de que seja um problema dentro do sistema, mas isso não é para diminuir as experiências de pais não-brancos que tentam adotar filhos de outra raça", acrescenta Hodson, "pode muito bem haver uma desconexão com o que diz a lei e o que está de fato acontecendo." Peter Mutabazi diz que, embora não tenha enfrentando dificuldades como um guardião negro dentro do sistema de acolhimento, adotar Anthony pode ter sido mais fácil do que o normal devido à sua idade. Nicholas Zill, do Instituto para Estudos da Família, acrescenta que, após os cinco anos de idade, é mais difícil conseguir um lar permanente para as crianças. Peter conhece outras famílias negras que tiveram de esperar muito mais tempo porque não havia um filho da mesma raça. "Não vivemos em uma sociedade igualitária", diz ele, "mas quero ser visível para quebrar estereótipos. Existem estereótipos de homens negros como pais ausentes, como criminosos, tudo isso desempenha um papel. É por isso que tenho sido franco sobre meus pais e regularmente posto fotos minhas e dos meninos no Facebook e Instagram." Ele ganhou quase 100 mil seguidores no Instagram ao registrar seu cotidiano como pai adotivo, bem como por seu trabalho na ONG Visão Mundial. Peter tem planos para as crianças depois que as restrições de viagem devido ao coronavírus forem reduzidas. Ele quer levar os meninos para Uganda para que possam ver de onde seu pai veio. Também pretende construir um vínculo com a família de Johnny para que a transição do menino de volta para sua casa não seja dolorosa. E apesar de algumas ofertas em seus DMs do Instagram, diz não querer um relacionamento romântico. "Meus meninos não tiveram figuras masculinas estáveis em suas vidas", diz Peter. "Eles precisam de mim só para eles agora, e enquanto o fizerem, estarei lá para eles completamente." *O nome de Johnny foi alterado para respeitar os desejos de sua família biológica Se você quiser acompanhar Peter nas redes sociais, pode acessar seu Instagram (https://instagram.com/fosterdadflipper) ou Facebook (https://facebook.com/fosterdadflilpper)
PF prende Rocha Loures, o empresário flagrado com mala que pode virar 'homem-bomba' do governo Temer
A prisão, nesta manhã, do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, aumenta a expectativa de que ele venha a se tornar uma espécie de "homem-bomba" para o governo do presidente Michel Temer.
Apelido de 'homem-bomba' é usado entre políticos em Brasília para falar de Rocha Loures Ele foi detido em Brasília por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, que também é o relator do processo da Operação Lava Jato. Desde a delação premiada da JBS, a vida de Loures deu uma reviravolta. Logo ele ficou conhecido como o "homem da mala" por ter recebido, da empresa, dentro de uma mala, uma quantia de R$ 500 mil em propina. O potencial explosivo de uma eventual delação por parte de Loures - que poderia revelar o destino final do dinheiro recebido pela JBS - fez com que ele passasse a ser chamado de "homem-bomba" em Brasília. Isso porque, segundo os delatores, os recursos seriam destinados ao próprio presidente da República. Até então, os últimos 12 meses haviam sido bons para Rodrigo Rocha Loures. Com a ascensão de Michel Temer à Presidência, o aliado ganhou, em setembro passado, uma sala no mesmo andar do presidente, atuando como assessor especial de Temer. Na mesma época, sua mulher engravidou. Poucos meses depois, Rocha Loures voltou à Câmara dos Deputados, assumindo, por ser suplente, a vaga de Osmar Serraglio quando este foi nomeado para o Ministério da Justiça. Com o retorno de Serraglio à sua cadeira na Câmara, na quinta-feira, Rocha Loures perdeu o foro privilegiado que tinha como deputado. A perda da imunidade parlamentar e sua situação familiar - e a gravidez da companheira, que já soma 8 meses - alimentam a expectativa de que o ex-assessor de Temer venha a falar. Do smoking aos gritos de 'ladrão' A maré virou na noite em que o escândalo das delações da JBS explodiu no Brasil. Rocha Loures estava longe, em Nova York. Na véspera, vestira smoking para prestigiar João Doria, no jantar de gala em que o prefeito de São Paulo recebeu o prêmio de Personalidade do Ano pela Câmara do Comércio Brasil-EUA. Na volta da viagem, em que aconselhou potenciais investidores americanos sobre as reformas no Congresso, Rocha Loures desembarcou em Guarulhos sob gritos de "ladrão", já afastado da Câmara por decisão do Supremo Tribunal Federal. A alcunha de "homem-bomba" está muito distante do apelido de vida toda, o de Rodriguinho - filho de "Rodrigão", o conhecido empresário paranaense Rodrigo Costa da Rocha Loures, fundador da Nutrimental e presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade, na Fiesp. A empresa, que teve faturamento de R$ 400 milhões em 2014, é pioneira das barrinhas de cereais no Brasil, que começou a desenvolver ao ser procurada por Amyr Klink nos anos 1980. O ilustre navegador buscava opções de alimentação saudável para abastecer suas longas travessias marítimas. Hoje, é mais conhecida pela marca que nasceu dessa história, a Nutry - que Rodrigo, o filho, ajudou a desenvolver nos anos que passou à frente da empresa, antes de enveredar pela política. 'Choque' entre conhecidos Quem acompanhou a trajetória do político e administrador de empresas nascido em 1966 entre os Rocha Loures - uma tradicional família do Paraná - diz que foi um "choque", uma "surpresa", ver e rever as imagens do ex-deputado saindo da pizzaria Camelo, em São Paulo, com a mala de R$ 500 mil. Agentes da Polícia Federal apreenderam documentos no gabinete de Rocha Loures Semanas antes disso, Rocha Loures fora indicado pelo presidente Michel Temer ao empresário Joesley Batista - quanto este lhe perguntou quem poderia lhe ajudar a resolver um problema da empresa. "No Paraná, todos tinham uma boa impressão do Rodrigo", diz o deputado federal João Arruda, que pertence à bancada do PMDB do Estado na Câmara. "Todos foram pegos de surpresa. Ninguém poderia imaginar que o Rodrigo estaria envolvido... Não estou fazendo aqui um pré-julgamento, ainda temos esperar até que ele se defenda. Mas o flagrante coloca ele em uma situação muito difícil." Arruda, sobrinho do senador Roberto Requião (PMDB), conviveu com Rocha Loures quando ele iniciava sua trajetória política, em 2002. Na época, o ex-assessor de Temer participou ativamente da campanha de Requião ao governo do Paraná. Com sua vitória, tornou-se chefe de gabinete do então governador em 2003 e lá permaneceu até 2005. 'Persona non grata' Quando o escândalo veio à tona, Requião falou no Twitter sobre a decepção com o antigo protegido. O senador apoiara a primeira candidatura de Rocha Loures, ajudando-o a obter o cargo de deputado federal, que assumiu em 2007. "Rodrigo Rocha Loures, idealista, meu amigo. O que fizeram de você, Rodrigo Rocha Loures? Vejo tudo com indignação e muita tristeza. CANALHAS!", escreveu o senador. Tweets do Senador Roberto Requião no dia em que Loures foi preso A decepção foi expressa também por estudantes da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Foi lá que Rocha Loures se formou, em 1988, em administração de empresas; e presidiu o diretório acadêmico do curso (DAGV) durante um ano. Agora, a atual gestão do diretório publicou uma carta declarando-o persona non grata. "Mais novo, era como qualquer aluno da Fundação. Hoje tornou-se um criminoso nacionalmente conhecido", diz a carta. "A grande pergunta é: o que separa o nosso futuro, hoje alunos e alunas, do que foi o futuro para Rodrigo Rocha Loures, aluno ontem?" O DAGV afirma que "apenas a moral" poderia impedir os estudantes de hoje a se tornarem também "um criminoso." "Rodrigo fez uma opção. Pelo poder se corrompeu, ou por ele mostrou o que realmente era. Em tempos de crise e fora dela, tomaremos decisões que influenciarão o nosso futuro e o futuro de outros. Que nenhuma delas seja como as de Rodrigo Rocha Loures", declarou o DAGV. Advogado contrário a delações Rocha Loures está sendo investigado por ter negociado, de acordo com delatores da JBS, o pagamento de propinas semanais por até 25 anos em troca da intermediação de um acordo em benefício ao grupo J&F com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Seu advogado anterior teria buscado informações junto à Procuradoria-Geral da República sobre uma eventual delação premiada. No início desta semana, entretanto, Rocha Loures contratou um novo advogado, Cezar Roberto Bitencourt, que tem posição contrária ao instrumento da delação. À Folha de S. Paulo, o criminalista disse nesta semana, antes de ser preso, que negociar um acordo de colaboração premiada seria a "última opção", e que o flagrante com a mala teria sido provocado deliberadamente, o que seria ilegal. "Criaram uma armadilha, uma situação fantasiosa para incriminar alguém", afirmou. Procurado pela BBC Brasil, o advogado não quis conceder entrevista. Sua assessoria de imprensa afirmou que ele está focado na defesa do cliente. 'Belíssima figura da vida pública' Rocha Loures nasceu em Curitiba dois anos antes de seu pai fundar a Nutrimental, em 1968. Passou a infância com a família em São Paulo, estudando na escola de elite Dante Alighieri e formando-se depois na FGV. Após obter o diploma da faculdade de administração, em 1988, voltou ao Paraná e assumiu a empresa do pai em São José dos Pinhais, ficando na direção da empresa até 2002, período marcado pela expansão de produtos da marca Nutry. No primeiro mandato na Câmara dos Deputados, entre 2007 a 2010, teve atuação nas áreas ambiental, de energias renováveis e de educação, entre outras. Habilidoso em articulações políticas, tornou-se vice-líder do PMDB na Câmara. Foi nesta época que começou a se aproximar de Michel Temer - então presidente da casa. Quando Temer foi eleito vice-presidente na chapa com Dilma Rousseff, Rocha Loures foi chamado para trabalhar como chefe de Relações Institucionais da Vice-presidência, em 2011. Em 2014, tentou se eleger novamente para a Câmara dos Deputados, mas só conseguiu 58 mil votos, 30 mil a menos que na primeira candidatura; o suficiente, entretanto, para ficar como suplente. Mas ele contou com apoio de peso. Dos R$ 3 milhões que arrecadou para a campanha, R$ 200 mil foram doados pelo então vice-presidente, Michel Temer; e R$ 50 mil pelo prefeito de São Paulo João Doria, de acordo com registros do TSE. Temer chegou a gravar um depoimento em vídeo para a campanha de Rocha Loures, elogiando sua atuação como deputado federal e afirmando que, em seu gabinete, ele o "ajudou enormemente". "É com muito gosto que eu cumprimento os paranaenses e dou este depoimento verdadeiro, real, em relação a esta belíssima figura da vida pública brasileira, que é o Rodrigo Rocha Loures", conclui Temer no vídeo de campanha, de 2014. Ascensão após impeachment Apesar da proximidade do presidente, Rocha Loures é descrito como um aliado conhecido mais pela fidelidade do que pela influência nos bastidores. "Ele acompanhou a ascensão do presidente Michel Temer, fazia parte do grupo de pessoas que acompanhavam o presidente já há algum tempo", diz o deputado João Arruda. "Mas nunca foi cotado para ser ministro pelo PMDB, nunca teve espaços importantes. Nunca imaginamos que tivesse grande influência nas decisões do presidente e sua equipe", considera Arruda. "Não consigo ver nele um negociante nem um intermediário para fazer esse jogo para alguém. Para mim o que aconteceu foi chocante, para mim e para todos nós do Paraná, porque eu imaginava que ele não tinha esse perfil." Outro político que trabalhou com Rocha Loures no Paraná e conviveu com ele "socialmente", mas prefere não se identificar, diz que Rocha Loures foi ganhando espaço à medida que outros articuladores de peso foram derrubados pelas investigações da Lava Jato - como o ex-assessor José Yunes e o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá. 'Ele é um deslumbrado. Vendia uma coisa que não entregava, um prestígio que não tinha', diz antigo colega de Loures (à dir.) "Ultimamente ele andava por ministérios e pelo Congresso falando em nome do presidente. Mas nunca teve atuação muito expressiva", considera. "Ele não um grande quadro do PMDB. Era uma pessoa meio inocentona. Queria estar sempre perto das pessoas certas, sempre aparecer nas imagens", diz. "Sinceramente? Ele é um deslumbrado. Vendia uma coisa que não entregava, um prestígio que não tinha", afirma o antigo colega. Ainda assim, o conterrâneo diz que o flagrante da mala foi "uma absurda surpresa." "Para mim ele podia ser todas essas coisas, mas picareta ele não era." Um conhecido em Brasília afirma que Rocha Loures vinha dando sinais de cansaço com a vida política. "Ele falava em fazer um mestrado no exterior, ir para algum lugar como Harvard", lembra o conhecido, que diz ter ficado chocado ao vê-lo envolvido no escândalo. 'Tradicional família paranaense' A família Rocha Loures é uma das mais antigas do Paraná, de acordo com o sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP), da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Estudos traçando a genealogia da família indica que ela remonta aos clãs patriarcais fundadores de Curitiba, há mais de 300 anos, e faz parte da elite dominante do Estado desde o século 17, aliando poder econômico e político - como constata o artigo "Um exemplo de 'Old money' no Paraná: a família Rocha Loures", de Ana Vanali e Katiano Miguel Cruz, publicado na revista do NEP. "O Rodrigo representa essa oligarquia familiar tradicional de Curitiba, com o pai empresário, parentes com cargos no Legislativo, no Judiciário, donos de cartórios, boa circulação entre a elite", afirma Oliveira. Ele diz que esse entrelaçamento entre poder econômico, político e conexões sociais contribui para que elas se mantenham no topo do estrato social ao longo de gerações - assim como ocorre com dezenas de famílias oligárquicas brasileiras. Agora com o escândalo enfrentado por Rocha Loures, Oliveira diz que a reação em Curitiba é de "silêncio", diferente da reação "de ódio" que, acredita, seria vista se a acusação fosse contra o PT. "As pessoas não querem comentar, procuram invisibilizar e seguir adiante. É um mal-estar, mas o fato é silenciado", afirma. "Não teve protesto, ninguém bateu panela, querem superar esse assunto o mais rápido possível." "Mas não há uma reação de indignação com o escândalo, nem de exigir uma atitude ou uma renúncia. Não, as pessoas apenas batem a mão na cabeça, como quem diz, 'ele fez algo errado'", diz o sociólogo.
Vacina contra covid-19: os filhos de imigrantes turcos que criaram na Alemanha a vacina pioneira da Pfizer/BioNTech
Os resultados positivos até agora sobre a vacina contra a covid-19 da fabricante alemã BioNTech, em parceria com a americana Pfizer, é um sucesso inesperado para o casal de filhos de imigrantes turcos por trás da empresa de biotecnologia fundada na Alemanha que dedicou a vida a proteger o sistema imunológico contra o câncer.
Ugur Sahin e Öezlem Türeci, casal de fundadores da BioNTech De raízes humildes, o filho de um imigrante turco que trabalhava em uma fábrica da Ford em Colônia se tornaria, anos depois, o presidente-executivo da BioNTech. Hoje com 55 anos, Ugur Sahin figura entre os 100 alemães mais ricos, junto com sua mulher e colega Öezlem Türeci, 53, filha de um médico turco. "Apesar de suas realizações, ele nunca deixou de ser incrivelmente humilde e afável", disse Matthias Kromayer, membro do conselho da empresa de capital de risco MIG AG, cujos fundos financiam a BioNTech desde a fundação, em 2008. Segundo Kromayer, Sahin normalmente vai a reuniões de negócios com calça jeans, mochila e capacete de bicicleta debaixo do braço. Em um ano, o valor de mercado da empresa na bolsa de valores Nasdaq passou de US$ 4,6 bilhões para os atuais US$ 21 bilhões (quase R$ 113 bilhões na cotação atual), graças ao importante papel da empresa nas pesquisas para a imunização em massa contra o coronavírus. Para se ter uma ideia, esse valor de mercado é quatro vezes o atual da companhia aérea alemã Lufthansa. Fim do Talvez também te interesse Com amplo financiamento alemão, a Pfizer e a BioNTech são os primeiros fabricantes a apresentarem dados bem-sucedidos de um ensaio clínico em grande escala de uma vacina na pandemia. Segundo divulgaram as empresas na segunda-feira (9/11) o imunizante tem quase 90% de eficácia no combate ao coronavírus, e as autoridades americanas podem autorizar seu uso emergencial ainda neste ano. E para o jornal berlinense Tagesspiegel, o sucesso do casal foi um "bálsamo para a alma" dos alemães de raízes turcas após décadas sendo estereotipados na Alemanha como "verdureiros sem formação". A Alemanha tem uma grande comunidade de origem turca, mas esses imigrantes ou descendentes muitas vezes são alvo de preconceito. Sonho de infância Sahin e Türeci são filhos de trabalhadores que migraram para a Alemanha como parte da primeira geração de imigrantes turcos convidados pelo país, num programa conhecido como Gastarbeiter. "A Alemanha luta há muito com a questão de quão aberta deve ser sua política de imigração, e o programa de 'trabalhadores convidados' do pós-guerra sempre foi questionado", disse Christian Odandahl, economista-chefe do Centro para a Reforma Europeia, em uma postagem no Twitter. "O pai de Ugur Sahin foi um desses trabalhadores convidados que vieram trabalhar na fábrica da Ford em Colônia, e agora seu filho pode ser a pessoa que pôs fim à epidemia que varreu o mundo." Primeira onda de migração turca para a Alemanha teve início nos anos 1960 Perseguindo obstinadamente seu sonho de infância de estudar medicina e se tornar médico, Ugur Sahin (ou Uğur Şahin, no alfabeto turco) se formou em 1990 e trabalhou em hospitais-escola em Colônia e na cidade-universitária de Homburg, no sudoeste alemão, onde conheceu Türeci durante o início de sua carreira acadêmica. A pesquisa médica e a oncologia tornaram-se uma paixão comum. Türeci, filha de um médico turco que havia migrado para a Alemanha antes do nascimento dela, disse em uma entrevista à mídia local que, mesmo no dia do casamento, ambos ainda arranjaram tempo para trabalharem no laboratório. Juntos, eles se especializaram nos estudos do sistema imunológico como um aliado potencial na luta contra o câncer e tentaram lidar com a composição genética única de cada tumor. A vida como empreendedores começou em 2001, quando eles criaram a Ganymed Pharmaceuticals para desenvolver anticorpos contra o câncer, mas Sahin — professor na Universidade de Mainz desde 2014 — nunca desistiu da pesquisa acadêmica e do ensino. O casal, que hoje tem uma filha adolescente, recebeu financiamento da MIG AG, bem como de Thomas e Andreas Struengmann, que venderam sua companhia de medicamentos genéricos Hexal para a Novartis em 2005. A empreitada de Sahin e Türeci acabou vendida para a japonesa Astellas em 2016 por quase US$ 1,4 bilhão. Àquela altura, a equipe por trás da Ganymed já estava ocupada construindo a BioNTech, fundada em 2008, em busca de uma gama muito mais ampla de ferramentas de imunoterapia contra o câncer. Isso incluía o mRNA, substância mensageira versátil usado para enviar instruções genéticas para as células. Nessa abordagem, em linhas gerais, o sistema imunológico detecta células cancerosas como um vírus entrando no corpo e tenta eliminá-las. E com o método do mRNA, que permite produzir mais vacinas com maior rapidez e comparação com os métodos tradicionais de imunização, a empresa pretende produzir mais de 100 milhões de doses de vacinas até o final do ano. Atualmente, Sahin é o executivo-chefe (CEO) da BioNTech e Türeci, a médica-chefe (CMO) da empresa. 'Time dos sonhos' Para Kromayer, da MIG, Sahin e Türeci formam um "time dos sonhos", pois conciliaram suas aspirações com os limites da realidade. A história da BioNTech sofreu uma reviravolta quando Sahin encontrou em janeiro de 2020 um artigo científico sobre um novo surto de coronavírus na cidade chinesa de Wuhan. Naquele momento, ele se deu conta de como era pequena a distância entre medicamentos anti-câncer de mRNA e vacinas virais baseadas em mRNA. A BioNTech rapidamente designou cerca de 500 funcionários para projetar na "velocidade da luz" vários compostos possíveis. A iniciativa atraiu a gigante farmacêutica americana Pfizer e a farmacêutica chinesa Fosun como parceiras pouco depois, em março. "Nossa nova tarefa é derrotar este vírus. Esse é um dever humanitário", disse Sahin a sua equipe, segundo o jornal britânico The Telegraph. Há mais de 170 candidatas a vacina contra covid-19 sendo desenvolvidas Matthias Theobald, um colega professor de oncologia na Universidade de Mainz que trabalha com Sahin há 20 anos, disse que sua tendência para o eufemismo esconde uma ambição implacável de transformar a medicina, exemplificada pelo salto de fé em busca de uma vacina contra a covid-19. "Ele é uma pessoa muito modesta e humilde. As aparências significam pouco para ele. Mas ele quer criar as estruturas que lhe permitam realizar seus sonhos e é aí que as aspirações estão longe de ser modestas", afirmou Theobald. Sahin disse à agência de notícias Reuters que não sabia no início do ano quão difícil seria a empreitada de obter uma vacina contra a covid-19. O que se sabe sobre a vacina da BioNTech/Pfizer? Os laboratórios Pfizer e BioNTech anunciaram que a sua candidata à vacina contra a covid-19 obteve uma taxa de eficácia superior à 90% numa análise preliminar dos testes clínicos de fase 3, a última etapa antes da aprovação pelas agências regulatórias. Atualmente, a BNT162b2 (nome provisório) é estudada em 43.538 indivíduos espalhados por seis países (África do Sul, Alemanha, Argentina, Brasil, Estados Unidos e Turquia). Metade das pessoas recebe as doses, enquanto a outra parte toma um placebo, substância sem nenhum efeito no organismo. Dados preliminares apontaram que os participantes vacinados se infectaram menos com o coronavírus em relação à outra parcela de voluntários. O anúncio de segunda-feira se baseou em dados de 94 voluntários e revelou a eficácia superior aos 90%. Segundo as informações divulgadas, não foram observados eventos adversos ou outras preocupações nesta etapa. Mas as empresas esperam atingir a marca de 164 eventos (em outras palavras, 164 participantes diagnosticados com covid-19) para completar essa análise preliminar. Ao mesmo tempo, médicos expressam preocupações logísticas quanto a especificidades da vacina, como a necessidade de mais de uma dose em um curto espaço de tempo e a de ser armazenada em temperaturas baixíssimas, o que pode resultar em dificuldades em locais com menos estrutura. Em contrapartida, se der tudo certo nos próximos passos, a BNT162b2 representará uma revolução na medicina: ela seria a primeira vacina baseada em RNA a ser aprovada na história. Esse tipo inédito de imunizante carrega um pedaço de material genético modificado em laboratório e passa instruções para que as próprias células do nosso corpo fabriquem proteínas do vírus. A partir daí, o sistema imune reconhece a ameaça e gera uma resposta que protege o organismo da doença de verdade. Apesar da boa notícia, especialistas dizem que é necessário aguardar mais evidências de que a vacina é realmente segura e efetiva. Também há dúvidas sobre uma eventual distribuição dela no Brasil. Em julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a realização do estudo clínico de fase 3 da vacina da Pfizer/BioNTech no país. Mas até o momento não existem conversas formais entre as duas empresas e o governo federal. As farmacêuticas passaram também a negociar diretamente com governos estaduais. Se essas negociações forem bem-sucedidas (e, claro, a vacina for aprovada), as primeiras doses só chegariam eventualmente ao Brasil a partir dos primeiros meses de 2021. As entregas de 2020 já estão destinadas para outras partes do mundo.
Nepaleses protestam por mais justiça para mulheres
Centenas de manifestantes se reuniram em frente a prédios do governo na capital do Nepal, Katmandu, para exigir justiça em crimes contra mulheres.
Os protestos já estão no sexto dia e foram provocados depois que uma mulher nepalesa de 21 anos disse ter sido assaltada e estuprada por um policial. Os organizadores do protesto exigem que o governo investigue o caso, e pedem mais justiça para as mulheres em geral. Eles dizem ter sido inspirados por protestos semelhantes na vizinha Índia, em resposta à morte de uma estudante vítima de estupro coletivo em Nova Déli. Tópicos relacionados
Cúpula das Américas se concentra em 'trabalho decente'
A criação de "trabalho decente" como forma de reduzir a exclusão social e permitir a governabilidade democrática no hemisfério é o tema principal da 4ª Cúpula das Américas e, até esta segunda-feira, era o único item de consenso entre as delegações reunidas no balneário de Mar del Plata, a 400 quilômetros da capital argentina.
Mas a discórdia surge até na forma de implementar esse objetivo. Negociadores brasileiros e argentinos dizem que uns defendem maior abertura do mercado e outros a maior participação do Estado. A declaração "política", como foi definida por negociadores brasileiros, sobre a geração de trabalho será feita para sinalizar a preocupação com uma região onde 13 presidentes renunciaram a seus mandatos desde 1989 e num momento em que a Bolívia não sabe quando realizará eleições gerais, antes previstas para 4 de dezembro. Na contagem regressiva para a chegada dos 34 chefes de Estado e de governo, que se reunirão em Mar del Plata, na sexta-feira e sábado, os negociadores ainda discutiam, na noite desta segunda-feira, se a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) seria ou não incluída na declaração final. A Alca foi lançada na primeira Cúpula das Américas, em 1994, em Miami, nos Estados Unidos, com objetivo de implentar o livre comércio no hemisfério a partir de janeiro de 2005. Mas não saiu do papel. Agora, como reconheceram negociadores brasileiros e argentinos, as opiniões sobre essa forma de integração comercial estão ainda mais divididas. Estados Unidos Para o analista internacional Oscar Raúl Cardoso, a tendência é que o governo americano continue realizando acordos bilaterais de comércio com outros países, como o Chile, por exemplo, ou blocos de países como os da América Central. Cardoso diz que a América Latina está metida numa "encruzilhada" e a prova está na agenda que pretende implementar e na que é apresentada pelo governo americano, com maior ênfase na chamada "baixa governabilidade". "Uma Cúpula das Américas com os Estados Unidos não se pode e sem Estados Unidos não vale a pena", resumiu. Na sua opinião, a Alca acabará aparecendo, como deseja o governo americano, na declaração final da 4ª Cúpula das Américas. Mas ressalva: "A Alca é hoje um pouquinho menos importante para o governo americano do que era em 2003 ou 2004, quando os americanos tinham a fantasia de que a integração hemisférica comercial poderia estar em vigor esse ano". O vice-chanceler argentino, Jorge Taiana, descartou temores de um isolamento do Mercosul caso Washington continue avançando nos acordos bilaterais avancem e não seja concretizado o chamado entendimento "quatro mais um" (Mercosul mais Estados Unidos). "O Brasil e a Argentina vêm batendo recordes de exportações e não temos por que temer qualquer tipo de isolamento", disse Taiana, em entrevista à imprensa estrangeira. Nesta segunda-feira, quatro grupos de trabalho, integrados por diplomatas dos diferentes países, deram início às reuniões em Mar del Plata para definir os textos finais da Cúpula das Américas. Um grupo discute o tema principal, sugestão do governo argentino, sobre a geração de postos de trabalho, crescimento com igualdade social e governabilidade. Outro grupo analisa a sugestão do Brasil, pedindo solidariedade do hemisfério ao Haiti. Também estão sendo debatidas e analisadas a questão da segurança regional, defendida pelos Estados Unidos, e a inclusão ou não da Alca no documento final. No texto conclusivo do encontro, deverão ser destacados o papel dos organismos multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) – criticado principalmente pela Argentina – e um compromisso de cada país com uma economia "saudável" e com a "responsabilidade fiscal". A grande dúvida, como reconheceu o vice-chanceler argentino Jorge Taiana, é como implementar, conjuntamente, medidas como a geração de trabalho "decente". "No caso da Argentina, achamos que os organismos multilaterais de crédito funcionam mais como problema do que como solução", afirmou. "Em comum, entendemos que podemos, por exemplo, criar condições para o crescimento dos investimentos privados na região", disse. Ele lembrou que em muitos casos, como ocorreu com a Argentina na década de 90, o crescimento econômico não foi suficiente para combater a pobreza. Na opinião do embaixador brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA), Osmar Chohfi, a definição de "trabalho decente" está ligada ao que diz a Organização Internacional do Trabalho (OIT), referente a horas trabalhadas, salários e previdência social. De acordo com outros negociadores, a idéia é realizar, futuramente, um plano de ação para esta geração de postos de trabalho. Com o difícil entendimento, num leque que inclui 34 países com diferentes perfis econômicos e sociais, como Estados Unidos, Brasil, Colômbia e Paraguai, analistas e negociadores reconhecem que o documento final pode não ser o centro das atenções, mas sim a presença dos presidentes George W. Bush e Hugo Chávez numa mesma reunião de cúpula. "Acho que eles nem vão se falar e acho que vamos ver um espetáculo importante, onde Chávez vai tentar ser o protagonista, até porque participará das duas cumbres, a oficial e a chamada alternativa, com entidades sociais", destacou Raúl Cardoso. Além da chamada "Cúpula Paralela" ou "Contra-cúpula", que também será realizada em Mar del Plata, empresários dos diferentes países se reunirão em Buenos Aires, na quarta-feira, para discutir as formas de gerar mais trabalho. Eles pretendem entregar um documento aos negociadores da cúpula.
