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Bolsonaro faz Brasil perder dinheiro internacional para Amazônia, diz analista
A postura do governo Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente está fazendo com que o Brasil perca espaço e recursos em negociações internacionais sobre o clima, diz à BBC News Brasil Natalie Unterstell, fundadora e diretora do think tank (centro de pesquisas e debates) Talanoa, voltado a políticas ambientais e climáticas.
Incêndio na Amazônia, em foto de arquivo; desmatamento na região atingiu em 2020 o maior índice nos últimos 12 anos Já países como Colômbia e Indonésia, segundo ela, estão aproveitando as oportunidades que se abrem para nações com grandes florestas tropicais — cuja preservação é considerada crucial para o combate à mudança do clima. "Se o Brasil deixar, e o Brasil está deixando, esse espaço será ocupado por outros países", afirma Unterstell em entrevista à BBC News Brasil. As negociações globais sobre a proteção de florestas ganharam um impulso com a posse de Joe Biden como presidente dos EUA, em janeiro. Na campanha, Biden propôs que países ricos se reúnam para fornecer US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia. O americano convocou na semana passada uma reunião virtual sobre as mudanças climáticas com líderes de 40 países, entre os quais o Brasil. No encontro, foi anunciada uma iniciativa entre EUA, Reino Unido, Noruega e empresas privadas para canalizar doações voltadas à preservação de florestas mundo afora. Fim do Talvez também te interesse Segundo Natalie Unterstell, países dificilmente vão investir mais recursos antes de o governo Bolsonaro destravar os mais de R$ 2 bilhões paralisados no Fundo Amazônia, que foram doados por Noruega e Alemanha A iniciativa, que já conta com US$ 1 bilhão, foi comparada ao Fundo Amazônia — mecanismo paralisado no governo Bolsonaro e que tinha o Brasil como único beneficiário. Agora, se quiser participar da nova iniciativa, o Brasil terá de concorrer com outras nações. Unterstell afirma ainda que, embora o governo federal cobre recursos internacionais para a preservação da Amazônia, há hoje cerca de R$ 3,4 bilhões em caixa que poderiam ser usados para esse fim. O valor é a soma de recursos do Fundo Amazônia (R$ 2,9 bilhões) e do Fundo Verde do Clima (R$ 522 milhões) que foram doados ao Brasil, mas jamais gastos. Até que os impasses que travam os pagamentos sejam sanados, diz ela, é improvável que o país receba novas doações. Formada em administração de empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Unterstell acompanhou como observadora da sociedade civil a negociação do acordo que criou o Fundo Amazônia, em 2008. Abastecido principalmente pela Noruega (93,8%) e Alemanha (5,7%), o fundo busca estimular ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na Amazônia brasileira. Os doadores suspenderam o funcionamento do fundo quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou reduzir o papel da sociedade civil no conselho que gere os repasses. Unterstell trabalhou ainda no governo do Amazonas e, entre 2011 e 2013, foi negociadora do Ministério do Meio Ambiente em debates internacionais sobre a proteção de florestas. Em 2018, candidatou-se a deputada federal pelo Podemos, mas não se elegeu. Neste ano, Unterstell se candidatou outra vez — agora a uma vaga no conselho de supervisores (Board of Overseers) da Universidade Harvard, onde fez mestrado em Administração Pública entre 2015 e 2016. Bolsonaro e Ricardo Salles na cúpula climática convocada por Joe Biden, na semana passada; presidente brasileiro "claramente mudou o tom — aquele tom mais ofensivo que existiu, por exemplo, nas últimas assembleias gerais da ONU — para um tom bastante defensivo" Formado por ex-alunos, o conselho é responsável por aprovar a escolha do presidente da universidade e seus dirigentes. Unterstell integra um movimento que cobra a universidade a deixar de investir em empresas de combustíveis fósseis. Uma das mais renomadas universidades do mundo, Harvard tem cerca de US$ 41 bilhões em investimentos, usados para financiar a instituição. A eleição se encerra em 18 de maio. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. BBC News Brasil - Qual o saldo para o mundo do evento sobre o clima convocado por Biden? Natalie Unterstell - Segundo a Convenção-Quadro da ONU sobre Clima, estamos em uma rota que nos levará a um aumento de 3,6 graus da temperatura até o final do século. Seria um cenário catastrófico, em que todos os recifes de corais ficariam esbranquiçados, haveria degelo da calota polar e uma grande instabilidade climática. Essa cúpula foi marcada pra tentar melhorar as ofertas dos grandes emissores. Dos 18 maiores emissores, só dois tinham colocado metas mais progressistas na mesa: o Reino Unido e a União Europeia. Foi um bom começo principalmente porque os EUA colocam uma meta muito, muito ambiciosa — de reduzir entre 50 e 52% suas emissões até 2030 (em relação a 2005). E isso fez o ponteiro mexer, criou-se uma efeito dominó positivo. O Japão melhorou de 26% para 46% a sua oferta de redução de emissões para 2030. O Canadá também melhorou. Os EUA muito habilmente colocaram sua diplomacia para trabalhar com os países que mais dependem de carvão: Japão, China, Índia, Coreia do Sul. E foram bem sucedidos. A Coreia do Sul anunciou que não vai mais financiar a extração de carvão no exterior. A própria China disse que vai reduzir o consumo de carvão. Então acho que se começou a asfixiar realmente essa tecnologia decadente. BBC News Brasil - Os anúncios são suficientes para evitarmos o aumento de 3,6 graus? Unterstell - Não. Dados preliminares do Climate Action Tracker (organização de cientistas que calcula o impacto das metas de emissões dos países) mostram que as novas metas reduziram em 12% a 14% a previsão de emissões globais até 2030. É insuficiente. Vamos precisar de novas rodadas até o final do ano para que países que não colocaram novidades na mesa, como a China e a Índia, melhorem suas metas. BBC News Brasil - Biden diz que o combate às mudanças climáticas será um dos eixos de seu governo. Qual o impacto disso para o resto do mundo? Unterstell - Um é a mobilização do setor privado americano para a transição energética (rumo a fontes menos poluentes). Isso gera novos padrões e tem um efeito cascata para o resto do mundo. Para Natalie Unterstell, discurso de Bolsonaro em evento de Joe Biden sobre o clima não convenceu grandes atores internacionais Os EUA estão usando o setor privado para conversar com os outros países. Com a Índia, por exemplo, estão tentando mobilizar investidores e financiadores privados americanos para a transição energética naquele país. Poucos países têm uma alavanca com essa dimensão e capilaridade. O outro ponto é em relação a comércio. Em seu plano de governo, Biden disse que levaria em conta riscos climáticos ao estabelecer acordos comerciais. Eles estão numa via de alinhamento com a União Europeia nesse sentido. Vamos começar a ver uma convergência de padrões tanto de investimento quanto de comércio levando em conta a questão da mudança do clima. Isso muda tudo. BBC News Brasil - E qual foi o saldo para o Brasil do evento de Biden? Unterstell - O saldo não é positivo. Bolsonaro claramente mudou o tom — aquele tom mais ofensivo que existiu, por exemplo, nas últimas assembleias gerais da ONU — para um tom bastante defensivo. Mas não apresentou nenhuma meta nova para 2030. Vários países firmaram acordos bilaterais com os Estados Unidos na agenda de clima. O Brasil não firmou nada bilateral, isso também é notável. Outro ponto é que a conferência anunciou um mecanismo global para florestas, indicando que a gente perdeu a oportunidade de ter um mecanismo só para a gente. BBC News Brasil - Você se refere à LEAF (sigla em inglês para "diminuindo o desmatamento por meio da aceleração do financiamento florestal", iniciativa anunciada por EUA, Noruega, Reino Unido e empresas privadas). O que achou do mecanismo? Unterstell - Vejo-o com muitos bons olhos porque ele vai buscar recursos privados para fazer um pagamento por resultado. A ideia foi concebida aqui no Brasil (no Fundo Amazônia). Tem várias grandes empresas envolvidas, como Amazon, Nestlé e Airbnb. Isso vai possibilitar que jurisdições que consigam demonstrar resultados de redução do desmatamento recebam recompensas. Também acho muito interessante que a LEAF não mire só governos nacionais, mas também governos subnacionais, como estados e municípios. A gente ainda não sabe quem vai operar o mecanismo, há muitos detalhes a serem esclarecidos, mas me parece um novo boost de energia para a questão da redução do desmatamento. BBC News Brasil- Governadores de Estados amazônicos têm tentado sem sucesso destravar os repasses do Fundo Amazônia. O LEAF poderia ser uma alternativa para eles? Unterstell - Acho que essa é a melhor chance de acessarmos o LEAF. Vinte e quatro governos estaduais — exceto Rondônia, Roraima e Santa Catarina — enviaram uma carta ao Biden indicando sua disposição e interesse em atrair investimentos diretamente para zerar as emissões e zerar o desmatamento. Acho bastante positivo. Porém, esses governos não têm jurisdição total sobre seus territórios. Há neles terras que são de competência da União, como terras indígenas, parques nacionais e terras devolutas federais. Mesmo que existam recursos para esses governos estaduais, eles não vão poder resolver o problema nas terras federais, então a gente não pode esquecer da responsabilidade da União em fazer a lição de casa. Bolsonaro disse em reunião convocada por Biden que dobraria os recursos destinados à fiscalização ambiental, mas orçamento recém-aprovado reduziu verba do setor BBC News Brasil - Por mais que estejam se mobilizando para atrair recursos, vários Estados amazônicos estão hoje sob forte influência de políticos que defendem reduzir unidades de conservação, privatizar terras públicas e anistiar grileiros. Qual a chance de prevalecer a visão conservacionista? Unterstell - De fato tem um jogo de forças, e estamos vendo esse jogo pender para o desmatamento em regiões que antes eram conservadas, como o sul do Amazonas. É muito preocupante. Isso diz respeito a algo que ainda precisa ser melhor elaborado na sociedade brasileira, que é a tradução das oportunidades de conservação no local. Isso ainda não está claro em todos os lugares, e acho que esse é o grande desafio que a gente tem agora. Vamos imaginar que venham recursos vultuosos para governos subnacionais na Amazônia no próximo ano. Como que isso vai fazer com que o jogo vire localmente? Sou relativamente otimista porque no passado a gente já viu esse jogo acontecer. A gente teve momentos de enfrentamento dessas forças e, por algum tempo, foi possível que forças mais reformistas e pró-conservação vencessem. Então é uma questão de equilibrar o jogo, que hoje está muito balanceado para o lado da destruição. Também é sempre bom lembrar que o resto do mundo está adotando novos padrões de comércio e de investimento. Fala-se de um mundo livre de desmatamento. Isso cada vez mais vai fazer pressão no âmbito nacional, cada vez vai percolar mais e vai chegar mais na ponta. E aí acho que algumas dessas forças vão ser moderadas. BBC News Brasil - Há outros países ocupando hoje o espaço que o Brasil já ocupou nos debates sobre a proteção das florestas? Unterstell - Com certeza. Países vizinhos, como a Colômbia, estão percebendo a oportunidade e um vácuo que o Brasil está deixando em relação à proteção da Amazônia e se posicionando super bem para estabelecer acordos bilaterais para participar de vários mecanismos. Lá fora, a Indonésia tem muitos problemas, mas está muito ciente das oportunidades que existem. Não à toa, tem feito inúmeros projetos para captar recursos públicos internacionais para a questão de clima e tentado criar mecanismos privados. Se o Brasil deixar, e o Brasil está deixando, esse espaço será ocupado por outros países. BBC News Brasil - O governo federal diz que o Brasil deve ser pago pela comunidade internacional por resultados já alcançados no passado. Qual sua opinião? Unterstell - Essa é uma polêmica que foi instalada pelo próprio governo federal. Sim, existe um mecanismo para ser pago por resultados, o Green Climate Fund (Fundo Verde do Clima). O Brasil pegou US$ 96 milhões desse mecanismo, e só não pegou mais porque não executou o recurso. O governo federal diz que temos resultados do passado a receber, e temos, mas a gente só não recebeu ainda porque não gastamos o que já recebemos. Isso é bastante contraditório com o discurso do governo atual. E tem uma outra questão também, que é a do próprio Fundo Amazônia continuar travado há dois anos. A governança foi desestabelecida. A gente não tem mais o Comitê Orientador do Fundo Amazônia e, com isso, existem R$ 2,9 bilhões parados no fundo. O sinal que isso gera para qualquer outro potencial parceiro internacional é muito ruim. Primeiro porque não há confiança na governança. Não se tem certeza se o Brasil, se entrar num acordo, não vai quebrá-lo como fez com a Noruega e a Alemanha no caso do Fundo Amazônia. E se o Brasil tem R$ 2,9 bilhões parados, por que grandes empresas e outros governos vão priorizar dar recursos ao Brasil? Esse fechamento do espaço é baseado em evidências muito concretas de que o Brasil não está a fim, está mal posicionado nesse jogo. Incêndio no Pantanal em foto de 2020; "existe um trabalho em torno de manter uma floresta em pé além do que está na lei, cuidar de terra indígena, garantir vigilância. Tudo isso tem um valor para a sociedade brasileira e global", diz analista Não é que esteja faltando recurso. Tem novas promessas vindo aí, o Biden disse que vai colocar aquilo que tinha prometido, a França dobrou sua contribuição. Então as perspectivas são de que quem chegar com bons projetos, com boas justificativas vai conseguir levar. BBC News Brasil - Muito se fala sobre a necessidade de remunerar as pessoas na ponta que preservam a floresta. Há discussões internacionais sobre esse tema? Unterstell - Elas nunca chegam nesse nível, porque isso tem a ver com a soberania nacional de cada país. Cada país é livre para estabelecer seus mecanismos. Mas eu acho que cada vez mais se vê isso como um serviço que precisa ser pago. Afinal, existe um trabalho em torno de manter uma floresta em pé além do que está na lei, cuidar de terra indígena, garantir vigilância. Tudo isso tem um valor para a sociedade brasileira e global. Estamos começando a pensar nisso como empregos. Tem uma coisa muito legal no plano do Biden que poderia nos inspirar. É a ideia de ter o que eles se chamam de Civilian Conservation Corps (brigadas civis de conservação). Foi assim que o (ex-presidente Franklin Delano) Roosevelt, lá no New Deal (1933-1937), conseguiu empregar 3 milhões de pessoas nos Estados Unidos fazendo-os restaurar a vegetação e cuidar de parques. Biden colocou isso no programa dele, e essa seria uma discussão superinteressante aqui, e prática. Digamos que existam recursos — e existem — para a gente captar a cooperação internacional. Para onde vai isso? Por que não pensar, por exemplo, que o Pantanal precisa ser restaurado? Isso geraria emprego na ponta, faria as pessoas serem pagas por um serviço, por alguma entrega concreta. Mas infelizmente o nosso nível de discussão no Brasil está muito opaco, a gente ainda não consegue nem pensar em sair da pandemia. BBC News Brasil - O que achou do programa Floresta +, lançado recentemente pelo governo Bolsonaro, e que também prevê remunerar quem preserva o meio ambiente? Unterstell - Pode ser um programa interessante, mas ainda tem pouca informação pública a respeito dele — sobre sua governança, por exemplo. A gente precisaria entender com mais clareza quem está de fato o guiando, e se a sociedade participa. Por exemplo: eles falam em pagar povos indígenas. Quem são os povos indígenas que estão sendo chamados para essa conversa? BBC News Brasil - Temos visto muitas grandes empresas anunciando medidas contra as mudanças climáticas. O quanto disso é marketing, e o quanto isso realmente muda o jogo? Unterstell - Tem as duas coisas. Alguns segmentos estão sob muita pressão — o dos frigoríficos, por exemplo. E ele sabem muito bem que não vai bastar fazer um serviço de relações públicas. Não é à toa que uma grande empresa do setor anunciou recentemente o compromisso de chegar ao net zero (equilíbrio entre emissão e absorção de carbono em suas atividades) em 2040. Depois uma concorrente anunciou a mesma coisa, e outra foi mais ambiciosa e puxou a meta para 2035. Há razões muito concretas para essa corrida, que é o acesso a mercados internacionais, a questão da reputação, e também motivos financeiros. O desinvestimento (retirada de recursos por parte de investidores) já é um risco material para alguns desses setores. Metas anunciadas em conferência climática foram ambiciosas, mas será preciso mais para evitar catástrofe, diz analista; acima, protesto em Washington por ações contra mudanças climáticas Mas isso precisa ser para valer. Precisamos pensar no Brasil na accountability, no monitoramento desses compromissos. O grande risco que eu vejo hoje é que tem uma corrida para o net zero no mundo inteiro, mas no Brasil muitos acham que basta fazer a conta de emissões e comprar créditos para compensar. Só que os créditos foram criados para serem transitórios. É preciso investir para trocar tecnologias e zerar as emissões. BBC News Brasil - O que acha do movimento de grandes empresas brasileiras que, diante da alta no desmatamento na Amazônia, têm se manifestado publicamente e cobrado o governo a agir? Isso é novo? Unterstell - É bem novo. Me chamou muito a atenção que, em agosto de 2019, 230 investidores e asset managers (administradores de fundos de investimento) globais, incluindo dois brasileiros, tenham mandado uma carta ao presidente da República sobre controlar as queimadas. Nunca tinha visto uma carta de investidores endereçada ao chefe de Estado, e depois dessa arrancada começou uma onda de ativismo corporativo aqui no Brasil bastante relevante. A gente vê uma mobilização, e isso elevou bastante a percepção de que a pauta ambiental também é econômica. O empresariado já se ligou que a gente está vivendo num mundo em que meio ambiente, a mudança do clima impõem riscos financeiros, não só reputacionais. É positivo. Agora, isso vai controlar o desmatamento? Não. Se a gente não tiver ação de Estado para regular e fazer cobrança das empresas, pode ser que tudo isso só fique no plano retórico. BBC News Brasil- O clima e o meio ambiente são hoje temas centrais na política da Europa e dos EUA. Como compara esse cenário ao da política no Brasil? Unterstell - O que vem acontecendo nesses países é uma espécie de insurgência verde para além dos partidos verdes. Nos EUA, a questão ambiental se conectou com demandas de saúde e com demandas de emprego locais. Não é à toa que Biden se elege prometendo criar empregos na transição climática, porque é isso que as pessoas querem, empregos de boa qualidade. No Brasil, não estamos ainda formando um pipeline de políticos e de partidos com capacidade de disputar espaço com essa mesma leitura. A gente produziu uma Constituinte nos anos 80 com um capítulo de meio ambiente e um capítulo de povos indígenas. Houve uma construção superbonita em relação à democracia, à participação, então a nossa democracia conseguiu produzir uma coisa fantástica lá atrás. Mas a gente até hoje não viu de nenhum partido qualquer proposta de Green New Deal (plano de investimentos governamentais focado em tecnologias verdes; o termo é inspirado no New Deal, programa que tirou os EUA da grande recessão de 1929). E, mesmo com todos os desafios que a gente teve nesses últimos dois anos, como Brumadinho, o vazamento de óleo no Nordeste, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, a gente não viu uma produção legislativa para dar resposta. É preocupante. Não vejo o mesmo nível de interesse e de compreensão sobre o tema entre os políticos brasileiros. BBC News Brasil- Nem na esquerda? Unterstell - Nem na direita, nem na esquerda. Seria muito importante que o PT, que possivelmente vai ter um candidato majoritário na próxima eleição, olhasse a questão do pré-sal e a questão do petróleo à luz dos desafios da mudança do clima. Essa discussão precisa ser feita, já que o partido e seu maior expoente continuam falando desse mundo e apostando nele, sem reconhecer os desafios que a gente tem na pauta climática. E a Petrobrás precisa ter uma visão estratégica em relação à transição, de como ela vai voltar a investir em fontes renováveis — os investimentos dela hoje são pífios nessa área. Pensar qual é a vida útil dessas reservas e como o país pode melhor utilizar esses recursos. Como as regiões hoje dependentes das arrecadações do petróleo vão ficar? Esses planos de transição são inevitáveis. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Covid-19: em meio a dúvida sobre Pazuello, Brasil passa a ser país com mais casos e mortes nos últimos 7 dias
Em meio à possibilidade sobre mais uma troca de comando no Ministério da Saúde — se concretizada, a terceira desde o início da pandemia de covid-19 — dados divulgados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) apontam que o Brasil quebrou um novo recorde: o país liderou o número de casos e mortes no mundo nos últimos sete dias, ultrapassando os Estados Unidos.
Foram 494.153 novos casos da doença causada pelo novo coronavírus e 12.335 mortes no período no Brasil, contra 461.190 e 9.381, respectivamente, nos Estados Unidos. Foram 494.153 novos casos da doença causada pelo novo coronavírus e 12.335 mortes no período no Brasil, contra 461.190 e 9.381, respectivamente, nos Estados Unidos. Nas últimas 24 horas, o Brasil também superou os EUA tanto em número de casos quanto em mortes. Foram 85.663 casos e 2.216 mortes no Brasil contra 62.840 e 1.388 nos EUA, respectivamente. De acordo com a OMS, o Brasil é o segundo país em número total de casos confirmados e mortes, atrás apenas dos EUA. Fim do Talvez também te interesse Desde o início da pandemia de covid-19, foram 11.363.380 casos de infecção e 275.105 mortes, contra 29.063.401 e 528.456 nos EUA, respectivamente. A Índia tem o terceiro maior número de casos confirmados no mundo (11.359.048). Já o México ocupa a terceira posição em número de mortes (193.851). Especialistas consideram que o Brasil passa pelo pior momento da pandemia. Nos últimos dias, o país vem registrando seguidos recordes de mortes diárias. Na semana passada, por exemplo, o Brasil teve mais mortes em um período de 24h do que todo o continente asiático, cuja população é mais de 20 vezes superior à brasileira. Nos EUA, por outro lado, a pandemia dá sinais de arrefecimento. O país tem o maior número de doses administradas de vacinas contra covid-19 no mundo: mais de 107 milhões. O presidente americano, Joe Biden, prometeu imunizar toda a população até julho. Troca de comando Já em Brasília crescem os rumores sobre a saída do general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde. Sua demissão — alegando motivos de saúde — chegou a ser noticiada pela imprensa neste domingo (14/3), mas Pazuello negou. "Eu não estou doente, continuo como ministro da Saúde até que o presidente da República peça o cargo. A minha missão é salvar vidas", disse ele por meio da assessoria do Ministério. Se confirmada, será a terceira troca na pasta desde o início da pandemia. O Brasil iniciou a pandemia tendo o médico Luiz Henrique Mandetta como titular do Ministério da Saúde. Ele estava no cargo desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro e foi demitido em abril de 2020 por divergências quanto à estratégia de combate ao vírus. Mandetta foi substituído pelo médico Nelson Teich, que comandou o ministério por menos de um mês, até renunciar em 15 de maio de 2020. Bolsonaro decidiu, então, nomear como interino o general Eduardo Pazuello, sem experiência na área da saúde, mas que era na ocasião secretário-executivo da pasta. Em setembro, ele foi confirmado oficialmente no posto. Agora, o Brasil caminha para ter um quarto ministro da Saúde. O nome da cardiologista Ludhmila Hajjar chegou a ser aventado e ela se reuniu por três horas com Bolsonaro no domingo. Mas ela deve recusar o convite, segundo noticiou a imprensa brasileira. Ela e Bolsonaro devem se encontrar nesta segunda-feira (15/3) novamente. Hajjar, que atendeu o próprio Pazuello quando ele foi infectado pelo novo coronavírus, tem apoio de diversos parlamentares, entre eles, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). A médica tem sido uma defensora da necessidade de vacinação urgente, participou de estudos que desmentiram a eficácia de drogas para o tratamento precoce da covid-19, como a cloroquina, e apoia o isolamento social. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
As escolas ao ar livre de 100 anos atrás que podem inspirar volta às aulas na pandemia
Diante da ameaça de uma doença transmitida pelo ar, potencialmente mortal e ainda sem a oferta de vacina, como colocar as crianças de volta nas escolas de modo seguro? O dilema, tão atual, foi enfrentado também há um século, quando a tuberculose era um mal devastador.
Experiências de ensino ao ar livre na Europa a partir de 1904 inspiraram Escola de Aplicação ao Ar Livre (EAAL), que funcionou no Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo, entre 1939 e os anos 1950 No final do século 19, a doença bacteriana matava um a cada sete cidadãos da Europa e dos EUA, segundo dados dos Centros de Controle de Doenças (CDCs) americanos. A vacina chegou em 1921 (no Brasil, em 1927), mas levaria muitos anos até que fosse adotada de modo massivo no mundo inteiro. Para proteger as crianças nas escolas, uma solução foi usar espaços abertos como salas de aula: com lousas e carteiras portáteis, alunos e professores ocupavam jardins e usavam a observação da natureza para aprender sobre ciências, arte ou geografia, por exemplo. EAAL era considerada modelo pela administração municipal paulistana, tinha currículo diferenciado e até fila de espera por vagas As chamadas "escolas ao ar livre" surgiram na Alemanha e na Bélgica em 1904, e o movimento avançou nas décadas seguintes, a ponto de ser tema, em 1922, do 1° Congresso Internacional de Escolas ao Ar Livre, em Paris. Inspirou ações também nos EUA, quando, em 1907, duas médicas de Rhode Island sugeriram a abertura de escolas em áreas abertas, informa o The New York Times. Com o sucesso da iniciativa (já que nenhuma criança adoeceu de tuberculose ali), foram criadas mais 65 escolas do tipo no país nos dois anos seguintes, em vãos de prédios vazios, coberturas de edifícios e até balsas abandonadas. Fim do Talvez também te interesse Aqui no Brasil, há poucos registros sobre o tema, mas o pesquisador André Dalben encontrou histórias de experiências de escolas do tipo a partir de 1916 em Campos de Goytacazes, Angra dos Reis (RJ) e Manaus (AM) e, posteriormente, a chamada Escola de Débeis, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930. "A tuberculose era uma grande preocupação, junto com outras doenças infantis, como anemia e desnutrição. No geral, as escolas atendiam crianças de famílias pobres, o que evidencia uma ideia higienista: se pensava no corpo delas como mais enfermo", explica Dalben à BBC News Brasil. A ideia, diz ele, era tirar essas crianças de locais insalubres, como cortiços superlotados, e colocá-las em contato com a natureza, com a intenção de fortalecer seu sistema imune. Uma das experiências mais duradouras foi a da Escola de Aplicação ao Ar Livre (EAAL), que funcionou no Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo, entre 1939 e os anos 1950, quando a escola se mudou para um edifício próximo, no bairro da Lapa. A EAAL foi estudada por Dalben, hoje professor da Unifesp, em seu pós-doutorado na PUC-SP, e são delas as fotos que ilustram esta reportagem. Mundo inteiro discute a retomada das aulas presenciais; acima, escola ao ar livre na Caxemira A escola paulistana fugia ao perfil das demais: ensinou alunos vindos de influentes famílias de classe média paulistana que moravam nas redondezas do Parque da Água Branca, em áreas que hoje abrigam bairros como Pompeia e Perdizes. Dalben explica que a escola, que chegou a ter 350 alunos simultaneamente, era considerada modelo pela administração estadual paulistana, tinha currículo diferenciado e até fila de espera por vagas. "Mas não sei como era o dia a dia na escola. Fui procurado por alguns ex-alunos, hoje na casa dos 80 anos, que contaram que tiveram professoras bem rígidas. Então talvez na prática ela não fosse tão diferente assim das outras (escolas da cidade)." Contato com a natureza e protagonismo dos alunos Para além do controle da tuberculose, o modelo de escolas ao ar livre floresceu no período entre as guerras mundiais, tempo de um boom de novos ideais de sociedade e educação, diz à BBC News Brasil Diana Vidal, professora titular de História da Educação na Faculdade de Educação da USP. "Havia uma discussão de educadores contra a experiência da escola do passado, pensando-se em uma que fosse mais amigável, promovesse a defesa da democracia, para criar uma geração mais pacífica e solidária." Embora o ideal não tenha se concretizado — logo depois viria a Segunda Guerra Mundial —, Vidal explica que isso foi a semente para a defesa de um ensino mais próximo à natureza, com protagonismo juvenil, que engajasse as crianças em projetos práticos, aliasse atividades físicas ao desenvolvimento intelectual e emocional e tivesse o professor como mediador, em vez de apenas fornecedor de conteúdo. Ideias essas que permanecem vigentes (e nem sempre colocadas em prática) na educação atual. 'Havia uma discussão de educadores contra a experiência da escola do passado, pensando-se em uma que fosse mais amigável, promovesse a defesa da democracia, para criar uma geração mais pacífica e solidária'; acima, uma aula no Parque da Água Branca, zona oeste de São Paulo André Dalben conta que as escolas ao ar livre do início do século 20 já foram chamadas de um "cometa médico-pedagógico", que acabaram quase desaparecendo nas décadas de 1950 e 60. Primeiro, porque as doenças infecciosas deixaram (pelo menos até este ano) de serem tão devastadoras, diz Dalben. Depois, explica Diana Vidal, porque prevaleceu o modelo de escola semelhante ao fabril, que implementa horários fixos de entrada e saída e tenta acomodar o máximo de alunos possível dentro de um espaço físico, de modo a otimizar recursos e gastos. Parques, praças e clubes Diana Vidal voltou seus olhos às escolas ao ar livre do passado quando viu imagens da volta às aulas em Manaus, no início de agosto, com crianças pequenas mascaradas e sentadas em uma sala de aula com divisórias de acrílico entre elas. "Talvez estejamos tão apegados às soluções empresariais, pensadas para os adultos trabalhadores, que não possamos reconhecer a inadequação dessas medidas para os alunos dos anos iniciais da educação básica", escreveu Vidal em artigo no Jornal da USP. Em contrapartida, opina ela, "ao se colocar as crianças em mais contato com a natureza, se cria uma discussão sobre as práticas de ensino. (...) Elas passam a explorar outros espaços para a experiência educativa — com novos conteúdos e novos relacionamentos." Aulas ao ar livre na Caxemira; 'ao se colocar as crianças em mais contato com a natureza, se cria uma discussão sobre as práticas de ensino' Além disso, os estudos até agora indicam que a proliferação do novo coronavírus é muito menor em espaços abertos e de ventilação natural. "O vírus acaba se diluindo ilimitadamente ao ar livre", disse em maio, à BBC, o professor de Epidemiologia Erin Bromage, da Universidade de Massachusetts em Dartmouth, nos EUA. "Então, quando uma pessoa doente expira (ar), os germes se dissipam muito rapidamente." Mas, na prática, como transpor a escola para o espaço externo, principalmente em cidades grandes, com poucas áreas livres disponíveis? Em agosto, a organização de direitos infantis Alana lançou, a partir de diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria e da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), um documento com sugestões para uso de espaços públicos na retomada das aulas presenciais. O texto defende que, embora o momento da volta às escolas deva ser definido pelas autoridades de saúde, o modo como isso vai acontecer deve ser discutido também por autoridades que administram o equipamento público da cidade, como parques e praças. Escolas ao ar livre do início do século 20 já foram chamadas de um 'cometa médico-pedagógico', que acabaram quase desaparecendo nas décadas de 1950 e 60 Entre as sugestões estão a criação de salas temporárias em parques, praças e clubes, voltadas principalmente às crianças menores, de forma a liberar mais espaço escolar interno para escalonar a volta às aulas das crianças mais velhas e adolescentes. Também sugere o uso de mesas de piquenique ou de podas de árvores para se criar bancos de madeira, associados a materiais leves (como flipcharts e pranchetas) trazidos da escola. Um entrave importante, diz o documento, é que apenas 40% das pré-escolas do país têm parquinho e só 25% têm área verde. E, mesmo antes da pandemia, o contato de muitas crianças com a natureza já era raro ou insuficiente — contato esse que poderia ajudar a promover uma infância mais rica, criativa e saudável. 'Podemos pensar as escolas junto às cidades como um todo, com mais uso de parques e espaços públicos. Não vamos seguir as mesmas linhas da escola ao ar livre do passado, mas vamos reinterpretá-las' Para André Dalben, as escolas ao ar livre do passado são uma inspiração para que repensemos a arquitetura das escolas atuais. "Quando comecei a pesquisar isso, era com foco na educação ambiental das crianças, (como solução) para que essa educação não precisasse ser um único conteúdo, mas sim passasse por todas as disciplinas. E agora tem também a pandemia", diz. "Podemos pensar as escolas junto às cidades como um todo, com mais uso de parques e espaços públicos. Não vamos seguir as mesmas linhas da escola ao ar livre do passado, mas vamos reinterpretá-las." Da Califórnia à Caxemira Simultaneamente, de regiões ricas e desenvolvidas a áreas mais pobres e conflagradas, o uso de espaços abertos vem sido discutido em diferentes partes do mundo. Nos EUA, a organização Green Schoolyards (em tradução livre, áreas escolares verdes) criou a Iniciativa Nacional de Aprendizagem ao Ar Livre, compilando estratégias que estão sendo adotadas por escolas americanas. Uma delas, na Califórnia, instalou no pátio lousas portáteis, filtros de água potável e blocos retangulares de feno, que servem tanto de banco para sentar como de blocos gigantes para brincar ou dividir espaços. A Dinamarca também criou um portal com propostas para "educação fora da sala de aula" em meio à pandemia. Uma das estratégias é manter as crianças em pequenos grupos o dia inteiro, cada um evitando o contato com o outro, e usando mais os espaços externos existentes em cada escola. Na conflituosa e vulnerável região da Caxemira, localizada na divisa entre Índia, China e Paquistão, outra iniciativa tem chamado a atenção. As crianças estudam ao ar livre, mesmo sob condições climáticas imprevisíveis — uma vez que a "nova sala de aula" fica aos pés da cordilheira do Himalaia. Alunos e professores usam máscaras de proteção e podem instalar tendas para se cobrir, mas fazem aulas até mesmo sob a chuva. Diana Vidal, da USP, diz ainda ver poucas discussões sobre o assunto no Brasil, mas enxerga as experiências passadas como um balão de ensaio, para incentivar um debate público. Na Caxemira, crianças estudam ao ar livre, mesmo sob condições climáticas imprevisíveis - uma vez que a 'nova sala de aula' fica aos pés da cordilheira do Himalaia "À medida que os modelos escolares foram consolidados, eles foram também se naturalizando e nos esquecemos das outras possibilidades", diz Vidal. Inclusive a possibilidade de dispensar, quando possível, a sala de aula física. "O exterior não precisa ser apenas para as famosas excursões escolares. Vamos ser compelidos a usar o ar livre, que é muito melhor que o fechado. É um convite em pensarmos como usar melhor os espaços que a gente tem." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Quem foi o geneticista antiaborto que identificou a Síndrome de Down e caminha para virar santo da Igreja
Ele foi o responsável pela descoberta da anomalia cromossômica que dá origem à Síndrome de Down e chegou a ser cotado para receber o prêmio Nobel. Portanto, era de se esperar que sua morte, em 3 de abril de 1994, tenha levado as comunidades médica e científica a emitir notas de condolências e reconhecimento à sua grandeza.
Jérôme Lejeune foi pediatra e geneticista Mas o pediatra e geneticista francês Jérôme Jean Louis Marie Lejeune (1926-1994) também comoveu o cerne da Igreja Católica. Amigo pessoal do então papa João Paulo 2º (1920-2005), primeiro presidente da Pontifícia Academia para a Vida, próximo da organização religiosa conservadora Opus Dei e crítico ferrenho de iniciativas para a legalização do aborto, Lejeune passou a ser cotado como futuro santo desde o dia em que morreu. Como não costuma ser célere o tempo da Igreja, apenas treze anos mais tarde seu processo de canonização foi aberto, ainda em fase diocesana — ou seja, com religiosos e pesquisadores em Paris, onde ele vivia, reunindo informações biográficas que atestassem sua relevância e potenciais virtudes. Cinco anos mais tarde, o caso foi submetido ao Vaticano. Nesse momento, Lejeune passou a ser considerado pela Igreja um servo de Deus. Seu caso então passou a ser conduzido pela Congregação para as Causas dos Santos. Fim do Talvez também te interesse Lejeune descobriu anomalia cromossômica que dá origem à Síndrome de Down Uma comissão de religiosos se encarregou de preparar um dossiê elencando as qualidades que o fariam apto ao reconhecimento da santidade. É quando, por meio de pesquisas e entrevistas, os religiosos buscam reconhecer se o candidato a santo teve virtudes cristãs compatíveis com a honraria dos altares. Essa fase foi concluída na semana passada. Depois do aval desse grupo de encarregados, o papa Francisco, no último dia 21, oficialmente determinou que Jérôme Lejeune é um venerável. Em outras palavras, está a caminho da beatificação, um passo importantíssimo no processo de canonização. À espera de um milagre "Com o reconhecimento de suas virtudes heroicas, é preciso um milagre atribuído à sua intercessão para a beatificação", explica à BBC News Brasil o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci. "[Isso significa algo] que seja cientificamente inexplicável, atribuído à intercessão do [candidato a] santo." Para tanto, conforme ele detalha, há duas comissões na Congregação para as Causas dos Santos: uma composta por peritos médicos e outra por teólogos. "Não será imediato", pontua. "Mas pode não demorar muito. Depende de quantos casos [de potenciais milagres] serão apresentados à Congregação." Nesta fase do processo, um bom marketing cristão ajuda a alavancar a causa. Isto porque quanto mais gente tiver conhecimento da candidatura do futuro santo, mais gente rezará por ele. E, enfim, quanto mais gente rezar por ele, maior a chance de que acontecimentos inexplicáveis sejam atribuídos à sua ajuda. Conforme explica o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o tempo para o reconhecimento de um milagre costuma depender de dois fatores. "Quantas pessoas têm devoção à sua memória e pedem que ele interceda por elas e do quanto se investe na sua causa de beatificação, tanto em termos institucionais como financeiros", diz ele à BBC News Brasil. "Quanto mais ele se torna conhecido e quanto mais os responsáveis pela sua causa de beatificação têm recursos para encontrar pessoas e aprofundar os inquéritos para a corroboração dos milagres, mais rápido anda o processo." Até o momento não há registro de que esteja em análise nenhum possível milagre atribuído a Lejeune. A principal entidade que busca dar visibilidade à vida e à obra do cientista é a Fondation Jêróme Lejeune, criada na França um ano após a sua morte, que apoia projetos de pesquisa em busca de tratamentos para portadores de deficiência intelectual. A instituição também costuma se posicionar contrariamente a pesquisas europeias que usam embriões humanos e é uma das fomentadoras da Marcha pela Vida, manifestação contra o aborto que ocorre anualmente em Paris. Em nota divulgada na semana passada, após o papa reconhecer Lejeune como venerável, a fundação afirmou que vivia um momento de "imensa alegria" e que a decisão do Vaticano "ajudará a fazer brilhar o nome de Jérôme Lejeune na França e no mundo". O texto qualificava o candidato a santo como "pioneiro da genética moderna, médico, grande cientista e homem de fé". O comunicado dizia ainda que o anúncio do Vaticano vem em um momento oportuno, quando dicussões bioéticas "cada vez mais objetificam e desumanizam o embrião" — e lembrava que Lejeune lutou "ao longo de sua vida" como opositor à legalização do aborto e "pelo respeito ao embrião". "A Igreja Católica reconhece um homem excepcional na ciência, que colocou sua inteligência, seu talento e sua fé a serviço da dignidade das pessoas feridas por deficiência mental, incluindo crianças com trissomia 21", acrescentou a nota. Atual presidente da fundação, o magistrado francês Jean-Marie Le Méné ressaltou que o reconhecimento da Igreja é recebido como "um grande incentivo para continuar o trabalho do professor Jérôme Lejeune a serviço da vida". "A qualidade de uma civilização se mede pelo respeito que tem pelos membros mais fracos", afirmou, repetindo o lema enfatizado por Lejeune. Doutor em teologia moral, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e assessor de bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o padre José Rafael Solano Duran diz à BBC News Brasil que, com o passo dado pelo Vaticano, "a Igreja proclama a vida". "E Lejeune se transforma num verdadeiro padroeiro de todos os defensores da vida." "Estamos diante de um nome que percorreu um caminho de pesquisa belíssimo. E encontrou nesse caminho uma resposta àquilo que a antropologia cristã sempre promoveu e sempre proclamou: a unidade do ser humano", acrescenta. Lejeune era amigo pessoal do papa João Paulo 2º Trajetória Em 1952, logo depois de ter se formado em medicina, Lejeune começou a trabalhar no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), o maior órgão público de pesquisas da França. Seis anos mais tarde, quando examinava os cromossomos de uma criança com síndrome de Down, ele descobriu a trissomia 21, a anomalia genética causadora da condição. Com sua equipe, acabou avançando sobre outras questões, melhorando a compreensão da ciência sobre como anomalias cromossômicas podem desencadear moléstias — em 1963, por exemplo, ele descobriu a Síndrome do Miado de Gato, também conhecida como Síndrome de Lejeune. Tais estudos fizeram com que ele passasse a ser considerado o "pai da genética moderna". Lejeune foi logo nomeado chefe da unidade de citogenética do Hospital Necker-Enfants Malade, em Paris. Ali ele seguiria desenvolvendo sua carreira. Estima-se que tenha tratado mais de 9 mil pacientes com deficiência intelectual e analisado cerca de 30 mil exames cromossômicos. Em 1964, tornou-se o primeiro professor de genética da Faculdade de Medicina de Paris. Suas descobertas o fizeram ser cotado para receber o Prêmio Nobel — que nunca veio. De acordo com seus apoiadores, a negativa da Academia Sueca em reconhecer seu legado científico tinha a ver com sua religiosidade. Quando percebeu que suas pesquisas acabaram possibilitando exames de detecção precoce (ainda durante a gravidez) de problemas genéticos do embrião — e, consequentemente, justificando a interrupção de gestações —, Lejeune se converteu em um defensor público da vida conforme a doutrina católica, ou seja, desde a concepção. E se engajou na luta contra a legalização do aborto. Tornou-se presidente honorário da organização francesa pró-vida Laissez-les Vivre: SOS Futures Mères e chamou a pílula abortiva Mifepristone de "primeiro pesticida humano". Doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, o vaticanista Filipe Domingues destaca que é preciso contextualizar o momento histórico em que Lejeune conduziu suas pesquisas. "Ele viveu um período pós-Segunda Guerra, então tinha consciência de tudo o que havia ocorrido em termos de eugenia e seleção de raça [pela política nazista]." Assim, quando fez a descoberta [da anomalia cromossômica], imediatamente percebeu um risco", diz ele à BBC News Brasil. "Lejeune sabia que estava diante de algo que mudaria a história da ciência e da medicina, da vida em sociedade. Mas, do ponto de vista ético, imediatamente identificou os riscos de sua própria descoberta. E não aceitou que ela fosse instrumentalizada contra a vida." "Ele fez a descoberta e, ao mesmo tempo, um alerta como cientista", acrescenta Domingues. "Tal comportamento gerou muita reação negativa na comunidade científica, nos movimentos feministas e na sociedade em geral, onde já vinha crescendo um movimento a favor da legalização do aborto e dos direitos reprodutivos." "Lejeune foi muito firme em suas críticas. Ele tinha convicção moral, não só do ponto de vista cristão, mas do ponto de vista científico, que não era correto praticar o aborto, tampouco realizar fecundação fora fora útero ou qualquer manipulação no embrião", conta o vaticanista. "Esses posicionamentos geraram grande hostilidade do mundo acadêmico e dos movimentos sociais." Organização que defende o acesso ao aborto legal, o grupo Católicas Pelo Direito de Decidir diz que "Lejeune deixa um legado contrário àquilo que entendemos como o direito que as mulheres têm de viver". "Como cientista, ele realmente foi um homem que legou para a humanidade um trabalho importante", afirma à BBC News Brasil a socióloga Maria José Rosado, professora da PUC-SP e presidente da organização. "Mas é bastante questionável que se reconheçam virtudes heroicas de um homem que contribuiu e ainda contribui, sendo citado reiteradamente por grupos que são contrários à vida das mulheres, com a morte. Refiro-me a grupos que se recusam a reconhecer que é um direito das mulheres decidir quando, com quem e se querem continuar uma gravidez." Ela cita o fato de que, em países onde o aborto é ilegal, milhares de mulheres acabam buscando clínicas clandestinas e morrendo por conta das condições precárias. "Ser contrário a uma legislação que permita às mulheres decidirem se elas desejam ou não recorrer a um aborto em algum momento da vida é, na verdade, ser contrário à vida", prossegue. "Nesse ponto, parece muito estranho que a Igreja Católica, no caso o papa Francisco, reconheça virtudes heroicas desse homem. Suas virtudes foram apenas científicas, pois com relação à vida das mulheres e adolescentes ele, na verdade, contribuiu de alguma forma para a morte." Vaticano Se tais posicionamentos o afastaram de honrarias como o Nobel, por outro lado fizeram dele próximo de grupos católicos. Lejeune passou a ser um apoiador da prelazia Opus Dei, organização conhecida por suas posturas conservadoras, e iniciou uma amizade com o papa João Paulo 2º. Em 1974, foi convidado a integrar a Pontifícia Academia de Ciências. Ele ainda se tornaria membro do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde e, em 1994, o primeiro presidente da Pontifícia Academia para a Vida, recém-criada. Na fatídica quarta-feira em que o papa João Paulo 2º sofreu um atentado na Praça São Pedro, em 13 de maio de 1981, ele havia almoçado horas antes com o cientista. "Lejeune e Karol Wojtyla [nome civil do papa João Paulo 2º] tiveram uma relação muito próxima, de verdadeiros amigos. Sem dúvida alguma, Lejeune teve participação na encíclica 'Evangelium Vitae' [publicada em 1995 e que trata, entre outros temas, de aborto e eutanásia]", afirma padre Duran. Quando esteve em Paris em agosto de 1997 por conta da Jornada Mundial da Juventude, o papa João Paulo 2º visitou o túmulo de Lejeune. Conforme conta Gagliarducci, esse acontecimento desencadeou críticas políticas na França. "Um comunicado do partido no poder lamentou a decisão papal [de visitar o túmulo do cientista], afirmando que o gesto 'poderia causar mal-estar e arriscar a encorajar no país aqueles que se opõem ao aborto com intolerância'", recorda. O jornalista Joaquín Navarro-Valls (1936-2017), então porta-voz do Vaticano, respondeu que "a visita ao túmulo foi particular, com apenas parentes presentes" e que "a vontade do papa foi absolutamente clara e se alguém quiser interpretar mal, está errado". Criada pelo sacerdote Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975), o fundador da Opus Dei, a Universidade de Navarra, na Espanha, concedeu a Lejeune o título de doutor honoris causa em 1974. "O reconhecimento das virtudes de Jérôme Lejeune nos alegra e tem um componente essencial para nós. Afinal, acreditamos que o estudo e o trabalho cotidianos, iluminados pela fé, podem ser transcendentes e um serviço à sociedade", afirma à BBC News Brasil o jornalista Roberto Zanin, diretor do escritório de comunicação da Opus Dei no Brasil. "Pensando no cenário do mundo contemporâneo, nota-se que há uma tentativa de se opor a fé à ciência. Lejeune foi um homem de fé e um cientista renomado. Acreditamos que quando o Papa sublinha o exemplo de vida cristã do cientista, sinaliza ao mundo que a fé pode e deve ser inteligente e que a ciência, iluminada por uma fé madura, pode ganhar novos relevos éticos." Papa Francisco Alguns especialistas acreditam que o timing para que o papa reconheça as virtudes de Lejeune seja uma resposta ao momento em que a Argentina — terra natal do sumo pontífice — acaba de aprovar a legalização do aborto. Haveria um temor, na cúpula do Vaticano, que iniciativas semelhantes ocorram em outros países latino-americanos, tradicionalmente católicos. "Não foi por acaso que essa decisão tenha vindo logo após a legalização do aborto na Argentina. Parece-me uma resposta no sentido de se contrapor ao processo", diz a socióloga Rosado. "Reconhecer Lejeune é uma forma sutil e política de o Vaticano se contrapor ao avanço que significa a nova legislação argentina, a favor da vida das mulheres, bem como à possibilidade de algo semelhante vir a ocorrer em outros países da região." "O reconhecimento de suas virtudes significa uma manifestação antiaborto por parte do Vaticano e, mais do que isso, que a Igreja demonstra acreditar que ele tinha virtudes, por defender a vida humana", afirma o vaticanista Domingues. "Para a Igreja, os santos são sempre modelos de vida." Especialistas acreditam que o timing para que o papa reconheça as virtudes de Lejeune seja uma resposta ao momento em que a Argentina — terra natal do papa Francisco — acaba de aprovar a legalização do aborto "Acredito que a mensagem principal [do reconhecimento] é que a pesquisa científica deve estar sempre a favor da vida, de todos, sobretudo dos mais indefesos", comenta Zanin, do escritório da Opus Dei. "Como consequência disso, o papa, com o reconhecimento das virtudes heroicas de Lejeune, propõe uma reflexão à sociedade. Será que não estamos querendo criar um mundo onde só os 'úteis', os 'produtivos', os 'desejados' devem ter o direito de viver?" Para o sociólogo Ribeiro Neto, contudo, a questão antiaborto é apenas um aspecto a ser considerado. "Ele é reconhecido como exemplo de cientista católico, alguém que colocou sempre a sua fé como critério de compreensão da realidade", pontua. "É um exemplo da síntese entre a fé religiosa e a racionalidade moderna, inclusive científica." "Para os pró-vida, o aspecto da luta antiaborto é o mais importante, pois consta que ele perdeu o Nobel por não aceitar que a detecção precoce da Síndrome de Down pudesse ser uma ferramenta para justificar o aborto", complementa. "Mas, para a comunidade católica em geral, o mais importante é que ele colocou um ideal, iluminado pela fé, acima do que seria seu maior trunfo profissional." Para o vaticanista Gagliarducci, o passo dado por Francisco não pode ser entendido pelo viés político. "As virtudes heroicas [de Lejeune] tratam disso [da condenação ao aborto], mas não apenas disso. Estamos falando de alguém cuja vida cristã foi exemplar, em pensamentos, obras e no que se fez", explica. "Claro que os santos comunicam de alguma forma, e comunicam com sensibilidade. Mas não devemos nos esquecer que as causas de beatificação dizem respeito, acima de tudo, à vida cristã de uma pessoa." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Carlos Ghosn: a delação premiada que desconstrói o 'herói' de mangá japonês e 'titã' dos automóveis
Os japoneses buscam novos adjetivos para definir Carlos Ghosn, o executivo preso nesta semana em Tóquio por sonegação fiscal e uso de ativos da empresa para fins pessoais.
Bons resultados trouxeram admiradores e fama a Ghosn, que virou personagem de mangá Até antes de o escândalo vir à tona, o franco-brasileiro de 64 anos era venerado como o herói que salvou a montadora Nissan da bancarrota duas décadas atrás. Apesar do remédio amargo que aplicou, com a demissão de 21 mil trabalhadores, redução do número de fornecedores e fechamento de fábricas, Ghosn alcançou em pouco tempo os resultados prometidos e conquistou admiradores e fama, a ponto de virar personagem de mangá (histórias em quadrinhos japonesas), tema de diversos livros e inspirar a criação de um "bentô", como são chamadas as marmitas no Japão. A história do executivo nascido em Porto Velho (Rondônia), de sangue libanês por parte de pai e nigeriano pelo lado da mãe, inspirou o desenhista Takanobu Toda e a roteirista Yoko Togashi a criarem uma série para a revista de mangá Big Comic Superior. A verdadeira história de Carlos Ghosn, como foi intitulada, foi publicada a partir de novembro de 2001, com tiragem de 500 mil exemplares, e depois compilada em livro de 160 páginas no ano seguinte. Fim do Talvez também te interesse Agora, a Promotoria Pública de Tóquio aplica ao executivo, preso na segunda, o adjetivo de sonegador de pelo menos metade do salário, o equivalente 5 bilhões de ienes (cerca de US$ 44 milhões) entre 2011 e 2015. É uma parte da vida de Ghosn que destoa completamente da imagem apresentada no mangá. Ghosn recebeu o apelido de 'eliminador de custos' nos anos 1990 Delação premiada A investigação da Promotoria de Tóquio só foi possível graças a uma mudança na legislação japonesa em junho deste ano que passou a permitir a delação premiada. O novo sistema de colaboração para acusados de crimes de colarinho branco e evasão fiscal permitiu um acordo de delação com um executivo estrangeiro do departamento jurídico da Nissan, suspeito de envolvimento em um possível esquema com residências particulares em diversos países usadas pelo executivo e que estão sob investigação das autoridades. A operação montada para a prisão de Ghosn envolveu três equipes. Uma ficou de prontidão no aeroporto de Haneda (em Tóquio) aguardando o pouso do jato corporativo com o executivo a bordo. Quando a aeronave pousou, às 16h35 da segunda-feira, outros dois grupos de investigadores entraram na sede da Nissan, em Yokohama, e na residência do empresário na capital japonesa. Ghosn ficará preso por pelo menos 10 dias – segundo as leis japonesas, ele poderia ficar detido por até 23 dias sem acusação formal. Ele está em uma cela com três tatames, um vaso sanitário e uma mesinha. Recebe três refeições básicas e tem direito a dois banhos por semana. Bons resultados trouxeram admiradores e fama a Ghosn, que virou personagem de mangá Greg Kelly, outro executivo da Nissan, também foi preso pela força-tarefa. Ele e Ghosn também são acusados de reportar valores de compensação nos relatórios da Bolsa de Valores de Tóquio menores que os reais. Segundo a rede pública japonesa NHK, o executivo franco-brasileiro negou aos promotores que tenha intencionalmente escondido valores recebidos. Kelly também teria dito que "agiu apropriadamente", de acordo com as mesmas fontes. Nesta quinta (22), o conselho administrativo da Nissan decidiu demitir Ghosn e Kelly. Já o conselho de administração da Renault decidiu, na terça (20), manter o executivo na chefia da empresa – o atual COO, Thierry Bolloré, assumirá o comando enquanto Ghosn estiver "temporariamente incapacitado". Osamu Masuko, à frente da Mitsubishi Motors, afirmou que será difícil gerir a estratégia em conjunto sem Ghosn, que foi afastado pela empresa na segunda (26) de seu conselho administrativo, do qual era presidente. As três montadoras se transformaram no segundo maior grupo automobilístico do mundo e temem agora um impacto também nas vendas. O grupo chegou ao topo em 2017, com 10,6 milhões de veículos comercializados. Uma questão de valores Antes do escândalo, o salário de Ghosn já gerava controvérsia no Japão - e fora do país. Ele é um dos executivos mais bem pagos entre as companhias japonesas. Em 2016, seu rendimento pela Nissan declarado foi de 1,09 bilhão de ienes (R$ 33,4 milhões), quase o mesmo valor recebido no ano anterior. Em 2017, pela primeira vez em quatro anos, ele teria ganho menos de 1 bilhão: os recebimentos teriam caído 33% em relação ao ano anterior, para 730 milhões de ienes. Rosto do executivo figurou até em marmitas japonesas Aos vencimentos na Nissan ele adicionava ainda a remuneração que recebia da Renault (cerca de 7 milhões de euros, ou R$ 30 milhões) e da Mitsubishi Motors (220 milhões de ienes, ou R$ 7,3 milhões). Os valores exorbitantes despertavam críticas e chegaram a ser motivo de atrito entre ele e o presidente da França, Emmanuel Macron. O governo francês tem participação nos negócios da Renault, e pediu redução de 30% dos ganhos do executivo como CEO da companhia por considerá-lo exagerado. Ghosn foi preso no Japão sob a acusação de não ter declarado renda de cerca de US$ 44 milhões (cerca de R$ 165,3 milhões) referentes a salários que recebeu de 2010 a 2015. Os promotores também suspeitam que Ghosn possa ter embolsado cerca de US$ 9 milhões (aproximadamente R$ 33,8 milhões), equivalente a um terço do montante aprovado na assembleia geral anual dos acionistas da Nissan para ser pago aos executivos da empresa. Desde 2010, teriam sido repassados apenas US$ 18 milhões dos US$ 27 milhões autorizados. Ghosn também é presidente e diretor-executivo da Renault e da Mitsubishi Motors Também há suspeitas de que uma das filiais da multinacional tenha gasto quase US$ 18 milhões (cerca de R$ 67,6 milhões) em imóveis de luxo em quatro países supostamente usados pelo executivo, além de usar dinheiro da empresa para pagar despesas de sua família com viagens. Promotores investigam propriedades em Paris, Amsterdã, Beirute e Rio de Janeiro, onde ele costuma passar o Ano-Novo. Após o caso da Nissan, a Mitsubishi Motors pode realizar também uma investigação interna para apurar se houve casos semelhantes de sonegação e malversação. Ghosn era membro da administração da montadora desde a aquisição da empresa em 2016. No ano passado, Ghosn foi forçado a repassar o bastão de presidente da Nissan para um executivo japonês. O escolhido foi Hiroto Saikawa, que assumiu o cargo em abril de 2017. Desde então, ele ocupava a posição de presidente do conselho da companhia. Saikawa disse que a empresa vinha realizando investigações internas há meses após receber queixas anônimas. Segundo a imprensa japonesa, o caso foi encaminhado para a Promotoria Pública depois de um acordo ter sido assinado entre a Nissan e o Ministério Público, a fim de conseguir redução de pena e do valor das multas previstas pela nova lei de delação premiada. Logo após a prisão de Ghosn, Saikawa reuniu a imprensa para declarar, em tom de indignação, que lamentava muito o episódio e se sentia traído. Após o ocorrido, ele disse acreditar ser inevitável um grande golpe nas vendas dos veículos das três marcas da aliança, que chegaram a comercializar 5,54 milhões de unidades no primeiro semestre do ano. Ele atribuiu o episódio, entre outros fatores, ao poder concentrado nas mãos de uma única pessoa durante quase duas décadas. Na manhã da terça-feira, o CEO reuniu funcionários do alto escalão e diretores na sede da Nissan em Yokohama, perto de Tóquio, para falar sobre o caso e pedir a colaboração de todos nas investigações. Carlos Ghosn (representado em foto e em versão mangá no canto inferior direito) dividia espaço com heróis fictícios em publicações japonesas 'Herói' de mangá Os quadrinhos japoneses que contam a história de Ghosn ressaltam sua paixão por carros, a ponto de conseguir identificar o modelo só pelo ronco do motor. Os desenhos mostram ainda o momento em que ele é enviado pela montadora francesa Renault para implantar o plano de revitalização da Nissan no Japão. Muitas das medidas implantadas eram consideradas ousadas pelos japoneses, como a mudança da língua oficial da empresa para o inglês e o fim das promoções baseadas na idade para se focar na competência e inclusão de gestores estrangeiros. Ghosn também se destacou por uma gestão focada em metas numéricas de comprometimento e, diferentemente das práticas convencionais da indústria japonesa, adotou um estilo mais agressivo. Um episódio muito citado é o de quando fez negociação dura para conseguir a redução dos custos de chapas de aço, levando à concorrência entre as siderúrgicas. Workaholic e impetuoso, diz que não gosta de perder tempo, por isso engole a comida e não aprecia golfe, por ser um esporte que demanda muito tempo. 'Ghosn-san' De ascendência libanesa e cidadania francesa, Ghosn diz em sua autobiografia que sua origem o deixou com um sentimento de ser diferente, o que facilita a adaptação a novas culturas. Formado em engenharia pela Escola Politécnica e pela Escola de Minas de Paris, ele começou a trajetória na Michelin – ocupando cargos na França e no Brasil. Na sequência, foi para a Renault. Ele se juntou à Nissan em 1999, depois que a empresa francesa comprou uma participação na montadora japonesa, e se tornou seu principal executivo em 2001. Ghosn é um dos raros estrangeiros a assumir o topo de uma corporação no Japão – um de seus trunfos no ambiente corporativo era ser poliglota, fluente em português, espanhol, italiano, francês e inglês, além de ter bom conhecimento em japonês. O caso tem gerado interesse na imprensa japonesa Em uma pesquisa de opinião realizada em 2011, perguntaram aos japoneses quem eles gostariam que governasse o país. Ele ficou em sétimo lugar, na frente do ex-presidente dos EUA Barack Obama (em nono). Chegou a ser cogitado como candidato à Presidência do Líbano. Diante de tanta popularidade e poder, os efeitos do choque "Ghosn-san", forma carinhosa como muitos japoneses se referem ao executivo franco-brasileiro, foram imediatos. Um dia após a prisão, as ações da Nissan despencaram 5,4% na Bolsa de Valores de Tóquio e as da Mitsubishi Motors, 6,8%. Há uma crescente preocupação com o futuro da aliança global que também envolve a francesa Renault. Se condenado por violação da legislação de instrumentos financeiros do Japão, ele poderá pegar penas de até dez anos de prisão, uma multa de 10 milhões de ienes (cerca de R$ 334 mil), ou ambos, enquanto a montadora enfrentaria multa de até 700 milhões de ienes (cerca de R$ 23,4 milhões). Nos últimos dias, a imprensa japonesa tem dado bastante atenção ao caso - uma emissora chegou a ir à cidade de Oizumi, que tem uma comunidade grande de brasileiros, para ouvir opinião dos locais sobre o caso. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Alemães brilham em mundial de barbas; assista
A equipe da Alemanha foi o grande destaque do Campeonato Mundial de Barba e Bigode, que reuniu mais de 250 participantes em Brighton, na Grã-Bretanha, neste fim-de-semana.
Os alemães foram os vitoriosos em nove categorias, seguidos dos americanos, que levaram quatro. Os britânicos ficaram em terceiro. As categorias incluem cavanhaque, barba em estilo livre e bigode Dalí, numa referência ao pintor Salvador Dalí. Segundo os organizadores, o objetivo do concurso é "incentivar e premiar padrões de excelência no crescimento, no design e na apresentação dos pêlos faciais". O dinheiro arrecadado com os participantes será doado a uma organização britânica de combate ao câncer de testículo e a um hospital infantil de Brighton. O concurso mundial já teve sede na Noruega, na Suécia e nos Estados Unidos. O próximo ocorre no Estado americano do Alaska, em 2009.
Presidente da Funai de Bolsonaro é investigado porque teria dado soco no rosto do próprio pai
Dias atrás, reportagem da BBC News Brasil mostrou que o novo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, foi rejeitado na avaliação psicológica de um dos concursos que prestou para a Polícia Federal. Seus examinadores consideraram que a personalidade de Marcelo não era adequada ao cargo - policiais não podem ser pessoas excessivamente agressivas ou impulsivas, segundo um profissional que organiza estas avaliações.