'Uma cachorra de rua salvou a minha vida'
A ciclista de aventura Ishbel Holmes tem competido e viajado sozinha ao redor do mundo, mas o início da sua vida foi difícil. Abandonada pela mãe quando tinha 16 anos, ela foi tomada por pensamentos suicidas. Tudo mudou após uma parceria improvável com uma cachorra de rua. Abaixo, a ciclista conta sua história.
Ishbel e a cachorra Lucy na Turquia Uma das minhas primeiras experiências com uma bicicleta foi em Manchester, na Inglaterra. Meu pai pedalava para comprar um saco de 20 quilos de batata e economizar alguns centavos e me levava com ele. Eu ainda era muito pequena e usava fraldas. Me sentava em uma cadeirinha, ao lado do selim do meu pai, com as batatas atrás de mim. Meu pai, iraniano, estava estudando na cidade. Era o período da Revolução Iraniana. O Irã, subitamente, parou de pagar bolsas para estudantes que estavam no exterior, como forma de tentar encorajar seus cidadãos a voltarem para o país. Assim, o dinheiro do meu pai secou e a bicicleta logo se transformou em uma importante ferramenta de sobrevivência. Quando eu tinha dois anos, nós nos mudamos para a Escócia para que meu pai pudesse encontrar trabalho. Mas o casamento dele com minha mãe não deu certo e eles acabaram se separando. Uma vez quando eu estava visitando meu pai, um conhecido dele pediu que eu me sentasse no seu colo e fui subindo a mão pela minha perna. Eu tinha uns sete anos. Depois disso, eu apenas me lembro de me sentir muito mal, de pensar que eu era uma menina horrível. Eu acho que foi a partir desse momento que eu passei a me odiar. Fim do Talvez também te interesse Depois disso, meu pai me visitou apenas uma vez. Em seguida, desapareceu. Eu pensei que a culpa por ele ter ido embora era minha. Conforme eu e meus dois irmãos crescíamos, minha mãe passou a ter cada vez mais dificuldade para lidar conosco. Ela passou a me culpar por todos os problemas da família. A nossa relação era terrível e tensa. E eu me afastei cada vez mais. Conforme meu aniversário de 16 anos se aproximava, eu ficava cada vez mais ansiosa. O motivo era que, a partir daquela idade, minha mãe não seria mais responsável por mim. Então, logo depois do meu aniversário, minha mãe me botou para fora de casa, para sempre. O momento em que ela fechou a porta na minha frente foi um dos mais difíceis da minha vida. Eu não tinha outra escolha a não ser caminhar para longe de casa. Era como se tudo estivesse em câmera lenta. Lucy no carrinho atrelado à bicicleta de Ishbel Estupro, abandono, expulsão de abrigo Num dado momento, encontraram uma família adotiva para mim. Mas tudo que eu queria era voltar para casa. Eu rezava para todos os deuses que eu conhecia para que minha família me aceitasse de volta. Um dia eu estava voltando do meu trabalho e um carro parou para me pedir informações. Era um grupo de homens que queria saber como chegar até o lago. Eles me perguntaram se eu poderia lhes mostrar o caminho, dizendo que depois me trariam de volta. Eu entrei no carro. Eles me levaram para longe e me estupraram. Os homens voltaram a me procurar e eu me recusei a entrar no carro. Eu corri. Eu estava tão desesperada que fui para um telefone público e liguei para minha mãe. Eu estava implorando, chorando, soluçando, dizendo que faria qualquer coisa que ela quisesse. "Eu posso ser a garota que você quiser que eu seja", eu falei. "Coisas ruins estão acontecendo." Então, eu contei para ela o que havia ocorrido. E tudo que ela disse foi que era minha culpa e que eu precisava mudar. Naquela época, eu estava acostumada que as pessoas fizessem o que quisessem comigo. Eu não tinha nenhuma auto-estima. Eu não comia direito. Eu me odiava tanto que queria morrer. Em certa época, eu estava ligando para o número de prevenção de suicídio a cada 20 minutos. Aos 21 anos, eu fui despejada de um abrigo para sem-teto. A principal funcionária do local gritou comigo, dizendo que eu ficaria na sarjeta para sempre. Então, algo me fez pensar: "eu não posso deixar que isso ocorra". Eu sabia que precisava tomar uma decisão. Eu precisava assumir um compromisso comigo mesma de que eu iria viver e não seria mais consumida por pensamentos de morte. Ishbel com outras duas ciclistas iranianas Ciclismo como válvula de escape Reerguer-me foi uma das coisas mais difíceis. Eu não simplesmente me transformei em uma Super-Mulher, eu tive que rastejar até sair do estado em que eu estava. Eu me matriculei na escola. Comprei uma bicicleta usada porque era mais barata e rápida do que o ônibus. Depois, comecei a pedalar em um clube de ciclismo local. Eu era a única mulher. No começo, eu ficava para trás. Lentamente, eu comecei a alcançar os demais. Eu amava pedalar rápido, porque era uma grande válvula de escape. Minha vida melhorou. Eu pedalava tanto que devia haver muita endorfina sendo liberada no meu corpo. Eu também tive, pela primeira vez, a sensação de pertencer a algum lugar. Quando o velódromo de Glasgow, na Escócia, foi construído, em 2014, eu fui até lá para me divertir. Eventualmente, me ofereceram um lugar na equipe de ciclismo de Glasgow. Na minha primeira grande competição, eu ultrapassei o vencedor do ano anterior e ganhei o ouro. Foi nessa época que eu tive uma oportunidade de ir para o Irã. Em Teerã, me convocaram para um teste na equipe iraniana de ciclismo. E acabaram me oferecendo uma vaga no time. Eu pensei: "essa é minha chance de me conectar com esse país e com meu pai". Então, eu decidi competir pelo Irã, em vez de voltar para a Inglaterra. Eu nunca antes havia me envolvido com feminismo, mas no Irã eu comecei a discursar contra a forma que as mulheres ciclistas estavam sendo tratadas. Nós tínhamos que treinar usando hijabs, o que era horrível no calor sufocante do país. Tínhamos nossos celulares retirados de nós - me disseram que a intenção era que as meninas não ficassem distraídas escrevendo para os meninos. Ishbel pedalando no altiplano boliviano Eu me posicionei contra a discriminação e o bullying, mas nada mudou. Então, acabei deixando o Irã e voei até a Turquia. Lá, conheci um homem que estava viajando em sua bicicleta havia meses. Naquele mesmo instante, eu soube que era isso que eu queria fazer. Eu peguei um voo de volta para a Escócia e vendi tudo o que eu tinha. Depois, peguei um voo para Nice, na França, e comecei a pedalar ao redor do mundo. Ishbel já pedalou sozinha por mais de 20 países, inclusive no Brasil O encontro com Lucy, a cachorra vira-lata Foi pedalando na Turquia, ao longo do mar de Mármara, que eu conheci Lucy. Eu vi que uma cachorra de cor clara estava caminhando ao lado da roda traseira da minha bicicleta. Então, eu comecei a pedalar com mais força para tentar despistá-la, mas ela correu atrás de mim. Eu não estava planejando parar de pedalar e deixar que a cachorra me alcançasse - afinal, eu estava pedalando pelo mundo, o que eu iria fazer com um bicho? Finalmente, eu fui me afastando da cachorra. Sua silhueta foi, pouco a pouco, diminuindo atrás de mim. Mas, depois de um tempo, eu pensei: "Isso não está certo, Ishbel". Então, eu comecei a frear a bicicleta. Até que, em certo momento, a cachorra me alcançou, parando a cerca de um metro de mim. Eu estendi minha mão, mas ela manteve a distância. Em seguida, eu comecei a buscar um lugar para acampar. A cachorra me seguiu. No dia seguinte, eu planejava levá-la de volta a sua vila, mas ela foi atacada por uma gangue de cachorros. Ao ver os quatro cachorros a atacando e a forma como ela reagiu, me senti transportada de volta para os meus 16 anos. A cachorra não tentou fugir, não tentou lutar contra eles - eu havia reagido da mesma forma, apenas permitindo que as pessoas me machucassem. Naquele momento, tudo se tornou turvo. Eu joguei minha bike de lado, comecei a gritar e fui tomada por uma força que eu não conhecia. De alguma forma, eu lutei contra os cachorros. A seguir, dei alguns passos para trás e comecei a chorar. Chorava por mim mesma e pela Lucy. Eu havia passado minha vida bloqueando tudo que tinha ocorrido comigo. Mas naquele momento eu me dei conta de tudo. Ishbel dá um beijo em Lucy Amor incondicional a Lucy e a descoberta do amor-próprio A partir daí, eu me dei a missão de proteger Lucy, porque eu sabia como era viver sem segurança. Então, algo na minha vida mudou - força e auto-estima vieram junto com a cachorra. Eu simplesmente fiquei diferente. Eu não era mais uma vítima. Eu fiquei pensando: "como eu fui capaz de proteger tanto essa cachorra, se eu falhei em proteger a mim mesma?" Eu sabia que precisava começar a me amar, embora não soubesse como. Passei a tentar copiar comigo mesma a forma que eu cuidava da Lucy. Garantindo que ela estivesse em segurança, protegida, que comesse bem. Eventualmente, acabei conseguindo. Lucy foi a primeira vez que eu experimentei o amor incondicional. Foi transformador. Eu acabei acreditando em mim mesma. Era como se eu tivesse despertado. Eu estava chocada. Eu me lembro de ver Lucy sentada do lado de fora da minha barraca, como se não acreditasse que aquela vinha sendo a minha vida. Foi apenas então que eu pensei: "Ual Ishbel, tudo que você conquistou é incrível". Antes disso, eu nunca havia sentido orgulho de mim mesma. Eu prometi a Lucy que iria ajudar todas as outras Lucys que existissem no mundo - todos os seus amigos. Um cachorro - um cachorro de rua - mudou minha vida. Foi como se ela tivesse feito algo que nenhum outro humano jamais fez por mim. Ela me salvou. Ishbel começou a resgatar mais cachorros pelo mundo, como Mari, no Brasil * Depoimento de Ishbel Holmes para Olivia Lang. Ishbel escreve nos blogs worldbikegirl.com e ishbelholmes.com. Ilustração de Katie Horwich. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
‘Se Moro for considerado suspeito, processos de Lula voltam à fase de denúncia‘, afirma Gilmar Mendes
O recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que questiona a imparcialidade do então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, será julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) até novembro, segundo o ministro da Corte Gilmar Mendes.
'Lenda urbana': assim o ministro classificou, em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, a percepção de parte da população de que há um 'acordão' entre o Planalto e parte do Senado e do STF para proteger Flávio Bolsonaro e evitar uma CPI do Judiciário Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Mendes disse que os processos de Lula que foram conduzidos e julgados por Moro deverão voltar à fase de denúncia, caso o ex-juiz seja considerado suspeito. Isso anularia as condenações de Lula em dois processos (Tríplex do Guarujá e Sítio de Atibaia), além de retroceder a ação sobre supostas ilegalidades envolvendo recursos para o Instituto Lula, que está prestes a receber sentença do juiz que substituiu Moro na 13ª Vara de Curitiba, Luiz Antônio Bonat. Na avaliação de Mendes, é Bonat que terá que decidir sobre o recebimento da denúncia, conduzir a instrução do processo e julgar os casos, caso os atos de Moro sejam considerados nulos. "Eu tenho impressão que, pelo menos tal como está formulado (o recurso), se for anulada a sentença, nós voltamos até a denúncia. Portanto, todos os atos por ele (Moro) praticados no processo, inclusive o recebimento da denúncia, estão afetados pela nulidade. Será esse o veredicto", explicou. Fim do Talvez também te interesse O ministro prevê que serão necessárias ao menos duas sessões de julgamento na Segunda Turma para concluir a análise do recurso, já que deve haver uma discussão sobre se as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil podem ser usadas em benefício de Lula mesmo constituindo prova ilícita. Desde junho, o Intercept vem revelando mensagens que teriam sido trocadas entre Moro e Deltan Dallagnol (chefe da força-tarefa da Lava Jato) por meio do Telegram. Elas indicam possíveis atos ilegais do juiz nos processos de Lula, como a indicação de testemunha para Dallagnol. Por enquanto, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram, no final de 2018, contra a suspeição de Moro. O caso está suspenso por pedido de vista de Mendes. Faltam votar também Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Mendes recebeu a equipe da BBC News Brasil em seu gabinete Na entrevista concedida em seu gabinete, Mendes também defendeu a liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, que suspendeu a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e inúmeras outras no país. O ministro chamou de "lenda urbana" a percepção de parte da população de que há um "acordão" entre o Planalto e parte do Senado e do STF para proteger o filho do presidente e evitar uma CPI do Judiciário. Confira a entrevista a seguir. BBC News Brasil - Havia uma expectativa de que o processo relativo ao recurso do ex-presidente Lula que questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro seria retomado logo após o recesso de julho, mas até agora o senhor não levou o caso a julgamento novamente. Essa demora é porque o senhor decidiu esperar por novas revelações pelo The Intercept Brasil sobre a atuação da Operação Lava Jato? Gilmar Mendes - A pauta da (Segunda) Turma (do STF) está um tanto quanto comprometida. Estamos dando sequência a uma ação originária da Bahia, que envolve o ex-deputado e ex-ministro Geddel (Vieira Lima). Vamos retomar (o julgamento) semana que vem, e talvez ainda precisemos de uma outra sessão. Então, a pauta tem estado muito cheia. Eu disse que entre outubro e novembro nós julgaríamos esse caso, acho que estamos chegando perto. BBC News Brasil - Nos bastidores de Brasília, muitos acreditam que o senhor estaria aguardando ter mais confiança de que o ministro Celso de Mello, que é esperado como um voto decisivo, convergirá para seu entendimento sobre a suspeição do Moro. O senhor está esperando por isso? Gilmar Mendes - Não se trata disso, até porque isso seria inútil. O ministro Celso de Mello é o decano do tribunal, terá suas convicções no momento adequado e vai se manifestar de maneira livre como ele sempre faz. O que nós precisamos é ter ajustes na pauta de modo a podermos talvez discutir essa questão. Meu voto será um voto relativamente longo, isso também deve envolver o voto do ministro (Ricardo) Lewandowski e também do ministro Celso. Precisamos imaginar ao menos duas sessões para esse julgamento. Estamos até cogitando, havendo matéria nova, que se reabra para que a ministra Cármen e o ministro Fachin (que já votaram contra a suspeição de Moro) dela participem. Por exemplo, se formos utilizar dados do Intercept, prova ilícita nesse tipo de situação, haverá esse debate (sobre a possibilidade de usar as mensagens reveladas pelo Intercept no julgamento). BBC News Brasil - O ministro Celso, quando não acolheu sua proposta em junho de conceder liberdade provisória a Lula, disse que não seria possível saber se as mensagens eram verdadeiras. De lá para cá, a Polícia Federal apreendeu mensagens trocadas no Telegram por autoridades numa operação que prendeu supostos hackers e essas mensagens vieram para o Supremo por meio do pedido do ministro Alexandre de Moraes no inquérito das Fake News. Há possibilidade dessas mensagens passarem por uma perícia para uso nesse processo? Gilmar Mendes - Não sei o que o ministro Alexandre está pedindo nesta matéria, não sei o que ele fará em termos dessa verificação. Eu tenho a impressão de que para o julgamento na turma, se nós formos usar as mensagens, vamos usar como prova subsidiária, não me parece que sejam provas decisivas. Não vamos, em princípio, cogitar (da necessidade) dessa validação. Eu acredito que as provas são autênticas. Até agora não tivemos ninguém questionando. Houve aqui ou acolá um erro de divulgação pelo próprio Intercept, mas ninguém discute. O tema assaz aceso será o tema de fato da possibilidade do uso de prova que nós sabemos ilícita, para eventualmente, não condenar alguém, libertá-lo. 'O ministro Celso de Mello (foto) é o decano do tribunal, terá suas convicções no momento adequado e vai se manifestar de maneira livre como ele sempre faz', diz Gilmar Mendes acerca de julgamento de suspeição de Moro BBC News Brasil - Na sua visão, essas mensagens deixam evidente a suspeição do então juiz Sergio Moro? Gilmar Mendes - Na verdade já há uma carga enorme de dados a indicar elementos para uma discussão. Isso documentado, trazido pela defesa do Lula. Agora isso está sendo acrescido por esses elementos, a forma que (autoridades da Lava Jato) conduziam os processos. Isso vai ter que ser de fato discutido. E é isto que estamos julgando, se de fato se trata de um juiz suspeito e, por isso, sua decisão não teria validade. (Nota da redação: o recurso de Lula que pede a suspeição de Moro é anterior às revelações do Intercept. A defesa argumenta, por exemplo, que a nomeação de Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro evidenciou seu interesse político na condenação de Lula. Moro, por sua vez, diz que condenou Lula em 2017, quando a candidatura de Bolsonaro não era competitiva.) BBC News Brasil - Se o juiz Sergio Moro for considerado suspeito nesse caso, o Lula teria que passar por novos processos? Os casos teriam que ser distribuídos para outros juízes? Gilmar Mendes - Eu tenho impressão que, pelo menos tal como está formulado (o recurso), se for anulada a sentença, nós voltamos até a denúncia. Portanto, todos os atos por ele praticados no processo, inclusive o recebimento da denúncia, estão afetados pela nulidade. Será esse o veredicto. (Nota da redação: questionado novamente sobre o tema ao fim da entrevista, Mendes esclareceu que caberia ao novo juiz titular da 13ª Vara de Curitiba, Luiz Antônio Bonat, julgar após o recebimento das denúncias contra Lula.) BBC News Brasil - Existem elementos então para formar uma convicção sobre esse caso mesmo sem as mensagens do Intercept? Gilmar Mendes - Não vou responder a pergunta porque aí é óbvio que estarei prejulgando. Mas me parece que eles trouxeram instrumentos importantes, documentaram uma série de questões que eles alegam que de fato o juiz, sem qualquer referência ao Intercept, vinha denotando uma parcialidade. É isso que eles questionam e pedem que nós concedamos, o que levaria a anulação da sentença e de todos os atos (praticados por Moro no processo). BBC News Brasil - O senhor tomou outra decisão importante no bojo da operação Lava Jato (após Moro divulgar interceptação telefônica entre Lula e Dilma) quando em 2016 impediu a posse de Lula como ministro da Casa Civil. O ex-presidente Michel Temer disse recentemente no programa Roda Viva que, se Lula tivesse tomado posse, não teria havido o impeachment da presidente Dilma. O senhor concorda com essa avaliação? E o senhor tinha ciência do impacto político que sua decisão poderia ter naquele momento? Gilmar Mendes - Pois é, agora é o "se" na história. Essa conversa do Michel (Temer) com o ex-presidente Lula (em que o petista solicita apoio ao governo Dilma e que não foi divulgada por Moro em 2016) e tudo mais, o que a gente aqui discute são essas informações de que havia mais dados e fitas gravadas que não foram utilizadas. Quer dizer, Moro e seu grupo decidiu vazar aquela conversa (entre Lula e Dilma sobre o termo de posse), que depois se verificou que havia sido feita quando já estava encerrada a interceptação, portanto o ministro Teori (Zavascki, no STF de 2012 a 2017) chegou a averbá-la como ilegal. A mim me parece que essa é uma decisão chave, a toda hora essa pergunta me vem, sobre essa responsabilidade histórica. Eu estou convencido de que a resposta que nós demos foi para a hipótese que parecia configurada de desvio de poder. Estava se nomeando Lula e dando-lhe posse no mesmo momento. Aparece aquele telefonema da presidente para o ex-presidente falando do mensageiro especial que estaria levando um documento que o colocava a salvo de tudo, portanto, o ato de posse, já assinado. Aquela história que já se tornou folclórica do Messias que se tornou Bessias. E nós entendemos ali que de fato houve uma iliceidade. A presidente estava na verdade cometendo um desvio de finalidade. Foi isso que eu averbei no voto, no despacho. Hoje, a pergunta que todos vocês fazem, é: se tivesse tido acesso a todas aquelas conversas, os dados que foram sonegados, como você se posicionaria? Uma pergunta extremamente difícil que a gente tem que meditar, e é um pouco o "se" na história. BBC News Brasil - Essa tentativa de nomeação do ex-presidente Lula se deu após os maiores protestos contra a presidente Dilma. Para muitos, na época, pareceu uma última cartada para tentar impedir o impeachment, e não uma simples tentativa de tirar o Lula do foco do Judiciário. Houve outras ações tentando impedir a posse que foram sorteadas para o ministro Teori Zavascki. Ele abriu prazo para a Presidência se manifestar, enquanto o senhor tomou individualmente uma decisão com uma carga política muito grande. O senhor não se precipitou, não deveria ser uma decisão do plenário do STF impedir ou não a posse? Gilmar Mendes - Ali tem a ver com a urgência da questão, porque tal como está caracterizada a entrega do documento, é como não só Lula já estivesse nomeado, mas já tivesse tomado posse no cargo. Embora, eu não consiga compreender, porque tendo em vista todos aqueles dias e todos os encontros, e a aceitação por parte dele, porque parece que houve um processo de persuasão, inicialmente ele não queria aquele tipo de medida, eu não sei porque não deram posse para ele de imediato, e ele começasse a trabalhar. Eles estavam preocupados, claro, com a crise do governo, mas também com a crise pessoal do processo, quer dizer, como o Sergio Moro agiria em relação ao presidente. Acho que o foco da prisão provisória que poderia ser decretada estava bem presente nesse ambiente decisório. E foi por isso que eu dei a liminar, porque teríamos que esperar um debate para o plenário que se alongaria. De fato entendi que era algo urgente. Gilmar Mendes fala em 'responsabilidade histórica' ao relembrar decisão sua que impediu a posse de Lula (foto) como ministro da Casa Civil BBC News Brasil - Quando a Lava Jato começou, o senhor dizia que eram estarrecedoras as descobertas, que o que a operação vinha revelando tornava o Mensalão digno de um tribunal de pequenas causas. Quando o senhor percebeu que tinha algo de errado com a condução da operação Lava Jato? Gilmar Mendes - Existe uma disputa em termos de lenda urbana, dizendo "ah, o ministro Gilmar, apoiava a Lava Jato, depois deixou de apoiar", e acho que são duas questões que temos que tratar de maneira clara e explícita. Uma coisa é reconhecer os méritos da operação, que de fato existem. De fato isso tinha chegado a determinados limites, os fatos que são narrados, confessados, reconhecidos, os mecanismos especiais de financiamento de campanha, esses financiamentos das empresas, com financiamento político partidário, isso estava sendo enfrentado. Agora, eu, já em 2014, 2015, começo a questionar, por exemplo, os excessos das prisões provisórias. Até cunhei uma expressão dizendo: "nós temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba" e percebi que elas estavam sendo usadas para induzir a delações. Nós tivemos até um debate na turma, um caso que envolve um empresário da UTC, Ricardo Pessoa. E ali se discutiu essa questão. Foi um caso clássico porque foi concedida a ordem (de liberdade) a ele, e ele ainda assim fez a delação. A afirmação é que "ah, se ele não tivesse sido preso, ele não delataria". Na verdade, essa é uma premissa falsa, porque o delator, ele na verdade se convence de que deve fazer a delação tendo em vista os elementos de provas com os quais ele é confrontado, e com a perspectiva de pena que ele tem pela frente. Então, eu reputava que não era necessário manter essas pessoas por dois, três anos, para obter a delação. Fiquei vencido muitas vezes na composição mais antiga da turma, quando lá estava o ministro Teori. Depois, vieram outros episódios que vocês conhecem, a colaboração do Joesley (Batista, executivo da JBS), aquela homologação, em que eu falei claramente no plenário do Supremo que aquilo era ilegal e que nós não deveríamos referendar aquele tipo de prática. BBC News Brasil - Mas o senhor apoiou algumas medidas da Lava Jato que hoje são consideradas controversas. Quando houve a condução coercitiva de Lula, o ministro Marco Aurélio fez críticas duras, e o senhor na ocasião ironizou Lula e disse que provavelmente Moro havia fundamentado a decisão. Posteriormente, em 2017, outro contexto político, o senhor deu uma liminar proibindo as conduções coercitivas. Para algumas pessoas, o senhor no início apoiava e celebrava a Lava Jato em oposição ao PT. Gilmar Mendes - Não, não. Em relação à condução coercitiva (de Lula), a consideração (minha) que vai se encontrar é de que talvez pudesse haver fundamentação para isso. Posteriormente, caiu até comigo uma impugnação da condução coercitiva, quando já havia se feito dezenas. E nós fomos examinar então a questão da condução coercitiva, que junto com as prisões provisórias, era uma prática corrente. E aí, feitas as verificações, nós chegamos à conclusão de que a condução coercitiva, para essa finalidade de depoimento de alguém acusado, ela era ilegal, porque um indivíduo não está obrigado a depor [a Constituição garante direito ao silêncio aos acusados], então não teria porque ser conduzido. Inclusive, eu inicialmente levei para o plenário, não houve decisão durante um ano [o processo não foi pautado pela ex-presidente Cármen Lúcia], e aí eu concedi a liminar. Mas eu sempre tive a convicção de que o combate à corrupção tem que se fazer e que nós temos que aprimorá-lo, mas dentro de marcos legais. Na medida em que cresceu em mim a convicção de que havia ilegalidades no procedimento, eu sempre passei por clamar por revisão. O mais óbvio é prisão provisória alongada. Eu sempre dizia, (tive) inúmeros votos vencidos na Segunda Turma. A turma é composta por cinco, e forma uma maioria, portanto, por três. No nosso caso, à época, o voto de minerva era o voto do relator da época, o ministro Teori. BBC News Brasil - Muitos juristas questionam também na Lava Jato se não há um desrespeito ao princípio do juiz natural (segundo o qual devem haver regras claras sobre em que vara judicial um caso deve ser julgado). É uma reclamação, por exemplo, da defesa do ex-presidente Lula, que argumenta que seus casos deveriam ter sido julgados na Justiça Federal de São Paulo. Em 2015, o Supremo decidiu desmembrar alguns casos da Lava Jato que não tinham relação com a Petrobras. Na ocasião, o senhor discordou da maioria e defendeu que todos os casos deveriam ficar na vara de Sergio Moro. O senhor reconhece que houve algum erro quando se colocou no sentido de fortalecer a concentração da Lava Jato toda nas mãos do Sergio Moro? O caso envolvia a então senadora do PT Gleisi Hoffmann. Gilmar Mendes - São tantos casos que já não vou lembrar no detalhe. A discussão toda em torno da competência da 13ª Vara de Curitiba tem a ver com crimes conexos com a corrupção ligada à Petrobras. Houve esse julgamento e houve tantos outros em que o Tribunal vem delimitando, o que fica em Curitiba e o que vai para outras instâncias. Depois tivemos outras discussões sobre crime eleitoral, junto com crimes comuns, em que firmamos a competência da Justiça Eleitoral, em suma, nós temos muitas apreensões em torno desse assunto. E hoje, nós também fazemos uma autocrítica em relação a essa supercompetência assumida pela 13ª Vara. Nas próprias informações do The Intercept aparece lá uma dúvida do Deltan Dallagnol (chefe da força-tarefa da Lava Jato) se o tal tríplex de fato se encaixaria em questões ligadas à Petrobras. Porque baseia-se numa declaração do Léo Pinheiro (executivo da OAS) que diz que recursos da Petrobras foram vertidos para essa finalidade, mas era algo um tanto quanto precário. Por que que se tratando de dinheiro de corrupção esse dinheiro veio da Petrobras? Em suma, é uma pergunta mais ou menos óbvia, então precisa ser devidamente examinado, essas supercompetências desses juízos quase universais. BBC News Brasil - Quando o ex-PGR Rodrigo Janot revelou que veio armado ao Supremo (com intenção de matar o ministro), o senhor disse que, em relação a pessoa dele, só podia recomendar que procurasse ajuda psiquiátrica. Dentro desse período que o senhor está dentro do Supremo, qual foi o melhor e pior PGR que o senhor viu atuar do ponto de vista técnico? Gilmar Mendes - Eu tenho a impressão de que o procurador Antônio Fernando, que foi quem ofereceu a denúncia do Mensalão, teve uma atuação exemplar no Supremo Tribunal Federal. Posteriormente a ele, também o doutor Roberto Gurgel atuou bem, inclusive na conclusão do julgamento (do Mensalão). E fê-lo com moderação, não imaginou aí um protagonismo que levaria a essas tensões dialéticas. Acho que são dois bons procuradores. Ministro diz que recorrência nas conduções coercitivas o alertou para práticas ilegais em investigações e julgamentos de casos de corrupção BBC News Brasil - O senhor acha que o Rodrigo Janot pesou a mão um pouco nessa busca por protagonismo, por acirrar os ânimos excessivamente? Gilmar Mendes - Ali é um momento muito peculiar porque você tem um certo colapso das forças políticas, portanto elas também não têm força para se contrapor à Procuradoria. A Procuradoria se torna um super órgão, naquele momento, com uma força enorme. O próprio Judiciário, e aí esse é o nosso papel e do STJ, também faleceram em muitos pontos no sentido de impor limites às ações do Procurador-Geral. O episódio talvez mais marcante seja aquele caso da homologação da delação do Joesley. BBC News Brasil - O STF em breve deve decidir novamente