Marcelo tomou posse no fim de julho, e começou a despachar na Funai na semana passada Agora, mais informações sobre o passado do presidente da Funai escolhido por Jair Bolsonaro surgiram. Em janeiro deste ano, o atual presidente da Funai teria dado um soco no rosto do próprio pai, de 71 anos, segundo ele próprio registrou em boletim de ocorrência. O fato está sendo investigado pela Polícia Civil de Mato Grosso. O pai do presidente da Funai registrou a suposta agressão na delegacia Novo São Joaquim (MT), e disse à BBC News Brasil que quer que seu filho seja investigado pelo que ele relata ter ocorrido. Marcelo Augusto Xavier da Silva, 42 anos, é delegado da Polícia Federal. Ele entrou para a PF em 2008, depois de prestar dois concursos públicos. No primeiro, foi rejeitado na avaliação psicológica - mas passou no segundo. Quando era delegado, teve sua atuação contestada em duas investigações internas da corporação, e também foi afastado de uma operação de expulsão de invasores de uma terra indígena, por suspeitas de estar colaborando com os intrusos. Ele tomou posse como presidente da Funai no fim de julho. Fim do Talvez também te interesse As investigações internas se devem ao fato de Marcelo ter instaurado um inquérito para investigar um desafeto - ex-marido de sua mulher à época - e por ter agredido verbalmente um procurador da República. Depois de revelar estes fatos, a reportagem da BBC News Brasil foi procurada por pessoas que conheceram Marcelo e que repassaram as informações sobre a investigação. Em janeiro deste ano, Marcelo Augusto Xavier chegou a ser nomeado para trabalhar como assessor do pecuarista e secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Mas, como não foi cedido a tempo pela Polícia Federal, teve a sua nomeação anulada em abril, segundo contou o próprio Nabhan à BBC News Brasil. No governo de Michel Temer (MDB), Marcelo foi assessor do ex-ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) para assuntos ligados à questão agrária. Antes disso, foi ouvidor da Funai durante alguns meses, também na gestão Temer. Antes ainda, trabalhou como assessor da comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Funai e do Incra na Câmara, a convite de deputados da bancada do agronegócio. O relatório final da CPI pediu o indiciamento de antropólogos, indígenas, servidores públicos da Funai e de integrantes de ONGs. Marcelo (dir.) com seu superior hierárquico, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro (dir.) Para as ONGs indigenistas, a ida de Marcelo para a presidência da Fundação é parte da estratégia do governo para tentar impedir novas demarcações de terras e desarticular a proteção aos direitos dos índios - o que o governo nega. Em nota oficial da Funai, Marcelo Xavier disse que sua gestão terá por objetivo melhorar as "condições de vida" dos indígenas e "dar autonomia aos seus povos". "O modelo até então desempenhado (na Funai) não vinha sendo efetivo. Logo, serão bem-vindas sugestões que possam contribuir com as comunidades, e o quadro de servidores do órgão é imprescindível para isso. Seguindo a legalidade, precisamos focar em garantias de dignidade aos povos indígenas e na melhor aplicação dos recursos públicos", disse na nota oficial da fundação. Marcelo Augusto Xavier da Silva é técnico em Agropecuária e bacharel em Direito por uma universidade privada de São Paulo. Também concluiu uma pós-graduação em ciências criminais na Universidade Anhanguera Uniderp, de Mato Grosso do Sul. 'Enfia a fazenda no c*' No dia 4 de janeiro deste ano, Marcelo teria brigado com o próprio pai - de 71 anos de idade - e a mulher dele, de 60. A discussão aconteceu durante um encontro na casa de um amigo deles no distrito de Cachoeira da Fumaça, parte do município de Novo São Joaquim (MT), a 220 km da capital Cuiabá, segundo o relato do pai. "Sem motivo aparente seu filho / suspeito, Marcelo Augusto Xavier da Silva, começou uma discussão com o mesmo (o pai) e proferiu ameaças e xingamentos do tipo 'Cuidado quando o senhor vier para a fazenda, enfia a fazenda no c*, põe seu dinheiro no c*'", descreve o boletim de ocorrência registrado pelo pai de Marcelo, Milton Xavier da Silva, três dias depois da suposta agressão. O boletim de ocorrência da Polícia Civil de Mato Grosso "Em seguida, o suspeito (Marcelo) desferiu um soco contra a vítima (Milton) vindo a pegar de raspão no seu rosto. O fato foi presenciado por várias pessoas que serão indicadas em declaração. A esposa da vítima a senhora, Solange Cristina, presenciou todo o ocorrido e também foi ameaçada e xingada", continua a descrição do B.O. A fazenda do pai de Marcelo se chama São Pedro, e se dedica à criação de gado e ao cultivo de soja e milho. Fica a poucos quilômetros do local confusão, às margens de uma estrada de terra, a MT-415. A acusação foi registrado pela Polícia Civil de Mato Grosso como lesão corporal e ameaça. As informações do boletim de ocorrência foram confirmadas à BBC News Brasil pela assessoria de comunicação da Polícia Civil de Mato Grosso e pelo pai de Marcelo, em conversa por telefone. À reportagem, o pai Milton Xavier confirmou o relato do B.O, mas disse que não daria mais informações. "Eu não vou dar detalhes. É uma coisa muito íntima". "Aconteceu (a agressão), você pode, na delegacia, pegar a cópia do B.O", disse ele. "Eu quero que continue andando (a investigação)". Milton disse que, até agora, não teve notícias de que a Polícia Civil de Mato Grosso tenha ouvido outras pessoas para apurar o ocorrido. Por meio da assessoria de imprensa da Funai, Marcelo Augusto Xavier disse que não comentaria nem este caso, e que a investigação teria sido arquivada pela Justiça "por falta de provas". Mas não é o que diz a Polícia Civil de Mato Grosso. Em nota à BBC News Brasil, a Polícia Civil matogrossense disse que o fato está sendo apurado na delegacia de Novo São Joaquim. Neste momento, "o procedimento aguarda oitivas de testemunhas, via carta precatória, que moram em São Paulo", diz o texto. A carta precatória é um instrumento usado pela Justiça ou por investigadores quando é preciso ouvir pessoas ou coletar evidências em outro Estado. Mudanças na Funai As declarações de Bolsonaro contra a demarcação de terras indígenas começaram bem antes da campanha eleitoral de 2018 - e continuaram depois que ele assumiu a Presidência da República. Apesar disso, a Constituição de 1988 garante aos índios o direito de manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições - e também os direitos sobre as terras em que sempre viveram. É papel da União demarcar essas terras e protegê-las, segundo a Constituição (Art. 231). Dias atrás, o presidente da República disse que indígenas da etnia Waiãpi (ou Wajãpi), do Amapá, estavam sendo usados de "massa de manobra", e questionou o possível assassinato de um líder indígena. Os Waiãpis relataram a invasão de seu território por garimpeiros ilegais, no fim de julho. Os waiãpi habitam uma área rica em ouro "Usam o índio como massa de manobra, para demarcar cada vez mais terras, dizer que estão sendo maltratados. Esse caso agora aqui… não tem nenhum indício forte de que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudemos mandar já mandamos", disse Bolsonaro. O presidente também acusou ONGs de quererem manter os índios "presos num zoológico animal", de modo a ter para si "a soberania da Amazônia". Marcelo Augusto Xavier não é o primeiro presidente da Funai na gestão Bolsonaro. Ele substitui o general da reserva do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, que deixou o cargo em meados de junho. Franklimberg, que tem ascendência indígena, saiu da Funai debaixo de críticas de ruralistas. "Quem assessora o senhor presidente não tem conhecimento de como funciona o arcabouço jurídico que envolve a Funai (...). E quem assessora o senhor presidente é o senhor Nabhan Garcia (secretário do Ministério da Agricultura). Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio aos indígenas", disse o general da reserva. Logo depois de assumir a Presidência da República, Bolsonaro editou uma medida provisória (a de número 870) para extinguir alguns ministérios e reorganizar os demais. Pelo texto, a Funai sairia do Ministério da Justiça e Segurança Pública e iria para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob Damares Alves. A Funai também perderia a atribuição relativa à demarcação de terras indígenas, que passaria a ser do Ministério da Agricultura. Mas o Congresso rejeitou essas mudanças. No texto final da MP, aprovado no fim de maio, a Funai continuou no MJ, e responsável pelos estudos que embasam as demarcações. Bolsonaro ainda tentou retirar da Funai a competência para demarcar terras indígenas em uma segunda MP, a de número 886, mas a medida foi barrada por decisão liminar (provisória) do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Nesta quinta-feira (01), o plenário do STF manteve a decisão de Barroso. Nos dois casos, o objetivo era retirar da Funai a Diretoria de Proteção Territorial (DPT). Agora, esta diretoria deve ser a primeira a ser mudada na nova gestão: o atual diretor, João Alcides Loureiro Lima, ligado a Franklimberg, pediu para deixar o cargo e teve seu último dia de trabalho na quarta última (31). A DPT é considerada a mais estratégica das diretorias da Funai. Bolsonaro tentou em duas ocasiões retirar a Diretoria de Proterção Territorial da Funai Além de fazer os estudos que embasam as demarcações de terras, a Diretoria de Proteção Territorial também é a responsável por proteger os índios isolados - aqueles que nunca tiveram contato com não índios. Na quinta-feira (31), o Diário Oficial trouxe as primeiras alterações feitas por Marcelo na Funai. Três pessoas foram exoneradas, entre elas Fernando Maurício Duarte Melo, que exerceu a presidência da Funai interinamente, após a saída de Franklimberg. Para ONGs indigenistas, a ida de Marcelo para a presidência da Funai corresponde a uma mudança de estratégia por parte do governo: como não foi possível levar a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura, o jeito foi colocar alguém ligado ao agronegócio no comando da Funai. "Inviabilizado o primeiro caminho (de levar a atribuição das demarcações para o Ministério da Agricultura), eles fizeram esse movimento tático de buscar o controle político e a instrumentalização do órgão indigenista. A estratégia foi derrubar o então presidente, um general (Franklimberg), e colocar esse delegado, que foi assessor dos ruralistas (na CPI do Incra e da Funai). É uma pessoa indicada por eles. É a raposa para tomar conta do galinheiro", disse o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto, à BBC News Brasil, dias atrás. A chegada de Marcelo também preocupa servidores da Funai. O Brasil tem cerca de 250 etnias com visões diferentes, e o presidente da Funai precisa saber mediar conflitos, diz servidor "Quem trabalha na Funai tem que ter um perfil 'diplomático'. Você estará lidando com vários povos (indígenas), que têm diferentes visões. E você tem que saber fazer essa diplomacia", diz um servidor de carreira do órgão, sob condição de anonimato. Ele lembra que existem hoje mais de 250 etnias indígenas no Brasil. "Uma característica que sempre foi apreciada nos diretores, no presidente da Funai, é o de pessoas com capacidade de mediação. Que é justamente o que este presidente (Marcelo) não parece ter", diz ele. "O que parece uma disfunção, de trazer uma pessoa com o perfil do Marcelo para a Funai, na verdade é muito funcional. Cumpre um papel que muitos dos presidentes da Funai, independente do perfil ideológico deles, não tiveram a capacidade de cumprir, que é passar o rolo compressor do ruralismo", avalia este servidor. Ele lembra que os dois presidentes anteriores da Funai (o pastor Antônio Fernandes "Toninho" Costa, ainda no governo Temer; e Franklimberg, já sob Bolsonaro) deixaram o órgão depois de serem alvejados pela bancada ruralista do Congresso. "Os dois não eram de esquerda. Eles simplesmente caíram porque não quiseram fazer coisas que não cabiam dentro da missão institucional da Funai. Dentro do que está estabelecido na Constituição e no Estatuto do Índio", diz. A Funai foi criada em dezembro de 1967. Dentro do processo de demarcação de terras indígenas, é a responsável por criar um grupo de trabalho que faz a identificação da área reivindicada pelos índios. Esses estudos resultam num Relatório Circunstanciado, que precisa ser aprovado pelo presidente da Funai antes de ser aberto à contestação pública. Depois disso, o processo de homologação das terras precisa passar ainda pelo ministro da Justiça antes de ser assinado (homologado) pelo presidente da República. 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Eleições 2018: Qual deve ser a primeira medida do novo presidente para melhorar a economia?
A economia do Brasil parece uma sinuca de bico. O desemprego atinge 13 milhões de brasileiros, famílias estão endividadas e não consomem, empresários estão receosos e deixam de investir, e o governo tampouco pode desenvolver novos projetos se suas despesas crescem a cada dia.
Governo deve tentar aprovar medidas econômicas assim que assumir, dizem economistas Seja quem for o escolhido nestas eleições, a partir de janeiro ele terá que enfrentar esse cenário. Mas por onde começar? A BBC News Brasil conversou com economistas para discutir qual deveria ser a primeira medida do novo presidente para tirar o país da estagnação. Para os entrevistados, a solução é uma só: mexer no orçamento. Eles dizem que não adianta prometer obras, programas e a recuperação do mercado de trabalho se o governo não tem dinheiro. O passo inicial deveria ser, portanto, reequilibrar as contas públicas. Os economistas divergem, contudo, sobre os caminhos para se atingir esse objetivo. Alguns avaliam que a primeira medida deveria ser retomar a discussão sobre a reforma da Previdência. Outros apontam a reforma tributária como prioridade. Nos últimos anos, o governo tem gastado mais do que arrecada. No primeiro semestre, as despesas federais (pagamentos de servidores, programas sociais, benefícios da previdência, etc.) ultrapassaram a arrecadação em R$ 32,8 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. Apesar de a receita ter subido pela primeira vez em quatro anos, mostrando alguma melhora da economia, os gastos continuam aumentando. Para acabar com esse problema, em 2016 foi instituído o teto dos gastos, medida que tenta conter o avanço das despesas. Pela regra, o crescimento dos gastos deve seguir a inflação acumulada até junho do ano anterior: em 2018, por exemplo, a alta está restrita a 3%. Na prática, há uma margem de expansão de 7,1%, já que o limite de 2017 não foi usado completamente. Até maio as despesas cresceram muito perto dessa linha: 6,9%. Há grande risco da conta não fechar em 2019, segundo especialistas. As despesas obrigatórias, como pagamento de pessoal e de benefícios previdenciários, seguem expandindo, tirando espaço das não obrigatórias, como investimentos. Como o número total não pode mudar, o Planalto tenta diminuir o que pode, afetando um importante motor do crescimento: o dinheiro que ele mesmo pode injetar na economia. Além disso, cada vez mais endividado, o governo não conquista a confiança dos empresários - e dos consumidores. Os economistas ouvidos concordam que é preciso mudar algo nesse cálculo. Leia abaixo suas sugestões: Reforma da Previdência economizaria R$ 650 bilhões, segundo estimativas do governo Reforma da Previdência - o retorno Para parte deles, é preciso tentar aprovar a reforma da Previdência, anunciada pelo presidente Michel Temer em 2016, mas paralisada antes de chegar ao plenário da Câmara. O texto aumenta a idade mínima de aposentadoria e, segundo o Ministério da Fazenda, pouparia R$ 650 bilhões em dez anos. Em seus discursos, o ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixou claro que o teto de gastos foi concebido para funcionar atrelado a esta reforma. O pagamento de aposentadorias e outros benefícios do tipo é um dos fatores que mais pesa no caixa do governo: o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2019 prevê que 44% dos gastos obrigatórios serão com Previdência. Sem diminuir essas despesas, não haveria como aliviar a situação do país. "Esta deve ser a reforma zero. Se nada for feito, pode inviabilizar o governo nos próximos anos. Vai ficar muito apertado", diz o professor da Escola de Economia da FGV, Rogerio Mori. O efeito imediato dessa medida, explica Mori, seria sinalizar aos empresários que os próximos quatro anos serão de responsabilidade com as contas públicas. Além disso, a reforma enfrentaria um problema que, se não tratado, tende a piorar. Como não sobra dinheiro para pagar a dívida pública - os títulos que o governo vende para se financiar -, ela segue aumentando e deve chegar a 80% do PIB em 2020, de acordo com estimativa oficial. "Se não fizer agora, logo vamos ter que pensar nisso de novo. Não adianta achar que o Brasil tem muito mais tempo." Mori considera que a mensagem seria forte o suficiente para fazer o empresariado voltar a investir. No ano passado, os investimentos ficaram na menor taxa desde 1996. "Com essa medida, o novo presidente iria sinalizar que, do ponto de vista econômico, não vai fazer nenhuma loucura. Isso deve gerar otimismo tanto dos investidores, quanto do mercado financeiro." Mas como esse movimento chega até o consumidor? A economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, diz a questão orçamentária é o primeiro nó de uma corrente que termina no bolso do brasileiro. Segundo ela, diferentemente de propostas de impacto mais rápido, como o aumento do crédito, essa reforma seria uma via indireta de melhorar a renda das famílias, porque animaria os empresários a contratar. "Os empresários não deixam de contratar porque a situação está ruim hoje, mas porque imaginam que amanhã também estará. Se acreditam que o país vai crescer, voltam a abrir vagas. Eles se preparam para o aumento da demanda no futuro." O desemprego, estabilizado mas ainda alto, é um dos principais motivos da queda na confiança do consumidor, cujos índices recentes indicam pessimismo. Sem uma fonte de renda, o brasileiro evita gastar e não contribui para o aquecimento da economia. Reduzir impostos é uma das ações propostas para estimular o setor produtivo Reforma tributária Nada de Previdência. O que o novo presidente deve priorizar, para a professora de Economia da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é uma revisão dos impostos. Ela considera que uma reforma tributária poderia melhorar a economia em menos tempo, dado que a reforma previdenciária levaria alguns anos para aliviar as contas públicas. "O problema é priorizar a Previdência como se ela fosse salvar o orçamento do governo agora quando, na verdade, o impacto no curto prazo é marginal." Será necessário tocar no assunto eventualmente, pondera a professora, mas nos próximos meses é preciso fazer algo que ajude a recuperar a atividade produtiva imediatamente, como reduzir ou simplificar os tributos. "Quando a gente conversa com empresários, eles reclamam muito do custo das matérias-primas por causa da tributação. Isso diminui a competitividade e eles gastam muito tempo e dinheiro para lidar com sistemas tão complexos." Para Mello, em vez de diminuir a arrecadação, tal medida poderia aumentá-la, já que daria novo ânimo ao setor produtivo. A maior produção compensaria a retirada ou mudanças nos tributos, melhorando o caixa do governo. Depois de um histórico de queda nos últimos anos, a arrecadação federal vê uma lenta retomada desde 2017. Neste ano, até agosto, houve uma alta de 6,9% ante o mesmo período do ano passado, segundo a Receita Federal. No entanto, é importante lembrar que a carga tributária do Brasil é a maior da América Latina: hoje, ela representa 33% do PIB e não é suficiente para pagar todas as obrigações do Estado. Mello acredita que só uma ação de corte, sentida rapidamente pelo mercado, poderia melhorar a confiança, estimular investimentos e gerar empregos. Depois das idas e vindas das propostas do governo Temer, só sinalizações de que algo vai mudar não surtiriam efeito. "Eles precisam confiar que essas reformas vão ser implementadas, que não é mais um desgaste com o Congresso sem qualquer impacto na realidade." O mesmo serviria para os consumidores, que perceberiam a redução dos preços dos produtos finais e teriam um incentivo a mais para comprar. O professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi concorda que apenas otimismo não faz a roda da economia girar. Para ele, também apoiador da reforma tributária como medida emergencial, a ideia de que expectativas positivas antecipam o crescimento é ilusória. "Não faz sentido o empresário investir porque o governo cortou gasto com a Previdência. Ele investe porque está vendo lucros, demanda." Ainda mais importante do que a mudança dos tributos, diz Rossi, é flexibilizar o teto de gastos. Ele argumenta que esse deve ser o carro-chefe da nova agenda econômica. Em seus discursos como ministro da Fazenda, Henrique Meirelles falava que teto de gastos funcionaria atrelado à reforma da Previdência Mudar ou manter o teto de gastos Os economistas se dividem sobre o que fazer com o teto. Para alguns deles, como Rossi, o limite é uma "armadilha" que deixa o governo refém de gastos que só crescem e apertam os investimentos. "É inviável governar com esse limite, a não ser que o presidente queira fazer uma reconstrução radical do Estado. No ano que vem, quando você não conseguir mais cortar, vai ter que demitir funcionários, terceirizar, asfixiar as instituições públicas." O professor vê os investimentos como a principal chave para destravar a economia. Nesse cenário, aumentar o teto e retomar obras paradas, incentivar setores e gastar mais com programas sociais deveriam ser as primeiras medidas do eleito. "O governo tem, sim, responsabilidade sobre a atividade econômica e deve atuar em momentos de crise. Ele deve estimular o emprego diretamente pelo investimento." O discurso ajudar, diz, mas a "fadinha da confiança" não existe. Para voltar a investir e consumir, os empresários precisam de estímulo e as famílias, de emprego e renda. A reforma tributária seria um complemento à mudança no teto, explica Rossi. Nem sempre a alteração do teto de gastos é a principal ação recomendada pelos economistas. Rogerio Mori, da FGV, diz que ela deve ser feita junto à reforma da Previdência, como uma estratégia para abrandar o aperto do governo afirmando, ao mesmo tempo, que existe preocupação em manter as despesas sob controle. "Se você só flexibilizar o teto, parece que não está comprometido com nada. É importante a nova equipe mostrar que controla a inflação, ajusta as contas e que não vai só aumentar a carga tributária, o que ninguém aguenta mais." Já para Cristina de Mello, da PUC-SP, e Marcela Kawauti, do SPC, é melhor não mexer nisso agora. Mello acha a regra ruim, mas acredita que sua revogação provocaria uma série de discussões sobre reajustes salariais com funcionários públicos que tiveram suas remunerações afetadas no último ano - o que só atrapalharia o governo neste início. Kawauti elogia o teto e não gostaria de ver a nova equipe econômica "voltando atrás". Suavizar a regra, afirma, seria aprofundar o problema fiscal. Ela diz que a ideia é boa e só não está sendo aplicada da melhor forma, já que gastos com a Previdência e com outras despesas estão crescendo progressivamente. "Se alterarem esse limite, não significa que vão investir mais em saúde e educação, mas vão continuar gastando com outras coisas." Reformas podem ajudar a recuperar o mercado de trabalho, dizem economistas Entraves Todas as reformas propostas trabalham com um cenário "ideal", dizem os economistas. Colocá-las na agenda do Congresso e aprová-las pode ser muito mais difícil. Apesar de contar com a legitimidade fornecida pelas eleições, o próximo presidente pode enfrentar uma forte oposição por causa do cenário de polarização do país. Com tanta tensão à vista, diz Rogerio Mori, da FGV, é aconselhável que o governo apresente suas medidas econômicas "no dia 2 de janeiro". "Não tem muito tempo. FHC fez grandes reformas constitucionais e Lula sugeriu a reforma da Previdência do setor público logo no começo, quando ainda tinham o impulso das urnas." Outra preocupação é o alto endividamento das famílias, que pode retardar a recuperação da economia. Mesmo que o investimento volte, novas vagas de trabalho apareçam e a renda melhore, o brasileiros ainda precisa pagar o que deve. Há 63 milhões de pessoas inadimplentes hoje no Brasil, o pior patamar da série histórica do SPC. Além da quantidade de endividados, o que mais inquieta a economista-chefe do serviço, Marcela Kawauti, é o tipo de dívida: cartão de crédito e cheque especial. "Na parte do cartão e do cheque estão os consumidores que não foram filtrados, que não tiveram a capacidade financeira verificada. O cara vai lá, compra as coisas e não tem uma garantia. Cheque e cartão deveriam ser a última opção, mas não é isso que você vê nas pesquisas." Kawauti diz que 7,9% das dívidas dizem respeito a contas de água é luz. A porcentagem é pequena, mas traz um alerta. "Mostra como o orçamento está apertado, como a situação está crítica. Não me preocupa o número em si, mas o que ele revela."
Republicanos cancelam votação para taxar mais ricos
O presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, John Boehner, cancelou na noite desta quinta-feira a votação de uma proposta de lei republicana que visava aumentar apenas os impostos dos ricos nos Estados Unidos para evitar o "abismo fiscal".
Presidente da Câmara dos Representantes, John Boehner cancela votação sobre "abismo fiscal" O parlamentar afirmou que não haveria votos suficientes para passar a lei e adiou a votação. A medida seria uma tentativa do partido de evitar, sem o aval democrata, o "abismo fiscal" - uma série de cortes de custos e aumento de impostos que podem entrar em vigor em 2013 se um acordo entre democratas e republicanos não for negociado até 1º de janeiro. Uma vez implementadas, essas medidas poderiam levar o país para uma recessão. Analistas afirmam porém que, na realidade, a votação seria apenas uma tentativa dos republicanos de convencer os americanos que agiram para evitar o "abismo fiscal". Isso porque, mesmo se tivesse sido votada e aprovada, dificilmente passaria no Senado, controlado pelos democratas. Além disso, poderia receber o veto de Barack Obama. Boehner pediu a Obama que trabalhe em uma legislação para evitar o "abismo fiscal". Tópicos relacionados
Manhattan à venda
Na casa de vinhos, dois alemães não paravam de rir. Um mostrava a garrafa para o outro e davam gargalhadas... Riam dos preços.As lojas de bebidas de Nova York estão cheias de vinhos por US$ 1,50 (pouco mais de 1 euro ou, para os ingleses, menos do que 1 libra).
Há uma invasão européia em Nova York, com ajuda de uma pequena força asiática. Os franceses ocupam o Moma e outros museus, os alemães curtem jazz, os japoneses percorrem o Harlem e os estádios de beisebol para ver suas estrelas que trocaram Tóquio por Nova York. Com passagens a menos de US$ 400, os ingleses vêm passar fins de semana em Manhattan para tomar um porre no Village. Curtem a ressaca comprando tênis na Diesel, que custa três vezes menos do que em Londres. O reduto deles é o hotel Metro e a loja preferida é a Macy's, que oferece 11% de desconto para estrangeiros. Num restaurante em Manhattan, um jantar custa menos da metade do preço do que um do mesmo nível em Londres. Em um ano, as vendas de passagens de entre Londres e Nova York subiram 127%. E os europeus não se limitam a compras pequenas. Um dos maiores bancos hipotecários de Manhattan informa que atualmente 25% dos financiamentos são para estrangeiros. Enquanto isso, os novaioquinos amargam os preços mais altos do país, do supérfluo ao indispensável. O mesmo detergente em Houston, no Texas, custa 27% mas barato do que em Nova York. Com inflação acima da média americana, os moradores de Nova York reduziram despesas não essenciais como livros, cosméticos e caridade. Uma familia doava em média US$ 110 por mês. Cortou para US$ 80. O dólar geme, a libra e o euro se divertem. Até quando?
Economistas sobem previsão de alta do PIB americano
A economia dos Estados Unidos deve crescer com mais força neste ano do que o anteriormente previsto, aponta uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) da Filadélfia.
O levantamento, feito com 53 economistas do setor privado, diz que a expectativa do mercado é que o Produto Interno Bruto (PIB) do país avance 3,7% em 2005 em comparação com o ano passado. Na consulta anterior, há três meses, o mercado previa um crescimento anual de 3,4%. A estimativa para o PIB de 2006 também foi alterada – subiu de 3,3% para 3,4%. Em relação ao mercado de trabalho, os economistas consultados pelo Fed apontaram que o desemprego nos Estados Unidos deve ficar, em média, em 5,1% em 2005 e em 4,9% em 2006 – uma queda de 0,1 ponto percentual e 0,2 ponto percentual, respectivamente. Quanto à inflação, o índice de preços ao consumidor deve fechar este ano em 2,9% e o próximo em 2,4%, de acordo com a pesquisa.
Greve global pelo clima: por que ações individuais fazem diferença no combate às mudanças climáticas
Afinal de contas, as ações individuais ajudam a combater as mudanças climáticas ?
Pense um pouco: que diferença faz uma pessoa trocar uma picanha por um prato de lentilhas, decidir pegar um ônibus em vez de usar o próprio carro ou não viajar de avião nas férias, se os outros bilhões de seres humanos que habitam o planeta não fazem nada? É uma conclusão desanimadora e suscita uma pergunta óbvia, que já deve ter passado pela sua cabeça: por que, então, devemos nos preocupar? Foi exatamente o que perguntei à ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 16 anos, quando a encontrei no mês passado. Em vez de pegar um avião para participar de reuniões sobre a mudança climática em Nova York, no fim de agosto, a adolescente optou por cruzar o Atlântico a bordo de um veleiro — aquele que tinha um balde azul para os tripulantes fazerem suas necessidades, lembram? Fim do Talvez também te interesse Greta Thunberg ao lado do jornalista Justin Rowlatt Espalhando a mensagem Quando conversamos no porto de Plymouth, no sul da Inglaterra, ela me disse que "a questão é formar opinião. Ao parar de voar, você não apenas reduz sua pegada de carbono, mas também envia um sinal para outras pessoas ao seu redor de que a crise climática é algo real e isso ajuda a impulsionar um movimento político". É uma boa resposta e ajuda a explicar por que essa adolescente sueca chamou a atenção do mundo. Minha reação talvez tenha sido um pouco rude: "Então, você está tentando fazer o resto de nós nos sentir culpados?", perguntei. "Não", ela respondeu calmamente, e explicou que não acha que seja sua função dizer a outras pessoas como viver suas vidas. Pelo contrário, suas convicções devem guiar seu próprio comportamento. "Eu não voo por causa do enorme impacto climático da aviação por pessoa." Thunberg viajou para Nova York a bordo do veleiro Malizia II... Ela reconhece, no entanto, que seu caso é peculiar. "Muitas pessoas ouvem o que tenho a dizer e apareço muito na mídia. Portanto, influencio muita gente e, por isso, tenho uma responsabilidade maior, pois tenho uma plataforma maior." Anteriormente, ela tentou participar de reuniões por videoconferência, mas não causou tanto impacto. "Acho que tem um impacto maior se eu e muitos outros jovens estivermos de fato lá." E, a julgar pela publicidade que recebe, Greta tem razão. Mas vamos ser honestos, você não é a Greta Thunberg. Mesmo que suas escolhas se espalhem pelo mundo e influenciem algumas pessoas, sua decisão de comer menos carne e diminuir um pouco o termostato não é exatamente o apelo que vai mobilizar o mundo em torno da redução das emissões de carbono. Então, por que os indivíduos devem fazer a sua parte? ... em que um balde azul de plástico servia de banheiro para os tripulantes Obrigação moral Essa é uma pergunta para um filósofo. É trabalho deles travar debates sobre que princípios devem guiar nosso comportamento. E eu falei com "o cara". O professor Peter Singer, da Universidade de Princeton, nos EUA, foi classificado como "o filósofo vivo mais influente do mundo" pela revista New Yorker. Singer se autodefine como um especialista em ética prática e é muito claro sobre essa questão. Ele não apenas acredita que todos nós devemos tomar uma atitude, como argumenta que há uma obrigação moral muito forte de por que devemos fazer isso. "Acho que esse é um dos grandes desafios morais do século 21, talvez o maior", diz ele. "Se não estamos agindo, estamos colocando em risco todo mundo que está vivo agora e também as futuras gerações." Hambúrgueres veganos como esse podem ser uma alternativa à carne Ele compara o fato de você não reduzir suas emissões de carbono com a atitude de pegar uma escavadeira e arrasar as plantações de um pequeno agricultor na África. Se você fizesse isso, todo mundo concordaria que estaria errado, mas os gases de efeito estufa pelos quais você é responsável geram o mesmo resultado, argumenta. O fato de a causa estar relacionada a "gases invisíveis" e de que o efeito só poderá ser sentido em um futuro distante não permite que cada um de nós fuja da obrigação moral de agir, insiste Singer. A razão é que nosso direito à liberdade de ação não se aplica a prejudicar os outros. Ele sugere outra metáfora. Imagine que há um limite de velocidade em uma rua comercial movimentada e alguém diz: "Vou dirigir lá pisando fundo no acelerador, mas não se preocupe, há uma boa chance de eu não matar ninguém." A mudança climática prevê a ocorrência de mais eventos extremos Você não diria que "tudo bem", afirma Singer. "Você diria: 'Não, você não tem liberdade ou direito de colocar outras pessoas em grave risco de serem feridas ou mortas. E é exatamente isso que estamos fazendo ao seguir em frente com os níveis de emissão de gases de efeito estufa que estamos emitindo hoje." Segundo ele, o fato de que cada um de nós desempenha um papel minúsculo no processo como um todo não importa; nossa obrigação de agir permanece. Influência crescente Aposto que a maioria das pessoas reconhece instintivamente que há uma força verdadeira nesses argumentos. Então, por que todos nós já não estamos agindo mais para reduzir nossas emissões? Vamos ouvir o que tem a dizer uma psicóloga comportamental: a professora Kelly Fielding, da Universidade de Queensland, em Brisbane, na Austrália. De acordo com ela, não somos os espíritos independentes de pensamento livre que imaginamos ser. "O que vemos como psicólogos sociais é que as pessoas são muito influenciadas pelo que os outros fazem, embora a gente acredite que não seja", explica. "É um paradoxo. Achamos que tomamos nossas próprias decisões, mas a verdade é que buscamos orientação nos outros sobre como devemos nos comportar." Quando se trata de mudanças climáticas, o problema é que simplesmente não estamos recebendo as sugestões que precisamos de amigos e familiares, ou, neste caso específico, do governo e das empresas, diz ela. No entanto, pesquisas mostram que as pessoas no mundo inteiro estão ficando cada vez mais preocupadas com as mudanças climáticas. Um estudo publicado em junho nos EUA ilustrou essa questão com muita força. O levantamento da Reuters mostrou que, enquanto 69% dos americanos queriam que o governo adotasse ações "agressivas" para combater as mudanças climáticas, apenas um terço estaria disposto a pagar mais US$ 100 para que isso acontecesse. O que os entrevistados estão dizendo é: "Sim, há um problema, mas não é minha responsabilidade resolvê-lo". Mas não se desespere, diz a professora Fielding. Estudos realizados por psicólogos comportamentais indicam que é possível reverter essa conclusão na cabeça das pessoas. Se as pessoas precisam ser estimuladas por outras antes de mudar de comportamento, tudo o que precisamos fazer é impelir algumas a começar a agir e outras a seguirão, ela argumenta. O que nos leva a fechar um círculo e fazer todo o caminho de volta até Greta Thunberg e aquele veleiro "zero carbono". Como diz Greta, nossas ações são importantes não porque elas têm um efeito material sobre as mudanças climáticas, mas por causa da mensagem que elas enviam a outras pessoas. Thunberg e outros ativistas ambientais foram classificados como uma 'ameaça' para a indústria do petróleo O que você faz influencia seus amigos e familiares e ajuda a criar um espaço político para governos e empresas agirem. E é provável que isso incentive outras pessoas e outros países a fazerem mais. E isso já está acontecendo. Quem imaginaria que uma empresa que fabrica hambúrguer sem carne pode valer quase US$ 4 bilhões; que o cartel de petróleo mais poderoso do mundo classificaria os jovens ativistas ambientais como a "maior ameaça" para a indústria de petróleo; ou que a mudança climática se tornaria a questão-chave para os candidatos democratas a presidente dos EUA? Sim, o que estou sugerindo é a possibilidade de um círculo virtuoso. E sim, este é um argumento para que todos nós possamos ser bem mais otimistas em relação ao que pode ser alcançado. Porque há outro ponto crucial a ser lembrado. A mudança climática não é binária, não apenas acontece ou não acontece. Uma questão importante para todos nós é o nível de mudança climática que o mundo vai sofrer. Já sentimos um certo grau de aquecimento global. A Organização das Nações Unidas (ONU) pediu que tentássemos limitar a 1,5°C. O negócio é o seguinte: quanto mais atitude tomarmos, menos nosso clima vai mudar e mais habitável o mundo vai ser para nós, para nossos descendentes e para todo o resto da magnífica abundância de vida na Terra. Agora, convenhamos, vale a pena fazer algumas mudanças no estilo de vida em nome desta causa, não é mesmo? Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Coronavírus: pandemia pode jogar até 14 milhões de brasileiros na pobreza, diz estudo
A turbulência econômica causada pela pandemia do novo coronavírus pode jogar até 14,4 milhões de brasileiros na pobreza, segundo um novo estudo conduzido por pesquisadores da Inglaterra e Austrália junto com o Instituto Mundial das Nações Unidas para a Pesquisa Econômica do Desenvolvimento (UNU-WIDER).
Brasil responderia por 25% a 30% dos novos pobres na América Latina, segundo estudo A estimativa se refere ao número de pessoas que passariam a viver com menos de US$ 5,50 (R$ 27,40) por dia, um dos parâmetros de pobreza definidos pelo Banco Mundial - os outros dois são US$ 3,20 e US$ 1,90 (pobreza extrema) - no pior cenário possível, de queda de 20% de renda ou consumo. No mundo, seriam 527,2 milhões de novos pobres nessa mesma base de comparação. Pesquisadores da Universidade King's College London e da Universidade Nacional da Austrália, responsáveis pelo estudo, avaliaram três cenários possíveis da recessão causada pela pandemia de covid-19 - queda de 5%, 10% e 20% de renda ou consumo. Considerando o limiar de US$ 1,90 por dia (pobreza extrema), o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 700 mil (5%) a 1,5 milhão (10%) e 3,3 milhões (20%). Fim do Talvez também te interesse Ao redor do mundo, o número de pessoas vivendo na pobreza extrema passaria de 727,3 milhões atualmente para 1,1 bilhão, na pior das hipóteses (20%). Segundo os pesquisadores, caso se confirme, esse cenário indicaria uma "reversão de sete a dez anos de progresso na luta contra a redução da pobreza, dependendo da contração, e o primeiro aumento absoluto de pessoas vivendo em extrema pobreza desde 1999". Já no patamar de US$ 3,20 por dia, considerado o índice de pobreza para países de renda média baixa, o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 1,4 milhão (5%) a 3 milhões (10%) e 6,9 milhões (20%). Por fim, se considerado o parâmetro de US$ 5,50 por dia, limiar de pobreza para países de renda média alta, como é o caso do Brasil, o número de novos pobres brasileiros poderia aumentar de 3 milhões (5%) a 6,4 milhões (10%) e 14,4 milhões (20%). Em todos os casos, o Brasil responderia aproximadamente por 25% a 30% dos novos pobres na América Latina. De volta à pobreza Dados recentemente divulgados pelo Banco Mundial mostram que o impacto econômico da pandemia de covid-19 no Brasil será maior do que em outros países da região. A organização multilateral, com sede em Washington (EUA), estima que o PIB brasileiro caia 8% neste ano, taxa inferior apenas à do Peru (-12%) na América do Sul. "A crise da covid-19 pode fazer com que a pobreza extrema volte a atingir mais de 1 bilhão de pessoas. Isso porque milhões de pessoas vivem somente um pouco acima da linha da pobreza. Milhões de pessoas vivem em uma situação precária e qualquer choque econômico pode levá-las de volta à pobreza. E a crise atual pode ser esse choque que as empurraria à pobreza", diz Andy Sumner, professor de Desenvolvimento Internacional da King's College London e um dos autores do estudo. "Os impactos da pobreza atual serão determinados pelo que os governos vão fazer para mitigar as consequências danosas da pandemia. Os mais pobres não podem esperar até a reunião do G7 em setembro ou a do G20 em novembro", acrescenta ele. Segundo os pesquisadores, "muita atenção está focada, justificadamente, nos aspectos da pandemia da covid-19 relacionados à saúde e na magnitude potencial da contração da atividade econômica dos países." "Mas o impacto que os choques de desemprego e da renda do trabalho como consequência das medidas de confinamento pode exercer nas taxas de pobreza em países em desenvolvimento vem recebendo relativamente menos atenção até agora", assinalam. Os pesquisadores ressaltam que os cenários avaliados, de queda de 5%, 10% ou 20% de renda ou consumo, estão em linha com as previsões de organismos internacionais. No caso do pior cenário possível, por exemplo, eles dizem que a queda de 20% se aproxima "das estimativas da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de que o confinamento parcial ou completo pode resultar numa contração que varia entre 15% e 35% entre as 48 maiores economias do mundo, com um declínio de 25% a curto prazo nas economias em desenvolvimento e avançadas". Eles ressalvam contudo que "não sabemos qual dos nossos cenários de contração será o mais próximo do resultado final, nem como as mudanças no consumo ou na renda vão diferir entre os países. O resultado final da pobreza será determinado pelo que os governos fazem, pela duração da crise e pelo choque específico de renda em cada país e como ele se distribui pelos diferentes setores". "Nossas estimativas são indicações de ordens de grandeza e devem ser lidas não como previsões, mas como uma série de possíveis resultados", acrescentam. 'Fosso da pobreza' Segundo os pesquisadores, a piora nos meios de subsistências das pessoas como consequência da crise poderia resultar "não apenas numa incidência mais alta da pobreza, mas também exarcebar tanto a intensidade quanto a severidade da pobreza". No pior cenário possível (queda de 20% da renda ou do consumo), dizem eles, a severidade da pobreza poderia aumentar em até 60% entre os que ganham até US$ 1,90 por dia e entre 30% e 40% para os limiares de pobreza mais altos. Isso significa que os recursos necessários para elevar as rendas dos mais pobres para os patamares de pobreza passariam dos atuais US$ 446 milhões por dia para mais de US$ 700 milhões por dia. Recursos necessários para elevar rendas dos mais pobres para patamares de pobreza passariam dos atuais US$ 446 milhões por dia para mais de US$ 700 milhões por dia, diz estudo Mudança no mapa de pobreza O estudo também assinala que a pobreza deve aumentar "substancialmente" nos países em desenvolvimento de renda média e destaca a possibilidade de uma mudança "significativa" na distribuição da pobreza global. "Deve haver muito mais nova pobreza não apenas em países onde a pobreza sempre permaneceu alta nas últimas três décadas, mas também em países que não estão mais entre os mais pobres, o que aponta não só para o tamanho de sua população, mas também sugere que muito dos seus ex-pobres foram alçados para um patamar pouco acima da linha da pobreza, o que implica que os recentes progressos alcançados foram relativamente frágeis", destacam os pesquisadores. Considerando o patamar de pobreza extrema, por exemplo, de US$ 1,90 por dia, e o pior cenário possível (20%), mais da metade dos 395 milhões de novos pobres estariam no Sul da Ásia, "tornando-se assim a região mais afetada no mundo", em grande parte por causa da Índia, de acordo com o estudo. No entanto, à medida em que os parâmetros de pobreza aumentam, uma parcela maior dos novos pobres estará concentrada "onde o parâmetro de pobreza correspondente é mais relevante, dado o nível médio de renda". "Por exemplo, a distribuição regional dos pobres do mundo muda drasticamente quando se olha para a linha de pobreza de US$ 5,50 por dia - o parâmetro de pobreza entre os países de renda média alta. Nesse nível, quase 41% dos meio bilhão de novos pobres em um cenário de contração de 20% viveriam no leste da Ásia e no Pacífico, principalmente na China; um quarto viveria no Sul da Ásia; e 18% no Oriente Médio e Norte da África e na América Latina e no Caribe, porcentual individual semelhante ao da África Sub-saariana (9,2%)". "Essa distribuição do número adicional de pobres é um pouco semelhante à resultante de um cenário de contração de 5% ou 10%", acrescenta o estudo. Os pesquisadores acrescentam que "na América Latina e no Caribe, uma queda de 10% na renda / consumo per capita pode acabar com uma década de progresso relativamente lento na redução da pobreza considerando o patamar de US$ 5,50 por dia, enquanto uma queda de 20% pode levar a incidência de pobreza de volta ao nível de 2005". Embora tenham focado nos impactos econômicos de curto prazo da crise da covid-19 na pobreza, "a crise mais ampla deve causar repercussões para a pobreza global por anos a fio", concluem. Pandemia de coronavírus provocou mais ampla turbulência econômica global desde pelo menos 1870, diz Banco Mundial Recessão mais ampla desde 1870 Em relatório recente, o Banco Mundial alertou que a pandemia de coronavírus provocou a mais ampla turbulência econômica global desde pelo menos 1870 e ameaça desencadear um aumento dramático nos níveis de pobreza em todo o mundo. Trata-se do maior número de países entrando em recessão ao mesmo tempo em 150 anos. A organização estima que o PIB de 90% das 183 economias avaliadas caia em 2020, mais do que os 85% dos países que sofreram recessão durante a Grande Depressão da década de 1930. Já em comparação com outras recessões, a tormenta financeira causada pela pandemia de covid-19 seria a mais acentuada desde a Segunda Guerra Mundial e a quarta pior entre as 14 que o mundo atravessou nos últimos 150 anos. Desde 1870, ela só seria superada pelas crises ocorridas no início da Primeira Guerra Mundial em 1914, na Grande Depressão em 1930-32 e após a desmobilização de tropas após a Segunda Guerra Mundial em 1945-46. O Banco Mundial prevê que o PIB global encolha 5,2% neste ano, mais do que o dobro do registrado na crise financeira de 2008.
10 perguntas para entender o conflito entre israelenses e palestinos
Israel anunciou a retomada dos ataques aéreos a Gaza, após militantes palestinos terem disparados foguetes contra o território israelense após o final de um período de 72 horas de cessar-fogo, encerrado na manhã desta sexta-feira.
Um mês após o início da guerra na Faixa de Gaza, israelenses e palestinos vivem período de trégua O Exército israelense classificou os ataques como "inaceitáveis, intoleráveis e míopes". O grupo militante palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza, havia rejeitado a extensão do cessar-fogo, alegando que Israel não atendeu suas demandas. O atual conflito na Faixa de Gaza já dura um mês, sem perspectivas de um acordo de longo prazo que coloque fim à violência que já matou mais de 1.900 pessoas, a maioria civis. As cicatrizes do confronto são visíveis, principalmente na Faixa de Gaza. De acordo com a ONU, cerca de 373 mil crianças irão necessitar de apoio psicossocial. Aproximadamente 485 mil pessoas foram deslocadas para abrigos de emergência ou casas de outras famílias palestinas. Além disso, 1,5 milhão de pessoas que não vivem em abrigos estão sem acesso a água potável. Mas para compreender o conflito israelense-palestino é preciso olhar além dos números. A BBC responde a dez perguntas básicas para entender por que esse antigo conflito entre israelenses e palestinos é tão complexo e polarizado. 1. Como o conflito começou? O movimento sionista, que procurava criar um Estado para os judeus, ganhou força no início do século 20, incentivado pelo antissemitismo sofrido por judeus na Europa. A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e católicos, pertencia ao Império Otomano naquele tempo e era ocupada, principalmente, por muçulmanos e outras comunidades árabes. Mas uma forte imigração judaica, alimentada por aspirações sionistas, começou a gerar resistência entre as comunidades locais. Após a desintegração do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações para administrar o território da Palestina. Mas, antes e durante a guerra, os britânicos fizeram várias promessas para os árabes e os judeus que não se cumpririam, entre outras razões, porque eles já tinham dividido o Oriente Médio com a França. Isso provocou um clima de tensão entre árabes e nacionalistas sionistas que acabou em confrontos entre grupos paramilitares judeus e árabes. Após a Segunda Guerra Mundial e depois do Holocausto, aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. O plano original previa a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e palestinos. Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a tensão deixou de ser local para se tornar questão regional. No dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território. Foi a primeira guerra árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de independência ou de libertação. Depois da guerra, o território originalmente planejado pela Organização das Nações Unidas para um Estado árabe foi reduzido pela metade. Leia também: 'Chorava escondido para os pacientes não verem', diz médica brasileira em Gaza Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra em árabe para "destruição" ou "catástrofe": 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses. Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre os dois povos. Em 1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise motivada pelo Canal de Suez, mas o conflito foi definido fora do campo de batalha, com a confirmação pela ONU da soberania do Egito sobre o canal, após forte pressão internacional sobre Israel, França e Grã-Bretanha. Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o cenário na região - a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória esmagadora para Israel contra uma coalizão árabe. Após o conflito, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de palestinos fugiram. Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. A Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa dos árabes de recuperar os territórios ocupados em 1967. Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a chegar à paz com Israel, que desocupou a Península do Sinai. A Jordânia chegaria a um acordo de paz em 1994. Leia também: Por que a idade média em Gaza é de 17 anos? 2. Por que Israel foi fundado no Oriente Médio? A religião judaica diz que a área em que Israel foi fundado é a terra prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e seus descendentes. A região foi invadida pelos antigos assírios, babilônios, persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que nomeou a região como Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de suas terras depois de lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam independência. Com o surgimento do Islã, no século 7 d.C., a Palestina foi ocupada pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas europeias. Em 1516, estabeleceu-se o domínio turco, que durou até a Primeira Guerra Mundial, quando o mandato britânico foi imposto. A Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina disse em seu relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro de 1947 que as razões para estabelecer um Estado judeu no Oriente Médio eram baseados em "argumentos com base em fontes bíblicas e históricas", na Declaração de Balfour de 1917 - em que o governo britânico se pôs favorável a um "lar nacional" para os judeus na Palestina - e no mandato britânico na Palestina. Reconheceu-se a ligação histórica do povo judeu com a Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu na região. Leia também: Israel e Hamas aceitam trégua de longa duração em Gaza Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para o reconhecimento de um Estado judeu. Sem conseguir resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão à ONU. Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano de partilha da Palestina, que recomendou a criação de um Estado árabe independente e um Estado judeu e um regime especial para Jerusalém. O plano foi aceito pelos israelenses mas não pelos árabes, que o viam como uma perda de seu território. Por isso, nunca foi implementado. Um dia antes do fim do mandato britânico da Palestina, em 14 de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel, representante dos judeus durante o mandato, declarou a independência do Estado de Israel. No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU, condição que alcançou um ano depois. Hoje, 83% dos membros da ONU reconhecem Israel (160 de 192). Leia também: Por que os EUA e a Europa relutam em criticar Israel? 3. Por que há dois territórios palestinos? Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina à Assembleia Geral, em 1947, recomendou que o Estado árabe incluiria a área oeste da região da Galileia, a região montanhosa de Samaria e Judeia com a exclusão da cidade de Jerusalém e a planície costeira de Isdud até a fronteira com o Egito. Mas a divisão do território foi definida pela linha de armistício de 1949, estabelecida após a primeira guerra árabe-israelense. Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de cerca de 45 km de distância. A área é de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente. Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém o controle de sua fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército israelense na guerra de 1967 e foi desocupada apenas em 2005. O país, no entanto, mantém um bloqueio por ar, mar e terra que restringe a circulação de mercadorias, serviços e pessoas. Gaza é atualmente controlada pelo Hamas, o principal grupo islâmico palestino que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e outras facções palestinas. A Cisjordânia é governada pela Autoridade Nacional Palestina, governo palestino reconhecido internacionalmente, cujo principal grupo, o Fatah, é laico. 4. Israelenses e palestinos nunca se aproximaram da paz? Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento de milhares de pessoas que perderam suas casas, o movimento nacionalista palestino começou a se reagrupar na Cisjordânia e em Gaza, controlados pela Jordânia e Egito, respectivamente, e nos campos de refugiados criados em outros países árabes. Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas como o Fatah, liderado por Yasser Arafat, formaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e lançaram operações contra Israel, primeiro a partir da Jordânia e, depois, do Líbano. Os ataques também incluíram alvos israelenses em solo europeu. Em 1987, teve-se início o primeiro levante palestino contra a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e deixou centenas de mortos. Um dos efeitos da intifada foi a assinatura, entre a OLP e Israel em 1993, dos acordos de paz de Oslo, nos quais a organização palestina renunciou à "violência e ao terrorismo" e reconheceu o "direito" de Israel "de existir em paz e segurança", um reconhecimento que o Hamas nunca aceitou. Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a Autoridade Nacional Palestina, que representa os palestinos nos fóruns internacionais. O presidente é eleito por voto direto. Ele, por sua vez, escolhe um primeiro-ministro e os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis e de segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). Somente representantes civis - e não militares - governam áreas rurais (área B). Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica de palestinos, não está incluída neste acordo e é uma das questões mais polêmicas entre as partes. Mas, em 2000, a violência voltou a se intensificar na região, e teve início a segunda intifada palestina. Desde então, israelenses e palestinos vivem num estado de tensão e conflito permanentes. 5. Quais são os principais pontos de conflito? A demora na criação de um Estado palestino independente, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia e a barreira construída por Israel - condenada pelo Tribunal Internacional de Haia - complicam o andamento de um processo paz. Mas estes não são os únicos obstáculos, como ficou claro no fracasso das últimas negociações de paz sérias, em Camp David, nos Estados Unidos, em 2000, quando o então presidente Bill Clinton não conseguiu chegar a um acordo entre Arafat e o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak. As diferenças que parecem irreconciliáveis são: Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade inteira (sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que a cidade é sua capital “eterna e indivisivel”, após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. A reivindicação não é reconhecida internacionalmente. Os palestinos querem Jerusalém Oriental como sua capital. Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado seja delimitado pelas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental, o que Israel rejeita. Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, construídos pelo governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de 1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos judeus. Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os refugiados (10,6 milhões, de acordo com a OLP, dos quais cerca de metade são registrados na ONU) têm o direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para Israel, permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu. 6. A Palestina é um país? A ONU reconheceu a Palestina como um "Estado observador não membro" no final de 2012, deixando de ser apenas uma "entidade” observadora. A mudança permitiu aos palestinos participar de debates da Assembleia Geral e melhorar as chances de filiação a agências da ONU e outros organismos. Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano antes, os palestinos tentaram, mas não conseguiram, apoio suficiente no Conselho de Segurança. Quase 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU (134 de 192) reconhecem a Palestina como um Estado. 7. Por que os EUA são o principal parceiro de Israel? Quem apoia os palestinos? A existência de um importante e poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos e o fato da opinião pública ser frequentemente favorável a Israel faz ser praticamente impossível a um presidente americano retirar apoio a Israel. De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC no ano passado em 22 países, os EUA foram o único país ocidental com opinião favorável a Israel, e o único país na pesquisa com uma maioria de avaliações positivas (51%). Além disso, ambos os países são aliados militares: Israel é um dos maiores receptores de ajuda americana, grande parte destinada a subsídios para a compra de armas. Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma potência. Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, após a deposição pelo Exército do presidente islamita Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana - historicamente associada ao Hamas. Hoje em dia o Catar é o principal país que apoia o Hamas. 8. Por que estão se enfrentando agora? Após o colapso das negociações de paz patrocinadas pelos Estados Unidos e o anúncio, no início de junho, de um governo de união nacional entre as facções palestinas Fatah e Hamas, considerado inaceitável por Israel, iniciou-se uma nova onda de violência. No dia 12 de junho, três jovens israelenses foram sequestrados na Cisjordânia e, dias depois, encontrados mortos. Israel culpou o Hamas e prendeu centenas de membros do grupo. Israel reconheceu posteriormente que não poderia garantir se os responsáveis teriam sido o Hamas ou um grupo independente. Após as prisões, o Hamas disparou foguetes contra território israelense. Israel lançou ataques aéreos em Gaza. Em 2 de julho, um dia após o funeral dos jovens israelenses, um palestino de 16 anos foi sequestrado em Jerusalém Oriental e assassinado. Três israelenses foram acusados de queimá-lo vivo e, em Gaza, houve um aumento do disparo de foguetes contra Israel. No dia 8 de julho, o Exército de Israel lançou uma operação contra militantes do Hamas na Faixa de Gaza. 9. Como israelenses e palestinos justificam a violência? A decisão de iniciar uma incursão terrestre em Gaza tem, segundo Israel, um objetivo: desarmar os militantes palestinos e destruir os túneis construídos pelo Hamas e outros grupos a fim de se infiltrar em Israel para realizar ataques. Israel quer o fim do lançamento de foguetes do Hamas contra território israelense. A maioria dos foguetes não tem nenhum impacto, já que o país conta com um sistema antimísseis avançado, o Domo de Ferro. Israel diz ter o direito de defender-se e acusa o Hamas de usar escudos humanos e realizar ataques a partir de áreas civis em Gaza. O grupo palestino nega. O Hamas diz que lança foguetes contra Israel em legítima defesa, em retaliação à morte de partidários do grupo por Israel e dentro de seu direito de resistir à ocupação e ao bloqueio. 10. O que falta para que haja uma oportunidade de paz duradoura? Israelenses teriam de aceitar a criação de um Estado soberano para os palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de Gaza e o término das restrições à circulação de pessoas e mercadorias nas tres áreas que formariam o Estado palestino: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza. Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e reconhecer o Estado de Israel. Além disso, eles teriam que chegar a acordos razoáveis sobre fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados. No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de Israel, muitas coisas mudaram, especialmente a configuração dos territórios disputados após as guerras entre árabes e israelenses. Para Israel, estes são fatos consumados, mas os palestinos insistem que as fronteiras a serem negociadas devem ser aquelas existentes antes da guerra de 1967. Além disso, enquanto no campo militar as coisas estão cada vez mais incontroláveis na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa na Cisjordânia, com a construção de assentamentos israelenses, o que reduz, de fato, o território palestino nestas áreas. Mas talvez a questão mais complicada pelo seu simbolismo seja Jerusalém, a capital tanto para palestinos e israelenses. Tanto a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia, quanto o grupo Hamas, em Gaza, reinvindicam a parte oriental como a capital de um futuro Estado palestino, apesar de Israel tê-la ocupado em 1967. Um pacto definitivo nunca será possível sem resolver este ponto.
UE alerta sobre problemas econômicos na Espanha e Eslovênia
A União Europeia afirmou que a Espanha e a Eslovênia são as nações que enfrentam as maiores dificuldades econômicas – que deverão ser resolvidas de forma urgente.
Em um relatório sobre a saúde econômica do bloco, o órgão destacou os altos índices de endividamento e o crescimento do desemprego na Espanha – onde mais da metade da população com menos de 25 anos de idade não consegue achar um emprego. Simultaneamente, a Organização Mundial do Comércio disse que a crise na Europa está prejudicando as perspectivas de crescimento global. O órgão cortou sua previsão de crescimento da economia mundial de 4,5% para 3,3%.
Brasileiro é acusado de matar compatriota em Londres
O brasileiro Artur Domingues, de 28 anos, foi preso pela polícia londrina acusado de ter esfaqueado um compatriota no fim de semana passado.
Josenir Oliveira dos Anjos, de 35 anos, foi morto a facadas – segundo o órgão que corresponde ao Instituto Médico Legal no Brasil – na sexta-feira, dia 28 de julho. Embora o crime tenha ocorrido na semana passada, os detalhes sobre a morte só foram divulgados pela Polícia Metropolitana de Londres nesta quarta-feira. Josenir Oliveira dos Anjos ainda chegou a ser levado para um hospital local, mas foi declarado morto pouco após a chegada. Oliveira dos Anjos trabalhava como faxineiro. Artur Domingues foi preso no dia 31 de Julho e espera pelo processo na cadeia.
'Minha família quer que eu me case aos 14 anos com noivo rico’: os casamentos infantis na pandemia
"Minha família me disse que eu não deveria recusar a oferta, já que a pessoa que se casaria comigo era de uma família rica", diz Abeba, de 14 anos.
Abeba: 'Minha família continua me pressionando para me casar' Há apenas alguns meses, a mãe e os irmãos dela a pressionaram para aceitar um pretendente, se casar e, assim, ajudar a aliviar as dificuldades financeiras da família durante a pandemia de covid-19. Abeba quer ser médica, mas em sua cidade natal, Gondar, na Etiópia, o futuro de sua educação é incerto. Rabi, de 16 anos, ainda frequenta o ensino médio em Gusau, na Nigéria. Mas quatro de suas amigas da escola se casaram durante a pandemia, e a mãe dela acredita que ela deveria fazer o mesmo. "Duas de nossas vizinhas vão se casar esta semana, In sha Allah (se Deus quiser). Nunca pensei que isso fosse me tocar tão cedo", diz Rabi. Fim do Talvez também te interesse E as perspectivas para essas adolescentes estão longe de ser incomuns. De acordo com um novo relatório do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef), já antes da pandemia esperava-se que em 10 anos 100 milhões de menores seriam obrigadas a se casar. O órgão estima que, por causa da covid-19, esse número crescerá 10%. O fechamento de escolas em todo o mundo, a recessão econômica e a interrupção dos serviços de apoio às famílias e crianças durante os confinamentos aumentaram a probabilidade de que, até 2030, outros 10 milhões de meninas se tornem esposas antes da idade adulta legal, diz o relatório. "Esses números revelam que o mundo está se tornando um lugar mais difícil para as meninas", disse Nankali Maksud, conselheira sênior de Prevenção de Práticas Nocivas da Unicef. Assunto de família "As famílias deveriam mandar suas filhas para a escola, em vez de arranjar casamento para elas", diz Abeba. A jovem etíope escapou de um casamento arranjado porque conseguiu que seu pai a apoiasse. "Minha mãe e meus irmãos continuaram me pressionando para casar. Eles pararam quando receberam aconselhamento. As autoridades fizeram eles mudarem de ideia." Para Rabi (nome fictício, pois ela não quer ser identificada ou fotografada), a ameaça continua presente. Muitas meninas do povoado nômade Fulani não retornarão à escola após o confinamento e muitas já se casaram Ela mora em uma área rural em Damba, um assentamento Hausa-Fulani no norte da Nigéria, onde mulheres jovens se casam assim que têm um bom pretendente. "Para mim, tudo começou durante o confinamento, quando meus irmãos mais novos começaram a brincar de soletrar e eu decidi me juntar a eles", diz a jovem de 16 anos. A mãe dela ficou brava porque Rabi demonstrou no jogo que não havia aprendido o suficiente na escola. "Ela me disse: 'Você já perdeu muito tempo indo para a escola! Olha, seus irmãos mais novos têm que te ensinar!'". A mãe continuou: "A esta altura, todas as meninas do seu ano escolar estão casadas. Vou pedir a Shafi'u (pretendente de Rabi) que mande os pais dele pedirem oficialmente sua mão em casamento". As amigas Habiba, Mansura, Asmau e Raliya se casaram no ano passado para amenizar as dificuldades financeiras de suas famílias. Organizações de direitos das mulheres em Bangladesh lutam há anos contra o casamento infantil Uma amiga da mãe de Rabi afirma não entender a relutância da menina: "O que mais os pais precisam esperar? Não posso pagar os estudos da minha filha. O casamento é uma oportunidade para uma menina se estabelecer e ter menos pessoas em casa". Uma tendência reversível Desde 2011, o número de meninas casadas antes da idade adulta legal caiu 15% no geral, mas agora esse progresso está ameaçado como resultado da pandemia, diz a Unicef. "Estávamos progredindo globalmente na redução dos casamentos infantis. Ainda não era o suficiente para atingir nosso objetivo de eliminá-los, mas estávamos indo na direção certa", diz Maksud. "Mas a covid-19 quebrou essa trajetória. A vida de meninas adolescentes em todo o mundo piorou." No entanto, existem algumas tendências positivas refletidas no relatório: evidências de campo mostram que, onde a intervenção é possível, os casamentos e uniões infantis podem acabar. Embora o casamento infantil continue sendo uma prática comum em algumas partes do mundo, está se tornando menos normal onde as medidas apropriadas são tomadas. E o aumento estimado como resultado da pandemia pode ser revertido, dizem os especialistas. "Recebi nove pedidos de casamento" Maram foi para a Jordânia como refugiada síria há alguns anos Desde os 14 anos recebi nove propostas de casamento", diz Maram, que se mudou da Síria para a Jordânia há alguns anos e agora mora em Zaatari, um campo de refugiados perto da fronteira. "Nossa comunidade nos pressionou muito, mas minha mãe e meu pai me apoiaram", conta. "Minha mãe é o meu maior apoio. Ela me diz que ainda sou muito jovem e que ainda não entendo o que é o casamento". Em vez disso, Maram teve a oportunidade de ir à escola e jogar futebol, uma de suas paixões. "Eu conheço meninas que se casaram e abandonaram a escola. Elas têm que deixar suas famílias para trás e morar com o marido e sogros. Essas meninas não estão prontas para uma mudança tão grande", diz ela. "Minhas duas amigas que se casaram agora estão arrependidas. Eles estão chocadas com sua nova vida e se sentem privadas de direitos. Os casamentos infantis podem ser evitados? As escolas costumam ser os lugares mais seguros para as menores de idade Os especialistas acreditam que os casamentos infantis podem ser evitados com as intervenções sociais corretas. "O exemplo perfeito é a Índia. Nos últimos 30 anos, o país teve grandes programas nacionais de transferência de renda", diz Maksud. Como resultado, as famílias indianas receberam uma compensação financeira por não casarem suas filhas menores de idade. Além disso, embora o casamento não possa ser evitado, atrasá-lo traz benefícios para a comunidade. "Isso é muito importante porque permite que essas meninas terminem a escola, tenham outras opções na vida, desenvolvam habilidades e, como resultado, temos mais probabilidade de interromper o ciclo da pobreza", acrescenta Maksud. "Me pagam para eu esperar para me casar" Savita (à direita) conversando com assistente social Savita acha que tem 16 ou 17 anos. Ela não sabe exatamente sua própria idade. Embora seus documentos de identidade indiquem que ela tem 14 anos, ela diz que o dado não está correto. Ela mora em Uttar Pradesh, no norte da Índia, com seus pais, quatro irmãs e dois irmãos. Savita diz que nunca foi à escola, por isso não sabe ler nem escrever. Durante o confinamento, sua família recebeu um ganho extra, mas ainda a pressionou para que ela se casasse. Ela havia visto sua irmã se casar ainda criança e relutou em seguir seus passos. Quando as autoridades locais conseguiram impedir o casamento há algumas semanas, Savita ficou aliviada. Ofereceram a ela a inclusão em um programa de transferência de renda — caso ela adiasse o casamento até os 18 anos, receberia apoio financeiro até lá. Nankali Maksud, da Unicef, diz que há três elementos-chave que precisam ser abordados para reverter a tendência das meninas serem forçadas a se casar por causa da pandemia. "Primeiro, você precisa levar as meninas de volta à escola com a maior segurança possível", diz Maksud, ou dar a elas a oportunidade de desenvolver habilidades, como aprender um ofício ou profissão. "O impacto econômico da covid-19 nas famílias pobres também deve ser abordado, de modo que a carga financeira não seja aliviada com a venda ou casamento das meninas." A conselheira da Unicef também destaca que a gravidez na adolescência é um importante fator para o casamento das meninas. "Portanto, é vital que os serviços de saúde sexual e reprodutiva sejam retomados, para que as meninas possam acessá-los e ter a informação e assistência que precisam para tomar as decisões certas". "Eu ajudei a salvar minha irmã do casamento" Minara, de 18 anos, ajuda meninas mais novas em sua comunidade Minara se tornou uma ativista contra o casamento infantil em sua comunidade depois de entrar em um clube local para educação de adolescentes em Kalmakanda, no norte de Bangladesh. O que a adolescente de Bangladesh de 18 anos não sabia na época era que seu treinamento a ajudaria a salvar sua própria irmã mais nova, Rita. "A pandemia tem sido difícil para minha família", diz Minara, que mora com os pais e os dois irmãos em uma casa com telhado de palha. O pai dela perdeu o emprego durante o confinamento e estava desesperado por dinheiro. Minara descobriu que um vizinho se ofereceu para se casar com a irmã dela, dizendo que queria ajudar a aliviar o problema financeiro da família. Este mesmo homem assediava Rita antes da pandemia chegar, diz ela. Com a ajuda das colegas do clube, Minara ligou para uma linha de apoio e conseguiu impedir o casamento, embora não tenha certeza por quanto tempo. Se esta pandemia continuar, os pais podem se sentir pressionados a casar suas filhas antes de elas completarem 18 anos. "O acompanhamento está ajudando" Abeda (à esquerda) e Mekdes (ao centro), com seu amigo Wude, conseguiram evitar um casamento precoce Na Etiópia, Abeba espera que suas amigas continuem indo à escola e evitem se casar antes de se formar. Mekdes, de 14 anos, sonha em ser engenheira. "Estando em casa (confinada), ouvi meus pais falarem sobre se casar com um garoto que eu nem conhecia", disse ela à BBC. "Eu disse a eles que não queria me casar e que queria estudar, mas eles não me ouviram." "Esperei até a nossa escola reabrir e contei tudo ao diretor da escola", conta a adolescente. "Ela informou as autoridades locais e eles aconselharam meus pais a não fazerem isso." Por enquanto, os pais prometeram não casá-la até que ela complete 18 anos. "O serviço de aconselhamento está ajudando muito em nossa comunidade. Agora, existe até um sistema para a polícia processar os pais se eles insistirem em nos casar." Texto editado por Valeria Perasso. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Messenger terá botão para denunciar pedofilia
Usuários do Windows Messenger poderão denunciar suspeitos de pedofilia através do próprio programa.