sobre a possibilidade de prisão após condenação. O senhor foi um voto determinante no julgamento de 2016, quando mudou seu posicionamento adotado em 2009 para permitir a prisão. Depois o senhor sinalizou que mudou de ideia de novo e que votaria na proposta do presidente Dias Toffoli, de possibilitar o cumprimento da pena apenas após a condenação no STJ (terceira instância). Essa é sua nova posição? Gilmar Mendes - Esta é uma questão bastante complexa. Que a gente discute e ainda vai continuar rediscutindo por muito tempo. Por que? A despeito do texto constitucional ter consagrado uma regra de que a presunção de inocência só se encerra com o trânsito em julgado da decisão condenatória (quando não há mais recursos possíveis), nós sempre, antes da Constituição de 1988 e depois, tínhamos uma tradição de admitirmos a prisão com a decisão de segundo grau. Nem sempre ocorria, mas quando os juízes determinavam, as pessoas seguiam para a prisão. Em 2009, houve um julgamento, do qual eu acho que foi relator o ministro (Cezar) Peluso (no STF de 2003 a 2012), em que nós dissemos: temos que exigir o trânsito em julgado (antes de mandar alguém para a cadeia). Mas aí então se debateu que, em determinados (casos), em segundo grau, se poderia determinar a prisão provisória. E isto ficou mais ou menos pacífico. É claro que, se o réu responde solto, não será em todos os casos que se poderá determinar a prisão (após a condenação em segunda instância). Aí, passamos a ter outra situação, que também não é incomum: um caso, se não me engano, da relatoria do ministro Toffoli que ele levou a plenário, o caso do senador Luiz Estevão. Ele recorreu até o limite, até os embargos de declaração, portanto, muito provavelmente procrastinatórios (com o objetivo apenas de ganhar tempo). E Toffoli disse 'Olha, falta um dia para a prescrição'. Levou isto ao plenário. E chegou-se à conclusão de que nós tínhamos que decidir. Ou ele decidiu monocraticamente e depois trouxe para plenário para referendo. E então, o assunto nos acendeu a lâmpada de que precisávamos discutir novamente a questão do segundo grau. E a partir de um caso do ministro Teori foi colocado no plenário este tema. A possibilidade de ser menos duro, mais flexível com a prisão em segunda instância, sem resolver o problema do trânsito em julgado. Então nós chegamos a dizer isso, e eu mesmo cheguei a enfatizar isso num voto, de que, se em segundo grau houvesse a decretação da prisão, e houvesse um absurdo, um fato atípico, essa pessoa poderia recorrer para a terceira instância, STJ, Supremo e tudo mais. O que aconteceu na vida prática quando o STF deu essa decisão, especialmente no contexto da Lava Jato? Aquilo que nós decidimos que era uma possibilidade, que poderia haver em determinados casos fundamentação para prender alguém a partir da segunda instância, aquilo se tornou algo básico. Passou a ser a regra. O próprio TRF (Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de Porto Alegre) expediu uma norma, dizendo que com a decisão de segundo grau ele mandava as pessoas para a cadeia. Num momento em que os tribunais todos estavam um tanto quanto amedrontados. O STJ não decidia os seus casos, também nós aqui, dependendo da turma não os decidíamos. Então aquilo que nós decidimos como uma possibilidade se tornou uma regra absoluta. Não havia possibilidade de se desvencilhar. Foi aí que eu disse 'nós temos de rever esse critério'. BBC News Brasil - Mas aí o senhor está convergindo para essa possibilidade de prisão após o STJ? Gilmar Mendes - Eu estou avaliando essa posição. Mas na verdade talvez reavalie de maneira plena para reconhecer (a possibilidade de prisão apenas depois de) o trânsito em julgado. BBC News Brasil - Algumas pessoas acham que estas mudanças constantes de interpretação da Constituição geram insegurança jurídica e minam a credibilidade da corte. Como o senhor responde a essas críticas? Gilmar Mendes - Vocês acompanham cortes do mundo todo. Eu conheço a Corte Suprema inglesa. Nosso sonho de consumo era ter menos processos, e poder fazer avaliações muito mais intensas, escrutínios muito mais demorados sobre os casos. Quando a gente relata o afazer de uma corte como esta, do Supremo… Ontem nós estávamos discutindo a anistia dos cabos da Aeronáutica. Na semana passada estávamos discutindo a questão do prazo e do contraditório nas alegações finais. Na semana anterior tínhamos um outro tema relevante. Quando a gente coloca quatro semanas do Supremo Tribunal Federal brasileiro, parece que nós estamos falando de uma parte significativa da vida de algumas cortes do mundo. A gente corre aqui maratona em ritmo de 100 metros. Portanto não é anormal que, diante de uma reavaliação de um caso, nós façamos uma releitura. Acho que temos que fazer até para não deixar que equívocos subsistam. 'A gente corre aqui maratona em ritmo de 100 metros', diz Mendes sobre trabalho do STF na comparação com outras cortes do mundo BBC News Brasil - Nós temos tramitando aqui no Supremo um inquérito que se dedica a apurar fake news e ameaças contra ministros. O senhor disse ao programa Roda Viva que este inquérito está previsto no Regimento Interno do Supremo, apesar dele ser alvo de críticas. O ministro Dias Toffoli disse no começo da semana que o inquérito vai continuar "enquanto ele for necessário". Não é ruim termos um inquérito que é perene, que pode ser tocado para sempre? Gilmar Mendes - Não será perene. Como eu disse no Roda Viva, eu tenho aqui inquéritos em relação a alguns parlamentares que já duram 12 anos, ou 14 anos. Portanto este é um inquérito recente e numa circunstância política muito específica. O Supremo Tribunal Federal está sendo alvo de ataques por parte desses autores de fake news. Ameaças, e até ameaças terroristas. Apareceram planos na deep web de assassinatos de ministros do Supremo. Foi neste contexto que o ministro Toffoli pensou neste inquérito, que estava aí no nosso regimento antes da Constituição de 1988, portanto é uma norma com força de lei. E aí tem muita polêmica, mas a polêmica vem de quem? Do Ministério Público, que diz não reconhecer a validade. Até recentemente, o MP não poderia sequer investigar. Fomos nós quem dissemos que o Ministério Público poderia investigar, que ele poderia abrir os próprios inquéritos. Os inquéritos que são abertos contra parlamentares, somos nós os ministros do Supremo quem os presidimos. Nenhuma dúvida em relação a isso. Então me parece que este inquérito (das fake news) virou uma boa desculpa. Como se todo o problema do Brasil estivesse nesse inquérito. Quando agora vem o episódio do ex-PGR Rodrigo Janot e se coloca essa questão 'ah, eu imaginei matar o ministro do Supremo na sala de togas', o inquérito diz isto: é para (apurar) crimes contra autoridades do Supremo ou crimes praticados no ambiente do tribunal. Veja portanto que nós estamos falando de uma matéria que coincide com aquela consideração. BBC News Brasil - Mas este é um inquérito sem um fato determinado a ser apurado. São quaisquer fatos (relativos ao STF). Gilmar Mendes - Os fatos eram mais ou menos difusos. Eram ataques à corte por parte de militantes de partidos políticos, de pessoas que estavam de alguma forma engajadas. Você vê: olhe aí na internet a perfeição dos filmetes contra o Supremo Tribunal Federal. Isto tem dinheiro envolvido. Tem autores. Quer dizer: precisa-se fazer algo neste sentido. E a legislação já permitia. Por outro lado, se vocês repararem, uma boa parte destes ataques vinha de pessoas ligadas à Lava Jato. A maior parte desses ataques. Tanto é que nós pedimos ao Ministério Público investigações, e elas não ocorriam. Aqui há um grande problema. Então, isto aqui é um contempt of court. É um instrumento de defesa da própria instituição. BBC News Brasil - Uma das fontes de desgaste da Corte com a população é o entendimento de que ministros agem com frequência de forma monocrática e isso abre margem para interpretações de que esta atuação teria um viés de autodefesa, ou um viés político. Neste caso específico, há uma ação questionando esse inquérito, de relatoria do ministro Edson Fachin. E ele já pediu mais de uma vez que ele seja pautado. O ministro Dias Toffoli se recusa. Não é importante que esta questão vá a plenário para que os 11 decidam? Gilmar Mendes - Ah sim, mas irá a plenário em momento oportuno. Eu acredito que sim. BBC News Brasil - Não seria melhor ir logo? Gilmar Mendes - Mas a pauta do plenário, como você sabe, é uma pauta sobrecarregada. Mas isso irá a plenário logo. BBC News Brasil - A gente precisa insistir. Quando que o inquérito será finalizado e enviado para o Ministério Público para que ele possa tomar as providências? Gilmar Mendes - Ele tem mandado partes do inquérito, partes das conclusões ao Ministério Público. Ele fez quebras de sigilo, ele fez análises de contextos. Pessoas que estavam ativas na rede fazendo ataques ao Tribunal tiveram busca e apreensão realizada. Em suma. Isso irá ao Ministério Público. Mas ele não tem nada de extravagante, o inquérito. BBC News Brasil - Há outro caso em andamento que é o chamado "Caso Queiroz". É um caso que envolve o filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). E que está paralisado aqui por ordem do ministro Dias Toffoli com uma confirmação sua naquela reclamação (apresentada pela defesa de Flávio Bolsonaro contra a continuidade das investigações após a decisão de Toffoli). Depois dessa ordem, as atividades do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) caíram de forma brusca. Só na PF no Rio são 140 inquéritos parados, inclusive um que está relacionado à morte da vereadora Marielle Franco. Foi realmente necessária esta decisão? Não seria importante decidir de forma célere e definitiva? Gilmar Mendes - Vamos só recontextualizar esta história. O Brasil lida com o tema do sigilo bancário há muito tempo. Em 2001 se não me engano, ainda na minha época (como advogado-geral da União) no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), aprovou-se uma lei complementar dizendo que o sigilo bancário, em relação à Receita (Federal), ele seria um sigilo transferível. Portanto, a Receita receberia as informações bancárias de quem ela requisitasse. A instituições bancárias não deveriam guardar este sigilo. Transfeririam à Receita. E a Receita faria então o exame, a fiscalização adequada: se alguém tem mais recursos do que declara, e coisas do tipo. Essa lei ficou muito tempo em vigor. Este entendimento passou a ser aplicado. E nós decidimos isso agora em 2016. Dissemos: esta lei complementar é constitucional. Neste debate, aí apareceram outras questões. Bom, se a Receita recebe essas informações, com quem ela pode compartilhar? É uma das questões. E se discutiu inclusive o papel do Coaf. Se o Ministério Público pede ao Coaf informações, que tipo de informações o Coaf pode passar ao MP? Então este debate ocorreu. Mas nós, nesta decisão (de 2016), só decidimos sobre este aspecto. O aspecto de transferência de sigilos que a entidade bancária tem vis a vis a Receita Federal. Em seguida surgiu esse outro processo do ministro Toffoli, discutindo então estas questões do compartilhamento. A Receita tem as informações bancárias, minhas, suas, e em que hipóteses ela pode facultar o acesso ao Ministério Público? É esse o debate que nós estamos vivendo. E a mesma coisa em relação ao Coaf. O Coaf tem essas informações. Que tipo de informações ele pode passar ao Ministério Público? É essa a discussão. O ministro Toffoli tem um RE (Recurso Extraordinário) com repercussão geral, e isso espera julgamento já há algum tempo (o recurso chegou ao STF em 2017 e recebeu em 2018 repercussão geral, ou seja, terá impacto vinculante para outros casos semelhantes). Portanto esta matéria (de agora) é diferente daquela outra (de 2016). E veio este pedido de liminar (de Flávio Bolsonaro). E ele deu a liminar. Para dizer: enquanto não houver deliberação sobre o assunto, ficam suspensos todos os processos que tenham como pano de fundo o Coaf. O que veio a mim foi um pedido de confirmação, uma reclamação (tipo de recurso que se pode fazer ao STF), dizendo: a despeito de ter havido a suspensão naquele processo, os nossos continuam andando. Então o que eu fiz? Eu dei a liminar apenas para esperar o julgamento definitivo da matéria, que está marcado para novembro. Mendes diz que não vê 'nenhum grave problema' sobre decisões liminares e garante que 'temas estão sendo postos e priorizados' no plenário da corte BBC News Brasil - Eu queria insistir neste tema do desgaste da corte por causa de decisões monocráticas. Como o senhor bem lembrou, tem um Recurso Especial com repercussão geral esperando julgamento já há um tempo. Aí, de repente, vem uma liminar do filho do presidente e recebe uma decisão célere. E, ao invés de isto ser levado imediatamente ao plenário, fica aí por vários meses em vigor. Fica a percepção de parte da sociedade de que há um "acordão" que envolve o Planalto, que envolve parte do Senado e parte do Supremo, no sentido de que não avance a CPI para investigar o STF (a chamada "CPI da Lava-Toga"), ao mesmo tempo se seguram as investigações contra o Flávio Bolsonaro. Até para combater essas críticas de politização, não seria melhor levar imediatamente ao plenário? Gilmar Mendes - A verdade é que, num ambiente conflagrado como o que vivemos no Brasil, as lendas urbanas são livres, não é? Elas têm uma auto-gestação. Surgem de uma maneira muito rápida. Veja, nós tivemos recentemente, na (Segunda) Turma, o caso das alegações finais. Feito por um réu de um processo lá de Curitiba. Era um caso que a princípio não estava na pauta, mas foi colocada. E o tribunal decidiu como decidiu. E já se está confirmando a matéria no plenário. Portanto as decisões liminares, estas que suspendem, elas têm um efeito precário. Elas têm um tempo de maturação. Eu não vejo aqui nenhum grave problema. O que me parece é que a mídia fica por demais excitada, querendo que todos os assuntos sejam resolvidos. E a gente não têm essa capacidade. Mas os temas estão sendo postos e estão sendo priorizados. BBC News Brasil - Mas é inegável que em alguns casos houve um uso indevido deste expediente (das liminares). Por exemplo o caso do ministro Luiz Fux, que manteve durante quatro anos uma decisão liminar que garantiu o pagamento de auxílio-moradia para os integrantes do Judiciário. Gilmar Mendes - Sim, este é um caso notório no qual houve uma distorção. Mas nesses outros, não. É um tanto quanto um ritmo adequado. Muitas vezes nós damos liminares num determinado processo, e depois julgamos o mérito do habeas corpus. Isso acontece todo dia. Então temos que distinguir qual é a liminar que provoca uma distorção do sistema. E outra: se me chega agora um habeas corpus dizendo que alguém vai ser deslocado, vai para um regime mais rigoroso, e eu entendo que isto talvez possa ser abusivo, eu concedo logo a liminar. Eu vou julgar o mérito na turma. Isto é uma prática. BBC News Brasil - Uma crítica que dirigem ao senhor é a de que o senhor não costuma se declarar suspeito quando há julgamento envolvendo alguém que o senhor tenha uma relação pessoal, ou pelo fato da sua mulher, Guiomar Mendes, ser sócia de um escritório de advocacia. Como se o senhor soltasse as pessoas por causa dessas relações pessoais. O senhor responde dizendo que nem sempre suas decisões beneficiam essas pessoas. Mas o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner defende que não basta ser imparcial, é preciso também parecer imparcial, para preservar a credibilidade da Corte. Nesse sentido, o senhor não deveria ter uma posição mais conservadora e evitar julgar pessoas com as quais o senhor possa ter algum tipo de relação? Gilmar Mendes - Aqui há uma questão, do ponto de vista da política judiciária, até bastante interessante. Se nós, por exemplo, que estamos em Brasília, fôssemos nos declarar impedidos ou suspeitos por conhecer as pessoas que estão no poder, não poderíamos julgar o mensalão. Até um caso que eu conto, mas que é mais ou menos caricato, é o julgamento dos planos econômicos. Alguns (ministros) disseram: 'Eu não posso julgar este caso porque o meu pai tem poupança. Ele pode ser beneficiário'. O que fazer com isto? Nós que somos contribuintes do Imposto de Renda, devemos julgar uma causa sobre Imposto de Renda? Uma causa que reduza o IR, devemos decidir? É uma bobagem isso. Ou nós de fato temos condições de aquilatar quais são as situações nas quais há suspeição, e em quais não há. Eu fiz várias leis, vários projetos de lei, enquanto estava no governo. Quando cheguei aqui (ao STF), a jurisprudência do tribunal disse 'você não está impedido em relação a estes projetos de lei'. Portanto eu não estou impedido. Agora, pasmem vocês, como a jurisprudência do tribunal já tinha evoluído, eu declarei inconstitucionais textos que eu havia feito no Executivo. Aí vêm todas estas histórias. 'Ah, o Eike Batista'. Porque o escritório da minha mulher o representa em causas cíveis. Não. Ele veio aqui discutir a questão de um habeas corpus, e eu não estou impedido. Não há este tipo de impedimento. Eu até acho que, a rigor, se nós começássemos a nos dar por impedidos em todos os processos, em vários processos… 'Ah, conhece um político tal'. Veja, eu estou em governos no Brasil já desde 1990. Conheço uma boa parte da classe política. Que depois veio para cá nesta clientela de mensalão e coisas do tipo. Eu deveria ter me dado por impedido? É muito confortável. Então as pessoas ficam falando, muitas vezes sem saber como funcionam as cortes do mundo. Imagine uma causa na Suprema Corte americana que em razão disto ou daquilo… eles são nove (juízes), eles tenham que se declarar impedidos. 'Ah, vou discutir um tema sobre poupança ou sobre questão tributária e isto me afeta'. Qualquer política de governo nos afeta. Há um texto na nossa Constituição, o (artigo) 102, (alínea) n, que diz que nós (Supremo) devemos julgar as causas patrimoniais dos juízes. Por que ele diz isso? Porque supõe-se que o Supremo seja menos suspeito ou impedido. Causas que podem até ser do nosso interesse. Mas supõe-se que nós teremos mais critério. Então aqui há muita coisa da luta política. O próprio processo do Eike, um mês antes de conceder o habeas corpus, eu tinha negado a ele. E quando neguei, isso não causou incômodo ao Ministério Público. Se eu já estava impedido, eles deveriam ter dito. Só o disseram quando eu concedi. Então é tudo muito engraçado. Eu me divirto. BBC News Brasil - Como o senhor mesmo disse, o senhor conhece boa parte da classe política, e tem uma influência em Brasília que o senhor cultiva desde a época que era oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores. E hoje em dia, uma busca simples no Google mostra notícias de várias pessoas às quais o senhor seria ligado ou teria participado da indicação. Do ministro Bruno Dantas (do TCU) até um ex-dirigente de Furnas, o Cesar Eduardo Ziliotto. Não é impróprio para um juiz ser percebido como um agente político desta forma? Gilmar Mendes - Eu acho que há exageros. O Bruno eu conheço há muitos anos, é um funcionário do Senado. Eu não tive nenhuma influência na sua designação. É até nosso professor no Instituto Brasiliense de Direito Público (o IDP, uma faculdade privada de Direito da qual Mendes é sócio). Uma figura de raro talento. Mas ele foi indicado pelo Senado para a vaga do TCU, não por mim. O Cesar Ziliotto eu vim a conhecer em funções na Itaipu. Não, não o conheço. O que há, como vocês percebem, é um tipo de atribuição a mim, de poderes que eu não tenho. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Antes dos portugueses, SP teve floresta tropical, Cerrado e mini-Pantanal
Antes da chegada dos portugueses, quem caminhasse alguns quilômetros pelo território da atual cidade de São Paulo poderia cruzar florestas tropicais com bromélias, orquídeas e árvores de até 45 metros de altura, campos cerrados com espécies de troncos grossos e galhos retorcidos, araucárias e arbustos típicos da região Sul e várzeas de rios que lembravam o Pantanal.
A BBC Brasil elaborou um mapa inédito da flora paulistana original marcada pela diversidade de biomas antes da colonização | Ilustração: Leandro Lopes de Souza A extraordinária variedade da flora nativa - em parte moldada pelos indígenas que habitavam a área e hoje confinada a poucas ilhas na zona urbana - atraía para a região um conjunto igualmente diverso de animais, entre os quais onças-pintadas, tucanos-de-bico-verde, micos-leões-pretos e veados-catingueiros. A partir de relatos históricos, de estudos do botânico Ricardo Cardim e de informações etimológicas, a BBC Brasil produziu um mapa inédito das formações vegetais de São Paulo antes da colonização. A ilustração, a cargo do artista Leandro Lopes de Souza, busca recriar a paisagem contemplada da colina onde, em 25 de janeiro de 1554, padres jesuítas celebraram a missa que passou para a história como o ato de fundação da cidade. Segundo Cardim, daquele morro, na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, tinha-se "uma das melhores vistas do Brasil". "São Paulo era um local extraordinário porque justamente havia essa contraposição de campos, florestas, rios produtivos e muita caça - não por acaso os índios escolheram viver aqui", afirma o pesquisador, que está finalizando um livro sobre a vegetação original da cidade. Fim do Talvez também te interesse Cerrado e araucárias eram parte da vegetação paulistana | Ilustração: Leandro Lopes de Souza No linguajar botânico, São Paulo era um ecótono, ou seja, um ponto de encontro de diferentes biomas. Cardim diz que havia na cidade trechos da Mata Atlântica, vegetação característica do litoral brasileiro, de matas mistas de araucárias, bioma típico do Sul, e do Cerrado, formação predominante no Centro-Oeste. Ele afirma ainda que nos cerrados paulistanos se achavam plantas do Pampa, bioma do Rio Grande do Sul, e que as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros - os maiores da cidade - se assemelhavam ao Pantanal mato-grossense. A localização de São Paulo - entre a costa e o Planalto Central brasileiro e no limite entre as zonas tropical e subtropical - favoreceu a diversidade de biomas. Também contribuíram sua variedade de solos e topografia irregular (a diferença entre o ponto mais alto da zona urbanizada da cidade, a Vila Mariana, e as águas do Tietê chega a 109 metros, segundo um estudo do geógrafo Aziz Ab'Sáber). Guarapiranga, onde há hoje uma represa, vem da união entre guará (garça) e piranga (vermelha), provável referência à espécie Eudocimus ruber | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Moldada por incêndios Quando os primeiros exploradores portugueses venceram a Serra do Mar, encontraram na futura capital paulista três aldeias indígenas, do povo Tupiniquim. Em Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo, o historiador americano John Manuel Monteiro conta que os povoados não eram fixos: conforme o solo empobrecia e a caça rareava, as comunidades buscavam outras áreas. Segundo o botânico Ricardo Cardim, sucessivos incêndios - naturais e provocados pelos indígenas - ajudam a explicar a presença de cerrados na paisagem original paulistana. O fogo impedia o adensamento da vegetação e favorecia a sobrevivência de árvores resistentes, com troncos grossos, típicas do bioma. Cardim diz que os indígenas recorriam ao fogo para abrir clareiras para roças, encurralar animais na caça ou renovar a vegetação campestre. A rebrota atraía herbívoros, entre os quais cervos, que também eram caçados pelos grupos. A extraordinária variedade da flora nativa atraía para a região um conjunto igualmente diverso de animais, entre os quais onças-pintadas, tucanos-de-bico-verde, micos-leões-pretos e veados-catingueiros | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Os incêndios comiam as bordas das florestas e as deixavam com formato circular - daí, segundo o botânico, o nome do bairro Capão Redondo, na zona sul da cidade. Havia muitos outros capões (do tupi kaa'pãu, ilha de mato) pelo território. No início do século 17, a fauna local ainda parecia bem preservada. Segundo o pesquisador, moradores eram alertados sobre os riscos de caminhar nas vias paulistanas "porque havia onças que comiam gente". Dizia-se que várias delas moravam na serra da Cantareira e desciam até a várzea do Tietê para caçar. Há relatos sobre a presença dos felinos até na região da atual avenida Paulista, então coberta por uma floresta densa, chamada pelos indígenas de caaguaçu (matagal, em tupi). Um trecho da antiga mata deu origem ao Parque Trianon, um dos raros locais na zona urbana que preservam a vegetação original. Outra área de mata fechada ficava no vale do Anhangabaú, no atual centro da cidade, onde índios escravizados costumavam buscar refúgio. Dessa floresta, nada restou. | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Árvores-bairros Cambucis e araucárias, que antes cobriam várias partes da cidade, também desapareceram. A primeira espécie, comum nas matas ciliares paulistanas, atraía antas ao frutificar e batizou um bairro da região central. A segunda, hoje restrita à região Sul e a algumas serras do Sudeste, se espalhava por todos os biomas da cidade. Resistente a incêndios brandos e importante para a alimentação dos indígenas, que consumiam sua semente, o pinhão, a árvore é a razão por trás do nome do bairro Pinheiros. Outros endereços paulistanos com nomes em tupi dão pistas sobre a riqueza das paisagens nativas, conforme o dicionário tupi-português de Luiz Caldas Tibiriçá (curiosamente, também se chamava Tibiriçá o cacique da antiga aldeia Inhapuambuçu, nas imediações do atual Pateo do Colégio). Ilustração de uma murici; hoje, segundo o botânico Cardim, o cerrado paulistano sobrevive em apenas três faixas de terra na zona oeste | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Guarapiranga, onde há hoje uma represa, vem da união entre guará (garça) e piranga (vermelha), provável referência à espécie Eudocimus ruber. M'Boi Mirim, atual estrada na zona sul, é uma possível derivação de mboia mirim, cobra pequena. Ibirapuera pode vir da junção de ybyrá, árvore, e puera, sufixo que indica passado, algo "que foi" - possível menção ao charco com troncos secos (que já foram árvores) onde se criou o principal parque da cidade, drenado após o plantio de eucaliptos australianos. Localização de São Paulo favoreceu a diversidade de biomas e a presença do jerivá | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Ipiranga, cujas margens plácidas ouviram o brado retumbante, é rio vermelho - e que, como tantos outros cursos d'água paulistanos, foi canalizado conforme a cidade crescia. O bioma paulistano mais golpeado pela urbanização foi o Cerrado, que, segundo Cardim, se estendia por boa parte da cidade atual, incluindo trechos dos bairros do Ipiranga, Bela Vista, Luz, Butantã, Vila Mariana e a região do aeroporto de Congonhas. Cambucis e araucárias, que antes cobriam várias partes da cidade, também desapareceram | Ilustração: Leandro Lopes de Souza A formação foi descrita no fim do século 16 por um antepassado do botânico - e que, embora padre, deixou herdeiros no Brasil -, o jesuíta português Fernão Cardim. Em visita à então vila de Piratininga, embrião da São Paulo contemporânea, ele comparou a vegetação à do país natal. "É terra de grandes campos e muito semelhante ao sítio de Évora, na boa graça, e campinas, que trazem cheia de vacas, que é formosura de ver", descreveu numa carta ao superior eclesiástico. "Esta terra parece um novo Portugal", concluiu, encantado. Hoje, segundo o botânico Cardim, o cerrado paulistano sobrevive em apenas três faixas de terra na zona oeste - duas delas na Cidade Universitária e uma no Jaguaré. Uma boa amostra da formação original está no Parque Estadual do Juquery, no município vizinho de Franco da Rocha. Para Cardim, trata-se da "última joia incrustada (na região metropolitana de São Paulo) que conserva o cerrado perfeito", onde se encontram espécies como pequizeiros, palmeiras macaúbas e muricis. Mesmo que São Paulo ficasse desabitada e suas construções fossem demolidas, jamais recuperaria os biomas originais; na imagem, cambucis | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Floresta cultural Ao longo do desenvolvimento de São Paulo, as árvores nativas foram cedendo espaço não só para construções, mas também para espécies exóticas. Hoje, de acordo com Cardim, 90% das plantas da cidade são estrangeiras. "Somos como aqueles cariocas que há cem anos andavam de cartola e casaco de pele na beira da praia porque queriam ser franceses. O paulistano, no que se refere ao paisagismo e às áreas verdes, quer ser tudo, menos brasileiro." Por isso, diz o botânico, mesmo que São Paulo ficasse desabitada e suas construções fossem demolidas, jamais recuperaria os biomas originais. No linguajar botânico, São Paulo era um ecótono, um ponto de encontro de diferentes biomas; acima, jabuticabeira | Ilustração: Leandro Lopes de Souza Ele afirma que as antigas áreas de Cerrado seriam sufocadas por capins estrangeiros e que não haveria mais incêndios para manter o equilíbrio do bioma. Com o tempo, diz ele, a cidade seria tomada por uma floresta densa - "mas não uma Mata Atlântica natural, e sim uma floresta cultural, que refletiria nossas escolhas enquanto sociedade e serviria como um registro da nossa passagem por aqui". A localização de São Paulo - entre a costa e o Planalto Central brasileiro e no limite entre as zonas tropical e subtropical - favoreceu a diversidade de biomas | Ilustração: Leandro Lopes de Souza
Sistema prisional: quais são os planos de Sergio Moro e sua equipe para os presos sem 'colarinho branco'?
Se você já viu qualquer entrevista ou discurso do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, provavelmente conhece as ideias dele sobre o combate à corrupção , lavagem de dinheiro e a Operação Mãos Limpas, que desarticulou um grande esquema de corrupção envolvendo a máfia na Itália dos anos 1990.
Presos rebelados na cadeia de Alcaçuz (RN), em janeiro de 2017 Em seu primeiro discurso à frente do ministério, por exemplo, Moro citou o jurista baiano Rui Barbosa (1849-1923), mas também os "juízes heróis" da megainvestigação italiana, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino. Mas o que Moro pensa sobre os presos sem colarinho branco, que formam a maioria absoluta dos cerca de 840 mil presos que se estima existirem hoje no Brasil? Como o ministro e sua equipe pretendem lidar com um excesso de detentos que é hoje de 358 mil pessoas - e isso sem levar em conta os mais de meio milhão de mandados de prisão em aberto, não cumpridos ainda? A população prisional do Brasil é uma verdadeira bomba-relógio, com o número de detentos crescendo pouco mais de 8% ao ano - tanto este dado quanto os do parágrafo acima constam no último balanço do próprio Ministério, divulgado no fim de 2018. O ministro Sergio Moro quer 'retomar o controle das prisões' Se este ritmo continuar, disse o então ministro da Segurança Raul Jungmann ao apresentar o balanço, o Brasil terá em 2025 1,4 milhão de presos. É o mesmo que a população de Porto Alegre (RS). Hoje, 37% desses presos não foram sequer julgados, segundo os últimos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fim do Talvez também te interesse Para Jungmann, antecessor de Sérgio Moro, a área prisional é o principal desafio do Ministério. "É lá que o crime organizado tem o seu 'home office' - lá estão os líderes e o comando, de lá partem as ordens e lá está o controle da violência nas ruas. Lá, também, é o centro de recrutamento das facções", disse o ex-ministro à BBC News Brasil. A reportagem conversou com o chefe do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) na nova gestão, o delegado da Polícia Federal Fabiano Bordignon, e também com congressistas que se reuniram com Sérgio Moro recentemente. Também ouviu especialistas em Direito e pessoas que trabalharam com o ex-juiz para entender o pensamento e os planos de Moro para o sistema prisional. Num primeiro momento, diz Bordignon, a ideia é tirar do papel cerca de 60 mil novas vagas em cadeias - o valor para a construção desses novos presídios já foi liberado para os governos dos Estados em anos anteriores, segundo Bordignon. "Com raríssimas exceções, ninguém quer debater e buscar soluções para o sistema prisional e suas facções. Que são complementares à violência e insegurança nas ruas. Todos querem resolver o problema das ruas; ninguém quer (resolver) o sistema prisional", disse Jungmann. Quando falou à BBC, o ex-ministro estava na Espanha, onde aproveitava alguns dias de recesso. Para Jungmann, o sistema prisional é o principal desafio do ministério "Isso (o predomínio das facções) está à mostra no Ceará (onde facções responderam com violência ao anúncio de mudanças na política prisional em meados de janeiro), e já esteve em outros lugares. Esse crescimento das facções de base prisional leva o crime organizado ao crescente confronto com o Estado, e à corrupção ou captura de agentes públicos, territórios, polícia, políticos, órgãos de controle, etc.", diz Jungmann. Jungmann não quis fazer recomendações a Moro ("Seria deselegante", disse), mas encaminhou um artigo recente, publicado no jornal Folha de S. Paulo, no qual aprofunda o tema e diz que o governo deveria priorizar a prisão de criminosos de "maior impacto", como grandes traficantes, assassinos e barões do crime organizado, além de mudar a atual política de drogas - o tráfico é hoje o segundo crime que mais leva pessoas à cadeia, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Bordignon pensa de forma diferente do ex-ministro da Segurança de Temer. Para o delegado da PF, o MJ deve, sim, atuar para melhorar as condições das prisões - inclusive fortalecendo projetos como as audiências de custódia, quando as pessoas detidas têm seus casos revisados por juízes antes de ir para a cadeia, de forma a evitar prisões injustas. Mas o Estado não pode tentar resolver o problema "soltando presos". "Não dá para você criar uma política hoje de soltar. Você não pode resolver o déficit de vagas soltando presos. Isso é uma situação que ficou bem clara nas palavras do ministro (Sergio Moro). Claro que a gente vai ter políticas de alternativas penais, de desencarceramento, mas você não consegue hoje simplesmente criar 300 mil ou 400 mil vagas soltando preso. Tá bom?", disse Bordignon à BBC News Brasil. 'Não dá para você criar uma política hoje de soltar', diz o novo chefe do Depen "Prisão dos membros (das facções), isolamento carcerário das lideranças, identificação das estruturas e confisco dos bens", foi a receita apresentada pelo ministro para enfrentar as facções, no discurso aludido pelo chefe do Depen. "Precisamos, com investimentos e inteligência, recuperar o controle do Estado sobre as prisões brasileiras", asseverou Moro no dia 2 de janeiro, quando recebeu o cargo de ministro. O plano, até agora, é construir mais prisões Em agosto de 2015, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o sistema prisional brasileiro, como um todo, violava a Constituição de 1988. "A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável (...) bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas", escreveu o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso. O STF então determinou a realização das audiências de custódia e, talvez mais importante, proibiu o governo federal de segurar (o termo técnico é "contingenciar") o dinheiro do Fundo Penitenciário (Funpen). Nos anos seguintes, um montante sem precedentes de verba federal do Funpen chegou aos governos estaduais - R$ 1,2 bilhão em 2016, e mais R$ 590 milhões em 2017. Em 2015, o STF concluiu que o sistema prisional como um todo violava a Constituição O Funpen recebe dinheiro de loterias e de custas judiciais ganhas pela União, entre outras fontes, e aplica o dinheiro no sistema prisional, e também na segurança pública. Se antes o problema era Brasília, que não liberava o recurso, depois de 2016 a dificuldade passou a ser nos Estados: a maior parte do dinheiro não foi usada por entraves burocráticos ou de licitação; e quando se trata de construir mais presídios, os problemas são maiores ainda. Todos os projetos das novas cadeias precisam ser aprovados pelo MJ, por exemplo. Hoje, há 153 projetos de novas prisões enviados pelos Estados, e pendentes de análise, diz Bordignon. Na conversa por telefone, o chefe do Depen repetiu duas vezes que o governo "está apenas em seu 18º dia". Mesmo assim, alguns planos já estão traçados. Um estudo prévio do Depen sugere que só com o dinheiro já repassado aos Estados seria possível criar 65 mil novas vagas em presídios, caso todos os projetos ficassem prontos. Por isso, diz Bordignon, o Departamento agora terá uma área dedicada a cuidar destes projetos de engenharia, e outra exclusiva para ajudar os Estados a licitar obras. Mais: a ideia é oferecer aos governadores e secretários dos Estados vários projetos já prontos de presídios. "O que a gente quer ter é um portfólio de projetos de unidades prisionais, já adaptados para cada região", diz Bordignon. Segundo ele, seriam 20 ou 30 opções diferentes, criados em parcerias com universidades, como a Universidade de Brasília (UnB). Para tornar a construção mais rápida, Bordignon cogita usar a construção modular, técnica na qual partes do projeto chegam prontas e são "encaixadas" umas nas outras. 'A massa carcerária não é de colarinho branco, é de negros e pobres', diz advogado criminalista Fernando Castelo Branco O MJ também tentará ampliar o acesso dos presos ao trabalho, inclusive com parcerias com empresas. A ideia é ter "unidades industriais ou unidades agrícolas (onde o preso possa) adquirir condições de, retornando à sociedade (...), custear a sua vida". O trabalho dos presos também ajudaria a manter a cadeia e a "instituir um pecúlio (uma soma em dinheiro) para quando sair em liberdade", diz o diretor do Depen. Além da construção de cadeias, Bordignon quer ampliar o uso de videoconferências para dar rapidez às audiências de custódia - de modo que o preso não precise sair da cadeia para reunir-se com o juiz do seu caso. Disse também que o MJ vai trabalhar junto com o CNJ para fortalecer os mutirões carcerários - quando defensores públicos e a Justiça fazem a revisão dos processos e penas dos detentos, de modo a evitar que pessoas fiquem presas de forma ilegal. O pacote 'anticrime organizado' No começo de fevereiro, Sergio Moro deverá enviar ao Congresso um pacote com um ou mais projetos de lei, tratando basicamente de endurecer o combate ao crime organizado. e medidas contra a corrupção. O foco principal é dar mais agilidade ao processo judicial, disse Moro. "Não haverá aqui a estratégia não muito eficaz de somente elevar penas. Pretende-se, sim enfrentar os pontos de estrangulamento da legislação penal e processual penal que impactam a eficácia do sistema de Justiça", discursou ele ao assumir o cargo. É pouco provável que este primeiro pacote traga grandes novidades para a área prisional. "Essa questão de presídios… Me parece que ele (Moro) está mais preocupado com a criminalidade do lado de fora da cadeia", diz um deputado federal cearense, Danilo Forte (PSDB), que esteve com Moro em meados de janeiro. "Mas talvez eu tenha ficado com essa impressão porque este tema (prisões) não era bem a pauta do nosso encontro", diz ele. Fortes preside, na Câmara, a comissão que trata do novo Processo de Código Penal. Moro pediu a Fortes um prazo para apresentar suas considerações sobre o novo código. A cadeia de Alcaçuz, que enfrentou uma rebelião no começo de 2017 Segundo o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), Moro vai reaproveitar algumas das propostas que estavam nas Dez Medidas Contra a Corrupção, um antigo projeto de lei de iniciativa popular impulsionado por integrantes do Ministério Público Federal e que foi enterrado pela Câmara em 2016. Das Dez Medidas, Moro quer resgatar, por exemplo, a proposta do "denunciante do bem": trata-se de proteger e até premiar pessoas que denunciam certos tipos de crimes. Haverá também propostas novas. "Por exemplo: a progressão de pena tem de acabar para quem é integrante de facção criminosa. Integrante de facção é criminoso e, portanto, não deve ter progressão penal", diz Joaquim Passarinho, que foi relator do projeto das Dez Medidas. A progressão penal é a regra pela qual um preso em regime fechado pode, depois de cumprida parte da pena e sob certas condições, passar ao semiaberto (apenas dormindo na cadeia) e depois ao regime aberto. Assim, uma pessoa condenada a 30 anos de detenção nunca passa essas três décadas em regime fechado, no Brasil. O pacote de Moro vai incluir uma versão do que é conhecido como "plea bargain" nos Estados Unidos - ou seja, a pessoa acusada pelo Ministério Público admite a culpa antes mesmo que haja um processo; em troca, obtém benefícios como a redução da pena. O ministro também pretende oficializar o entendimento atual do STF, segundo o qual o preso pode começar a cumprir pena após a condenação em segunda instância. Crime 'comum' nunca foi a praia de Moro Antes de se tornar ministro da Justiça, Moro se notabilizou como o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba - um ofício especializado no crime de lavagem de dinheiro. Foi investigando a lavagem de dinheiro (que acontece quando alguém tenta dar aparência legal a recursos de origem ilícita) que Moro embarcou nas duas principais investigações de sua carreira: o caso Banestado, nos anos 1990, e a Lava Jato, iniciada em 2014. A especialidade de Moro é o chamado direito penal econômico, cujo objetivo é desarticular grandes facções criminosas O tipo de delito que Moro investigava na Lava Jato e no Banestado pertence à área do conhecimento chamada "direito penal econômico" - e, embora seja fundamental combater esses crimes de colarinho branco, eles têm pouca relação com os delitos que mais lotam hoje as 1.456 cadeias do país. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, apresentados em agosto de 2018, os crimes que mais levam pessoas para a cadeia são os de roubo (27%) e tráfico de drogas (24%). "Moro tem uma atuação acadêmica muito voltada para o direito penal econômico, o que de forma nenhuma tira o mérito dele como pensador do Direito. O direito penal econômico tem como foco punir e desmantelar as grandes facções organizadas", diz o advogado criminalista Fernando Castelo Branco. "Corrupção, o crime de lavagem e o crime organizado. Este talvez seja o tripé das preocupações de Moro. A bandeira dele sempre foi essa. Na Justiça Federal, é muito razoável ele vestir essa camisa. Mas o Ministério da Justiça é muito mais amplo que isso", diz Castelo Branco, que é professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e coordenador de pós-graduação do Instituto de Direito Público (IDP-SP). "A massa carcerária não é de colarinho branco, é de negros e pobres. Não se vê o ministro, apesar do tempo ainda ser exíguo, muito preocupado com isto. Talvez se deva dar tempo para ele pensar e desenvolver um plano para essa situação de falência do sistema carcerário", pontua o criminalista. Moro fez mestrado (2000) e doutorado (2002) na UFPR (Universidade Federal do Paraná), e ambos os trabalhos são sobre temas de direito constitucional. Mais recentemente, publicou artigos acadêmicos e coordenou projetos de pesquisa sobre direito penal - foi professor deste ramo do direito na UFPR, cargo que deixou em março deste ano. Em seus textos acadêmicos mais recentes, o ex-juiz da Lava Jato trata de temas como corrupção no Brasil, lavagem de dinheiro e até o uso de bancos de dados de material genético para a investigação de crimes (2006) - outra proposta que ele pretende encampar no ministério. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Os milagres 'extra-oficiais' de Irmã Dulce, a primeira santa nascida no Brasil
Há 12 anos, Milena Vasconcelos deu à luz seu primeiro e único filho, João Victor. Na sala de parto, a cesariana foi realizada sem contratempos e, ao fim da cirurgia, mãe e bebê estavam bem. Então, já no quarto da maternidade, teve início a sequência de eventos que Milena até hoje conta com vívidos detalhes.
Fora os milagres reconhecidos, há milhares de relatos de graças alcançadas com a intercessão de Irmã Dulce Por volta das 14h do dia 21 de setembro de 2007, uma súbita palidez denunciava que algo ia mal. Era uma hemorragia incontrolável, que levou a mãe à UTI. Dali em diante, os médicos fizeram todos os procedimentos possíveis para tentar frear o sangramento, mas parecia impossível. Com a noite já posta, Eulália Garrido, mãe de Milena, recebeu a notícia que mais temia: no que rezava a medicina, nada mais poderia ser feito para evitar a morte da filha. Eulália, então, agarrou-se a outra reza. Agarrou-se a Irmã Dulce. Pegou um postal da freira baiana que Milena carregara consigo durante toda a gestação e o escondeu sob o travesseiro. Em seguida, falou para que todos os presentes pudessem ouvir: "Agora, quem vai operar é você, Irmã Dulce!". "Eu lembro bem, era como se estivesse saindo de um túnel. Eu sentia uma mão enrugada me puxando e a luz voltando. Em 15 minutos, o sangramento parou, como se nada tivesse acontecido", conta Milena, cake designer (confeiteira) que aos 43 anos hoje vive com boa saúde junto a João Victor em Irecê, região central da Bahia. Fim do Talvez também te interesse Milena (dir.) conta que sua mãe pediu à Irmã Dulce que salvasse a vida da filha Oficialmente, este caso não é considerado um milagre, mas está entre os milhares de relatos de graças supostamente alcançadas com a intercessão da freira que, em breve, passará a se chamar Santa Dulce dos Pobres, tornando-se assim a primeira santa (ou santo) nascida no Brasil. Conhecida nas ruas de Salvador como o Anjo Bom da Bahia, ela terá a santidade declarada pelo Papa Francisco no Vaticano, dia 13 de outubro, em uma cerimônia marcada para as 5h (horário de Brasília). Apenas 27 anos após a sua morte, trata-se da terceira canonização mais rápida da história da Igreja Católica. Os santos mais "ágeis" são o Papa João Paulo 2º (canonizado nove anos após a morte) e Madre Teresa de Calcultá (19 anos). Postal da freira baiana que Milena carregou durante toda a gestação Graças espalhadas Para que Irmã Dulce virasse santa (o que muitos devotos já consideram faz tempo), dois milagres atribuídos a ela precisaram ser oficializados pela Igreja Católica. O primeiro foi em 2011, a partir de um caso semelhante ao de Milena. Este ano veio a revelação do segundo milagre: um homem que voltou a enxergar após 14 anos de cegueira. Antes de serem objeto do processo que oficializou os milagres, estes dois casos chegaram às Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) como os de outras tantas pessoas que, mesmo sem o carimbo do Vaticano, consideram-se beneficiadas por milagres. O Memorial de Irmã Dulce guarda mais de 13 mil relatos que começaram a chegar em 1992, ano da sua morte. O Memorial de Irmã Dulce guarda mais de 13 mil relatos de graças alcançadas Nos armários de aço que abrigam as histórias, há casos de todos os Estados brasileiros e diversos países, como Argentina, Uruguai, Espanha, Itália e Filipinas. São cartas, bilhetes deixados no Memorial por visitantes, registros em livros de depoimento também disponíveis no Memorial, recados transcritos das redes sociais e e-mails, incluindo aqui as mensagens enviadas através de um espaço no site das Osid criado exclusivamente para este fim. Com uma trombose cerebral, um homem dado como morto de repente se recupera. A mulher desenganada, sem explicação médica, volta ao convívio da família. A infecção generalizada da criança, de uma hora pra outra, mostra-se curada. Os nódulos na tireóide, num lapso, somem. Histórias como essas se sucedem pasta após pasta, somando-se a fotos, cópias de exames, prontuários médicos e manuscritos mais ou menos detalhados. É como percorrer um labirinto de segredos de vida, expostos pela certeza dos remetentes de que os desfechos ali descritos só foram possíveis graças à Irmã Dulce. "Tem pessoas que vem aqui fazer seus relatos pessoalmente. Elas sentam-se nessa sala e contam o que tem de mais íntimo, se abrem totalmente, porque realmente acreditam que foram agraciadas por um milagre. Eu me emociono todas as vezes", diz (já emocionada) Carla Silva, museóloga que gere o arquivo de relatos das Osid. Ela lembra que há também fatos inusitados, como de pessoas que, ao longo dos anos, ficaram um tanto chateadas por seus casos não terem virado processos de comprovação de milagre. "Tem gente que fica zangada. Quer saber por que a graça do outro foi melhor que a graça dela!" Mãe de Milena era voluntária das Osid e trabalhou ao lado da Irmã Dulce por anos Fé Milena nunca passou por tal aborrecimento. Sua mãe, Eulália, aquela que pediu a intercessão de Irmã Dulce, era voluntária das Osid e trabalhou ao lado da freira por anos. Logo, sabia que havia um caso semelhante já sendo analisado pelo Vaticano – e que terminou reconhecido como o primeiro milagre, em 2011. Graças à atuação da mãe, já falecida, Milena conviveu com Irmã Dulce desde a infância e sempre a teve como referência nas orações. Mas, após sua própria experiência, a devoção só aumentou. " Eu rezo diante da imagem dela duas vezes ao dia. E tenho imagens pela casa toda. Onde a gente olha, tem Irmã Dulce. É boneca, caneca, foto, tudo". Objetos temáticos estão espalhados pela casa de Milena, que diz ter escapado da morte após intercessão da freira De Eulália, Milena herdou uma relíquia de Irmã Dulce e um costume: com a fronha usada pela então freira no leito de morte, ela passou a visitar pessoas enfermas para, em oração, pedir a melhora. Um dos agraciados, afirma Milena, foi seu sogro, que se recuperou bem após uma fratura na coluna, virou devoto de Irmã Dulce e hoje é quem toma conta da fronha — e segue visitando doentes. Hábito semelhante está na rotina do empresário Mauro Feitosa Filho, que tem 30 anos e vive em Fortaleza, onde nasceu. Ele também visita pessoas enfermas com relíquias de Dulce (um véu e um pedaço do osso da freira) e até organiza missas para que devotos cheguem perto das relíquias. Mas, como essa relação começou? Quando Mauro tinha 13 anos, exames detalhados apontaram que havia em seu cérebro um tumor do tamanho de um ovo, com todas as características de ser maligno. Para piorar, a massa tumoral estava espalhada e enraizada, o que impossibilitava sua inteira remoção, devido aos riscos de graves danos cerebrais. Quanto tinha 13 anos, Mauro (centro) foi diagnosticado com um tumor no cérebro; sua recuperação foi considerada um dos primeiros milagres atribuídos a Irmã Dulce Levado pelos pais para São Paulo e internado no Hospital Albert Einstein, Mauro teve a cirurgia marcada, mas foi atingido por escarlatina, doença infecciosa rara no Brasil, o que impediu o imediato procedimento. Ele conta que, enquanto os médicos esperavam sua recuperação para operá-lo, uma amiga dos pais enviou de Fortaleza uma imagem de Irmã Dulce, que sequer era conhecida pela família. Sem nada a perder, todos mergulharam em aproximadamente dez dias de oração com pedidos à freira. Mauro deu o nome de Dulce a sua primeira filha, para expressar gratidão por milagre "A cirurgia foi marcada de novo e a previsão era que durasse 19 horas. Mas, quando o médico abriu minha cabeça, o tumor estava totalmente diferente do que os exames mostraram. Estava solto e encapsulado, deu pra tirar inteirinho. Depois de três horas, a cirurgia acabou", relata Mauro, que não precisou nem mesmo fazer tratamentos como radioterapia. "Quando eu acordei da anestesia, já podia ficar em pé na UTI". Este caso chegou a ser considerado nas investigações do primeiro milagre atribuído a Irmã Dulce, mas, para o empresário, o maior milagre daquele episódio foi a transformação de seu pai, hoje já falecido. Mauro Feitosa, o pai, virou embaixador das Osid no Ceará e, seguindo os passos de Dulce, chegou a construir um centro de acolhimento de pessoas em situação de rua em Fortaleza. Com as relíquias hoje guardadas pelo filho, também visitava enfermos cotidianamente. "Foram muitos milagres que a gente viu com essas visitas!", assegura o filho. Saudável, Mauro é motociclista e praticante de kite surfe. Além disso, registrou em cartório — literalmente — o tamanho da sua gratidão à freira baiana. Há um ano e meio, nasceu sua primeira filha, batizada Dulce. Antes de milagre, familiares de Danilo Guimarães chegaram a comprar jazigo em cemitério de Aracaju Jazigo vazio Entre tantos relatos de graças, o caso de Danilo Guimarães chama atenção porque seus parentes, desenganados pelos médicos, chegaram a comprar seu jazigo em um cemitério particular de Aracaju. Em maio de 2011, já diagnosticado com diabetes, Danilo, então com 56 anos, contraiu uma infecção no pé direito, que precisou ser amputado. Ainda no hospital, a infecção se espalhou e toda a perna teve que ser retirada. Mesmo assim, a infecção seguia latente, os rins de Danilo já não respondiam e ele entrou em coma, o que levou os médicos a darem o aviso: havia poucas horas de vida. Desolados, esposa e filhos iniciaram os trâmites necessários para a despedida, a começar pela compra do jazigo. Até que a filha Danielle, professora de arte, lembrou de uma reportagem que assistira dias antes, sobre a beatificação de Irmã Dulce. "Eu sou uma pessoa muito terrena. Tenho minhas crenças, mas não tenho necessariamente uma religião. Só que naquele momento eu lembrei da reportagem e reuni a família toda em frente ao hospital. Rezamos juntos e pedimos à Irmã Dulce. Depois disso, mesmo com as negativas dos médicos, algo me dizia que ele ia ficar bem", recorda Danielle. Na visita seguinte, a professora imaginava que veria o pai ainda em coma, mas, para sua surpresa, já encontrou Danilo conversando na UTI e perguntando o resultado de um jogo do Vasco da Gama. "E aí, depois de cinco dias sem conversar com ninguém da família, meu pai falou: 'quem me salvou foi ela. Foi Irmã Dulce. Ela tava aqui cuidando de mim no pé da cama. Eu vi'", recorda Danielle. Danilo morreu quatro anos depois, vítima de um ataque cardíaco, mas a professora guarda com alegria as lembranças do convívio com o pai depois daquele 25 de maio de 2011, quando, ela tem certeza, Irmã Dulce intercedeu por ele. Milagre que levou à canonização da Irmã Dulce foi a recuperação da visão do maestro José Maurício Os milagres reconhecidos Se os depoimentos que lotam os arquivos das Osid são milagres "extra-oficiais", existem dois sobre os quais, para o Vaticano, não cabe discussão. O mais recente, que levou à canonização da Santa Dulce, deu novo brilho aos olhos do maestro baiano José Maurício Moreira, de 50 anos, que vive em Recife. Vitimado por um glaucoma aos 23 anos, Maurício teve os nervos óticos gradativamente deteriorados. Enquanto isso, preparou-se para o breu, fazendo cursos de braile, de mobilidade e de tarefas domésticas sem a visão. Até que, em 2000, ela foi completamente embora. Durante 14 anos, o maestro nada viu. Não conhecia nem mesmo as feições da esposa Marise, a quem foi apresentado após a cegueira se instalar completamente. Então, na madrugada de 11 de dezembro de 2014, a dor causada por uma conjuntivite viral lhe fez rogar para Irmã Dulce, cuja devoção herdara dos pais e avós, que eram admiradores e chegaram a fazer doações para os trabalhos de caridade da freira. "Eu tenho na cabeceira uma imagem de Irmã Dulce, que era de minha mãe. Eu peguei essa imagem e botei no olho, porque eu estava com muita dor. Meu olho estava uma bolha de sangue. Eu não pedi para enxergar, porque sabia que era impossível. Eu só pedi pra ela aliviar aquela dor da conjuntivite." Na manhã seguinte, Marise saiu e deixou Maurício com compressas de gelo nos olhos. De repente, conta ele, seus dedos começaram a aparecer ante a visão. "Eu fiquei assustado. Era como se a nuvem que eu enxerguei por anos estivesse se dissipando", lembra o maestro, em meio a um pranto emocionado. E quando Marise voltou pra casa? "Eu abracei ela, cheguei bem perto do rosto e falei: 'nega, mas tu é linda viu!'. E ela sem entender nada". Detalhe: exames recentes mostram que os nervos óticos de Maurício continuam destruídos, como confirma o médico-cirurgião Sandro Barral, integrante da comissão científica que analisou o caso para o Vaticano. "O impressionante é que qualquer médico que olhar os exames vai afirmar que ele não pode enxergar. As lesões são muito extensas. Mas ele enxerga", diz o médico. Para ser validado pelo Vaticano, este caso passou por três etapas de avaliação: análise de peritos médicos (que deram o parecer científico), de teólogos e, finalmente, a aprovação final do colégio de cardeais, tendo sua autenticidade reconhecida de forma unânime em todos os estágios. Uma graça só é considerada milagre se contemplar quatro características: a instantaneidade, que assegura que a graça foi alcançada logo após o apelo; a perfeição, que garante o atendimento completo do pedido; a durabilidade e permanência do benefício e seu caráter preternatural (não explicado pela ciência). "Minha ficha ainda não caiu. Minha mãe dizia que tinha certeza que Irmã Dulce viraria santa. É pena que ela não esteja aqui pra ver que isso está acontecendo e que o filho dela é o miraculado", diz José Maurício, que estará no Vaticano para a cerimônia de canonização. Claudia foi a primeira pessoa oficialmente miraculada com intercessão da baiana Claudia Cristina dos Santos não estará no Vaticano, mas também é personagem central no roteiro que levou à canonização de Santa Dulce. Foi ela a primeira pessoa oficialmente curada com intercessão da baiana — e seu caso passou por idêntico processo de verificação. Moradora de Malhador, no interior de Sergipe, Claudia teve seu segundo filho, Gabriel, em 2001. Logo após o parto, na Maternidade São José, em Itabaiana, a servidora pública começou a sofrer com uma forte hemorragia, que durou mais de 15 horas. Numa sucessão de procedimentos médicos, Claudia passou por três cirurgias, inclusive a retirada do útero. Nada adiantava. O padre José Almí foi chamado para fazer a unção da enferma. Mas, em vez disso, o padre, portando um santinho de Irmã Dulce, optou por reunir os familiares e amigos de Claudia numa oração por sua vida, com pedidos de intercessão da freira. De uma hora pra outra, o sangramento parou. "Se hoje estou viva, é graças a Deus e à intercessão dela", diz Claudia. "Irmã Dulce viveu para ajudar as pessoas e mesmo após a morte, ela segue ajudando. Eu fico feliz e muito emocionada por fazer parte dessa história. Eu estou aqui por um milagre dela. E tenho certeza que muitas outras pessoas já passaram por isso", conclui. Maria Rita Pontes, a Irmã Dulce, nasceu em 1914, em Salvador A trajetória da primeira santa brasileira Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, em breve Santa Dulce dos Pobres, nasceu em 26 de maio de 1914, em Salvador. Filha de uma família de classe média, perdeu a mãe aos 7 anos, tendo sido criada pelo pai junto com quatro irmãos e irmãs. Desde cedo, já demonstrava aptidão para a caridade e, ainda na adolescência, dava comida e fazia curativos em pessoas em situação de rua na porta de casa, em Nazaré, no Centro da capital baiana. Apaixonada por futebol e torcedora do Esporte Clube Ypiranga — time da classe popular e de enorme sucesso na Bahia no início do século XX —, Maria Rita formou-se para o magistério em dezembro de 1932. Em 1935, Irmã Dulce dá início a seu trabalho assistencial em comunidades carentes, sobretudo nos Alagados Dois meses depois, realiza seu grande sonho naquele momento: entra para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no Convento de Nossa Senhora do Carmo, em São Cristóvão (Sergipe). Consagrada freira em agosto de 1933, adota o nome de Irmã Dulce, em homenagem à sua mãe. Dali, retorna à cidade natal, onde constrói sua trajetória de dedicação aos mais pobres. Em 1935, Irmã Dulce dá início a seu trabalho assistencial em comunidades carentes, sobretudo nos Alagados, conjunto de palafitas que havia na Baía de Todos os Santos, no bairro de Itapagipe, de perfil operário. Após criar um posto médico para moradores da região, funda em 1936 a União Operária São Francisco — a primeira organização operária católica do Estado, que deu origem ao Círculo Operário da Bahia. A partir de então, a freira passa a recolher doentes pelas ruas de Salvador, especialmente na região da Cidade Baixa. Durante mais de uma década, ela ocupa diversos espaços da cidade com estes enfermos, tendo que sair após sucessivas expulsões. Até que, em 1949, sem ter onde alojar 70 doentes, Irmã Dulce consegue autorização da sua superiora e ocupa um galinheiro ao lado do Convento Santo Antônio, do qual era integrante. Dali não mais saiu. Sem vergonha para pedir doações por todo canto da capital baiana, Irmã Dulce foi expandindo sua ocupação a partir do galinheiro e, em 1959, inaugurou no mesmo local a Associação Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). No ano seguinte, já estava erguido o Albergue Santo Antônio, que anos depois daria lugar ao hospital de mesmo nome. Franzina, mas cheia de energia, a freira batia em todas as portas — do pequeno comerciante ao grande empresário. Assim, criou relações nos mais diversos espectros sociais e políticos. "Não entro na área política, não tenho tempo para me inteirar das implicações partidárias. Meu partido é a pobreza", disse em certa ocasião. A partir dos anos 1930, a freira passou a recolher doentes pelas ruas de Salvador Assim, conseguia manter entre os doadores das Osid nomes como o do empresário Mamede Paes Mendonça, do banqueiro Ângelo Calmon e dos ex-governadores da Bahia Lomanto Júnior, Juracy Magalhães e Antônio Carlos Magalhães. O ex-presidente José Sarney também era seu fiel doador e, em 1988, chegou a indicar Irmã Dulce para o Prêmio Nobel da Paz. A freira baiana — agora santa — morreu no dia 13 de março de 1992, aos 77 anos, no mesmo quarto do Convento Santo Antônio em que dormiu por mais de cinco décadas. Hoje, a entidade criada por ela é um dos maiores organismos de saúde do Brasil e oferece atendimento 100% gratuito, mantendo-se através de repasses do Sistema Único de Saúde (SUS), convênios estatais, venda de produtos e doações de empresas e pessoas físicas. Há, no entanto, um déficit entre a receita que chega pelos repasses do SUS e as despesas geradas pelos atendimentos. Por isso, somente em 2018, o balanço das Osid foi fechado com um prejuízo de aproximadamente R$ 11 milhões. "O ano passado foi bem difícil. As doações são o que nos socorrem e amenizam um pouco a situação", diz Sérgio Lopes, assessor corporativo da entidade. Segundo ele, as doações correspondem a 5% da receita. Irmã Dulce era incansável ao pedir doações para seus doentes: batia nas portas, do pequeno comerciante ao grande empresário De janeiro a agosto deste ano, apontam os relatórios das Osid, o prejuízo da operação ficou em R$ 5,2 milhões, com estimativa de chegar perto de R$ 8 milhões até dezembro. "Nossa expectativa é ir diminuindo gradativamente esse prejuízo com o aumento de repasses e doações, especialmente com a canonização. Já percebemos esse movimento após o anúncio do Vaticano. Tem gente que não pode doar dinheiro, mas oferece trabalho voluntário, prestação de serviços. Dizemos sempre que o maior milagre de Irmã Dulce é este complexo, que só fez crescer mesmo após sua morte". Anualmente, as Osid realizam cerca de 3,5 milhões de atendimentos ambulatoriais na Bahia, somando o complexo em Salvador e unidades públicas de saúde geridas pela organização no interior do Estado. No local onde havia o antigo galinheiro, hoje fica uma praça de convivência do Hospital Santo Antônio, que realiza mais de 2 mil atendimentos por dia e 12 mil cirurgias anuais. Ali, as estruturas erguidas por Irmã Dulce seguem ativas ao lado de unidades recentes, como a de Alta Complexidade em Oncologia. Neste mesmo complexo, trabalham 3 mil pessoas, incluindo 300 médicos, além de cerca de 300 voluntários. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'10 vezes mais do que os EUA': por que Brasil tem tantas mortes de bebês por covid-19
Desde o início da pandemia de covid-19, 420 bebês morreram em decorrência do novo coronavírus no Brasil, número aproximadamente dez vezes maior do que o dos Estados Unidos, país com o maior número de óbitos pela doença, de acordo com dados oficiais.