Nos próximos dias, o programa terá um botão “acusar abuso” para facilitar as denúncias. A inovação partiu de uma campanha da entidade britânica Child Exploitation and Online Protection Centre (CEOP), que combate pedofilia na Internet. A CEOP disse que, se necessário, as denúncias serão encaminhadas a departamentos de polícia em todo mundo. Investigação global “O que a Microsoft e a CEOP estão fazendo hoje é dizer ‘basta’”, afirmou o diretor da entidade britânica, Jim Gamble. “Trabalhando juntos de forma clara e concreta, nós podemos proteger as crianças dos predadores sexuais.” Quem clicar no botão para fazer uma denúncia terá instruções sobre como recolher provas e fazer cópias de conversas online. As denúncias não são anônimas, portanto a CEOP espera receber poucos trotes. O MSN Messenger é um dos programas mais populares do mundo de conversa via Internet. A CEOP integra a Virtual Global Taskforce (VGT), uma associação mundial de organizações legais e de combate a abusos sexuais. A VGT também ajudará na investigação das denúncias feitas via Messenger.
O que é a doença mão-pé-boca, comum em creches e pré-escolas
Primeiro, começa a febre. Depois, manchas vermelhas e bolhas começam a aparecer, normalmente nos pés, mãos e ao redor dos lábios da criança. Às vezes, também surgem aftas dentro da boca, que causam dor ao comer e beber. Os sintomas somem depois de uma semana, assim como surgiram, deixando nos pais uma preocupação: como evitar a doença mão-pé-boca (HFMD, na sigla em inglês)?
Lauanne e sua filha Aurora; doença ataca principalmente crianças pequenas, com o sistema imunológico ainda imaturo De origem viral, a doença ataca geralmente crianças de até cinco anos de idade, que têm o sistema imunológico ainda imaturo. Sua transmissão acontece pelo contato direto com outras crianças contaminadas com o vírus, bem como com suas fezes e saliva. Alimentos e objetos contaminados também podem transmitir o vírus. O período de incubação da mão-pé-boca é de três a seis dias e, no começo, é fácil confundir com outras doenças. Os primeiros sintomas, semelhantes a uma virose comum, são febre e dor de garganta, que podem ser acompanhados de mal-estar e perda de apetite. Dois ou três dias depois, começam a aparecer as manchas e bolhas na pele. No total, a doença dura entre uma semana e dez dias, e depois desaparece espontaneamente. Mas é preciso ficar atento: o vírus ainda pode ser transmitido pelas fezes do paciente por até quatro semanas depois da cura. Não existe vacina contra a doença mão-pé-boca, já que ela é considerada benigna pela medicina, raramente ocasionando complicações. Fim do Talvez também te interesse Levar para a escola aumenta o risco? Sim. A recomendação dos médicos é manter a criança doente em repouso em casa enquanto durarem os sintomas. Como crianças pequenas tendem a colocar as mãos na boca e em seguida tocar brinquedos compartilhados com os coleguinhas, o vírus pode se espalhar pela classe inteira. "É uma doença típica da infância", diz o pediatra Renato Kfouri, presidente do departamento de imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Como cuidar da criança durante a doença? A mão-pé-boca não tem um tratamento específico. Apenas os sintomas são tratados, com analgésicos, antitérmicos e em alguns casos, anti-inflamatórios. Como a criança pode sentir dor na boca e na garganta, ela pode não querer comer ou beber, mas é importante evitar que ela desidrate. Um boa opção é dar alimentos pastosos não muito quentes nem condimentados, como purês e gelatina, e bebidas geladas. Como prevenir? Além de interromper o contato com crianças doentes, é importante manter a higiene do ambiente, da criança e da família. Tanto o paciente quanto quem cuida dele deve lavar as mãos com água e sabão (ou na sua falta, passar álcool-gel) com frequência, especialmente depois do paciente ir ao banheiro. Se a criança já tiver idade suficiente para lavar as mãos sozinha, assegure-se que ela faça isso frequentemente e mantenha o hábito após o fim da doença. "Ela estava enjoadinha" Aurora pegou a mão-pé-boca na creche, aos 10 meses de idade Aurora, de um ano, filha da publicitária Lauanne Araújo, 28 anos, de Campo Grande (MS), pegou a mão-pé-boca na creche. A menina nasceu prematura, com 33 semanas, e o pediatra já havia alertado Lauanne que ela seria mais suscetível a viroses. Aos dez meses, três meses depois de entrar na escola, Aurora começou com a febre, e três dias depois, e as feridinhas surgiram no joelho, pés e virilha. Só quando elas foram ao pronto-socorro, a médica que as atendeu descobriu que Aurora também tinha aftas na parte interna da boca. "Ela estava enjoadinha, só queria leite do peito e frutinhas geladas", descreve Lauanne. Cinco dias depois, a febre se foi, as feridas pararam de se multiplicar, e Aurora ficou boa. Como o médico identifica a doença? O médico normalmente diagnostica a doença mão-pé-boca pelos sintomas, especialmente depois que as manchas vermelhas e bolhas aparecem no corpo. Como o sintoma inicial muitas vezes é febre, é possível que de início ela seja confundida com outras viroses, e depois, com estomatites que também causam aftas na boca. Meu filho não quer comer ou beber. E agora? As aftas bucais podem deixar a criança sem vontade de comer ou beber, correndo o risco de desidratação. Se isso acontecer, a alternativa é oferecer alimentos pastosos, como mingau ou purê, desde que não estejam muito quentes. Gelatina e sorvete são outra opção. Evite comidas ácidas, muito quentes ou condimentadas. Para evitar a desidratação, ofereça suco, chá gelado e água, sorvidos em pequenos goles. Em que época é mais comum? A mão-pé-boca pode surgir o ano todo, mas os casos aumentam ligeiramente no início do outono, quando a temperatura cai e tendemos a ficar em ambientes mais fechados. É por isso que salas de aula de escolas e creches são ambientes perfeitos para a proliferação do vírus, que é transmitido via secreções e contato físico. Outro detalhe importante é, que por ser causada por mais de um tipo de vírus (os mais comuns são o coxsackie e o enterovírus), pegar a mão-pé-boca uma vez não é garantia de imunidade para o resto da vida; como acontece com gripes, pode acontecer da criança ter a doença múltiplas vezes. Isabela Braga com as filhas Lívia (esq.) e Luísa, aos cinco meses: as gêmeas tiveram a doença duas vezes "Mamãe, dói boca" Foi o que aconteceu com as gêmeas Lívia e Luísa Braga de Souza Neves, de dois anos e dois meses, do Rio de Janeiro. Sua mãe, Isabela de Mattos Braga, 26 anos contou que as meninas tiveram mão-pé-boca em duas ocasiões, a primeira com um ano de idade, e a segunda aos dois anos. Em ambos os casos, Lívia foi a primeira, com sintomas mais fortes, e quinze dias depois a irmã Luísa apresentou a forma mais branda, com febre mais fraca e menor número de lesões na pele. "Na segunda vez, assim que a febre da Lívia amainou, as feridas surgiram e a boca pipocou toda, por dentro e por fora. Ela falava 'mamãe, dói boca'", conta Isabela. Não é à toa que as irmãs pegaram a mesma doença com apenas alguns dias de intervalo. A fase de maior contágio da doença é durante a primeira semana, e a transmissão do vírus se faz pelo contato com pessoas doentes, secreções respiratórias, (como tosse e espirro), e contato com objetos contaminados que não foram higienizados adequadamente. Daí a recomendação de manter as crianças com mão-pé-boca em casa, sem ir à creche ou escolinha, até pelo menos os sintomas desaparecem. E não custa repetir: outra medida importante para evitar o contágio após a volta à escola é garantir que elas lavem as mãos sempre após ir ao banheiro, para evitar a contaminação e que sejam lavados tamb[eém brinquedos e objetos na sala de aula. Os adultos também têm que cuidar da higiene das mãos após a troca de fraldas, para evitar que eles mesmos transmitam o vírus a outras crianças. Roupas, lençóis e brinquedos devem ser lavados frequentemente. "Higiene e evitar contato com pessoas doentes são as melhores formas de prevenção," aconselha Kfouri.
Brasil não precisa desmatar mais para ampliar produção, afirma presidente da Sociedade Rural Brasileira
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro diz que uma "psicose ambiental" ameaça o agronegócio brasileiro, o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, não vê contradição entre preservar as florestas e aumentar a produção agropecuária no país.
Imagem aérea do último dia 22 mostra trator em uma plantação ao lado de floresta perto de Porto Velho (RO); presidente da SRB não vê contradição entre preservar e aumentar produção Em entrevista à BBC News Brasil, no entanto, ele evitou fazer críticas ao governo e elogia a atuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. "A área atualmente ocupada pela agropecuária é de 30% do território brasileiro apenas, mas com os ganhos de produtividade que vêm ocorrendo, nós temos condição de produzir mais que o dobro do que nós produzimos hoje na mesma área. Então, a agropecuária brasileira não precisa expandir (a área utilizada)", afirmou. Nos últimos dias, a destruição da Floresta Amazônica ganhou repercussão internacional por causa da forte onda de queimadas na região. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram um aumento de 83% no número de incêndios florestais no Brasil entre 1º de janeiro e 19 de agosto de 2019, na comparação com igual período de 2018. A piora da preservação e a retórica mais inflamada de Bolsonaro e Salles têm levado algumas lideranças do agronegócio, como o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, a manifestar preocupação com possíveis retaliações internacionais às exportações brasileiras. Fim do Talvez também te interesse À BBC News Brasil, Marcelo Vieira minimizou o problema dizendo que as queimadas são normais nessa época do ano, estação de seca na Amazônia. Ele também refutou denúncias de ambientalistas de que o fogo esteja sendo usado por pecuaristas para "limpar" terreno desmatado para pasto. Em entrevista à BBC News Brasil, Vieira elogiou a atuação do ministro Ricardo Salles "O ministro do Meio Ambiente está muito preocupado e está trabalhando para montar uma melhor estrutura de controle do desmatamento ilegal. Isso leva um bom tempo para trazer resultados substanciais", defendeu. Vieira atua há cerca de 40 anos como produtor e administrador de empresas nos setores de café, açúcar e álcool. Entre 2005 e 2014, foi diretor no Brasil da Adecoagro, empresa do megainvestidor americano George Soros que adquiriu usinas de Vieira em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Confira os principais trechos da entrevista. BBC News Brasil – O agronegócio está preocupado com o aumento do desmatamento e as queimadas recentes que ganharam visibilidade internacional? Marcelo Vieira – São questões diferentes. A questão da queimada é uma ocorrência que acontece praticamente todos os anos nessa estação seca no Brasil e é sempre um grande problema na agricultura brasileira, que prejudica muito todos os proprietários, e muitas vezes ocorre em áreas de preservação também. Isso tem muito a ver com o clima da estação seca. E o que o Brasil precisa é de uma maior estrutura de controle, mais bombeiros atuando no campo nessa época. Quanto ao desmatamento, esta é uma questão complexa, porque, o que nós temos visto é que tem tido uma variação (dos indicadores de desmatamento), dependendo das análises. Essa semana, por exemplo, recebemos números do Imazon (instituto de pesquisa que monitora a floresta amazônica) de que o desmatamento nos últimos 12 meses cresceu 15% em relação aos 12 meses anteriores. Então, isso é uma variação que ocorre todo ano, pouco mais ou um pouco menos. O que o Brasil precisa, e nosso ministro Ricardo Salles, está trabalhando nisso, é uma melhor estrutura de controle do desmatamento. É buscar combater com mais eficiência o desmatamento ilegal, que é 80%, 90% do desmatamento que ocorre no Brasil, com madeireiros ilegais, grileiros, que nunca houve uma estrutura muito eficaz de controle (contra isso). BBC News Brasil – Os números contrariam um pouco o que o senhor está falando. Houve uma redução drástica (de mais de 80%) do desmatamento de 2004 a 2012 e ele vem crescendo desde então. Além disso, o país tem uma meta de desmatamento zero dentro do Acordo de Paris. Então, crescer 15% o desmatamento no ano não parece uma situação normal. Vieira – Não, o que temos visto de 2014 para cá é que todo ano (o desmatamento) cresce um pouco ou diminui um pouco. São oscilações. E alguns números que vimos esse ano indicam que estamos dentro de uma oscilação normal. Mas, realmente, é uma coisa preocupante, o ministro do Meio Ambiente está muito preocupado com isso e ele está trabalhando para montar uma melhor estrutura de controle do desmatamento ilegal. Nós precisamos reduzir isso de maneira substancial e, para isso, a gente precisa criar uma estrutura que não é criada do dia para o outro. Ele tem dito que a pauta prioritária para o Ministério do Meio Ambiente é reduzir o desmatamento ilegal e criar investimentos numa melhor infraestrutura de saneamento, que é outro problema ambiental grave no Brasil. Fumaça na mata na região de Humaitá (AM); Vieira atribui queimadas principalmente ao 'clima seco' BBC News Brasil – Alguns líderes do agronegócio, como o ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, já manifestaram preocupação de que a postura do governo Bolsonaro gere retaliações às nossa exportações. O presidente faz ataques ao Ibama (órgão que combate o desmatamento), entra em linha direta de confronto com nações que apoiam o Fundo Amazônia. O senhor não está preocupado que isso gere retaliações internacionais contra o agronegócio brasileiro? Vieira –Não, realmente estamos preocupados, nós estamos vendo falhas na nossa comunicação. O problema maior que nós estamos vendo é que está havendo uma importante reestruturação dessa área e isso leva um bom tempo para trazer resultados substanciais. Nós não temos resultados substanciais ainda. BBC News Brasil – Ao que o senhor se refere como reestruturação dessa área que estaria ocorrendo? Vieira – Criar uma melhor estrutura nesse controle do desmatamento. Ter mais polícia florestal no campo, mais fiscais fiscalizando essas áreas. Há áreas sem proprietários, áreas públicas que são invadidas. É uma grave deficiência que o Brasil teve nas últimas décadas, a criação de muitas unidades de conservação, áreas de preservação, parques nacionais, áreas indígenas, sem uma estrutura adequada de gestão para garantir a segurança dessas áreas. E aí elas são invadidas por desmatadores ilegais, que produzem madeira ilegal, prejudicam o mercado de madeira legal sustentável no Brasil, e isso precisa ser combatido de uma maneira muito eficaz. BBC News Brasil – Embora ocorram essas invasões, o que é preocupante, os números do desmatamento sempre mostram que áreas de unidades de conservação e de terras indígenas têm índice de desmatamento menor do que as áreas não protegidas. Como o senhor vê a proposta do presidente de permitir atividades produtivas dentro de áreas indígenas? Vieira –É possível que isso seja uma possibilidade, porque têm áreas indígenas que têm índios com regiões próximas à agricultura e já estão no caminho da cultura brasileira e gostariam de poder produzir também. Então, nós temos que dar a possibilidade a eles. Não a todos é claro, mas a esses índios que têm contato. Por exemplo, temos no Mato Grosso do Sul comunidades indígenas que foram aculturadas pelas missões europeias há quatro séculos. Hoje em dia eles têm atividade basicamente agrícola e pastoril e podem ter esse direito de manejar adequadamente como precisam. Plateia se manifesta durante fala de Salles durante evento em Salvador; Vieira destaca trabalho do ministro para conter desmatamento ilegal BBC News Brasil – O senhor disse que esse é um período normal de seca no Brasil, mas os cientistas têm falado que a umidade não está abaixo do normal na Amazônia e que os focos de queimada estão maiores. Muitos ambientalistas atribuem esse aumento a um processo de limpar as áreas desmatadas com fogo para depois serem criados pastos para pecuária. O senhor vê um papel do agronegócio nesse aumento das queimadas? Vieira – Não, não. Não são queimadas induzidas pelo agronegócio de maneira nenhuma. São queimadas que podem ser feitas por grileiros, mas isso ocorre o ano todo, não necessariamente nessa estação, e nessa estação elas crescem por causa do clima. BBC News Brasil – E essas áreas queimadas jamais serão usadas para pecuária? Ficarão queimadas apenas? Vieira – E geralmente entram em restauração depois. A área passando por restauração natural na Amazônia é muito maior que a área que está sendo desmatada. BBC News Brasil – Onde podemos checar esses números? Vieira – Isso são números que me foram passados pela Embrapa, nas análises deles. *Nota da redação: Segundo os dados mais atuais do sistema TerraClass, um parceria entre Embrapa e Inpe que mede regeneração da floresta, houve um aumento de 72.713 km² de vegetação em regeneração na Amazônia entre 2004 e 2014. Segundo o mesmo sistema, a área desmatada somou 148.535 km² no mesmo período, ou seja, mais que o dobro da região em regeneração. No total, havia 173 mil km² de floresta em processo de recuperação em 2014. Isso representa 23% do acumulado de 762 mil km² de área desmatada na Amazônia desde 1988 até aquele ano. Segundo relatório de 2017 da PUC-Rio sobre o tema, "ainda que a regeneração da Amazônia traga grandes expectativas, é importante frisar que florestas secundárias não são necessariamente equivalentes às florestas primárias em termos biológicos ou ecológicos". BBC News Brasil – O senhor vê sentido nesse discurso do presidente de que ONGs poderiam estar atrás das queimadas? Vieira –Eu prefiro não comentar isso. BBC News Brasil – Esse tipo de fala do presidente, acusando ONGs sem provas, é positiva para resolver o problema do desmatamento e para a imagem do Brasil lá fora? Vieira – Eu prefiro não comentar as declarações do presidente. BBC News Brasil – É necessário desmatar para produzir mais, ou é possível aumentar a produção com ganhos de eficiência nas áreas já desmatadas? Vieira –Com certeza. A área atualmente ocupada pela agropecuária é de 30% do território brasileiro apenas, mas com os ganhos de produtividade que vêm ocorrendo nas últimas décadas, continuando na mesma tendência, nós temos condição de produzir mais que o dobro do que nós produzimos hoje na mesma área. Então, a agropecuária brasileira não precisa expandir (a área utilizada) para poder crescer sua produção e poder suprir o mundo com uma demanda crescente de alimentos. 'A agropecuária brasileira não precisa expandir (a área utilizada) para poder crescer sua produção e poder suprir o mundo com uma demanda crescente de alimentos', diz Vieira BBC News Brasil – O senhor vê no discurso do presidente Bolsonaro um antagonismo equivocado entre produção e preservação? Vieira – Não vi isso, não. Tenho acompanhado todas as declarações do ministro do Meio Ambiente e ele está alinhado com essa pauta de que nós precisamos efetivamente implementar a nossa legislação ambiental e continuar produzindo de maneira sustentável como produz a grande maioria dos produtores brasileiros. BBC News Brasil – O senhor acha que há sensacionalismo na cobertura brasileira e internacional sobre o aumento do desmatamento? Vieira - É uma pauta importante que deve sempre ser discutida. Em todas as as discussões importantes sempre ocorrem posicionamentos um pouco mais agressivos, mas precisamos continuar com esse debate, mostrar nossa realidade, que é muito melhor que alguns apresentam. 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Curdos criticam relatório sobre o Iraque
O presidente da região autônoma curda do norte do Iraque, Massoud Barzani, afirmou que o relatório do Grupo de Estudos sobre o Iraque - uma comissão formada por técnicos e políticos dos dois principais partidos dos Estados Unidos que fez recomendações sobre a política externa americana para o país - é "irreal e inadequado".
Na primeira reação curda ao relatório, Barzani disse que os curdos iraquianos não estão comprometidos "de maneira alguma" com o documento. O líder curdo rejeitou a proposta de envolver os vizinhos do Iraque nos esforços de paz. Também criticou a ênfase do relatório em fortalecer o governo central do Iraque. "Nós não aceitamos nada que se oponha à Constituição e aos interesses do povo do Iraque e do Curdistão", disse Barzani. Seus comentários foram apoiados pelo presidente do Iraque, o curdo Jalal Talabani, em um comunicado de seu gabinete. Barzani considerou "uma enorme deficiência" o fato de os integrantes do grupo de estudos não terem visitado as regiões curdas do norte do Iraque durante a coleta de dados para a elaboração do relatório. Recomendações O documento, divulgado na quarta-feira, conclui que a segurança "está piorando" no Iraque desde o início da guerra, em 2003, e alerta que o tempo para mudanças de rumo "está se esgotando". O relatório traz 79 recomendações, entre elas que a Casa Branca negocie uma participação maior de Irã e Síria na resolução dos problemas iraquianos. O grupo não chega a sugerir um cronograma para a retirada das tropas americanas do Iraque, mas afirma que poderiam deixar o país até o primeiro trimestre de 2008. As tropas remanescentes passariam a ter como principal missão dar apoio ao Exército iraquiano. Reações Depois da divulgação do documento, o presidente americano George W. Bush já admitiu publicamente a necessidade de uma nova estratégia para o conflito no Iraque e disse que vai levar "muito a sério" o relatório. No entanto, Bush deixou transparecer que talvez não aceite todas as principais recomendações do documento. O chefe das forças americanas no Iraque, general Peter Chiarelli, disse que a maioria das tropas poderia ser retirada no início de 2008, como recomendado pelo relatório. Mas o comandante afirmou que tal retirada só seria realista se, antes disso, o Iraque tomasse medidas significativas em direção à reconciliação política. Na próxima semana, Bush deverá se encontrar com seus principais conselheiros, entre eles o embaixador americano no Iraque, Zalmay Khalilzad, altos funcionários militares e do Departamento de Estado e especialistas, para discutir a crise no Iraque.
Por que a 'atlantificação' do oceano Ártico preocupa tanto os cientistas?
"Foi uma mudança enorme e rápida", diz Igor Polyakov, cientista do Centro Internacional de Pesquisa do Ártico da Universidade do Alasca, nos Estados Unidos, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Atlântico está enviando águas mais quentes e salinas para as bacias polares do que antes, diz cientista Igor Polyakov "Quando iniciamos nosso programa NABOS (para monitorar as mudanças climáticas no Oceano Ártico) em 2002, usamos um navio quebra-gelo russo. Diante de nossos olhos, o sistema mudou e agora não precisamos operá-lo nas mesmas áreas", acrescentou. O Ártico está esquentando mais rápido do que qualquer outro lugar da Terra. Nos últimos 50 anos, a temperatura aumentou mais do que o dobro do restante do planeta. E o que acontece nessa região evidencia de forma alarmante o impacto do aquecimento global. Uma das mudanças fundamentais que os cientistas estão tentando entender é a "atlantificação" de uma parte do oceano Ártico chamada mar de Barents. Fim do Talvez também te interesse Em algumas partes do mar de Barents, não apenas a temperatura tem aumentado, mas a própria estrutura do oceano vem mudando, o que pode gerar consequências para todo o planeta. "O explorador norueguês Fridtjof Nansen foi o primeiro a documentar (na década de 1890!) que houve um influxo de água quente e salgada do Atlântico ao oceano Ártico através do estreito de Fram e do mar de Barents", explica Polyakov. As águas mais quentes (com temperaturas acima de zero grau) e salgadas do Atlântico permanecem normalmente separadas do gelo na superfície por uma camada intermediária, devido a um fenômeno exclusivo do oceano Ártico. "O oceano Ártico é altamente estratificado", diz à BBC News Mundo a cientista espanhola Carolina Gabarró, pesquisadora do Instituto de Ciências Marinhas (CSIC) de Barcelona e especialista em sensoriamento remoto de oceanos e pólos. Gabarró participou da Missão MOSAiC, na qual cerca de 600 cientistas de 19 países trabalharam a bordo do navio quebra-gelo Polarstern, que ficou ancorado no Ártico por um ano para estudar as mudanças climáticas. A cientista explica que a estratificação do oceano Ártico ocorre devido a um fator determinante de sua estrutura: diferenças de salinidade. "Na camada superior, há água doce e mais fria (menos densa), e na camada inferior, águas mais quentes e salgadas (mais densa)", diz Gabarro. Camadas no oceano Ártico A camada com a salinidade mais baixa no oceano Ártico é a parte superior, onde o gelo se forma. "Quando o gelo marinho se forma, ocorre um processo chamado rejeição da salmoura ou expulsão da salmoura, pelo qual os sais que estão na água começam a sair", explica o cientista mexicano Sinhué Torres Valdés, do Instituto de Pesquisas Polares e Alfred Wegener, na Alemanha. "Ou seja, no processo de congelamento a água se livra dos sais. E aí quando esse gelo derrete a quantidade de sal que há é muito menor e forma uma camada de água doce", acrescenta Torres Valdés, que também participou da missão no Ártico. O gelo é mantido separado das águas quentes e salgadas do Atlântico por uma camada intermediária de água fria chamada haloclina ("halo" significa sal e "clina", gradiente). "A haloclina é uma camada da coluna de água na qual a salinidade da água muda rapidamente com a profundidade", diz Gabarro. Cientista espanhola Carolina Gabarró, pesquisadora do Instituto de Ciências Marinhas (CSIC) de Barcelona, participou da Missão MOSAiC no Ártico Por que as camadas não se misturam O sal é um peso extra na água. No caso do Ártico, as águas haloclinas são menos salgadas e, portanto, mais leves que as do Atlântico, que, por serem mais salgadas e pesadas, permanecem mais profundas. Um experimento simples pode nos ajudar a entender por que a água mais salgada e pesada não se mistura com a menos salgada e leve, diz Torres Valdés à BBC News Mundo. "Você pode encher um copo transparente até a metade e colocar duas ou três colheres de sopa de sal até que elas se dissolvam e então despejar lentamente a água doce. Você verá que duas camadas de água se formam e é assim que funciona no oceano." Cientista mexicano Sinhué Torres Valdés, do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, também participou da Missão MOSAiC O que é, então, 'a atlantificação'? A estratificação que mantém separado o gelo das águas quentes do Atlântico está diminuindo em partes do mar de Barents. "Observamos um aumento na temperatura da água na zona, o que produz um aumento do ritmo do degelo. Isso faz com que a coluna de água mude e uma maior quantidade de água do Atlântico penetre no Ártico. Chamamos isso de atlantificação do Ártico", diz Gabarró. O termo "atlantificação" foi usado pela primeira vez em um estudo publicado na revista científica Science em 2017, liderado por Polyakov. O cientista assinala que nos últimos anos o Atlântico está despejando nas bacias polares águas mais quentes e com maior salinidade do que antes. E esse fluxo anormal das águas do Atlântico é acompanhado por mudanças na estrutura do oceano, verificadas por meio de boias ancoradas com instrumentos que medem a liberação de calor do interior do oceano para a superfície. Âncoras permitem medir fluxo de calor do interior do oceano para superfície "Temos evidências de que a haloclina está diminuindo no oeste do oceano Ártico", diz Polyakov. "E os registros das âncoras mostram um enfraquecimento da estratificação no oceano oriental, na bacia eurasiana, com fluxos mais fortes de águas do Atlântico que impactam o gelo marinho". Gabarró explica que "a diminuição da quantidade de gelo marinho na zona do mar de Barents, e no oceano Ártico em geral, aumenta o afluxo de água do Atlântico". Um estudo liderado por Polyakov no oceano Ártico oriental e publicado em agosto de 2020 mostrou que as águas quentes do Atlântico estão cada vez mais próximas da superfície. A pesquisa foi baseada em dados de âncoras oceânicas na bacia euro-asiática do oceano Ártico entre 2003 e 2018. A profundidade da haloclina varia no oceano Ártico. Nos locais estudados, diz Polyakov, "a posição normal do limite superior da água do Atlântico era antes de cerca de 150 metros." "Agora, essa água está a 80 metros de distância." Termo "atlantificação" foi usado pela primeira vez em um estudo acadêmico liderado por Igor Polyakov em 2017 Enigma Os cientistas ainda estão tentando entender o que causa mudanças na estrutura do oceano. O Ártico é um sistema muito complexo, com condições que variam de um lugar para outro. Por esse motivo, as observações em um lugar não podem ser generalizadas para toda a região, e decifrar as causas, interações ou impacto de qualquer mudança é um grande desafio. Um fator que pode influenciar o enfraquecimento da haloclina em alguns pontos é a perda de gelo marinho causada pelas mudanças climáticas. Quando o gelo derrete no verão, ele alimenta a camada de água que está localizada acima das águas mais salgadas do Atlântico. Mas o gelo do mar no fim dessa estação cobre hoje apenas 50% da área que cobria há quatro décadas. Se cobertura de gelo desaparecer, vento torna oceano mais dinâmico e facilita mistura da água Outro fator importante é o vento, embora seu impacto varie em diferentes zonas do Ártico. O gelo é como um cobertor que protege o oceano do impacto do vento. Se essa manta desaparece, os ventos tornam o oceano mais dinâmico, facilitando a mistura das águas e a aproximação das águas do Atlântico à superfície. Mudanças que são amplificadas As mudanças no sistema ártico também podem ser intensificadas graças aos mecanismos de retroalimentação. Uma das mais conhecidas tem a ver com o chamado albedo, a quantidade de radiação solar que cada superfície reflete ou absorve. O gelo é uma superfície branca, portanto grande parte da energia é refletida. Mas quando ele derrete, a água ocupa o espaço, que se torna mais escuro e absorve mais radiação, o que por sua vez causa mais derretimento. A liberação anômala de calor das águas do Atlântico pode levar ao derretimento do gelo. E isso poderia, por sua vez, colocar em movimento o mecanismo de retroalimentação do albedo. "A atlantificação é acompanhada por outras mudanças no Ártico causadas, por exemplo, por anomalias atmosféricas", diz Polyakov. Na Missão MOSAiC, quebra-gelo de pesquisa Polarstern, do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, ficou preso no gelo por um ano até setembro de 2020. Impacto na vida marinha O impacto da atlantificação no derretimento do gelo pode afetar o ecossistema em níveis fundamentais. As correntes oceânicas transportam nutrientes dos quais depende o equivalente às plantas do mar, o fitoplâncton, para a fotossíntese. Fitoplâncton é a base da cadeia alimentar do Ártico "As plantas terrestres precisam de minerais e dióxido de carbono para crescer. O que acontece no mar não é muito diferente. Mas, em vez do solo, temos água do mar onde se dissolvem o CO₂ e os sais que contêm elementos essenciais para a vida, por exemplo nitratos, que são um tipo de sais que contêm nitrogênio, ou fosfatos que contêm fósforo", explica Torres Valdés, que estuda a distribuição de nutrientes no Ártico. "O gelo derretido pode fortalecer a estratificação da coluna d'água, evitando que os nutrientes (que são mais abundantes nas camadas profundas) se misturem com as águas superficiais (nas quais o fitoplâncton os usa para crescer)." O Ártico é estratificado porque existem corpos d'água de densidades diferentes, sendo as menos densas em cima das mais densas. A água do derretimento do gelo tem salinidade muito baixa e, quando o gelo derrete, cria uma leve camada de água. Portanto, quanto mais gelo derrete, mais água leve se forma e ocorre mais estratificação. O fitoplâncton, que é o primeiro elo da cadeia alimentar, é consumido pelo zooplâncton (organismos animais) de que os peixes se alimentam. E esses peixes são comidos por focas que, por sua vez, servem de alimento para predadores como ursos polares ou orcas. Portanto, os efeitos no nível de nutrientes podem reverberar por toda a cadeia alimentar, impactando o ecossistema. Gaivotas-tridáctilas, que incorporaram peixes do Atlântico em sua dieta, são chamadas pelos cientistas de "mensageiras da atlantificação". "Muitos organismos se adaptaram ao longo de muitos anos às condições do Ártico e seus ciclos estão intimamente ligados à formação e derretimento do gelo." Muitos desses organismos (fitoplâncton, zooplâncton e peixes entre outros) são o nível fundamental do ecossistema. "Se esses ciclos forem interrompidos, pode haver consequências para todo o ecossistema", diz Torres Valdés. Além disso, os cientistas dizem acreditar que devido à atlantificação algumas espécies, por exemplo peixes, podem estar se movendo mais para o norte, impactando espécies locais, com consequências para os animais marinhos que dependem delas para se alimentar. E espécies mais comuns de peixes no Atlântico podem estar entrando no Ártico. Um estudo publicado em 2018 constatou, por exemplo, que gaivotas-tridáctilas (Rissa tridactyla), aves marinhas que se alimentam no mar de Barents, incorporaram mais espécies de peixes do Atlântico em sua dieta na última década. O estudo chama esses pássaros de "mensageiros da atlantificação". Sem volta? Uma das grandes questões que os cientistas ainda não conseguem responder é em que medida a atlantificação poderia empurrar o Ártico para um caminho sem volta, ou seja, uma mudança irreversível. Mudanças no Ártico são amplificadas por mecanismos de retroalimentação "A atlantificação é um mecanismo muito eficaz para derreter mais gelo do que se pensava", diz Polyakov. "Acho que é possível que a atlantificação possa determinar algum ponto sem retorno na transição sazonal do gelo marinho nesta região." E essas mudanças podem ter consequências muito além do Ártico, impactando o clima global e os níveis do mar. "O desaparecimento do gelo do mar pode afetar não apenas as regiões polares, mas em áreas remotas", diz Polyakov. "Por esta razão, a atlantificação pode ser um dos principais mecanismos que está afetando indiretamente as mudanças climáticas nas regiões de latitudes mais baixas", conclui.
Brasileiro em corredor da morte na Indonésia vê execução como 'mentira', dizem parentes
Rodrigo Muxfeldt Gularte está no "corredor da morte" na Indonésia, mas acredita que sua execução, tida como iminente, é parte de uma mentira.
A família de Rodrigo tenta sua transferência da prisão para um hospital psiquiátrico Seu nome está nos jornais entre aqueles a serem executados em breve pelas autoridades indonésias. Mesmo assim, o brasileiro desconfia do que lê, e diz que sua pena não será cumprida. É o que contam parentes e conhecidos. O paranaense, de 42 anos, foi condenado à morte em 2005, um ano depois de ser preso no aeroporto de Jacarta com 6kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Gularte está na prisão de Nusakambagan, conhecida como "Ilha da Morte", à espera de uma definição sobre sua execução. No ano passado, foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e, segundo a defesa, a legislação indonésia não permite a execução de um preso que não esteja em suas plenas condições mentais. Fim do Talvez também te interesse O governo indonésio, no entanto, ainda não anunciou uma decisão para o caso. A família diz que o paranaense passa a maior parte do tempo na prisão sozinho, conversando com paredes, fantasmas e "ouvindo vozes de satélites". Parentes aguardam o resultado de uma segunda avaliação médica, feita na semana passada, a pedido das autoridades indonésias. É o último recurso para tentar livrá-lo da morte. A família tenta que ele seja transferido para um hospital psiquiátrico. Tony Spontana, porta-voz da Procuradoria-Geral da Indonésia, disse à BBC Brasil na semana passada que autoridades ainda aguardavam os resultados deste último exame. Na Indonésia, a punição para o crime de tráfico de drogas é o fuzilamento. Leia mais: Cilacap, a cidade indonésia onde a morte é o principal assunto 'Infância feliz' A mãe de Rodrigo, Clarisse, de 70 anos, esteve com o filho pela última vez em fevereiro. Ela disse que seu "coração sangrava". Rodrigo teve o surfe como esporte, mas desde cedo envolveu-se com as drogas, segundo a família "Ele está completamente depressivo, só fala coisas desconexas", conta. Natural de Foz do Iguaçu, de uma família de classe média alta, Gularte teve o surfe como esporte preferido. Parentes e conhecidos falam de um rapaz alto, gentil e educado. Para Clarisse, a infância de Gularte foi "feliz e normal". A BBC Brasil conversou com ela por telefone em fevereiro, quando fez sua última visita à Indonésia. "Ele tinha um comportamento razoável. Mas, com o passar do tempo, foi mudando as atitudes. E a gente quase não percebeu", disse Clarisse, com voz grave e respostas curtas e diretas. Estas mudanças teriam começado aos 13 anos, mas pioraram quando os pais se divorciaram, diz a prima Angelita Muxfeldt, há quase dois meses na Indonésia tentando garantir a transferência de Gularte. O primeiro tratamento contra a dependência de drogas foi aos 16 anos, quando parentes dizem ter percebido indícios de bipolaridade. A separação dos pais teria exacerbado problemas psicológicos de Rodrigo Outros viriam, sem sucesso. A depressão, aliada ao uso de drogas, só fez Gularte piorar, conta Angelita. Clarisse tentou ajudar o filho com trabalho. Gularte ganhou um restaurante para administrar, pago pela mãe. Teve um filho, autista, hoje com 21 anos, com quem pouco se relacionou. Mas o contato com as drogas, de todos os tipos, continuou intenso. A mãe e a prima visitaram o paranaense com frequência nos últimos dez anos. Com o pai, o médico Rubens, a relação foi só por cartas ou telefone, segundo a família. Leia mais: Grupos na Indonésia fazem petição contra execução de brasileiro Enredo de filme A Indonésia é parte das rotas do tráfico de drogas no Sudeste Asiático e é conhecida por ter uma das mais duras leis contra narcóticos do mundo. A pena de morte para tráfico tem apoio popular aqui. Mesmo assim, traficantes se aventuram, atraídos pelo lucro vindo do tráfico. Mais de 130 presos estão no corredor da morte, 57 por tráfico, segundo a agência Associated Press. O governo alega que entre 40 e 50 pessoas morrem todos os dias no país devido às drogas, um número difícil de ser confirmado. O presidente, Joko Widodo, disse que rejeitaria clemência a condenados por tráfico devido à "situação de emergência causada pelas drogas no país". A mãe de Rodrigo visitou o filho pela última vez no mês passado A viagem de Gularte para a Indonésia, em julho de 2004, foi "uma tragédia", diz a mãe. A prima fala em "erro imenso". Para a família, ele foi aliciado por traficantes internacionais, que se aproveitaram dos seus problemas mentais. Leia mais: Quanto pode custar ao Brasil a tensão com a Indonésia? O que aconteceu depois poderia virar filme. Ao ser pego, estava com outras duas pessoas, que escaparam. Gularte assumiu responsabilidade por toda a droga que era levada, segundo Angelita. A mãe e a prima chegariam à Indonésia uma semana após a prisão. Um advogado se ofereceu para defender Gularte ainda no aeroporto. "Nós ligamos para esse advogado, ele veio até o nosso hotel e perguntou: 'Vocês querem ver o Rodrigo?'", diz Angelita. Era por volta das 21h, diz. "’Mas é possível?’ eu perguntei. Ele deu um telefonema e disse: 'Vamos'. Chegamos na prisão, ele mandou o Rodrigo vir, o vimos e conversamos com ele. O advogado nos mostrou que era influente". Segundo a família, o primeiro advogado contratado pela família abandonou o caso A família ficou impressionada. Pagou pelo advogado, mas ele fugiu com o dinheiro. Perdeu prazos e recursos e, no julgamento, não apareceu. Na verdade, nem o advogado, nem representantes da embaixada brasileira, nem a família apareceram no julgamento. Segundo a prima de Gularte, eles não teriam sido avisados. Sem defesa, diz a prima, Gularte foi condenado à morte em 2005. Depois disso, ainda tentaria suicídio na prisão. Leia mais: Análise de recurso reforça indefinição sobre execução de brasileiro na Indonésia Exames e mais exames Há três anos Gularte piorou, diz Angelita. No ano passado, parentes contrataram uma equipe médica para que examinasse seu estado mental. O diagnóstico: esquizofrenia paranoide, com delírios e alucinações. E a recomendação de que ele fosse transferido para um hospital psquiátrico. Mas o laudo não foi aceito pelas autoridades indonésias, já que os especialistas haviam sido contratados pela defesa. Um novo exame feito por um grupo diferente de especialistas aceito pelo governo, em fevereiro, confirmou o exame inicial. Autoridades, então, ordenaram outra avaliação, feita na semana passada, e cujo resultado ainda não foi divulgado. Familiares dizem que há anos tentam convencer Gularte a receber tratamento fora da prisão. Mas ele se recusa a deixar a ilha, dizendo não estar doente. ‘Vozes de satélite’ Família e testemunhas dizem que Rodrigo perdeu a noção de realidade O padre irlandês Romo Carolus conheceu o brasileiro anos atrás, nas missas que celebrava na prisão. Fala de alguém "sensível, que nunca causou problemas". Diz que, nos últimos anos, Gularte passou a falar com "vozes de satélite e as paredes". E que, desde o ano passado, não consegue sequer assistir às missas, antes frequentadas com certa regularidade. Estas vozes, disseram o padre e a prima, alertam Gularte de que a prisão é um local seguro e que, fora dali, ele pode ser morto. "Ele diz que no hospital não é seguro. Que ele vai ser encapuzado, algemado. Que tem franco-atiradores na ilha e que ele vai ser morto a caminho do hospital", disse Angelita, que tem visitado Gularte todas as terças e quintas-feiras. O complexo de prisões da "Ilha da Morte" está sob forte vigilância por conta da atenção desperta pelas execuções iminentes Ela conversou com a BBC Brasil após a visita da última terça-feira. Segundo Angelita, o primo cita "vidas passadas no Egito e histórias surreais". Os outros presos teriam medo de dividir a cela com ele. Diz Angelita que Gularte se recusa a tirar um boné, virado para trás, que alega ser sua proteção. Recentemente, teria perdido 15kg, disse a mãe. 'Alcatraz indonésia' Nusakambangan é um complexo com sete prisões, onde estão centenas de condenados por tráfico, assassinato e outros crimes. Tem o apelido de "Alcatraz da Indonésia" e dezenas de presos estão ali à espera das execuções. O ambiente, apesar disso, é leve, segundo o padre Carolus. "Todo mundo diz que a filosofia é do 'viva e deixe viver'". O padre diz que há quadras de tênis, bibliotecas e salas para visitas. Acusados de liderar uma gangue de traficantes, os australianos Chan e Sukumaran também estão no "corredor da morte" Familiares e outros conhecidos falam de guardas educados e solidários. Parentes podem levar dinheiro aos presos, que compram comida ou pagam por cortes de cabelo feitos por outros presos, numa espécie de comércio local. Outros detentos fazem dinheiro vendendo artes para visitantes, afirmaram à BBC Brasil pessoas que estiveram na cadeia. Foi em Nusakambangan que o carioca Marco Archer Cardoso Moreira foi executado em janeiro, junto com seis outros presos. Marco havia sido preso pouco antes de Gularte, também em Jacarta, ao tentar entrar com 13,4 kg de cocaína escondidos em tubos de asa delta. Ele se tornou o primeiro brasileiro a ser executado no exterior em tempos de paz. Na prisão, os brasileiros se encontraram. Quem os conheceu disse que o primeiro era extrovertido e o segundo mais quieto, e que a amizade que tinham era limitada. Leia mais: Em meio a rusga diplomática, traficante indonésia cumpre pena de 6 anos em SP Caso 'pop' A publicidade do caso tem ajudado Gularte, acredita a família. Nove outros presos também enfrentam a pena de morte, entre eles, os australianos Andrew Chan e Myuran Sukumaran. Presos em 2005, foram condenados à morte no ano seguinte, como líderes da gangue "Os Nove de Bali". Antes, os australianos recebiam atenção quase integral da imprensa. Agora, o processo de Gularte tem destaque nos jornais locais e a mídia estrangeira também tem se debruçado sobre o caso. Em diversas conversas com a BBC Brasil nas últimas semanas, a prima vibrou com notícias que via como favoráveis ao primo. Pouquíssimas vezes usou a palavra "execução" para referir-se à pena dele. "Estamos esperançosos", diz a prima. "O Rodrigo está doente, o laudo mostrou. Nós não estamos inventando".
Tabela Periódica: o que é a Ilha da Estabilidade e por que os cientistas estão ansiosos para chegar a ela
Você sabia que 2019 é o Ano Internacional da Tabela Periódica?
Será que algum dia a tabela periódica estará completa? Assim foi declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em homenagem aos 150 anos desde que o químico russo Dmitri Mendeleev criou sua primeira versão, em 1869. Mendeleev encontrou uma solução para algo que havia questionado aos cientistas havia muito tempo: como classificar os elementos químicos? Sua famosa tabela, que foi a primeira amplamente reconhecida, dispõe os elementos de acordo com seus números atômicos, ou seja: pela quantidade de prótons que eles têm em seu núcleo (em estado neutro, essa quantidade tem que ser igual ao número de elétrons do elemento). Outra genialidade do russo foi agrupar os elementos com comportamentos semelhantes em colunas. Fim do Talvez também te interesse Quando foram identificados os 92 elementos naturais, os químicos começaram a produzir novos Sua famosa tabela tinha sete linhas e oito colunas, que listavam, do menor para o maior, os 63 elementos conhecidos até então. Mas Mendeleev era tão visionário que até deixou espaços vazios para elementos que ainda não haviam sido descobertos. Sua previsão estava correta: ao longo dos anos, esses elementos começaram a ser encontrados e, em 1925, a tabela periódica incluía todos os 92 elementos que existem na natureza. Mas os químicos não pararam por aí. Eles começaram a inventar novos elementos, criados em laboratórios. Foi assim que a tabela periódica chegou aos 118 elementos que contém hoje. Os últimos são recentes. O nihônio (elemento 113), moscóvio (115), tenesso (117) e oganesson (118) foram incorporados em 2016. E tudo indica que mais serão encontradas no futuro, o que torna difícil imaginar que a tabela periódica possa ser concluída. No entanto, esse não parece ser o objetivo da ciência hoje. Os químicos dedicados à criação de novos elementos têm outro objetivo em mente. Essa meta chama-se Ilha da Estabilidade. O que é e como chegar lá? Para entender isso, é preciso primeiro conhecer um pouco da história de como um novo elemento químico é descoberto. Isso remonta ao século 17, quando o alquimista amador alemão Hennig Brand tentou descobrir a "pedra filosofal", uma substância lendária que supostamente poderia transformar qualquer elemento em ouro. Brand pensou em experimentar com sua própria urina. Ele a deixou repousar, cozinhou até que se tornasse um resíduo sólido, aqueceu esse resíduo misturado com areia e pegou o material branco que ficou após a evaporação. O alquimista alemão Hennig Brand estava buscando uma maneira de criar o ouro. Em vez disso, encontrou o fósforo Brand não encontrou a pedra filosofal, mas sim o fósforo, e assim ele se tornou - em 1669 - a primeira pessoa a descobrir um novo elemento através da química. Dezenas de outros elementos foram descobertos nos anos seguintes. Mas o grande salto ocorreu no século 19, quando o químico britânico Humphry Davy desenvolveu um novo método de identificação. Davys usou a eletrólise, um processo que separa os elementos de um composto por meio da eletricidade. Assim, ele conseguiu, por exemplo, determinar que o sal de mesa era composto de sódio e cloro. Ele também conseguiu separar magnésio, bário, estrôncio, cálcio, potássio, boro e lítio. Eventualmente, 92 elementos são produzidos de forma natural: do hidrogênio - elemento 1, porque possui apenas um próton e elétron em seu núcleo - ao urânio, com 92. Logo, com a ajuda do laboratório, chegaram os elementos sintéticos, também conhecidos como "elementos transurânicos", que são mais pesados ​​e ocupam as últimas posições da tabela. Efêmeros Mas esses novos elementos têm um problema: eles são muito radioativos e, por isso, não são estáveis como os naturais. "A razão pelo qual eles não existem na natureza é porque eles têm uma meia-vida muito curta, se desintegram rapidamente", disse à BBC o especialista nuclear atômico Jim Al-Khalili. Os elementos transurânicos são radioativos, muito instáveis e se desintegram em menos de um milissegundo Ele também observou que quanto mais pesado o elemento - em termos de número nuclear -, mais difícil é criá-lo. Existe até um ponto em que sua composição química se torna "confuso" e difícil de catalogar. Há todo um campo da ciência dedicado a esses novos elementos, chamados de "super pesados". Esses especialistas usam tecnologias de ponta para criar novos pesos pesados. Foi assim que descobriram os quatro elementos que foram incorporados à tabela periódica em 2016. Mas o que eles não conseguiram fazer até agora é criar um peso pesado que dure mais de um milissegundo. Esse objetivo é o que esses especialistas chamam de Ilha da Estabilidade. "Existem boas razões para pensar que, eventualmente, seremos capazes de criar um grupo de elementos que durarão por muito mais tempo, que é conhecido como Ilha da Estabilidade", explicou Al-Khalili. "Se conseguirmos criar elementos super pesados ​​que durem, podemos começar a usá-los em processos químicos", acrescentou. Assim, teoricamente, poderíamos produzir novos materiais com propriedades inimagináveis. Por isso, 150 anos após a criação da tabela periódica, o objetivo não é mais definido na quantidade, mas na estabilidade dos novos elementos descobertos. Este artigo é baseado em um capítulo do programa de rádio "Os casos curiosos de Rutherford e Fry" da BBC Radio 4. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Saddam liga para mulher todas as semanas, diz jornal
A segunda das quatro mulheres de Saddam Hussein e seu único filho homem ainda vivo estão morando no Líbano e dizem receber ligações telefônicas e cartas do ex-presidente iraquiano pelo menos uma vez por semana, segundo reportagem do jornal britânico The Sunday Times.
Samira Shahbandar, supostamente a mulher mais próxima de Saddam Hussein, teria dito em entrevista ao jornal que recebeu permissão para morar na França e que deverá se mudar para Paris no mês que vem. Ela afirmou, segundo o Sunday Times, que Saddam Hussein lhe deu US$ 5 milhões (R$ 14,7 milhões) em dinheiro, além de jóias e ouro, e ajudou-a a fugir para a Síria, de onde seguiu para o Líbano. "Se ele não pode dar detalhes de algo pelo telefone, eu sei que vou receber uma carta em dois ou três dias me dando uma explicação", teria dito a mulher de Saddam ao jornal. 'Afeição' De acordo com a repórter do Sunday Times em Beirute, Marie Colvin, Samira falou de Saddam com "afeição". A segunda mulher do ex-presidente iraquiano afirmou que Saddam a visitou em seu esconderijo no dia da tomada de Bagdá pelas forças americanas, 9 de abril. "Ele veio até mim muito deprimido e triste. Ele me levou até o quarto ao lado e chorou", declarou Samira, segundo publicou o jornal. E completou: "Se eu conheço meu marido, ele não será capturado".
China anuncia pesquisa geográfica em ilhas pertencentes ao Japão
A China anunciou que pretende realizar uma pesquisa geográfica sobre as ilhas no Mar Leste da China que estão no centro de uma disputa territorial com o Japão.
A agência de notícias oficial chinesa Xinhua afirmou que a medida visa garantir os direitos e interesses marítimos da China. Autoridades chinesas admitiram que será problemático realizar a operação nas ilhas chamadas pelos chineses de Diaoyu ou Senkaku, pelos japonses. O arquipélago, disputado pelos dois países, foi recentemente adquirido pelo Japão. Recentemente, a China vem enviando aviões e navios a áreas próximas ao arquipélago. E o Japão tem respondido acionando a sua guarda costeira, a fim de proteger o território. Tópicos relacionados
Após rejeição da Igreja, Londres põe fim a missa católica gay
Londres realiza neste domingo sua última missa especial para gays católicos, depois que líderes da Igreja Católica na Inglaterra e no País de Gales alegaram que o serviço religioso entrava em conflito com os preceitos da instituição sobre sexualidade.
O arcebispo Vincent Nichols, que já foi um forte defensor das missas, pediu que o grupo organizador do serviço se concentre a partir de agora em prover aconselhamento pastoral aos fiéis homossexuais. Ao anunciar o fim das missas, o arcebispo disse que o "uso próprio" do sexo era dentro de um casamento, entre um homem e uma mulher. A organização de defesa dos direitos homossexuais Stonewall disse que a decisão é "uma grande pena". As missas vinham sendo realizadas na Igreja Nossa Senhora de Assunção, no Soho, há seis anos. O líder do conselho pastoral Joe Stanley disse que o serviço religioso era procurado porque "muitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) tinham dificuldade em ser abertos com a igreja, e nós oferecíamos essa possibilidade, duas vezes por mês". Tópicos relacionados
Pesquisa identifica evasão escolar na raiz da violência extrema no Brasil
Dois grupos de jovens de idade semelhante, todos homens, pobres e criados na mesma região. Um grupo vira matador e o outro, trabalhador. Por quê?
Adolescentes recapturados após fuga de unidade de internação no Distrito Federal em 2015; estudo analisou formação de jovens violentos O sociólogo Marcos Rolim procurou essa resposta ao investigar a violência extrema, aquela que mata ou fere mesmo quando não há provocação nem reação da vítima. Modalidade que, acredita ele, está em alta no Brasil. Em experimento inédito no país, ele entrevistou um grupo de jovens violentos de 16 a 20 anos que cumpriam pena na Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) do Rio Grande do Sul. Ao final, pediu que indicassem um colega de infância sem ligação com o crime e foi atrás dessas histórias. Rolim esperava que prevalecessem, no grupo dos matadores, relatos de violência familiar e uso de drogas, mas outro fator se destacou: a evasão escolar (quando o aluno deixa de frequentar a escola). E, aliado a isso, a aproximação com grupos armados que "treinam" esses jovens a serem violentos. Entre os que cumpriam pena, todos, sem exceção, tinham largado a escola entre 11 e 12 anos. E citavam motivos banais: são "burros" e não conseguem aprender, a escola é "chata", o sapato furado era motivo de chacota. Os colegas de infância continuavam estudando. Ao comparar esses e outros casos (111 ao todo), incluindo dois grupos de presos jovens do Presídio Central de Porto Alegre, uns condenados por homicídio e outros por receptação, e alunos de uma escola de periferia sem histórico criminal, concluiu que o chamado "treinamento violento" respondeu por 54% da disposição para a violência extrema. Em outras palavras, isso significa que sem a experiência do "treinamento violento" - aquela que ensina a manusear armas, bater antes de apanhar e exalta atos de violência - a disposição para esses crimes extremos cairia para menos da metade nos casos analisados. As conclusões de Rolim, que foi vereador em Santa Maria (1983-1988), deputado estadual (1991-1999) e deputado federal pelo PT gaúcho (1999-2003) e hoje não tem filiação partidária, estão no livro recém-lançado A Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema (editora Appris). Tese de doutorado em Sociologia de Marcos Rolim, publicada em livro, investigou a formação de jovens violentos no Brasil "Muitos meninos que se afastam da escola são, de fato, recrutados pelo tráfico de drogas e são socializados de forma perversa. E isso provavelmente deverá se repetir se a pesquisa for reproduzida em outros locais, pois a diferença estatística foi muito forte", diz Rolim à BBC Brasil. A conclusão prática, segundo o sociólogo, é que a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução da evasão escolar, aspecto que costuma ser negligenciado no Brasil quando o assunto é segurança pública. Considerados os índices de evasão escolar, o cenário no Brasil seria, de fato, favorável à violência extrema. Em 2013, por exemplo, uma pesquisa do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar a última série. O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás apenas da Bósnia e Herzegovina e do arquipélago de São Cristóvão e Névis. Família como dor Outra característica comum aos jovens internados por delitos de grave violência era a vida "independente" da família logo no começo da adolescência. "Às vezes porque o que havia de família era tão confuso ou violento que era preciso mesmo inventar um rumo; outras, porque era preciso se afastar para proteger seus familiares", escreve Rolim. Um dos jovens entrevistados, identificado apenas como Aírton, descreveu a saída de casa como consequência natural do envolvimento com o tráfico. "Moro sozinho desde os 13 anos. Nesta idade já alugava minha casa. Eu morava com minha mãe, mas meu pai nunca aceitou que eu fosse do crime. Por isso, optei por sair de casa para não viver neste confronto", afirma ao pesquisador. Os internos da Fase também relataram histórico de problemas familiares sérios. Com duas exceções em 17 entrevistas, "não há qualquer relação afetuosa ou de admiração pelos pais digna de menção", diz Rolim, para quem a violência foi "uma experiencia anterior ao crime para quase todos". "De alguma maneira, os jovens vivenciaram dinâmicas de agressão física, desrespeito e injustiça entre seus familiares em ambientes de hostilidade e tensionamento prolongado", anota o autor. Rolim conclui, no entanto, que a convivência familiar não foi um fator decisivo na disposição dos jovens a cometer violência extrema. "Ao contrário do que eu imaginava, jovens extremamente violentos podem vir de famílias bem e mal estruturadas", diz. Razões da evasão E por que as escolas não conseguem manter esses jovens na escola? Embora o assunto não tenha sido foco da pesquisa, Rolim arrisca algumas possíveis explicações, a partir do contato com colegas que desenvolvem pesquisas em instituições de ensino. A primeira, diz, é o despreparo de professores para lidar com alunos mais vulneráveis e problemáticos. "O jovem de área de exclusão, que nunca abriu um livro e tem pai analfabeto, tem toda uma diferença de preparação, e grande parte dos professores não está preparada para lidar com ele", afirma. Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) do Rio Grande do Sul; internos abandonam escola cedo, aponta pesquisa Rolim cita como exemplo um caso recente registrado em Porto Alegre. "A pesquisadora presenciou uma cena de indisciplina de um aluno de 10 anos em uma turma pequena; a professora conhecia todos. Ela disse ao menino: 'Tu vai ser bandido como seu pai'. Esse tipo de reação é inaceitável", conta. Outra possível causa, segundo Rolim, está na falta de conexão das escolas com as comunidades em regiões violentas. "Pelo medo do crime, a escola deixou de se relacionar com as comunidades nas periferias. Transformaram-se em bunkers com grades, cadeados, polícia na frente. Não prestam serviços, não abrem aos finais de semana, pais e parentes não a frequentam." O terceiro problema seria a própria educação oferecida na escolas públicas. "Basicamente, a mesma de 50 anos atrás", afirma o sociólogo. "Hoje é impossível lidar com crianças conectadas, mesmo as mais pobres, do mesmo jeito. A escola se tornou espaço de pouco interesse e atração para o jovem das periferias", acrescenta. Violência futura Em 2015, último dado disponível, o Brasil registrou 170 assassinatos por dia - foram 58 mil homicídios naquele ano, número mais alto do que os de países em guerra. A taxa daquele ano, de 29 casos por 100 mil habitantes, insiste em não baixar. Na visão de Rolim, o Brasil está "contratando violência futura" em escolas, prisões e nas próprias instituições policiais. Nas prisões, isso se dá, segundo ele, pela reclusão por crimes patrimoniais. Dados do governo mostravam que, ao final de 2014, 66% da população carcerária brasileira estava atrás das grades por crimes de drogas, roubos ou furtos - casos de homicídios eram apenas 10%. Jovens negros e de baixa escolaridade são maioria. "Temos um perfil de encarceramento que não pega autores de crimes mais graves, e pegamos um monte de jovens pobres na periferia, pequenos traficantes e usuários, e vamos recrutando essas pessoas para as facções que atuam nos presídios", diz Rolim, para quem o Estado brasileiro é o "principal recrutador de mão de obra para as facções criminosas". Rebelião em presídio no Rio Grande do Norte; para pesquisador, prisões de jovens pobres da periferia flagrados com drogas e armas não surtem efeito positivo na segurança pública E os homicídios continuam em alta - estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Publica mostrou, por exemplo, que um em cada três brasileiros diz ter parente ou amigo vítima de assassinato - porque falta investigação e foco dos governos nesse problema, opina o pesquisador. "A redução dos homicídios não é a prioridade número 1 em nenhum lugar do Brasil. Como grande parte das vítimas é pobre, não há pressão social para investigação. E você lança uma mensagem de que o crime compensa", afirma Rolim. Estudos costumam apontar que menos de 10% dos homicídios no Brasil resultam em condenação. O investimento, avalia o especialista, deveria ser reforçado na repressão a homicídios e a crimes sexuais. "E se for para continuar a política de repressão ao tráfico, temos que ir atrás de financiadores, rotas e usar muito mais inteligência do que em prisões em flagrante", argumenta. Iniciativas de resultado No meio do que classifica como "desgraça geral" das políticas de segurança no Brasil, Rolim destaca iniciativas voltadas a jovens que mostraram bons resultados na prevenção da violência. O POD (Programa de Oportunidades e Direitos) RS Socioeducativo, criado em 2009 no Rio Grande do Sul, atende jovens infratores de 12 a 21 anos que deixam o sistema de internação. Cada jovem passa a receber, por um ano, uma bolsa de meio salário mínimo (R$ 468,50), vale-transporte e alimentação, desde que frequente cursos de formação em áreas como informática, mecânica e manutenção predial. Segundo o governo gaúcho, a cada dez jovens atendidos pelo programa, apenas três reincidem no crime. No entanto, Rolim acredita que iniciativas semelhantes ainda sejam pouco divulgadas. "A população gaúcha, por exemplo, pouco sabe da existência desse programa, porque gestores ficam provavelmente com medo de divulgar e serem criticados por 'estarem dando dinheiro a bandidos'", diz. "Essa ideologização do tema da segurança pública é outro lado tenebroso dessa história; você acaba perdendo a capacidade de execução de políticas no setor", acrescenta. A cidade de Canoas, na Grande Porto Alegre, criou o programa Cada Jovem Conta, que procura identificar jovens de escolas públicas com comportamento de risco para ações de prevenção à violência. O jovem passa ser acompanhado por uma equipe de diferentes secretarias, como saúde, educação e assistência social, para que frequente atividades esportivas e culturais, entre outras. A prefeitura de Canoas afirma que mais de 60% dos jovens atendidos melhoraram o desempenho escolar ou voltaram à escola, e suas famílias passaram a frequentar mais os serviços públicos locais. Neste mês, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um projeto do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para elevar de três para oito anos o tempo máximo de internação para jovens infratores. A medida, que ainda deverá ter mais uma votação na comissão antes de ir à Câmara, valeria para atos infracionais análogos a crimes hediondos - como estupro e homicídio - cometidos com uso de violência ou grave ameaça. Rolim diz concordar com o aumento do tempo de internação para um "perfil restrito de jovens" reincidentes, mas criticou a associação com crimes hediondos, que no Brasil incluem o tráfico de drogas. "Isso colocaria a maioria dos jovens sob a possibilidade de (cumprir) oito anos de pena. Hoje se um jovem der um cigarro de maconha a outro, for flagrado e o ato for equiparado a tráfico, é crime hediondo. Elevar o tempo de internação não é problema, mas estabelecer isso para crimes hediondos é uma impropriedade absoluta", conclui.
O Brasil vai enviar tropas para outra missão de paz após deixar o Haiti?
A missão de paz da ONU no Haiti pode ser encerrada em 2017. Com essa perspectiva em vista, integrantes do governo brasileiro cogitam a possibilidade de enviar tropas terrestres para outra operação de paz das Nações Unidas - possivelmente no Líbano ou na África.