Desde início da pandemia, 420 bebês (crianças com menos de 1 ano) morreram em decorrência do novo coronavírus no Brasil, contra 45 nos Estados Unidos Segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) norte-americano, 45 bebês, ou crianças com menos de um ano, perderam a vida após infecção pelo vírus. Entre as crianças de um a cinco anos, a discrepância entre os dois países também fica nítida: foram 207 mortes por covid-19 no Brasil contra 52 nos Estados Unidos. Os números brasileiros também são maiores do que o do Reino Unido, que registrou apenas duas mortes por coronavírus entre bebês (menos de um ano). E superiores aos do México, onde 307 crianças entre zero e quatro anos morreram. Já a França teve apenas quatro mortes entre zero e 14 anos devido ao novo coronavírus. Ao mesmo tempo, atualmente, os EUA têm o maior número de mortos por covid-19 — 529 mil, seguido por Brasil (270,6 mil) e México (191,8 mil), segundo dados da Universidade Johns Hopkins. A taxa de mortalidade norte-americana pelo vírus (161,28 por 100 mil habitantes) também é mais alta do que a brasileira (128,12 por 100 mil habitantes). Fim do Talvez também te interesse Assim, desde o início da pandemia, a covid-19 matou, proporcionalmente, mais lá do que aqui. As taxas de nascimentos de bebês também são dados importantes nesta equação. Os dois países tem taxas praticamente iguais de natalidade, segundo o Banco Mundial: 1,77 filhos por mulher nos EUA e 1,74 filhos por mulher no Brasil. Em 2019, foram registrados 3,5 milhões de nascimentos nos Estados Unidos e 2,9 milhões no Brasil. A população americana é de 328,2 milhões e a brasileira, 210 milhões. Em resumo: o Brasil tem um número mais elevado de mortes de bebês e crianças pequenas por covid-19, apesar de ter menos nascimentos do que os EUA, onde, por sua vez, mais pessoas morrem em decorrência do vírus, tanto em números absolutos quanto relativos. Mas, afinal, o que está por trás desse alto número de mortos entre bebês e crianças pequenas no Brasil? Razões Além das mortes, na mesma base de comparação com outras nações, o Brasil também conta com um número expressivo de crianças internadas por covid-19. Só neste ano, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, 617 bebês (menos de um ano), 591 crianças de um a cinco anos e 849 de seis a 19 anos foram hospitalizados devido à doença. Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, não há uma única resposta para o problema. Descontrole da pandemia e falta de diagnóstico adequado, aliados principalmente a comorbidades (doenças associadas) e vulnerabilidades socioeconômicas, passando pelo aparecimento de uma síndrome associada à covid-19 em crianças, ajudam a explicar o quadro trágico brasileiro. Mas há uma ressalva: embora os óbitos sejam mais numerosos no Brasil em relação a outros países do mundo, é importante lembrar que o risco de morte nessa faixa etária ainda assim é "muito baixo", lembram os cientistas. De fato, 420 bebês representam apenas 0,15% do total de mortes por covid-19 no Brasil (270,6 mil). Portanto, a chance de um bebê (ou de uma criança) desenvolver sintomas graves de covid-19 e morrer por causa da doença é rara, mas "não nula", diz à BBC News Brasil Fatima Marinho, médica epidemiologista e consultora-sênior da Vital Strategies. "As mortes nessa faixa etária são raras, mas é preciso acabar com esse mito de que crianças não morrem por covid-19", assinala. Marinho frisa que as mortes por covid-19 entre bebês e crianças no Brasil podem ser ainda maiores se contabilizados os óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada. "Podemos dizer que 48% dos que faleceram por SRAG não especificado têm alta probabilidade de ser morte por covid-19 por critérios clínicos e epidemiológicos", assinala. Segundo Marinho, dados preliminares de uma pesquisa realizada pela Vital Strategies e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em três capitais, mostraram que 90% dos casos de SRAG não especificada foram comprovados como sendo de covid-19, após investigação. Ela destaca que a covid-19 tende a evoluir de forma diferente em crianças e em adultos. Mortes nessa faixa etária são "raras", mas não "nulas", diz especialista Como os pequenos normalmente não são testados para coronavírus, uma vez que são, na prática, bem menos suscetíveis a desenvolver os sintomas mais graves da doença (e muitos são assintomáticos), seus sintomas podem ser facilmente confundidos com os de outras enfermidades, prejudicando o diagnóstico. "Pediatras devem prestar atenção em crianças com falta de ar e febre, e se ocorrer diarreia e/ou dor abdominal e/ou tosse pensar em covid-19. A tosse foi pouco frequente na hospitalização, mais foi um sinal de alarme para morte para as crianças. A dor abdominal e diarreia foram sintomas mais frequentes nas crianças maiores de um ano", assinala Marinho. Médicos lembram que a chance de óbito em recém-nascidos é maior do que em crianças acima de um ano porque seu sistema imunológico, responsável pela defesa do nosso organismo, ainda está "em formação". Além disso, outra causa para a morte de crianças no Brasil, que ainda está sendo investigada, é a chamada "síndrome inflamatória multissistêmica", que pode comprometer o cérebro, causando encefalite, ou órgãos importantes como coração e rins. No Reino Unido, 1 a cada 5 mil crianças que se infectaram com coronavírus desenvolveram essa reação do sistema imunológico, segundo dados do governo britânico. Os sintomas, que incluem febre alta, pressão sanguínea baixa e dores abdominais, costumam aparecer cerca de um mês depois do contato com o coronavírus. A grande maioria das crianças que se infectam pelo coronavírus não desenvolve esse processo inflamatório ou se recupera com tratamento. Mas em alguns casos, a síndrome pode evoluir para um quadro grave e ocasionar a morte. Foi o que aconteceu com uma paciente da pediatra Jessica Lira, que trabalha na UTI do Hospital Infantil Albert Sabin, em Fortaleza, no Ceará. A menina tinha dois anos e desenvolveu encefalite, uma inflamação no cérebro que parece ter sido impulsionada pela contaminação pelo coronavírus. "Ela teve morte encefálica. A conversa foi difícil, os pais estavam com muito sentimento de revolta, tinham muita dificuldade em entender como que evoluiu para isso. Não sabiam que a covid-19 podia levar a um quadro como esse", disse Jessica em entrevista recente à BBC News Brasil. Comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas são fatores de risco para crianças com covid-19 Comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas Mas são as comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas que têm maior peso na morte de crianças por covid-19 no Brasil. Um estudo observacional desenvolvido por pediatras brasileiros liderados por Braian Sousa, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e com supervisão de Alexandre Ferraro, identificou comorbidades e vulnerabilidades socioeconômicas como fatores de risco para o pior desfecho da covid-19 em crianças. "Individualmente, a maioria das comorbidades incluídas foram fatores de risco. Ter mais de uma comorbidade aumentou em quase dez vezes o risco de morte. Em comparação com as crianças brancas, os indígenas, os pardos e os do leste asiático tiveram um risco significativamente maior de mortalidade. Também encontramos um efeito regional (maior mortalidade no Norte) e um efeito socioeconômico (maior mortalidade em crianças de municípios menos desenvolvidos socioeconomicamente)", dizem os pesquisadores no estudo publicado na plataforma medrxiv. "Além do impacto das comorbidades, identificamos efeitos étnicos, regionais e socioeconômicos que moldam a mortalidade de crianças hospitalizadas com covid-19 no Brasil. Juntando esses achados, propomos que existe uma sindemia (interação entre problemas de saúde e contexto sócioeconômico) entre covid-19 e doenças não transmissíveis, impulsionada e fomentada por desigualdades sociodemográficas em grande escala". "Enfrentar a covid-19 no Brasil também deve incluir o tratamento dessas questões estruturais. Nossos resultados também identificam grupos de risco entre crianças que devem ser priorizados para medidas de saúde pública, como a vacinação", concluem os pesquisadores. Foram estudados 5.857 pacientes com menos de 20 anos, todos hospitalizados com covid-19 confirmado por laboratório. Constatações semelhantes foram feitas pelo professor Paulo Ricardo Martins-Filho, da Universidade Federal do Sergipe (UFS), um dos pesquisadores que mais publicam sobre covid-19 no Brasil. Ele e sua equipe desenvolveram um estudo para estimar as taxas de incidência e mortalidade da covid-19 em crianças brasileiras e analisar sua relação com as desigualdades socioeconômicas. E chegaram à conclusão que houve diferenças regionais importantes e uma relação entre taxas de mortalidade e desigualdades socioeconômicas. "O conhecimento das diferenças sociogeográficas nas estimativas do COVID-19 é crucial para o planejamento de estratégias sociais e tomada de decisão local para mitigar os efeitos da doença na população pediátrica", diz Martins-Filho no estudo, publicado na plataforma científica internacional PMC. Portanto, essas crianças acabam ficando mais vulneráveis a doenças, incluindo o coronavírus. "Claro que quanto mais casos tivermos e, por consequência, mais hospitalizações, maior é o número de mortos em todas as faixas etárias, incluindo crianças. Mas se a pandemia estivesse controlada, esse cenário poderia evidentemente ser minimizado", diz à BBC News Brasil Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. "Maioria das crianças que morrem tem comorbidades", diz pediatra na linha de frente Linha de frente "A maioria das crianças que morrem tem comorbidades, especialmente pacientes oncológicos (com câncer) ou com sobrepeso e obesidade. Há também aqueles com problemas nos pulmões e no coração. Mas isso não é uma regra. Vemos bebês e crianças saudáveis morrendo por covid, algo não tão presente na primeira onda", diz à BBC News Brasil Lohanna Tavares, infectologista pediátrica da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Infantil Albert Sabin em Fortaleza, no Ceará. Pediatras acreditam que as mortes dessas crianças saudáveis podem estar relacionadas a fatores externos, como desnutrição e outras doenças, como dengue, por exemplo, mas essa correlação ainda precisa ser estudada. Tavares reforça outro fator que vem contribuindo para o aumento — e já identificado nos estudos sobre o tema: a falta de assistência. "Os leitos hospitalares e o acesso aos cuidados pediátricos são bem menores para as crianças do que para os adultos. Várias enfermarias de hospitais pediátricos foram substituídas por leitos para adultos. Evidentemente, a necessidade maior é dos adultos. Mas a restrição de leitos pediátricos gera um acúmulo de pacientes nas emergências, o que faz com que o próprio pediatra pondere mais a internação da criança", diz. "Ou seja, ele só vai internar as crianças que estiverem mais acometidas, com um quadro mais grave, quando o ideal seria deixar em observação casos que podem gerar complicações. Mas não há leitos suficientes. Quando se diminui o número de leitos pediátricos, o sistema fica sobrecarregado e a assistência fica, assim, prejudicada", lamenta. Atualmente, não há vacinas disponíveis para menores de 16 anos. "Mas estudos já estão sendo feitos com esse público", lembra Kfouri, da SBP. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Samba em Berlim
Neste carnaval eu fui me esbaldar em Berlim, na Alemanha. Sempre ouvi dizer, entre a colônia de expatriados, entre os quais sou neófito, no sentido de enturmação, que o verdadeiro carnaval brasileiro, ou o que mais dele se aproxima, está – quem diria – nesta capital. Em Berlim estou, em Berlim ficarei até a quarta-feira de cinzas.
Aproveito a ocasião para também participar dos festejos comparecendo à inauguração, nesta capital, de um autêntico boteco brasileiro, o “Botequim Carioca”, do irriquieto Victor Rodrigues, divulgador e empresário de nossas coisas e graças. Neste internet café, onde digito estas linhas, estou a apenas alguns quarteirões da famosa Berlin Alexanderplatz (na intimidade dos locais, simplesmente Alex) que me transporta, como uma prise de lança-perfume, ao romance inesquecível, de Alfred Döblin e, deste, à minissérie do genial, e hoje pouco lembrado, Rainer Fassbinder, que vi lá em Londres, na BBC2, completa, em 15 partes, com a duração de 15 horas e meia. Uma delícia! Uma verdadeira cascata de emoções e acontecimentos marca estes primeiros dias de fevereiro. Carnaval no Brasil, casamento de Sarkozy e Bruni (sejam felizes, doce casalzinho!), a Super Terça nos Estados Unidos, quando poderão ou não sairem classificados os candidatos às eleições de novembro em nosso querido país irmão. Não pára aí o jorro de efemérides nos EUA: no domingo, ou melhor, na segunda, hora da praça Alex, a decisão do campeonato americano de futebol, a super taça (que país super, esse das clãs Bush e Clinton!). Vamos, eu e os amigos, na casa do Candinho, uma popular figura aqui, e mais ou menos líder dos expatriados tupiniquins, assistir por seu sistema televisivo de satélite a tudo que conseguirmos em matéria de desfile das escolas de samba na Sapucaí. Estou numa boa. Esta minha fantasia. Cardíaco, enfisemático, semi-diabético, mas numa boa. Uma celeuma local Samba em Berlim. Título deste relato e de uma chanchada cinematográfica brasileira brasileira de 1943. Creio que data daí, e do filme, a popular bebida que mistura cachaça com Coca-Cola. Berlim, no entanto, não é só samba, boteco novo, com estátua de São Jorge e tudo, Döblin, Fassbinder, TV por satélite e gente alta, loura e saudável convivendo com turcos e outras nacionalidades exóticas. Berlim é uma cidade que mantém sua tradição de super (quanto super no salão!) civilizada. Para não ficar só nas leviandades do reinado de Momo e daqueles brutalhões do futebol e dos partidos políticos norte-americanos, procurei me entrosar nos eventos locais. Não se fala de outra coisa a não ser de um controvertido gibi. Die Suche, A Busca, em bom português, que mediante os métodos modernos das narrativas em quadrinhos, ou romances gráficos, como preferem ser chamados, narra a história de Esther, uma mulher que descobre a verdade sobre sua família de origem judaica que terminou seus dias no campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau. O “romance” em questão, ilustrado por Eric Houvel, será usado por 20 classes de jovens entre os 13 e os 15 anos, para que estes fiquem sabendo de certas verdades incômodas sobre os tristes anos do nazismo e possam, como fez e faz o resto do país, se reconciliar com sua história e encarar de frente, e não de soslaio ou cabeça baixa, o futuro. Alguns quadrinhos mostram o ditador totalitarista (e poderia ser de outra forma?) Adolf Hitler discursando e pregando suas teses demagógicas sobre como pretendia acabar com a pobreza (onde é que eu já ouvi esse papo antes?) e aumentar o espaço territorial do país. Sem dúvida, em vista de acontecimentos sucedidos no século passado, uma questão das mais delicadas. Tenho a certeza, por tudo que vi e ouvi aqui, mesmo (entendo menos de 5%), que a coisa será resolvida de modo inteligente e sensato, na melhor maneira de Döblin e Fassbinder. Uma brutal coincidência! Fico sabendo que, em nosso desfile das escolas, a controvertida Viradouro, de Niterói, que escolheu o tema de “coisas de arrepiar” para seu samba-enredo e carros alegóricos, teve proibida pela Justiça um carro supostamente destinado a homenagear as vítimas (6 milhões) do Holocausto nazista. Bem esculpidas figuras esqueléticas, em papelão trabalhado, foram condenadas ao olvido momesmo sapucaiense. Uma juiza de plantão do Tribunal Regional do Rio de Janeiro, Juliana Kalichsztein, concedeu liminar à Federação Israelita proibindo o carro alegórico em questão, ameaçando uma multa de R$ 200 mil, caso a determinação fosse violada. E mais R$ 50 mil por componente, afrodescendente, ou não, que desfilasse e sambasse vestido de Hitler, conforme corria um boato. O carnavalesco da Viradouro, Paulo Barros, prometeu uma surpresa em lugar da alegoria holocáustica: parece que o tema do 5º carro, o da controvérsia, será agora, como nos anos de chumbo, o cerceamento à liberdade de expressão. Veremos o que veremos, vocês verão o que verão. Não ouvirão, isto sim, Holocausto rimando com “acontecimento infausto” ou “Treblinka ô ô ô, com isto não se brinca”. A juiza de plantão, Kalichsztein, está coberta de razão. Vamos brincar, dançar e cantar, mas deixando de lado as malvadezas deste mundo, que são tantas, e, principalmente, como no caso, já passaram. Conclusão Berlim é uma cidade apaixonante. O Rio da Viradouro, não. Pretendo voltar. Ao berço de Döblin e Fassbinder.
G-24 anuncia apoio a Rodrigo Rato para o FMI
O G-24, grupo que representa alguns dos principais países em desenvolvimento do mundo, entre eles o Brasil, anunciou seu apoio à indicação de Rodrigo Rato para ser o novo diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional).
O grupo se união a uma extensa lista de países e organizações – como os Estados Unidos e da União Européia – que já haviam manifestado apoio ao ex-ministro das Finanças espanhol. O presidente de G-24, Ewart Williams, de Trinidad e Tobago, disse que Rato tem a experiência adequada e é receptivo aos desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento. Segundo correspondentes da BBC em Washington, analistas já dão como certa a escolha do espanhol para o cargo. Observador O correspondente Andrew Walker disse que outros três candidatos disputando a nomeação, mas, com o apoio que já recebeu, Rato será um nome bastante difícil de bater. O ex-ministro das Finanças espanhol já havia recebido também o apoio coletivo dos países latino-americanos. Rato está em Washington, onde acompanha como observador neste fim de semana a reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial.
Onda de sequestros assusta o Líbano
Autoridades libanesas informaram nesta sexta-feira que mais duas pessoas foram sequestradas em uma das piores ondas de sequestro que aterroriza o país.
O anúncio ocorre um dia depois de um clã de muçulmanos xiitas ter afirmado que não sequestraria mais nenhuma pessoa. Uma quantidade não revelada de cidadãos sírios e turcos está atualmente em poder da seita. O clã Moqdad disse que não teve envolvimento com os novos sequestros. A seita ainda mantém alguns reféns na tentativa de forçar a libertação de um de seus membros de alto escalão capturado por rebeldes sírios na capital Damasco. Os sequestros levantaram temores no Líbano de que o confronto armado na Síria ultrapasse as fronteiras do país. Tópicos relacionados
Ataque mata ao menos 16 no norte do Iraque
Pelo menos 16 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas em um ataque a bomba na cidade de Kirkuk, no norte do Iraque.
A polícia afirma que o artefato explodiu perto de um grupo de pessoas que faziam fila para entrar em um banco. Ainda não foi confirmado se o atentado foi ou não realizado por um militante suicida. Correspondentes da BBC no Iraque afirmam que Kirkuk, um importante centro de produção de petróleo, tem sido palco de uma intensa disputa étnica desde a queda do regime de Saddam Hussein. A cidade abriga comunidades de curdos, árabes e turcomenos, todos ávidos para assumir o comando local. Ainda nesta terça-feira, um ataque suicida a bomba matou pelo menos cinco pessoas na cidade de Baquba, a noroeste de Bagdá.
Queda de helicóptero mata cinco soldados no Afeganistão
Um helicóptero militar americano caiu no Afeganistão matando cinco soldados.
Segundo uma declaração oficial do Comando Central dos Estados Unidos no Afeganistão, outros sete ficaram feridos na queda que ocorreu perto da base aérea de Bagram. Ainda de acordo com a declaração ''a causa da queda ainda é desconhecida e uma investigação militar está em andamento''. Helicópteros saindo da base de Bagram estão sendo usados como parte da ofensiva americana contra suspeitos de serem integrantes da Al-Qaeda e do Talebã em partes remotas do Afeganistão. Operação A chamada Operação Resolução da Montanha tem como objetivo destruir bases usadas por militantes ligados à Al-Qaeda e outros grupos nas regiões do Nuristão e Kunar. A declaração do Comando Central afirmou que os soldados dentro do helicóptero que caiu estavam dando apoio à esta operação. Aviões de guerra dos Estados Unidos também estão participando da operação. Mas, segundo o correspondente da BBC Frank Gardner, os militares americanos estão tendo dificuldades em localizar os integrantes da Al-Qaeda.
Por que Trump, assim como Bolsonaro, enfrenta problemas com sua Suprema Corte
"Precisamos de novos juízes na Suprema Corte."
Suprema Corte determinou que Trump não pode extinguir o programa que garante anistia temporária a pessoas trazidas aos EUA ilegalmente ainda crianças A frase pode lembrar a tônica do que têm repetido parlamentares e militantes favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro. Eles veem na atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente barrou a nomeação do escolhido por Bolsonaro ao comando da Polícia Federal e ordenou que os dados sobre a epidemia de covid-19 voltassem a ser divulgados, uma extrapolação de poderes que estariam minando ações do Executivo. Mas o autor da frase é na verdade o presidente americano, Donald Trump, que, na quinta-feira (18/06), abriu uma investida pública contra os magistrados do órgão depois que, em decisão por cinco votos a quatro, a Suprema Corte determinou que Trump não pode extinguir o programa conhecido como Daca, que garante anistia temporária para cerca de 700 mil pessoas trazidas aos Estados Unidos ilegalmente ainda crianças. Na prática, isso significa que Trump não poderá deportá-las, como pretendia. Fim do Talvez também te interesse Derrotas em série Não é a primeira decisão recente dos magistrados negativa para a agenda de Trump. Nessa mesma semana, a Suprema Corte também decidiu que funcionários homossexuais ou transgêneros não podem ser discriminados ou demitidos de suas funções por causa de sua orientação sexual e optou por não julgar, conforme queria o presidente americano, uma lei na Califórnia que impede agentes públicos de avisarem o serviço de imigração federal sobre a presença de migrantes indocumentados nos serviços públicos locais - impedindo assim deportações. Pela conduta, municípios que adotaram essa norma são conhecidos como "cidades santuários". Houve ainda pelo menos duas derrotas relevantes no ano passado. Em junho, a maioria dos juízes impediu Trump de incluir no censo populacional de 2020 uma pergunta sobre o status migratório do respondente no país - a manobra poderia levar um grande número de migrantes ilegais a não responder ao censo, por medo de deportação. O presidente americano sofreu diversas derrotas recentes na Suprema Corte Com isso, haveria uma redução artificial no tamanho das populações em regiões com grandes comunidades estrangeiras, como Califórnia e Nova York. Como essas áreas costumam ter maioria democrata e como o tamanho da população determina também o desenho dos distritos eleitorais e quantos representantes eles terão, a medida poderia prejudicar os democratas, rivais do republicano Trump. Ainda no ano passado, a Suprema Corte impediu que a Louisiana alterasse a legislação estadual e restringisse severamente o acesso ao aborto no Estado. "As recentes decisões da Suprema Corte, não apenas sobre Daca, Cidades Santuários, censo e outras, dizem apenas uma coisa: precisamos de novos juízes da Suprema Corte. Se os Democratas da Esquerda Radical assumirem o poder, sua Segunda Emenda (constitucional, que garante o direito ao porte de armas), direito à vida, fronteiras seguras e liberdade religiosa estarão acabados", afirmou Trump via Twitter, em uma postagem que foi republicada por Bolsonaro. No Brasil, o presidente também amarga uma série de derrotas a seus pleitos no STF. Recentemente, além de ordenar a retomada da divulgação dos dados de covid-19 no país e barrar a indicação do delegado Alexandre Ramagem ao comando da Polícia Federal, os ministros do Supremo também determinaram que Estados e municípios têm prerrogativa de definir medidas de confinamento em áreas sob sua jurisdição, sem interferência do governo federal, que era contrário à quarentena. Diferentemente do que acontece na Corte americana, o STF é também responsável por investigações e julgamentos de autoridades com foro privilegiado, um ponto adicional para elevar a tensão entre os poderes. Recentemente, o Supremo autorizou inquéritos para investigar a conduta de Bolsonaro em duas ocasiões: uma delas, depois que o presidente participou em manifestações populares que pediam o fim do próprio Supremo e do Congresso. Além disso, o Supremo obrigou o governo a apresentar um vídeo de reunião ministerial, convocou uma série de ministros a prestarem depoimentos, quebrou o sigilo bancário de 11 parlamentares bolsonaristas e determinou a prisão da militante Sara Winter, acusada de capitanear um ataque com fogos ao prédio da Corte brasileira no último fim de semana. Corte política? "Vocês têm a impressão de que a Suprema Corte não gosta de mim?", questionou Trump aos seus seguidores do Twitter, nesta quinta, enquanto acusava o órgão, responsável por interpretações sobre constitucionalidade das regras aplicadas na sociedade, de tomar medidas menos focadas na letra da lei e mais no impacto político. Durante seu mandato, Trump indicou dois juízes para a Suprema Corte. Ele escolheu os conservadores Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh, que foram aprovados em sabatina no Senado, como acontece no Brasil. Com as indicações de Trump, a Corte, composta por nove julgadores, teria maioria de orientação conservadora (cinco juízes), contra quatro de tendência liberal, mais alinhados aos democratas. Dada a maioria apertada, com frequência cabe a John Roberts, Chefe da Justiça Americana (algo como o presidente do Supremo Tribunal Federal, mas sem prazo para terminar o mandato), dar o voto de Minerva nas disputas. Roberts foi nomeado para o posto por George W. Bush, em 2005, e havia uma expectativa de que ele sempre se alinhasse aos republicanos nas votações. Mas isso não tem acontecido. "Pessoas de todos os segmentos do espectro político costumam se esquecer: nenhum presidente conseguiu determinar consistentemente os resultados da Suprema Corte. E isso porque a lei - e as pessoas - não funcionam dessa maneira", observou em sua rede social o famoso advogado americano George Conway, cotado para ser assistente do Advogado-Geral de Trump, em 2018 ele passou a ser um crítico do atual presidente. Essa semana, coube ao Chefe de Justiça Roberts impor as derrotas a Trump. "Há quem diga que Roberts apenas analisa a lei conforme cada caso, que é o que se espera de um juiz constitucional. E há quem veja nele uma tentativa de preservar um equilíbrio dos resultados, uma intenção de manter a credibilidade e independência do Judiciário. Para mim, é uma mistura dos dois", afirmou à BBC News Brasil David Livingston, analista político da consultoria Eurasia Group. Uma jogada política Trump disputará as eleições em um ano marcado por diversos desgastes de seu governo O comportamento da Corte foi visto por Trump como uma oportunidade. A menos de cinco meses da tentativa de reeleição para a Casa Branca e em um momento de fragilidade pelo acumulado de tensões sobre sua gestão da pandemia, da recessão econômica e dos protestos contra o racismo que tomaram as ruas de mais de 140 cidades americanas, Trump não só criticou as decisões, como optou por dar conotação político-eleitoral às críticas. "Essas decisões horríveis e politicamente orientadas que saem da Suprema Corte são tiros de espingarda no rosto de pessoas que tem orgulho de se chamar republicano ou conservador. Precisamos de mais juízes ou perderemos nosso (direito) à Segunda Emenda (porte de armas) e tudo mais. Vote Trump 2020!", escreveu Trump, nessa quinta 18. A previsão é de que o próximo presidente americano possa nomear ao menos um novo membro da Suprema Corte. Não é certo quem, na configuração atual, seria substituído, já que não há aposentadoria compulsória por idade no órgão americano, mas os dois membros mais idosos na corte são do bloco liberal: Ruth Ginsburg, de 87 anos e Stephen Breyer, de 81. Se Trump ganhar a eleição e tiver a chance de apontar o substituto de um dos dois, ele formará uma maioria mais confortável para os conservadores. "O que Trump está tentando fazer é capitalizar politicamente resultados ruins na Corte. Ele quer animar sua base a ir votar por ele em novembro, convencendo-os de que isso vai garantir maioria conservadora na Suprema Corte", afirma Livingston, que mencionou a relativamente baixa popularidade de Trump, em 39% de acordo com o Instituto Gallup, e os golpes provocados pelo livro de bastidores da Casa Branca de seu ex-assessor John Bolton, a ser lançado na próxima semana, como motivos para a adoção dessa estratégia. Nas próximas semanas, a Suprema Corte americana decidirá um caso que afeta diretamente os interesses de Trump. Intimado a apresentar informações bancárias e fiscais à Justiça, ele argumenta que o presidente americano tem direito a manter esses registros em segredo e não está submetido ao escrutínio das autoridades como cidadãos americanos comuns. Se há ressonância entre a contraposição feita pelo presidente americano ao Judiciário com o cenário de disputa de poder brasileiro, Livingston, no entanto, nota diferenças claras entre o comportamento de Trump e o de Bolsonaro. Embora faça críticas pontuais a membros liberais da Corte, Trump e seus apoiadores jamais pediram impeachment dos juízes, fechamento do Supremo ou qualquer medida mais drástica para reformar o órgão. Bolsonaro também tem feito críticas abertas ao STF, instância máxima da Justiça no país Já no Brasil, o então ministro da Educação Abraham Weintraub chegou a dizer em reunião ministerial, sem ser repreendido por Bolsonaro, que "eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF". Weintraub deixou o posto nesta quinta, depois de, no fim de semana, ter ido ao acampamento de manifestante contra o STF para endossar o que já dissera. O próprio presidente, em resposta à decisão do ministro Luiz Fux, que descartava a possibilidade de que as Forças Armadas fossem usadas como poder moderador entre as três forças democráticas, afirmou há uma semana, que as Forças Armadas "não cumprem ordens absurdas" e não aceitam tentativas de tomada de poder decorrentes de "julgamentos políticos". A nota foi assinada também pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Por isso, Linvigston argumenta que, enquanto nos Estados Unidos, o antagonismo entre Trump e Suprema Corte decorre mais de oportunismo político, no Brasil ele assume tons de crise institucional. "Não existe uma confrontação direta entre a Suprema Corte e Trump como existe entre Bolsonaro e o STF. Não é uma guerra aberta de Trump, é uma posição pontual, uma aposta política, que pode mudar conforme novas decisões forem tomadas pela Corte", avalia Livingston. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Farc libertam dois pilotos mantidos reféns por 19 dias
As Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) libertaram neste domingo dois reféns que estavam em poder do grupo rebelde colombiano havia 19 dias.
Os reféns, Juan Carlos Álvarez e Alejandro de Jesús Ocampo, são pilotos civis e foram capturados quando seu helicóptero fez um pouso de emergência na província de Cauca. Eles foram entregues a uma delegação da Cruz Vermelha em uma parte remota da selva colombiana. Em fevereiro, as Farc anunciaram que não iriam mais praticar sequestros. No entanto, vítimas do grupo dizem que os sequestros continuaram.
Dilma diz que vai propor em carta pública plebiscito sobre novas eleições
A presidente afastada, Dilma Rousseff, disse à BBC Brasil que é preciso "lutar" pela realização de um plebiscito que consulte a população sobre a necessidade de uma eleição presidencial antecipada.
Dilma: 'Quero ser lembrada como a mulher que derrotou o golpe' De dentro do Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência da República, ela elabora sua cartada final para tentar voltar ao Palácio do Planalto, sede do governo, a cerca de 5km dali - o feito hoje parece bastante difícil de ser alcançado. Em entrevista exclusiva concedida na sexta-feira, com participação também da BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC), ela contou que divulgará nesta semana os detalhes de sua proposta, em carta direcionada ao povo brasileiro e ao Senado. Para tentar convencer ao menos 27 dos 81 senadores a votar contra sua cassação definitiva, Dilma vai se comprometer a apoiar a convocação de um plebiscito após seu eventual retorno ao comando do país. "Estou defendendo um plebiscito porque quem pode falar o que eu devo fazer não é nem o Congresso, nem uma pesquisa, ou qualquer coisa. Quem pode falar é o conjunto da população brasileira que me deu 54 milhões e meio de votos", afirmou Dilma. Fim do Talvez também te interesse Presidente afastada quer convencer senadores a votar contra cassação com proposta de plebiscito Além disso, também pretende comparecer pessoalmente para fazer sua defesa quando o caso for julgado pelo plenário do Senado, entre final de agosto e início de setembro. "Eu quero muito ir. Depende das condições. Como o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, presidirá (o julgamento), acredito que haverá condições", afirmou. Sua esperança é que a proposta de plebiscito sensibilize alguns senadores. Cristovam Buarque (PPS-DF), por exemplo, votou pelo afastamento da presidente, mas ainda não decidiu sua posição no julgamento. Ele tem defendido que a melhor saída para a crise seria a eleição antecipada. É a opinião também da maioria da população brasileira, segundo pesquisas recentes. Para que a petista seja condenada, é preciso que 54 dos 81 senadores votem contra ela. O governo do presidente interino Michel Temer calcula ter cerca de 60 votos pela cassação de Dilma. No Palácio do Alvorada, Dilma elabora sua cartada final para tentar voltar ao Planalto Dificuldade A realização de um plebiscito depende de aprovação do Congresso - mesmo que Dilma consiga retornar à Presidência, não poderia convocar a consulta com uma mera canetada. Hoje parece muito difícil aprovar a proposta, já que a maioria dos parlamentares apoia Temer. A presidente afastada reconheceu a dificuldade à BBC Brasil, mas ressaltou que é necessário apenas o apoio da maioria simples dos congressistas (metade dos presentes na sessão) para convocar um plebiscito. No entanto, como antecipar a eleição exige uma mudança na Constituição, muitos juristas e parlamentares consideram que proposta só poderia caminhar com apoio de três quintos dos deputados e senadores (quantidade mínima de votos exigida para aprovar uma emenda constitucional). Dilma reconhece a dificuldade de aprovar um plebiscito sobre novas eleições, mas diz que é preciso "lutar" "Acredito que nós temos que lutar para viabilizar o plebiscito. Pode ser difícil passar (no Congresso), a eleição direta foi também. Nós perdemos quando nós defendemos as Diretas Já (campanha pelo voto direto em 1984) e tinha milhões de pessoas nas ruas. Perdemos num momento e ganhamos no outro", afirmou. Questionada sobre se a antecipação da eleição poderia criar mais instabilidade política, Dilma respondeu: "Essa argumentação foi a última que a ditadura militar fazia. 'Sabe por que a gente não pode fazer eleição? Primeiro, porque causa instabilidade política; segundo, o povo não é capaz de votar e escolher devidamente; terceiro, nem sempre a maioria é lúcida'. Essas três razões nos deram 20 anos de ditadura". 'Gesto tresloucado' Um outro caminho para antecipar as eleições seria a renúncia simultânea de Dilma e Temer. Questionada pela BBC Brasil se cogitaria propor um acordo nesse sentido, a petista disse que "seria muita ingenuidade da nossa parte (acreditar) que ele teria grandeza de renunciar". O peemedebista de fato tem rechaçado a ideia. Ela tampouco aceita essa hipótese. A presidente afastada voltou a dizer que o processo de impeachment é um "golpe" porque não haveria crime de responsabilidade que justifique sua cassação. Já os que a acusam dizem que ela cometeu ilegalidades na gestão das contas públicas. Dilma diz que seria "muita ingenuidade" acreditar que Temer renunciaria "Quando você tem um julgamento de um presidente sem crime de responsabilidade, nada mais oportuno do que esse presidente gentilmente sair da pauta. Não renuncio. Eu volto para o governo e faço um plebiscito. É essa a proposta. Não tem hipótese de eu fazer esse gesto tresloucado: renunciar", afirmou. "Eu acho que eu vou ser conhecida também como a primeira (presidente) mulher que, apesar de tudo, não deu um tiro no peito, e também não renunciei", reforçou, afastando a sombra de Getúlio Vargas, presidente que se matou em 1954 com um tiro no peito, após forte pressão para que deixasse o governo. Nova rotina Afastada do comando do país, Dilma tem se dividido entre compromissos no Alvorada, visitas à família em Porto Alegre e viagens pelo país custeadas por uma "vaquinha" que já arrecadou quase R$ 800 mil na internet. Sua agenda inclui encontros com movimentos sociais, parlamentares e muitas entrevistas - no dia anterior, quinta-feira, havia recebido a imprensa japonesa. Na conversa com a BBC Brasil, na ampla biblioteca do Alvorada, disse que pouca coisa mudou na sua vida pessoal - o tempo livre segue raro, segundo ela, e se divide entre musculação, bicicleta, livros e filmes. A principal novidade na agenda de compromissos, contou, é o aumento do contato mais direto com as pessoas. Dilma tem se dividido entre compromissos no Alvorada, visitas à família e viagens pelo país "Hoje a atividade é diferente, eu não tenho atividade de gestão, mas eu tenho atividade de conversa, persuasão, discussão, avaliação, e de receber pessoas. Essa atividade exige uma presença minha extremamente direta e pessoal. Não tem eu ser representada, que na atividade presidencial tem. Tem um contato direto com as pessoas que tem sido muito bom", notou. Uma das companhias constantes no Alvorada tem sido a da equipe da cineasta Anna Muylaert, que grava um documentário sobre o afastamento de Dilma - eles acompanharam a entrevista à BBC Brasil. Outra visita frequente é a do seu advogado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Na última sexta-feira, uma bicicleta verde em estilo retrô, que Dilma emprestou para ele se locomover de um hotel próximo, onde está morando, até o palácio, estava estacionada na garagem do Alvorada ao lado de outras duas da presidente, com um capacete pendurado na cestinha. Apesar de a rotina seguir "intensa", na sexta-feira, a agenda estava mais tranquila - após conceder entrevista por uma hora à BBC Brasil, Dilma ficou mais 30 minutos conversando com a equipe de reportagem. Contou que aprendeu a dançar tango com colegas de prisão durante a ditadura militar, mas que hoje gosta mais de ouvir Bach. Disse também que aprecia uma taça de vinho, pois os efeitos da quimioterapia que fez para tratar um câncer já não lhe permitem beber muito mais que isso. E disse não ver "oposição" entre vida política e privada. "Elas se inter-relacionam. O que é a vida política pra'ocê? É a vida em que você se coloca perante os outros, em que você não está olhando só o seu interesse." Autocrítica Sobre as denúncias de corrupção envolvendo o seu partido, a presidente afastada disse que o PT havia sido "contaminado pela política tradicional" e precisava "fazer uma autocrítica". No entanto, ao ser questionada sobre ela própria poder se eximir de responsabilidades pelo fato de o esquema de corrupção ter ocorrido enquanto exercia a Presidência, repetiu a resposta que havia dado em entrevista à BBC em maio, dias antes de ser afastada - fez novamente um paralelo entre o esquema de corrupção da Petrobras e a crise financeira que estourou em 2008 nos Estados Unidos. "O maior processo de corrupção recente no mundo foi o estouro da bolha financeira. Nada envolveu mais dinheiro, mais malfeito e processos irregulares de controle. (...) Não é algo trivial descobrir a corrupção. (...) A característica principal da corrupção é agir às escuras, escondendo suas práticas corruptas, é esconder e criar toda uma cumplicidade e não deixar traços." Presidente afastada diz que ela e Lula fortaleceram instituições de combate à corrupção A presidente afastada voltou a dizer que ela e seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, investiram e fortaleceram as instituições de combate à corrupção. Afirmou também que não se pode "demonizar o PT". "Este é um processo necessário ao Brasil. Uma sociedade tem de se fortalecer para combater a corrupção. O que não é correto é transformar uma luta contra a corrupção numa luta político-ideológica, como se o que ocorre no Brasil seja integral responsabilidade do Partido dos Trabalhadores". No momento em que os olhos do mundo se voltam para a Olimpíada do Rio de Janeiro, Dilma disse que sua ausência na abertura do evento não é um "mau sinal" para a comunidade internacional. "Eu acredito que os chefes de Estado, de governo, as delegações (são) pessoas sensíveis e inteligentes que vão entender claramente que eu participar da Olimpíada, tendo como a pessoa que preside a Olimpíada o vice-presidente que deu um golpe no meu governo, eu ficar disputando quem é que é a autoridade dentro do Maracanã é que daria um mau sinal", disse. "E um mau sinal para mim também. Tenho clareza de que meu lugar era na tribuna de honra, não só por ser presidenta, porque nisso quem trabalhou fui eu. Então, por direito e também por trabalho, era lá que eu tinha de estar", acrescentou.
Mercado reduz previsão de crescimento do PIB e eleva a de inflação em 2012
O mercado rebaixou pela sétima semana seguida a estimativa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e agora prevê alta de 1,57% neste ano, contra 1,62% na semana passada. Para 2013, a projeção permanece em 4%.
Os dados constam do boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC) nesta segunda-feira. A previsão do mercado difere da do BC, que projeta um crescimento de 2,5% em 2012, enquanto o governo reviu para baixo sua estimativa de crescimento de 3% para 2% na semana passada. Na contramão da queda prevista para o PIB, a projeção para a inflação oficial (medida pelo IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo) subiu pela décima semana consecutiva, passando de 5,24%, na semana passada, para 5,26% nesta semana. Para 2013, a previsão é de que o IPCA termine o ano a 5,54%, contra 5,50% na semana passada. Já a estimativa para a taxa básica de juros, a Selic, foi mantida em 7,25% neste ano. Para 2013, a projeção não foi alterada, ficando em 8,25% nesta semana. As estimativas para o dólar em 2012 e 2013 permaneceram inalteradas em R$ 2 para este ano e para 2013. Tópicos relacionados
Como será a próxima ida do homem à Lua planejada pela Nasa
Um veículo de 12 rodas levanta uma nuvem de poeira cinza e deixa marcas no solo ao atravessar um terreno assimétrico. O "caminhão espacial" tem uma cabine pressurizada, permitindo que os dois astronautas dentro dele respirem sem os trajes espaciais.
A próxima geração de naves será mais parecida com as dos anos 1960 do que com os ônibus espaciais Eles estão cansados depois de passarem um dia todo investigando depósitos de gelo a alguns quilômetros de sua base. Essa é a lua em 2050. Conforme o veículo passa ao redor de uma enorme cratera, os astronautas veem o brilho de espelhos montados em sua borda. Os espelhos direcionam a luz do sol para a cratera, dando energia para uma operação de mineração para extrair água/gelo do fundo. À esquerda, o caminhão passa por uma área de pouso, onde um veículo de subida aguarda para entrar em órbita. O veículo para perto dos domos de uma base, localizada no polo sul da Lua. Os astronautas entram em sua habitação através de uma escotilha pressurizada e removem seus trajes empoeirados. Lá dentro, uma estufa abriga uma horta de batata e couve que emite um brilho difuso sob luzes LED. Os astronautas sobem uma escada para o primeiro andar, onde o comandante da base os espera para ouvir o relatório da missão. Fim do Talvez também te interesse Cenários como esse são fantasias, por enquanto. Mas esse é um dos jeitos possíveis para os humanos viverem e trabalharem na Lua. Se o objetivo é estabelecer uma base de longo prazo, teremos que aproveitar o que for possível dos recursos lunares para atender nossas necessidades. Em seu laboratório na Universidade Open, em Milton Keynes, no Reino Unido, a estudante de doutorado Hannah Sargeant está trabalhando para fazer exatamente isso, usando um mineral chamado ilmenita, que é abundante na Lua. Dentro de um forno, a ilmenita é aquecida para extrair oxigênio, que então é combinado com hidrogênio para produzir água. "Há mais de 20 maneiras de obter água de rochas na lua. A ilmenita é interessante porque é muito comum lá e a reação que você precisa consome relativamente pouca energia", explica. Ela diz que está empolgada com a perspectiva da humanidade voltar à superfície da lua pela primeira vez desde 1972. "Sinto que minha geração definitivamente vai conseguir fazer isso. Estou confiante que isso vai acontecer até o fim da minha vida, que teremos pelo menos uma habitação permanente em órbita ao redor da Lua, com subidas e descidas frequentes para a superfície." Em 2017, o presidente americano Donald Trump aprovou uma diretriz para levar astronautas americanos de volta à Lua e para "outros destinos". A Nasa disse que o objetivo é fazê-lo até 2028. Mas recentemente o governo pediu que a agência espacial americana reduza o prazo para 2024, citando ambições espaciais da China. Não passou despercebido, no entanto, que a data vai coincidir com o fim do segundo mandato de Trump, se ele for reeleito. A última vez que o homem esteve na Lua foi em 1972, com a missão Apollo 17 Desta vez, a Nasa quer fazer as coisas de maneira diferente. A Lua é parte de uma ambição mais ampla de explorar o espaço, incluindo Marte. Então parte do plano é estabelecer uma 'parada' no nosso satélite natural. "Não vamos voltar à Lua para deixar bandeiras e pegadas e então não voltar por outros 50 anos", disse o administrador da Nasa Jim Bridenstine no início do ano. "Vamos de maneira sustentável - para ficar - com aterrissadores e robôs e rovers e humanos." Mas será que a Nasa vai conseguir fazer uma missão de retorno com esse prazo, considerando que equipamentos essenciais ainda não foram nem construídos nem testados? "Vai ser arriscado", diz John Logsdon, professor de ciência política da Universidade George Washington, na capital americana. "Mas se não estamos dispostos a aceitar algum nível de risco, deveríamos ficar por aqui. A questão é equilibrar o risco com atividade." Os riscos de ir para a Lua Missões lunares anteriores tiveram os nomes inspirados no deus grego Apollo. A próxima será nomeada Artemis, irmã gêmea de Apollo, e já existem especulações sobre a identidade da primeira mulher a pisar na lua. A Nasa tem hoje 38 astronautas em atividade; 12 deles são mulheres. Entre elas há Kate Rubins, microbióloga que estudou algumas das doenças mais mortais da Terra; Jeanette Epps, ex-agente da CIA; a médica Serena Aunon-Chancellor e a engenheira elétrica Christina Koch. Recentemente Jim Bridenstine disse ao canal de televisão americano CNN que a candidata será alguém experiente, que já esteve na Estação Espacial Internacional. Edwin 'Buzz' Aldrin foi fotografado por Neil Armstrong na superfície lunar Stephanie Wilson tem a maior experiência, tendo estado em três missões. Tracy Caldwell Dyson e Sunita Williams têm dois voos no currículo cada. "Hoje exigimos mais de um astronauta do que em qualquer outro momento na história", diz Michael Barratt, astronauta da Nasa e professor honorário da Faculdade de Medicina de Exeter, no Reino Unido. "O astronauta hoje voa em uma nave multinacional por seis meses, e precisar ser muito, muito treinado para caminhar no espaço, conduzir operação de braços robóticos, navegar todos os tipos de sistema, precisa falar inglês e russo e lidar com isolamento e confinamento por seis meses seguidos." Mas que desafios adicionais eles vão encontrar além da órbita da Terra? Hoje já temos um bom entendimento das mudanças que ocorrem no corpo humano no espaço. "Eu gosto de dizer que nós literalmente nos tornamos extraterrestres", diz Barratt, que também é médico. "Sua anatomia muda, sua psicologia muda, sua bioquímica muda. E nós ainda funcionamos direito, é realmente muito impressionante." Astronautas vão enfrentar perigos trabalhando na superfície lunar. "Apesar da gravidade na Lua ser um sexto da gravidade da Terra, você estará usando um traje muito pesado, carregando ferramentas e apetrechos e escavando, escalando e explorando", diz Barratt. Há grande especulação sobre quem, entre as doze astronautas da Nasa, estará na próxima missão Além disso há a questão da poeira lunar. Os astronautas das missões Apollo tiveram episódios de tosse e problemas respiratórios quando a poeira entrou em sua espaçonave. Será necessário encontrar uma solução para esse problema. A radiação é um dos maiores desafios. Fora do campo magnético da Terra, os astronautas estão expostos a doses de radiação cerca de três vezes maiores do que as que eles recebem por dia na órbita da Terra. Isso contribui para um risco maior de problemas de saúde de longo prazo, como câncer e doenças cardiovasculares. A radiação vem de diversas fontes. Raios cósmicos galácticos têm muita energia, mas há poucos deles. Os cinturões de Van Allen ao redor da Terra contêm partículas subatômicas, mas a exposição a eles é temporária - foi no máximo 5 minutos nas missões anteriores. No entanto, para uma base permanente na lua, será preciso encontrar maneiras melhores de se proteger de tempestades solares - quando o Sol libera para o espaço partículas carregadas (prótons, em sua maioria). A nave de última geração da Nasa, Orion, usa materiais na própria estrutura para proteger os ocupantes da radiação. A mais moderna nave espacial O cerne do plano americano para voltar à Lua é o módulo de tripulação da Orion. Seu formato cônico lembra os módulos de comando da Apollo, bem diferentes do estilo dos ônibus espaciais que vieram depois. Para muitas pessoas, a Orion evoca a "era de ouro" da exploração espacial, quando tudo parecia possível. Mas a nave de 10 toneladas usa uma tecnologia que era inimaginável nos anos 1960, e até os métodos de construção dela são inovadores. Na empresa Lockheed Martin, que está construindo a Orion para a Nasa, engenheiros trabalham equipados com headsets de realidade aumentada. Usando instruções e modelos que se sobrepõem ao mundo real, técnicos conseguem determinar facilmente onde fazer uma perfuração, ou marcar a localização de um ajustador de cabos. A realidade aumentada também evita que eles precisem parar para olhar manuais o tempo todo, permitindo que eles trabalhem com maior eficiência. Os quatro computadores de voo da Orion podem fazer praticamente tudo na nave sem intervenção humana "Uma pessoa na Orion disse que iria adiar a sua aposentadoria para poder experimentar o equipamento", diz Shelley Peterson, gerente de novas tecnologias na Lockheed. Comparada à Apollo, a Orion é muito mais densa em termos de suas capacidades por metro cúbico, diz Rob Chambers, gerente sênior de sistemas de engenharia na empresa. A Orion era originalmente parte do plano do presidente George W. Bush para voltar à Lua, anunciado em 2004. Quando o projeto foi cancelado em 2010 pelo governo de Barack Obama, a nave foi o único elemento a sobreviver. Os quatro computadores de voo da Orion podem fazer praticamente tudo na nave sem intervenção humana, tornando a nave autossuficiente. Os computadores são de um tipo inicialmente construído para o avião comercial Boeing 787. Mas eles foram reforçados para os rigores da viagem espacial, onde forças gravitacionais, vibração e radiação podem danificar equipamentos delicados. "É por isso que temos quatro conjuntos de computadores de voo, para lidar com o ambiente espacial", diz Chambers. Os computadores não são os mais recentes disponíveis. Com viagens espaciais, equipamento já usados e testados são preferíveis em relação a algo que é mais inovador, mas menos compreendido. Funcionários que estão construíndo o foguete usam headsets de realidade aumentada como o usado por Shelley Peterson na foto Se uma falha causasse despressurização na Orion, a nave seria capaz de voltar sozinha para casa. Os astronautas teriam trajes pressurizados para mantê-los vivos no vácuo. Quando a Orion voltar para a Terra, o maior escudo protetor contra calor já construído vai proteger a tripulação de temperaturas de até 2,760° C durante a reentrada na atmosfera. Ao pousar na Terra, a Orion vai usar 11 paraquedas diferentes - feitos em maioria de um híbrido de nylon e kevlar - para reduzir a velocidade do veículo para 27 km/h exigidos para pousar em segurança no Oceano Pacífico. Um navio de transporte anfíbio estará esperando por perto para resgatar os astronautas. O veículo então vai guinchar a Orion para um espaço de armazenamento e levá-la de volta para casa. Outra parte importante do plano de retorno à Lua é o foguete que vai carregar a Orion para o espaço. Chamado de Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), o foguete é mais alto que um prédio de 30 andares e será capaz de lançar pesos de até 130 toneladas "É um foguete realmente imenso. De cair o queixo", diz John Shannon, vice-presidente e gerente de projeto do SLS na Boeing, que esta construindo o foguete para Nasa. Custou cerca de US$ 12,5 bilhões, e um relatório de supervisão do governo publicado em junho detalhou um estouro no orçamento de US$ 1,8 bilhões. O voo de estreia deve acontecer depois de junho de 2020. Mas nem todo mundo acha que esse é o melhor caminho. Há quem defenda o lançamento do Orion com uso de foguetes comerciais, como os que estão sendo desenvolvidos pelos bilionários Elon Musk e Jeff Bezos. Robert Zubrin, da empresa americana Pioneer Astronautics, criou plano chamado 'Moon Direct', que usaria foguetes comerciais menos poderosos para lançar uma nave versátil à lua. O plano inicial era ir à Lua até 2028, mas o prazo foi adiantado para 2024 Zubrin acredita que, com dois lançamentos por anos a um custo de US$ 1 bilhão, o SLS poderia ser usado para algo melhor, como para chegar a Marte. John Shannon diz que seu time "sabe o que está fazendo, o quão especial e difícil é (a missão)". "Uma vez que o SLS esteja sendo usado, não vai haver necessidade para outro veículo com a mesma capacidade por muitos anos", diz. Um posto no meio do caminho A Nasa também quer construir uma estação espacial na órbita lunar, onde os astronautas possam fazer uma parada antes de ir para a superfície, chamado de Gateway (portal, em inglês). "O objetivo do Gateway é realmente ser um entreposto para chegar à superfície da Lua e depois a Marte", diz Pete McGrath, diretor de vendas globais e marketing da divisão de exploração espacial da Boeing. John Shannon é o principal arquiteto da Gateway. Trabalhando na Nasa em 2011, ele foi escalado para visualizar os próximos passos da exploração espacial. "Eu olhei cada um dos designs de missão que a Nasa produziu nos últimos 20 anos. Era uma pilha de 1,2 metro", diz ele. Como seria a estação espacial Gateway Mas afinal por que a Nasa está construindo uma estação especial no meio do caminho sendo que os astronautas que foram à Lua há 50 anos o fizeram tranquilamente sem uma? "Um entreposto te dá um lugar para a tripulação se preparar antes de descer à superfície. Te dá a oportunidade de controlar veículos remotos na superfície", diz Shannon. "Também funcionaria como um abrigo em caso de algo dar errado durante a missão." As missões Apollo levaram todos os equipamentos necessários para completar a missão até a Lua. A Nasa os colocou em um caminho ao redor da Lua chamado trajetória de livre retorno, que os levaria de volta à Terra em segurança sem propulsão, mas isso limitou as missões a pousos em uma faixa estreita ao redor do equador. A Gateway vai estar mais alta, em um órbita oval ao redor da Lua chamada NRHO (sigla para órbita helicoidal quase retilínea, em inglês), que dará à Nasa a possibilidade de pousar onde quiser. A estação não vai estar pronta para a missão em 2024. Mas a Orion poderia fazer uma parada em uma versão mais básica, formada por um módulo de energia e propulsão e um pequeno módulo de habitação para a tripulação. A Gateway seria um entreposto para os astronautas – e facilitaria uma ida a Marte no futuro Com o tempo, diz John Shannon, a Gateway poderia ser um "lugar onde você agrega toda a logística necessária para um veículo de transporte para Marte". "Se tudo o que você quer é pousar no polo sul da Lua, não tenho certeza que a Gateway seria necessária", diz John Logsdon, da Universidade George Washington. "Mas o plano é um pouso em 2024 e um programa sustentável para 2028 – primeiro para a Lua e depois para Marte. E se você vai implementar esse programa, então a Gateway é um elemento importante." Com os pés na Lua Há quem defenda que foi o evento do século. Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong e Edwin "Buzz" Aldrin estavam se aproximando da Lua no módulo lunar (LM) em alta velocidade quando o LM começou a sair fora de curso, a 6 km do local de pouso planejado. Nos 610 metros finais da descida automática, Armstrong olhou pelos visores e viu que a LM estava se dirigindo para uma grande cratera cercada por rochas do tamanho de carros. Pousar ali seria catastrófico. Quando a LM estava a 152 metros do chão, Armstrong assumiu o controle manual da nave e a pilotou para além da cratera, pousando com segurança em uma área plana. A caminhada de Neil Armstrong foi uma grande vitória americana na corrida espacial Pousos futuros precisarão ser mais seguros e precisos. "Você vai precisa de sistemas de pouso autônomos muito mais capazes", diz Ken Gabriel, diretor do laboratório Draper, ligado ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Boston. "Isso significa que a habilidade de fazer coisas como navegação de terreno, quando o jeito de saber onde você está na Lua é olhar para a superfície em tempo real, processar e o que você está vendo através dos sistema de câmera dos aterrisadores." "Você precisa não apenas reconhecer onde está, mas calcular onde estará e quais os obstáculos que precisa evitar no caminho. Todas as coisas que Neil Armstrong fez com seus olhos e seu cérebro e suas mãos quando estava pousando na Lua, você vai precisa que os sistemas de câmera dos aterrisadores sejam capazes de fazer." Quando os astronautas pousarem no polo sul da Lua, estarão usando trajes espaciais como o protótipo Z-2, que é projetado para dar ao usuário uma maior mobilidade que trajes anteriores, permitindo que os exploradores subam e desçam montanhas e se agachem para pegar rochas. Buzz Aldrin descendo do módulo lunar; os trajes da época davam pouca mobilidade aos astronautas A decolagem da Lua também será um desafio. "Quando você está decolando da Terra, está saindo de um local fixo e conhecido", explica Seamus Tuohy, do laboratório Draper. Na Lua, diz ele, tudo depende de onde você pousou e de como o veículo está posicionado. O aterrisador que será usado em 2024 ainda não foi construído, e é o melhor exemplo de como há uma certa ansiedade na Nasa sobre o adiantamento da missão. Mercado espAcial E a questão não é apenas pousar na Lua – já há quem se prepare para todo um mercado lunar. A empresa Astrobotic é uma das muitas que quer transportar itens para a superfície lunar. Por um preço, começando em $ 450 para itens pequenos e aumentando para $ 1,2 milhões para itens mais pesados, como robôs, a Astrobotic vai levar pacotes particulares até a lua, usando um aterrisador robótico. O novo módulo lunar Na fila de consumidores interessados em comprar o serviço, há quem queira mandar cápsulas do tempo, instrumentos científicos, uma rocha do monte Everest e uma lembrança do Kennywood, um parque de diversões americano. Ao prover serviços de entrega para consumidores privados e para a Nasa, empresas como a Astrobotic podem dar o primeiro passo para a construção de um mercado lunar sustentável. "Podemos ter fornecedores no Espaço produzindo combustível de foguete, serviços e outros materiais. O investimento da Nasa ou da Agência EspAcial Europeia não precisa cobrir o custo de toda a infraestrutura", diz Philip Metzger, cientista planetário da Universidade da Flórida Central, em Orlando. O turismo é provavelmente outra fonte de recursos. Em 2018, a empresa SpaceX, de Elon Musk, lançou os primeiros planos para levar passageiros privados para um voo ao redor da Lua em 2023. A data provavelmente não será essa, mas um bilionário japonês já pagou uma quantia não revelada para ir até lá no Big Falcon Rocket (Foguete Grande Falcão). Em um futuro mais distante, turistas poderão pousar na superfície lunar e ficar hospedados por lá em módulos habitacionais. A empresa de serviços financeiros UBS estima que o turismo espacial será um mercado de $ 3 bilhões em 2030. Mas a base da economia lunar provavelmente será a mineração de água de depósitos de gelo para a produção de combustível para foguete. Esses depósitos estão concentrados nos polos norte e sul da Lua, onde o interior de algumas crateras nunca vê a luz do sol. Reabastecer os meios de transporte na Lua poderia diminuir o custo da viagem espacial e tornar um entreposto na lua mais acessível. Relatórios de 2018 sugerem que combustível de foguete pode ser produzido a um custo de $ 500 por quilo na superfície da Lua. É um valor 20 vezes mais barato do que transportar o combustível da Terra, o que custa cerca de $ 10 mil por kg. No entanto, o professor da Universidade Estadual da Carolina do Norte, Paul K Byrne, afirma que a economia lunar vai demorar para se desenvolver. "Dá para ver para onde queremos ir. Mas vai demorar décadas para que isso seja remotamente viável de maneira comercial", diz ele. "Até lá, vai ser algo que os governos vão ter que financiar." A Astrobotic é uma das empresas que faz projetos de equipamentos espaciais, como o dessa ilustração Vivendo na lua A plano da missão Artemis vai culminar com o uso, em 2028, de uma base chamada Lunar Surface Asset (instalação da superfície lunar, em inglês). Nos estágios iniciais de montagem da base na Lua, módulos infláveis feitos de múltiplas camadas de tecido podem ser a melhor opção. Elas podem ser desinfladas, ocupando menos espaço na nave do que módulos rígidos, e fornecem mais espaço quando expandidas. A Agência Espacial Europeia e os arquitetos da Foster + Partners criaram um design híbrido, com um módulo habitável inflável de dois andares e um módulo rígido funcionando como entrada. Chamado SLS, o foguete das próximas missões será extremamente potente Para proteger esses ambientes contra queda de meteoritos e radiação, robôs poderiam imprimir em 3D proteções externas que fiquem sobre os módulos habitáveis. O solo lunar, ou regolito, poderia ser usado como material de construção. "É um modo de construção fácil, e pode ser feito rapidamente", diz Philip Metzger. A longo prazo, bases poderiam ser subterrâneas, dentro de túneis naturais na rocha chamados tubos de lava. Isso daria uma proteção natural contra a radiação. Um protótipo de estufa lunar já está sendo desenvolvido pela Universidade do Arizona. Verduras e legumes como alface, tomate e batata doce são cultivados sob luzes LED. É uma produção em um ambiente mais ou menos fechado, onde a água é reciclada. E as plantas contribuem para os sistemas de suporte à vida porque transformam gás carbônico em oxigênio. Para ajudar os astronautas a explorar o terreno, a Nasa projetou um protótipo de "caminhão" de 12 rodas chamado SEV (Veículo de Exploração Espacial, em inglês). Antes de poderem extrair água dos depósitos de gelo que existem nas crateras, é preciso avaliar o terreno. Depois que os depósitos forem identificados, robôs podem ser usados para extrair a água. Energia vai ser um problema permanente nas crateras, já que elas ficam na sombra e recebem pouca luz. Uma das formas de obtê-la é concentrando a luz do sol usando espelhos colocados na borda da cratera. "Você pega um dos espelhos e mira no seu rover", explica John Thornton, diretor da empresa Astrobotic. Cinquenta anos depois, as idas à Lua continuam sendo um símbolo poderoso A maior parte da água seria transformada em combustível para foguete usando uma corrente elétrica para separar as moléculas de água em hidrogênio e oxigêni Hannah Sargeant, da Open University, está trabalhando em uma ferramenta chamada ProSPA para a extração de água de rochas da superfície lunar. O ProSPA vai ser lançado em 2025 e um aterrissador robótico russo chamado Luna-27. Os experimentos da cientista com ilmenita são um modelo que abrem caminho para testes de extração de água na Lua com a ProSPA. Cinquenta anos depois, as idas à Lua continuam sendo um símbolo poderoso do que pode ser alcançado quando mobilizamos nossos talentos e recursos para inspirar. A rivalidade com a União Soviética deu aos EUA um motivo durante a Guerra Fria, mas não foi duradoura. Uma vez que a corrida espacial foi vencida, o projeto Apollo continuou a existir por mais seis missões antes de ser cancelado. O tempo dirá se as motivações para a exploração lunar do século 21 são mais robustas. "O melhor motivo para voltar à Lua é usá-la como um entreposto para ir além", diz Paul K Byrne, que cita Marte e asteroides como alvos válidos para exploração. Nos últimos 15 anos, os destinos planejados pela Nasa mudaram da Lua para Marte, e depois de novo para a Lua. "O caminho tem sido tortuoso, mas é voltado para fora. Para recomeçar as viagens humanas dos EUA para além da órbita da Terra", diz John Logsdon. Se Donald Trump perdeu a eleição de 2020, um governo democrata poderia cancelar o plano de voltar à Lua, mas Logsdon considera isso improvável. "Está mais difícil pensar que um novo governo iria cancelar o programa, considerando como ele ganhou impulso", diz ele. No entanto, o programa especial para a Lua vai precisar de mais dinheiro. Para 2020, o governo Trump pediu um orçamento adicional de $ 1,6 bilhões para o Congresso. Mas a Nasa precisa de um orçamento extra de $ 6 bilhões a $ 8 bilhões por ano para desenvolver o Artemis, o que precisaria ser aprovado pelo Congresso. Um retorno para a Lua tem apoio dos dois lados do espectro político, mas muitos congressistas duvidam do prazo de 2024. O governo cita as ambições lunares chinesas para justificar a data de 2024. Mas observadores afirmam que nações que têm interesse em exploração o espaço, como os EUA, a China e a Rússia, vão precisar coordenar seus esforços para lidar com questões legais incertas, como sobre quem tem direito aos recursos lunares. "Eu acho que existe um grande risco de conflito geopolítico", diz Phil Metzger. "Se uma nação sozinha decidir criar uma indústria no espaço, então essa nação vai acabar tendo uma tremenda vantagem política, econômica e militar." Ignorar o potencial dos recursos espaciais cria um vácuo de poder, diz ele. "O jeito ético de preenchê-lo seria o fazendo cooperativamente, internacionalmente, tentando garantir que toda a humanidade vai se beneficiar." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Caravanas de Lula e de Getúlio Vargas: semelhanças e diferenças 67 anos depois
"O senhor Getúlio Vargas partiu hoje, às primeiras horas da manhã, de avião, para o norte do país. O presidente de honra do PTB visitará as capitais dos estados nortistas, nas quais participará de comícios de propaganda de sua candidatura à Presidência da República". Foi assim que o jornal Folha da Manhã, antigo nome da Folha de S.Paulo, anunciou a caravana do então senador Getúlio Vargas pelo Norte do Brasil no dia 20 de agosto de 1950.
Os dois ex-presidentes percorreram o país em caranavas que tentavam cativar eleitor Há duas semanas, mais de 67 anos depois da caminhada de Getúlio, outro ex-presidente, o petista Luís Inácio Lula da Silva, iniciou peregrinação parecida no Nordeste. O objetivo do Lula de agora, é o mesmo do Getúlio de antes: retornar ao cargo de presidente do país. Em julho, o ex-presidente foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no julgamento em que era acusado de receber um apartamento tríplex no Guarujá (SP), mais a reforma do mesmo imóvel, em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras. Lula alega inocência e diz que é perseguido pelo juiz federal Sergio Moro. O caso do tríplex ainda será julgado em segunda instância. Caso seja condenado, Lula ficará inelegível e pode ser preso. A aliados, o petista chegou a mencionar o exemplo de Getúlio. Lula afirmou ver semelhanças entre as suas condições e as do populista que, depois de uma temporada na presidência, tentava voltar à cadeira. Assim como Lula, Getúlio fez sua própria caravana Brasil afora para tentar conquistar a simpatia dos eleitores. Essa empreitada era desacreditada por parcela da sociedade, especialmente por uma parte da elite econômica e da mídia, que não viam com bons olhos sua campanha - mais uma semelhança que Lula vê entre ambos. "Diferente do Getúlio, porém, Lula diz que não tem chance de se matar depois de ganhar", diz, entre risos, um de seus correligionários. Em agosto de 1950, cinco anos depois do fim do período conhecido como Estado Novo, Getúlio enfrentava resistência da maior parte da imprensa e dos grandes empresários do país. Ele entrou na Presidência em 1930. Sete anos depois, instaurou o Estado Novo - ditadura que cassou partidos políticos, fechou o Congresso, perseguiu e torturou opositores. Por outro lado, o ex-ditador era bastante popular, pois implantou medidas que melhoraram a vida dos trabalhadores, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. "Getúlio era um ditador popular, principalmente por políticas que valorizavam as condições dos trabalhadores, e pela instalação de um Estado nacional, com uma indústria brasileira", explica o historiador Sérgio Lamarão, ex-pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O ex-presidente Lula afirma que se inspirou na campanha de Getúlio Vargas para realizar caranava no Nordeste (Foto: Ricardo Stuckert) Nos primeiros meses de 1950, não se tinha certeza se Getúlio sairia candidato a presidente. Apesar de ser senador, ele passava a maior parte do tempo em São Borja (RS), sua cidade natal. Ele foi convencido a concorrer por membros do PTB, partido trabalhista do qual ele era presidente de honra. De modo parecido, há quatro meses Lula tampouco sabia se seria candidato. Foi alvo de intensa pressão de colegas do PT para que se convencesse a se lançar. Segundo Lamarão, a grande imprensa era "antigetulista" e apoiava Eduardo Gomes, candidato da UDN (União Democrática Nacional). "A UDN era uma espécie de PSDB daquela época, um partido das classes médias urbanas", explica o historiador. Sem apoio da mídia e do empresariado, Getúlio citou sua relação com a classe trabalhadora em discurso em São Luís no dia 22 de agosto de 1950: "Encontrei, é certo, o apoio do proletariado, não porque pretendesse fomentar a luta de classes, mas porque minhas ideias se filiavam ao movimento universal de humanização do trabalho e de consagração da igualdade de direitos e de oportunidade para todos na luta pela vida". Semelhanças e diferenças Lamarão vê semelhanças entre o período da segunda eleição de Getúlio e a situação atual de Lula. "Eles são lideranças populares, com apelo inegável, ambos com oposição da grande mídia, ambos polêmicos, ambos com telhado de vidro. Os dois cometeram pecados políticos, com indefinições, erros. Os dois fizeram muita coisa para garantir a tal governabilidade", diz. Já o sociólogo Luiz Werneck Viana vê diferenças entre as duas figuras. "Lula tenta mimetizar Getúlio, porque essa é uma narrativa que tem eficácia, mas ela não se comprova pelos fatos. Getúlio queria organizar a sociedade por cima, pelo corporativismo, pela criação de um estado nacional forte, industrializado", explica. "Lula é justamente o contrário, quer organizar por baixo. Ele encarnou a questão social, dos excluídos, o que não era um discurso de Getúlio". Embora o corporativismo e o discurso inclusivo sejam diferentes, Vargas e Lula tomaram decisões parecidas para viabilizar suas gestões e garantir governbilidade. Para Thiago Mourelle, doutor em história social pela Universidade Federal Fluminense e supervisor de pesquisa do Arquivo Nacional, os dois estão próximos pois buscavam governos de coalizão, com os mais diversos apoiadores. "Vargas chegou a oferecer ministérios para a UDN, adversária histórica, e compôs diversas vezes com adversários em nome da governabilidade", diz. Condenado por corrupção, Lula concentrou sua caravana em Estados do Nordeste: a caravana termina neste domingo, no Piauí (Foto: Ricardo Stuckert) José Álvaro Moisés, professor de ciências políticas da USP, vê outra semelhança entre os líderes. Essa, no entanto, é negativa para o petista. "O ex-presidente Lula, quando faz essa comparação, está admitindo inconscientemente que, como Getúlio, ele é um autoritário. Getúlio foi um ditador. A questão autoritária de Lula é a corrupção. Corrupção tem uma faceta autoritária, pois ela retira recurso da comunidade indevidamente, de forma obscura. Lula usou da corrupção para que o partido se mantivesse no poder", diz. "No nome de Vargas não havia manchas, estava viva a ideia de 'pai dos pobres' e criador da CLT e a maior acusação que ele sofria era a pecha de ditador", explica Mourelle. "Lula, estrategicamente, sempre posiciona seu nome na mesma prateleira da que está Vargas, afinal, Vargas foi muito popular, talvez tenha sido o presidente mais marcante do Brasil, e ficou marcado pelas leis trabalhistas. Portanto, é um espelho desejado". Mourelle cita similaridades na trajetória política do petista e do populista: "Ambos são figuras políticas que ficam acima dos partidos, são trabalhistas identificados com o reformismo e com a cooperação entre as classes. Ambos são criticados tanto pela esquerda radical - por causa de seus projetos reformistas - quanto pela direita radical - que os acusa de 'comunistas'". As caravanas Para vencer as eleições, Getúlio percorreu todos os 20 Estados que existiam no Brasil na época. Ele pronunciou 80 discursos durante a caravana, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. "A estratégia de Vargas foi abordar em cada cidade o tema que falava mais de perto à plateia local. Assim, se na Amazônia os pontos enfatizados foram nacionalismo e borracha, no Paraná, dedicou-se sobretudo ao café e no Mato Grosso, à pecuária. O nacionalismo foi novamente a palavra-chave na Bahia, ao lado de petróleo, cacau e aproveitamento do rio São Francisco", diz o texto. Já Lula concentrou seu roteiro em Estados do Nordeste: a caravana começou no dia 17 e termina nesta terça-feira, no Maranhão. Ele visitou Pernambuco, onde nasceu, e foi recebido pelo senador Renan Calheiros (PMDB) em Alagoas. Ex-presidente Lula usou as redes sociais para "viralizar" imagens de sua caravana pelo Nordeste, como quando dançou "sarrada" (Foto: Ricardo Stuckert) Em seus discursos, o petista criticou a operação Lava-Jato e o governo do presidente Michel Temer (PMDB). E deu ênfase aos feitos de sua gestão: como o programa redistributivo Bolsa Família e as medidas de impulsionamento da economia nordestina. "Quando criei o Bolsa Família, sabia que não era pra resolver todos problemas, mas sabia que era suficiente para uma mãe levar pão pra casa. Os mais pobres precisavam de trabalho, crédito, respeito. E começaram a comprar peito de frango no lugar do pescoço, a andar de avião", disse Lula. Eventos como esse fazem parte da história de Lula. Nos anos 1990, ele visitou mais de 300 cidades do país nas chamadas "Caravanas da Cidadania". Para Cláudio Gonçalves Couto, professor de ciência política da FGV, é "difícil dizer" se a caravana de Lula fará tanto efeito quanto as anteriores. "Ela não tem o mesmo impacto direto das caravanas anteriores. O impacto direto é o corpo a corpo, as pessoas que ele atinge pessoalmente", diz. "Outro impacto é indireto, ou seja, a capacidade que esses eventos têm de repercutir, de virar notícia, de chegar às redes sociais. Isso me parece que Lula está conseguindo atingir, ele tem mostrado certa força na região, principalmente nesse momento de desgaste do governo atual (de Michel Temer)", diz Couto.
Lula volta à primeira região que visitou como presidente, onde agora disputa preferência com Bolsonaro
Quem chega à cidade de Itinga (MG), no Vale do Jequitinhonha, se depara com uma estátua em concreto de um homem remando uma canoa, acompanhado de uma mulher com uma melancia no colo.
Lula faz sua sexta visita a Itinga, em Minas Gerais | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal Monumento na entrada da cidade retrata um dos canoeiros mais antigos da região | Foto: André Shalders/BBC Brasil Poucos metros adiante, uma ponte atravessa o rio que dá nome à região. A obra de concreto armado leva ao centro da cidade, onde estão a Câmara Municipal e a sede da prefeitura. Ponte, inaugurada por Lula em 2004, atravessa o rio que dá nome à região | Foto: André Shalders/BBC Brasil A ponte é um dos principais motivos para a visita de Lula a Itinga nesta quarta-feira. Foi inaugurada no primeiro mandato do petista, em março de 2004. Antes disso, ele esteve na cidade em janeiro de 2003, onze dias após tomar posse como presidente. Nas três vezes anteriores, foi como candidato. Na primeira viagem oficial como presidente, o ex-metalúrgico se fez acompanhar de uma dezena de ministros. Queria dar um "banho de Brasil real" na nova equipe de governo. Antes da ponte, a travessia era feita em canoa ou balsa (para carros de passeio). O monumento da entrada da cidade retrata um dos canoeiros mais antigos da região, conhecido como Seu Nilo, e a esposa dele, Martiliana. E a melancia? É que a feira da cidade ficava do outro lado do rio, explicam os moradores. Quando a ponte foi construída, a passagem custava R$ 1 (ou R$ 5 de balsa). Caminhões precisavam dar a volta pelo município vizinho de Itaobim, onde já existia uma ponte, num desvio de cerca de 30 km. Lula prometia a construção pelo menos desde 1993, quando esteve em Itinga pela primeira vez. A obra, com um custo de R$ 378 milhões (valores da época), foi bancada pela mineradora Vale do Rio Doce, a título de doação para a prefeitura. Uma empresa de cimento doou seis mil sacas do material. Lula participa de cerimônia de inauguração da ponte, que contou com a presença do então governador Aécio Neves, em 2004 | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal 'Deus no céu e Lula na Terra' A ponte não representou só uma economia para os moradores. Possibilitou, por exemplo, o aumento da extração de granito, que hoje rende royalties para o município (R$ 804 mil no ano passado, segundo dados do Tesouro Nacional levantados pela Confederação Nacional dos Municípios, a CNM). Gerou empregos. Por isso, a maioria dos itinguenses divide a história recente do local em antes e depois da obra. E, por extensão, em antes e depois de Lula. A reportagem da BBC Brasil perguntou para uma dúzia de moradores da região em quem eles pretendiam votar nas próximas eleições. Oito dos 12 mencionaram o petista. Uma militante do PC do B em Itinga organizou uma vaquinha para imprimir camisetas com a foto do ex-presidente e os dizeres "Lula 2018". Na casa de Maria da Luz de Jesus, de 85 anos, não há clareza ainda de se Lula será realmente candidato ou não. Condenado em primeira instância na Operação Lava Jato, Lula pode ser barrado pela Lei da Ficha Limpa, caso a sentença seja confirmada em segunda instância. A possibilidade de que isso ocorra aflige Maria da Luz. "Deus ajude (que seja candidato)", diz ela. Todos ali votariam no petista, caso ele possa concorrer. "Nem que eu tenha que pegar um carro eu largo meu voto no Lula. Ele foi o que mais fez pela gente, aqui", diz o marido dela, Joaquim Soares da Silva, de 87 anos. Na casa de Maria da Luz, de 85 anos, todos são eleitores de Lula. 'Nem que eu tenha que pegar um carro eu largo meu voto no Lula', diz o marido | Foto: André Shalders/BBC Brasil Vera Lúcia Mendes, de 35 anos, passou o período da gestão do petista fora da Itinga natal, na cidade de Amparo (SP). Morou no interior paulista de 2000 a 2013, e costumava se surpreender ao voltar para casa. Para ela, Itinga "saiu da Idade da Pedra" nos governos Lula. Apesar das mudanças, o Vale do Jequitinhonha continua sendo uma das regiões mais pobres do país. Mas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Itinga era de 0,440 em 2000 (baixo) e passou a 0,600 em 2010 (considerado médio). A expectativa de vida também cresceu: de 66 anos em 2000 para 72,8 no último censo do IBGE, em 2010. A evolução na renda dos moradores também ajuda a explicar a popularidade de Lula na cidade. A renda, que era de R$ 125 mensais por domicílio, em média, em 2000, chegou a R$ 260 em 2010. O aumento de mais de 100% é expressivo, mas o nível ainda está distante da média do país (R$ 668 naquele ano). Confrontados com as acusações que recaem sobre Lula de participação em atos corruptos no âmbito da Petrobras, a maior parte dos moradores de Itinga, especialmente os defensores de Lula, vê todos os achados da Lava Jato como algo secundário. "Quando começa este noticiário (de acusações contra Lula), eu faço é mudar de canal", diz o cabelereiro Jeremias Soares da Silva, 25. O outro mito Quando o assunto é eleição presidencial, o único outro político mencionado "espontaneamente" pelos moradores de Itinga, além de Lula, é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Segundo a última pesquisa do instituto Datafolha, realizada em setembro, o parlamentar tem 20% das intenções de voto no Sudeste, contra 26% de Lula, em cenário com a participação do atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Quando quem disputa é o prefeito paulistano, João Doria (PSDB), Bolsonaro cai para 17% na região, enquanto o petista sobe para 28%. Embora não possua reservas de nióbio, mineral sempre presente nos discursos de Bolsonaro, a região de Itinga é produtora de lítio, outro mineral raro exportado hoje sem beneficiamento. Marisangela Murta Chaves é secretária de Educação da prefeitura e secretária do PSDB no município. Mesmo assim, diz que, por enquanto, seu voto é para o ex-capitão do Exército. O deputado federal defende ideias mais próximas das suas, diz ela. Questionada sobre os tucanos Alckmin e Doria, Marisangela diz não ter examinado ainda essas possibilidades. "Mas quem sabe?", diz. A primeira eleição em que André Luiz Soares votou foi em 2006, quando Lula concorria à reeleição. Ele votou no petista. Depois disso, nunca mais depositou na urna um voto no PT. "Na Dilma, já não votei. Em 2014, votei pra esse 'porqueira' do Aécio (Neves, do PSDB). Agora, é Bolsonaro", diz o comerciante de 29 anos. "A gente que mexe com comércio sofre muito com a bandidagem, com ladrão, e ele diz que vai repreender. E luta pela família, também. O homem de bem hoje não tem direito a mais nada", diz Soares, sentado no balcão da mercearia que leva seu nome. André Luiz Soares, comerciante de 29 anos, declara voto em Bolsonaro: 'A gente que mexe com comércio sofre muito com a bandidagem, e ele diz que vai repreender' | Foto: André Shalders/BBC Brasil Mas Soares não compra o discurso virulento de seu candidato contra o possível adversário petista. "Eu não desmereço o Lula, não. Não tenho nada contra ele. Vai dizer que ele não ajudou? Ajudou. Mas no meu caso é mais uma questão de opinião mesmo", diz. Falta de água... Itinga fica em uma região de transição entre os biomas do Cerrado e a Caatinga. Nesta época do ano, é muito difícil enxergar qualquer planta verde na paisagem, com exceção do cacto mandacaru, que pode chegar a até seis metros de altura. As chuvas, que deveriam aparecer no fim de outubro, ainda não vieram. Riachos e açudes secos são comuns na região. Mandacaru, cacto que pode chegar a seis metros de altura | Foto: André Shalders/BBC Brasil Por isso, quando Lula chegar à cidade, ele reencontrará alguns problemas que deixou ao sair da Presidência em 2010, e um que se agravou: a falta de água. Quem não tem reservatório próprio está desabastecido na cidade desde o início da semana. A Prefeitura de Itinga culpa a empresa Copanor (responsável pelo abastecimento de água no Vale do Jequitinhonha) pelo paradoxo: há água correndo no Rio Jequitinhonha, e nem uma gota na torneira dos moradores. O Executivo municipal diz que a empresa prometeu, em 2016, bombear água do Jequitinhonha para a estação de tratamento local, o que nunca ocorreu. Nos últimos anos, o riacho que abastece a cidade costuma reduzir ainda mais de tamanho durante a seca, agravando o problema. A Copanor não foi localizada para comentar. ...e miséria A cidade foi também uma das primeiras do Jequitinhonha a eleger um prefeito petista (Solano de Barros, em 1992), que chamou a atenção de Lula para a região. Mas antes mesmo disso o local já era alvo de medidas de política social para tentar atenuar a pobreza. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a cidade foi uma das primeiras a receber o Bolsa Escola, programa embrionário do Bolsa Família de Lula. Antes disso, eram frequentes as chamadas "frentes de trabalho", em que a pessoa recebia dinheiro em troca de uma jornada de serviços braçais para o município. Operários trabalham na construção da ponte em Itinga | Foto: José Nelson Pêgo Gonçalves/Acervo pessoal Mesmo assim, ainda há miséria ali, principalmente em distritos e povoados fora da mancha urbana principal, admite o secretário de Governo da prefeitura, Marcos Elias Marcos Neto. A região central de Itinga é praticamente toda calçada e as casas são de alvenaria, embora algumas estejam em mau estado. Mas basta andar alguns quarteirões um pouco para ver ruas de terra e habitações em condições precárias. Há ainda em Itinga casas sem banheiro próprio, por exemplo, embora elas sejam hoje minoria (em 2010, eram 16,8% das residências). Os dados disponíveis são antigos, do Censo de 2010, mas mostram que, pelo menos até aquele ano, a pobreza estava diminuindo em Itinga. Em 2000, eram considerados pobres pelo IBGE 71,3% da população. Em 2010, este número tinha caído para 39%.