ONU pode manter tropas no Haiti até ciclo eleitoral ser concluído no primeiro semestre de 2017 Mas ainda não está claro quando isso acontecerá ou mesmo se ocorrerá - em um cenário de crise econômica e tentativa de implementação de uma política de austeridade no Brasil. A ONU anunciou nesta semana que a missão no Haiti vai se estender até abril de 2017 e as autoridades do país divulgaram nesta sexta-feira um novo calendário eleitoral devido aos estragos causados pelo furacão Matthew. Se avançar, a ideia também deverá encontrar resistência de movimentos sociais e partidos políticos de esquerda - que criticam as missões de paz por supostamente defenderem interesses de potências estrangeiras e empresas. Membros de alto escalão das Forças Armadas e do Ministério da Defesa trabalham com a ideia de fazer parte de alguma missão da ONU no oeste da África - possivelmente no Mali. Fim do Talvez também te interesse Já diplomatas do Ministério das Relações Exteriores entendem que a participação em outra missão só deve ocorrer se houver uma "justificativa grande" para o envolvimento brasileiro. Se uma das missões atuais da ONU tiver que ser escolhida, eles são mais favoráveis à Unifil, no Líbano - país com o qual o Brasil tem laços mais fortes, possui embaixada e já comanda a Força Tarefa Naval da ONU. A pasta também defende que a operação tenha a característica de "manutenção" da paz - em contrapartida das missões mais robustas de "imposição" da paz - para estar de acordo com a tradição e a lei brasileira. Entre 1947 e 2015, o Brasil enviou mais de 48 mil militares para 47 missões da ONU, segundo levantamento da pesquisadora Eduarda Hamann, do Instituto Igarapé. Os maiores contingentes de tropas foram enviados para o Haiti, países de língua portuguesa, como Angola e Timor Leste, e para o Líbano. Hoje, o Brasil tem cerca de 1,3 mil militares engajados em missões da ONU. A maioria deles está no Haiti (cerca de 850). Haiti No Haiti, militares brasileiros atuam na distribuição de comida para populações que tiveram suas casas destruídas pelo furacão Matthew Membros do governo e analistas concordam que, por motivos econômicos, o Brasil só seria capaz de se engajar em uma nova missão de paz depois que as Nações Unidas encerrarem a Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti). O Conselho de Segurança da ONU determinou que o mandato da missão no Haiti seja estendido até abril de 2017. A esperança é que até lá seja possível realizar eleições democráticas e empossar um novo presidente. Porém, isso não significa que o mandato não possa voltar a ser estendido. Isso já ocorreu várias vezes. Vilas costeiras foram as mais atingidas por furacão no Haiti O último plano da ONU era tirar seus capacetes azuis do país em outubro de 2016. Mas o ciclo eleitoral previsto para ser concluído no início do ano foi cancelado devido a denúncias de fraude e ondas de violência. Desde então o país tem um governo provisório. Para agravar a situação, o furacão Matthew provocou nova catástrofe humanitária dias antes do final do mandato da Minustah e provocou novo adiamento da votação. O primeiro turno das eleições que deveria ter ocorrido no dia 9 de outubro foi adiado para 20 de novembro. Há muitas justificativas para ficar mas, por outro lado, a missão vive o que os analistas chamam de uma situação de "fadiga". Muitos países doadores de recursos e tropas entendem que a situação de segurança já está controlada e estão pouco satisfeitos com as sucessivas crises políticas e institucionais do Haiti. Por causa disso, surgiram rumores não confirmados nos meios militares e diplomáticos de que a missão militar seria encerrada em 2017 mesmo que o atual ciclo eleitoral não seja completado. A Minustah poderia ser substituída então por uma missão política. África ou Oriente Médio? Em Timbuktu, no Mali, jihadistas destruíram templos considerados patrimônio da humanidade Um integrante da cúpula do Ministério da Defesa afirmou à BBC Brasil que a pasta tem grande interesse em participar de uma missão de paz no oeste da África após a retirada do Haiti. Essa área do planeta é considerada de interesse estratégico do Brasil, de acordo com a Política Nacional de Defesa. Essa intenção é reforçada pelo fato de o Brasil ser um dos alvos de um esforço diplomático crescente da França para angariar apoio e tropas para missões de paz em suas ex-colônias no continente africano. Fontes dos meios diplomático e militar, que pediram para não serem identificadas, afirmam que haveria um interesse específico dos militares brasileiros pela Minusma, a missão de paz da ONU no Mali. Essa missão envolve proteger a população realizar eleições em um país que luta para reestabelecer sua integridade territorial após a expansão de grupos extremistas islâmicos - como a Ansar Dine e a al-Qaeda do Maghreb Islâmico. Diplomatas do Itamaraty consideram a missão de "altíssimo risco" e dizem que ela não se encaixa exatamente na política brasileira de se envolver apenas em missões de manutenção de paz. Após lembrar das dificuldades para reunir verbas para uma nova missão, os diplomatas dizerem que mandar tropas terrestres para a Unifil, no Líbano, seria um projeto mais viável. Isso porque o Brasil tem mais laços culturais com o Líbano devido ao grande número de imigrantes daquele país que se estabeleceram no Brasil. Além disso, desde 2011 o país comanda a Força-Tarefa Naval - uma esquadra de navios da ONU que tenta impedir o contrabando de armas por mar para o Líbano. Uma dessas embarcações é brasileira e abriga uma tripulação de cerca de 250 militares. Desde então já se cogitava o envio de tropas terrestres para participar de outros setores da Unifil. Moeda de troca Brasil lidera Força Tarefa Naval da ONU no Líbano; governto cogita enviar tropas terrestres. Mas por que o Brasil iria querer enviar unidades militares para outra missão de paz? "Participar de missões de paz é uma moeda de troca na política externa do Brasil", disse o pesquisador Hector Saint-Pierre, da Unesp. "Isso facilita a vida do Itamaraty. É a moeda que o diplomata usa numa negociação para que o Brasil participe do cenário internacional". Outros benefícios são treinar tropas nacionais em situação real de conflito e prestar solidariedade a uma nação menos favorecida, de acordo com o pesquisador. Ele afirmou que o Brasil tem se destacado nessa área. A Minustah é considerada pela ONU uma missão de sucesso, a Força-Tarefa Naval do Líbano é a primeira do gênero e um general brasileiro - Carlos Alberto do Santos Cruz - comandou na República Democrática do Congo (2013-2015) a primeira missão de caráter declaradamente ofensivo de capacetes azuis da ONU. Segundo Hamann, do Instituto Igarapé, o Brasil sempre participou das missões de paz da ONU e intensificou sua atuação nos últimos 25 anos. Essa atuação ajuda a fortalecer o sistema multilateral da ONU - em contrapartida à atuação unilateral de potências mundiais no cenário internacional. "Nós alcançamos um papel elevado. (Não participar de mais missões) poderia afetar a reputação brasileira. Afetaria nosso soft power". Oposição Já Zé Maria de Almeida, presidente do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) diz que a participação em missões de paz do formato atual é equivocada. "Estamos sendo subservientes em relação às potências mundiais. Os Estados Unidos não tinham condições políticas para enviar tropas (para o Haiti) e nós ficamos com a tarefa inglória. Estamos fazendo segurança para empresas americanas", disse. O PSTU e um grupo de movimentos sociais foram algumas das primeiras entidades a se opor à participação brasileira no Haiti. "Temos obrigação moral e política de ajudar o povo haitiano, mas deveríamos colocar os recursos das tropas para construir hospitais e casas no Haiti." Ele afirmou que haverá campanha contra eventuais novas missões de paz. Modelo de missão Crise econômica pode atrapalhar eventual participação brasileira em outra missão de paz A visão do PSTU não é a adotada pela maioria dos analistas. Mas, mesmo os defensores das missões de paz dizem que o modelo de operações adotado pela ONU poderia sofrer mudanças. A principal crítica é que, em teoria, as missões são multidimensionais e abrangem aspectos necessários ao desenvolvimento do país auxiliado - como a reestruturação do Judiciário, da segurança, do saneamento, etc. Mas na prática nem todas as missões seriam flexíveis o bastante para atingir a complexidade que deu origem ao conflito, segundo Saint-Pierre. Barreiras Além da oposição de setores da sociedade há outros fatores que poderiam dificultar uma nova missão. A ONU reembolsa os países pela participação de tropas em suas operações (em média, US$ 1,3 mil por mês por combatente). Países como o Uruguai usam esse reembolso como uma fonte de renda para manter suas próprias forças armadas. Mas segundo um levantamento de Hamann, do Instituto Igarapé, o reembolso corresponde a 40% do dinheiro investido pelo Brasil. Segundo ela, o país investe muito na fase de preparação do militar, que não é remunerada pela ONU. Outro fator é que o Brasil está atrasado com os pagamentos regulares para a manutenção da ONU. Isso pode influenciar ao negociar um papel mais importante na organização. Há ainda a crise econômica e a tentativa de contenção de recursos que incluir até o fechamento de embaixadas brasileiras. Mas se o projeto avançar, quem "venceria" o debate sobre o país escolhido? Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil não têm uma resposta, mas dizem que o Ministério da Defesa deve pressionar muito por uma missão na África. Mas, segundo Hamann, o histórico de participação do Brasil em missões indica que o Itamaraty tradicionalmente tem um peso muito grande no processo decisório.
Explosivos líquidos são potentes e de difícil detecção, diz especialista
Os explosivos líquidos que seriam usados no suposto plano para explodir aeronaves saindo da Grã-Bretanha com destino aos Estados Unidos são de difícil detecção e, mesmo em pequena quantidade, poderiam causar uma explosão catastrófica, segundo o especialista em explosivos da Universidade de Aberdeen, na Escócia, Clifford Jones.
A polícia britânica, que descobriu o plano, acredita que os líquidos explosivos poderiam ser embarcados em garrafas ou latas. Acompanhe a entrevista de Clifford Jones, na qual ele explica o perigo representado por esses líquidos: O que são explosivos líquidos? Explosivos potentes podem vir em forma sólida, como dinamite, ou líquida. Este tipo é usado geralmente em escavações ou pedreiras. Como eles funcionam? Geralmente quando entra em combustão, que neste tipo de explosivos é extremamente rápida e excede a velocidade do som. Como resultado, temos o que se chama de super-pressão, que é maior do que a atmosférica. Não é necessária uma grande quantidade de super-pressão. Um excesso de 1% pode quebrar janelas comuns. Uma de 10% pode machucar ou mesmo matar pessoas e causar danos estruturais em prédios. Uma super-pressão de apenas 2% poderia quebrar as janelas de um avião e uma de 10% danificaria a estrutura da aeronave e, possivelmente, mataria alguém antes mesmo de ela atingir o solo. Assim que a explosão acontece, termina a química e a física começa a agir. Como eles são produzidos? Alguns explosivos líquidos atuam como a dinamite. Outros são feitos com uma mistura de sólidos e líquidos, um sendo o oxidante e o outro, combustível. Ao contrário de outros grandes explosivos, eles não contêm as duas propriedades na mesma molécula, mas sim em proximidade suficiente para causar a explosão. É difícil de se obter essas substâncias? Não. Lojas de construção e utensílios domésticos as comercializam. É necessário conhecimento ou equipamento técnico para produzir o explosivo? Não é difícil para um químico produzir explosivo líquido a partir de explosivos sólidos. A opção dos dois componentes, sólido e líquido, é mais provável para quem estiver usando um laboratório caseiro. Os princípios são simples, mas seria um perigoso processo de tentativa e erro. Um artefato explosivo poderia ser embarcado em um avião? Sim, ele poderia ser carregado em uma bagagem de mão. Explosivos guardados dentro de uma mochila seriam suficientes para se causar uma grande explosão. Dificilmente eles seriam detectados pelo raio-x. O hidrocarboneto combustível, por exemplo, poderia passar por água mineral.
As assustadoras tempestades de cinzas que põem em risco moradores do Pantanal
Um fenômeno tem assustado e causado preocupação nos moradores da comunidade Barra do São Lourenço, no Pantanal: as tempestades de cinzas e areia.
Imagem registrada por moradora de comunidade ribeirinha no último fim de semana mostra tempestade de cinzas se aproximando De acordo com relatos das pessoas que vivem na comunidade, a situação se tornou frequente nas últimas semanas. Especialistas apontam que se trata de uma consequência do intenso período de incêndios no Pantanal nos últimos meses. O fogo consumiu quase 4,5 milhões de hectares do Pantanal brasileiro neste ano. De acordo com o Instituto SOS Pantanal, o número corresponde a 30% do bioma no Brasil. Nas últimas semanas, os incêndios amenizaram. Porém, as pessoas que vivem na região ainda são duramente afetadas pelos resquícios deles. Moradora de Barra do São Lourenço, a artesã Maria Aparecida Aires de Souza relata que presenciou diversos vendavais carregados de cinzas e areia recentemente. Fim do Talvez também te interesse "É uma sensação horrível. Além de ser prejudicial à nossa saúde, a nossa casa fica cheia de sujeira e as roupas ficam sujas. É uma cinza que gruda em tudo", detalha à BBC News Brasil. Maria e os outros moradores da comunidade costumam correr para as suas casas em busca de abrigo para fugir dessas tempestades. "Outro dia, estava fora de casa quando começou a ventar forte. Não deu tempo de entrar para colocar máscara. Acabei tossindo muito", relata a artesã. Segundo especialistas, o fenômeno tem ocorrido em razão da grande quantidade de cinza que foi depositada no solo do Pantanal. "Os restos dos incêndios têm sido dispersados pelos ventos fortes. As chuvas não foram totalmente suficientes para que as cinzas fossem levadas para dentro dos rios", diz o analista ambiental Alexandre de Matos, que integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) de Mato Grosso do Sul. Conforme Matos, há relatos de ventos que destelharam casas na comunidade ribeirinha. "Esses vendavais têm sido mais fortes porque os incêndios queimaram muitas árvores que protegiam essas regiões dos ventos fortes. Não há muita copa de árvore atualmente. Elas poderiam segurar essas tempestades de cinzas que têm afetado a região", explica o analista ambiental. Vídeo gravado na última segunda-feira mostra fenômeno em comunidade do Pantanal As tempestades O primeiro registro de tempestade de cinzas no Pantanal, segundo pesquisadores, ocorreu em meados de outubro. O fenômeno foi registrado na Serra do Amolar, local considerado um dos mais importantes para a preservação do bioma. Na data, uma enorme nuvem baixa marrom cobriu quase toda a região. Imagens feitas por pessoas que acompanharam a cena mostraram as cinzas sendo levadas pelo vento. Na época, ainda tinha muito fogo no bioma, por isso havia muita fumaça junto com os ventos fortes e a fuligem. O cenário prejudicou a visão de condutores de aeronaves que atuavam no combate aos incêndios. "O caso de outubro foi uma coisa assustadora, sem precedentes. O dia virou noite em poucos minutos e a situação perdurou até a madrugada", relembra Ângelo Rabelo, do Instituto do Homem Pantaneiro (IHP). Desde então, houve outros registros de tempestades de cinzas e areia no Pantanal. Conforme os pesquisadores da região, apesar de menos intensos que o primeiro caso, os posteriores continuaram levando problemas às comunidades, à fauna local e àqueles que atuam na preservação do bioma. "Depois de outubro, já passei por outras duas tempestades de cinzas, mas em menor intensidade. Isso não era algo comum no Pantanal. É algo extremo. Ontem mesmo, soube de uma situação de pânico por causa dessas tempestades", diz Rabelo. Ele afirma que os registros apontam que o fenômeno costuma avançar do sentido leste para o oeste do bioma. Para Rabelo, alguns fatores colaboram para o fenômeno: a baixa umidade, a temperatura alta e a ausência de chuvas em período recente. Vento forte leva fuligem de incêndios a outras regiões e causam problemas Ele conta que o fenômeno faz com que o dia comece a escurecer e passa a impressão de que irá chover. "Mas não costuma cair uma gota. É apenas a tempestade de cinzas", relata Rabelo. Não há um levantamento oficial sobre quantos registros de tempestades de cinzas ocorreram no Pantanal desde outubro. Alguns pesquisadores afirmam saber de três casos. Mas os moradores de Barra do São Lourenço relatam que o fenômeno tem ocorrido quase diariamente nas últimas semanas. "Desde outubro, quase toda semana houve algum caso assim por aqui. Mas na última semana, foi praticamente todos os dias. O vento já chega com muitas cinzas. Há dias em que está mais forte, em outros está mais fraco", diz a artesã Leonida Aires de Souza, que mora na comunidade. Outro morador de Barra do São Lourenço, o pescador Rosinei Iris de Jesus relata uma tempestade de cinzas que presenciou na última segunda-feira (30/11). "Eram quase duas horas da tarde e a gente não enxergava nada. A situação por aqui está bem difícil", diz. 'Crianças ficam desesperadas' As tempestades de cinzas têm levado problemas de saúde aos moradores da comunidade ribeirinha. Segundo as pessoas que vivem na região, relatos sobre problemas respiratórios se tornaram comuns no período recente. "O pessoal conta que as crianças ficam desesperadas com essa situação e têm muitas dificuldades para respirar quando há essas tempestades", diz o biólogo Alcides Faria, diretor-executivo da ONG Ecoa - Ecologia & Ação. O fenômeno piora, principalmente, a condição de pessoas que já possuem doenças respiratórias. A situação, segundo especialistas, pode gerar aumento de internações por enfermidades como pneumonia ou outras doenças respiratórias. "A poluição atmosférica, principalmente relacionada à queima de biomassa, gera produção de material particulado. Quanto menor, mais capaz é de chegar aos extremos das vias respiratórias. Ali, se sedimenta, causando processos respiratórios responsáveis por inflamações de vias aéreas", detalha a pneumologista Patrícia Canto, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em tempos de pandemia de covid-19, a situação se torna ainda mais preocupante. "Há estudos que apontam que há mais mortes pela covid em áreas com maior poluição atmosférica. A gente vive um período de aumento de casos do coronavírus no Brasil, então (a exposição às cinzas) é uma situação preocupante", afirma Canto. As consequências da exposição às fuligens podem surgir também ao longo dos anos. "Se for uma situação frequente, pode até causar um câncer pulmonar, que pode se desenvolver lentamente em caso de muito tempo de exposição relacionada à poluição atmosférica", diz a pneumologista. Especialistas apontam que tempestade de cinzas registrada em outubro, durante período de incêndios intensos no Pantanal, foi a mais intensa Os problemas na comunidade As tempestades de cinzas e areia representam apenas uma das dificuldades enfrentadas atualmente em Barra do São Lourenço, localizada em Corumbá (MS), que tem cerca de 100 moradores. Além de a região ter sofrido com o fogo intenso meses atrás, agora lida com as diversas consequências dos incêndios. Os moradores da comunidade, situada na margem esquerda do Rio Paraguai (o principal formador do Pantanal) e nas proximidades da Serra do Amolar, enfrentam dificuldades em relação aos itens mais básicos. Falta água e comida. Principal fonte de renda dos moradores da comunidade, o rio enfrenta o seu período mais seco em cinco décadas. Além disso, as consequências das queimadas também são sentidas na água do Paraguai, que em alguns pontos tem sido considerada inadequada para o consumo. "As chuvas nas cabeceiras para encher os rios da região foram poucas. Isso torna a pesca mais difícil. Soma-se isso às queimadas, isso arrasta muito sedimento, cinza e muita água da chuva. As primeiras chuvas apagaram o fogo e aliviaram para a região, mas agora a água do rio está nas piores condições", relata Alcides Faria. Segundo Faria, muitos moradores de Barra do São Lourenço tiveram diarreia ao tomar a água do rio. Em razão disso, voluntários doaram garrafões d'água para a comunidade. Diversos moradores da comunidade trabalham como pescadores e têm enfrentado duras dificuldades. Isso porque os peixes foram afetados pelo nível extremamente baixo do Rio Paraguai e ainda sofrem com as cinzas que caem na água. A fuligem pode causar uma redução do oxigênio dissolvido (OD) no rio e culminar em hipóxia (deficiência de oxigênio), que pode levar espécies à morte. "É uma grande catástrofe. Infelizmente tem a mão do homem no meio para que isso acontecesse. É uma irresponsabilidade muito grande", lamenta a artesã Leonida Aires, em referência ao fato de que especialistas apontam que a imensa maioria dos incêndios no Pantanal nos últimos meses foram causados por ação humana. Autoridades apuram a origem de diversos focos que atingiram o bioma. Também afetados pelo atual cenário, os artesãos da comunidade viram as folhas de aguapé, usadas para os seus trabalhos, sumirem. "Há muito pouco aguapé, por causa do fogo e da seca. Esperamos que a situação melhore para continuar trabalhando. Além disso, também está difícil para vender, por não haver turistas como antes no Pantanal e porque muitas pessoas estão com dificuldades financeiras", diz Maria Aires. Nos últimos meses, segundo Leonida, muitos moradores da comunidade sobreviveram com a renda do auxílio emergencial. Além disso, alguns também recebem doações de alimentos. "Algumas pessoas trazem sacolão com alimentos, que tem ajudado a gente. Estamos dividindo o que recebemos com os animais, porque não tem nada para muitos deles comerem, pois as árvores foram tomadas pelo fogo", relata. Apesar dos relatos e das imagens registradas pelos moradores de Barra do São Lourenço, a Defesa Civil de Mato Grosso do Sul afirma, em nota à BBC News Brasil, que as tempestades de cinzas não são frequentes na região. A reportagem questionou sobre quantos registros do fenômeno foram feitos na comunidade nas últimas semanas, mas não obteve respostas. Ainda em nota, o governo de Mato Grosso do Sul afirma que a comunidade e todas as outras famílias ribeirinhas da região recebem "atendimentos nas áreas social e de saúde" por meio da assistência social de Corumbá. Sobre as condições da água potável em Barra do São Lourenço, o governo argumenta que "está articulando com outros órgãos para desenvolver um trabalho quanto a isso", mas não informa prazos para resolver o problema. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? 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Pandemia desmascara 'arrogância da ignorância' de governantes, diz historiador
No Brasil Império (1822-1889), as técnicas de "distanciamento social" usadas para impedir a propagação de epidemias consistiam basicamente em afastar os pobres do centro das cidades.
O historiador Sidney Chalhoub falou à BBC News Brasil sobre a responsabilidade de governos e possíveis 'legados positivos' da pandemia de covid-19 Na época, acreditava-se que a fonte de epidemias não eram vírus que se escondiam em espirros, mas sim "miasmas" — uma misteriosa ação que substâncias animais e vegetais em putrefação exerciam sobre o ambiente. Diante da dificuldade em identificar o fenômeno, agentes públicos passaram a tratar como suspeitos todos os cortiços onde famílias pobres viviam — e que se tornaram objeto de demolições e operações policiais frequentes. As cenas são descritas no livro Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial, em que o historiador Sidney Chalhoub descreve como doenças infecciosas mudaram o Brasil na virada do século 19 para o 20. Em entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub, professor de História e de Estudos Africanos e Afro-americanos na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, traça paralelos entre epidemias passadas e a covid-19. Fim do Talvez também te interesse Ele conta que situações atuais, como divergências entre autoridades quanto à melhor forma de responder à crise e o debate entre salvar vidas ou a economia, também ocorreram no passado. Naquela época, no entanto, a "medicina científica" ainda era vista com desconfiança por parte expressiva do povo e das elites - um cenário distinto do atual, em que a maioria das autoridades globais recorre à ciência para definir suas políticas contra a pandemia. Já os governantes que têm ignorado o caminho da ciência estão sendo desmascarados pelos fatos, diz Chalhoub. "No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia", afirma. Em Harvard desde 2015, Chalhoub lecionou na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) por 30 anos e foi professor visitante nas universidades de Michigan e Chicago. Além de Cidade febril, é autor de Trabalho, lar e botequim, sobre a vida nas classes baixas cariocas, e de Visões da Liberdade, sobre as últimas décadas de escravidão na cidade. Também escreveu Machado de Assis, historiador, sobre as ideias políticas do escritor, e coeditou cinco livros sobre a história social do Brasil. Na entrevista à BBC News Brasil, Chalhoub diz ainda que, embora trágica, a pandemia pode deixar legados positivos — como nos ensinar formas de viver com uma "economia desacelerada", que reduza a "movimentação alucinada de mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição". Confira os principais trechos da entrevista: BBC News Brasil - Qual o impacto que as epidemias no fim do Brasil Império tiveram na sociedade nacional? Sidney Chalhoub - A epidemia que primeiro teve um impacto poderoso foi a de febre amarela de 1849-1850. Ela não só matou muita gente como fez muito estrago nas elites. O imperador perdeu um filho. Como ela matava imigrantes, ela afetava o sonho de importar trabalhadores europeus. E como ela voltava a cada verão, Petrópolis cresceu. Os nobres todos fugiam para lá, pois o mosquito transmissor não sobrevivia na altitude da região serrana, embora nem se soubesse ainda que a doença era transmitida por mosquito. A epidemia também foi mais um argumento pelo fim do contrabando de africanos, que estava proibido desde a década de 1830, mas continuava intenso e contava com a conivência do Estado brasileiro. Havia médicos que argumentavam que a febre amarela era transmitida para as Américas por meio do tráfico negreiro. Então houve finalmente a decisão de acabar com o tráfico. BBC News Brasil - Que outras epidemias foram marcantes na época? Chalhoub - Eu citaria uma epidemia de cólera violentíssima que houve em 1855. Como ela se espalhava pelo consumo de alimentos e água contaminados, as casas mais abastadas, que tinham acesso a água e alimentos de melhor qualidade, estavam mais protegidas do que aquelas que utilizavam rios da cidade para atender suas necessidades. Essa epidemia matou uma quantidade enorme de escravos e foi inclusive responsável por uma mudança no mercado de trabalho. Até ali, havia certa abundância de escravos. A epidemia mudou essa equação. BBC News Brasil - De que forma essas epidemias moldaram a estrutura do governo? Presidente Jair Bolsonaro já disse que a covid-19 é uma 'gripezinha' Chalhoub - A partir do enfrentamento da febre amarela, surge uma comissão de higiene que depois daria origem à Junta Central de Higiene Pública, o primeiro órgão do governo imperial que tenta centralizar a contenção de epidemias e elaborar políticas públicas para enfrentá-las. No caso do Rio, onde a junta funcionava, ela ajuda a articular a política de repressão aos cortiços quando eles começam a crescer muito na cidade. Ela também passa a sugerir políticas de transformação urbana para, segundo as teorias médicas da época, dispersar os miasmas e diminuir as chances de epidemias. As cidades começaram a ter avenidas largas, e não era para as pessoas andarem de automóvel. Era para os miasmas se dispersarem. As reformas do (prefeito Georges-Eugene) Haussmann em Paris, nos anos 1850, foram para isso. BBC News Brasil - O sr. diz em seu livro que as moradias dos pobres eram associadas à disseminação de epidemias no Brasil Império, o que levou a uma política de erradicação dos cortiços. Hoje fala-se o mesmo das favelas, mas as autoridades parecem ter desistido de dar uma "solução final" para o problema. O que mudou? Chalhoub - Um fator foi a expansão das cidades. Até o século 19, não havia grandes cidades no mundo e elas não eram segregadas como hoje. Casarões ficavam ao lado de cortiços. A cidade não tinha essa projeção espacial da estrutura de classes. Boa parte das reformas urbanas na segunda metade do século 19 teve como resultado e intuito a projeção espacial das desigualdades da sociedade. Passa a haver regiões dos ricos e regiões dos pobres. Essa segregação permite também a criação da ideia de que os espaços ocupados pelos pobres são de perigo, de vadios, de criminosos, de circulação de doenças. Eles tinham que ser afastados para não contaminar. O problema é que, abstraindo todo esse estigma, sabemos que a aglomeração nas moradias mais pobres é um elemento que facilita o contágio de uma doença como a covid-19. A solução de erradicar as favelas já foi tentada, é violenta e não funciona. Mas você pode imaginar outras coisas. BBC News Brasil - Como o quê? Chalboub - Se aumenta a quantidade de gente trabalhando remotamente, como tem ocorrido agora, talvez em partes grandes da cidade possa haver menos edifícios dedicados a escritórios. Poderia haver programas de moradia no centro. Também pode-se diminuir a densidade demográfica das favelas, o que já permitiria outra visão em relação ao acesso a serviços públicos. BBC News Brasil - O sr. menciona no livro como as autoridades imperiais temiam a "ociosidade" dos pobres. Como o medo de sublevação das classes baixas acompanha a história das epidemias no Brasil? Chalhoub - A segunda metade do século 19 criou a ideia de ameaça das massas urbanas. Isso continua. O próprio presidente (Jair Bolsonaro) parece estar insuflando a rebelião, estimulando as pessoas a voltar a trabalhar de qualquer maneira e sugerindo que, se não conseguirem sobreviver nessa situação, vão resolver seu problema a qualquer custo. Parece que ele está insuflando os saques e a desobediência a essas medidas que estão sendo sugeridas para ganhar tempo até que se tenham estratégias eficazes de conter o dano da epidemia. Seria desejável que houvesse um concerto entre as autoridade públicas para que a mensagem fosse unívoca e as políticas fossem o mais eficazes quanto podem ser numa situação de extrema dificuldade. Os sinais contraditórios podem, isso sim, aumentar o desespero e a noção de salve-se quem puder. BBC News Brasil - Nas epidemias do passado, houve disputas equivalentes às que temos hoje entre governadores, que defendem medidas mais restritivas, e o presidente, que quer aliviar a quarentena? Chalhoub - Um exemplo interessante foi a questão da vacina antivariólica. Ela já existia desde o início do século 19 e era comprovadamente eficaz. No início do século 20, o (presidente) Rodrigues Alves e o (diretor-geral de Saúde Pública) Oswaldo Cruz tinham uma posição unívoca a favor da vacinação, um não ficava brigando com o outro como vemos hoje. Mas havia problemas, porque era um procedimento doloroso e interferia em concepções religiosas de origem africana ou mesmo católicas, como a noção de que os flagelos eram punições de Deus que vinham para purificar sociedade. O movimento antivacínico era muito forte. Havia uma presença policial ostensiva e violência na forma como a vacinação era conduzida, o que foi provocando uma reação da população. Outra questão é que parte da elite, da imprensa e dos políticos pregava contra a vacina. Isso explode na revolta antivacina de 1904 - que é trágica, porque, quatro anos depois, o Rio de Janeiro teria uma das piores epidemias de varíola da sua história. BBC News Brasil - Também havia debates sobre o equilíbrio entre salvar vidas e reduzir os danos à economia? O Brasil já registrou mais de mil mortes por covid-19; no mundo, já são mais de 100 mil mortes Chalhoub - Sim. Quando as autoridades percebiam que havia uma epidemia de cólera ou de febre amarela, elas primeiro tentavam negar ao máximo, porque isso prejudicava a economia. A importação de produtos ficava paralisada. E quando se impunham quarentenas, os navios evitavam os portos, o que criava dificuldades para a exportação de café. Então sempre havia a preocupação de equilibrar o combate à doença com os prejuízos econômicos que ela causava. BBC News Brasil - A atual pandemia pode nos deixar legados positivos? Chalhoub - Acho que sim. Por mais que tenhamos passado os últimos anos governados pelas fake news, nessa hora todo mundo espera a salvação pela ciência. Espero que a epidemia ajude a desautorizar políticos levianos que têm governado várias partes do mundo com a arrogância da ignorância. Essa arrogância está agora sendo desmascarada por fatos trágicos. No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia. Não há solução fora de uma vacina, ou da descoberta de medicamentos eficazes, ou de seguir recomendações sanitárias que diminuam o estrago imediato. Isso mudou em relação às epidemias dos séculos 19 e início do 20. Hoje há uma medicalização muito maior da sociedade e o entendimento da eficácia da medicina científica. O que torna essa pandemia mais assustadora é que ela é uma metáfora perfeita da globalização. Ela segue a trilha das mercadorias e da circulação de pessoas de maneira tão radical e tão incontrolável quanto a ideologia neoliberal imaginava que a economia poderia ser. Sempre houve uma relação direta entre a circulação de mercadorias e a de vírus e bactérias. A cólera e a febre amarela só viraram pandemias no século 19 quando os navios ficaram mais rápidos e quando começou a ter estrada de ferro. Só que a pandemia atual é ainda mais rápida. Esse neoliberalismo agressivo que tomou conta das políticas econômicas internacionais criou outro problema, porque essas políticas diminuíram o Estado, e, de repente, os países se veem despreparados para lidar com uma crise aguda de saúde pública. É por isso que ela também ataca o imaginário de forma tão radical. Ela coloca em questão todo um meio de vida e de pensar a economia nas últimas décadas, o Estado mínimo e a naturalização das desigualdades. BBC News Brasil - Como tem sido sua rotina durante a pandemia? Chalhoub - Desde o dia 10 de março, a universidade determinou que os alunos todos fossem para casa. Dois dias depois, todos os funcionários e professores pararam de ir aos escritórios. A universidade fez um esforço muito grande para que todos os professores que nunca deram aula online antes tivessem um mínimo de treinamento sobre como fazer isso. Então as aulas têm acontecido. A universidade está a pleno vapor. O que me faz pensar: se você pega os escritórios todos em uma grande cidade e reduz os dias de trabalho conjunto para dois dias por semana, imagina a quantidade de redução de poluição e de sobrecarga no transporte público? Talvez essa pandemia também nos ensine algo sobre como viver com uma economia desacelerada. Uma desaceleração da movimentação alucinada de mercadorias e pessoas, que está explodindo com o planeta e que faz com que tudo circule mais rápido: bactérias, vírus e poluição. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Quem são os wajãpi, guardiões de terra cobiçada por garimpeiros ilegais e mineradoras
O povo wajãpi é guardião de uma terra rica em ouro e ferro de cerca de 607 mil hectares, uma área equivalente a quatro cidades de São Paulo delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá.
Povo indígena, que ocupa território no Amapá e na Guiana Francesa e quase foi dizimado nos anos 1970 após contato com não-índios, é reconhecido por conseguir manter o equilíbrio entre o passado e presente Chegaram ao local depois de uma travessia épica pelo rio Amazonas. Descendentes dos Guaiapi, falantes da língua da família Tupi, os wajãpi saíram do baixo rio Xingu, no norte do Pará, no século 18 rumo ao território hoje ocupado pelo Amapá e pela Guiana Francesa. Sempre mantiveram o estilo de vida, tradições, rituais e autonomia. Vivem da caça e da agricultura e tentam defender sua terra como podem - com arcos, flechas, lanças e até armas de fogo, estas devidamente registradas e autorizadas pela Polícia Federal, segundo eles, e com a ajuda de organizações governamentais e não governamentais. Homologada e registrada em 1996, a terra indígena wajãpi, localizada entre os municípios amapaenses de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari, é cobiçada por garimpeiros e caçadores de peles de animais e tem sido alvo de invasões frequentes. Desde os anos 1970, os wajãpi têm uma relação conturbada e traumática com garimpeiros e mineradores. No início dos anos 1970, uma epidemia de sarampo, disseminada após contato com homens brancos, causou a morte de quase cem indivíduos wajãpi, incluindo adultos e crianças. Fim do Talvez também te interesse Na semana passada, a morte do cacique Emyra Waiãpi e duas invasões relatadas pelo Conselho das Aldeias Wajãpi colocaram em evidência o alto nível de tensão na região no momento. Em nota divulgada no domingo, 28 de julho, o Conselho das Aldeias Wajãpi disse que um grupo de invasores armados entrou na sexta-feira (26) na aldeia Yvytotõ, ocupou uma casa e ameaçou os moradores, que fugiram no dia seguinte do local. Os wajãpi tinham o costume de amarrar invasores e entregá-los à Polícia Federal, hoje estão organizados num conselho com diretoria e site No sábado, moradores de outra aldeia, a Karapijuty, teriam avistado um possível invasor nos arredores. O cacique Emyra Waiãpi havia sido encontrado morto no dia 22 - a Polícia Federal, que foi ao local com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do batalhão de operações especiais da polícia do Amapá, abriu inquérito para investigar a morte dele. Bolsonaro põe em dúvida assassinato de líder indígena Ao comentar a morte do cacique no Amapá, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse não haver indício forte de que ele tenha sido assassinado. Foi a primeira vez que o presidente se manifestou sobre o incidente. "Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudermos mandar nós já mandamos. Buscarei desvendar o caso e mostrar a verdade sobre isso aí", afirmou o presidente, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta segunda-feira (29). De acordo com a nota do conselho wajãpi, não houve testemunhas, mas parentes examinaram o local e "encontraram rastros e outros sinais de que a morte teria sido causada por pessoas não indígenas". Os wajãpi são considerados um povo festivo e amistoso, mas que coleciona experiências traumáticas com garimpeiros e mineradoras Além de colocar em dúvida o assassinato, Bolsonaro também reiterou que sua intenção é regulamentar o garimpo e autorizar a exploração de minérios dentro de território indígena. "É intenção minha regulamentar garimpo, legalizar o garimpo. Inclusive para índio, que tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade. Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONGs de outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico", afirmou o presidente. Para Bolsonaro, as demarcações indígenas estão "inviabilizando o negócio" no Brasil. História de resistência Segundo Fiona Watson, pesquisadora da ONG Survival International, a história dos wajãpi é de resistência, resiliência e sobrevivência. "Eles são os guardiões da floresta. Dependem da floresta e mantêm uma relação espiritual com ela. Por isso, resistem a tudo que pode destruí-la", diz. Watson declara não se opor à mineração em terras indígenas desde que seja uma escolha dos guardiões da terra, que pertence à União. "Tem que ter o consentimento dos índios, a decisão tem que ser deles porque a terra é deles", afirma, argumentando que o governo deveria se empenhar mais em proteger as terras indígenas uma vez que a legislação atualmente proíbe mineração em terras ocupadas por indígenas. Os wajãpi, por exemplo, são contra a exploração mineral em seu território. Apesar de serem considerados um povo festivo e amistoso, eles declararam guerra aos garimpeiros e às mineradoras depois de colecionarem experiências traumáticas. Os wajãpi contabilizam 57 celebrações Primeiro contato Hoje, são aproximadamente 900 wajãpi vivendo em 49 aldeias. Na Guiana Francesa, no alto rio Oiapoque, vivem outros 1.100. "Mas esse povo quase desapareceu nos anos 1970", conta Watson, lembrando que os wajãpi foram vítimas de malária e sarampo contraídos depois do contato com não-índios. O primeiro contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi em 1973, quando a rodovia Perimetral Norte BR-210 começou a ser construída na região onde estavam os wajãpi. No ano seguinte à chegada da Funai, eram apenas sete dezenas deles, segundo relatou um ex-chefe do posto local da Fundação ao Jornal do Brasil em 1993. A estrada facilitou o acesso às terras protegidas pelos wajãpi. Chegaram caçadores, garimpeiros e, mais recentemente, empresas de mineração demonstraram interesse em explorar na região jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo. Mas a antropóloga da Universidade de São Paulo (USP), Dominique Gallois, estudiosa do povo wajãpi, relatou no Facebook que "experiências trágicas" dos wajãpi com garimpeiros são anteriores à chegada da Funai. O primeiro contato dos wajãpi com a Funai foi em 1973 Entre 1971 e 1973, escreveu Gallois, levas de garimpeiros invadiram a bacia do rio Karapanaty, explorando ouro nas proximidades da aldeia Karavõvõ. "Prometiam trazer mercadorias e conseguiram apoio dos índios, que os abasteciam com caça, lenha e alimentos. Na verdade, depois de cerca de um ano de convivência conturbada, fugiram e deixaram a população de cinco aldeias da região infectadas com sarampo", relatou a professora. Segundo ela, mais de 80 adultos e crianças morreram, "abandonados pelos que se diziam seus amigos". Gallois diz que a Funai chegou mais tarde, em 1973, "para afastar os índios do trajeto da estrada Perimetral Norte, construída na época e abandonada em 1976", depois de ter avançado cerca de 30 quilômetros para dentro da área indígena. Estratégia de defesa "Pouco a pouco, os wajãpi encontraram estratégias para se defender e logo que sabiam da presença de invasores, os procuravam, amarravam e levavam à Funai para que fossem entregues à Polícia Federal", escreveu a professora, dizendo que esses episódios aconteceram várias vezes entre 1985 e 1992. Em 1994, eles criaram o Conselho das Aldeias Apina para reivindicar direitos e passaram a denunciar de forma mais organizada e sistemática as sucessivas tentativas de ingresso. O Conselho, que tem site e diretoria com mandato, tem também um documento com detalhes sobre as tradições do povo wajãpi. Eles são reconhecidos por manter o equilíbrio entre o passado e o presente, vivem dos recursos da floresta e mantêm rituais e tradições curiosas - como, na hora do casamento, dar a própria irmã para se casar com o irmão da noiva ou se casar também com a irmã solteira da noiva. Material produzido pelos wajãpi com apoio da Funai explica rituais e tradições mantidas pelo povo que vive no Amapá e na Guiana Francesa Quem escolhe o nome da criança wajãpi são os avós e os pais. "Nós usamos os nomes de nossos antepassados para colocar nome nas crianças", explicam. Crianças podem se chamar pelo nome, mas quando se é jovem ou adulto, não. "É impossível chamar a pessoa pelo nome próprio, senão ela fica brava", explicam - os wajãpi se chamam pelo grau de parentesco. Há palavras que só as mulheres falam e outras que apenas os homens pronunciam. 'Não fazemos festa sem beber' Os wajãpi são festeiros. Celebram a pesca, a colheita, têm 57 celebrações diferentes. "Não fazemos festa sem beber. A festa é uma troca, de quem dá caxiri e quem vem cantar e dançar". O caxiri, bebida fermentada à base de mandioca, é preparado pelas mulheres da aldeia. Ele é usado também em rituais mais doloridos. As meninas, depois da primeira menstruação, recebem picadas de formigas "para ficar forte". A mãe dá à filha o caxiri para não sentir dor e o pai - ou alguém que trabalha, é caçador e fala bem - busca e aplica a formiga. "Eles mantêm o estilo de vida e os rituais. Mas também interagem, em especial os mais jovens", diz Fiona Watson, da ONG Survival International, dizendo que eles são conscientes de que precisam se defender como podem. Os wajãpi também têm escolas, postos de saúde e salas de reuniões. Muitos falam português e, os que têm direito a usar armas de fogo fizeram em 2018 testes de tiro, avaliação psicológica e comportamental, sob a supervisão da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Uma wajãpi no governo Bolsonaro Há também wajãpi no Exército e no governo Bolsonaro. Silvia Nobre Wajãpi, de 42 anos, fez parte da equipe de transição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e, em abril, foi nomeada secretária de Saúde Indígena. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, ela já foi moradora de rua, vendedora de livros, atriz, atleta, fisioterapeuta e primeira índia militar - entrou para o Exército em 2010. O Ministério da Saúde informa, em seu site, que ela nasceu numa tribo wajãpi, no interior do Amapá. Aos quatro anos, sofreu um acidente e foi levada para a cidade a fim de ser operada. Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros, disse professora da USP Como não podia voltar para a aldeia, devido aos graves problemas de saúde, foi criada, inicialmente, por um professor que iniciou a alfabetização de Silvia. "Silvia sempre manteve os laços com o seu pai, cacique Seremete, na aldeia para onde volta uma vez por ano nas férias", diz o Ministério da Saúde. Apesar de terem conseguido manter o estilo de vida, tradições e rituais mesmo depois do contato com não-índios e, ao mesmo tempo, interagir com não-índios, Fiona Watson, da Survival International, alerta que episódios como as invasões recentes mostram que o povo wajãpi está em situação vulnerável. "Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças", escreveu Dominique Gallois, da USP. *Colaborou Nathália Passarinho Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Governo Joe Biden: as políticas à esquerda que põem o presidente em posição inédita na história recente dos EUA
Há um ano, quando Joe Biden recém emergia como o nome do Partido Democrata a enfrentar Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro de 2020, seus correligionários não disfarçavam certa falta de entusiasmo.
Biden discursa no Congresso para marcar seus 100 primeiros dias no cargo; propostas são arrojadas - e caras Político profissional com mais de três décadas no Congresso, Biden era visto como um centrista pragmático, de estilo protocolar e entediante, que teria que ser rebocado pelas alas mais à esquerda do partido para implementar uma agenda progressista em sua gestão. Pareciam corroborar essa visão tanto o histórico de Biden, que votou a favor da Guerra do Iraque e costumava manter proximidade com parlamentares republicanos repudiados pela base democrata - como o senador Mitch McConnell -, quanto sua negativa de, ainda durante a campanha, endossar propostas como a criação de um sistema de saúde público universal no país, advogada por seu rival nas primárias, o senador Bernie Sanders. Nas fileiras do partido e entre o eleitorado jovem e progressista dos EUA, o quase octogenário era tomado como um possível presidente tampão, uma figura moderada necessária para pacificar o país após a turbulência social dos anos Trump, uma espécie de ponte para algo mais ousado em termos de políticas públicas democratas, que não viria nos quatro anos de um mandato Biden. Cheque, creche, matriz energética limpa e mais Mas os primeiros cem dias do governo Biden sugerem que, para a felicidade da esquerda do partido e preocupação dos direitistas e republicanos, a avaliação estava errada. A gestão Biden tem apresentado propostas de reformas tão arrojadas quanto caras para os cofres públicos. Fim do Talvez também te interesse Biden já colocou em prática um plano de socorro econômico contra os efeitos da pandemia de covid-19 de US$ 1,9 trilhão. Esse é um gasto que, por si só, já superaria a injeção de recursos feita por Franklin Delano Roosevelt, em 1933, ano em que o mandatário iniciava seu pacote de medidas para recuperar os EUA da Grande Depressão, batizado de New Deal. Parte desses recursos bancou os mais de 160 milhões de cheques de até US$ 1,4 mil que a administração federal já distribuiu entre a população do país. A projeção é que, como resultado do aporte de dinheiro público, a economia americana cresça 7% neste ano, o maior resultado em quase quatro décadas, após uma contração de 3,5% em 2020, resultado dos efeitos da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, que já ceifou a vida de 580 mil pessoas no país. "Esta é a legislação mais significativa para os trabalhadores que foi aprovada no país em décadas", comemorou o progressista Sanders, conhecido pela verve crítica à esquerda que destina aos democratas. Embora a retomada de empregos em março tenha parecido confirmar o entusiasmo de Sanders, com quase um milhão de postos de emprego criados, o dado de abril decepcionou e ficou apenas em um quarto disso. O pacote ainda garantiu que Biden entregasse quase o triplo em vacinas que havia prometido em seus cem primeiros dias: há 290 milhões de doses disponíveis em território americano, 230 milhões delas já aplicadas. Restaurante em Nova York; plano de Biden colocou em prática socorro econômico de US$ 1,9 trilhão Na semana passada, em outro movimento progressista histórico, a Casa Branca alterou seu posicionamento na Organização Mundial do Comércio para se colocar a favor da quebra de patentes dos imunizantes contra a covid-19, proposto por Índia e África do Sul. A postura representa um golpe nos interesses de farmacêuticas americanas, como Pfizer e Moderna, que detêm a propriedade intelectual de algumas vacinas. O governo americano justificou que, como grande financiador do desenvolvimento e distribuição das doses, tinha direito também a opinar sobre sua reprodução ao redor do mundo e que aumentar o acesso a imunizantes nesse momento era estratégico para o interesse nacional e internacional. Em outra frente, Biden aliou suas ambiciosas promessas climáticas a um plano de desenvolvimento de infraestrutura impulsionado pelo Estado. Se aprovado pelo Congresso, seu pacote de investimentos de US$ 2 trilhões destinará recursos para a construção de uma matriz energética limpa no país e para estímulos à substituição de boa parte da atual frota de veículos dos EUA por carros elétricos. Esses esforços fariam parte do caminho para cumprir a meta anunciada pelo governo de cortar pela metade as emissões americanas de gases do efeito estufa em relação aos níveis de 2005, um objetivo mais ousado do que o estabelecido pelo ex-presidente democrata Barack Obama, de quem Biden foi vice. Além de desenvolver uma economia verde, o plano de infraestrutura criaria milhões de empregados de nível médio, bem remunerados, para atender à massa de ex-operários americanos que viram seus empregos migrarem para a América Latina ou a Ásia durante o processo de globalização da produção da indústria americana. E se promete impulsionar o setor de alta tecnologia verde, o governo Biden começa a desidratar a indústria mineradora e petrolífera do país. Seu governo suspendeu novos arrendamentos para exploração de petróleo e gás em terras e águas federais, o que tem sido interpretado como o passo inicial de um banimento permanente dessas atividades. Mas os planos de Biden não se concentram apenas em melhorar a infraestrutura física e ambiental do país. O governo quer investir em capital humano. Suas propostas incluem a destinação de cerca de US$ 1 trilhão para creches, universalização da educação pública para crianças entre três e quatro anos de idade (hoje inexistente na maior parte dos EUA) e gratuidade de dois anos de estudo nas chamadas Community College, faculdades locais - mais baratas e com bem menos prestígio do que as renomadas universidades americanas - que costumam atender alunos dos estratos mais pobres da sociedade. Casa Branca alterou seu posicionamento na Organização Mundial do Comércio para se colocar a favor da quebra de patentes das vacinas contra a covid-19 E enquanto o aumento da dívida pública do país será inevitável, ao menos uma parte dos planos deve ser custeada pelo aumento de impostos sobre os mais ricos. A Casa Branca propõe uma revisão do sistema tributário dos EUA que afete todos aqueles com rendimentos superiores a US$ 400 mil dólares por ano - sejam famílias ou empresas. A proposta quase dobraria os impostos sobre ganhos de capital (o lucro sobre investimentos) para pessoas que ganhem mais de US$ 1 milhão anualmente. Essa seria a maior taxa de imposto sobre ganhos de investimento desde que a modalidade do imposto foi criada, em 1920. Além desses três grandes pacotes orçamentários, a gestão Biden tenta pautar no Congresso projetos de lei com profundo impacto em aspectos culturais e sociais do país: o presidente enviou ao Congresso um plano que prevê caminho para a cidadania americana a 11 milhões de migrantes indocumentados, além de uma ampla reforma no sistema migratório dos EUA, tem defendido aumento de restrições ao acesso às armas e tem reconhecido e tentando combater o racismo estrutural, tanto por meio de medidas que ampliem o acesso ao voto entre a população negra quanto propondo reforma da polícia do país. "Entediante, mas radical" O ímpeto de Biden parece ter pego de surpresa tanto oposicionistas quanto simpáticos à sua gestão. De um lado, o senador republicano trumpista Ted Cruz qualificou o governo como "entediante, mas radical". De outro, à agência de notícias econômicas Bloomberg, Dean Baker, o economista sênior do Centro de Pesquisa Econômica e Política, de tendência progressista, afirmou que Biden surpreendeu: "Muitos de nós temíamos que ele seria excessivamente cauteloso, mas ele encampou uma agenda agressiva e ambiciosa e a defendeu bem. Eu o subestimei politicamente". O ceticismo de que Biden pudesse mudar de modo frontal as posturas que ele próprio defendeu em um passado não tão distante é compreensível. Uma anedota ilustra bem isso. Entre 2009 e 2011, quando a administração Obama-Biden buscava retomar o crescimento dos EUA após a recessão de 2008, o economista auxiliar de Biden era o progressista Jared Bernstein. Bernstein deixou o governo frustrado com o foco da Casa Branca no que para ele era a "questão econômica errada": o controle do déficit fiscal. O economista acreditava que era preciso que o Estado gastasse muito mais em um primeiro momento, para permitir um retorno robusto da economia e a retirada gradativa de investimentos públicos do mercado. Perdeu a queda de braço. Dez anos mais tarde, Bernstein está de volta à Casa Branca como um dos principais conselheiros econômicos do presidente. E agora, sua visão sobre a necessidade de gastos polpudos pelo Estado já não é mais minoritária no governo. Para o cientista político Jonathan Hanson, quem esperava ver em Biden uma reedição da gestão Obama falhou em notar não só uma mudança no ambiente político quanto em reconhecer a maleabilidade inerente aos políticos profissionais. "Sinto que a pandemia está encerrando a era que começou com o governo Ronald Reagan, em que o governo era considerado o problema e deveria ser reduzido. Por 40 anos, tanto à esquerda quanto à direita, repetiu-se o mantra do corte de gastos públicos e redução de impostos. Mas neste momento, o que as pessoas querem é que o Estado se apresente para resolver o problema, impedir que a economia colapse diante da pandemia", afirmou Hanson à BBC News Brasil. A mudança de percepção pública sobre a atuação do Estado na economia fica evidente em pesquisas de opinião. No fim de abril, um levantamento nacional feito pela agência Reuters e o Instituto Ipsos mostrou que 65% dos americanos aprovavam o pacote de alívio econômico aos impactos da covid-19, contra 29% que desaprovavam. Do mesmo modo, o pacote de infraestrutura também conta com simpatia da maioria. O Instituto de Pesquisa da Universidade Monmouth apontou, em 26 de abril, que dois em cada três americanos apoiam o plano de gastos trilionários de Biden bem como o aumento de impostos que será necessário para custeá-lo. Segundo Hanson, Biden mostrou tino para descobrir a vontade popular e maleabilidade para segui-la, como costumam fazer os políticos profissionais. Se aprovado pelo Congresso, pacote de investimentos de US$ 2 tri destinará recursos para a construção de uma matriz energética limpa e para estímulos à substituição de boa parte da atual frota de veículos dos EUA por carros elétricos "Acho que talvez as pessoas tenham subestimado Joe Biden como político. Ele é muito capaz de ler a situação política tanto dentro de seu partido quanto nacionalmente. E, isso significa que ele vai mudar de posição com o tempo, sim. Diante dos desafios imensos nos Estados Unidos e no mundo, Biden passou a reconhecer a necessidade de tomar grandes decisões, necessárias para enfrentar essas crises", diz o professor da Universidade de Michigan. A janela dos dois anos Embora audaciosa, grande parte da agenda de Biden ainda depende da aprovação do Congresso, no qual a situação não é exatamente confortável. Apenas o pacote de alívio da covid-19 já foi aprovado. Os democratas sustentam uma maioria mínima no Legislativo, suficiente apenas para aprovar legislações que tenham implicações orçamentárias diretas. Leis ordinárias, no entanto, demandam maioria de três quintos no Senado, o que obriga os democratas a convencerem parte da bancada republicana a apoiar seus projetos. A construção de legislações bipartidárias, no entanto, tem se mostrado difícil. E embora Biden tenha fundado sua campanha no mote da união nacional e repetido em diferentes ocasiões seu apreço pela composição multipartidária, ele tem deixado claro aos democratas que tentará seguir com os planos mesmo que os republicanos não embarquem. Isso porque, em apenas dois anos, os americanos voltarão às urnas para renovar - ou não - os mandatos de uma parcela do parlamentares, o que ameaça a já precária maioria do partido do presidente. "Nos dois últimos governos democratas, tanto Obama quanto Clinton começaram com maioria no Congresso, buscaram a construção de consenso com os republicanos, acabaram bloqueados e, nas eleições do meio de mandato, viram o fim de suas maiorias - e da chance de aprovar boa parte de suas propostas. Assim, perderam a janela de oportunidade dos dois anos que, na prática, os presidentes democratas têm", afirma Janson, em uma explicação institucional para o fato de Biden apresentar uma agenda mais progressista e arrojada que seus antecessores do mesmo partido em tão curto espaço de tempo. "Biden viu o erro acontecer no governo Clinton, quando estava no Congresso, viu o erro se repetir no governo Obama, quando era vice. E parece agora decidido a encerrar esse ciclo. Ele já avisou que vai usar a legitimidade das urnas para empurrar sua agenda nesse começo, enquanto há condições para isso", resume Hanson. É provável que, com menores ou maiores alterações, Biden consiga aprovar seus planos de infraestrutura e de investimento em pessoas. Já o futuro de leis como a reforma de migração ou do policiamento seguem como incógnitas. Bandeiras históricas das alas mais à esquerda dos democratas, essas mesmas matérias dependem agora da anuência de uma parte da bancada republicana para ser aprovadas. No limite, serão os republicanos a decidir se elas vão compor ou não o legado do governo Biden. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Bigodes, Maradona e discurso antiviolência encerram campanha na Venezuela
Entre músicas, bandeiras e – sim – bigodes aos montes, parecidos com o que adorna a cara do candidato chavista à Presidência venezuelana, Nicolás Maduro, uma multidão ocupou quilômetros de avenidas no centro de Caracas para o encerramento da corrida presidencial que elegerá o primeiro líder do país na era pós-Chávez, no próximo domingo.
Bigodes deram o tom bem-humorado entre apoiadores de Nicolás Maduro Toques de bom humor colaboraram para desanuviar um pouco da tensão após dez dias de uma campanha de acusações protagonizada por Maduro e pelo candidato da oposição, Henrique Capriles, que também reuniu uma multidão em um ato na cidade de Barquisimeto, no Oeste do país, na quinta-feira. O clima de festa, no mesmo viaduto na capital venezuelana onde onze anos atrás 19 pessoas perderam a vida em episódios de violência que marcaram o início do fracassado golpe de Estado contra Chávez, superou inclusive a forte associação histórica com a data, 11 de abril. Por volta das 18h30, o astro argentino de futebol Diego Maradona, cabo eleitoral notório de Chávez, subiu ao palco principal do evento, acenando aos presentes com lágrimas nos olhos e respondendo aos gritos de "yes! yes! yes! yes!", um dos bordões chavistas. Pouco depois, sob a cantiga de "Chávez, te juro, voto por Maduro", o candidato oficialista apareceu, ao lado do irmão de Chávez, Adán, governador do seu estado natal de Barinas. "Viva Chávez!", disse Maduro, abrindo o seu último discurso de campanha, enquanto a multidão cantava "Chávez vive, a luta sigue!" "Quem resgatou esta pátria?", perguntava Maduro, ao que os seus seguidores respondiam, "Chávez!". Depois, um telão atrás do candidato passou a exibir o próprio Chávez cantando o hino nacional venezuelano. ‘Povo de Chávez’ Em seu discurso, o herdeiro bolivariano disse que "este é o povo de Chávez". "O imperialismo e a burguesia decadente e parasitária venezuelana acreditam que a revolução acabou. Creem que, porque perdemos o comandante fisicamente, esta revolução chegou ao fim. Creem que o chavismo acabou", disse Maduro. Capriles disse querer se presidente 'de todas as venezuelas' "Nós damos essa resposta, com humildade, com convicção, mas com força: agora é que Chávez existirá por muito tempo." Maduro lembrou que nesta data, onze anos antes, a oposição tentou remover Chávez do poder e fracassou. "Mas assim como houve um 11 de abril, depois veio um 13 de abril (data da volta ao poder de Chávez), dia da ressurreição, dia de revolução cívica militar, quando resgatamos Chávez e o povo voltou à rua como hoje", prosseguiu. Ele disse que o governo prendeu em Barquisimeto paramilitares colombianos que tinham explosivos, armas e uniformes oficiais venezuelanos e vinham ao país "para assassinar". "Estamos desarmando um plano de violência da direita", acusou, acrescentando que o governo divulgará mais detalhes do suposto plano na sexta-feira. O discurso do candidato oficial foi transmitido ao vivo pelas televisões estatais, que qualificavam a multidão de "maré vermelha" e "furacão bolivariano", e se referiam a Maduro como "o candidato da Pátria". Contra a violência Por volta da mesma hora, início da noite, uma caudalosa carreata em favor de Henrique Capriles cruzava os afluentes bairros da região leste de Caracas, realizando um buzinaço que se estendeu por mais de uma hora. Foi uma das 312 caravanas que a oposição organizou em todo o país para marcar o encerramento da campanha de Capriles. Em Caracas, a maré de automóveis com pôsteres do candidato opositor marcava um constraste com o grande volume de motos pilotadas por chavistas em camisas vermelhas. Campanha de Maduro tenta angariar os eleitores de Hugo Chávez O principal evento da campanha de Capriles - transmitido ao vivo pelas TVs privadas - foi na capital do estado de Lara, um dos três estados governados pela oposição entre os 23 em que se divide o país. "Venho aqui com um mensagem de profundo respeito a todos os venezuelanos, a todo nosso povo. Eu quero ser presidente não de um grupo, mas de todas as venezuelanas e venezuelanos", disse Capriles. Em seu discurso, ele aludiu a "muitos obstáculos" que teve de vencer durante a campanha, voltando a acusar o governo de usar a máquina estatal. "(Nesta campanha) vimos dois projetos: um que abusa, intimida e ameaça, e outro que convoca todos os venezuelanos a empurrar esse país adiante, com fé, com força e com valentia", discursou. "Não estou aqui porque ando aspirando a um cargo, estou aqui para que conjuntamente, com todas e todos, transformemos esse país no que os venezuelanos aspiram e sonham." Capriles dirigiu seu discurso, simbolicamente, aos pobres, às mães de família, aos presos e aos policiais; aos que chamou, enfim, dos "que se encontram privados de liberdade". Também bateu na tecla dos altos níveis de violência, um dos problemas mais graves do país, pelo qual os antichavistas culpam o governo. "Estou aqui para defender a vida dos venezuelanos", disse Capriles. "A Venezuela que se aproxima é a Venezuela da vida, não da morte." Herdeiro bolivariano se diz filho de Chávez Ele também prometeu gerar três milhões de empregos – um terço deles para os jovens – e elevar o salário mínimo em 40% de uma vez se for eleito. O governo anunciou um aumento semelhante, porém escalonado. "Tenho de decretar que na segunda-feira haverá uma nova Venezuela", disse. Duelo As palavras de Capriles ecoam o otimismo da oposição quanto a um avanço eleitoral e até mesmo uma surpreendente vitória, apesar de quase todas as pesquisas de opinião apontarem uma diferença de pelo menos dez pontos de vantagem para Maduro. A aposta da oposição é uma possível abstenção do chavismo "light" – o voto não é obrigatório na Venezuela –, se parte do eleitorado não simpatizar suficientemente com Maduro a ponto de sair de casa no domingo. Nas eleições de outubro do ano passado, mais de 15 milhões de venezuelanos – 80% dos quase 19 milhões de eleitores registrados – votaram. Chávez foi eleito com 8,2 milhões de votos, enquanto Capriles obteve 6,6 milhões. Para acompanhar a votação deste domingo, estão na Venezuela delegações de 150 países que cumprirão a função de observadores internacionais. Maduro e Capriles percorreram os 23 estados do país em apenas dez dias de campanha.
Avicii: os últimos anos de DJ morto em 2018 que mudou a indústria da música eletrônica
É 2006 e em um quarto na capital sueca, Estocolmo, um adolescente loiro chamado Tim Bergling come fast food e joga videogames com seus amigos. Ele cresceu em uma comunidade muito unida em sua cidade natal. A vida é boa, e todos os amigos concordam: Tim é um garoto doce e tímido com um alegre senso de descoberta.