As surpresas do ensino de Xangai, um dos mais desconhecidos (e bem-sucedidos) do mundo
Em 2010, a jornalista americana Lenora Chu foi viver em Xangai, a maior cidade da China, com seu marido e seu filho pequeno. No mesmo ano, Xangai ocupou a primeira posição no exame de educação internacional Pisa, que mede o desempenho de alunos de 15 anos em matemática, leitura e ciências. Os resultados surpreenderam os especialistas. Era a primeira vez que a China participava da avaliação.
Jornalista americana decidiu investigar o sistema educacional chinês, que passou a chamar a atenção no mundo todo por causa dos bons resultados de Xangai no Pisa Para efeitos comparativos, na avaliação mais recente do Pisa, em 2015, o Brasil ficou na 63ª colocação em ciências, na 59ª em leitura e na 65ª em matemática, entre 70 países. Nascida nos Estados Unidos de pais chineses, Lenora Chu e seu marido tomaram, então, uma decisão pouco comum: matricular o filho de três anos em um jardim de infância público chinês, o que lhes deu uma oportunidade única de observar um dos sistemas educacionais mais isolados do mundo - e que tem despertado um interesse crescente por causa dos bons resultados. "É uma escola de elite em uma área abastada de Xangai, mas ao mesmo tempo é para onde a China quer que sua educação aponte. Por isso, acabou sendo o lugar perfeito para observar a direção que o país pretende tomar", disse Chu à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, por telefone. A partir dessa experiência e de uma pesquisa durante os anos seguintes, Chu escreveu o livro Little soldiers: An American boy, a Chinese school and the global race to achieve ("Pequenos soldados: Um garoto americano, uma escola chinesa e a corrida global em busca do sucesso", em tradução livre). Nele, Chu conta sobre os conflitos que teve com professores e administradores da escola, quando começou a perceber coisas de que não gostava - por exemplo, quando um professor obrigou o garoto a comer ovos, que ele odiava. "Comecei a perceber que ali talvez houvesse algo além de simplesmente ter as melhores escolas do mundo", disse. Mas depois de reclamar nos primeiros meses e dizer que não queria ir para a escola, seu filho começou a esperar pacientemente sua vez nas filas e a fazer pequenas tarefas domésticas. Durante cinco anos, Chu conseguiu acesso a salas de aulas de diversas escolas e de diversos níveis no país Chu começou a tentar obter acesso às aulas na escola de seu filho e em outras, algo muito difícil em um país onde há grande desconfiança em relação aos jornalistas. "Fui a jardins de infância e a escolas primárias muito normais. Vi coisas muito chocantes, mas também positivas." Ela foi surpreendida pelo fomento, desde muito cedo, de valores como obediência e disciplina com métodos que, em países ocidentais, poderiam ser considerados questionáveis. "Em uma das creches havia um menino de que nunca me esquecerei. Era mais alto que o resto das crianças de três anos e se metia em problemas todo o tempo", relembra. "Os professores o ameaçavam: 'se você não se sentar, sua mãe não virá buscar você'; 'se não terminar a comida, vai ficar sozinho no corredor'. Eu fiquei chocada e pensei: 'Isso está acontecendo com meu filho!'." Isso é próprio da educação tradicional chinesa, muito baseada na hierarquia, mas Chu diz que, cada vez mais, essa cultura autoritária entra em conflito com as opiniões dos jovens e com a China moderna, de cidades como Pequim e Xangai. Um sistema educacional de competitividade extrema Outra das coisas que lhe chamou a atenção foi o elevadíssimo nível de competitividade, inclusive entre as crianças menores. Ela acredita que isso acontece, em grande parte, por causa do sistema de avaliações ao qual os estudantes são submetidos. Em seu livro, Chu relata os costumes de dar presentes frequentemente aos professores e a pressão por responder imediatamente a suas mensagens pelo celular "Se nascem cerca de 18 milhões de crianças por ano, (o sistema educacional) perde aproximadamente a metade delas no teste para entrar no instituto acadêmico normal em todo o país. Na prova para entrar na universidade, perde-se outro terço." "Tenho certeza que não é assim na Espanha, nos Estados Unidos ou no Reino Unido, onde há mais opções para as crianças que não podem se manter dentro do sistema educacional público normal. Mas é assim na China, e é por isso que as pessoas ficam tão estressadas", afirma. Como parte desse ambiente de pressão, espera-se geralmente que os pais tenham um papel muito ativo em tudo o que diz respeito à educação dos filhos. Isso inclui a obrigação de assinar o livro de tarefas todos os dias, para que o professor veja que os pais sabem o que os filhos estão fazendo. Ou receber centenas de mensagens por dia em grupos de pais e professores no celular. "Se eu largar meu telefone para fazer algo, uma hora depois tenho entre 50 e 100 mensagens, todas demonstrando respeito ao professor", diz Chu. "O professor escreve para dizer que é preciso levar determinados livros no dia seguinte, e todo mundo responde: 'Recebido, professor! Você é tão maravilhoso, obrigada pelo trabalho duro'. E se você não responde assim, fica achando que o professor percebe. Há muita pressão para mostrar presença e responder." Em algumas escolas de Xangai, segundo a jornalista, os pais foram proibidos de responder às mensagens dos professores, para diminuir um pouco a pressão. Corrupção com presentes aos professores Outra coisa que lhe chamou a atenção foi o costume generalizado de dar presentes aos professores, algo que, algumas vezes, pode ser interpretado como tentativa de suborno. O governo chinês chegou a proibir presentes aos professores, que muitas vezes são usados como tentativa de suborno para conseguir lugares melhores ou aulas extra para os filhos "Em 2014, o ministério aprovou uma política para proibir os professores de aceitar presentes e de dar aulas de reforço a seus estudantes fora do horário de aulas. Isso era basicamente uma medida anticorrupção, e acho que foi muito eficiente", afirma. "Eu não gosto de chamar isso de suborno ou de corrupção, mas na cultura chinesa é comum presentear as pessoas que são importantes na sua vida, e isso inclui os professores." Para Chu, isso pode "facilmente cruzar a linha e se transformar em algo como 'te deu tanto dinheiro, te dei uma bolsa, será que meu filho pode sentar em um lugar melhor na sala de aula?'. Isso acontece muito aqui no sistema. Tentaram diminuir, e acho que melhorou". Valor do trabalho duro x crença no talento O livro da jornalista americana também tenta explicar a educação no país com nuances e de forma equilibrada, diz ela, mais além da visão polarizada que geralmente prevalece nos países ocidentais. Seu filho, por exemplo, aprendeu a importância da disciplina e a relação entre o esforço e os resultados que obtém. "Acho que nos Estados Unidos e nas sociedades ocidentais - e isso está baseado em estudos que eu cito no livro - tendemos a acreditar mais no talento quando se trata de capacidades acadêmicas", afirma. "Falei com inúmeras pessoas que me disseram: 'Ah, Johnny não tem talento para matemática, mas tudo bem, porque eu também não era bom nisso'. Mas os chineses vão dizer: 'ele consegue, basta se esforçar o suficiente'." Para a americana, isso tem valor, porque aprender que "nada é fácil" é também uma lição importante para a vida. Apesar do incômodo com questões culturais, jornalista diz gostar do fato de que os filhos se tornaram bilíngues e são mais proficientes em matemática Depois de cerca de 150 entrevistas com especialistas, professores de todos os níveis do sistema educacional e até com o responsável pelo currículo de matemática da China, Chu chegou à conclusão de que os sistema do país "prepara bem os chineses para a sociedade chinesa" - o que faz com que ele não possa ser aplicável diretamente a outras sociedades. "Percebemos que a educação é uma atividade cultural, e eu nunca havia pensado nisso desta maneira." Mesmo incomodada com elementos da experiência da educação chinesa, ela diz valorizar o fato de que seus filhos (ela teve um segundo, Landon, depois de Rainey), "têm um nível de matemática superior aos das crianças de sua idade nos Estados Unidos" e falam tanto inglês como chinês. Críticas Apesar do sucesso do método de Xangai, especialistas em educação afirmam que ele, ao privilegiar o cálculo e a memorização, deixa de lado a criatividade, a análise e a capacidade de expressão. Além disso, o grande número de horas de estudo limita o tempo livre das crianças, o que pode prejudicar o desenvolvimento saudável de suas habilidades sociais e de sua personalidade. Sendo assim, ainda que sejam bons em cálculo e na memorização de conteúdos, os estudantes acabam tendo dificuldade para se expressar, comunicar suas ideias e raciocinar em equipe, ressalvam os críticos.
Ex-ditador argentino Jorge Videla é condenado a 50 anos de prisão
O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla, 86, foi condenado nesta quinta-feira a 50 anos de prisão por ter empreendido um plano de roubo de bebês durante o regime militar no país.
O ex-capitão de fragata Jorge "El Tigre" Acosta e o ex-presidente Reynaldo Bignone, também envolvidos na mesma acusação, receberam penas de 30 e 15 anos, respectivamente. Além deles, oito pessoas (entre militares, médicos e civis) foram condenados a sentenças que chegam a 30 anos. Todos estavam sendo julgados desde fevereiro de 2011. Eles foram investigados pelo roubo de 35 bebês, dos quais 28 já descobriram sua verdadeira identidade e têm hoje mais de 30 anos. As crianças seriam filhas de presos políticos torturados e mortos durante a ditadura argentina. Cerca de 13 mil pessoas morreram vítimas do regime militar no país.
De aprovação recorde ao impeachment: relembre os principais momentos do governo Dilma
Com tantos vaivéns do momento político, fica até difícil lembrar como o governo Dilma Rousseff começou.
Dilma Rousseff foi afastada temporariamente da Presidência em maio A lembrança pode surpreender os mais críticos: no fim do seu primeiro mandato, a presidente tinha 59% de aprovação - o maior índice para um presidente neste período desde a redemocratização - e era elogiada por ser responsável pela "faxina ética", quando demitiu ministros envolvidos em casos de corrupção. O fato de ser a primeira presidente mulher do Brasil alavancou suas viagens internacionais e encontros com chefes de Estado. Em 2011, Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. No entanto, as críticas ao governo não demoraram a aparecer. Depois dos anos de bonança do governo Lula, quando a economia chegou a crescer 7,5%, o PIB não repetiu o mesmo desempenho. A inflação voltou a subir e a crise econômica começou a afetar o mercado de trabalho, aumentando o desemprego. Somou-se a isso o andamento da operação Lava Jato, que envolve nomes importantes do PT. Os protestos contra o governo vieram na sequência, acompanhados pela queda da popularidade de Dilma e pedidos cada vez mais declarados pelo impeachment da presidente, que culminaram no julgamento desta semana no Senado. Fim do Talvez também te interesse Relembre a seguir alguns dos fatos marcantes dos dois mandatos da presidente: Primeiro mandato Dilma foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU Primeira mulher presidente As viagens internacionais e os encontros com chefes de Estado marcaram os primeiros meses do governo Dilma em razão do ineditismo de o Brasil ser representado por uma presidente mulher. Entre as visitas mais importantes está a do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, em março de 2011. Em setembro, ela foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Em sua fala, disse que era a "voz da democracia" e defendeu a criação do Estado palestino. No roteiro de viagens de Dilma, além de países da América do Sul, estiveram França, África, Bélgica, Grécia e Turquia. Ex-ministro Nelson Jobim (Defesa) foi um dos que caíram no primeiro ano de Dilma Troca de ministros e 'faxina ética' Antes de completar um ano de governo, Dilma viu sete ministros caírem, seis deles por acusações de corrupção. Em dezembro de 2010, o recém-indicado ministro do Turismo, Pedro Novais, foi o primeiro integrante do governo a ser acusado, antes mesmo da posse. Denunciado por irregularidades cometidas quando era deputado, acabou deixando a pasta em setembro de 2011. O primeiro ministro a sair, no entanto, foi Antonio Palocci, que deixou a Casa Civil em 8 de junho do mesmo ano, um dia após as acusações contra ele terem sido arquivadas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Palocci era suspeito de enriquecimento ilícito, porque teria multiplicado seu patrimônio em 20 vezes nos quatro anos anteriores. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) assumiu a pasta. Os ministros Alfredo Nascimento (Transportes), Nelson Jobim (Defesa), Wagner Rossi (Agricultura), Orlando Silva (Esportes) e Carlos Lupi (Trabalho) completaram a lista de baixas. A forma enérgica como Dilma lidou com esses episódios fez com que parte da população passasse a vê-la como a grande responsável pela "faxina ética" contra a corrupção. Isso se refletiu na aprovação de 59% da população - o maior índice para o primeiro mandato de um presidente desde a redemocratização, maior até que a popularidade de Lula nos primeiros quatro anos na presidência, que foi de 52%. Lava Jato foi deflagrada em 2014; um dos primeiros presos foi o doleiro Alberto Youssef Lava Jato e Pasadena Deflagrada em março de 2014, a operação Lava Jato começou a investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Uma das primeiras prisões, também em março, foi a do doleiro Alberto Youssef. Dias depois, houve a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras. Costa era investigado pelo Ministério Público Federal por supostas irregularidades na compra pela Petrobras da refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006. Indícios de que a compra da refinaria teria sido desastrosa para a estatal - em uma época em que Dilma ainda era ministra de Minas e Energia do governo Lula e presidente do Conselho Administrativo da empresa - levaram ao pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Duas CPIs acabaram sendo criadas: uma exclusiva do Senado e uma mista. Depois de meses de investigação, a CPI mista aprovou o relatório do deputado Marco Maia (PT-RS), que pedia o indiciamento de 52 pessoas e reconhecia prejuízo de US$ 561,5 milhões (R$ 1,9 bilhão) na compra da refinaria. Costa e Youssef assinaram com o Ministério Público Federal acordos de delação premiada para explicar detalhes do esquema e receber, em contrapartida, alívio de penas. Em novembro de 2014, a Polícia Federal deflagrou uma nova fase da Lava Jato, que envolveu buscas em grandes empreiteiras como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e outras sete companhias. Dilma sempre teve relação complicada com o Congresso e pouco contato com parlamentares Relação com o Congresso No início do primeiro mandato, Dilma se aproveitou do capital político do ex-presidente Lula em suas relações com o Congresso. Em 2011, o PT tinha a maior bancada na Câmara dos Deputados, com 88 parlamentares. E controlava 15 cadeiras do Senado, apenas cinco a menos do que o PMDB. Ao longo dos primeiros quatro anos no governo, a presidente precisou conter resistências na base, em partidos como PR e PMDB. Na aprovação do MP dos Portos na Câmara, em 2012, foi preciso esforço para pacificar aliados e vencer os partidos oposicionistas. Além disso, desde o início do mandato, os parlamentares aliados reclamavam que Dilma não os recebia. As queixas eram tão frequentes que levaram à troca do então ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, por Ideli Salvatti, que estava na Pesca. Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou que, entre janeiro de 2011, quando assumiu, e outubro de 2014, Dilma recebeu com exclusividade apenas dois deputados federais e 13 senadores. A oposição também acusou Dilma diversas vezes de governar "por decreto", pelo número de medidas provisórias editadas pelo governo. Nos quatro anos do primeiro mandato, foram mais de 140 MPs. Apenas uma foi revogada. Em 2013, a presidente montou uma operação política para evitar que problemas com o PMDB e outros partidos da base aliada prejudicassem a campanha à reeleição em 2014. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e o presidente do PT, Rui Falcão, eram os encarregados da articulação. O objetivo era refazer a coligação partidária que deu a Dilma o maior tempo de propaganda na TV nas eleições de 2010. A estratégia servia principalmente para acabar as rusgas entre o Palácio do Planalto e o PMDB e incluía liberar dinheiro das emendas parlamentares e apoiar mudanças na tramitação das medidas provisórias para não afogar o Senado. Apesar da instabilidade, a relação entre Dilma e o Congresso continuou firme em momentos importantes, como na aprovação do projeto que desobrigou o governo de cumprir qualquer meta de superavit em 2014. Nada parecido ao rompimento visto hoje no Parlamento. Emprego formal se manteve em alta no primeiro mandato da presidente Economia em desaceleração No primeiro ano do governo Dilma a economia já dava sinais de desaceleração, depois de o PIB brasileiro ter crescido 7,5% em 2010, o maior avanço desde 1986. Em 2011, o PIB cresceu 2,7%, bem menos que os 5,5% projetados. O ponto positivo ficou por conta do emprego formal, que se mantinha em alta: apenas 5% da população economicamente ativa estava desempregada. No entanto, à medida que o primeiro mandato avançava, a economia apresentava mais resultados preocupantes. Em 2012, ela cresceu 0,9%, o pior desempenho desde 2009. No ano seguinte, se recuperou impulsionada pela alta de investimentos - o governo fez várias linhas de financiamento - e a alta do PIB foi de 2,3%. Para enfrentar a desaceleração, o governo apelou para medidas de desoneração, tanto para o setor produtivo quanto para os consumidores. Pacotes de estímulos fiscais e financeiros também foram lançados contra os gargalos de infraestrutura, como nas entradas e portos. Segundo cálculos feitos por auditores da Receita Federal para a Folha de S. Paulo, as desonerações concedidas pelo governo desde 2011 somariam estimados R$ 458 bilhões em 2018, quando deveria terminar o segundo mandato de Dilma. A redução de impostos começou no governo Lula, como forma de estimular o crescimento do país. No entanto, passou a ser mais intensa quando Dilma foi eleita e avançou fortemente no primeiro ano de mandato. As desonerações aumentaram a dívida bruta do país. Em 2014, o setor público gastou R$ 32,5 bilhões a mais do que arrecadou com tributos — o equivalente a 0,63% do Produto Interno Bruto, o primeiro déficit desde 2002. Junho de 2013 foi marcado por grandes protestos em dezenas de cidades Junho de 2013 e Copa Junho de 2013 foi um mês dramático para o governo Dilma, com uma onda de protestos tomando conta das principais capitais para criticar a corrupção e os gastos com a Copa do Mundo. Centenas de milhares de manifestantes foram às ruas com diferentes demandas: de investimentos em saúde e educação a menos corrupção no Congresso. A primeira bandeira, no entanto, foi contra o aumento das tarifas de transporte público. No auge das manifestações, Dilma se pronunciou em rede nacional e convocou um pacto com parlamentares e governantes em torno das melhorias exigidas, especialmente mobilidade urbana e a garantia de reverter 100% dos recursos do petróleo para a educação. Os protestos não se repetiram com a mesma intensidade na Copa, em 2014, que ocorreu sem grandes problemas. Pedaladas fiscais Em 2013 começaram a ocorrer as chamadas pedaladas fiscais, nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS. O objetivo era melhorar artificialmente as contas federais. Ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava todos os meses despesas menores do que elas deveriam ser na prática. Campanha presidencial de 2014 foi marcada pela disputa acirrada por votos Eleições de 2014 A campanha presidencial foi marcada pela disputa acirrada por votos e pela morte do candidato do PSB, Eduardo Campos, que estava em terceiro lugar nas pesquisas e era considerado uma via alternativa à oposição PT-PSDB. Marina Silva, substituta de Campos, logo saiu do páreo. Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos válidos. Dilma anunciou equipe econômica com Joaquim Levy e Nelson Barbosa para acalmar o mercado O anúncio de Levy No fim de 2014, com a evolução da crise da Petrobras e a piora dos indicadores econômicos, Dilma antecipa os nomes de sua nova equipe econômica para acalmar os mercados. Então executivo do Bradesco, Joaquim Levy é anunciado como ministro da Fazenda. No Planejamento fica Nelson Barbosa, também com longa experiência no governo. Segundo mandato Popularidade da presidente afastada caiu no começo do segundo mandato Popularidade abalada A popularidade da presidente se inverteu no segundo mandato, com os efeitos da situação econômica e da crise de governabilidade. Nos primeiros três meses de 2016, pesquisa CNI-Ibope apontou que somente 24% dos entrevistados diziam confiar em Dilma, o pior resultado desde o início do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999. Ajuste fiscal e desemprego No primeiro mandato, sinais de que a meta do superávit primário (economia para pagar os juros da dívida) não seria cumprida levaram o governo a adotar, no primeiro mandato, um ajuste fiscal voltado à redução de gastos públicos. Em 2015, encabeçado pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste voltou a fazer parte da agenda econômica do governo, mas para recompor as receitas. A nova prioridade da política econômica era reequilibrar as contas públicas. Para isso, Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como "pacote de maldades", com o objetivo de aumentar a arrecadação federal e retomar o crescimento da economia - entre elas, medidas provisórias que alteraram o acesso a direitos previdenciários como seguro-desemprego e pensão por morte. Logo nos primeiros meses, houve também ajustes nos preços dos combustíveis e da eletricidade para aumentar a arrecadação. Levy lançou medidas que ficaram conhecidas como "pacote de maldades" No entanto, muitos economistas consideram que o corte necessário de gastos não veio, assim como o aumento de impostos, o que foi agravado pela crescente dificuldade do governo de dialogar com o Congresso. Em 2015, o PIB caiu 3,8%. Tarifas de ônibus e energia elétrica, além de impostos e taxas, como IPVA e IPTU, estiveram por trás da alta da inflação, que bateu 7% nos primeiros meses do ano. Com a economia em crise, o mercado de trabalho passou por um rápido processo de piora, com reflexos sobre o emprego e formalização do trabalho. A taxa de desemprego do país cresceu para 8,5% na média no ano passado, divulgou o IBGE em março. Esse resultado é o maior já medido pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), iniciada em 2012. Em 2014, a média foi de 6,8%. Depois de uma sequência de derrotas em sua batalha para promover o ajuste, inclusive a perda do grau de investimento do país, Levy deixou o governo em dezembro do ano passado. Lava Jato As fases da operação Lava Jato monopolizaram as manchetes do ano passado e deste ano. Entre os momentos mais importantes estão a prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, em junho. Em setembro, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele teria recebido cerca de R$ 4,26 milhões em propinas envolvendo contratos da Petrobras. No ano passado, o então senador e líder do governo no Senado Delcídio do Amaral (ex-PT) foi preso sob acusação de tentar obstruir as investigações da Lava Jato - foi o primeiro caso no Brasil de prisão de senador no exercício do cargo. Protestos contra o governo tinham bandeiras pelo fim da corrupção e pela saída de Dilma Protestos "Fora Dilma" Em um cenário de crise econômica e ajustes fiscais, a reprovação do governo Dilma chegou a 62% em 2015, de acordo com o Datafolha, e levou milhares às ruas das principais cidades do país. As principais bandeiras dos manifestantes eram o combate a corrupção e a saída de Dilma e do PT do governo. Muitos elogiavam a atuação do juiz Sérgio Moro, da Lava Jato. Realizada após novos protestos nas ruas, pesquisa do Datafolha indicou que o segundo mandato da petista já alcançou a mais alta taxa de rejeição de um presidente desde setembro de 1992 - pouco antes do impeachment de Fernando Collor. Afastamento de Dilma dos parlamentares agravou marcha do impeachment Saída do PMDB e isolamento A saída do PMDB, partido do vice-presidente, Michel Temer, da base aliada concretizou o isolamento da presidente no Congresso. O afastamento da presidente dos parlamentares se agravou com a marcha do processo de impeachment e o convite feito a Lula para ocupar a Casa Civil. A tentativa de trazer Lula para construir pontes com os partidos enfrentou forte resistência e levou milhares de manifestantes às ruas, além de afastar possibilidades de novas alianças. Outras siglas, como o PRB, também saíram da base aliada. Senado iniciou julgamento de Dilma na quinta, em última fase do processo de impeachment Impeachment Em dezembro de 2015, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, autorizou o pedido para a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Ele deu andamento ao requerimento formulado pelos juristas Hélio Bicudo, fundador do PT, Janaina Paschoal e Miguel Reale Júnior. Os juristas atacam as chamadas "pedaladas fiscais", prática atribuída ao governo de atrasar repasses a bancos públicos a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária. Em abril, a Câmara aprovou a Comissão Especial do Impeachment. Por 38 votos a 27, a comissão aprovou no dia 11 de abril o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) favorável à abertura do processo de afastamento da presidente. O afastamento da presidente também passou pelo plenário da Câmara, por 367 votos a favor e 137 contra. O processo seguiu para o Senado. No dia 6 de maio, a Comissão Especial do Impeachment da Casa aprovou por 15 votos a 5, o parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG), favorável à abertura de um processo contra Dilma. Advogado de Dilma, Cardozo tenta provar que ela não cometeu crimes de responsabilidade Em seguida, o plenário decidiu por 55 votos a 20 que a petista seria processada e, assim, afastada temporariamente do cargo para o julgamento. Ela deixou o cargo em 12 de maio. Em seu primeiro discurso na nova condição, Dilma Rousseff afirmou que o processo de impeachment era "fraudulento" e um "verdadeiro golpe". Os mesmos termos foram repetidos diversas vezes em entrevistas que Dilma deu à imprensa internacional no Palácio da Alvorada, onde ficou nos últimos quatro meses. Nesta segunda-feira, a presidente afastada dará seu depoimento no julgamento que ocorre no Senado, a etapa final do processo de impeachment. Desde quinta-feira, foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa, que foram questionadas pelos senadores. A sessão decisiva, com a votação no plenário, deve ocorrer até quarta-feira. Para que o impeachment seja aprovado são necessários pelo menos 54 votos. Nesse caso, Dilma será afastada definitivamente da Presidência da República e ficará inelegível por oito anos, a partir de 2019.