Um ano após a morte de Avicii, saúde mental se tornou um tema central na indústria da música eletrônica Como muitos jovens da sua idade, esse senso se estende à música. Ele ama os números de dança technicolor de Daft Punk, Swedish House Mafia e Eric Prydz. Curioso sobre esse pop eletrônico de alta energia, ele começa a fazer suas próprias batidas e percebe que tem talento para melodias cativantes. Depois de enviar essas músicas para grandes figuras do ramo como Laidback Luke, que ama o que ouve, sua vida muda para sempre. Apenas cinco anos depois, aos 21 anos, Tim Bergling é conhecido mundialmente como Avicii - o DJ e produtor superstar, uma marca que vale milhões, e o rosto instantaneamente reconhecível de um gênero explosivo. Quando ele é perguntado: "Você fez isso?" durante uma entrevista de bastidores na TV, age de maneira humilde. "Acho que você conseguiu", continuou o apresentador de TV sorridente. Tim sorri de volta e apenas diz: "Você acha? Tudo bem, que bom." Avicii dominou os anos 2010 com faixas como Levels, Wake Me Up e Sunshine, abrindo caminho para uma nova era de colaborações intergêneros com grandes nomes como os super DJs David Guetta e Tiesto, além de Nile Rodgers, Coldplay e Madonna, que falavam com carinho desse jovem entusiasmado. Avicii dominou os anos 2010 com faixas como Levels, Wake Me Up e Sunshine Ele tomou conta das paradas: sua música de 2013 Wake Me Up era (na época) a música mais transmitida da história do Spotify. Entre 2012 e 2016, Avicii ganhou quase US$ 90 milhões. Em meados de 2018, seu catálogo de músicas atingiu 1,7 bilhão de reproduções em serviços de streaming (áudio e vídeo) e ele vendeu 11,6 milhões de faixas de música pela internet. Fim do Talvez também te interesse O EDM - Electronic Dance Music - é um híbrido de house francês, techno americano e rave britânico que se desenvolveu num estilo de pop eletrônico, inspirando-se no ethos do PLUR (Peace Love Unity Respect). Um fenômeno global da década de 2010, o EDM gerou uma apropriação cultural de festivais americanos antes dedicados exclusivamente ao rock, hip hop e pop, e se tornou uma indústria multibilionária por si só - o Ultra Music Festival, em Miami, e o Electric Daisy Carnival, em Las Vegas, tiveram uma participação combinada de mais de meio milhão de pessoas em 2018. DJs no mundo EDM são comparáveis, em termos de riqueza e fama, a jogadores de basquete e atores de Hollywood - muitos se tornaram superstars ricos, alguns ganhando mais de US$ 30 a 40 mihões por ano. Com fãs apaixonados, grandes recompensas financeiras e o estilo de vida extravagante que vem com essa fama, não é surpresa que muitos jovens DJs desejem se juntar a essa poderosa liga de celebridades. Nesse cenário, poucos pregavam o amor e o respeito dentro e fora do mundo da EDM como Avicii - mas o preço pessoal que ele pagava por tal sucesso global era enorme. Depois de tocar centenas de shows e desenvolver problemas relacionados à ansiedade e ao abuso de álcool, Avicii foi hospitalizado durante uma turnê na Austrália em 2014. Diagnosticado com pancreatite aguda, que teria sido causada por excesso de bebida, ele fez uma cirurgia para remover a vesícula biliar e recebeu um coquetel de medicamentos, incluindo o viciante opióide Percocet. Depois de mais dois anos initerruptos de turnê, lutando com dor física, pressão emocional e dependência de drogas prescritas, Avicii anunciou sua aposentadoria em 2016 e saiu dos holofotes para se concentrar em um novo capítulo de sua vida, mais pacífico e dedicado à composição. Avicii foi hospitalizado durante uma turnê na Austrália em 2014 e foi diagnosticado com pancreatite aguda Algo poderia ter sido feito? Infelizmente, este novo capítulo nunca foi escrito. Em abril de 2018, Avicii foi encontrado morto em seu quarto de hotel em Muscat, Omã. Na época, sua família deu uma declaração emotiva à imprensa: "Ele não poderia continuar por mais tempo. Ele queria encontrar a paz." A causa da morte foi mais tarde confirmada como suicídio. Ele tinha apenas 28 anos. A morte de Avicii abalou a cena global de EDM e perguntas começaram a ser feitas: como ninguém reconheceu a dor dessa figura tão pública? A própria indústria da dance music foi responsável pela morte? E o que poderia ter sido feito para salvar sua vida? As pistas são fornecidas no filme Avicii: True Stories, que acompanha o DJ durante seus últimos anos de vida. Como em grande parte de sua carreira, ele tinha uma visão clara sobre o filme e o viu como uma extensão de seu legado criativo, financiando-o parcialmente e aprovando seu lançamento antes de sua morte. O diretor Levan Tsikurishvili trabalhou em estreita colaboração com ele, com acesso dentro e fora do palco. Ao lado da euforia inebriante de seus shows, vemos a confusão de Avicii enquanto ele está em uma cama de hospital, com sua saúde seriamente comprometida pela vida de DJ. "Todo mundo conhece Avicii, mas poucas pessoas conhecem Tim", disse Levan na época do lançamento original do filme, em 2017. "Ser um artista superstar mundial não é tão fácil quanto parece no Instagram." Avicii também usou o filme para jogar luz sobre como ele achava que a indústria da dance music tratava do bem-estar físico e mental dos artistas - algo que, segundo fontes, está mudando desde sua morte. Músicas de Avicii tomaram conta das paradas nos começo dos anos 2010 Em 2016, a organização Help Musicians UK publicou um relatório intitulado "Can Music Make You Sick?" (A música pode te deixar doente?, em tradução livre) e os resultados foram alarmantes: mais de 71% dos músicos entrevistados sofreram de ansiedade ou tiveram ataques de pânico, e 68,5% disseram ter problemas com depressão. Na dance music, "a morte de Avicii levou a saúde mental para os holofotes", diz Tristan Hunt, da Associação de Música Eletrônica (AFEM, na sigla em inglês). Posteriormente, a saúde mental e o bem-estar foram os principais tópicos das conferências Amsterdam Dance Event (ADE) e International Music Summit (IMS), em 2018. Realizada anualmente, a ADE e a IMS são os mais prestigiados eventos internacionais da indústria da dance music, e seus discursos principais podem definir o tom do debate para o próximo ano. Durante a palestra principal na IMS, Pete Tong, disc jockey da BBC Radio 1, falou sobre Avicii. "Nós [os DJs] não deveríamos morrer perseguindo nosso sonho", lamenta. "Nos meus 40 anos ao redor do mundo da dance music, não consigo pensar em uma única pessoa que tenha alcançado sucesso e não tenha pago um preço pessoal por meio da saúde, relacionamentos, divórcio, lares desfeitos, vício, depressão e ansiedade." É uma conversa que está acontecendo também no cenário underground da dance music, não apenas em Ibiza. Em Tottenham, no norte de Londres, a casa de techno The Cause atua em conjunto com a instituição de saúde mental Mind e a organização de combate do suicídio masculino CALM, dividindo seus lucros e usando sua programação para aumentar a conscientização sobre esses problemas. Avicii escreve carta para fã para explicar aposentadoria; ele falou de seus problemas de saúde mental ao anunciar decisão Em uma entrevista, o co-fundador do The Cause, Stuart Glen, citou a história de Avicii como um exemplo de como a indústria da dance music pode exacerbar uma doença. "A indústria é trabalho duro", ele diz, "com muitas madrugadas insones e pressões sociais. Isso pode colocar muita pressão sobre as pessoas. Avicii é um excelente exemplo, um homem no topo da carreira, que por fora parecia ter tudo, mas claramente precisava de ajuda." Diagnóstico e tratamento Um momento revelador em Avicii: True Stories começa logo após sua primeira hospitalização em 2014. Recebendo a notícia dos médicos de que sentirá uma dor considerável, Avicii e sua equipe discutem como continuar a turnê mundial apesar do diagnóstico. Depois de receber alta do hospital, ele é encaminhado para o próximo compromisso. Como ele visivelmente luta contra os efeitos da medicação, um membro de sua equipe pergunta se faria algumas entrevistas por telefone naquela tarde - eles precisam promover seu próximo show. Um Avicii aparentemente exausto olha pela janela, com dificuldades para acompanhar a conversa, mas concorda com as entrevistas. Clare Scivier é uma ex-gerente de artistas que deixou a indústria musical britânica em 1997 para se tornar uma psicóloga comportamental, trabalhando em estreita colaboração com gravadoras e empresas de gestão para abordar questões relacionadas ao bem-estar dos músicos. "Temos visto casos recentes em que deveria haver mais conscientização", disse ao site de notícias dos Emirados Árabes Unidos The National, em 2018. "E isso se resume à falta de educação. Agora talvez precisemos discutir um plano de longo prazo para um artista." Ao longo do filme, Avicii aparece em momentos de exaustão Quando Avicii anunciou sua aposentadoria, foi aberto com os fãs sobre seus problemas. "Eu sei que sou abençoado por viajar ao redor do mundo e me apresentar", ele escreveu em seu site em 2016, "mas muito pouco sobra para a vida da pessoa real por trás do artista… Meu caminho foi preenchido com sucesso, mas não chegou sem seus solavancos". Antes de fazer esse anúncio, Avicii é visto no filme viajando e gravando músicas com seus amigos ao redor dos EUA. Em um momento de silêncio no ônibus da turnê, ele fala sobre o que aprendeu com o trabalho do psicanalista Carl Jung. Em particular, sobre como diferentes personalidades são mais adequadas para diferentes tipos de situações e relacionamentos. Ele diz que isso o fez perceber que é um introvertido - odeia conversa fiada, mas "sofreu" para manter as aparências em uma indústria cheia de relacionamentos periféricos. Ele agora está em paz com o fato de que não pode mais fingir ser um extrovertido. O estilo de vida festeiro que caracteriza a indústria da dance music é descrito como a causa de um conflito entre a personalidade original de Avicii e a personalidade do DJ superstar que ele achava que esperavam dele. Estrelato x bem-estar Falando com a Associated Press após a morte do amigo, o produtor e guitarrista Nile Rodgers - que teve uma estreita relação musical e pessoal com Avicii - refletiu sobre a perda do artista que chamava de seu "irmãozinho". Enquanto prestava homenagem ao talento do DJ, que considerou "um dos maiores escritores natos de melodias com quem já trabalhei", a memória de sua última apresentação juntos - cerca de três anos antes da entrevista - foi prejudicada pelo hábito de bebida de Avicii. "Foi um pouco triste para mim porque ele me prometeu que ele iria parar de beber, e quando eu o vi naquela noite ele estava bêbado. E eu fiquei tipo 'Ei, cara, vamos lá. O que você está fazendo? O que você está fazendo? Você disse que isso tinha acabado'", lembrou Nile. "Nós fizemos o show e eu fiquei um pouco chateado. Eu nem sequer fiquei por perto para ver o show dele porque estava partindo meu coração. Mas nós ainda nos divertimos muito. Foi maravilhoso - nós éramos muito próximos." Em uma entrevista pouco antes do lançamento do filme, o próprio Avicii disse que não tinha prazer em assistir a outros músicos tocando, muito menos vontade de compor ou tocar suas próprias melodias. "Eu ainda estou traumatizado", admitiu. "Tim foi tão honesto sobre si mesmo", diz diretor de documentário sobre Avicii É um dos muitos momentos em Avicii: True Stories que mostra a luta entre o estrelato e o bem-estar, e como Avicii foi aberto sobre sua vida durante as filmagens. "Tim foi tão honesto sobre si mesmo", diz Levan. "Todos nós, de uma forma ou de outra, queremos compartilhar as histórias sobre quem somos e de onde viemos." No primeiro aniversário de sua morte, a história da Avicii começará um novo capítulo. Continuando seu trabalho filantrópico - que durante sua vida doou milhões para organizações que combatem a pobreza e a Aids - a família Bergling lançará neste mês a The Tim Bergling Foundation, uma organização dedicada à prevenção do suicídio e ao combate de doenças mentais. Em uma declaração pública, a família escreveu: "Tim queria fazer a diferença - começar uma fundação em seu nome é a maneira de honrar sua memória e continuar a agir em seu espírito". Por meio do filme, tanto fãs quanto pessoas que desconhecem sua trajetória podem vir a conhecer seu espírito. No futuro, a indústria de EDM pode aprender lições com a morte desse jovem tímido e talentoso, que ajudou a transformar o gênero. *Este artigo é baseado no documentário Avicii: True Stories, que conta a história de Tim Bergling. Feito a partir de imagens de arquivo e gravações de bastidores, o filme retrata a vida do DJ sob sua própria perspectiva. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Diante das polêmicas da cloroquina, veja outras apostas de tratamento em estudo para a covid-19
Na semana passada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu retirar temporariamente a droga hidroxicloroquina da sua lista de medicamentos em estudo para tratar a covid-19. A OMS alegou que não estava claro que o medicamento apresentava o nível de segurança necessário.
Seja com medicamentos já existentes ou começando do zero, atacando o vírus ou fortalecendo o sistema imunológico, há centenas de testes com tratamentos para a covid-19 em curso Nesta quarta-feira (3), a entidade anunciou que vai retomar os estudos com a droga. A suspensão aconteceu depois da publicação de um estudo sobre o medicamento no periódico científico The Lancet. O estudo coletou informações de 96 mil pessoas internadas com coronavírus em 671 hospitais de seis continentes e mostrou que não houve benefício no uso da hidroxicloroquina após o diagnóstico de covid-19. Além disso, seu uso foi associado a um risco maior de arritmia e de morte. De acordo com a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, a suspensão dos estudos sobre a hidroxicloroquina foi feita por precaução, devido ao fato de o estudo da Lancet ter sido feito com um número expressivo de pacientes e após questionamentos feitos por agências de saúde de vários países. Desde então, foi feita uma revisão dos dados disponíveis e o conselho do Solidarity, formado por dez dos países participantes (o Brasil não faz parte da lista), decidiu retomar os estudos com a droga. Fim do Talvez também te interesse "Com base nos dados sobre mortalidade disponíveis, os membros do comitê decidiram que não há motivo para modificar o protocolo do ensaio", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. A hidroxicloroquina é uma das quatro apostas de tratamento em análise no projeto internacional Solidarity, em que a organização coordena experimentos com pacientes em 18 países com a finalidade de verificar sua segurança e a eficácia no combate ao coronavírus. Estão na lista de medicamentos em estudo a hidroxicloroquina; remdesivir; lopinavir-ritonavir; e essas duas drogas combinadas com interferon beta-1a (confira detalhes sobre estudos com cada um destes quatro tratamentos abaixo). Os estudos com a cloroquina e hidroxicloroquina estão cercados de polêmicas. Sua adoção é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda que não haja evidências científicas suficientes de sua eficácia e segurança. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diz estar tomando a droga preventivamente, contrariando a recomendação oficial dos órgãos de saúde de seu próprio governo. Apesar da decisão da OMS, no Brasil, o Ministério da Saúde vai manter as orientações que ampliam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. Nesta quarta-feira (3), um novo estudo foi publicado no New England Journal of Medicine, com resultados sobre o uso preventivo da hidroxicloroquina. Ele concluiu que a droga "não preveniu quadro compatível com a covid-19 ou infecção confirmada" e que o relato de efeitos adversos foi maior entre os que foram administrados o medicamento, embora efeitos adversos graves não tenham sido observados. Além destas quatro frentes de aposta do projeto Solidarity, a OMS afirmou por e-mail à BBC News Brasil que está acompanhando mais de 700 estudos clínicos pelo mundo com diferentes medicamentos. Pelo menos 550 destes já estão recrutando pessoas para testes. A organização criou uma plataforma que reúne detalhes destes estudos, como país de origem e tipo de droga usado, em tempo real. Todos as quatro apostas do Solidarity já têm pelo menos um estudo envolvendo pacientes com covid-19 publicado em algum periódico de renome, com revisão de pares, e que segue critérios de excelência em pesquisa científica, essenciais para testar medicamentos — são estudos do tipo clínico randomizado controlado (RCT, na sigla em inglês), que envolve pacientes (clínico), divididos aleatoriamente (randomizado) em um grupo que recebe o medicamento e um grupo de controle, que não recebe medicamento, ou que é submetido a outro tratamento, com placebo, ou seja, os pacientes recebem um medicamento inócuo. Os medicamentos incluídos no Solidarity também foram testados ou já são comercializados para o tratamento de outras doenças, como malária e HIV. Este foi um critério importante para sua escolha por um painel de especialistas consultados pela OMS, pois, por não serem novas criações, há mais garantia de sua disponibilidade e qualidade das informações. Assim, o processo pode ser mais rápido — uma vantagem na comparação com remédios novos ou até vacinas para prevenção, cujo desenvolvimento também está a todo vapor na atual pandemia de coronavírus, mas começa do zero. A OMS está acompanhando mais de 700 estudos clínicos pelo mundo com diferentes drogas Ainda que alguns desses medicamentos testados para a covid-19 já estejam disponíveis no mercado, especialistas e autoridades orientam que nenhum deles deve ser usado sem indicação ou supervisão médica — até porque podem levar a uma falta dos itens para pacientes que precisam deles para tratar outras doenças, como ocorreu com a cloroquina. Essas drogas focam em inibir a replicação do vírus. Mas na ausência de uma que comprovadamente ataque esse coronavírus de forma eficaz, há também outros tratamentos em análise que estão sendo usados não para enfrentar o micróbio em si, mas para tratar as consequências que a infecção traz ao corpo. Veja nesta reportagem alguns estudos independentes já publicados sobre os tratamentos escolhidos pela OMS no Solidarity, que ainda não divulgou seus próprios resultados completos. Confira ainda outras drogas que estão sendo pesquisadas no Brasil. Ajustar expectativas Antes de começarmos a falar sobre estudo com outros medicamentos que estāo sendo realizados, é importante ressaltar que especialistas dizem que não há certeza de que haverá uma droga capaz de curar de fato a doença, e que a medida mais eficaz é a prevenção, seja hoje na forma de higiene e isolamento social ou eventualmente com uma vacina. O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Fernando Spilki, diz que não se deve esperar que um medicamento solucione o problema do coronavírus. Isso porque tratamentos contra vírus são difíceis de desenvolver. "Em tratamento viral, não tem Santo Graal, um remédio que cure. No caso da hepatite C, por exemplo, temos dificuldade para tratar até hoje. Nos pacientes de HIV, é possível controlar sinais clínicos, mas não sem efeitos colaterais e prejuízos à qualidade de vida. E isso é verdade com vários medicamentos e doenças", diz ele. Essa dificuldade, afima, vem do fato de que vírus usam a máquina celular do hospedeiro para se replicar. "Portanto, (ao atacar o vírus), o medicamento acaba inibindo algum aspecto da biologia celular que vai prejudicar o hospedeiro. Você minimiza (o vírus), mas tem efeitos colaterais." Spilki diz também que, além disso, um tratamento ministrado a longo prazo pode acabar se tornando inócuo, pois o vírus desenvolve resistência ao medicamento, assim como acontece com bactérias e antibióticos. Então, o que é realista esperar do desenvolvimento de tratamentos? "Alguns antivirais estão sendo usados - não para cura total, mas para minimizar os efeitos, reduzir o número de dias de internação no hospital. Além disso, há também terapias que tentam modular a resposta inflamatória do corpo", diz ele — essas não são voltadas para frear a replicação do vírus, mas para conter consequências da doença. "Esse tratamento que chamamos de suportivo é o que está salvando vidas", diz o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o médico Clóvis Arns da Cunha. Ele consiste de três pilares, explica: oferecimento de oxigênio; medicamentos contra o desenvolvimento de trombos (coágulos no sangue que podem ter como consequência uma série de problemas fatais); e tratamento das doenças crônicas que o paciente pode ter, como dar insulina para diabéticos, por exemplo. Remdesivir Remdesivir teve efeito 'certeiro' em testes com covid-19, comemorou em abril Anthony Fauci; resultados, porém, foram considerados 'relativamente modestos' por editorial O antiviral criado inicialmente para combater o ebola — sem no entanto passar da fase dos experimentos para a comercialização — é uma aposta importante nos Estados Unidos, de onde saiu um dos principais estudos recentes sobre o medicamento. Era do remdesivir que o médico Anthony Fauci, do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA (Niaid, na sigla em inglês) e um dos nomes mais importantes no combate ao coronavírus no país, estava falando no final de abril quando disse que testes realizados pelo órgão mostraram um efeito "certeiro" para tratar a covid-19. O estudo em questão é do tipo RCT e envolveu 1.063 pacientes com quadro moderado a crítico em diferentes países. Após a publicação do estudo, um editorial do New England Journal of Medicine classificou os resultados como "relativamente modestos". O principal deles foi uma diminuição no tempo para recuperação dos doentes, de 11 dias entre aqueles que receberam o remdesivir na veia e 15 o placebo. Também foi constatado menor percentual de mortalidade entre aqueles que receberam o remdesivir (7,1%) do que os que tomaram o placebo (11,9%), mas essa diferença não é considerada estatisticamente relevante. Efeitos colaterais sérios foram observados em 27% dos que tomaram o placebo e 21% no grupo do remdesivir — neste, os efeitos mais comuns foram anemia e insuficiência renal. Mas em ambos os grupos, nenhuma morte foi ligada aos tratamentos. "Nossos resultados preliminares dão suporte ao uso do remdesivir em pacientes hospitalizados com covid-19 e que precisam de suplemento de oxigênio. No entanto, considerando a alta mortalidade apesar do uso do remdesivir, é evidente que um tratamento apenas com um antiviral não é suficiente", conclui o artigo, sugerindo associação com outros antivirais ou tipos de medicamentos. O remdesivir inibe a replicação de vírus, como foi observado antes em testes com animais para a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). In vitro, com células cultivadas em laboratório, o medicamento também mostrou boa atividade contra o coronavírus que causa a covid-19 — mas isso precisa, para todo tratamento, ser ratificado em testes com pacientes. Pesquisadores chineses publicaram em abril um artigo no periódico Lancet concluindo que o "remdesivir não se mostrou associado a benefícios clínicos estatisticamente significativos" em tempo de recuperação ou mortalidade na comparação com um placebo. O estudo, também do tipo RCT, envolveu 237 adultos internados em estado grave por covid-19 em hospitais de Wuhan, cidade chinesa origem da covid-19. Mas este experimento acabou sendo limitado por medidas de isolamento, que atrapalharam o recrutamento de pacientes — o que os próprios autores reconhecem como um fator que pode ter influenciado nos resultados. Lopinavir-Ritonavir Também vem do New England Journal of Medicine o mais importante — por seu desenho e número de participantes, 199 — estudo publicado até aqui de tratamento para covid-19 com lopinavir-ritonavir, uma combinação usada no tratamento do HIV. O estudo, do tipo RCT, dividiu pacientes em um grupo recebendo a dupla lopinavir-ritonavir e outro o apenas tratamento padrão para covid-19 (com antibióticos e ventilação mecânica, entre outros). Não foi constatada diferença no tempo de recuperação (cerca de 16 dias nos dois grupos) —, parâmetro definido como prioritário no artigo. É digno de nota que os pacientes envolvidos estavam muito doentes, podendo ser nesses casos tarde demais para que o tratamento antiviral funcionasse. Os pacientes estavam internados em um hospital de Wuhan, China. Em indicadores considerados secundários no estudo, porém, a dupla lopinavir-ritonavir teve resultados ligeiramente melhores — mas estatisticamente não tão significativos — do que o tratamento padrão, como mortalidade no 28º dia de doença (19% no primeiro grupo e 25% no segundo); e tempo na UTI (6 dias versus 11). Efeitos adversos gastrointestinais, como náusea e diarreia, foram mais comuns no grupo lopinavir-ritonavir, mas consequências consideradas mais graves, como insuficiência respiratória e renal, foram mais frequentes no grupo do tratamento padrão. Como no estudo com o remdesivir, os autores do artigo no NEJM apontaram ser desejável que se realizem testes da associação lopinavir-ritonavir com outros medicamentos. Também foram publicados alguns estudos importantes sobre esta dupla, mas nestes casos ainda sem a chamada revisão dos pares (peer review) ou no modo pré-publicação (preprint) — neste caso, o trabalho foi revisado por especialistas independentes e aceito, mas ainda não foi publicado em uma edição completa do periódico. Um estudo deste tipo, em pré-publicação, dividiu 86 pacientes em grupos recebendo lopinavir-ritonavir; o antiviral umifenovir; ou tratamento padrão. Os pesquisadores, da China, não encontraram diferenças significativas nos parâmetros principais do estudo, como tempo para que o exame molecular desse negativo para o coronavírus e também desaparecimento de febre e tosse. Outro estudo, também chinês e publicado na plataforma Medrxiv, apostou no antiviral novaferon em comparação com lopinavir-ritonavir. Com 89 pacientes, o teste os dividiu em três grupos: aquele que recebeu apenas o novaferon; um segundo, com novaferon e lopinavir-ritonavir; e um terceiro, que foi tratado apenas com lopinavir-ritonavir. Em média, o tempo para que o vírus não fosse mais detectado por testes moleculares foi melhor nos grupos que receberam novaferon e novaferon com lopinavir-ritonavir (seis dias), do que naquele que recebeu apenas lopinavir-ritonavir (nove dias). Lopinavir-Ritonavir com interferon beta Como neste teste com o novaferon, uma das quatro frentes do Solidarity aposta na associação de medicamentos — mas, neste caso, a dupla antiviral lopinavir-ritonavir é associada ao interferon beta, um "imunomodulador" usado para fortalecer o sistema de defesa principalmente no tratamento da esclerose múltipla. O estudo mais completo a se aproximar desta tentativa foi publicado no Lancet por mais de 40 cientistas liderados pelo professor da Universidade de Hong Kong Kwok-Yung Yuen. Do tipo RCT, o trabalho envolveu 127 pacientes com quadros leves a moderados de covid-19. Os participantes foram divididos em dois grupos. Um recebeu apenas lopinavir-ritonavir (grupo controle); outro, lopinavir-ritonavir, interferon beta 1-b e também ribavirina, outro antiviral. Quem tomou este coquetel eliminou mais rápido (em média sete dias) o coronavírus segundo constataram testes moleculares, na comparação com quem recebeu apenas lopinavir-ritonavir (12 dias). Para tratar a infecção pelo novo coronavírus, algumas equipes de cientistas estão apostando em combinação de medicamentos Também foram constatados melhores resultados da combinação tripla no tempo para desaparecimento de sintomas (quatro dias, versus oito no grupo controle); e para alta do hospital (nove dias versus 14,5). Como nenhum paciente morreu durante o estudo, não foram considerados dados de mortalidade. Os efeitos adversos foram considerados leves e semelhantes nos dois grupos (relatado por cerca de metade dos participantes de cada grupo), incluindo principalmente diarreia, febre e náuseas. Agora, os autores querem verificar particularmente qual é o papel do interferon beta nos efeitos positivos, buscando responder se ele pode agir sozinho ou precisa mesmo ser combinado a outras substâncias. Enquanto a publicação no Lancet trabalhou com o interferon beta 1-b, a OMS incluiu no Solidarity o interferon beta 1-a. Ana Cristina Simões e Silva, professora titular da Faculdade de Medicina Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que as letrinhas distintas correspondem a "diferenças moleculares pequenas, que modulam de forma sutil o interferon" — esta sim a substância que mais importa. Ela esclareceu também por que a combinação com outros medicamentos pode ter feito tanta diferença nos resultados, em comparação com lopinavir-ritonavir isolado. "Quando se combina tratamentos, o objetivo é combinar mecanismos diferentes de ação. Por exemplo, um antiviral conjugado a uma droga que modula o sistema imune: você quer atuar em duas frentes, bloqueando a proliferação do vírus dentro da célula e controlando a resposta imune. Supõe-se que isso pode ser mais potente, pois você está como que 'atacando em duas frentes'", diz Silva, médica pós-doutora pelo Medical College of Wisconsin, nos EUA. Pode ser também que estas diferentes ações possam ser escalonadas por fases da doença, sugere a pesquisadora. "Para uma infecção inicial, o antiviral me parece ótimo, porque ele contém a disseminação do vírus. Mas em uma fase intermediária, fármacos que controlam o sistema imune podem entrar muito bem", aponta, lembrando que muitos quadros graves de coronavírus envolvem uma resposta exacerbada do sistema imunológico. Outras apostas O último boletim da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) registrou 347 estudos aprovados sobre o vírus aprovados até o dia 25 de maio no Brasil, parte deles, sobre diferentes tratamentos para a covid-19. Na lista estão testes com cloroquina, hidroxicloroquina, esses dois associados ao antibiótico azitromicina, com células mesenquimais, corticoide, com a transfusão de plasma sanguíneo de pacientes convalescentes da Covid-19, entre outros. Uma aposta do governo brasileiro é a nitazoxanida (comercializada como o vermífugo Annita). O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações está fazendo testes clínicos em 17 hospitais em sete Estados do país. Os testes estão sendo feitos em pacientes na fase inicial da doença, com sintomas leves ou assintomáticos, e também com sintomas graves da doença ou hospitalizados. Na ausência de uma droga que comprovadamente ataque o vírus, médicos apostam em tratamentos para lidar com as consequências que ele traz ao corpo Antes disso, foram feitos testes em laboratório para identificar medicamentos que tenham moléculas que possam inibir proteínas que são necessárias para que o vírus se replique. Foram feitos testes in vitro juntando seis delas com células infectadas com o SARS-CoV-2. O Annita foi o medicamento que apresentou maior eficácia, 94%. Pesquisadores ressaltam que bons resultados de pesquisas in vitro são apenas indícios de sucesso, pois o medicamento pode não funcionar da mesma maneira em humanos. O estudo em pacientes ainda não tem o número de participantes necessário, 500, para ter seus resultados divulgados. O caso da cloroquina e da hidroxicoloroquina A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina. A hidroxicloroquina é usada para tratar reumatoide, lúpus, e outras doenças autoimunes, e a cloroquina é usada para prevenir e tratar a malária. A esperança mundial de que a hidroxicloroquina pudesse ser um tratamento para a covid-19 começou na China, após um estudo feito in vitro, numa cultura de células, ter resultados positivos. No entanto, fenômenos observados in vitro podem não acontecer quando o medicamento é aplicado a seres humanos. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns da Cunha, menos de 10% das drogas testadas com sucesso in vitro têm o mesmo resultado em humanos. Em seguida foi feito um estudo na França em pacientes com covid-19, depois amplamente criticado pela comunidade científica pela falta de rigor em sua metodologia. A Food and Drug Administration (FDA), agência americana reguladora de alimentos e medicamentos, havia emitido em março uma autorização de "uso emergencial" da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento da covid-19 para um número limitado de casos hospitalares. Um mês depois, no entanto, diante de estudos apontando um elo entre os medicamentos e a incidência de arritmia cardíaca em pacientes, a agência advertiu contra o uso deles fora de hospitais ou de testes clínicos. Muitas pesquisas vêm sendo feitas, adotando uma variedade de metodologias. A maior delas foi publicada recentemente no periódico científico The Lancet. O estudo coletou informações de 96 mil pessoas internadas com coronavírus em 671 hospitais de seis continentes e mostrou que não houve benefício no uso da hidroxicloroquina após o diagnóstico de covid-19. Além disso, seu uso foi associado a um risco maior de arritmia e de morte. Após essa publicação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu suspender os estudos com a hidroxicloroquina no projeto Solidarity, mas nesta quarta-feira, após análise dos dados disponíveis, a entidade anunciou que eles serão retomados. A cloroquina não chegou a ser testada no escopo da pesquisa incentivada pela entidade. O estudo publicado no periódico Lancet é observacional — os cientistas não têm tanto controle sobre os grupos, seu recrutamento e monitoramento, como em um estudo RCT. Após a publicação do estudo, um grupo de mais de 100 cientistas enviou uma carta ao periódico onde pedem mais transparência a respeito dos dados usados na pesquisa e fazendo outros questionamentos. O grupo levanta dúvidas sobre a integridade dos dados e sobre a metodologia do estudo. O periódico publicou nesta terça-feira (2/6) uma nota em que alerta leitores de que "questões científicas sérias" foram trazidas à sua atenção e diz que os autores do estudo encomendaram uma avaliação independente dos dados, que deve ser tornada pública em breve. Outro estudo, esse do tipo clínico randomizado controlado e publicado no periódico científico British Medical Journal (BMJ), ou seja, avaliado por outros pesquisadores, concluiu que a administração de hidroxicloroquina não resultou em uma probabilidade significativamente maior de melhora entre pacientes hospitalizados com sintomas leves a moderados de covid-19. Os pacientes que receberam a droga, por outro lado, tiveram mais consequências adversas do que aqueles que não receberam, sendo a diarréia a mais comum delas. Os autores do estudo apontam algumas de suas limitações, sendo a primeira delas é o fato de que não foi usado medicamento placebo nem houve mascaramento - quando uma ou todos os envolvidos não sabem quem receberá o medicamento. Outra limitação citada é o número de participantes, 150, aquém do que os pesquisadores desejavam quando desenharam o estudo, que era de 200 participantes. Nesta quarta-feira (3), um novo estudo do tipo RCT foi publicado no New England Journal of Medicine, com resultados sobre o uso preventivo da hidroxicloroquina — foram acompanhadas 821 pessoas que tiveram exposição, por motivos pessoais ou profissionais, considerada próxima a infectados com o coronavírus. Estas centenas de participantes, dos Estados Unidos e Canadá, não tinham sintomas ou confirmação da doença por testes. Após esta exposição, um grupo recebeu um placebo e outro a hidroxicloroquina. Depois, passaram por testes moleculares ou exames clínicos (já que alguns locais reportaram falta de testes) para verificar se estavam infectados com o coronavírus. A diferença de número de confirmações de covid-19 nos dois grupos não foi estatisticamente significativa, de 11,7% no grupo que recebeu hidroxicloroquina versus 14,3% entre os que receberam o placebo — o que fez os autores concluírem que a droga "não preveniu quadro compatível com a covid-19 ou infecção confirmada". Já o relato de efeitos adversos foi significativamente maior no grupo da hidroxicloroquina (40,1% versus 16,8% no placebo), embora efeitos adversos graves não tenham sido observados. O infectologista Clóvis Arns afirma que as evidências mais sólidas que existem até agora são de que a hidroxicloroquina não mostrou benefício e pode, por outro lado, trazer riscos. No entanto, ainda são necessários mais estudos para que se faça qualquer avaliação consistente — principalmente estudos de "padrão ouro", randomizados, com grupo de controle e de grande escala. De acordo com a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan, a suspensão dos estudos sobre a hidroxicloroquina foi feita por precaução, devido ao fato de o estudo da Lancet ter sido feito com um número expressivo de pacientes e após questionamentos feitos por agências de saúde de vários países. A hidroxicoloroquina é um derivado mais brando da cloroquina Se não há remédios, como as equipes médicas estão tratando pacientes? Como ainda não existe um medicamento que possa comprovadamente impedir o avanço do vírus, uma solução é tratar pacientes dos problemas que advêm da doença. Nos casos mais leves, isso significa, por exemplo, tomar analgésicos e anti-inflamatórios como paracetamol, ibuprofeno ou dipirona. Para casos graves, médicos estão adotando alguns caminhos, como oferecer oxigênio por meio de respiradores, lidar com consequências da inflamação dos tecidos e tratar as doenças crônicas que o paciente possa ter. Pacientes de covid podem ter uma infecção tão grave que pode levar a uma reação desproporcional do sistema imunológico, que vem sendo chamada de "tempestade inflamatória". A inflamação é tal que pode prejudicar os órgãos. Pesquisadores acreditam que uma substância central para essa reação é a proteína interleucina 6, portanto, uma linha de aposta é administrar um medicamento que possa frear seu efeito, o tocilizumabe. A droga está sendo objeto de um ensaio clínico randomizado com 150 pacientes da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Também está sendo testada em 200 participantes pelo Albert Einstein, em estudo aberto - quando pacientes e médicos são informados do uso e dose da droga, sem placebo. Parte dos pacientes graves de covid-19 desenvolvem trombose, coágulos nos vasos sanguíneos - não se sabe ao certo qual proporção deles. Esses coágulos podem se formar nos capilares que envolvem o pulmão. Desse modo, esses coágulos, ou trombos, podem dificultar a circulação de oxigênio pelo corpo. Para isso, médicos têm administrado anticoagulante como a heparina a pacientes de covid-19 em estágios mais avançados da doença - os cerca de 15% do total de infectados que precisam de atendimento em hospital. Anticoagulantes são feitos para tornar o sangue mais líquido e evitar que ele se solidifique e forme coágulos. Liderando o uso e o estudo da droga anticoagulante heparina em pacientes do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, está a doutora Elnara Negri, professora do departamento de patologia, médica do Laboratório de Investigação Médica, do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pneumologista do Sírio-Libanês. Ela diz que a heparina deve ser usada apenas no grupo de pacientes que precisam ser hospitalizados e que ela deve ser usada com cuidado e exclusivamente com acompanhamento médico, pois pode ter como efeito colateral a hemorragia. Além disso, há uma série de contraindicações. Não pode ser usada, por exemplo, em pessoas que estão se recuperando de cirurgias, fazendo tratamentos oncológicos e outros. "De jeito nenhum deve ser administrado sem acompanhamento. As consequências podem ser graves", diz ela. Nos pacientes para os quais não há contraindicações, o uso e a dose devem ser avaliados constantemente por uma equipe médica. Neri e sua equipe publicaram os resultados num estudo pre-print - ou seja, que ainda não foi revisto por outros especialistas, passo importante para a validação de uma pesquisa. Outra limitação é que o estudo não teve grupo de controle, ou seja, os resultados não foram comparados com os de pessoas que não receberam o tratamento. Para tornar a avaliação do tratamento mais precisa, ela e sua equipe agora desenvolvem uma análise retrospectiva, comparando as situações de pacientes que tomaram heparina e outros que não tomaram. Isso, no entanto, ainda não é o bastante. Ela diz que o medicamento também será adotado para tratamento no HC da USP e que lá será feito um teste clínico randomizado e controlado, passo necessário para que um tratamento possa ser avaliado por sua segurança e eficácia. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Mobilização por abertura de escolas cresce, mas alta da covid-19 reacende medo de surtos
Um grupo de pediatras, a maioria de São Paulo, lançou no final de novembro uma campanha pela volta das aulas presenciais.
Médicos defendem que algumas medidas podem tornar as escolas seguras Eles estão preocupados com os efeitos nas crianças e adolescentes do longo período em que as escolas estão fechadas e dizem que há cada vez mais evidências de que não há porque mantê-las assim. "Queríamos levar o debate para o nível científico e informar a população, gestores públicos e outros médicos sobre a possibilidade da reabertura das escolas", diz a infectopediatra Luciana Becker Mau, uma das idealizadoras do programa Ciência Pela Escola. Eles lançaram mão de um manifesto, que reúne uma série de estudos, para defender que as aulas presenciais podem ser feitas de forma segura com algumas medidas. "A ideia é sair do plano de pensar em reabrir as escolas para pensar como fazer isso", afirma Mau. Fim do Talvez também te interesse Até agora, o documento já teve quase 8 mil assinaturas, inclusive de 2,8 mil médicos, entre eles mais de 1 mil pediatras, dizem os organizadores. Os médicos do grupo também se mobilizam na internet. "Estou nessa luta há vários meses, fazendo lives e tentando mostrar que a saúde da criança tem que ser pensada de forma mais completa", diz o pediatra Paulo Telles. O vídeo em sua conta no Instagram no qual ele fala sobre o manifesto já teve quase 600 mil visualizações. "Não tem justificativa para as escolas ficarem fechadas. Basta um pouco de investimento e priorização", defende Telles. Mobilização crescente (e controversa) O Ciência Pela Escola faz parte de uma mobilização crescente de médicos que argumentam ser possível retomar as aulas presenciais. Um grupo de pediatras do Rio de Janeiro lançou uma campanha paralela, a Lugar de Criança é Na Escola, e defende que "as consequências serão catastróficas para crianças, famílias e sociedade" se as escolas continuarem fechadas no próximo ano. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e a Sociedade de Pediatria de São Paulo dizem desde o final de agosto que dá para fazer uma retomada gradual seguindo alguns protocolos. "Além de não ter motivo para restringir a escola, temos que ver o outro lado: o quanto as crianças estão sendo prejudicadas por não ir à escola", diz o infectopediatra Marcelo Otsuka, que assina o documento em que o Cremesp defende a volta às escolas. Mas nem todos os médicos concordam que é seguro fazer isso, especialmente em meio à alta de casos que o país enfrenta nas últimas semanas, e não sem antes fazer todos os investimentos necessários. "A escola é muito importante, quase essencial, mas não podemos reabrir as escolas a todo custo. Fazer isso neste momento seria uma aventura", afirma o infectologista Hélio Bacha. A reabertura das escolas é questionada principalmente pelos representantes de profissionais de educação. "Hoje, não há como ter um ambiente seguro", diz a deputada estadual Maria Izabel Noronha (PT-SP), que é presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Crianças se infectam menos, mas transmitem menos? OMS aponta que 8,5% dos casos notificados são pessoas com menos de 18 anos Um dos principais argumentos de quem defende o retorno às escolas é que hoje se sabe que a covid-19 afeta menos as crianças. Quando a pandemia começou, diz Paulo Telles, as escolas foram fechadas tendo em mente que o novo coronavírus poderia ser semelhante a outros vírus respiratórios, como o influenza, que causa a gripe. As crianças costumam estar entre os mais afetados nos surtos de gripe. Mas a experiência mostrou até agora que elas respondem por uma proporção pequena dos casos e mortes por covid-19. "As crianças se infectam de duas a cinco vezes menos do que os adultos e, quando são contaminadas, são assintomáticas ou têm sintomas leves", afirma o pediatra. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 8,5% dos casos notificados são pessoas com menos de 18 anos, "com relativamente poucas mortes em comparação com outras faixas etárias". Mas, apesar da manifestação da doença não ser geralmente grave, casos críticos foram relatados. Assim como em adultos, ter condições médicas pré-existentes é um fator de risco. "Mas as crianças não são, como a gente imaginava em março, as principais responsáveis pela disseminação da covid-19", diz Luciana Becker Mau. O que ainda ainda não se sabe é exatamente por que isso ocorre. Estudos apontam que a carga viral de uma criança que está infectada, ou seja, a quantidade de vírus que ela carrega no corpo, é muitas vezes igual ou mesmo superior à de adultos, diz Marcelo Otsuka. Uma hipótese é que as crianças são menos suscetíveis à doença. Outra é que, como entre os mais jovens a covid-19 costuma ser mais leve, eles têm menos sintomas, como espirro, tosse e coriza. "Esses sintomas respiratórios são os que mais levam à transmissão", explica Otsuka. Mas pode ser também porque elas simplesmente tenham ficado mais isoladas do que os adultos. "E aí a gente não consegue saber a capacidade de transmissão das crianças, já que elas acabam pegando a doença de um adulto que trouxe o vírus para casa", diz o infectopediatra. Estudos são animadores, porém inconclusivos Uma revisão de 32 pesquisas apontou que crianças e adolescentes com menos de 14 anos têm uma chance 48% menor de serem infectadas pelo coronavírus em comparação com quem tem mais de 20 anos. Mas aqueles com idades entre 14 e 19 anos têm a mesma probabilidade de adultos. Os autores dizem haver evidências de que crianças e adolescentes têm um papel menor na transmissão do vírus, mas ressaltam que elas ainda são "fracas". Por fim, eles ressaltam que a maioria dos estudos analisados foram feitos quando medidas de distanciamento social vigoravam, o que pode ter afetado os resultados, assim como um esforço menor para rastrear os contatos feitos por pacientes com menos de 20 anos e uma testagem significativamente menor entre crianças. Um outro estudo usou modelos matemáticos para analisar os dados de epidemias de seis países e apontou que pessoas com menos de 20 anos são 50% menos suscetíveis a serem infectadas do que aquelas com 20 anos ou mais. "Consequentemente, concluímos que as intervenções destinadas a crianças podem ter um impacto relativamente pequeno na redução da transmissão", escrevem os autores. Mas eles advertem que novos dados coletados após a conclusão da pesquisa, publicada em junho, podem alterar estes resultados. Ou seja, as pesquisas científicas sobre a covid-19 em crianças e adolescentes são animadoras, mas não são conclusivas e deixam margem para dúvidas sobre o real perigo envolvido na reabertura das escolas. A OMS diz que mais estudos estão em andamento para avaliar o risco de infecção em crianças e compreender melhor a transmissão nesta faixa etária. Escolas podem ser seguras se transmissão do coronavírus for baixa, apontam estudos Escolas ficaram abertas em outros países Os médicos à frente dessa mobilização apontam também que, mesmo com uma segunda onda de infecções em outros países, as escolas permaneceram abertas. Eles ainda questionam a reabertura de outros setores da economia no Brasil enquanto as salas de aula continuam vazias. "Na Europa, fechou tudo, mas não fecharam as escolas. Então, é bem difícil entender por que está tudo aberto aqui, mas as escolas não podem reabrir com a adoção de alguns protocolos", critica Paulo Telles. Com determinadas medidas, defendem estes médicos, é possível reduzir o risco de infecção tanto para os estudantes quanto para os profissionais que trabalham nestes locais. Uma vez mais, eles indicam pesquisas que reforçam essa noção. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC, na sigla em inglês) aponta, por exemplo, que as investigações de casos em ambientes escolares sugerem que a transmissão de criança para criança não é a principal causa de infecção. "Se o distanciamento físico e medidas de higiene forem aplicadas, é improvável que as escolas sejam ambientes de propagação mais eficazes do que ambientes de trabalho ou lazer", diz o ECDC. O órgão afirma que a experiência de países europeus indicam que a reabertura de escolas não foi associada ao aumento da transmissão do coronavírus, embora ressalte há dados conflitantes sobre isso. "As evidências indicam ser improvável que, isoladamente, o fechamento de instituições educacionais seja uma medida de controle eficaz para reduzir a transmissão ou que isso forneça uma proteção adicional à saúde das crianças", afirma o ECDC. Taxa de transmissão alta favorece surtos Mas especialistas alertam que surtos podem ocorrer se as escolas forem reabertas enquanto a taxa de transmissão do vírus estiver alta. Um episódio grave ocorreu em uma escola de Jerusalém, dez dias depois do retorno das aulas presenciais em Israel, em meados de maio. Ao todo, foram infectados 153 alunos e 25 funcionários, além de 87 parentes e amigos das pessoas afetadas. Mas, onde a transmissão é baixa, a reabertura pode não representar um perigo tão grande, como mostra um estudo sobre a experiência do Estado de Nova Gales do Sul, na Austrália. Entre julho e setembro, 39 casos foram confirmados em 34 escolas. Foram identificadas 3.284 pessoas que entraram em contato com os pacientes, mas apenas 33 casos de transmissão foram detectados. A má notícia é que o Brasil atravessa uma crise muito pior do que a situação israelense na época (e, em relação à Austrália, nem se fala). Em maio, Israel tinha cerca de 15 casos diários por cada 1 milhão de habitantes. O taxa brasileira é hoje de 203 casos a cada 1 milhão de habitantes, considerando a média móvel de casos. A taxa de transmissão no Brasil medida pelo Imperial College, do Reino Unido, chegou a ficar em 1,30 no final de novembro, o maior índice desde maio. Isso significa que àquela altura 100 pessoas infectadas contaminavam outras 130, o que aponta para uma progressão em escala geométrica da pandemia. Só quando o índice fica abaixo de 1 é possível dizer que a pandemia está sob controle. Atualmente, a taxa é de 1,13, um nível ainda considerado alto. Neste contexto, o infectologista Hélio Bacha diz ser inviável reabrir as escolas. "Não podemos reabrir as escolas só porque as crianças costumam ter uma doença leve. Vamos expor toda uma comunidade de profissionais da educação, porque hoje não há um compromisso das autoridades em garantir as condições mínimas para esse retorno", afirma Bacha. Afastamento das escolas gera outros prejuízos além dos pedagógicos Alunos e professores correm risco em salas e transporte lotado A reabertura das escolas só pode ocorrer quando a epidemia estiver estabilizada, defende o médico. "E tem que negociar como isso vai ocorrer com os professores e outros trabalhadores, porque não vai adiantar nada reabrir as escolas se eles não forem trabalhar, como aconteceu na Itália", diz Bacha. Muitos profissionais de educação dizem que não se sentem seguros para voltar às escolas e questionam as condições em que isso vai ocorrer. A deputada Maria Izabel Noronha dá como exemplo a rede pública estadual de São Paulo para explicar sua objeção ao retorno programado pelo governo do Estado para fevereiro. "Existem cerca de mil salas de aula improvisadas, onde a circulação de ar é ruim. Temos salas lotadas, com 30, 40 alunos por turma. E, desde março, quando as escolas foram fechadas, não foram feitas reformas para readequar os ambientes escolares", afirma Noronha, que é professora. Ela diz ainda que não basta garantir a segurança das escolas, porque muitos alunos e professores precisa antes chegar até elas e, para isso, usam o transporte público. "Há uma lotação no transporte público que propicia um aumento da transmissão. As pessoas vão se contaminar ali e levar o vírus para dentro da sala de aula", diz Noronha. Em anúncio feito na última quinta (17/12), o governo do Estado de São Paulo afirmou que manterá o plano de retorno gradual às aulas presenciais em 2021, considerando as escolas como serviço essencial. Em áreas de maior índice de contágio, o plano prevê que as escolas recebam até 35% de seus alunos. Nas áreas de baixo contágio, de 70% a 100% dos alunos. "A escola não pode mais fechar. Neste momento de pandemia, as famílias precisam entender que é cada vez mais fundamental ter seus filhos frequentando a escola, para continuarem a aprendizagem e serem acolhidos em vários aspectos, principalmente emocionalmente", afirmou o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. No entanto, a opinião pública tem reservas quanto a isso: pesquisa do Datafolha apresentada nesta sexta (18/12) aponta que dois terços da população brasileira defende o fechamento de escolas como forma de conter a pandemia. Um prejuízo que vai além da educação Trata-se de uma questão urgente, porque o isolamento tem trazido outros prejuízos além dos pedagógicos. "Tem sido observado um aumento de problemas físicos, como obesidade, e também mentais, como ansiedade, depressão e distúrbios psiquitátricos", diz Luciana Becker Mau. Uma pesquisa da Unicef, o braço da Organização das Nações Unidas dedicado à infância, aponta que 54% das famílias que moram com pessoas com menos de 18 anos relataram que algum adolescente teve algum sintoma ligado à saúde mental. Além disso, 55% das famílias tiveram uma queda na renda domiciliar, e 8% dos entrevistados disseram que crianças e adolescentes que moram na mesma casa deixaram de comer por falta de dinheiro para comprar alimentos - a proporção chegou a 21% nas classes D e E. E, uma vez que fora das escolas, muitas crianças e adolescentes não estão estudando, ao menos não como deveriam: 52% das famílias disseram que os alunos não receberam atividades escolares na semana anterior à pesquisa. A representante da Unicef no Brasil, Florence Bauer, diz que o longo período com escolas fechadas e o isolamento social tem impactado profundamente a aprendizagem, a saúde mental e a proteção social de crianças e adolescentes. "A Unicef pede urgência aos novos governantes municipais para a reabertura de escolas com segurança e a implementação de políticas para garantir o direito à educação, olhando especialmente para as crianças e os adolescentes mais vulneráveis, que foram mais duramente impactados pelos efeitos da pandemia no país", diz Bauer. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Eleições 2018: Resultado marca 'troca de guarda na direita' e 'fim de lealdades partidárias', veem analistas
O primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras sinaliza a dissolução das atuais lealdades partidárias-eleitorais e mostra uma "troca de guarda" na representação da direita brasileira. E a disputa do segundo turno entre Jair Bolsonaro ( PSL ) e Fernando Haddad ( PT ) ainda está em aberto, segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Ambos os candidatos devem tentar se aproximar do centro político em campanha para o segundo turno, segundo Rafael Cortez Bolsonaro teve 46% dos votos válidos e Haddad, 29% - o petista venceu em 8 dos 9 Estados do Nordeste (Ciro foi o mais votado no Ceará) e no Pará. "De acordo com a literatura da licença política, isso é o que se chama de 'eleição crítica', onde as lealdades partidárias-eleitorais são dissolvidas. E em sistemas miltipartidários como o nosso, frequentemente há uma substituição na representação dos campos ideológicos", disse o cientista político Antonio Lavareda. Na prática, segundo o pesquisador, isso significa que houve uma "troca de guarda" no campo da centro-direita, com Bolsonaro ocupando o espaço deixado pelo PSDB. "Duas coisas explicam isso: a Lava Jato, que atingiu várias lideranças do PSDB e, em segundo e importante lugar, o fato de que o PSDB aderiu ao impeachment e, depois, apoiou o governo Temer, que se tornaria bastante impopular. Foi a conjunção desses fatores que subtraiu ao PSDB a condição de continuar ocupando esse espaço." O PT, por outro lado, se manteve a duras penas na liderança do campo de esquerda, evitando a substituição pretendida pela candidatura de Ciro Gomes. "O PT conseguiu se manter, em grande medida, por causa do impeachment, que o reposicionou como oposição. Aí ele conseguiu enfrentar os desgastes que o governo Dilma e a Lava Jato vinham causando. Então, teve um desempenho parecido com 1994." A atual eleição "rompeu a polarização entre PT e PSDB que já durava 20 anos", e é comparável ao que ocorreu nas eleições de 1989, as primeiras após a redemocratização, segundo a avaliação de Lavareda. "Em 1989, o PT substituiu Leonel Brizola e o (seu) PDT como principal representante da esquerda, e Fernando Collor de Mello substituiu os partidos mais representativos da direita como PFL e PDS. No centro você teve Mário Covas substituindo a candidatura de Ulysses Guimarães. Foi uma troca de guarda completa." Para cientistas políticos, liderança de Bolsonaro significa, na prática, substituição do PSDB no campo da direita PT poderia virar no segundo turno? A possibilidade de vitória de Haddad no segundo turno existe, mas é bastante reduzida, na opinião de Lavareda. Ele relembra que nunca houve virada desse tipo em eleições presidenciais no Brasil, e que "nunca um candidato que teve 47% dos votos no primeiro turno perdeu a eleição". "O fato de que Bolsonaro empolgou boa parte do eleitorado de maior escolaridade e renda mostra que se ele não tivesse rejeição elevada entre população de até dois salários mínimos e as mulheres, ele ganhava. O pouco que faltou para que ele ganhasse em primeiro turno lhe foi subtraído pelos mais pobres. Mas será um segundo turno disputado." Segundo o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, tanto Haddad quanto Bolsonaro precisarão "caminhar para o centro" na tentativa de vencer. Mas a eleição ainda está em aberto. "Essa eleição foi muito marcada por violência política e notícias falsas. Mas ela ainda não está encerrada", disse à BBC News Brasil. Cortez também vê a "troca de guarda no campo antipetista", mas ressalta que ainda não se sabe como o novo campo da direita irá se organizar politicamente. "Percebemos que o PSL fez bancadas com números expressivos para o partido, o que mostra que o peso do Bolsonaro se transferiu para diferentes competições. Mas veremos se Bolsonaro vai institucionalizar por via partidária esse apoio obtido nas urnas ou se vai preferir uma construção mais personalista desse antipetismo." O candidato afirmou, durante a campanha, que não faria alianças políticas que contrariasse seus princípios e que não precisaria fazer "loteamento de cargos" caso se tornasse presidente. O cientista político, no entanto, diz que isso vai ser difícil. "Vamos ter o teste se de fato essa retórica contra as alianças políticas via se sustentar. Se tem algo que não mudou na política foi a necessidade de gerar apoio qualificado no Congresso para aprovar as reformas constitucionais." O PSL elegeu mais de 50 deputados federais neste domingo, segundo dados preliminares. Em 2014, apenas um representante havia sido eleito pela sigla. O PT, que havia conseguido 70 assentos na Câmara dos Deputados em 2014, terá uma bancada também superior a 50 deputados - pelas projeções, continuará sendo a maior da Casa. E o PSDB, que teve 53 deputados eleitos nas últimas eleições, teria obtido cerca de 30 assentos.
Casal polonês batiza trigêmeos de João, Paulo e Karol
Os pais de trigêmeos nascidos na Polônia na quarta-feira decidiram chamar os filhos de João, Paulo (Jan, Pawel, em polonês) e Karol, em homenagem ao papa recém-sepultado.
Karol Wojtyla, o papa João Paulo 2º, foi padre e arcebispo na Polônia, onde nasceu, antes de se tornar papa em 1978. Os trigêmeos, nascidos na cidade de Bytom, no sul do país, gozam de boa saúde e devem deixar a maternidade em breve. A Polônia praticamente parou para homenagear o papa nesta sexta-feira, dia de seu sepultamento no Vaticano. Centenas de milhares de pessoas assistiram ao funeral do papa ao vivo por meio de telões instalados em um parque de Cracóvia. Segundo a agência de notícias polonesa PAP, uma outra criança recebeu o nome de Karol ao nascer na segunda-feira em uma ambulância do lado de fora do palácio do bispado em Cracóvia, onde o papa viveu e trabalhou.
Conheça dez maneiras de conversar com seu filho sobre peso
Nesta semana, o ministro da Educação do Reino Unido, Michael Gove, tirou sua filha de nove anos das aulas de balé depois que ela começou a demonstrar uma preocupação exagerada com seu peso.
Para especialistas, pais não devem fazer piada sobre peso de seus filhos A revelação partiu da mãe da menina, que é colunista do jornal britânico The Times. Segundo Sarah Vine, sua filha recusava-se a comer no dia em que tinha de dançar e insistia em usar um maiô menor do que seu tamanho normal. Embora o caso tenha ocorrido no Reino Unido, o tema é universal. Em vários países, como o Brasil, há uma constante preocupação com a aparência, e a obesidade, além de ser um crescente problema de saúde, é um fator de estigmatização pela sociedade. Muitos pais questionam-se sobre como devem conversar com seus filhos sobre o peso. Alguns deles temem exagerar na abordagem do assunto, sob risco de as crianças se tornarem obsessivas com sua aparência, ou mesmo provocar nelas distúrbios alimentares, como a anorexia. Não há uma maneira única de tratar o problema, dizem especialistas, que, no entanto, elaboraram dez recomendações, a pedido da BBC. Primeiro, é preciso falar sobre o assunto Alguns pais acreditam que quanto menos falarem sobre determinados assuntos com seus filhos, melhor. Mas para Andrew Hill, professor de psicologia médica do centro de ciências da saúde da Universidade de Leeds, é melhor que não haja barreiras na comunicação com os filhos. "Não é fácil", diz ele. "Mas se algumas questões forem levantadas, não dissimule. Vá direto ao ponto. A chave da questão é "por quê?". Eu quero saber por que esse comportamento está acontecendo. Se é algo que a criança viu na TV ou alguém lhe disse na escola, talvez seja algo doloroso. As preocupações demonstradas pelos pequenos costumam ser sintomas de outros eventos – portanto, resolva-as e outros comportamentos tendem a se estabilizarem". O peso de uma criança é motivo de preocupação, ele diz, mas isso é volátil e pode ser temporário. As meninas em uma idade em particular – quando chegam à puberdade, por exemplo – tendem a se comparar mais com as colegas, acrescenta Hill. Na média, durante a transição para a idade adulta, o seu índice de gordura corporal chega a dobrar. Segundo o psicólogo, os meninos também passam por mudanças no corpo, mas de outra forma: eles tendem a ganhar mais músculos. "Quando as meninas se comparam, elas estão normalmente em diferentes pontos de seu desenvolvimento físico. Conversar com elas é uma forma positiva e garantida de lidar com o problema. O 'X' da questão é mostrar às meninas que elas não precisam ser tão autoexigentes consigo mesmas." Não entre em pânico Um pai nunca deve entrar em pânico se seu filho lhe perguntar se está gordo, diz Paul Gately, professor de exercício e obesidade na Leeds Metropolitan University, na Inglaterra. "Conheço pais que ficam muito medrosos. A cada pergunta para a qual não estão preparados, eles tremem. Mas essa reação pode levar os filhos a pensar: o que eu desencadeei?", acrescenta Gately. Muitos pais, afirma o especialista, "tentarão tapar o sol com a peneira ou dizer que a seu filho que não se trata de um problema. Mas se há realmente um problema, a criança corre risco de ser vítima de xingamentos na escola e isso pode acabar fazendo com que ela perca a confiança em seus pais". "A troça e o bullying de crianças com sobrepeso na escola é endêmica", analisa Gately. "Se uma criança mencionar o assunto, não evite abordá-lo. Pais precisam ouvir mais seus filhos. A criança precisa expôr seu ponto de vista da maneira como se sente mais à vontade." Esteja preparado Com a obesidade em alta, os pais que se preocupam com o peso de seus filhos podem se preparar anteriormente para uma conversa que inevitavelmente acontecerá, diz Gately. "Os pais vão se beneficiar disso porque não serão pegos de surpresa", diz ele. Na avaliação do especialista, os pais devem tentar criar um ambiente favorável a esse tipo de conversa. Assim, segundo ele, quando a criança quiser falar sobre o assunto, ficará mais à vontade. Além disso, ele recomenda que a família mantenha hábitos saudáveis, de forma a estimular que os filhos façam o mesmo. Ele ressalva, entretanto, que qualquer mudança tem de ser feita lentamente. Caso contrário, poderá causar problemas. Traga o assunto à tona Os pais devem trazer o assunto do "peso" à tona antes de seus filhos? "Faça a sua própria avaliação – se seus filhos não querem falar sobre isso, não corra o risco de criar uma briga em família. Mas se continuar preocupado com a situação, busque auxílio da professor ou mesmo do médico da família", afirma Hill. Mary George, de uma entidade que trata crianças com distúrbios alimentares, acredita que se um pai está preocupado com a alimentação de seu filho, deve pedir ajuda a um médico da família ou um enfermeiro. "Há sempre maneiras de dizer a mesma coisa de outra forma – fale, por exemplo, que a família toda vai fazer um check-up geral". Trate o assunto com leveza Pais devem abordar distúrbios alimentares de seus filhos com leveza, alertam especialistas Um pai que sinta que precise conversar sobre o peso de seu filho com ele, deve agir com delicadeza ao abordar a questão. Para especialistas, uma das maneiras é perguntar à criança se ela se sentiria mais confortável caso tivesse outro peso, diz a psicóloga e escritora Amanda Hills. "Se a resposta for afirmativa, então ofereça ajuda a elas fazendo uma comida mais saudável – e exigindo delas força de vontade para cumprir a meta". A chave é guiá-las e nunca controlar os hábitos alimentares dela como um general, diz a psicóloga. "Muitos distúrbios alimentares acontecem quando as crianças não têm controle sobre si mesmas", diz Hills. "No entanto, trate o assunto com leveza. Não diga, por exemplo, que uma comida é boa ou ruim. Caso ache que um determinado alimento não é o melhor para o seu filho, aborde a questão de forma casual. Não fique obcecado por isso". Mostre a seu filho o quanto ele é especial "Mais e mais crianças e adolescentes estão preocupados com a sua imagem", diz Mary George. "Com isso, perde-se um pouco da infância". Se seu filho trouxer o assunto à tona, não evite abordar o tema, mas tente lhe mostrar o quanto ele é especial, diz George. "Encoraje-o em outras áreas – diga o quanto eles são generosos, caridosos, felizes, o que vai tirar a atenção do peso". Nunca faça piadas Muitos pais não percebem que ao fazerem uma piada sobre o peso de seu filho, podem afetá-lo por toda a vida, diz Hills. "Um pai, por exemplo, nunca deve chamar a sua filha de 'gordinha'. O mesmo se aplica a um marido que faça piadas sobre o peso de sua esposa, ou vice-versa". Pais também devem ser cuidadosos em não "contaminarem" seus rebentos, ao fazerem brincadeiras, por exemplo, sobre o peso de outras pessoas. "A criança interpretará tal atitude como correta". Seja moderado em relação à própria aparência Pesquisas mostram que a criança é afetada pela imagem que a mãe faz de si mesma e como ela trata a comida, diz a psicóloga Amanda Hills. Nos Estados Unidos, essa situação já tem nome: "thinheritance", algo como "herança da magreza", em tradução livre. "É crucial que a mãe nunca diga que esteja de dieta", diz Hills. "Todas as pessoas com distúrbios alimentares que eu já atendi tinham uma mãe – ou um pai – que demonstravam um comportamento obsessivo com a comida". Mas como explicar à criança caso a mãe ou o pai evite ingerir um alimento, justamente porque está de dieta? "Diga algo como: Mamãe não vai comer essa batata porque já terminou de crescer", responde Hills. A psicóloga alerta para o fato de que, nesse caso, os pais nunca devem montar um prato com alimentos diferentes dos que oferecem a seus filhos, pois, assim, podem confundi-los. Ela faz, no entanto, uma ressalva. "Se um dos pais – ou os dois – está frequentando o 'Vigilantes do Peso', por exemplo, não há por que esconder isso dos seus filhos, pois normalmente significa que eles estão precisando perder peso e devem mostrar a seus rebentos como lidar com tal problema". Estimule seus filhos a aprender com os próprios erros Se uma criança está preocupada com seu peso, os pais devem criar uma situação em que ela aprenda com seus próprios erros, argumenta Andrew Hill. Segundo o especialista, eles precisam ganhar autoconfiança e aperfeiçoar suas próprias competências. Nesse caso, os pais devem, por exemplo, estimular seus filhos a sair com os amigos para praticar um exercício físico, nunca focando no sobrepeso da criança em si. Monte uma agenda nutricional As crianças consomem de 60% a 70% de sua ingestão calórica diária em casa. Portanto, segundo Hill, os pais devem montar uma agenda nutricional. "Crianças mais velhas têm mais liberdade e também maior poder financeiro – a chave para isso é aconselhá-las sobre como definir prioridades porque mais tarde elas serão responsáveis por suas próprias escolhas."
'A gente não pode naturalizar o sofrimento', diz irmã de Matheusa Passareli, trans morta no Rio
Gabe e Matheusa Passareli Simões Vieira costumavam dizer desde a adolescência uma frase que resumiria seus destinos: "de Rio Bonito para o mundo".
Matheusa, ou Theusinha, cursava o terceiro período do curso de artes visuais da UERJ e estava fazendo um curso na Escola de Artes do Parque Lage "A gente sempre soube que ia sair de Rio Bonito", conta Gabe, prestes a completar 23 anos, sobre um dia deixar a cidade natal, no interior do Rio de Janeiro, e ir viver na capital do Estado. "Falávamos isso porque nosso desejo era buscar experiências. A vida tá no encontro com a diferença, em produzir algo novo desse encontro com o estranho." As irmãs negras, filhas de uma frentista e de um despachante de ônibus (funcionário que organiza a chegada e a saída dos veículos dos terminais), conseguiram deixar a cidade de 55 mil habitantes. Primeiro foi Gabe, a mais velha, que, em 2013, entrou no curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2015, Matheusa também passou no vestibular e conseguiu uma vaga no curso de Artes Visuais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Nesses dois anos morando juntas no Rio, tornaram-se figuras conhecidas na cidade em que escolheram viver. Eram influenciadoras digitais e ativistas de identidade de gênero nas redes sociais. As duas, que nasceram Gabriel e Matheus, se apresentavam como "bichas travestis" ou "transexuais não-binárias", que não se identificam com o gênero masculino, nem o feminino. "É um lugar de intersecção entre ser homem e mulher. É uma questão mais de comportamento, de acabar com o 'ele' e 'ela', do que de mudança de sexo", diz Gabe Passareli à BBC Brasil. Na madrugada do último dia 29, Matheusa, ou Theusinha, como os amigos a chamavam, desapareceu após ir a uma festa no bairro Encantado, perto da favela Morro do 18, em Água Santa, na zona norte do Rio. Na segunda, 7, Gabe avisou aos amigos que a Polícia Civil carioca confirmou que Matheusa havia sido executada. "Seu corpo, também segundo informações da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), foi queimado e poucas são as possibilidades de encontrarmos alguma materialidade, além das milhares que a Matheusa deixou em vida e que muito servirão para que possamos ressignificar a realidade brutal que estamos vivendo", postou a irmã no Facebook. As irmãs Matheusa (à esq.) e Gabe Passareli Júri de traficantes Matheusa, segundo a irmã, tinha começado a fazer tatuagens com uma técnica chamada "handpoked", usando apenas agulha e tinta, sem máquina. Horas antes de ser morta, ela foi ao bairro do Encantado, na Zona Norte do Rio, para tatuar uma amiga que comemorava aniversário naquele dia. Testemunhas relataram que ela se sentiu mal e deixou a festa falando coisas desconexas. No caminho, ainda segundo relatos, ela tirou a roupa. De acordo com a delegada Ellen Souto, da Delegacia de Paradeiros, Matheusa foi parar no Morro do 18, a dois quilômetros da festa onde estava. Em entrevista ao telejornal "RJ TV", Souto afirmou que a estudante estava nua quando um grupo de traficantes resolveu submetê-la a um julgamento informal. Em meio à situação, Matheusa parecia alheia e seguia dizendo frases desconexas. De acordo com a polícia, a reação de Matheusa teria precipitado a execução por parte dos traficantes. "A Matheusa não se drogou voluntariamente (na festa). Isso foi algo que todas as pessoas que foram dar testemunho afirmaram. Mas que involuntariamente isso poderia ter sido uma questão. Podem ter colocado algo na bebida dela", afirma Gabe. Segundo ela, a irmã também não tinha histórico de doença psiquiátrica. "Ela nunca foi diagnosticada com surto psiquiátrico. Que ela estava em situação de crise e grande estresse ali (na festa), é fato. Alguma coisa aconteceu na festa, houve algum tipo de gatilho (para ela se comportar da maneira relatada)." "Eu jamais na minha vida imaginei que sofreria algo desse tipo, de tamanha violência", desabafa Gabe. Bicha travesti Gabe diz que, até o dia da morte de Matheusa, nenhuma das duas havia sofrido violência física ou ameaças. A tensão, no entanto, fazia parte da vida das irmãs desde crianças, segundo Gabe, por elas não "se encaixarem no que as pessoas entedem como corpos de menino e de menina". Na adolescência, as duas contaram uma para a outra que eram gays - primeiro foi a mais velha e, depois, Matheusa. Um tempo depois, começaram a questionar o conceito de gênero, vendo que não se encaixavam em apenas um deles, passaram se identificar como "bichas travestis" e a adotar um visual fluido, cheio de referências femininas. "Nunca sofremos agressão física, mas o olhar mata também, a violência verbal, o modo como alguém se aproxima de um outro corpo também mata. Sofremos sempre vários tipos de violência", afirma Gabe. Matheusa usava sua arte para questionar principalmente os conceitos de gênero e de raça - gostava de dizer que era uma "bicha preta". Ela participava de dois coletivos performáticos LGBTs: o Seus Putos, formado na UERJ, que se define como um grupo "de ações estético-políticas e práticas teóricas de crítica às instituições de opressão e aos padrões normativos", e o Xica Manicongo, movimento de arte, cultura, militância e ativismo. A estudante adotou a performance como uma de suas principais maneiras de expressão artística no início da faculdade de artes visuais. Recentemente, havia participado de uma na feira SP-Arte, em São Paulo. Matheusa estava iniciando uma pesquisa sobre "performance e linguagem queer" em um curso de formação artística da tradicional Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), no Rio. Theusinha havia sido selecionada como aluna-bolsista da escola. Gabe conta que a relação da irmã com a arte começou ainda na infância, em Rio Bonito, muito estimulada pela mãe. "A gente tinha nosso próprio bloco de Carnaval, fazíamos nossas coisas com liberdade e assim fomos sendo criados. E tudo foi encaixando num processo muito natural, fluido", conta. "A gente não acredita que a arte esteja desvinculada da vida. A Matheusa sempre dizia que na arte era necessário extrapolar sempre o quadro." Antes entrar para a EAV, Matheusa havia feito um curso para ser arte-educadora e chegou a trabalhar por um período no Museu do Amanhã. A estudante tentava sobreviver com uma bolsa de R$ 500 que recebia da universidade, mas o dinheiro não era suficiente. Na última foto que postou no Instagram, pedia ajuda para encontrar um quarto para morar - ela e a irmã viviam com uma família em Vila Isabel. Passarela A moda também era uma das coisas de que gostava e com a qual se expressava. Recentemente, passou a fazer parte de uma agência de modelos chamada Squad, que se apresenta como representante de pessoas "fora do padrão". Em janeiro, Matheusa pisou na passarela da semana de moda paulistana Casa dos Criadores, exibindo uma roupa do estilista Fernando Cozendey. Entrou na passarela segura de si, usando um vestido preto transparente com uma tanga fio-dental visível por baixo - e uma plateia grande assistindo. Ela mais uma vez mostrava que tinha saído de Rio Bonito para o mundo. Ela também participava de uma rede chamada Jacaré Moda, que trabalha potencializando a periferia do Rio por meio da moda. Matheusa adorava moda e era contratada de uma agência de modelos; ela desfilou na semana Casa de Criadores, em SP LGBTfobia e direitos humanos Embora afirme não querer culpar ninguém ou fazer especulações sobre as investigações em andamento, Gabe diz que o assassinato da irmã é um atentado aos direitos humanos e que pode ter sido motivado por ódio à população LGBT e por racismo. Um relatório do Grupo Gay da Bahia, que há 38 anos produz estatísticas sobre assassinatos de trans e gays no Brasil, registrou 445 homicídios desse tipo em 2017, um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Os dados corroboram outros relatórios de entidades internacionais como a Transgender Europe, que apontam o Brasil como o campeão mundial de assassinatos de transexuais e travestis. Por meio da assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio, a delegada Souto disse à BBC Brasil que não descarta qualquer motivação na execução de Matheusa, porque as investigações ainda não foram concluídas. "Eu acho que quando fala de direitos humanos estamos falando de diferenças de personalidades, gênero, raça, sexualidade, capacidade. Não acho que o que aconteceu com o Matheus (ela chama a irmã tanto pelo nome de batismo quanto pelo adotado mais tarde) se configure apenas na questão da LGBTfobia. Envolve racismo, muitas coisas" e não pode ser tratado na superficialidade. "Tiraram o maior direito dela, que era o de viver. Então, espero que sejam criados espaços para falar de direitos humanos", diz ela, que espera que os criminosos sejam punidos. Trecho de um fanzine que Matheusa fez como trabalho de faculdade em 2017, chamado 'O Rio de Janeiro continua lindo e opressor' "O que aconteceu com o Matheus é mais um exemplo de que as violências sobre muitos corpos ainda estão acontecendo. E muitos corpos acabam sendo mais mortos dos que outros. Mas a gente não pode naturalizar o sofrimento. Eu não vou permitir que essa dor vire paralisia. Luto é verbo e eu continuo lutando." A irmã de Matheusa também diz que não tolerará qualquer tipo de comentário que pretenda questionar o comportamento dela ou tentar fazer algum tipo de associação ao crime como causa de sua morte. "Se isso vier a acontecer, essas pessoas serão responsabilizadas. Afinal, crime de ódio também é crime." Para Gabe, os assassinatos de Matheusa e Marielle Franco, no intervalo de dois meses no Rio, dialogam de uma certa maneira. "Se eu puder fazer uma interseção entre esses assassinatos é: por que figuras tão representativas na nossa atualidade continuam morrendo? Imagina a quantidade de mortos que nem chegam até a gente", diz. "E tanto o corpo da Matheusa quanto o da Marielle são de negros. Mortes como essas só fazem a manutenção da escravidão e a tentantiva de extermínio do povo negro."
'Os miseráveis que receberam um auxílio se tornaram lulistas de carteirinha', diz André Singer
Há quase três meses na prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém suas intenções de voto no patamar de 30% nas pesquisas eleitorais para a sucessão presidencial . A resiliência dos números do petista, segundo o cientista político André Singer, é fruto da lealdade de eleitores que superaram a miséria no período entre 2003 e 2010 graças a políticas públicas, como o Bolsa Família, criadas pela gestão petista.
Singer: 'Se houve um afastamento entre Dilma e Lula, o momento de maior afastamento foi exatamente aquele pós-reeleição dela, em que há praticamente uma ruptura' De acordo com Singer, esse grupo de eleitores - pobres, conservadores e até então avessos a candidatos de esquerda - se converteu à Lula em 2006 depois de ver implementado um programa de governo que, de forma não revolucionária, reduziu a pobreza sem alterar o status quo da sociedade brasileira, o chamado lulismo. Doze anos mais tarde, esse eleitorado se mantém fiel, embora nesse meio tempo, o lulismo tenha ido do auge - com a reeleição de Lula e a chegada de Dilma Rousseff ao Planalto - à crise, com as jornadas de junho de 2013, o impeachment da petista, em 2016, e a prisão de Lula em 2018. Ex-porta-voz do governo Lula e uma das principais vozes intelectuais dentro do PT, Singer se debruça sobre as razões do declínio do lulismo em seu recém-lançado O Lulismo em Crise (Companhia das Letras). Para ele, os movimentos de Dilma para tentar acelerar as transformações sociais trazidas pelo lulismo - por meio de forte intervenção na economia e política econômica desenvolvimentista -, sua aversão a antigos aliados partidários e seu estilo pessoal de gestão a levaram à queda. Em entrevista à BBC News Brasil, ele analisa os movimentos que levaram ao impeachment de Dilma e destrincha seus efeitos para o cenário atual de sucessão presidencial. BBC News Brasil - Se Lula tivesse sido eleito em 2014, no lugar de Dilma, o desfecho do impeachment e crise teria sido o mesmo? André Singer - Provavelmente não. Provavelmente ele teria de início enfrentado as mesmas dificuldades porque o quadro que estava posto já era um quadro muito difícil, já que os dois ensaios que a Dilma realizou, o desenvolvimentista e o republicano, acabaram gerando duas frentes opostas. No entanto, o Lula é um político com uma habilidade e com um acúmulo de experiência que talvez hoje não tenha igual no Brasil tirando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - eles são relativamente paralelos embora haja diferenças entre ambos. Com essa experiência e essa capacidade, ele teria enfrentado essas mesmas dificuldades de outra maneira. E ele não se furtou a dar sugestões para Dilma, na verdade mais do que sugestões, ele deu uma orientação sobre o que ela deveria fazer logo após a reeleição. Esse é, aliás, um momento muito agudo de todo o processo que levou ao impeachment porque, se houve um afastamento entre Dilma e Lula, o momento de maior afastamento foi exatamente aquele pós-reeleição dela, em que há praticamente uma ruptura. Entre novembro de 2014 e outubro de 2015, a ex-presidente Dilma resolveu fazer tudo por conta dela, quase como se estivesse imaginando que aquele era o momento de fazer o seu governo, o que se mostrou um erro de cálculo incrível. Não que ela não tivesse direito a fazer o governo dela, mas o problema não está na legitimidade, mas tinha contra ela uma frente antidesenvolvimentista muito poderosa e uma frente antirrepublicana majoritária no Congresso, como já estava evidente com a vitória de Eduardo Cunha em fevereiro de 2015. Singer admite que, se Lula tivesse sido eleito em 2014 no lugar de Dilma, impeachment poderia não ter ocorrido BBC News Brasil - A atuação de Dilma em relação à Operação Lava Jato gerou mal-estar no PT? O combate à corrupção abalou a sustentação dada pelo partido a ela? Singer - Esse assunto nunca ficou claro, e a pesquisa que eu fiz não permite fazer afirmação categórica a respeito. O que aparece aqui e ali é que houve resistência de setores em relação a determinadas medidas, mas isso nunca ficou explícito e o partido nunca tomou uma posição oficial contrária ao movimento que ela fez no sentido de retirada de círculos clientelistas incrustrados no Estado, ou seja, sobre isso não há elementos claros. BBC News Brasil - O lulismo errou em sua interpretação sobre a mobilidade das classes? Há fidelidade entre os pobres e o lulismo? Singer - Você tem um primeiro movimento que é a ascensão dos miseráveis. Esse é o mais forte de todos os movimentos que o lulismo produziu. Segundo o economista Valdir Quadros, tínhamos 24% de miseráveis em 2002 e essa proporção cai para 7% em 2014, na população brasileira. Aqui você tem uma redução importante e que tende a ser estrutural. Quanto a isso, não houve engano, os dirigentes do lulismo entenderam bem o que estava acontecendo e souberam tanto gerenciar esses programas que levaram a esse resultado quanto compreender os seus limites. O que houve foi um aproveitamento de propaganda, tentando em algum momento fazer com que parecesse que esses brasileiros que saíram da miséria estavam indo direto para uma condição de classe média, como se fosse praticamente um milagre, o que na realidade não aconteceu. O que aconteceu foi um movimento importante de saída da condição miserável de uma parcela expressiva da população, mas que entrou numa condição de pobreza, não de classe média. E é por isso que quando você olha para o número de pobres, segundo os dados do Valdir Quadros, em 2002 nós tínhamos 29% de pobres e esta proporção cai para 23%. A redução é muito menor, não porque os pobres de 2002 não tenham melhorado de vida, eles certamente melhoraram, mas foram substituídos por novos pobres que eram os antigos miseráveis. Com isso, o estoque de pessoas em condição de pobreza ficou relativamente estável. Eu não estou subestimando a importância dessa ascensão, porque significa a diferença entre comer três vezes ao dia e não comer. De acordo com Singer, eleitores muito pobres que melhoraram de vida graças a programas sociais compõem hoje o eleitorado de Lula Esses antigos pobres que melhoraram de condição, e foram em número expressivo, de dezenas de milhões, entraram no que chamo de uma nova classe trabalhadora. E aí, sim, houve um engano dos dirigentes do lulismo, que não se aplicaram ao trabalho de politização dessa nova classe trabalhadora. Ela precisaria ter sido conscientizada de que não estava mudando de condição apenas por seus próprios méritos, mas, sim, porque houve um conjunto de políticas públicas orientadas para ajudar esse setor a mudar de condição. Não existindo esse trabalho de politização, você encontra uma quantidade significativa de pessoas que transitaram de uma condição de pobreza para a nova classe trabalhadora e que entendem que essa ascensão decorreu de seus méritos individuais. Claro que os méritos individuais existem, mas quando você olha para o conjunto, para o movimento de classe, você percebe que o mérito individual não é suficiente. Uma pessoa pode ser muito trabalhadora e talentosa, mas se não tem emprego disponível, ela não consegue. BBC News Brasil - Para os miseráveis, o lulismo ficou marcado por conta de políticas como o Bolsa Família, é isso? Já o pobre que ascendeu não teve uma marca tão forte a ligá-lo com o lulismo? Singer - É exatamente isso, e isso tem um resultado político muito importante. Porque os antigos miseráveis que receberam um auxílio, esses se tornaram lulistas de carteirinha, tão fiéis que agora estão declarando voto no ex-presidente Lula mesmo ele estando preso. Os outros não tiveram essa percepção, uma parte significativa dos antigos pobres que se tornaram classe trabalhadora não perceberam esse movimento como um resultado de lulismo e não estabeleceram esse canal de lealdade que os antigos miseráveis estabeleceram. BBC News Brasil - Por outro lado, há uma fatia do eleitorado que votava em Lula e agora expressa preferência por Bolsonaro. O que explica esse movimento? Singer - O que está motivando o grosso da intenção de voto no ex-presidente Lula é a memória que ficou de um tempo melhor e a associação do lulismo com uma ascensão social que abria novas perspectivas de vida, as pessoas querem que isso volte. Isso é um elemento forte. A passagem de eventuais eleitores que declaram voto no ex-presidente Lula e na ausência dele podem declarar a intenção de votar no Bolsonaro está ligado ao fato de que, provavelmente, também para estas pessoas, a questão da segurança passou a ser prioritária. Esse é um fenômeno novo no Brasil: juntamente com a aspiração por emprego, saúde e educação, há o desejo por segurança pública. Houve um aumento significativo da criminalidade no Brasil nos últimos 20 anos, e em certas periferias metropolitanas fala-se em uma situação desesperadora. É compreensível que pessoas que tenham uma certa distância da informação política e do debate político não identifiquem a enorme polarização que existe entre Bolsonaro e Lula, porque na realidade, quando você olha mais de perto, percebe que o Bolsonaro e seus eleitores querem eliminar o lulismo. Então é claro que há uma certa dessintonia entre poder transitar de um voto no ex-presidente Lula em um voto no Bolsonaro, mas creio que a explicação está na segurança pública. BBC News Brasil - A segurança vai ser mais importante do que a economia na definição do voto? Singer - Eu não diria que tenha se tornado mais do que a economia. Essa questão do que é mais determinante no voto tem que ser estudada empiricamente. Minha intuição diz que a economia continua sendo determinante, mas, no rol de peso de variáveis, segurança pública subiu. 'Lula tem evitado construir seu substituto', afirma André Singer, cientista político que cunhou o termo lulismo BBC News Brasil - Essa nova classe trabalhadora, os pobres que ascenderam e não estabeleceram lealdade com o lulismo, esteve entre os que se insurgiram em junho de 2013, movimento que desestabilizou o governo Dilma? Singer - Os dados que eu examinei mostram que havia uma metade da população presente nas ruas que podemos chamar de classe média tradicional, que é aquela pessoa que já é a segunda geração de classe média - pelo menos os pais já estavam na classe média. São aquelas pessoas que têm acesso a planos de saúde privados, aquelas que têm acesso às escolas privadas no ensino fundamental e médio e aquelas que fazem viagens para o exterior. Mas a outra metade dos manifestantes não tinha alta renda. Não era de baixíssima renda, o subproletariado não foi às ruas, mas as pessoas que estão na metade inferior de renda estavam lá. Outro elemento que corrobora a tese de que a nova classe trabalhadora foi às ruas é que eles eram jovens, entre 25 e 39 anos, e tinham uma escolaridade alta - pelo menos o ensino médio completo e havia uma alta proporção de universitários, estudantes ou formados. Nós sabemos que houve uma explosão do ensino universitário graças ao Fies, o ProUni, etc, no período do lulismo. Então dá a impressão de que uma parte significativa desses manifestantes pertencia a essa nova classe trabalhadora. Eu não diria que em um primeiro momento eles foram para a rua contra o governo Dilma. Havia ali um caráter difuso, porque os movimentos começam como um movimento de esquerda, puxados pelo Movimento Passe Livre, e acabam com uma tonalidade bem de direita, com essa coloração amarela das camisetas da seleção e até a expulsão de setores de esquerda como aconteceu na Avenida Paulista no dia da maior manifestação no caso da cidade de São Paulo. Esse caráter difuso, que era um pouco tudo e nada ao mesmo tempo... havia uma espécie do espírito de "que se vayan todos" (bordão usado na crise Argentina de 2001). Uma espécie de repúdio geral à representação, e aí envolvendo também o governo federal. O problema é que depois isso foi se derivando para um movimento de repúdio ao lulismo, do qual a esquerda não participou, já em 2015 e 2016. A gente pode observar uma continuidade de parte do que aconteceu em junho e as manifestações de 2015 e 2016 em favor do impeachment, passando pela Lava Jato. Há um fio amarelo que junta junho de 2013 a março de 2016, que é o momento em que aquela grande manifestação a favor do impeachment acabou, na minha opinião, decidindo o jogo contra Dilma. BBC News Brasil - Há comparação ou continuação entre junho de 2013 e a greve dos caminhoneiros em maio de 2018? Singer - O que eu vejo como elemento comum é uma presença importante das redes sociais. E as redes sociais parecem transformar a mecânica do processo de manifestação, que acaba incidindo sobre seu próprio conteúdo. Ocorre como uma concentração de debate público em caminhos invisíveis, ele não acontece em um espaço no qual estamos acostumados a olhar, o espaço dos jornais, das televisões abertas, até mesmo das televisões fechadas de maior audiência. Parece que ele ocorre em uma outra faixa e esses debates submersos levaram, no meio da greve dos caminhoneiros, ao aparecimento de inúmeros grupos espalhados pelo país inteiro pedindo intervenção militar, o que é algo que não está muito no radar de quem acompanha o debate mais tradicional. No entanto, tal como em 2013, não importa, o fato é que essas pessoas estão aí e começam a se manifestar aí sim, dentro do espaço tradicional, quando, por exemplo, aparece uma reivindicação desse tipo, de intervenção militar. Houve um momento assustador durante a greve dos caminhoneiros em que, apesar de o governo já ter feito muitas concessões, os caminhões não saiam das estradas, e à pergunta 'mas qual é a reivindicação de vocês?', a resposta era: 'intervenção militar'. É claro que isso não é oficial, não é generalizado, algo que você possa atribuir a um movimento estável, mas é algo que começou a pipocar de uma tal maneira que você não sabe onde aquilo poderia terminar, tal como aconteceu em junho de 2013. Na greve dos caminhoneiros, eram comuns as faixas pedindo intervenção militar BBC News Brasil - Há um fio de continuidade entre um momento e outro? Singer - Algum fio tem. Mas nesse momento eu não saberia dizer exatamente qual é. O que a gente consegue perceber é que há manifestações pela volta da ditadura já em junho de 2013, embora seja um segmento muito minoritário, mas ele reaparece no processo do impeachment. Algum elemento de continuidade existe nesse desejo de um retrocesso autoritário. BBC News Brasil - E esses movimentos e seus desdobramentos são imprevisíveis para o governo, a sociedade, os pensadores, a imprensa? Singer - Eu acho que o fenômeno das redes sociais têm um impacto na política novo, forte e difícil de apreender. Pouco a pouco nós estamos localizando o que está acontecendo. E o que está acontecendo é que você tem a emergência de setores da população, do eleitorado, que tem um viés autoritário, e isso fica mais claro quando a gente observa as intenções de voto do candidato Bolsonaro, que tem uma posição que é simpática ao endurecimento, para dizer algo suave. Ele usa muito as redes sociais, está bastante associado às Forças Armadas, porque é um ex-militar, e há uma expressão mais pública desse fenômeno, o que nos permite começar a entender do que se trata. À medida que isso vai ficando mais definido, a preocupação cresce, porque em determinados cenários, esse candidato chega a ser próximo dos 20% de intenções de voto, o que está longe de representar uma maioria, mas é um elemento já suficientemente significativo para ser considerado parte do jogo. BBC News Brasil - Quão cativos são hoje os eleitores do lulismo e qual o potencial de transferência de votos de Lula para outro candidato que represente esse projeto? Singer - O que existe hoje é uma surpreendente pressão na direção de tirar o lulismo do jogo. E um dos elementos dessa configuração é a prisão do presidente Lula, que literalmente o subtrai do dia a dia da política. Ele continua participando porque tem justamente por trás de si este passado do realinhamento (eleitoral, de 2006), mas é claro que ele não pode fazer como se estivesse em liberdade. Segundo o Datafolha, 30% dos eleitores declararam que votariam em alguém que ele indicasse e 17% que talvez o fizessem, então você tem 30% bastante inclinados a seguir a orientação dele e mais 17% que poderiam seguir. Fazer qualquer previsão para além do que temos de dados é temerário, porque a situação está muito incerta, mas eu diria que com o quadro que nós temos hoje, devo dizer que apesar dessa enorme pressão contra o lulismo, ele sobrevive. BBC News Brasil - Faz sentido a estratégia petista de manter Lula como candidato pelo máximo de tempo possível antes de outubro? Singer - É uma estratégia muito arriscada, na minha opinião, porque eu acho que uma parte desse eleitorado não tomou consciência dos riscos que pesam sobre a candidatura Lula, que tem pouca probabilidade de efetivamente se concretizar por motivos judiciais. Por isso, a estratégia que está posta é arriscada porque ela diminui o tempo de informação para que esses eleitores, que são eleitores distantes da política, possam digerir e absorver uma nova situação com uma indicação. No entanto, como contrapartida a esse risco, a estratégia mantém as atenções voltadas para o ex-presidente Lula, que é o principal pivô do lulismo, e se ela for bem sucedida, permitiria uma ultrapassagem com êxito desse momento muito complicado para o lulismo. BBC News Brasil - O lulismo sobrevive ao Lula? Singer - Em teoria ele sobreviveria plenamente. O lulismo tem a vocação de ser algo que percorra a história brasileira como o peronismo percorre a história argentina. BBC News Brasil - O lulismo precisa ser personificado em alguma figura? Depois do Lula, quem poderia ser essa figura? Haddad personifica o que é o lulismo? Singer - A minha tendência é achar que sim, que Lula precisa ter essa figura, e que a dificuldade está em que há poucas situações precedentes em que o candidato natural está preso e impedido de concorrer e, portanto, precisa indicar alguém. De fato, o substituto mais falado até esse momento é o ex-prefeito Fernando Haddad, e eu acredito que nós vamos ter uma experiência nova de ver, se ele for de fato o indicado, como o eleitorado reagirá a essa indicação e, sobretudo, a incerteza é quando ela será feita. Mas a minha impressão é que sim, precisará haver alguém que personifique o lulismo na impossibilidade do ex-presidente concorrer. BBC News Brasil - Não há uma figura que esteja posta, um herdeiro evidente? Singer - Eu acho que o presidente Lula tem evitado que isso aconteça. Eu acredito que ele deve ter entendido que é mais proveitoso para o lulismo nesse momento que ele siga sendo a referência principal e tem evitado de passar ou construir explicitamente um substituto, embora provavelmente ele tenha que fazê-lo mais adiante. BBC News Brasil - O programa econômico defendido por Dilma é hoje encampado por Ciro Gomes, o candidato do campo da esquerda hoje mais citado pelo eleitor, quando Lula está fora do cenário. Não faria sentido que o PT apoiasse Ciro? Por que essa reunião pode não se dar? 'Acho quase inevitável que Ciro permaneça sempre como uma alternativa de apoio' para o PT, diz Singer Singer - De fato, há muitos pontos de coincidência entre o programa efetivo da ex-presidente Dilma no seu primeiro mandato e certas orientações que emanam do discurso do candidato Ciro Gomes. Como o atual candidato Ciro Gomes tem um certo componente de imprevisibilidade, nós não sabemos exatamente qual programa ele vai apresentar, mas tendo a achar que sim, que ele tende a se orientar por medidas que lembram o que a ex-presidente Dilma tentou fazer. É possível, ou até provável, que ele enfrente as mesmas dificuldades que ela enfrentou. Ciro tem um componente de imprevisibilidade, não sabemos nesse momento se ele vai tender a alianças mais à esquerda ou mais à direita, isso faz muita diferença para saber qual postura o PT, o lulismo e o ex-presidente Lula deveriam tomar. Porém, eu diria que, com essa ressalva, a tendência é que ele acabe ficando no campo à esquerda do centro. Nesse sentido, acho quase inevitável que ele permaneça sempre como uma alternativa de apoio. Nesse momento em que o presidente Lula está preso, está definida uma estratégia de levar adiante a sua candidatura apesar das dificuldades e há uma enorme indefinição, apesar de que o tempo está correndo. O mais interessante seria estabelecer um programa comum a todos os atores, e aí eu envolvo candidatos, movimentos e partidos, desse campo à esquerda do centro, que pudesse servir de guarda-chuva tanto para um eventual segundo turno, no qual essas forças terão que estar juntas, não sei ao redor de quem, mas a lógica diria que elas deveriam estar juntas, quanto para eventuais decisões ainda no primeiro turno, que nesse momento são impossíveis de dizer quais seriam, tal é o grau de indeterminação. BBC News Brasil - Os quadros do PT concordam hoje que quem definirá o destino da legenda é Lula, que está preso. Como vê essa situação? Singer - O protagonismo do ex-presidente Lula é consequência do lulismo. À medida que o lulismo foi se configurando como o resultado mais importante do realinhamento eleitoral, aquele que é o pivô do lulismo ganha uma força extraordinária, e isso aconteceria em qualquer democracia. Quando um líder com vocação presidencial em um regime presidencialista ganha essa marca, que é de estar à frente de um movimento de um bloco majoritário do eleitorado, é quase inevitável que o partido ao qual ele pertence o siga de maneira praticamente automática. BBC News Brasil - A esquerda está fragmentada hoje. E nas sondagens eleitorais, nos cenários sem Lula, a esquerda também estaria fora do segundo turno. Como o senhor vê essa possibilidade da esquerda se unir para não estar fora do segundo turno? Singer - Na realidade, você não teve uma fragmentação tão grande. O que aconteceu foi que no processo de crise do lulismo, um aliado tradicional que é o PC do B optou por uma candidatura autônoma, o que é importante, mas tem um significado limitado, porque não é uma candidatura com uma vocação majoritária. O PSOL optou por uma candidatura de uma liderança popular expressiva, que é o Guilherme Boulos, cuja campanha está apenas começando, de modo que nós não sabemos como ela vai evoluir, e a candidatura Ciro Gomes é uma candidatura que de alguma maneira sempre esteve posta e está entrando no lugar do que seria a candidatura do ex-governador Eduardo Campos, que sofreu aquela fatalidade do acidente de avião e morreu, e estão transitando ambos na mesma faixa ideológica. Eu arriscaria dizer, é um palpite, que a tendência será esses grupos estarem juntos no segundo turno, em torno de qualquer candidato da esquerda que esteja na disputa. A instituição do segundo turno é muito importante para entender as eleições no Brasil. Determinados segmentos podem testar suas possibilidades no primeiro turno para se juntar no segundo. Mas, para que isso aconteça, é importante que alguém desse campo vá para o segundo turno. Isso vai, talvez, criar uma tensão quando chegarmos mais perto do primeiro turno, mas da maneira como as coisas estão desenhadas hoje, é possível que a gente só enxergue uma definição depois que começar a propaganda na televisão.
Covid-19: mulher vive há 1 ano com cinzas de desconhecido em sua casa no Equador
"Isso não pode ser possível, senhora. As cinzas da minha mãe estão na minha casa."
Elsa Maldonado espera o resultado do exame de DNA para dar um enterro digno à mãe dela, Enma Aguirre Elsa Maldonado respondeu assim à pessoa que ligou pedindo que ela consultasse o portal oficial da pandemia do coronavírus no Equador para saber onde sua mãe tinha sido enterrada. Enma Aguirre morreu no dia 26 de março de 2020 aos 86 anos, no hospital Los Ceibos, em Guayaquil, cidade que foi devastada pela covid-19. A princípio, seu corpo teria sido cremado, colocado em uma urna e dado à família. "Desde o primeiro momento, tive a sensação de que não era minha mãe", diz Elsa sobre as cinzas que recebeu. No site que indicaram por telefone, pouco tempo depois da morte de Enma, Elsa constatou que não era apenas um palpite: o nome de sua mãe estava na lista dos que foram enterrados no cemitério Parque da Paz. Fim do Talvez também te interesse Há um ano, então, as cinzas de alguém que não era sua mãe estão guardadas na sua casa. Elsa ainda reza diante da urna todos os dias, mas não sabe o que fazer com ela. Enma e a pessoa desconhecida cujas cinzas estão guardadas com sua filha são apenas duas das centenas de vítimas de covid-19 mal identificadas ou não identificadas na cidade de 2,7 milhões de habitantes, a segunda mais populosa do país. A confusão ocorreu em quatro hospitais, incluindo aquele onde Enma morreu, durante os meses de março e abril de 2020, no pico da pandemia no Equador. No Equador, novos túmulos tiveram que ser construídos devido ao alto número de mortes por covid-19 Os cadáveres começaram a se acumular em centros de saúde e necrotérios, e o governo teve que usar contêineres para armazená-los. Um ano depois dessa fase crítica e dolorosa, o problema continua sem solução: dos 227 corpos não identificados encontrados em contêineres de hospitais, 62 permanecem sem identificação no necrotério de Guayaquil. A isso se somam mais de 100 famílias que não sabem o paradeiro de seus falecidos ou duvidam que seus parentes foram enterrados onde o governo indica e, agora, pedem exumações. Atenção médica Devido à anemia crônica, Enma dependia de transfusões de sangue regulares, e o período de pandemia não seria a exceção. Elsa foi à Cruz Vermelha e a alguns hospitais, mas não conseguiu os litros de sangue de que a mãe precisava. Então, o médico da família recomendou que ela fosse hospitalizada. Elsa conta que visitou clínicas particulares na tarde e noite do dia 25 de março e chegou a se ajoelhar em frente a um hospital para pedir atendimento, em vão. Elsa Maldonado reza às cinzas que permanecem nesta urna todos os dias antes de sair de casa Em meio ao desespero, ela chegou ao hospital Los Ceibos, onde sua mãe foi internada depois de horas de insistência. De acordo com Elsa, Enma foi colocada em uma sala onde tinha pacientes com covid-19. Naquela época, os hospitais já estavam abarrotados, uma situação que era conhecida pelas autoridades sanitárias,q que tinham reuniões diárias com membros das equipes dos centros de saúde. Essas sessões contaram com a presença, entre outros, de Paúl Granda, ex-presidente do Instituto Equatoriano de Previdência Social (IESS), e de Otto Sonnenholzner, ex-vice-presidente do Equador e nomeado pelo presidente Lenín Moreno para coordenar as ações do governo em Guayaquil. Em uma dessas reuniões, os médicos pediram às autoridades que solicitassem às clínicas privadas, por decreto, que também abrissem suas portas aos pacientes com covid-19 para aliviar a pressão sobre o sistema público, conforme atestou um dos participantes à BBC. Até então, conforme previa o Plano Covid, apresentado pela então Ministra da Saúde, Catalina Andramuño, em dezembro de 2019, apenas os "hospitais sentinelas" da rede pública de saúde recebiam esses pacientes. Granda afirmou à reportagem que o seu papel foi "motivador" enquanto esteve à frente do IESS e que não se lembra da proposta das clínicas privadas. Ele disse ainda que seus técnicos devem ser questionados sobre o assunto. O colapso do sistema funerário em Guayaquil foi de tal magnitude que o presidente do Equador, Lenín Moreno, teve que formar uma força-tarefa conjunta para poder enterrar todos os mortos Um deles, Mauricio Espinel, disse que havia resistência das clínicas privadas devido a discrepâncias nas tarifas. Sonnenholzner afirmou à reportagem que havia hospitais privados que queriam tratar os enfermos, mas não abriam as suas portas por considerarem que não estavam prontos. Faltariam equipamentos e espaços habilitados. Os médicos argumentam, por outro lado, que o governo não deu uma resposta à altura da crise exigia e por isso não conseguiu descongestionar o sistema público de saúde. Decisões erradas Em meio à crise, as decisões oficiais adicionaram pressão ao sistema. O governo ordenou que aqueles que morressem de covid-19 ou com suspeita fossem cremados. Mas, em Guayaquil, existem só três crematórios, e, àquela altura, as vítimas da pandemia já somavam dezenas. Familiares choram a morte de um de seus entes queridos em meio à crise pandêmica, em julho de 2020 Por esse motivo, Elsa foi informada no hospital que, para retirar o corpo da mãe para cremar, ela teria que fazer o procedimento na Junta de Beneficência, uma instituição de caridade privada que está a cargo do Cemitério Geral de Guayaquil, onde existem dois crematórios. "Meu filho me disse: vou fazer os trâmites. Eu disse a ele para pagar o que for preciso para que lhe dessem as cinzas rapidamente. Ele pagou com o cartão (de crédito) US$ 570 (cerca de R$ 3,2 mil)" . No entanto, isso só aconteceu depois de dois dias, já que o governo impôs um toque de recolher que restringiu o funcionamento de setores como a funerária e o Registro Civil, onde as famílias também tinham que se deslocar para obter certidões de óbito. Por vários dias, os familiares formaram longas filas para completar os procedimentos, enquanto os hospitais ainda estavam lotados de corpos, que, sem uma refrigeração adequada, entraram em decomposição. Com o passar do tempo, muitas etiquetas de identificação que estavam presas aos corpos se apagaram ou simplesmente se perderam. A Defensoria Pública, com base nos depoimentos de 37 famílias, instaurou uma ação contra três hospitais. Em junho de 2020, na audiência da causa, funcionários do hospital Guasmo Sur contaram como os corpos se amontoaram por falta de espaço e disseram que pediram uma solução ao Ministério da Saúde. Mas o ministério não respondeu e nem as autoridades do hospital insistiram, disse o juiz do caso. Representantes do Guasmo Sur asseguraram ao juiz que os familiares eram os responsáveis ​​pelo acúmulo dos corpos porque, segundo disseram, não foram retirá-los em tempo hábil. Essas palavras causaram indignação em quem estava lá. Exumações A incerteza cresceu entre aqueles que receberam a notícia da morte de seus entes queridos nos hospitais, porque estavam se multiplicando os casos de pessoas que receberam corpos por engano. Muitos parentes de vítimas fatais de covid-19 viveram isso no país. Houve casos em que as famílias procuravam o corpo de um homem, e o hospital entregou o corpo de uma mulher. O número de mortes foi tão alto em Guayaquil que foi necessário usar caixas de papelão para evitar a escassez de caixões. Diante de tanto desconforto, o ex-governador de Guayas, Pedro Pablo Duart, denunciou em abril de 2020 o manuseio incorreto dos corpos em três hospitais de Guayaquil. O Ministério Público Estadual deu início a uma investigação, cujos detalhes estão em sigilo por ainda ser uma investigação preliminar. Um dos maiores temores de Elsa era que o corpo de sua mãe desaparecesse se a documentação não fosse feita rapidamente. Quando a urna foi entregue a eles, ela conta que sentiu algo no seu coração lhe dizendo que os restos não eram de sua mãe, mas ao mesmo tempo achava que tinha sorte por não ter que passar pelo que outras famílias estavam enfrentando. É que muitos tiveram que lutar contra seguranças, esperar sua vez para entrar em necrotérios e contêineres nas casas de saúde e assim poder procurar o seu ente querido entre centenas de cadáveres. Alguns até se passaram por empregados de funerárias. Nem o cheiro que exalava nem o medo do contágio impediam que essas pessoas se arriscassem a abrir e fechar os sacos com cadáveres, um a um. Alguns gritaram de alívio, outros viram suas esperanças se esvairem aos poucos. Miguel Ángel Montero, antropólogo do Serviço Nacional de Medicina Legal, que se encarregou da identificação dos corpos, acredita que o distúrbio nos hospitais poderia ter sido evitado com um registro cuidadoso e aplicação de uma rede adequada de custódia dos corpos. Seguranças chegaram a tomar nota de quais corpos saíram e entraram nos centros de saúde, mas, quando as etiquetas de identificação foram perdidas, os códigos nos livros de registros se tornaram inúteis. No Guasmo Sur, esse registro não ajude nem os legistas a identificarem os corpos. Na audiência da ação da Defensoria contra o Estado, o juiz disse que a culpa é do Ministério da Saúde e seu hospital. O juiz exigiu que o Ministério apresentasse a ata de entrega dos corpos ou cadeia de custódia. Mas o órgão não mostrou nenhum documento. A decisão judicial foi favorável às famílias, que ganharam a ação tutelar. Imagens de pessoas chorando por seus entes queridos tornaram-se frequentes na cidade de Guayaquil em 2020 A perícia detectou ainda outro problema. Notaram que o nome de alguns cadáveres que eles conseguiram identificar foram registrados como estando enterrados em um dos dois cemitérios atribuídos pelo governo para mortos com covid-19. Por isso, em novembro de 2020 e sob um absoluto sigilo, foram realizadas exumações para comprovar identidades. O Ministério Público deu ordem para começar a desenterrar os restos mortais de 45 pessoas que morreram no hospital Los Ceibos. Quando Elsa recebeu um telefonema da polícia informando que um dos corpos que iam exumar era de sua mãe e que ela deveria assinar um documento para autorizar o procedimento, foi tomada pela angústia. Com as cinzas de um estranho ainda em sua casa, a dor de perder a mãe foi agravada pela dúvida de quem ela havia visitado então no cemitério nos últimos meses de 2020. Num canto da garagem da casa de Elsa Maldonado está a urna com as cinzas de um estranho "Ainda não me recuperei, estou com os nervos à flor da pele (...) preciso da ajuda de uma psicóloga", disse Elsa. As exumações foram realizadas de 23 a 27 de novembro no cemitério Parque da Paz, na Via La Aurora. Na última semana de janeiro e nos primeiros dias de fevereiro deste ano, o Ministério Público ordenou mais sete exumações no Parque da Paz, em Pascuales. Até fevereiro de 2021, 12 dos primeiros 45 corpos não tiveram seus familiares localizados e por isso passaram por testes de DNA. Três dos 33 corpos restantes haviam sido enterrados com identidades erradas. Quase um mês após o procedimento, um legista entrou em contato com Elsa para informar que tinha certeza de que o corpo exumado era da mãe dela. "Pedi ao legista que me enviasse a foto do dedão do pé para ter certeza de que era minha mãe. Prometi apagar." Mas disseram que os protocolos impediam isso. Ela só recebeu a foto de um tecido com flores, igual ao pijama que a mãe dela usava quando morreu. Elsa reconheceu a estampa, mas, como existem muitas peças como aquela, diz que não tem uma prova real da identidade da mãe. Por isso, ela pediu às autoridades um certificado de DNA para ter uma certeza. "É o pijama, Santo Deus! Mas é um (pijama) que qualquer um pode ter. Quero acabar com a dúvida que eu tenho." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
As duas apostas de Lula por liberdade em meio a desgaste da Lava Jato
Acostumado a sofrer derrotas no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera novos julgamentos de pedidos de liberdade pela Corte com as esperanças renovadas, diante do intenso desgaste sofrido pela Operação Lava Jato nos últimos meses, desde que foram reveladas conversas comprometedoras atribuídas a procuradores federais e ao ex-juiz Sergio Moro (hoje ministro da Justiça) pelo site The Intercept Brasil.
Lula tenta anular suas condenações pedindo a suspeição de Moro e dos procuradores da Lava Jato Em um sinal positivo, Lula obteve este mês uma importante vitória no STF, quando o plenário barrou, por 10 votos a um, a transferência do ex-presidente da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba para um presídio comum em São Paulo. No entanto, apesar dessa recente conquista e dos questionamentos sobre a legalidade da operação, as chances de o petista ser solto continuam incertas. As maiores expectativas estão na análise de dois recursos - um que questiona a imparcialidade de Moro e outro que pede a suspeição da Força-Tarefa da Java Jato. No entanto, esses dois habeas corpus, que têm potencial de anular processos e condenações contra Lula na 13ª vara de Curitiba, ainda não estão com data marcada para julgamento. Há ainda outros dois recursos, mas de menor importância, que serão julgados nesta e na próxima semana. Fim do Talvez também te interesse A grande questão que deve definir a soltura ou não de Lula é se os ministros que compõem a Segunda Turma do Supremo (Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski), responsável por analisar os recursos do ex-presidente, vão considerar autênticas e válidas como prova a favor de Lula as conversas reveladas pelo The Intercept Brasil - aparentemente extraídas da conta de Dallagnol no aplicativo Telegram. Moro e procuradores da Lava Jato têm dito que não reconhecem a autenticidade das mensagens e que elas podem ter sido adulteradas por hackers. Já o The Intercept Brasil diz que recebeu o material de uma fonte anônima. STF revogou neste mês a transferência de Lula e garantiu sala especial para ex-presidente Entenda a seguir os recursos de Lula que serão analisados pelo STF - entre eles, os dois pedidos que decidem sobre sua libertação. 1) Suspeição de Moro O habeas corpus (HC) 164493, que questiona a imparcialidade de Moro quando era juiz e tem potencial de colocar Lula em liberdade, foi apresentado em novembro de 2018, meses antes do início da revelação dos diálogos pelo site The Intercept Brasil, em 9 de junho. Seu julgamento está interrompido por pedido de vista de Gilmar Mendes e ainda não há data para sua retomada. Caso o recurso seja aceito pelo STF, pode levar a anulação de todos os atos processuais de Moro, quando era juiz, em processos e inquéritos contra Lula. Isso cancelaria a condenação de Lula no caso Tríplex do Guarujá por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mesmo que a sentença já tenha sido confirma pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Também anularia a condenação de Lula no caso do Sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, já que ela assumiu o caso em sua etapa final. O ex-presidente teria, então, direito a novos julgamento. No pedido inicial, a defesa argumentou que o fato de Moro ter aceitado ser ministro do governo Jair Bolsonaro teria evidenciado seu interesse político ao condenar Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso Tríplex do Guarujá. O petista acabou barrado da eleição presidencial do ano passado pela lei da Ficha Limpa, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ter confirmado a condenação do petista por Moro. Depois, já em 2019, Lula foi considerado culpado também pelo STJ. Defesa de Lula aposta no desgaste da Lava Jato após revelação de conversas comprometedoras atribuídas a Sergio Moro O recurso lista ainda outros argumentos para sustentar a parcialidade do então juiz, como sua decisão de decretar a condução coercitiva do ex-presidente em 2016, mesmo sem ter previamente marcado um depoimento - prática que contraria a legislação brasileira. Moro, por sua vez, diz que condenou Lula baseado nas provas processuais, em julho de 2017, quando Bolsonaro ainda não era considerado um candidato competitivo. Ele argumenta que, naquele momento, não tinha como prever a vitória do atual presidente, nem o convite para ser ministro. Além disso, afirma que aceitou integrar o governo para fortalecer o combate à corrupção e ao crime organizado. Depois das revelações do Intercept, a defesa apresentou um adendo afirmando que as conversas "denotam o completo rompimento da imparcialidade objetiva e subjetiva" do então juiz. Os diálogos, caso verdadeiros, indicam Moro teria dado conselhos ao Ministério Público quando era juiz, o que é proibido pela legislação brasileira. A análise dos argumentos iniciais começou em dezembro de 2018, quando Cármen Lúcia e Fachin votaram contra a suspeição de Moro e a liberdade de Lula. No entanto, o julgamento foi interrompido por pedido de vista de Gilmar Mendes. Após as revelações dos diálogos pelo Intercept, o ministro decidiu retornar o HC para julgamento, mas a turma acabou realizando apenas uma análise preliminar, em que uma proposta de soltura provisória de Lula sugerida por Mendes foi barrada por 3 a 2 (votos contrários de Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia). Na ocasião, Celso de Mello disse que havia dúvidas sobre a autenticidade das conversas reveladas pelo Intercept, mas ressaltou que seu voto contra a soltura provisória de Lula não era uma antecipação de sua posição quando o HC sobre a suspeição de Moro voltar a ser julgado. De lá pra cá, a Polícia Federal apreendeu, na Operação Spoofing, conversas de diversas autoridades brasileiras que teriam sido hackeadas por um grupo de criminosos. Esse material foi enviado ao STF após decisões dos ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. No entanto, não há qualquer informação sobre se o conteúdo foi submetido a uma perícia para averiguar sua autenticidade e se poderá ser usado como prova a favor de Lula. 2) Suspeição dos procuradores No dia 13 de agosto, a defesa de Lula apresentou um novo pedido de habeas corpus (HC) 174398, agora pedindo a suspeição de Dallagnol e outros procuradores que integram a Força-Tarefa da Lava Jato no Paraná. Se for aceito, esse recurso também pode levar à anulação das investigações e processos contra Lula na 13ª vara de Curitiba. O recurso está nas mãos de Fachin, que é relator no STF de todos os casos contra Lula tocados pela Lava Jato do Paraná, e ainda não tem data para ser julgado na Segunda Turma. Nesse HC, os advogados pedem também acesso aos diálogos apreendidos pela Operação Spoofing que se relacionem com o ex-presidente. Segunda a defesa da Lula, as conversas reveladas pelo Intercept Brasil "comprovam que investigações contra o ex-Presidente Lula foram iniciadas a partir de um comando emitido pelo ex-juiz Sergio Moro ao procurador da República Deltan Dallagnol sobre supostas propriedades destinadas aos filhos de Lula". Apresentação de PowerPoint exibida por Dallagnol em 2016 Os advogados sustentam ainda que as mensagens mostram que "os procuradores da República sabiam que não havia qualquer prova efetiva contra Lula no caso do tríplex, tampouco vínculo com a Petrobras, mas a despeito disso, ofereceram denúncia e pediram a condenação do ex-presidente". Além desses argumentos, o recurso pede a suspeição dos procuradores por causa da realização de uma coletiva de imprensa, em setembro de 2016, em que Dallagnol exibiu uma apresentação de PowerPoint em que Lula aparecia no centro de um gráfico como líder de organização criminosa. Na visão da defesa, a força-tarefa deu a Lula, na ocasião, "tratamento de culpado antes mesmo da instauração do processo". Esse argumento sobre a coletiva já foi negado por instâncias inferiores da Justiça como prova de suspeição dos procuradores - também nesse recurso a principal expectativa é se os ministros do STF levarão em conta as conversas reveladas pelo Intercept no julgamento. 3) Suspensão do processo sobre Instituto Lula A Reclamação 33.543, que será julgada na próxima terça-feira, não tem potencial de colocar Lula em liberdade. Nesse recurso, a defesa pede que seja suspenso o processo em que Lula é acusado de receber propina da Odebrecht por meio da compra de um terreno em São Paulo no valor de R$ 12 milhões, que seria usado para a construção de uma nova sede para o Instituto Lula. Os advogados do petista pedem que o processo seja interrompido para que antes tenham acesso ao acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal e ao conteúdo dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados pela empreiteira para comunicação e organização de pagamento de propinas. Fachin já havia determinado que essas informações fossem disponibilizadas à defesa, mas a juíza Gabriela Hardt entendeu que os advogados do petista já tiveram acesso às informações relacionadas a esse processo. 4) Recurso no plenário virtual Há ainda outro recurso relacionado ao processo do terreno do Instituto Lula que está em análise no plenário virtual da Segunda Turma até quinta-feira. Nesse sistema, os ministros têm uma semana para votar eletronicamente. Nesse pedido, a defesa questiona a autorização para a realização de perícia em documentos que foram mantidos em sigilo durante o processo, sem que houvesse oportunidade da defesa de contestá-los. Esse recurso também não deve levar à liberdade de Lula. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Treine seu cérebro: você consegue solucionar o enigma da balsa?
Desafiamos você a resolver nosso enigma de hoje. Boa sorte!
Dois adultos e duas crianças querem cruzar um rio. Eles fazem uma balsa, mas ela só suporta o peso de um adulto ou duas crianças. Qual é o mínimo de vezes que a balsa precisa cruzar o rio para levar todos até o outro lado? Veja abaixo a resposta Solução O mínimo são nove. Você pode ter abordado a questão de diferentes formas. Esta é uma possível. Na primeira viagem, as duas crianças cruzam, uma fica e a outra faz a segunda viagem para voltar e trazer a balsa de volta. Na terceira, um adulto cruza para a outra margem, e a criança que ficou lá faz a quarta viagem e a traz de volta. Depois, esse procedimento se repete, para levar o segundo adulto à outra margem, totalizando sete viagens. Na oitava, uma criança volta com a balsa para pegar a segunda criança. Na nona viagem, as duas cruzam o rio juntas. *Esse enigma foi elaborado pelo projeto NRICH, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido - via o programa Today, da BBC
Agência de ajuda humanitária abandona o Iraque
Uma das poucas agências de ajuda que restaram no Iraque está deixando o país.
A World Vision anunciou que está encerrando suas operações no Iraque por causa do assassinato de seu diretor e de ataques a outros de seus funcionários. A agência permaneceu no Iraque por 18 meses e disse ter ajudado cerca de 600 mil pessoas, com a realização de melhorias em escolas, hospitais, clínicas e no abastecimento de água. Agências como a Care International e os Médicos sem Fronteiras já deixaram o Iraque, alegando que o país ficou muito perigoso. O chefe das operações da World Vision no Iraque, Mohammed Hushiar, foi morto por homens armados num café movimentado na cidade de Mosul, ao norte do Iraque, no dia 29 de setembro. Situação 'intolerável' Tim Costello, chefe-executivo da World Vision na Austrália, disse à BBC que a manutenção da segurança estava se tornando um problema para agências de ajuda. "Nós percebemos que você não pode ter guardas de segurança durante 24 horas e até agências humanitárias como a nossa, como a Care - até a Cruz Vermelha com sua neutralidade comprovada por 150 anos - estão sendo alvo de ataques." "Sua primeira prioridade é sempre sua própria equipe e simplesmente ficou intolerável e muito perigoso." Costello disse que o Iraque representava "uma face completamente nova do perigo e da violência", adicionando que a morte da diretora local da Care International, Margaret Hassan, foi "obscena e trágica". A Care encerrou suas atividades quando Hassan foi seqüestrada. Ela aparentemente foi morta algumas semanas depois. A World Vision tinha entre 15 e 20 funcionários no Iraque, trabalhando principalmente em Mosul e no norte do país.
Estudantes sul-coreanos aprendem parto com robô
Robôs computadorizados que simulam um parto estão ajudando estudantes de medicina da Coréia do Sul a aprender a realizar a operação.
Para os alunos, esta é uma oportunidave valiosa de praticar, já que a taxa de natalidade na Coréia do Sul é hoje uma das mais baixas já registradas no país e no mundo industrializado - a média estatística é de menos de 1,2 filho por mulher sul-coreana. O robô "mãe" tem pulsação, respiração e pode dar à luz a um bebê-robô. O recém-nascido robô possui dispositivos que indicam um problema de saúde para que os estudantes aprendam a fazer diagnósticos. Os dois artefatos têm partes sobressalentes e são programados para um trabalho de parto com duração de cinco minutos a seis horas.
Investidores estrangeiros não vão ser convencidos só por retórica ambiental do governo, diz pesquisador
O governo brasileiro não conseguirá evitar a saída do país de investidores estrangeiros preocupados com o aumento do desmatamento apenas mudando de retórica sobre o assunto, sem tomar medidas concretas contra a destruição.
Nos últimos dias, governo brasileiro tem trabalhado para tentar acalmar representantes de fundos de investimentos estrangeiros, preocupados com aumento do desmatamento na porção brasileira da Floresta Amazônica A avaliação é do ambientalista e pesquisador Carlos Rittl, doutor em biologia tropical e ex-secretário-executivo do Observatório do Clima, uma das principais organizações brasileiras sobre mudança climática. Atualmente, Rittl pesquisa a relação entre economia global e desmatamento. Nos últimos dias, o governo brasileiro tem trabalhado para tentar acalmar representantes de fundos de investimentos estrangeiros, que têm demonstrado preocupação com o aumento do desmatamento na porção brasileira da Floresta Amazônica. Na manhã de quinta-feira (09), por exemplo, o vice-presidente Hamilton Mourão realizou uma videoconferência com investidores para apresentar iniciativas do governo na área ambiental. Participaram do encontro os ministros Braga Netto (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), e Fábio Faria (Comunicação), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Os fundos que estavam representados na videoconferência somam US$ 4,6 trilhões em ativos. Fim do Talvez também te interesse No fim de junho, um grupo de investidores estrangeiros enviou carta aberta a embaixadas brasileiras no Japão, nos Estados Unidos e em diversos países europeus, manifestando preocupação com a política ambiental do país. Atualmente, Carlos Rittl é pesquisador sênior visitante da Universidade de Potsdam, na Alemanha — a pesquisa dele é sobre o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. A ratificação deste instrumento está agora em risco, diz ele, diante da política atual do Brasil para o meio ambiente. 'Não é o marketing que vai conseguir mascarar o que os satélites mostram', disse Rittl à BBC News Brasil "Hoje, o Brasil representa inclusive o oposto do que pôs no acordo. O acordo traz obrigações como o não retrocesso ambiental; o respeito aos direitos dos povos indígenas, o respeito aos direitos humanos, o respeito aos direitos trabalhistas e o compromisso de cada uma dos países com a implementação do acordo de Paris. Nós estaremos muito mal, se alguém olhar aquilo com que o Brasil se comprometeu com os demais países, e aquilo que está acontecendo no chão", diz ele. "Os investidores sabem disso e não vão ser convencidos por uma retórica, ou uma estratégia de comunicação. Não é o marketing que vai conseguir mascarar o que os satélites mostram", afirma o pesquisador. "Ainda assim, o governo ainda insiste que o esforço de comunicação é mais importante que o combate ao crime e ao desmatamento e à violência contra os povos indígenas. Isso não vai gerar resultados", diz Rittl. A seguir, os principais trechos da entrevista. BBC News Brasil - O que mudou do começo do ano para cá, para motivar este movimento de investidores estrangeiros? Carlos Rittl - A gente já teve vários recados, desde o ano passado. Redes de supermercados britânicas e em outros países da Europa protestando quando a gente teve aquele aumento das queimadas de 2019, quando tivemos o 'Dia do Fogo', e a briga do governo Bolsonaro com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); naquele momento, esses recados começaram a surgir. Houve também grupos de investidores que demonstraram preocupação e fizeram declarações públicas. A diferença deste momento para agora, para a carta das 29 instituições financeiras e fundos de pensão, é a de que agora se trata de uma mensagem direta (...). A fala da 'boiada' é o ponto de inflexão (refere-se à divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala em aproveitar a pandemia do novo coronavírus para 'passar a boiada', revogando a regulamentação ambiental). Se tornou algo tão escancarado que eu acho que motivou o movimento dos investidores. Aquela fala imoral do ministro do Meio Ambiente, de que 'vamos aproveitar a oportunidade de que toda a imprensa tá falando só de pandemia de covid-19, do novo coronavírus, para ir passando a boiada', de que 'vamos aproveitar este momento em que estamos contando corpos aos milhares para ir flexibilizando tudo ou destruindo a legislação ambiental', acho que isso foi a gota d'água. Foi isso que deu o empurrão final a esses investidores. BBC News Brasil - Em que medida este tipo de pressão de investidores estrangeiros põe em risco o acordo comercial que está sendo finalizado entre o Mercosul e a União Europeia? Tereza Cristina, Hamilton Mourão, Ernesto Araújo e Ricardo Salles participaram de coletiva nesta quinta-feira (9) após reunião com investidores estrangeiros Rittl - No último mês, houve, em pelo menos uma reunião plenária do Parlamento Europeu, uma discussão sobre grilagem e desmatamento, na qual mais de 20 eurodeputados se manifestaram com críticas severas ao que estava acontecendo (no Brasil) e com críticas à fala do ministro (Ricardo Salles) sobre 'passar a boiada'. E com uma preocupação enorme de que os países europeus poderiam estar se associando a essa destruição ambiental em curso (...), se o acordo comercial for ratificado. Alguns parlamentos (nacionais), entre eles o da Áustria e o dos Países Baixos, já aprovaram moções contrárias à ratificação do acordo. Não é uma decisão definitiva, mas é uma demonstração de que há oposição dentro daqueles parlamentos ao acordo, que depende do Legislativo de cada um dos países para entrar em vigor. Para que os produtos brasileiros possam se beneficiar, no futuro, de isenções de impostos e de cotas de exportação. Então, existe hoje um ambiente muito negativo hoje para o progresso deste acordo. A gente está numa fase de finalização dos textos legais — a tradução em termos jurídicos daquilo que foi prometido no texto geral do acordo, com direitos e obrigações para todos os futuros signatários. E depois disso é que teríamos a ratificação do Parlamento Europeu e de cada um dos países do bloco. No caso do Mercosul, por causa de um acordo local, seria preciso apenas que o Congresso Nacional (brasileiro) aprovasse (...). E aqui (no Brasil), acho que vai haver bastante debate, até por causa de outros elementos do acordo. Por que (beneficiar) apenas produtos da agricultura brasileira e não outros produtos de maior valor agregado, que poderiam se beneficiar das isenções de impostos para chegar à Europa? Por que apenas algo de economia mais primária? A gente vai trocar boi por carros, na verdade. Por que não poderia incluir produtos mais estratégicos e de maior valor agregado? Para Carlos Rittl, fala de Ricardo Salles em reunião do governo de abril foi 'ponto de inflexão' BBC News Brasil - Esta semana, um grupo de 40 empresários e representantes de entidades empresariais brasileiras entregou uma carta a Hamilton Mourão pedindo providências contra o desmatamento. Como este movimento se compara a iniciativas parecidas no exterior? Rittl - Quando o presidente Trump foi eleito nos Estados Unidos (em 2016), houve lá aquele movimento chamado "We Are Still In" (Nós Continuamos Dentro, em tradução livre). Como Trump ameaçava sair do Acordo de Paris, esse era um movimento formado por empresas, universidades e governos estaduais e prefeituras. Que diziam 'não importa o que Washington vai fazer, nós assumimos o compromisso de implementar o Acordo de Paris na nossa alçada'. Hoje, são mais de 2,2 mil empresas nos EUA que são signatárias deste compromisso, e muitas delas assumindo metas. Aqui no Brasil, essa carta deste ano talvez seja o primeiro movimento coletivo, e ainda pequeno, de atores cobrando o governo de maneira mais direta sobre o que ele precisa fazer, mas não quer, que é combater o desmatamento. Mas esse movimento brasileiro carece ainda de algo que pra mim é fundamental. O que é que as próprias empresas e associações estão ainda fazendo em relação àquilo que estão cobrando do governo? Quais delas assumiram metas de desmatamento zero, de emissões zero no longo prazo? Quem foi que assumiu o compromisso de não ter nenhum de seus negócios associados a áreas de conflito (fundiário)? Nenhuma delas. BBC News Brasil - Em 2018, parte do mercado financeiro brasileiro se entusiasmou com a candidatura de Bolsonaro. No primeiro ano de mandato dele, o Ibovespa ultrapassou os 100.000 pontos. O investidor brasileiro não percebeu que a agenda ambiental traria problemas? Rittl - Houve uma aposta muito alta no liberalismo a qualquer custo. Tudo o mais seria de menor importância se houvesse desregulamentação, reformas econômicas importantes, uma menor participação do Estado na economia brasileira, um poder menor do Estado sobre o mercado. Isso acabou sendo uma aposta em nome da qual se deixou tudo mais de lado. Inclusive o Bolsonaro não foi eleito só por gente da agenda antiambiental. Talvez tenha recebido (voto) de uma meia dúzia, que são os poucos que lucram com o desmatamento. Agora, desde o ano passado, no mínimo, quando o presidente Bolsonaro fez sua estreia internacional em Davos (na reunião do Fórum Econômico Mundial, em janeiro de 2019), já estava muito claro que o mercado e os agentes financeiros globais identificavam dentre os maiores riscos a questão climática e a questão ambiental. Tanto é, que Bolsonaro faz um discurso de que ia buscar conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico. Na prática, porém, ele não mudou uma vírgula da sua visão do século 17 sobre o meio ambiente, sobre a Amazônia. Por isso, o desmatamento subiu. Por isso, ao longo de todo o ano passado, ele e vários de seus ministros continuaram se reunindo com grileiros, com madeireiros ilegais (...). BBC News Brasil - No começo deste ano, o vice-presidente Hamilton Mourão se tornou presidente do Conselho da Amazônia. De lá para cá, ele vem se tornando a principal voz do governo em questões ambientais. O que mudou com esse novo protagonismo do Mourão? Evoluímos? Rittl - Por enquanto, o que a gente teve foi uma mudança muito pequena no discurso, que veio com a mudança do nome responsável pela agenda do governo para a Amazônia. Antes a gente tinha uma pessoa completamente irresponsável, o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles), que não tenha nenhuma intenção de promover o desenvolvimento sustentável ou a proteção da Amazônia, muito pelo contrário. Quando o general Hamilton Mourão assume a coordenação desse Conselho, já é uma resposta às pressões e aos riscos (de perda de investimentos) que o Brasil vinha correndo. O Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano enfatizou, entre os riscos globais, a questão ambiental e a mudança climática. O ministro Paulo Guedes (Economia) ouviu esse recado, lá. De que não adianta simplesmente mudar as regras ou fazer reformas econômicas para o Brasil se tornar atrativo para os investimentos internacionais. É preciso promover uma agenda compatível com o momento em que a gente está, século 21. Guedes estava lá (em Davos), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também (...). A agenda antiambiental do governo começou a se mostrar um grande problema para a economia. Paisagem do Cerrado, um dos biomas mais importantes e ameaçados do país; para Rittl, a visão dos vários membros do governo sobre o meio ambiente é a mesma BBC News Brasil - Algumas pessoas acreditam que existem visões distintas no governo: Ricardo Salles seria mais radical, enquanto outros, como a ministra Tereza Cristina (Agricultura) seriam mais moderados. O que o sr. acha disso? Rittl - Na verdade, a visão (do governo para a área ambiental) é a mesma. É conveniente que você tenha um ministro do Meio Ambiente que é contra o meio ambiente porque ele faz o serviço de todo mundo (...). Mas por detrás desta agenda antiambiental não está única e exclusivamente o ministro Ricardo Salles. O Salles é só, digamos, quem está entregando tudo. Mas tem outras pessoas também: Tereza Cristina; o ministro Tarcísio (Gomes de Freitas, da Infraestrutura), que defende que as obras corram soltas, sem os estudos de impacto ambiental e sem medidas para mitigar impactos. Tereza Cristina, por sua vez, estava por detrás da proposta de anistia a crimes ambientais e a desmatamento na Mata Atlântica (em abril, Ricardo Salles assinou a anistia a proprietários rurais que desmataram antes de julho de 2008), como o próprio Salles reconheceu. Foi também a Tereza Cristina quem viabilizou a liberação de mais de quinhentas substâncias pesticidas, agrotóxicos, somente em 2019. Novas substâncias que estão no nosso prato, na nossa mesa. Foi dela que veio a pressão para que áreas desmatadas na Mata Atlântica fossem anistiadas. Então é uma agenda comum, contra o meio ambiente. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Pacto de sangue': As acusações de Palocci contra Lula e Odebrecht
A relação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a empreiteira Odebrecht envolvia um "pacto de sangue" que consistia em presentes pessoais ao líder petista, como o sítio de Atibaia (SP), a doação do prédio de um museu dedicado a seu legado, palestras no valor de R$ 200 mil, uma reserva de R$ 300 milhões de reais.
Palocci dá depoimento a juiz Sergio Moro e diz que Lula pediu dinheiro para PT A afirmação, que já apareceu em acusações de delatores e testemunhas da operação Lava Jato, pela primeira vez partiu de um dos homens próximos a Lula: seu ex-ministro da Fazenda, o petista Antonio Palocci. Em depoimento ao juiz federal Sergio Moro na tarde desta quarta-feira, em ação penal que investiga a acusação de que a Odebrecht doou um terreno para a construção de prédio do Instituto Lula como propina, Palocci afirmou que o ex-presidente tinha conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras e se preocupou no início, mas depois pediu que os diretores da estatal fizessem reservas partidárias a partir dos desvios. Palocci está preso desde setembro de 2016. Em junho passado, foi condenado por Moro a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No depoimento, também acusa de crimes a ex-presidente Dilma Rousseff, o pecuarista José Carlos Bumlai e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, entre outros nomes. Confira os pontos mais importantes do depoimento: Segundo Palocci, acordo com Odebrecht envolvia presente pessoal a Lula 1. Sítio, palestras e museu: o pacto de sangue com a Odebrecht Durante o depoimento, Palocci afirma que Emílio Odebrecht procurou Lula no fim de 2010, no fim de seu governo, para fazer um "pacto de sangue". "Eu chamei de pacto de sangue porque envolvia um presente pessoal, que era um sítio, envolvia um prédio de um museu pago pela empresa, envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano, várias palestras, envolvia uma reserva de 300 milhões de reais", diz. Emilio é pai de Marcelo Odebrecht, que era presidente da empreiteira e está preso desde junho de 2015 - ele deve deixar o regime fechado no fim deste ano, como parte do acordo de delação premiada fechado entre os advogados da empreiteira e o Ministério Público Federal. Segundo Palocci, Lula o procurou após a conversa com Emílio e ordenou que não brigasse com a Odebrecht - "ele mandou eu recolher os valores". Ao detalhar a relação entre Odebrecht e Lula, o ex-ministro afirma que a corrupção era longeva e conhecida dos mais íntimos do ex-presidente. "A Odebrecht era uma colaboradora", afirma. Na sequência, no entanto, ele corrige o uso do termo "colaboradora": "O senhor (Moro) desculpa, às vezes eu... 30 anos treinando para falar dessa forma, que a Odebrecht dava propinas frequentes ao presidente Lula e ao PT". Palocci classifica a ligação entre a empresa e os governos de Lula e Dilma como "intensa". "Foi uma relação bastante intensa, bastante movida a vantagens dirigidas à empresa, a propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, em forma de caixa 1, caixa 2", diz. "Eu tenho conhecimento porque participei de boa parte desses entendimentos na qualidade de ministro da Fazenda do presidente Lula e de ministro da Casa Civil da presidente Dilma." O ex-ministro diz que conhecia os Odebrecht desde antes do primeiro governo petista. "Eu estive com eles desde 1994 quando o presidente Lula os conheceu", conta. "Então eu tratava de todo tipo de tema com eles (Odebrecht), inclusive de temas ilícitos. Inclusive." Segundo ele, o "pacto de sangue" oferecido a Lula por Emílio Odebrecht surgiu de "certo pânico" da companhia com a posse de Dilma - como ministra da Casa Civil, ela teria liderado um embate com a empreiteira e impedido que conquistasse as obras das duas usinas do Rio Madeira - no fim, ficou apenas com uma, e "a um preço muito ruim". "Ele procurou o presidente Lula nos últimos dias do seu mandato e levou um pacote de propinas (...) que envolvia esse terreno do instituto, que já estava comprado e o seu Emílio apresentou (...), o sítio pra uso da família do presidente Lula - que ele já estava fazendo a reforma, que já estava em fase final, e disse (...) que já estava pronto - e também disse (...) que ele tinha à disposição dele para o próximo período, para fazer as atividades políticas dele, R$ 300 milhões." Palocci diz ter ficado "chocado" com a oferta, que representava uma guinada no relacionamento com a empreiteira - e conta como ficou sabendo dela. "No dia seguinte, de manhã, o presidente Lula me chamou no Palácio da Alvorada, e me conta da reunião. Ele também se mostrou um pouco surpreso e disse: 'Olha, ele só fez isso porque ele tem muito receio da Dilma. Porque ele nunca tratou de recursos comigo e dessa vez ele tratou de um pacote de coisas e de recursos muito alto'. E ele pediu pra tratar desse recurso com o Marcelo Odebrecht." Segundo o ex-ministro, Emílio não trouxe uma "pauta de desejos" específica em troca desse pacto de sangue. "Apresentou vontade de que com o governo da presidente Dilma a relação da Odebrecht com o governo continuasse fluida, como havia sido com o governo Lula." No Twitter, Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, afirmou que "Palocci compareceu ato pronto para emitir frases de efeito como 'pacto de sangue', esta última anotada em papéis por ele usados na audiência". Para o advogado, "Palocci repete papel de validar, sem provas, as acusações do MP (Ministério Público) para obter redução de pena." Em nota, por sua vez, a Odebrecht afirmou que "está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua". "Já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um Acordo de Leniência com as autoridades do Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador e Panamá, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas." Palocci foi um dos homens-fortes do governo Lula | Foto: Ag. Brasil 2. Conta corrente com o PT De acordo com Palocci, as vantagens indevidas pagas pelas empreiteiras ao PT não se destinavam a retribuir benesses específicas obtidas em um ou outro contrato público. Tratava-se de manter uma relação amigável e constante com os mandatários para estar sempre em posição privilegiada em concorrências públicas. Por isso, segundo o ex-ministro, a Odebrecht e outras construtoras mantinham uma conta corrente ativa com o PT, frequentemente abastecida com propina. "A vantagem (repassada ao partido) dá vantagens para a empresa. Essa empresa cria uma conta para destinar aos políticos que a apoiaram", explica. Em contrapartida, de acordo com o raciocínio de Palocci, Lula e o PT criariam ambiente propício na Petrobras para que as empresas obtivessem gordos contratos: "O presidente mantém lá (na Petrobras) diretores que apoiam a empresa, para dar a ela contratos. Esses contratos geram dinheiro. Algumas (empresas) criam operações estruturadas, outras criam caixas dois, outras criam doleiros, e com esse dinheiro pagam propina aos políticos. É isso. Isso aconteceu durante esse período." Palocci não especifica o período, mas infere-se que ele está falando dos governos Lula e Dilma. Os detalhes da conta-corrente com a Odebrecht foram tratados em reuniões entre Emílio Odebrecht e Lula. De acordo com Palocci, Emílio se comprometera a fazer um repasse ao ex-presidente de R$ 300 milhões no final de 2010 e acenara com a possibilidade de ser mais. Ao conversar com Marcelo Odebrecht, no entanto, ouviu que houve uma "divergência de valores". "Ele falou: 'não é R$ 300 milhões, meu pai se enganou, R$ 300 milhões é a soma daquilo que foi dado com aquilo que ainda tem disponível'", diz o ex-ministro. Embora tenha se envolvido na negociação sobre a conta corrente, Palocci afirma ter sido contra essa ideia: "Não queria ter contas com a Odebrecht. Insisto, doutor, não por santidade, eu achava que não devia ter conta corrente, eu achava que devia continuar tendo uma relação de confiança, onde a gente buscava os recursos quando necessário. Eu tinha essa postura." Palocci, no entanto, foi voto vencido diante do interesse do próprio Lula em viabilizar a conta corrente: "Não era prática do Emílio tratar de reservas e recursos com o presidente Lula. Esse assunto não era pauta das reuniões. Mas nessa foi. Esse foi o espanto do presidente Lula. Não o espanto de ter disponível R$ 300 milhões, ele gostou disso. Tanto que na segunda vez falou que o dr. Emílio tinha confirmado os 300 e que poderia ser mais, pra eu cuidar disso. Não é pra cuidar do espanto dele, é pra cuidar do dinheiro", disse. Emílio Odebrecht fez parte do mega acordo de delação premiada negociada em 2016 com o Ministério Público Federal. Em seus depoimentos, confirmou o repasse de propinas para o PT, a pedido do próprio Lula. Mas não citou a reunião dos R$ 300 milhões da conta corrente. Marcelo Odebrecht, no entanto, mencionou o assunto em depoimentos da colaboração firmada. Segundo Palocci, campanha de 2014 da ex-presidente "foi uma das que mais teve ilicitudes" 3. Dilma ajudou a manter esquema De acordo com Palocci, Dilma não apenas sabia do esquema corrupto entre PT, Odebrecht e outras empreiteiras, como foi beneficiária e mantenedora dos arranjos. Segundo ele, tanto as campanhas presidenciais de Lula quanto as de sua sucessora foram custeadas com dinheiro ilícito. "Várias vezes eu falei para empresas: o senhor, pode fazer doações para a campanha do presidente tal e da presidente tal?", relata, e continua: "Eu sabia que depois os tesoureiros iam lá e (as empresas) faziam pagamento lícitos e ilícitos, caixa 1 e caixa 2. Muitas vezes era caixa 1 para simular pagamento legal, mas a origem do dinheiro era ilegal." Na sequência, Palocci dá como exemplo da mecânica de doações ilegais à campanha de reeleição de Dilma, em 2014. "Essa foi a campanha que mais teve caixa 1 e foi uma das que mais teve ilicitudes. Por quê? Porque o crime se sofisticou no campo eleitoral, as pessoas viram que o problema era o caixa 2, então transformaram tudo em caixa 1. O ponto é a origem criminosa dos valores, a Lava Jato desvendou esse mistério", afirma Palocci. A ex-presidente Dilma e o PT sempre negaram caixa 2 ou ilegalidades no financiamento da campanha. No entanto, Palocci dá exemplos de situações em que tais temas foram tratados na presença dela ou dependeram de sua chancela. Segundo o ex-ministro, em meados de 2010 ele participou de uma reunião com Lula, Dilma e o então presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. No encontro, realizado na biblioteca do Palácio da Alvorada, o então presidente tratava da exploração do pré-sal. De acordo com Palocci, Lula teria dito: "Palocci está aqui porque ele vai lhe acompanhar nesses projetos, para que eles tenham total sucesso, e para que ele garanta que uma parcela desses projetos financie a campanha dessa companheira aqui (Dilma), que eu quero ver eleita presidente do Brasil." Ainda naquele ano, mas após a eleição de Dilma, teria havido uma nova reunião. Dessa vez, além de ambos, estariam Lula e Emílio Odebrecht. O objetivo do encontro, afirma o ex-ministro, era colocar Dilma a par das relações entre o PT e a empresa, para que ela conservasse todos os acordos - "lícitos e ilícitos", nas palavras dele. Palocci diz que Dilma cumpriu o papel a contento, "em diversas ocasiões". "Na área de aviação, por exemplo. Odebrecht desejava muito ter um aeroporto de porte sob seu comando, na medida que o governo privatizou os aeroportos. Na primeira leva, Guarulhos, Viracopos, Brasília, a Odebrecht perdeu os três. Ela queria muito o de Campinas, mas perdeu. Entrou com o recurso contra o consórcio vencedor Triunfo/UTC, entrou tentando derrubar na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil)", diz Palocci. Como a presidência da Anac àquela altura era uma nomeação de Palocci, a empresa teria pedido a ele que intercedesse a seu favor, o que o ex-ministro nega ter feito. Ele, no entanto, não tardou em arrumar uma solução administrativa que beneficiasse a Odebrecht, em 2013, com a anuência de Dilma. "Eu fui à presidente Dilma e ela disse que eles deviam ficar calmos que em uma próxima licitação ela cuidaria desse assunto. Retiraram o recurso que tinham na Anac e foram beneficiados na licitação do Galeão. Como foram beneficiados? Houve uma cláusula nessa licitação que impedia o vencedor da licitação de Cumbica de participar da licitação do Galeão", diz. Ele reforça: "(A cláusula) foi colocada por solicitação da Odebrecht. E eu tive participação nisso". Um dia após as acusações de Palocci, por meio de sua assessoria, a ex-presidente Dilma qualificou como "ficção" as palavras do ex-ministro. "A ficção criada pelo senhor Antonio Palocci não se sustenta. A Odebrecht pagou 300% a mais pelo direito de explorar o aeroporto do Galeão. Nenhuma empresa desembolsou tanto. Que benefício ela obteria do governo Dilma Rousseff pagando a mais? Qual a lógica que sustenta o relato absurdo do ex-ministro?", questiona a nota. "A lógica que move o senhor Antonio Palocci é a mesma que acomete outros delatores presos por longos períodos. A colaboração implorada é o esforço de sobrevivência e a busca por liberdade. Isso não significa que se amparem em fatos e na verdade. É um recurso desesperado para se livrar da prisão. Em outros períodos da história do Brasil, os métodos de confissão eram mais cruéis, mas não menos invasivos e implacáveis", diz a ex-presidente. 4. Petrobras, corrupção e campanhas Segundo o ex-ministro, a maior parte das doações da Odebrecht para as campanhas petistas - principalmente as presidenciais - era feita em caixa 1. "Mas o Caixa 1 muitas vezes originário de atitudes e contratos ilícitos." Questionado por Moro sobre "contratos que geraram crédito" - ou seja, aqueles nos quais a empreiteira pagava um percentual em propina -, Palocci diz que foram "diversos". Mas fez questão de citar uma estatal. "Os da Petrobras, quase todos geraram crédito." O esquema, diz, funcionava da seguinte forma: após as diretorias serem nomeadas, foi desenvolvida "uma relação de intenso financiamento partidário, de políticos, pessoas, empresas". "Na diretoria de Serviços, o PT; na diretoria Internacional, o PMDB, e na diretoria de Abastecimento, o PP", detalha. "Esse foi um ilícito crescente na Petrobras, até porque as obras cresceram muito e com elas, os ilícitos." O ex-ministro relata ter conversado com Lula sobre "essas relações". E deu exemplos: "Quando o presidente foi reeleito, em 2007 ele me chamou no Palácio da Alvorada e me falou: 'Soube que na área de serviços e de abastecimento tá havendo muita corrupção'. Eu falei: 'É verdade'. Ele falou: 'E o que que é isso?'. Eu falei: 'É aquilo que foi destinado pra esses diretores: operar para o PT de um lado e para o PP de outro'. Palocci afirma que Lula disse ter pensado em "tomar providência". "Mas logo após veio o pré-sal, e o pré-sal pôs o governo em uma atitude frenética em relação à Petrobras (...). E aí as coisas continuaram correndo do jeito que eram." O petista diz que a Odebrecht sempre doou para suas campanhas pessoais, e confessa que muitas vezes de forma ilegal. "Até antes de vir aqui chequei no TSE pra ver se tinha alguma doação legal no meu nome e não tinha. Se não tinha doação legal eu lhe garanto que teve doação ilegal, porque a Odebrecht não deixaria de doar para uma campanha minha." Ele conta ter feito pedidos à empreiteira para as campanhas presidenciais. "Normalmente não foi no período em que eu era ministro, porque eu pedi antes de eu ser ministro, em 2002, e em 2006 eu já não era mais ministro. Mas no período em que eu fui ministro eu tive uma relação fluida com eles também. Não escondo isso não", afirma. "Eu dizia a eles: 'contribuam com a campanha do presidente Lula, ou da presidente Dilma. E eles falavam 'estamos pensando em um valor de R$ 50 milhões', e eu falava 'pode ser', e mais tarde voltava lá e falava 'quem sabe um valor de R$ 60 milhões'." Ex-ministro está preso em Curitiba desde o ano passado 5. Terreno do Instituto Lula e apartamento em São Bernardo do Campo Palocci fala ainda sobre as suspeitas de que, em troca de vantagens em contratos da Petrobras, a Odebrecht teria comprado um terreno, que deveria sediar um museu do Instituto, e uma cobertura em São Bernardo do Campo, ao lado do apartamento em que o presidente vive com a família. De acordo com o ex-ministro, a negociação envolvendo o terreno aconteceu ainda em 2010, no último ano do petista na Presidência, motivo pelo qual a área não poderia ser doada a Lula legalmente. Havia uma urgência para conseguir um lugar onde ele pudesse guardar o acervo presidencial. Palocci diz ter sido contrário ao modo como a situação foi conduzida. "Na época eu não estava entendendo a pressa. Eu sugeri ao Marcelo (Odebrecht): 'compre o terreno, quando o instituto for instalado, você doa o prédio'. Não é ilegal doar um prédio. Ou pelo menos fica com uma aparência mais legal. Desculpa, doutor, eu não estava de santo, não. Eu só estava querendo... nosso ilícito com a Odebrecht já estava muito grande naquele momento. Essa compra não precisava ser um ilícito. Ou pelo menos (seria) um ilícito travestido de lícito", diz. Em seu depoimento na condição de delator, Marcelo confirmou que a Odebrecht comprou o terreno. A transferência do Instituto Lula para o local jamais se concretizou porque, de acordo com o ex-ministro, ele convenceu o ex-presidente de que a transação seria um risco muito grande: "Mas no conjunto, considerando a pessoa do presidente Lula, o governo, a Odebrecht, o Instituto Lula, aquilo era um ilícito grave, uma fratura exposta. Era um convite à investigação", diz Palocci. Um dos artífices ideia do terreno, que ele qualificada de "trapalhada", foi José Carlos Bumlai. Segundo o ex-ministro, também coube ao pecuarista a negociação para a compra da cobertura vizinha à de Lula, em São Bernardo. O imóvel seria importante para acomodar os seguranças e pertences do petista. No esquema narrado por Palocci, um primo de Bumlai ficou responsável por comprar o imóvel contando com algum tipo de compensação do Instituto Lula. Para Palocci, Lula "agia com pouco cuidado em relação a isso". "Perguntei: 'presidente, do que se trata esse apartamento? Eu nunca ouvi falar dele'. E ele me explicou que era um apartamento que a segurança do presidente tinha alugado e que ele gostou daquele apartamento, que para ele que tinha cinco filhos ficava melhor e ele estava pensando em comprar esse apartamento. Foi essa a informação que ele me deu apenas. Eu falei com ele sobre a conversa com o Bumlai do Instituto e disse que não queria fazer desse jeito." A BBC Brasil não conseguiu contato com a defesa de Bumlai. Em depoimento à Justiça, ele falou anteriormente que tratou da instalação do Instituto Lula em 2010 diretamente com Marcelo Odebrecht.
Incas: e se a Europa tivesse sido conquistada pelo império liderado por Atahualpa?
A última obra do escritor Laurent Binet, um romancista francês de 44 anos, responde uma pergunta que milhões de latino-americanos provavelmente já se fizeram muitas vezes. O que teria acontecido se a América tivesse "descoberto" e colonizado a Europa, e não vice-versa?
O inca Atahualpa é imaginado invadindo a Europa no livro Em Civilizações, o escritor imagina um mundo onde um pequeno e bastante plausível acidente na história mudou o rumo do planeta: exploradores vikings, em vez de simplesmente passarem pela costa canadense, são forçados a se estabelecer no continente americano. Quinhentos anos depois, sua herança — na forma de armas de ferro, anticorpos e cavalos — transformou a resposta dos índios Taino, no Caribe, à chegada de Colombo. No romance, em 1531, é o último rei do império inca, Atahualpa, quem invade a Europa e inicia a colonização do império de Carlos 5º, do sacro império romano-germânico. A BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol) conversou com o escritor francês sobre esse cenário imaginado. Os espanhóis assassinaram o rei inca Atahualpa BBC - O sr. é um escritor francês que responde a uma pergunta que os latino-americanos já se fizeram muitas vezes. De onde veio a ideia? Fim do Talvez também te interesse Laurent Binet - A ideia me ocorreu no outono de 2015, depois de ser convidado para a Feira do Livro de Lima. Esse foi o gatilho, porque naquela viagem descobri muitas coisas sobre os índios pré-colombianos, os incas e a conquista de (Francisco) Pizarro (europeu que invadiu e dominou o Peru) que achei muito interessantes. Depois me deram um livro de Jarred Diamond chamado Guns, Germs and Steel (Armas, Germes e Aço), no qual há um capítulo inteiro sobre Atahualpa e Pizarro. Neste capítulo Diamond quem pergunta por que foi Pizarro quem veio ao Peru para capturar Atahualpa e não Atahualpa quem foi à Europa capturar Carlos 5º. E foi isso que me deu a ideia. Isso me fez pensar: Por que não? Agora vejo em que condições seria possível que a coisa acontecesse ao contrário. E os elementos da resposta também me foram dados por Jarred Diamond, porque sua teoria é que os incas, os nativos americanos, precisavam de três coisas principais para poder resistir aos espanhóis: cavalos, aço e, acima de tudo, anticorpos. O romance de Binet é uma versão alternativa da história BBC - Em seu livro,o sr. imagina que para isso bastaria uma pequena mudança na história. Binet - Exatamente. Eu acredito nos acasos da história. Quer dizer, acho que existem grandes tendências e a história não muda quando você estala os dedos. Mas isso não significa que não haja grandes coincidências. Uma das questões é que os europeus tinham mais animais domésticos do que os nativos americanos. E em contato com esses animais eles ficavam mais expostos aos micróbios. Por que foram os europeus que conquistaram o mundo e não os asiáticos ou os africanos? E talvez a resposta seja por que eles tinham porcos e vacas. Acho que é uma ideia interessante. Agora, também se sabe que os vikings chegaram ao Canadá por volta do ano mil. Eles chegaram, mas não ficaram. Se eles tivessem ficado, tudo poderia ter sido muito diferente. Portanto, este é o meu ponto de partida: o que aconteceria se Cristóvão Colombo chegasse em Cuba e encontrasse indígenas que tinham cavalos, armas de ferro e 400 anos para se preparar para a chegada de seus micróbios? Armas e cavalos foram uma grande vantagem dos espanhóis BBC - Quando começou a escrever simplesmente se deixou levar pela pergunta e pelo prazer de tentar respondê-la através de um romance, ou também tinha um propósito político? Binet - Você é sempre político, queira ou não, um texto sempre acaba sendo político. Eu tinha certeza de que seria divertido, e também muito interessante, ter a perspectiva dos derrotados. Há, de fato, outro livro sobre os incas, The Vision of the Vanquished (A Visão dos Aniquilados), de Nathan Wachtel, que explica como os incas viram a chegada dos espanhóis. E esse exercício de inversão foi claramente algo que me interessou e eu queria olhar para externos à nossa própria sociedade. Achei isso tão divertido quanto interessante. Mas o livro foi construído numa perspectiva um tanto erudita, pois gosto de fazer muita pesquisa. Pensei nisso como um jogo e é por isso que o livro tem o mesmo nome de um jogo de computador: Civilization. O título em francês também é escrito assim, com z, como em inglês, porque é uma referência ao jogo. Tudo que fiz foi colocar no plural. Não é civilização, mas civilizações. BBC - O sr. descreve uma Europa com poucas liberdades e muitas desigualdades, fragmentada pelas guerras religiosas em 1500. E Atahualpa aproveita esse momento para conquistá-la. Mas o tipo de sociedade um pouco mais justa e igualitária que você oferece aos "levantinos" — como você chama os europeus — é um reflexo da sociedade inca? Binet - Certamente havia diferenças (entre a sociedade inca e as sociedades europeias). Mas minha intenção não era estabelecer uma hierarquia e dizer que os indígenas eram melhores. Nem os incas, nem os astecas tinham democracias. Eram impérios imperialistas, que de fato estavam em processo de expansão. É por isso que eu não queria que o modelo de Atahualpa fosse Erasmus (de Roterdã), mas Maquiavel. Porque Atahualpa não era escritor ou poeta, mas chefe de Estado. E como chefe de estado, ele precisava de Maquiavel mais do que de Erasmus. Portanto, suas decisões são pragmáticas. Se ele ajuda os judeus, os muçulmanos ou os camponeses alemães, e se ele se alinha com a França, é por pragmatismo, o mesmo pragmatismo de Hernán Cortés (espanhol que destruiu o império asteca). No México, Cortés fez algo semelhante: aliou-se a todos os povos indígenas conquistados pelos astecas. Então para mim é puro pragmatismo, como Cortés e Pizarro. E em um nível estratégico ao longo de meu livro Atahualpa se comporta e raciocina como Cortés e Pizarro. Onde posso encontrar aliados? Bem, entre as minorias oprimidas, foi o que Cortés fez. E então ele arma uma armadilha para Carlos V, assim como Pizarro fez em Cajamarca para capturar Atahualpa. Sabemos pelos próprios conquistadores que Atahualpa era alguém inteligente, agradável. Mas usando esses elementos eu o torno mais astuto, um pouco como um espelho de Cortés. Na verdade, devo confessar que tenho uma queda por Cortés. Binet escreveu o livro após uma viagem ao Peru BBC - Mas então por que os incas e não os astecas? Montezuma teria sido o protagonista se antes de ir à Feira do Livro de Lima você tivesse ido a Guadalajara? Binet - Pode ser. E fui depois na Feira de Guadalajara. Então sim, a escolha foi um pouco fruto do acaso, mas ao mesmo tempo fico feliz por ter escolhido os incas, porque sua organização econômica e social me parece mais interessante. Então foi um acaso, mas um acaso feliz. BBC - No livro, há muitos episódios em que o sr. parece inverter o que aconteceu durante a conquista. Binet - Sim. Por exemplo, o massacre de Toledo (episódio do livro) equivale ao massacre de Cholula nas mãos de Cortés e seus homens, simplesmente transferido para a Espanha. BBC - Quanto tempo gastou pesquisando e documentando para identificar e compreender todos esses episódios? Binet - Foram quatro anos de trabalho. Na França, o livro saiu em 2019, então foram quatro anos de trabalho e muitas leituras de todos os tipos. Especificamente sobre os incas, existem muitos livros muito bons em francês, mas uma de minhas fontes mais importantes foi Garcilaso de la Vega, assim como as crônicas da conquista. Pedro Pizarro, primo de Francisco Pizarro, por exemplo, escreveu a história da conquista do Peru, e muitos conquistadores espanhóis forneceram testemunhos muito valiosos sobre os incas. Na verdade, eles são os únicos, porque não há depoimentos escritos dos próprios incas. Mas Garcilaso de la Vega foi fundamental para me ajudar a entender a organização política, econômica e social dos incas, suas regras e seu sistema de distribuição de terras, que me interessou muito. O Atahualpa de Binet foi parcialmente inspirado no espanhol Hernán Cortés BBC - O livro também destaca seu papel de provedor dos mais vulneráveis, como uma versão do Estado de bem estar social primitivo. Binet - Exatamente. Porque a pergunta que todos me fazem é o que seria diferente na Europa hoje se os Incas tivessem nos invadido? E minha resposta nesse caso foi: teríamos tido seguridade social muito antes. BBC - E o sr. realmente acha que as coisas teriam acontecido assim? Realmente acha que nosso mundo seria muito diferente? Binet - Acredito que pelo menos não teríamos um sistema capitalista, mas uma economia planejada. Acho que essa seria a principal diferença. E quando se trata de questões religiosas, acho que uma parte significativa da Europa poderia ter adotado o culto do Sol. Mas não tenho certeza se o catolicismo teria desaparecido completamente. Eu ainda gosto de imaginar um mundo no qual os incas invadem a Europa e então os astecas se juntam a eles e, finalmente, os incas e astecas se aliam contra os católicos e os muçulmanos turcos de Suleiman. E acho que, geopoliticamente, isso também teria reconfigurado muitas coisas em uma época em que, como você bem sabe, a religião era muito instável na Europa. Houve Martinho Lutero, Henrique 8º que criou sua própria igreja na Inglaterra... Certamente muitas coisas teriam mudado. Mas também não acho que teríamos paz na Terra e democracia depois do século 17, de forma alguma. Acho que as guerras teriam continuado. Só que em vez de igrejas, outros tipos de templos teriam sido construídos, então também teria havido muitas mudanças arquitetônicas, artísticas, etc. Muitas mudanças. Embora até que ponto é algo que não posso saber. BBC - O sr., como escritor, parece estar brincando com a história. É o que mais te interessa? Binet - Certamente estou interessado na relação entre história e ficção. Na verdade, todos os meus três romances falam sobre isso, apenas de ângulos diferentes. A questão é confrontar a realidade e a ficção e ver como se relacionam. Às vezes eles se fundem, às vezes eles se rejeitam, às vezes eles se casam, e todas essas possibilidades me interessam. História é certamente minha matéria favorita. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
O 'milagre' que livrou mulher de ser executada por matar o homem que a estuprou
Noura Hussein soluçou incontrolavelmente quando viu sua mãe no início deste mês. Era a primeira vez que ela recebia a visita da família desde que foi presa um ano atrás, no Sudão.
Após casamento forçado, Noura diz ter se defendido da violência sexual com uma faca A jovem de 19 anos foi condenada à morte após matar o marido, a quem acusou de tê-la estuprado. Chorando, ela disse à mãe que havia planejado se matar depois de sofrer a violência em casa. Mas quando tudo parecia perdido, inclusive para seus pais, um "milagre" aconteceu. Um tribunal de apelação reverteu a sentença de morte por enforcamento. O advogado dela, Abdelaha Mohamad, confirmou que a pena foi convertida em cinco anos de prisão. A mãe, dela Zainab Ahmed, resumiu à BBC News seu sentimento com a notícia: felicidade. Em entrevista exclusiva à BBC, seu pai havia dito que nunca imaginou que fazê-la se casar com o primo teria consequências tão terríveis. "Ela passou a se odiar depois do estupro", disse a mãe antes da decisão judicial favorável à filha. "Ela tinha uma faca pronta para tirar sua própria vida se ele a tocasse novamente." Mas, no calor do momento, quando ele se aproximou outra vez, ela o esfaqueou. Foi legítima defesa, sua mãe insiste. Noura queria terminar os estudos e sonhava ser professora. Mas foi forçada ao casamento aos 16 anos e tentou fugir. Após se esconder na casa de uma tia, foi devolvida pela própria família ao marido. Ela diz que alguns dias depois de retornar, o marido chamou alguns primos e estes a seguraram enquanto ele a estuprava. No dia seguinte, o marido teria tentado fazer o mesmo. Noura diz que apenas se defendeu com a faca. Campanha internacional Quando Noura foi sentenciada à morte, no mês passado, uma campanha online, #JusticeforNoura (Justiça para Noura), espalhou-se pelo mundo. A modelo Naomi Campbell e a atriz Emma Watson estavam entre as celebridades que se uniram aos ativistas para exigir a anulação da pena. Naomi postou no Instagram uma reportagem do jornal The Guardian pedindo ajuda para pressionar o governo sudanês e salvar Noura. Quando a Anistia Internacional pediu às pessoas que enviassem mensagens ao Ministro da Justiça do Sudão pedindo que ele interviesse a favor de Noura, o volume enviado forçou-o a obter um novo endereço de email. Noura só descobriu essa corrente de apoio pelo mundo quando sua mãe a visitou na prisão feminina de Omdurman. O mundo atual dela é limitado pelas paredes da prisão, onde todos os detentos vivem em um grande quintal. "Não há teto, então, a maioria das mulheres precisa usar lençóis para se proteger do sol", explica o coordenador da ONG Justiça na África, Hafiz Mohammed. Noura permanece com as algemas ela usa desde que foi presa. Antes da pena de morte ter sido convertida a prisão, a mãe da jovem disse que Noura aparentava estar saudável, mas seu "espírito parecia quebrado". Menina com sonhos A segunda de oito filhos, Noura Hussein cresceu na aldeia de al-Bager, 40 quilômetros ao sul de Cartum. É um lugar árido, cercado por morros arenosos e rochosos, não muito longe do rio Nilo. As cores brilhantes das frutas e legumes colocados em panos no chão do mercado local proporcionam raras explosões de cores que quebram a paisagem predominantemente marrom e empoeirada. Zainab Ahmed diz que sua filha sempre foi uma garota quieta e inteligente. "Ela tinha ambições", afirma Zainab. "Noura sonhava estudar direito na universidade e se tornar professora." Sua numerosa família deixara a região de Darfur, dominada pelo conflito, para se mudar para al-Bager quando Noura era criança. Eles não tinham muito dinheiro, mas o negócio do pai - uma pequena loja de ferragens que vendia ferramentas e óleo - significava que a garota poderia ter acesso à educação. Mas em 2015, o primo de 32 anos de Hussein, Abdulrahman Mohamed Hammad, a pediu em casamento. Ela tinha 16 anos. Sua mãe diz que a filha, inicialmente, não pareceu incomodada com a ideia, mas pediu permissão para continuar estudando. Ela também pediu que o casamento fosse adiado até que sua mãe, que estava grávida, tivesse dado à luz. Casamento forçado Mas a pressão da família começou a aumentar, principalmente a de seu próprio pai, Hussein. "Muitas jovens da região estavam ficando grávidas e tendo filhos ilegítimos", ele diz. Hussein diz que não queria que ela sofresse um destino semelhante e acabasse sem marido. Enquanto participava da cerimônia inicial de casamento, ficou claro que a oposição de Noura à ideia estava aumentando. Ela fugiu para a casa de sua tia em Sinnar, uma cidade a 350 km de distância, e permaneceu com ela por dois dias. A jovem foi persuadida a voltar para casa após ouvir que o casamento não seria confirmado. Assim que retornou, no entanto, a cerimônia foi concluída, mas ela não seria obrigada a morar com o marido. Nos dois anos seguintes, Noura permaneceu na casa de sua família. Quando Abdulrahman a visitou, ela lhe disse claramente que não queria estar casada com ele. No entanto, os idosos da família começaram a insistir que Noura e seu marido formalizassem o relacionamento e se comportassem como um casal legalmente casado. Em suas comunidades mais próximas, são os anciões que tomam todas as decisões importantes. Honra e respeito familiar são os valores mais importantes da cultura. Seu pai, Hussein, diz que não viu nenhum bom motivo para a filha continuar recusando a união. A família tinha sido paciente por anos. Sob pressão, Noura concordou em morar com Abdulrahman em abril de 2017. Noura queria ser professora e para isso pediu para que seu casamento fosse adiado De acordo com um relato obtido pela CNN, Noura diz que resistiu aos avanços sexuais do marido na primeira semana em que viveram juntos. Ela chorou e se recusou a comer. Quando Abdulrahman dormiu, ela tentou sair de casa, mas a porta estava trancada. No 9º dia, Abdulrahman chegou ao apartamento com alguns parentes que rasgaram suas roupas e a seguraram enquanto ele a estuprava, segundo o relato da CNN. No dia seguinte, Abdulrahman tentou novamente. Desta vez, Noura pegou a faca que ela disse à mãe que usaria para se matar. O relato de Noura diz que, na luta com o marido, a mão dela foi cortada e Abdulrahman mordeu seu ombro. Depois, o relato pula para a parte em que Noura sai correndo para a casa de seus pais, segurando uma faca ensanguentada. Hussein e sua mulher ficaram aterrorizados quando viram a filha em pé na frente deles segurando a arma do crime. "Eu matei meu marido depois que ele me estuprou", disse ela, estendendo a faca. "Então, entendi a gravidade da situação", diz o pai. Conhecendo a família de Abdulrahman, ele não tinha dúvida de que eles iriam buscar vingança. Família ameaçada Toda a família de Noura ficaria sob ameaça, conta o pai. Então, ele tomou a decisão de levar todos para a delegacia. Noura foi presa e acusada de homicídio premeditado. Sua família apelou aos anciãos para que se fizesse um acordo com a família de Abdulrahman. Eles se recusaram. Em vez disso, insistiram para que Hussein e Zainab não vissem mais Noura se quisessem proteger seus outros filhos. Quando suas casas e estabelecimentos comerciais foram incendiados, Hussein e Zainab nada fizeram. No entanto, a intimidação continuou e o casal decidiu fugir com os outros filhos. Um tribunal em Omdurman, a segunda maior cidade do Sudão, mais tarde condenou Noura. No mês passado, a família de seu marido recusou a opção de uma compensação monetária e a pena de morte por enforcamento foi determinada. Os advogados de Noura apelaram contra a sentença e pediram perdão. O resultado do recurso foi favorável a Noura. Antes do tribunal reverter a sentença, o pai contou numa entrevista que não via sua filha desde a noite em que o crime aconteceu. Ele temia as ameaças ao restante da família. "Também quero ver minha filha e visitá-la na prisão, ajudar a animá-la, mas sou incapaz de fazê-lo", disse o pai antes da decisão judicial que salvou Noura da morte. Até então, ele somente havia conversado com a filha pelo telefone. Segundo ele, ela assegurou que estava bem de saúde. Últimas esperanças Zainab Ahmed sempre disse esperar que um "milagre" de última hora salvasse a filha. Ela acreditava que os anciãos tinham o poder de intervir e convencer a família de Abdulrahman a pedir aos tribunais para revogar a pena de morte. A Anistia Internacional dizia ser quase impossível que isso fosse capaz de acontecer. "Nesta altura dos acontecimentos, isso parece altamente improvável. Se eles tivessem feito isso durante o julgamento, poderiam ter solicitado atenuação. Nesta fase, uma família não teria voz em uma decisão judicial", declarou Joan Nyanyuki, diretora da Anistia para a África Oriental, antes da decisão judicial. No entanto, a pressão internacional pode funcionar, dizia ela. Funcionou. "Quando pedimos às pessoas que enviassem emails ao Ministro da Justiça do Sudão, exigindo o perdão de Noura, ele teve de trocar seu endereço de e-mail após duas semanas. Se as pessoas escrevessem para as embaixadas sudanesas em seus respectivos países exigindo sua libertação, isso faria imensa diferença", apostou Nyanyuki. Mas ela diz que o caso de Noura é apenas um entre milhares de outros casamentos forçados que terminam em violência sexual. Os pais de Noura vivem agora em uma aldeia longe de al-Bager. "Eu não esperava que as coisas atingissem esse grau. Ninguém quer uma vida miserável para sua filha", diz Hussein que, antes da decisão judicial favorável a Noura, disse que a família estava "esperando que Deus a resgate." Com reportagem adicional de Meghan Mohan Ilustrações Katie Horwich *Esta reportagem foi originalmente publicada em 26 de junho de 2018 e atualizada após a notícia da suspensão da sentença de morte.
Explosões são ouvidas no centro de Bagdá
Uma série de fortes explosões foram ouvidas no centro de Bagdá.
Testemunhas dizem que sirenes de alerta ecoaram na área que fica perto do quartel-general das forças de coalizão lideradas pelos Estados Unidos no Iraque. Os ataques acontecem no dia do primeiro aniversário da invasão do Iraque. O secretário de Estado americano, Colin Powell, passou várias horas nesse quartel-general de Bagdá nesta sexta-feira, antes de viajar para a Arábia Saudita. Um porta-voz das forças americanas disse à agência de notícias Reuters que não tinha informações sobre a causa das explosões. A chamada "zona verde" controlada por soldados americanos na capital iraquiana vem sendo atacada regularmente desde que foi estabelecida, no ano passado.
Malásia aprova cães farejadores para combater pirataria de CDs
Dois cães farejadores emprestados à Malásia fizeram tanto sucesso no combate à pirataria de DVDs e CDs que o governo encomendou novos animais para fazerem parte permanente das unidades policias que lidam com o problema no país.
Os dois labradores de cor preta, Lucky e Flo foram treinados por um criador na Irlanda do Norte e emprestados às autoridades da Malásia pela Motion Picture Association of America (MPAA, associação americana que congrega a indústria do cinema). A Malásia é um dos maiores produtores de DVDs e CDs ilegais do mundo. Desde a chegada dos dois cães em março eles ajudaram as autoridades malaias a descobrirem mais de 1,3 milhões de DVDs e CDs piratas, no valor de cerca de 15 milhões de ringgit (cerca de R$ 8,6 milhões) em buscas realizadas em armazéns e lojas do país inteiro. Os cães chegaram a ter suas cabeças postas à prêmio por gangues criminosas. Os animais foram treinados para identificar o cheiro de policarbonatos - elemento químico usado na fabricação de CDs e DVDs. Os cães descobrem o esconderijo dos produtos, que em seguida precisam ser identificados pela polícia como falsificados ou legítimos.
Powell passa por cirurgia de câncer de próstata
O secretário de Estado americano, Colin Powell, está passando por uma cirurgia de câncer de próstata nesta segunda-feira.
As informações foram divulgadas pelo Departamento de Estado americano. A operação está sendo feita no Centro Médico Militar Walter Reed, em Washington. Não foram divulgadas informações sobre o estado de saúde do secretário americano. O porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, disse que Powell deve ficar hospitalizado por “vários dias” antes de retornar para casa. Ainda não se sabe quando o câncer foi diagnosticado. Segundo a agência de notícias France Presse (AFP), funcionários próximos a Powell ficaram sabendo da doença apenas na manhã desta segunda-feira.
Pior está por vir, mas colapso no inverno pode ser evitado, diz médico de universidade que prevê 100 mil mortes por covid no Brasil em abril
O Brasil deve enfrentar um mês de abril mais mortífero do que março na pandemia, ainda em consequência do relaxamento das medidas preventivas a partir do final de 2020. Mas tanto a população quanto os governos podem, com ações e medidas preventivas a partir de agora, evitar que novos picos devastadores do coronavírus nos atinjam novamente durante o inverno.
Embora número de casos deva começar a cair agora, Brasil ainda enfrentará alta de mortes por covid-19 em abril, segundo projeção de instituto americano A análise é do médico libanês Ali Mokdad, professor do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, instituição americana que na última semana divulgou projeções preocupantes para o Brasil. O instituto estima que o Brasil deve registrar mais 100 mil novas mortes por covid-19 apenas neste mês de abril - um terço a mais do que as cerca de 66 mil mortes causadas pelo coronavírus no já devastador mês de março. No cenário mais provável, levando-se em conta uso de máscaras pela população, mobilidade social e ritmo da vacinação, o instituto americano estima que o Brasil vai contabilizar um total de 562,8 mil mortes até 30 de junho. No pior dos cenários estimados pelo IHME, esse total pode chegar a 597,8 mil mortes. Fim do Talvez também te interesse "Esperamos que os casos (de coronavírus no Brasil) comecem a cair nesta semana. (Mas) o pior ainda está por vir, porque as mortes demoram mais - elas continuarão a subir e só cairão depois de algumas semanas", diz Mokdad em entrevista à BBC News Brasil. "Além disso, o que é muito preocupante no caso do Brasil é que o surto ocorreu durante o verão, e, se tratando de um vírus sazonal, se fizermos uma projeção de longo prazo, pode ocorrer uma nova alta no inverno de vocês. É isso que nos preocupa." A seguir, veja as principais ponderações de Mokdad (que iniciou sua carreira trabalhando nos CDCs, centros de controle de doenças dos EUA) sobre por que este mês ainda vai ser tão devastador no Brasil - e como a vacinação e o uso de máscaras melhores podem trazer alento nos meses seguintes. 'Um abril terrível' As estimativas do IHME sobre a covid-19, feitas para todas as regiões do mundo, se baseiam em pesquisas de opinião sobre adesão ao uso de máscaras e confiança nas vacinas, bem como em dados sobre mobilidade da população e sobre aquisição de imunizantes por parte dos governos. As projeções para o Brasil chamam a atenção em comparação com o resto do mundo e também com outros países que enfrentaram altas taxas de contágio e mortes - como EUA, Reino Unido, México e Índia - porque, para aqui, a expectativa é de uma curva de mortes ainda inclinada nos próximos meses. Projeção de mortes por covid-19 no Brasil (gráfico do alto) tem curva mais acentuada do que no Reino Unido, por exemplo, daqui até julho "Esperamos que a mortalidade caia na terceira semana de abril, até o começo do inverno, quando os casos e mortes vão subir - mas não tanto quanto agora, porque haverá mais pessoas vacinadas do que agora", prevê Ali Mokdad. Mas a situação do inverno pode ser agravada caso abra-se brecha para o surgimento de mais novas variantes perigosas - que emergem em áreas onde o vírus consegue circular livremente. "Vocês (brasileiros) ainda terão um abril terrível e potencialmente também um terrível inverno, caso haja uma nova variante que torne a vacina menos eficiente", prossegue Mokdad. "Temos de ser muito cuidadosos. Será preciso conter as infecções e as variantes, para ter um inverno mais ameno e um próximo verão de comemoração." O inverno preocupa os infectologistas porque a estação mais seca e fria, com menos ventilação dos ambientes, traz condições ainda mais propícias para a circulação do coronavírus. "O vírus é sazonal. No inverno passado, se pensarmos na Argentina, que tinha medidas rígidas em vigor e uso de máscara na casa dos 90%, mesmo assim a infecção cresceu", explica o médico. 'Honestamente, o governo não tem levado a pandemia a sério' O fato de o Brasil estar tendo seu pico da pandemia justamente nos meses quentes do ano deixou Mokdad mais alarmado. Segundo sua avaliação, ainda estamos pagando o preço do relaxamento das medidas de distanciamento social no final do ano passado, que facilitou o avanço da perigosa variante P.1, originada no Brasil. A conclusão vem da análise de dados de mobilidade gerados pelo deslocamento de celulares. "O que aconteceu no país foi um relaxamento nas medidas de distanciamento social: o governo não impôs medidas em vigor a tempo, e as pessoas relaxaram, voltaram à vida normal, como se não houvesse covid-19. A nova variante fez com que as infecções ocorressem mesmo em comunidades onde 60% ou 70% das pessoas já haviam sido infectadas", diz Mokdad. "Isso significa que infecções prévias não oferecem boa imunidade contra essa nova variante. Pessoas infectadas antes podem se infectar de novo. E isso significa também que as vacinas não serão tão eficientes, o que também preocupa." "Agora, as pessoas mudaram seu comportamento, reduziram sua mobilidade e estão usando mais máscaras, então os casos estão baixando. (...) Em dezembro, basicamente, estava todo mundo se deslocando em níveis iguais aos de antes da pandemia", diz o médico. Uso amplo de máscaras, principalmente se forem melhores ou uma usada por cima da outra, pode prevenir até 55 mil mortes no Brasil nos próximos meses, estima universidade "O uso de máscaras (segundo pesquisas de opinião) estava em 58% em dezembro, e agora subiu para 69%. (...) A questão de longo prazo para o Brasil é: será que os brasileiros conseguirão manter essa melhora de comportamento para conter o vírus, ou permitirão um novo surto, como esperamos que aconteça no inverno?" "E o grau desse surto dependerá de comportamentos a partir de agora e de ações do governo. Infelizmente para o Brasil, sinceramente, o governo não tem levado a pandemia a sério." Como evitar um inverno tão desastroso quanto o momento atual O caminho trilhado a partir de agora, diz Mokdad, vai determinar se teremos um inverno com um número gerenciável de casos, ou um colapso semelhante ao que vivemos no momento. "É porque a quantidade disponível de vacinas para o Brasil no momento não é suficiente para garantir imunidade de rebanho até o inverno. Por isso, todos nós neste campo de trabalho estamos dizendo aos países ricos: 'se vocês têm mais vacinas do que precisam, por favor mandem-nas ao Hemisfério Sul, porque é onde os casos vão aumentar no inverno, enquanto nós, no Hemisfério Norte, entraremos no verão'. Então é no Hemisfério Sul." O aumento da oferta de vacinas ajudaria a conter a circulação do vírus e a prevenir o surgimento de novas variantes, que, mais potentes, podem prejudicar os esforços de vacinação em todo o planeta. " É do interesse nacional de países ricos impedir o avanço do vírus no mundo inteiro. Nenhum de nós estará seguro até que todos nós estejamos seguros. E o único jeito de controlar as variantes é controlando as infecções, e para isso precisamos vacinar em áreas onde a infecção tende a aumentar - e no momento é no Hemisfério Sul, em lugares como Brasil, Argentina, Chile e África do Sul." 'O peso econômico do vírus' Mokdad concorda que manter a mobilidade baixa vem com um custo econômico, sofrido principalmente por quem é impedido de trabalhar pessoalmente. "É um equilíbrio difícil e delicado entre abrir economicamente e salvar vidas - principalmente (no caso de) populações pobres, que precisam trabalhar para poder comer. Nos preocupa muito que essa balança penda em direção à economia. (Porque) precisaremos planejar para conviver com este vírus por muito tempo", diz o pesquisador. "Se você disser para alguém em São Paulo 'fique em casa por duas semanas para conter o vírus', você está oferecendo uma cesta de alimentos para ela comer nesse período? É o principal desafio que os países estão enfrentando." Dito isso, Mokdad opina que os governos "não podem se eximir" da obrigação de promover o fechamento das atividades não essenciais neste momento. "Alguns países fecharam das 5h da tarde às 5h da manhã e mantiveram os negócios funcionando. As medidas precisam ser mais sérias (do que isso)", diz. Alta intenção da população de se vacinar é uma das principais armas contra a covid, diz pesquisador "E a liderança é muito importante. Aqui nos EUA, o presidente (Joe Biden) usa máscara todas as vezes que aparece. O presidente anterior (Donald Trump) nunca usava máscaras. E isso faz muita diferença para as pessoas que votaram nele, para suas bases. É muito importante que a liderança use máscara - uma máscara boa ou duas máscaras, para mostrar que isso faz diferença." Vacinação e boas máscaras: as armas disponíveis Um dos fatores que jogam a favor do Brasil, no momento, é o nível alto de aceitação das vacinas, diz Mokdad. Em 20 de março, pesquisa do Datafolha apontou que 84% dos brasileiros tinham intenção de se vacinar. É mais do que nos EUA, "onde a aceitação fica em torno de 75%", afirma o médico. "O fator que ajuda o Brasil no momento é a vacinação. O que prejudica é a sazonalidade, a mobilidade (alta) e uso de máscaras (insuficiente). E essas questões vão influenciar o tamanho do surto nos próximos meses." "Vacinem o máximo que puderem, é uma corrida contra o tempo, antes do inverno. E melhorem o uso de máscaras. Nem todos têm acesso às vacinas no Brasil, mas todos podem ter acesso a máscaras. Se você encorajar o público a usar máscara, vai reduzir muito a transmissão. E se você já está usando máscaras, meu conselho é: passe a usar uma máscara melhor ou use duas máscaras. (...) Eu por exemplo sempre uso duas máscaras (ele mostra uma do tipo cirúrgica por baixo de uma de pano). Porque, dependendo do formato do rosto, sobram espaços nas laterais das máscaras. Uma segunda máscara fecha essa brecha. Em um país como o Brasil, no momento em que está chegando o inverno, certamente vocês se sairão muito melhor se usarem máscaras melhores." A projeção do IHME aponta que, em um cenário em que todos usassem máscaras no Brasil, seria possível evitar 55 mil mortes até julho. Temor de que pico de mortes vivido atualmente se repita no inverno; acima, enterro de vítima de covid no Rio Como ficam as escolas? O funcionamento seguro de escolas, na opinião de Mokdad, terá de ser avaliado em âmbito local - e depende tanto das medidas de segurança adotadas pela própria escola quanto dos cuidados tomados por todos da comunidade. "Sim, as crianças têm menos risco de morrer de covid-19, mas elas podem pegar covid-19. E sim, as escolas que seguem protocolos podem ser abertas com segurança, mas a questão é por quanto tempo", opina ele. "No Brasil, a questão não deveria ser 'devemos abrir ou não a escola?', sabendo que muitos jovens estão fora da escola há tanto tempo. A questão deve ser: por quanto tempo conseguiremos mantê-las abertas, se as abrirmos agora?" "E isso vai depender da circulação do vírus na comunidade. Se você proteger as crianças e as escolas e fizer tudo direitinho, reduzindo as chances de o vírus ser pego na escola, mas a criança voltar à comunidade, pegar o vírus lá e mandar ela de volta para a escola, a escola pode passar a ser um foco de espalhamento do vírus." Brasil e outros países em situação preocupante Além do Brasil, a situação da pandemia causa preocupação em outras partes do Hemisfério Sul, como países sul-americanos e África do Sul, pela iminência do inverno, e países asiáticos, que também têm observado o surgimento de novas variantes do coronavírus. "A Índia tem uma nova variante circulando ali e no Paquistão e Bangladesh, o que fez aumentar muito a nossa projeção de mortes, apesar de o clima lá estar ficando mais quente (por estarem no Hemisfério Norte)", diz Mokdad. "Então estamos preocupados com muitos países, porque o vírus está em alta circulação. Por conta disso haverá novas variantes (mais resistentes), o que significa que infecções prévias não darão imunidade e as vacinas ficarão menos eficientes." 'Com bom comportamento, boas coisas virão' Apesar das projeções preocupantes, Mokdad se esforça para passar uma mensagem positiva. "Neste momento, levando em conta a disponibilidade de vacinas, esperamos que pouco mais de um terço da população brasileira esteja vacinada até julho. É uma boa notícia", afirma. Embora destaque que é preciso levar em conta que as vacinas podem ser menos eficientes diante de novas variantes, ele ressalta que a vacinação em massa será o caminho para a normalização. "É muito importante que o público saiba que, se fizermos tudo direito - usarmos bem as máscaras, tomarmos as vacinas - é muito provável que possamos voltar a alguma normalidade, embora não 100% ainda, porque não temos imunidade de rebanho. Mas no mínimo podemos ter uma estação de infecções muito menor (no inverno)." "E pessoas vacinadas podem ver umas as outras, ver seus netos. Com bom comportamento boas coisas virão, mas todos temos de fazê-lo e todos temos de ter paciência. Não podemos nos dar ao luxo de comemorar prematuramente, e temos de aprender a conviver com este vírus, que vai ficar com a gente por muito tempo, infelizmente. Talvez tenhamos de mudar nossos comportamentos de acordo com a estação - no inverno, ser ainda mais vigilantes com o uso de máscaras e evitar aglomerações, e no verão talvez possamos relaxar mais, até todos estarmos vacinados ou até existir um bom medicamento contra covid-19, algo que até o momento não existe." 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Peregrinos começam a chegar a Meca; assista
Centenas de milhares de peregrinos começaram a chegar a Meca nesta quinta-feira para o Hajj, a peregrinação anual à cidade sagrada.
O Hajj é considerado uma das maiores demonstrações de fé em massa do mundo. Mais de 1,5 milhão de muçulmanos devem participar neste ano. Nos últimos anos, o evento tem sido marcado por acidentes, incluindo a queda de prédios e empurra-empurra. No ano passado, mais de 360 morreram em um tumulto. O Hajj é uma das obrigações que todo muçulmano deve cumprir pelo menos uma vez na vida se tiver condições financeiras.
Superadobe: o material de construção sustentável e resistente a terremotos que pode salvar vidas
O sol arde lá fora, enquanto galinhas correm no quintal e música toca sob a lona da cozinha improvisada. As nuvens da manhã se dissipam, dando lugar à imagem do vulcão Popocatepetl parcialmente coberto de neve.
As casas de superadobe são resistentes a terremoto, além de sustentáveis Pelas ruas de Hueyapan, em Morelos, no México, ainda é possível ver os escombros do terremoto de magnitude 7,1 que atingiu a região em setembro de 2017. O epicentro do abalo fica a apenas 60 quilômetros daqui. Pablo Cuauhtémoc Saavedra Castellanas está parado ao lado da obra da nova casa de sua família. Mas diferentemente de muitos vizinhos, Saavedra não está usando blocos de concreto na reconstrução - e, sim, um material chamado superadobe. Como este material é feito a partir de terra, não requer recursos externos. E, algo que é importante para quem vive em zonas sísmicas, é resistente a terremotos. Fim do Talvez também te interesse A técnica Sacos de polipropileno preenchidos com uma mistura de terra e cal são empilhados uns sobre os outros. As paredes da casa são cobertas por três camadas de terra, cal, grama e esterco de cavalo. O telhado é, atualmente, uma lona. Mais tarde, a lona será substituída por telhas de barro fabricadas localmente, que compõem há séculos a arquitetura regional. "Para mim, é fascinante ter uma casa de superadobe, acima de tudo por causa da arquitetura e pelo uso da terra, a partir de recursos locais", diz Saavedra. "Sou apaixonado pela nossa cultura e tradições. Construímos casas de terra por muitos anos. Ter uma casa feita de superadobe é levar isso a outro patamar." Foto da construção da casa de Pablo Cuauhtémoc Saavedra Castellanas Saavedra é um jovem tecelão que segue a tradição das avós, criando tecidos com lã de ovelha e os tingindo com plantas locais. Ele também ensina náhuatl, a língua indígena mais falada na região central do México. Durante o terremoto, tanto sua casa quanto a escola de náhuatl desmoronaram, junto com outras 300 construções desta comunidade de cerca de 7,5 mil habitantes. Dez pessoas morreram e diversas ficaram feridas. Saavedra e sua família receberam os materiais e as instruções para construção da casa da organização Siembra Arquitectura, com sede na Cidade do México, que ensina as pessoas desabrigadas pelo terremoto a erguer residências resistentes. Um dos materiais que eles estão incentivando a usar é o superadobe. Origem 'espacial' O superadobe foi desenvolvido pelo arquiteto iraniano-americano Nader Khalili. Ele apresentou seu sistema de construção com sacos de terra pela primeira vez em um simpósio da Nasa, agência espacial americana, em 1984. Os participantes do evento deviam compartilhar ideias sobre como fazer construções na Lua e em Marte, usando materiais disponíveis localmente, devido aos custos exorbitantes de transportar materiais da Terra para o espaço. O superadobe é feito a partir de uma mistura de terra com cal, que é comprimida dentro de sacos empilhados uns sobre os outros "Quando meu pai fez essa apresentação, tinha em mente que a terra é realmente ouro: 99% do material que você precisa para construir um abrigo para si mesmo está em seu próprio terreno. Trata-se de sustentabilidade e empoderamento de verdade", diz Sheefteh Khalili, codiretor do Instituto Cal-Earth. Esta organização sem fins lucrativos, fundada por seu falecido pai em 1991, ensina as pessoas a construir estruturas sustentáveis, resistentes a desastres, usando uma arquitetura baseada na terra. Evolução da tradição O superadobe não é muito diferente do adobe, usado há séculos nesta região. O adobe é um material que consiste em terra compactada com materiais orgânicos, como milho, feno e esterco animal. É um dos materiais de construção mais antigos do mundo, embora seus componentes possam variar. O superadobe também é fabricado a partir de terra e de materiais orgânicos. Mas a mistura é fortificada com cal, depois comprimida em sacos de polipropileno - o mesmo material usado para criar diques de sacos de areia para conter inundações. O interior de uma casa de superadobe no Instituto Cal-Earth Estes sacos são empilhados uns sobre os outros - e cada camada é separada por arame farpado. Isso mantém os sacos no lugar e efetivamente forma as paredes da estrutura. Estima-se que as residências de superadobe podem durar séculos, e sua produção é de baixo custo. Nesta comunidade agrícola remota, a produção do novo material também tem potencial de gerar autonomia e empregos mais bem remunerados. "Meu pai desenvolveu o superadobe para ser usado praticamente em todos os lugares", diz Sheefteh. "Não encontramos um contexto em que não seja possível." O superadobe de Nader Khalili foi inspirado em residências antigas de regiões de clima extremo, como os desertos do Oriente Médio. As estruturas feitas do material provaram suportar desastres naturais devastadores. Após o terremoto de magnitude 7,2 no Nepal em 2015 e o furacão Maria em Porto Rico, os edifícios de superadobe continuavam de pé. Casas de superadobe no Instituto Cal-Earth, organização fundada por Nader Khalili para compartilhar sua técnica Atualmente, existem inúmeras casas de superadobe em todo o mundo, desde abrigos de emergência até residências de luxo. O material foi usado, por exemplo, nas estruturas construídas pela ONG Oxfam no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, e no centro educacional da Fundação Ojai, na Califórnia, nos EUA, que sobreviveu ao incêndio florestal devastador de dezembro de 2017. Arquitetura particular Muitas destas casas têm o formato de cúpula, considerado mais resistente por causa da física por trás da construção em forma de arco. Mas, em Hueyapan, os moradores locais preferem um estilo mais tradicional. Por isso, a Siembra Arquitectura projetou casas retangulares - reforçadas, no entanto, com pilares em todos os ângulos. Sheefteh Khalili diz que o sonho da Cal-Earth era poder enviar construtores treinados para situações de emergências - como, por exemplo, zonas de desastre ou acampamentos de refugiados - levando apenas uma mochila com materiais essenciais para construir casas usando a terra e outros recursos naturais locais. "Compreender os princípios da construção com superadobe significa entender que (o método) está enraizado na arquitetura antiga e indígena, mas que hoje podemos construir edifícios que estejam em harmonia com a natureza e sejam sustentáveis, modernos e realmente seguros", diz Sheefteh. "As pessoas podem viver suas vidas nessas casas que estarão lá por muitas gerações." Como se trata de um material térmico, ele libera calor nas casas à noite e frescor durante o dia O superadobe e o adobe também são indicados para regiões com climas extremos como o de Hueyapan, que por estar a 2,5 mil metros de altitude pode ser castigada pelo sol escaldante durante o dia e temperaturas congelantes à noite. O adobe é um material térmico que capta o calor do dia, liberando-o dentro da estrutura durante a noite. Quando anoitece, faz o oposto: absorve o frio que vai refrescar a casa durante o dia. Para os moradores locais, um dos inconvenientes em relação ao material é o tempo que demora para a construção. Pode-se levar até três meses para erguer uma casa de superadobe, dependendo do clima. Tanto a produção de adobe quanto de superadobe requerem misturar materiais e, em seguida, pisar sobre eles - com a ajuda de cavalos, no caso de Hueyapan - para compactar totalmente a mistura. A longa estação chuvosa da parte central do México pode retardar ainda mais esse processo. Esta é uma das razões por que algumas pessoas que perderam suas casas prefeririam ter a nova residência construída com blocos de concreto: é mais rápido. Processo trabalhoso Juan Manuel Espinoza Cortés foi um dos primeiros moradores a receber uma casa de superadobe em Hueyapan - há pelo menos oito. Ele divide a moradia de três quartos, que fica em frente a um pomar, com seus pais Don Luz e Dona Célia. Espinoza Cortés aprendeu a construir a casa com o grupo Siembra Arquitectura e agora supervisiona todos os projetos da organização em Hueyapan. "Construir com concreto é mais fácil", diz Espinoza. "Nós temos de pisar no adobe. Usamos cavalos, usamos gente. Quando você começa a pisar nele, para nivelar a superfície, você percebe o quão intenso será o processo. Mas agora que entendemos como fazer, estamos fazendo mais rápido. Estamos animados. " Os dois terremotos mais fortes de 2017 no México não foram atípicos, e Espinoza testemunhou como sua nova casa reagiu diante de outros tremores. "Ela balança com o movimento da terra", diz ele. "Observei ela se mexer e se acomodar. E outras pessoas também viram isso; isso faz as pessoas terem fé. Mostra que é um material de qualidade." Agora, cerca de três meses após o início das obras, a casa de superadobe de Saavedra está quase pronta. Sua família já se mudou para lá. Embora o processo seja trabalhoso, ele reconhece que não foi difícil de aprender. E está feliz com isso. "É uma construção verdadeiramente ecológica", afirma. "Acima de tudo, o formato retangular é agradável, é realmente uma casa - e tem tudo que uma família necessita para viver bem". Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Alemães criam ‘maior sol artificial do mundo’ dentro de galpão
Mesmo sem muita luz natural, a Alemanha tem uma das maiores capacidades de energia solar do mundo. Ainda assim, os 36 gigawatts produzidos pelo país em 2016 correspondem a apenas 6% de sua demanda energética - apesar de ser uma das maiores produtoras da Europa, a Alemanha está bem atrás da atual líder no setor, a China, com uma produção de 77,4GW.
É por isso que cientistas do Centro Aeroespacial Alemão, em Jülich, construíram uma instalação única dentro de um galpão – o “maior sol artificial do mundo”, segundo eles. Composto por 149 projetores de luz de cinema, o "sol" emite um raio de luz que é 10 mil vezes mais forte que os raios solares sobre a Terra. “Esta instalação nos dá luz artificial permanente, o que é muito útil. Especialmente aqui no oeste da Alemanha, onde o clima não é perfeito”, disse à BBC Kai Wieghardt, coordenador do projeto. Através do dispositivo, chamado Synlight, os cientistas estudam novas maneiras de produzir hidrogênio combustível, é considerado uma fonte energética do futuro, já que não contribui para o aquecimento do planeta. No Brasil, onde o sol é abundante, a capacidade de energia solar não chega a 1GW por ano - atualmente está em 83 megawatts, correspondendo a apenas 0,02% da geração elétrica do país.
Cântico dos Cânticos: o livro erótico que está na Bíblia Sagrada
No livro "TerraFutura: Dialoghi con Papa Francesco sull'Ecologia Integrale", uma coletânea de entrevistas do jornalista Carlo Petrini com o papa Francisco lançada neste mês na Itália, o líder máximo da Igreja Católica diz: "O prazer vem diretamente de Deus. Não é católico, nem cristão, nem nada parecido — é simplesmente divino".
Reprodução da tela A Queda do Homem, de Peter Paul Rubens "O prazer de comer serve para manter uma boa saúde, da mesma forma que o prazer sexual serve para embelezar o amor e garantir a continuidade da espécie. O prazer de comer e o prazer sexual vêm de Deus", afirma o papa. Se declarações assim podem causar estranhamento aos conservadores católicos, vale ressaltar que a própria Bíblia Sagrada tem um livro erótico. Cântico dos Cânticos, que consta do Antigo Testamento, é o único poema das escrituras que celebra o amor sexual. Ou, nas palavras do professor de hebraico Robert Bernard Alter, da Universidade da Califórnia, em seu livro The Art of Biblical Poetry, trata-se de um texto sobre "dois amantes que se elogiam e se desejam com convites para o prazer mútuo". Mas por que uma obra assim acabou incluída na Bíblia — tanto nas escrituras judaicas, o Tanakh, quanto no compilado de livros que os cristãos chamam de Antigo Testamento? Segundo o filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Junior, chefe do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), "não há a possibilidade de falar algo sobre Deus sem falar do amor erótico". "Como falar do divino sem falar das entranhas do humano?", comenta ele em entrevista à BBC News Brasil. "A melhor teologia é sempre teologicamente antropológica. Falamos de Deus olhando corpos, desejos e medos dos humanos. (O poema) foi incluído (nas Sagradas Escrituras) pelos rabinos, pois viram nos textos a metáfora do amor de Deus pelo povo. O amante e a amada." Fim do Talvez também te interesse Reprodução da tela Adão e Eva, de Julius Pausen Diretor de Cultura Judaica do clube A Hebraica de São Paulo e presidente da Cátedra de Cultura Judaica da PUC-SP, José Luiz Goldfarb recupera essa interpretação. "É um dos poemas mais lindos da Bíblia judaica, um dos poemas mais cantados nas nossas cerimônias, sinagogas. Sem dúvida, um texto curioso, quase erótico", diz ele, à BBC News Brasil. "Claro que a interpretação é a relação do povo de Israel com Deus, uma relação de paixão absoluta, uma paixão quase física." No livro O Cantar dos Cantares, o professor de exegese e padre Alzir Sales Coimbra enfatiza que o livro recebe diversas leituras quanto ao tema central. "Destacam-se os temas da sexualidade e do erotismo, do amor erótico, do amor apaixonado, das experiências e descobertas amorosas, do amor sexual. Sem esquecer a definição de Carlos Mesters (frade carmelita e exegeta, autor de Sete Chaves de Leitura para o Cântico dos Cânticos): 'o amor entre o homem e a mulher tem a ver com Deus'", expilca à reportagem padre Boris Agustín Nef Ulloa, professor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da PUC-SP. "O Cântico dos Cânticos tem sido objeto de leituras e releituras", acrescenta à BBC News Brasil o padre Carlos Alberto Contieri, reitor do Colégio São Luís e diretor do Pateo do Collegio. "Mas, o tema principal da coletânea é o amor e, mais especificamente, o amor erótico entre o homem e a mulher. Na interpretação alegórico-tipológica judaica e cristã, no amor entre homem e mulher há uma força divina que se mostra na figura insubstituível do parceiro." Enredo Quando ao estilo literário poético, Ulloa, da PUC-SP, não vê o Cântico como um livro peculiar. "Talvez, poderia-se falar em peculiaridade se o olhar se volta para os personagens que desenvolvem o enredo, a trama do livro: o diálogo amoroso entre homem e mulher", analisa. "A busca incessante do amado pela amada e vice-versa. Este livro, muito provavelmente foi incluído na Bíblia para nos ensinar que a melhor forma de falar de Deus e com Deus é a materialidade do amor humano. Isto é, o amor humano revela o ser de Deus. Em outras palavras, Deus se revela no amor humano." "São poemas assentados em antigas histórias de amor que circulavam na oralidade das culturas orientais. A linguagem é explicitamente erótica e irreverente, descrevendo os corpos do amado e de sua amada", diz Altemeyer, da PUC-SP. Página inicial do Cântico dos Cânticos, manuscrito com iluminuras, da Biblioteca de Bamberg, da Alemanha Entre historiadores não há um consenso se o Cântico é um único poema ou uma antologia — já que é possível observar mudanças bruscas de narrador e de cenas. Em seus oito capítulos, contudo, o livro bíblico apresenta diálogos entre amantes, um eu-lírico feminino enaltecendo seu amado e um eu-lírico masculino descrevendo a beleza da mulher. A voz feminina, por sua vez, é carregada de ousadia. "Que os seus lábios me cubram de beijos! O seu amor é melhor do que o vinho. O seu perfume é suave; o seu nome é para mim como perfume derramado. Nenhuma mulher poderia deixar de amá-lo. Leve-me com você! Vamos depressa! Seja o meu rei e leve-me para o seu quarto", diz ela, logo no primeiro capítulo. Para Altemeyer, o Cântico "é uma bela teologia de corpos enamorados que sentem arder o amor e o desejo por vontade de Deus". "O livro é tão enigmático que um verso central traz a exortação cantada pelo coro: 'Podem comer, companheiros, bebam e fiquem embriagados, queridos amigos', exemplifica. "A plenitude íntima dos amantes curiosamente se estende a um coletivo naquele mesmo instante do encontro íntimos do amor. Toda a humanidade e a natureza se tornam partícipes da libido de quem vive o amor erótico." "O livro é testemunha da meditação do povo de Israel em seu duro momento histórico, que mescla versos proféticos e versos sapienciais. O autor da versão final quis manter a perspectiva de mistério pela poesia. Nas grutas de Qumram [sítio arqueológico na Cisjordânia], encontramos quatro exemplares do livro, como testemunhas de seu uso em todas as comunidades", contextualiza Altemeyer. "A história judaica é repleta de metáforas poéticas do amor conjugal aplicadas ao Deus pessoal e 'ciumento'. Ainda temos leituras dramáticas que cantam a mulher amada em novelas e sagas de amor. Se torna o canto sagrado do amor sexual. Ou seria o canto profano do amor divino? Um livro intrigante…" Logo no primeiro versículo, o livro tem a autoria atribuída a Salomão (990 a.C. - 931 a.C.), rei de Israel. Tanto que a obra também é chamada de Cânticos de Salomão. Mas há muitas controvérsias sobre quem teria realmente escrito os poemas. "A origem dos poemas, ao menos em sua primeira redação — note-se que os livros bíblicos passaram por redações e compilações sucessivas, até que se chegasse ao texto tido como canônico, texto final que entrou na lista dos livros considerados inspirados pela tradição judaica e cristã — surgiu num ambiente pastoril-agrícola e campestre", pontua Ulloa. "Quanto à autoria, há grandes controvérsias entre os estudiosos do livro. Há os que defendem que Salomão teria sido seu autor. Contudo, a grande maioria aponta para o período da dominação persa, isto é, entre os anos 450 a 330 a.C." "Não está excluído que o início dessa campanha literária seja o século 9º a.C., o reinado de Salomão. Quanto à data da compilação da coletânea ou da redação final do livro, os autores variam entre o século 7º a.C. e o século 3º a.C.", afirma Contieri. "Os textos são atribuídos ao rei Salomão, como tantos entre os livros sapienciais. Entretanto podemos perceber que remontam aos antigos cantos de amor entoados no Egito Antigo", compara Altemeyer. Para o filósofo e teólogo é um livro que "quer ser lido com amor e paixão por pessoas enamoradas". "Um livro sem travas psicanalíticas, pois deixa a todos nus diante do Criador, que assim nos fez belamente. Os versos devem ser lidos sem pudor como algo radicalmente humano louvando os corpos ardentes e seus desejos mais íntimos. Os 117 versos em oito capítulos estão repletos de corpos, de toques e da sexualidade erótica. É canto de puro amor encarnado. De uma forma radical e explícita ele testemunha a feminilidade exuberante. Não pode haver Igreja sem útero e sem amor", completa. Capa do livro de Haroldo de Campos em que ele traduz o Cântico dos Cânticos "Considero particularmente interessante, muito provocativo, que o Cântico dos Cânticos tenha entrado para a Bíblia judaica e tenha essa peculiaridade, de se tornar erótico, quase provocar uma relação muito forte entre o homem e a mulher, o amado e a amada", diz Goldfarb. "É um texto interessantíssimo e que passou também para a tradição cristã." O Cântico dos Cânticos foi incorporado à bíblia judaica provavelmente no século 2º. "Na tradição cristã, principalmente, na patrologia defendeu-se uma leitura e interpretação alegórica. Fato que também existia na tradição rabínica judaica. Por sua vez, no final da Idade média e inicio da idade moderna, entre os grandes mestres da espiritualidade cristã, houve uma interpretação mística, na qual se identificava a aliança esponsal entre Deus e a alma humana. Sendo Deus — o amado — e a alma — a amada", explica Ulloa. "Já no período contemporâneo, com o antropocentrismo e os avanços científicos e tecnológicos, com o advento e progresso das ciências da psiquê, da valorização da corporeidade e das identidades sexuais, o livro passou a ser lido e interpretado à luz desses novos contextos: o amor humano como busca permanente de sentido da existência", completa ele. Nos ritos Goldfarb conta que na tradição judaica trechos do Cântico dos Cânticos são recitados na cerimônia de apresentação, à comunidade, de uma filha mulher. "É uma cerimônia muito linda que ocorre nas sinagogas do mundo todo. O pai e a mãe anunciam o nascimento de sua filha mulher e dão a ela o nome hebraico", contextualiza. Ícone de Rei Salomão "Nós, da sinagoga da Hebraica de São Paulo, tivemos a sorte de utilizar a tradução do [poeta e tradutor] Haroldo de Campos [1929-2003], antes mesmo de ela ser publicada em livro", relata ele. "Uma vez eu contei para ele [sobre a cerimônia] e, como ele estava trabalhando na tradução, acabou nos ofertando graciosamente, com muita amizade, para que utilizássemos em nossa sinagoga." A tradução de Haroldo de Campos saiu em Éden: Um Tríptico Bíblico. Já no cristianismo, segundo explica Altemeyer, o texto não é tão difundido. "Católicos e evangélicos pouco conhecem o livro. Na Igreja Católica, ele entra nas leituras só duas vezes durante os 365 dias do ano", aponta. "Ou seja: é um livro escondido. Ou ainda, recalcado." Para ele, contudo, o poema traz uma faceta da dimensão humana que não poderia ser ignorada nas Sagradas Escrituras. "Como coletânea bibliográfica — Bíblia —, o livro dos judeus e cristãos não poderia ficar sem essa literatura universal", comenta. "Se há novela na Bíblia, com Jó, se há aventura, Sansão e Dalila, se há poemas e cânticos, nos Salmos, e história, festas, lutas e sangue, como deixaria de fora a sexualidade? É parte integrante da obra do Criador." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Após ataque em show de Ariana Grande, Reino Unido eleva alerta de terrorismo para nível 'crítico'; o que se sabe até agora
A polícia britânica informou que Salman Abedi, de 22 anos, é suspeito de ter sido o homem-bomba que matou 22 pessoas e deixou 59 feridas em um ginásio de Manchester, na noite de segunda-feira.
Imagens mostram momento da explosão em show de Ariana Grande em Manchester "A prioridade agora é continuar a investigar se ele agia sozinho ou como parte de uma rede maior", disse o chefe de polícia Ian Hopkins. A primeira-ministra britânica, Theresa May, afirmou ser provável que "um grupo mais amplo de indivíduos" seja responsável pelo atentado. O governo britânico também elevou o alerta para ataques terroristas no país para nível "crítico", o que significa que a expectativa é de um novo atentado a qualquer momento. O homem-bomba, que a polícia diz ser Abedi, se explodiu do lado de fora do ginásio Manchester Arena, durante a saída de show da cantora pop americana Ariana Grande, às 22h33 locais (18h33 de Brasília). O local tem capacidade para 21 mil pessoas. Abedi era natural de Manchester e de família de origem líbia. Ele tinha ao menos três irmãos e viveu em diversos endereços em Manchester, entre eles um local na região de Fallowfield que foi alvo de buscas nesta terça-feira. Investigador forense é visto deixando a casa em Fallowfield com um pequeno livro intitulado 'Conheça seus químicos' O suspeito também era aluno da universidade de Salford, na região de Manchester. A instituição informou que está auxiliando a polícia local em seus questionamentos. Ainda na manhã desta terça-feira, a polícia prendeu um jovem de 23 anos por suspeita de ligação com o atentado. Até o momento não há detalhes sobre o suspeito, detido na saída de um shopping da cidade. A complexidade da bomba usada por Abedi é um dos motivos que apontam para a possibilidade de ação de uma rede de colaboradores. Povo de Manchester fez vigília em homenagem às vítimas Alerta máximo Em pronunciamento na noite desta terça, Theresa May informou que o nível de alerta para ataques no país foi elevado para "crítico". Ela fez o anúncio após um encontro do Cobra, o comitê máximo de segurança do governo. Milhares de pessoas se reuniram em Manchester em vigília em homenagem às vítimas do ataque O estado de alerta no país estava no nível "alto" - o que indica alta possibilidade de ataque - desde 2014. Na noite desta terça-feira, um homem foi preso pela polícia antiterrorismo no aeroporto de Stansted (o terceiro maior de Londres) sob suspeita de planejar viajar para a Síria para preparar atos de terrorismo. O homem de 37 anos foi barrado antes de embarcar em um voo para a Turquia na noite desta terça e levado para uma delegacia no Sul de Londres, onde está detido. A prisão não teria qualquer ligação com o ataque a Manchester. A capital britânica foi alvo de um ataque há dois meses, quando um homem atropelou pedestres na ponte de Westminster e tentou invadir o Parlamento armado com uma faca, matando cinco pessoas e ferindo outras 50. É a terceira vez que o Reino Unido registra alerta crítico para ataques terroristas desde a introdução do sistema. A primeira vez foi em 2006, quando uma operação desbaratou um plano para atacar linhas aéreas transatlânticas com bombas líquidas. O alerta atingiu o nível máximo novamente em 2007, quando um homem tentou acionar um explosivo em uma casa noturna de Londres antes de seguir para um ataque no aeroporto de Glasgow, na Escócia. Com a elevação do alerta, membros das Forças Armadas serão enviados a diferentes partes do Reino Unido para reforço da segurança. Segundo a primeira-ministra, esses militares deverão ser vistos em "grandes eventos", como jogos de futebol e shows. Por meio de comunicado na rede social Telegram, o grupo islâmico Estado Islâmico disse que o ataque em Manchester foi realizado por "um dos soldados do califado", mas a reivindicação de autoria ainda não foi verificada. Homem foi preso nesta terça na saída de shopping em Manchester Perfil das vítimas Das 22 vítimas do ataque, ao menos três foram identificadas: Saffie Rose Roussos, de 8 anos, a estudante universitária Georgina Callander, de 18 anos, e John Atkinson, de 28 anos. Saffie, de 8 anos, estava no show com a mãe e uma irmã, que foram hospitalizadas. Uma professora da garota a descreveu como "uma linda pequena menina em todo aspecto da palavra", que era "amada por todos". Os feridos - que incluem 12 crianças com menos de 16 anos - estão sendo tratados em oito hospitais da região. Ainda há pessoas desaparecidas, entre elas quatro adolescentes. Saffie Roussos, de 8 anos, Georgina Callander, de 18 anos, estão entre as vítimas do atentado após show Solidariedade Logo após o ataque, moradores da cidade britânica ofereceram acomodação a pessoas de fora retidas na cidade, com a hashtag #RoomForManchester no Twitter. Uma campanha de arrecadação organizada por um jornal local havia reunido até a tarde desta terça-feira cerca de R$ 2 milhões para apoio a famílias de vítimas do ataque. Também houve homenagens às vítimas no entorno da igreja St Ann's. Moradores de Manchester também organizaram uma grande vigília em frente à prefeitura da cidade na tarde desta terça. O prefeito da cidade, Eddy Newman, abriu o ato com um agradecimento aos serviços de emergência, que motivou fortes aplausos. "O povo de Manchester se lembrará para sempre das vítimas, e derrotaremos os terroristas trabalhando juntos para criar comunidades coesas e diversas que são mais fortes juntas. Nós somos os muitos, eles são os poucos", disse o político a milhares de pessoas. Homem com cartaz com a inscrição 'Eu amo Manchester (MCR)' durante vigília em homenagem às vítimas de atentado 'Cruel ataque' Mais cedo, a primeira-ministra Theresa May disse que o episódio foi um "cruel ataque terrorista" e "uma covardia terrível e repugnante". May chegou por volta das 14h de Manchester (10h de Brasília) ao local do ataque. Os partidos britânicos estavam em plena campanha política para as eleições convocadas para o dia 8 de junho, mas a campanha será suspensa até segunda ordem. Nesta terça-feira, a rainha Elizabeth 2ª e o duque de Edimburgo observaram um minuto de silêncio pelas vítimas no Palácio de Buckingham. Primeira-ministra britânica, Theresa May, com o chefe de polícia de Manchester, Ian Hopkins, na sede da corporação em Manchester O ataque em Manchester foi o mais grave atentado à bomba do Reino Unido desde os ataques no sistema de transportes de Londres de 2005, que deixaram 52 mortos. Na ocasião, quatro jovens muçulmanos britânicos detonaram explosivos em três vagões do metrô e um ônibus em Londres. Mais de 700 pessoas ficaram feridas. Jovem ferida recebe atendimento após explosão Polícia escoltou público que saía da casa de shows após explosão; pelo menos 59 pessoas ficaram feridas Testemunhas O britânico Josh Elliot, que estava no show, relatou à BBC que "houve um grande estrondo, e todos começaram a correr". "Foi um tumulto, foi terrível. As pessoas choravam, e havia carros de polícia por todos os lados. Levantamos (do chão) quando achávamos que estávamos em segurança e saímos (da arena) o mais rápido que conseguimos", disse. Mulher é confortada após ataque em Manchester Outras testemunhas também descreveram um cenário de caos. "Ariana Grande tinha terminado a última música e houve um grande barulho. Eu vi pessoas correndo e também corri instintivamente. Terminamos em um corredor sem saída. Foi apavorante. Encontrei a porta principal e havia gente chorando por todo lugar", afirmou o estudante Sebastian Diaz, de 19 anos. Uma mulher contou à rádio BBC de Manchester que estava no show com a filha de 14 anos e que ambas haviam decidido começar a sair pouco antes do final da apresentação. "Quando estávamos saindo ouvimos um estrondo enorme. Na hora pensei que tínhamos perdido algo do show, mas quando nos viramos havia uma multidão descendo as escadas, pessoas caindo. Peguei minha filha e corremos. Pessoas estavam sendo esmagadas no chão." Um porta-voz de Ariana Grande - cujo público é majoritariamente infanto-juvenil - disse que a cantora não se feriu. Pelo Twitter, ela disse estar "devastada" pelo que aconteceu. "Do fundo do meu coração, eu sinto muito. Não tenho palavras", escreveu. Polícia isolou a área da arena e também fez detonação controlada de um objeto após a primeira explosão Polícia nos arredores da Manchester Arena após relatos de explosão O repórter da BBC Tim Ashburn conversou com paramédicos voluntários que disseram ter atendido pessoas com ferimentos foram causados por estilhaços. Segundo o serviço de emergência local, 60 ambulâncias foram enviadas ao ginásio. Linhas que passam pela estação Manchester Victoria, próxima ao local do show, foram bloqueadas - a estação permanecerá fechada por "vários dias", segundo a operadora do local. A polícia de Manchester isolou a área da arena após o ataque e também fez uma detonação controlada de um objeto após a primeira explosão - mas eram apenas roupas abandonadas. "Obviamente todos na cidade estão chocados, tendo visto quão jovens são alguns (dos presentes ao show)", disse Pat Carney, porta-voz da administração municipal. "É um alvo fácil - uma casa de shows onde jovens estão curtindo música." Havia muitas crianças e adolescentes no show de Ariana Grande, onde aconteceu a explosão Representante do governo local, Richard Leese, comentou na noite de segunda-feira à BBC que "Manchester não irá se curvar e seguirá crescendo e prosperando". "Não podemos deixar atos assim nos abater, temos que demonstrar que vamos seguir vivendo nossas vidas. Esse é o momento que temos que ser mais fortes do que nunca", acrescentou.
Japão em alerta de tsunami após terremoto
O Japão emitiu um alerta de tsunami após um terremoto de magnitude 7,3 ter eclodido no mar perto da costa nordeste do país - a mesma região destruída por um tsunami em março de 2011.
De acordo com o Instituto Geológico dos Estados Unidos, o epicentro do terremoto foi a cerca de 245 km da cidade costeira de Kamaishi, a uma profundidade de 36km. A mídia local informou que o tremor também foi sentido na capital, Tóquio. O alerta foi emitido para cinco províncias: Miyagi, Aomori, Iwate, Fukushima e Ibaraki. As ondas em Miyagi poderiam chegar a um metro de altura. Algumas áreas estão sendo evacuadas. E março de 2011, um terremoto de magnitude 9 provocou um tsunami que deixou mais de 15 mil mortos e mais de 3,2 mil desaparecidos. Tópicos relacionados
Pesquisa 'mais completa' em polos mostra aceleração em degelo
Estudo que reuniu os principais especialistas de 20 equipes de pesquisa sobre derretimento das calotas polares revelou que o nível do mar subiu 11 mm desde 1992, por conta do degelo na Groenlândia e na Antártida.
Nível do mar, de acordo com pesquisa, subiu 11 mm em 20 anos. Após diversas polêmicas sobre o fenômeno, pesquisadores de diferentes países usaram imagens feitas por 10 de satélites e amostras no decorrer dos últimos 20 anos para elaborar um relatório aparentemente conclusivo sobre o tema. A pesquisa mostrou que o degelo é mais intenso na Groenlândia, onde diversas bordas da ilha se desprenderam definitivamente. Já na Antártida, boa parte da camada de gelo permaneceu praticamente inalterada. No entanto, a área ocidental do continente tem derretido de maneira acelerada. Os cientistas dizem que o próximo passo é um grande desafio, conseguir prever a evolução do derretimento para os próximos cem anos.
Dilma aceitou 'mentiras descaradas' de militares em comissão, diz escritor
Um pesquisador que trabalhou dentro da Comissão Nacional da Verdade (CNV) diz que as Forças Armadas "mentiram descaradamente" ao colegiado, sob a "passividade absoluta" do governo Dilma Rousseff.
Presidente Dilma Rousseff é observada por comandantes militares em cerimônia no Planalto em dezembro de 2014; governos civis fazem 'pacto de silêncio' sobre violações na ditadura, avalia autor No Brasil, afirma o jornalista e escritor Lucas Figueiredo, o poder militar mente há 30 anos sobre o paradeiro de documentos sigilosos da ditadura, enquanto todos os presidentes civis – de Tancredo a Dilma - ajudaram a manter esses arquivos no escuro. Leia também: Brasil deixará Haiti em 2016: 'Serei o último a partir', diz general Para ele, a CNV colheu 1.121 depoimentos, promoveu 80 audiências, consumiu mais de R$ 7 milhões em recursos públicos e terminou em dezembro de 2014 com um relatório de 4.328 páginas "muito fraco" em novidades e esclarecimentos. "A CNV nasce cheia de problemas, com saída e troca de integrantes, mas tinha condições de ter avançado muito mais", diz o autor mineiro de 48 anos, que acaba de lançar o livro Lugar Nenhum – Militares e Civis na Ocultação dos Documentos da Ditadura (Companhia das Letras). Fim do Talvez também te interesse Presidente Dilma recebe, do coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, o relatório final da comissão, em dezembro de 2014 O livro nasce do trabalho de Lucas na chamada "equipe Ninja", um time de três jornalistas com fontes nas áreas militar e de inteligência montado pela CNV em 2013 para tentar localizar arquivos sigilosos da ditadura que ainda estivessem nas mãos de órgãos do Estado ou particulares. Trabalhando em conjunto com historiadores da Universidade Federal de Minas Gerais, a equipe teve acesso a documentos inéditos dos arquivos da repressão, e concluiu que estes haviam sido escondidos do poder civil pelos militares. O material, contudo, ficou de fora do relatório final da CNV – por motivos que Figueiredo diz desconhecer. "Sinceramente não sei, mas foi muita informação que deixaram de usar. É uma pergunta que tem que fazer para eles. No mínimo aconteceu alguma coisa muito estranha ali", diz o jornalista. Documentos do Cenimar, o antigo centro de informações da Marinha, mostravam como funcionava a microfilmagem de arquivos do regime militar Em fevereiro deste ano, questionada pelo jornal Folha de S.Paulo, a ex-integrante da CNV Maria Rita Kehl disse ter ficado "estarrecida" pela ausência dos documentos, disponíveis à comissão desde 2013. O último coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse à BBC Brasil que não se manifestaria sobre o livro de Figueiredo por desconhecer seu conteúdo. Afirmou, contudo, que a professora da UFMG Heloísa Starling, que trabalhou com Figueiredo na CNV, teve acesso a todos os textos do relatório final da comissão antes da publicação. "Tenho segurança que se a professora tivesse notado alguma lacuna relevante (no relatório) ela teria, como todo outro assessor da CNV, apontado sugestões, e isso não ocorreu", disse Dallari. A reportagem tentou contato com Starling, mas até a publicação desta reportagem não obteve resposta às mensagens deixadas. Professor da Faculdade de Direito da USP, Dallari afirmou ainda que a colaboração dos militares com a comissão foi mínima, e que "o argumento de que os documentos (da ditadura) foram destruídos não me convence". Sobre uma eventual passividade do governo diante da atitude do poder militar, disse "não ter elementos para fazer juízo de valor". Microfilmes A documentação confidencial citada por Figueiredo no livro são 2.775 microfilmes do acervo do Cenimar, o serviço secreto da Marinha, produzidos no início da década de 1970. Na microfilmagem, o documento é fotografado e fica registrado em película de alta resolução – que pode durar até 500 anos. O material havia sido cedido pelo jornalista Leonel Rocha, que o recebera de um militar anônimo que o guardara por 30 anos. A revista Época publicou parte do conteúdo em 2011. Leia também: O que há de real por trás do mito dos Illuminati? Os papeis registravam que o Cenimar havia miniaturizado 1,2 milhão de páginas de documentos do regime, e isso apenas entre 1972 e 1973. Também detalhavam engrenagens da repressão: operações de órgãos de inteligência, cadastros e recibos de pagamentos a espiões infiltrados em organizações de esquerda, relatos oficiais que confirmavam a prática de tortura pelo Estado. Reprodução de arquivo do serviço secreto da Marinha de 1972 que incluía militantes de esquerda em lista de mortos; Comissão da Verdade ignorou documento, afirma jornalista Para Figueiredo, esses papeis ignorados pela CNV também trazem revelações ao serem comparados com respostas que as Forças Armadas vêm dando desde 1985 sobre o paradeiro dos arquivos da ditadura – a linha geral é que houve uma destruição total, legal e rotineira dos documentos. "Quando pegamos os microfilmes de 1972 e comparamos com as respostas de 1993 (dadas pelas Forças Armadas na primeira tentativa do Executivo de obter informações sobre desaparecidos políticos), você conclui que em 1972 eles sabiam muita coisa e em 1993 diziam não saber mais. Fica claro que em 1993 tinham documentos e mentiram", afirma o escritor. Um exemplo de "comparação que fala" na opinião de Figueiredo: os microfilmes de 1972 tinham uma seção chamada "prontuários de pessoas mortas", que misturava fichas de mortos ilustres com dados sobre 11 desaparecidos políticos. "Em 1993, porém, as mesmas 'pessoas mortas' foram mencionadas pela Marinha como foragidas, desaparecidas, em local ignorado, etc. Nenhuma figurava como falecida", escreve o jornalista no livro. 'Pacto de silêncio' Pioneiro na safra brasileira mais recente de jornalistas-escritores, Figureiredo lançou-se na seara do livro-reportagem com o best-seller Morcegos Negros (2000), sobre bastidores do esquema PC Farias durante o governo Collor. De lá para cá, lançou mais cinco livros, entre eles Ministério do Silêncio – a história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula (1927-2005), de 2005, e Olho por Olho - os livros secretos da ditadura, de 2009. Os anos de pesquisa sobre repressão política no Brasil lhe trouxeram a convicção de que todos os presidentes civis desde 1985 promoveram "silêncio complacente" em relação aos arquivos da ditadura. Nenhum escapa das críticas do jornalista. "O pai da criança é o Tancredo (Neves), que fala abertamente que não vai investigar. (José) Sarney entrou vendido porque era muito fraco, ele se escorava nos militares. Depois Collor e Itamar fazem vistas grossas. FHC e Lula colocam a União para combater a abertura dos arquivos na Justiça, que é uma postura mais grave. E você tem a Dilma que é de uma passividade absoluta, porque as Forças Armadas mentiram descaradamente para ela durante a CNV e ela não fez nada", resume. Documentos microfilmados traziam listas e registros de pagamentos a agentes infiltrados, resumo de operações de segurança e papeis sobre atuação dos EUA no Brasil Figueiredo relata no livro como a CNV pediu audiência com Dilma assim que terminou a pesquisa com os microfilmes do Cenimar, por considerar as informações graves. Descreve como os comissários pediram à presidente que fossem esclarecidas as divergências entre 1972 e 1993 e que todos documentos da ditadura ainda em poder do Exército fossem enviados ao Arquivo Nacional. Em quatro dias úteis, conta o autor, a demanda passou pela Casa Civil (então comandada por Gleisi Hoffmann), Ministério da Defesa (sob Celso Amorim) e chegou aos comandos militares, onde veio com a resposta conhecida: não há arquivos, e os que existiam foram destruídos legalmente em época incerta. Lucas Figueiredo: 'Para todos (presidentes pós-ditadura) foi mais interessante manter as gavetas fechadas do que abertas' "E assim terminava, no governo Dilma Rousseff, a busca pelos arquivos secretos da ditadura. Tudo muito rápido e com explicações incompletas e contraditórias por parte dos militares. E, por parte das autoridades civis, também com bastante pressa. E grande passividade", conclui o jornalista na obra. Tempo x justiça Uma das novidades do relatório final da CNV foi uma lista com nome de 377 militares, policiais e ex-agentes que atuaram de forma direta ou indireta na repressão política. Desse total, 158 (42%) estavam mortos na época da divulgação do relatório. Leia também: Fotógrafa conta como venceu batalha contra esquizofrenia após 10 anos sem sair de casa Para Figueiredo, isso mostra que o tempo da chamada "luta por justiça" em relação a crimes do período está "acabando" - ele cita como exemplo a morte, no último dia 15, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado por familiares de mortos, presos políticos e Procuradoria de ter praticado torturas e mortes no período. Movimentos sociais protestaram em São Paulo em 2014 para expor militares e ex-policiais acusados de tortura; tempo para 'luta por justiça' se esgota, avalia pesquisador "Há pouco (no último dia 15) o (coronel Carlos Alberto Brilhante) Ustra morreu. As pessoas estão morrendo, é uma questão geracional. Daqui a pouco não vai ter ninguém para se sentar no banco dos réus", afirma. Sobre o papel dos militares no Brasil de hoje, e em tempos de crise política, Figueiredo disse considerar "despropositada" a declaração recente do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, em videoconferência neste mês para oficiais da reserva. Na ocasião, conforme informou a Folha de S.Paulo, Villas Bôas disse ver risco de a turbulência política se transformar em "crise social", e sugeriu que isso seja um assunto caro às Forças Armadas. "A crise é política e econômica e deve ser tratada apenas pelos civis", afirma Figueiredo. "Não vejo hoje risco de golpe, mas a questão não é essa. Os militares precisam se subordinar 100% ao poder civil. E não o fazem. Isso limita nossa democracia. E passa a informação ao pessoal da área de segurança que o agente público pode, sim, sequestrar, torturar, matar e ocultar cadáveres; que seu gesto, quando mira um inimigo 'justo', não é só aceitável como tem apoio da corporação. É o que vemos hoje com as polícias militares e civis nas favelas." A BBC Brasil solicitou à Casa Civil da Presidência da República um posicionamento sobre as declarações de Figueiredo e o conteúdo do livro Lugar Nenhum, mas não houve resposta. Também encaminhou uma síntese das afirmações do escritor à assessoria do Ministério da Defesa, que informou que transmitiria o conteúdo aos comandos militares para eventuais manifestações - que não haviam ocorrido até a publicação desta reportagem.
Como a turbulência eleitoral afetou a vida dos argentinos e 'aproximou' rivais
A cerca de 70 dias do primeiro turno da eleição presidencial na Argentina , marcado para o dia 27 de outubro, a população enfrentou uma das semanas mais turbulentas desde que Mauricio Macri assumiu a Presidência da República, em dezembro de 2015.
Derrota expressiva do presidente Macri nas primárias gera debate sobre governabilidade Numa espécie de primeiro turno antecipado, como avaliaram analistas e políticos de diferentes linhas ideológicas, os eleitores argentinos deram ampla vitória à oposição nas primárias partidárias, realizadas no domingo (11). A chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, ex-presidente agora candidata a vice, atingiu um patamar que garantiria a vitória no primeiro turno. O impacto eleitoral nos mercados e no cotidiano dos argentinos foi imediato no dia seguinte à derrota do presidente Macri, que terá bastante dificuldade para reverter o quadro e conseguir se reeleger. O dólar disparou (passou dos 46 pesos para acima de 60 pesos), e as ações desabaram numa queda histórica de 37,9% da Bolsa de Buenos Aires. A moeda americana tem efeito imediato sobre os preços locais e, por extensão, sobre a inflação argentina - antes da turbulência, a taxa prevista era de 40% neste ano. Fim do Talvez também te interesse Operações cotidianas, como a venda de seguros de viagem, com preços baseados em dólar, foram suspensas na segunda-feira (12), e retomada com novos valores nos dias seguintes. O mesmo ocorreu, segundo a imprensa local, com as concessionárias de automóveis. Na quinta-feira (15), uma conversa numa sapataria no shopping Alto Palermo, entre um vendedor e uma compradora argentina, ilustrava o resultado da desvalorização e, como efeito, a nova onda de remarcações de preços. "Vim aqui na semana passada e a bota custava 3.000 pesos (cerca de R$ 280, então) e agora está a 5.000 pesos?", disse. O vendedor lhe respondeu: "Mas o dólar subiu". Nos dias que seguiram a votação, o dólar disparou e a Bolsa de Valores registrou queda histórica O sentimento de surpresa e decepção podia ser testemunhado em outros segmentos da economia. "Votei em Macri porque queria mudanças. Estava cansada de Cristina e sua turma. Mas hoje vivo muito pior do que antes", disse a depiladora que se identificou como Nelly. "Nossa empresa enfrentava obstáculos durante o kirchnerismo (2003-2015) porque tínhamos que lidar com as pressões dos sindicatos, mas as vendas estavam bem. Mas com Macri não esperávamos esta recessão tão forte, essa inflação alta e a falta de perspectivas. Estamos encarando os piores meses das nossas lojas", afirmou à BBC News Brasil o dono de uma das principais redes de varejo da Argentina, sob a condição do anonimato. Peso econômico na eleição Pouco depois de assumir a Casa Rosada, em 2015, Macri descongelou as tarifas dos serviços como de transportes públicos, luz e gás. As duas últimas passaram a ser tão altas, principalmente comparadas aos padrões anteriores, que começaram a ser cobradas em duas parcelas. Em muitos relatos de eleitores, independentemente do setor social, as queixas parecem similares e, segundo economistas, medidas de Macri como o tarifaço acabaram estrangulando o poder de compra e o consumo dos argentinos. "Se a Argentina aumentou tarifas é porque tínhamos ficado sem nada. Sem petróleo, sem gás, sem energia elétrica (durante o kirchnerismo). E hoje temos tudo isso e estamos exportando novamente energia", disse a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, outra das porta-vozes do governo na semana de crise. As pesquisas de opinião não previram tamanha margem de vitória da chapa formada por Cristina Kirchner e Alberto Fernández Durante o kirchnerismo, esses preços administrados chegaram a ser tão baratos quanto um refrigerante. O sistema econômico daquela gestão defendia manter as tarifas artificialmente baixas a fim de conter a inflação, incentivar o consumo e manter um certo patamar de atividade econômica em funcionamento, ao segurar, por exemplo, o preço de combustíveis. Com a derrota nas primárias, Macri ficou no "labirinto" de continuar fazendo campanha e governar, mas, principalmente, mostrar que tem "governabilidade" até a data de passar a faixa presidencial (ou não) no dia 10 de dezembro. Em reação, Macri disse ter "entendido o recado das urnas" e fez uma série de anúncios durante esta semana, como o aumento do salário mínimo e dos planos sociais, além de medidas impositivas, para tentar conter a insatisfação do seu eleitorado que, como ele disse, está fazendo esforços além dos que imaginou diante da crise socioeconômica. Para combater a volatilidade financeira e a incerteza política, o presidente ligou para o rival Fernández, na quarta-feira (14), e o mercado financeiro sugeriu uma trégua, no dia seguinte, com leve baixa do dólar. "Mas é uma trégua muito frágil. Os dois, Macri e Fernández, mostraram vontade de diálogo. Mas se não assinarem nenhum acordo a incerteza vai continuar. É preciso evitar o que o país já viveu quando Alfonsín renunciou seis meses antes do fim do mandato e a falta de um acordo sólido com Menem acabou alongando a crise e a hiperinflação", disse o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires. A eleição está resolvida? O resultado das primárias de domingo (11), quando Fernández recebeu 47% dos votos (suficientes para atingir o patamar de 45% necessário para vencer a eleição presidencial em um primeiro turno) e Macri 32%, antecipou debates sobre a transição do poder para oposicionaistas e até mesmo se Macri terminaria o mandato. O próprio Macri, à sua maneira, rebateu, na quinta-feira, o que os analistas chamaram de "risco de vazio de poder". Numa reunião com centenas de pessoas de seu governo, num auditório em Buenos Aires, Macri disse que "por mais que o mundo se comporte como se já não estivéssemos mais, e como se já estão os que vêm, e nos castigam, nós estamos aqui". Macri não é ligado ao peronismo, e a Argentina é um país com histórico de presidentes não peronistas que não concluem seus mandatos, como nos casos dos ex-presidentes Raúl Alfonsín (1983-1989) e Fernando de la Rúa (1999-2001). A Argentina é um país com histórico de presidentes não peronistas que não concluem seus mandatos "No passado, derrubaram governos. Isso não vai acontecer. E não estamos em transição (do governo para a oposição). As primárias não definiram nada. Não há transição sem eleição presidencial. Quem está na Presidência é o presidente Macri", disse a ministra Bullrich. Na aproximação entre Alberto Fernández e Mauricio Macri, o candidato oposicionista afirmou a rádios locais ter pedido ao atual presidente que "proteja" as reservas do Banco Central para evitar problemas futuros para a Argentina. "Nós e Macri representamos coisas diferentes. Por isso, é difícil que apoiemos suas medidas. Mas foi uma conversa boa para transmitir tranquilidade a todos. Todos queremos que a economia seja estabilizada", disse opositor. Pouco antes, ele responsabilizou Macri pela crise cambial e financeira desta semana. "Foi Macri que disse que se ganhássemos a Argentina viraria a Venezuela. Foi ele que gerou esse temor. Não seremos a Venezuela." Na conversa entre os dois, segundo a imprensa local, Macri justificou a comparação dizendo: "Mas até outro dia Cristina Kirchner apoiava Nicolás Maduro". Fernández disse ainda que, caso eleito, não pretende dar um calote na dívida contraída pelo governo Macri com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo Macri assinou, no ano passado, uma dívida de cerca de US$ 57 bilhões com o organismo. "Peço ao presidente que renegocie o acordo com o Fundo", disse Fernández. Economistas de sua equipe já tinham dito que os prazos de pagamento da bolada, concentrados no próximo governo, são difíceis de cumprir. Neste sábado, no entanto, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujóvne, renunciou ao cargo que ocupava desde janeiro de 2017. Em carta a Macri, Dujóvne escreveu que o governo necessita de uma "renovação significativa na área econômica". A pasta será comandada agora por Hernán Lacunza. Farpas com Bolsonaro A semana foi marcada ainda por declarações de Fernández sobre o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL) durante entrevista a um programa local. Bolsonaro foi chamado de 'racista, misógino e violento' por Fernández, que é aliado de Lula O candidato opositor, que é aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem visitou na prisão em Curitiba, disse que Bolsonaro é "um racista, um misógino e violento que é a favor da tortura." Horas depois, Bolsonaro afirmou que "bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder" na Argentina. Perguntado sobre as novas declarações do presidente brasileiro, Fernández afirmou: "Que ele fale o que quiser". Bolsonaro também ameaçou abandonar o Mercosul caso a Argentina se oponha à abertura comercial do bloco econômico. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Liga das Nações de Vôlei: como Leal se tornou o primeiro 'estrangeiro' da seleção brasileira
O jogador de vôlei Yoandy Leal recebeu neste mês uma ligação do técnico da seleção brasileira masculina, Renan Dal Zotto.
Leal se juntou à seleção na Polônia e estreia no time na sexta-feira, 31 "Ele disse que queria me convocar e perguntou se eu tinha vontade de jogar pela seleção", diz Leal à BBC News Brasil. É claro que ele respondeu que sim: "Estou pronto". Afinal, Leal esperava por isso havia quatro anos. O cubano de 30 anos se naturalizou brasileiro em 2015 com a possibilidade de fazer parte da equipe nacional no horizonte - o que ocorrerá na estreia do Brasil na Liga das Nações, campeonato anual que reúne as principais seleções do mundo, na sexta-feira (31/05). Será a primeira vez em quase sete décadas de história da seleção de vôlei do Brasil que a equipe terá um atleta naturalizado, mesmo que alguns grandes nomes do esporte não aprovem a presença de um "estrangeiro". "Ele é brasileiro", diz Renan taxativamente. "É um jogador fantástico, que sempre atuou em alto nível. Se está legalizado e disponível para defender a seleção, não há por que não convocá-lo." Fim do Talvez também te interesse Como um dos melhores - e mais vitoriosos - jogadores de vôlei do mundo na atualidade, Leal chega não apenas para fazer parte da equipe, mas para disputar a titularidade na posição de ponteiro e com potencial de ser protagonista do time. A decisão de trocar Cuba pelo Brasil Uma das tatuagens de Leal é uma frase atribuída ao guerrilheiro argentino Che Guevara - "Não se vive celebrando vitórias, mas superando derrotas" - que ele tem como inspiração na carreira de atleta. Mas, em sua trajetória, teve muito mais vitórias que derrotas. Leal acaba de ser ser campeão italiano e da Champions League Filho único de um casal de professores, Leal começou no vôlei aos 12 anos, ainda na escola, em Havana. Um professor de educação física detectou o talento que o levaria à seleção de Cuba, pela qual jogou até 2010, quando foi vice-campeão mundial, após perder para o Brasil na final. No retorno da competição, aos 22 anos, Leal decidiu deixar a seleção cubana e seu país de origem. "Em Cuba, não podia jogar como profissional, porque não há clubes, e o governo não deixa um atleta da seleção jogar em outro país", conta ele. Na seleção, o jogador diz que ganhava US$ 8 por mês. "Não era um salário que permitia viver normalmente. Queria ajudar minha família a ter uma vida melhor com meu trabalho", diz Leal, que já era pai quando deixou a ilha. Ele foi procurado na época pelo seu atual agente, Alessandro Lima, diretor da Pro Sports, que havia trazido outros jogadores cubanos para atuar no Brasil. "Apesar de jovem, ele já era reconhecido internacionalmente como um talento de uma geração cubana fora de série", diz Lima. Da quarentena ao estrelato A aproximação deu certo, e dois clubes brasileiros manifestaram interesse por Leal. Ele fechou com o Sada Cruzeiro e foi liberado para jogar pelo time após cumprir uma quarentena de dois anos imposta pelo governo cubano aos atletas que decidem sair da ilha. Leal joga na Itália, pelo Lube Civitanova, desde o ano passado Com a equipe mineira, Leal ganhou 25 títulos. Entre os mais importantes, foi campeão sul-americano, pentacampeão da Superliga masculina, a principal competição de clubes do Brasil, e tricampeão mundial. O argentino Marcelo Mendez, técnico do Sada Cruzeiro e da seleção da Argentina, diz que Leal amadureceu nos seis anos em que trabalharam juntos. Aprimorou-se não só no ataque, sua especialidade, e, hoje, é um jogador mais completo, de qualidade "indiscutível". "Ele melhorou muito em todos os aspectos técnicos, principalmente na recepção e na defesa. Aprendeu a tomar decisões em momentos importantes e foi fundamental em muitas finais", diz Mendez, a quem o cubano-brasileiro se refere como um segundo pai. "Ele é como uma criança grande, por sua bondade. É alguém que teve uma juventude muito difícil e superou isso para atingir seus objetivos." Leal é hoje um atleta mais completo e maduro do que quando chegou ao Brasil, diz seu ex-técnico Os três mundiais ainda são os títulos que Leal considera mais valiosos em sua carreira, mesmo após ter sido campeão italiano com o clube Lube Civitanova, pelo qual joga desde o ano passado, e da Liga dos Campeões, a principal competição de clubes da Europa. "Ganhar o campeonato italiano e a Liga dos Campeões no mesmo ano é importante, mas ser tricampeão mundial tem um significado maior. Poucos jogadores conseguiram isso", explica Leal. Com a experiência no Brasil e o veto do governo de Cuba à convocação de quem estivesse no exterior, o agente de Leal sugeriu que ele se naturalizasse para poder integrar a seleção brasileira. O processo foi concluído em 2015. Foi então que Leal fez outra tatuagem: a bandeira de Cuba. "É onde nasci, o país que me deu uma bandeira que levarei comigo pelo resto da vida", diz. Resistências à naturalização O passo seguinte para chegar à seleção brasileira foi cumprir os trâmites para se tornar atleta de outro país, o que incluía, além da permissão das federações brasileira e cubana, também a autorização da Federação Internacional de Voleibol (FIVB). À frente do processo, Alessandro Lima diz que houve alguma resistência no início. "Havia um temor de que muitos atletas pedissem para jogar por outro país. Era um medo natural de que um país sem tradição no esporte naturalizasse vários jogadores", explica o agente de Leal. Isso era especialmente válido para jogadores de Cuba, país que fez história no vôlei, tanto no masculino quanto no feminino, mas hoje amarga a posição de coadjuvante após um êxodo de talentos. Nos seis anos em que morou no Brasil, Leal jogou pelo time mineiro Sada Cruzeiro "Nossa experiência diz que 99,5% dos jogadores querem sair de Cuba, não só porque as condições de ter uma carreira no país são inexistentes, mas também porque faltam recursos mesmo para quem joga pela seleção", afirma Lima. A cubana Taismary Agüero foi bicampeã olímpica e campeã mundial com a seleção feminina de seu país antes de se naturalizar e jogar pela Itália na década passada. Osmandy Juantorena fez o mesmo e, hoje, faz parte da seleção masculina italiana. Wilfredo León jogará pela seleção da Polônia. E, no ano passado, o vice-presidente da federação búlgara disse ao site Sportal ter dado início ao processo de naturalização de Robertlandy Simón. No caso de Leal, diz seu empresário, a resistência cessou após ser estabelecido que uma transferência de federação só seria concedida a jogadores que tivessem um vínculo com o país pela qual jogariam. Com o Sada Cruzeiro, o jogador foi três vezes campeão mundial O cubano-brasileiro recebeu autorização da FIVB em abril de 2017. Como já havia jogado por Cuba, precisou cumprir uma nova quarentena de dois anos até poder ser convocado pelo Brasil, prazo que acabou no mês passado. Neste meio tempo, alguns grandes nomes do vôlei nacional se manifestaram contra sua participação na seleção. "Quem já jogou contra outra seleção não deveria poder se naturalizar. Não sei se a gente acaba incentivando isso acontecer com frequência", disse o bicampeão mundial Murilo Endres, em 2015, ao site Globo Esporte. O campeão olímpico Lipe disse em 2017 ao programa Roda de Vôlei que a "seleção brasileira nunca precisou de estrangeiros". "Ele é um jogador excepcional? Admito, é um ponteiro como poucos. Mas, se for para ganhar ou perder, que seja com brasileiros. Imagine que estamos tirando a oportunidade de um garoto que sonha com a seleção. Isso não tem o menor cabimento." Procurado pela BBC News Brasil, Lipe disse que não comentaria o assunto. A assessoria de Murilo não retornou o contato até a publicação da reportagem. "Não sei por que eles falaram essas coisas, não sei o que pensam sobre mim", diz Leal. "É verdade que nunca houve uma situação assim, um 'estrangeiro' na seleção do Brasil, mas cumpri todo o combinado. Mereço jogar na seleção tanto quanto eles." Vai ser titular? A disputa pelas posições de ponteiro na seleção será acirrada Leal está na Polônia, onde serão realizadas as primeiras partidas da seleção masculina na Liga das Nações, e já veste a camisa brasileira nos treinos. A estreia oficial na equipe será contra os Estados Unidos. Se ele tem algum receio quanto à sua recepção pelos companheiros de time, o levantador e capitão da seleção Bruno Rezende garante que será bem recebido. "Se fosse há alguns anos, quando a naturalização era uma novidade e as pessoas não o conheciam, poderia ser diferente. Mas, hoje, é outro momento. Ele jogou praticamente toda sua carreira no Brasil. Não surgiu do nada. Aquelas críticas, um pouco infundadas, ficaram para trás", diz ele. Bruno e Leal são companheiros de clube na Itália e conviveram bastante no último ano. "Mesmo sendo um grande jogador, ele nunca se comportou como estrela. Sempre foi tranquilo, humilde e generoso, sempre disposto a ajudar. Nunca quis ser mais do que os outros, e admiro isso." O capitão da seleção avalia que a grande força física de Leal pode ajudar a conseguir bons resultados. "É um jogador que, nos momentos importantes da partida, gosta de assumir a responsabilidade e pode virar um set a nosso favor." No entanto, Renan diz que ainda é cedo para dizer se o cubano-brasileiro será titular. Haverá uma grande disputa na posição de ponteiro, principalmente com os campeões olímpicos Ricardo Lucarelli, Maurício Borges e Douglas Souza. "Os titulares serão definidos nos treinos, na quadra, como sempre. Vai jogar quem estiver melhor", diz o treinador. Leal reforça que a decisão caberá a Renan, mas diz que fará seu melhor para estar em quadra como um dos dois ponteiros da equipe. "Ninguém ganha uma posição de presente, precisa batalhar. Somos companheiros de time, mas vou lutar para jogar. Todo jogador tem de ter esse pensamento. A seleção brasileira tem grandes jogadores, mas também sou um grande jogador. Se for merecedor, ficarei feliz." Mas acredita que merece? "Lógico que mereço. Fui titular em todos os lugares em que joguei." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brexit: Como uma eventual saída sem acordo do Reino Unido da UE poderia custar até 10 mil empregos ao Brasil
A possível saída do Reino Unido da União Europeia (UE) sem um acordo - o chamado hard Brexit - significaria "um caos" para a economia global, na visão de analistas, e o Brasil poderia sentir esse impacto, em um primeiro momento, "no bolso" e no mercado de trabalho.
Saída do Reino Unido da UE sem acordo afetaria sobretudo exportações do setor agrícola no Brasil Um estudo do Instituto Halle de Pesquisa Econômica (IWH), da Alemanha, que considera o cenário em 43 países, calcula que quase 10 mil trabalhadores em território brasileiro poderiam ser afetados em dezenas de setores ligados às exportações, mas principalmente na agricultura, atividade em que o país se destaca como maior fornecedor da UE. Internacionalmente, há previsão de que o hard Brexit afete 600 mil empregos, com um baque maior na Alemanha. Sozinho, o país teria aproximadamente 100 mil vagas "em risco", a maioria em funções ligadas à produção e comércio na indústria automotiva. Países como China, França, Polônia e Itália, seriam, nessa ordem, os outros quatro da lista mais afetados. No caso do Brasil, os efeitos seriam indiretos. "Mais de 5 mil dos 10 mil empregos estariam em risco na agricultura brasileira. Outras atividades sentiriam menos", diz em entrevista à BBC News Brasil Oliver Holtemöller, chefe do departamento de macroeconomia e vice-presidente do instituto, um think tank membro da Associação Leibniz, que reúne institutos de pesquisa alemães de diversos ramos de estudo. Fim do Talvez também te interesse No entanto, especialistas ressalvam que também poderiam haver oportunidades para o Brasil em possíveis negociações individuais com o Reino Unido. O Halle foi fundado em 1992 por um acordo entre o governo da Alemanha e o Estado federal da Saxônia-Anhalt para a realização de pesquisas econômicas empíricas, institucionais e para terceiros, nas áreas de dinâmica e estabilidade macroeconômica, instituições e normas sociais, produtividade, inovação, estabilidade financeira e regulação. Holtemöller, um dos autores do estudo sobre os potenciais efeitos de um hard Brexit no mercado de trabalho internacional, explica que o cenário turbulento é previsto diante da perspectiva de o Brexit reduzir exportações de países da União Europeia para o Reino Unido em um percentual que estima em 25%. A queda ocorreria caso a saída seja efetivada sem o chamado "acordo de retirada" - que o governo britânico negociou com os líderes da União Europeia, mas que já foi rejeitado três vezes pelo Parlamento. Para estimar os impactos, por país e indústria, o instituto construiu coeficientes que indicam quantas pessoas empregadas são necessárias para produzir nas unidades de produção, baseando seus cálculos em informações extraídas do Banco de Dados Mundial de Insumo-Produto (WIOD, da sigla em inglês). Primeira-ministra britânica, Theresa May, espera adiar mais uma vez o Brexit, previsto para a semana que vem Mas o que é Brexit e em que pé ele está? Brexit é uma abreviação para "British exit" ("saída britânica", na tradução literal para o português) e é o termo mais comumente usado quando se fala sobre a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia. Ele foi aprovado em um referendo em 23 de junho de 2016, quando os britânicos foram perguntados se o Reino Unido deveria permanecer ou deixar a União Europeia. A maioria - 52% contra 48% - decidiu que o país deveria deixar o bloco. Mas a saída não aconteceu de imediato e acabou virando um processo cheio de incertezas. Diante de impasses envolvendo o acordo que prevê como seria essa retirada, a probabilidade de um não-acordo, ou hard Brexit, segundo analistas, só cresce. A data do Brexit em si também é incerta. Originalmente, estava marcado para 29 de março. O prazo acabou adiado para 12 de abril com possibilidade de novas mudanças. Nesta sexta-feira, a primeira-ministra britânica, Theresa May, pediu oficialmente uma nova prorrogação, desta vez para 30 de junho. No entanto, a editora da BBC na Europa, Katya Adler, foi informada por uma fonte na UE de que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, vai propor uma extensão "flexível" de 12 meses, com a opção de abreviar este prazo. O pedido de May foi feito em meio a tentativas de chegar a um entendimento com a oposição para destravar o caminho de saída do bloco e precisa ser aprovado por unanimidade pelos líderes da União Europeia, na próxima quarta-feira, 10 de abril. Ela propôs que, se os parlamentares britânicos aprovarem um acordo a tempo, o Reino Unido saia do bloco antes das eleições para o Parlamento Europeu, que terão início em 23 de maio. Mas afirmou que o país se preparará para participar dessas eleições caso nenhum acordo seja aprovado até lá. Para Oliver Holtemöller, cinco mil empregos estariam em risco na agricultura brasileira com hard Brexit Efeitos indiretos de um não-acordo Em um horizonte em que o Brexit ocorra sem esse acordo, o Instituto Halle analisa que os produtos da União Europeia passariam a ser tarifados nas negociações com o Reino Unido, o que os deixaria mais caros e reduziria o apetite britânico para consumi-los. Os efeitos disso, afirma, se alastrariam pela cadeia produtiva que abastece esse mercado e acabariam chegando de forma "indireta" a vários países, inclusive ao Brasil. "Os efeitos não estão relacionados às exportações brasileiras para o Reino Unido (que não foram objeto do estudo), mas a insumos intermediários que as empresas brasileiras entregam a exportadoras de produtos da UE para o Reino Unido", disse Holtemöller. "O setor alemão de fabricação de produtos alimentícios, por exemplo, exportaria menos para o Reino Unido e, portanto, também importaria menos insumos intermediários do setor agrícola do Brasil". O impacto é visto num horizonte de curto prazo. A longo prazo a expectativa é que "as empresas possam se ajustar à nova situação". Retração Enquanto essa acomodação não chegasse, porém, uma vez reduzidas as exportações para o bloco, as empresas atingidas reduziriam suas áreas de produção, demitiriam pessoal ou diminuiriam seus horários de trabalho, segundo projeções de Holtemöller. "Existem também outras possibilidades. As empresas podem reduzir os preços, o que pode levar a lucros menores ou a aumentos salariais mais baixos." O Departamento de Inteligência e Competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) confirmou em nota à BBC News Brasil - sem estimar possíveis impactos no mercado de trabalho - que "uma saída não negociada do Reino Unido da União Europeia implicaria, no curto prazo, em maior custo de aquisição destas mercadorias pelas empresas do Reino Unido, com impactos financeiros negativos para as vendas de alimentos do Brasil". "Essa dificuldade", segundo a associação, poderia ser superada por um futuro acordo comercial entre o Brasil e o Reino Unido. "Todavia este processo demanda tempo, e também está sujeito a imprevistos". Qual é a importância da UE e do Reino Unido para o comércio do Brasil? De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a União Europeia e a Europa (bloco que considera a UE, a Rússia e outros países) detêm juntas o posto de segundo principal destino das exportações brasileiras hoje. A fatia que abocanham das exportações é de aproximadamente 28% e segue de perto a da Ásia - para quem perderam a liderança a partir de 2017. Excluindo o Oriente Médio, o chamado bloco Ásia compra atualmente 30% do que o Brasil vende lá fora. Mas a força do comércio Brasil-UE resiste e é ressaltada pela própria União Europeia, que mantém uma página dizendo que o Brasil é o seu 10º maior parceiro comercial e também seu maior fornecedor de produtos agrícolas. A lista do que compra inclui, por exemplo, carnes, soja, café, milho, algodão, frutas, sucos e outros subprodutos. Soja e subprodutos, como bagaços e outros resíduos sólidos, da extração do óleo, estão entre os que o Brasil exporta para UE Isoladamente, o Reino Unido também é um parceiro importante para diversos setores brasileiros, incluindo ramos do setor agrícola e da indústria de alimentos. Dados do MDIC levantados pela BBC News Brasil mostram que a região - que engloba Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia - é a 17º principal compradora internacional dos produtos brasileiros, em meio a 253 parceiros. Dentro da União Europeia, é a sexta mais importante, atrás de Holanda, Alemanha, Espanha, Itália e Bélgica. Só no ano passado, as exportações totais do Brasil para o mercado britânico alcançaram US$ 3 bilhões. A força dos bens intermediários Um levantamento do Departamento de Inteligência e Competitividade da ABIA, realizado a pedido da BBC News Brasil, mostra que, só no ano passado, as exportações de alimentos in natura e de alimentos industrializados do Brasil para os britânicos alcançaram US$ 859,7 milhões - ou seja, 28,65% do total de US$ 3 bi negociados com esse mercado no período. "Deste montante, mais de dois terços podem ser classificados como bens intermediários, bens manufaturados ou matérias-primas empregados na produção de outros bens intermediários ou de produtos finais", diz a associação, acrescentando que "as cadeias produtivas de valor britânicas, inclusive as indústrias de alimentos e bebidas, dependem fortemente de matérias-primas importadas, sendo o Brasil um de seus principais fornecedores." Do ponto de vista global, o Instituto Halle destaca que "tanto para bens intermediários quanto para uso final, a UE é o parceiro comercial quantitativamente mais importante do Reino Unido". E o acordo do Brexit? O acordo de retirada do Reino Unido do bloco foi negociado entre a primeira-ministra, Theresa May, e os países remanescentes em 25 de novembro de 2018. O documento estabelece que a relação comercial de produtos entre as duas partes deve ser o mais próxima possível da atual, viabilizando a facilidade de negociação. "Isto significa uma área de livre comércio de mercadorias", explica o Instituto Halle no material de divulgação do estudo. Em entrevista à BBC News Brasil, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), Kai Enno Lehmann, complementa que "com um possível acordo começaria um período de transição e durante esse período as regras da União Europeia continuariam se aplicando ao Reino Unido". Já no caso de não acordo, "no minuto em que o Reino Unido sair da União Europeia vai perder qualquer acordo que a União Europeia tenha com outro país. Todos os acordos que regem de um lado a relação entre Reino Unido e União Europeia e, de outro, a da União Europeia com o resto do mundo não teriam mais validade". A situação do Reino Unido nesse caso, segundo o professor, seria "dramática" economicamente. Frutas estão entre os produtos agrícolas que encontrariam oportunidades com um possível Brexitmesmo sem acordo, diz Associação "Potencial caos", mas também "oportunidades" "O problema com uma saída abrupta seria o potencial caos que se criaria. O Reino Unido simplesmente perderia do dia para a noite a base do seu comércio mundial, teria que renegociar seus acordos individualmente", explica Lehmann. "O impacto seria global simplesmente porque o Reino Unido é uma das maiores economias da União Europeia e do mundo". Com relação ao Brasil, como não existe um acordo de livre comércio vigente - mas sim em negociação - entre o Mercosul e a União Europeia, a repercussão da saída do Reino Unido seria menos intensa do que em outros mercados, na avaliação dele, e também poderia haver um lado positivo. "Sem esse acordo vai ter impacto? Não há dúvida. Vai ser uma coisa negativa? Com certeza também. Uma ruptura brusca seria ruim para todos os estados membros da UE, embora o impacto seja muito pior para o Reino Unido. A economia britânica sofreria bastante e isso teria impacto em todos os seus parceiros comerciais, inclusive o Brasil", diz o professor, observando, porém, que como o Reino Unido "ficaria muito frágil e com menor poder de barganha", poderia haver vantagens para o Brasil em possíveis negociações individuais, mas não no curto prazo. "Para o Brasil e vários setores as oportunidades são grandes, caso o país assuma um pensamento estratégico e estabeleça o que quer do Reino Unido e de um acordo de livre comércio. Se eu fosse representante de um setor estratégico faria muita pressão no governo (para assumir essa postura) e tentar se aproveitar dessa situação." O presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Luiz Roberto Barcelos, faz coro. Segundo ele, os produtores do setor esperam, em vez de queda com o Brexit, impulsionar as vendas para o Reino Unido, para onde seguem atualmente, por exemplo, 26% de todo o melão que o Brasil exporta. A fruta é a que os britânicos mais importam dos produtores brasileiros, mas uvas, mangas, melancias e limões também estão na lista. "A expectativa é buscar um acordo nos moldes do que estamos negociando com a comunidade europeia e tentar reduzir o imposto de importação, que hoje é de 8,8%, para zero", diz Barcelos. "O percentual vai caindo ao longo de 10 anos até zerar". Produtores de melão, que vendem hoje para supermercados britânicos, tentariam reduzir imposto "Acordo crucial" Lehmann, da USP, diz que apesar das possíveis oportunidades que um hard Brexit pode trazer, um acordo seria crucial, uma vez que "o processo de saída do país do bloco seria ordenado". Holtemöller também afirmou que "no caso de um acordo que implique o livre comércio entre UE e o Reino Unido, os efeitos sobre o emprego seriam muito menores". "No entanto, sem um acordo formal, se aplicariam tarifas nas transações entre o Reino Unido e a UE. Carros e peças de automóveis, por exemplo, seriam tributados em 10%. As tarifas agrícolas são ainda maiores", prevê o instituto em nota para apresentação do estudo. Em um texto publicado no site, em que também analisa os dados, o economista ressalta que "um Brexit sem acordo desestabilizaria as cadeias globais de valor (ou seja, o conjunto de atividades necessárias para produzir e entregar o produto ao consumidor final" e que "é por isso que a retirada desordenada da Grã-Bretanha da UE tem o potencial de causar uma perda significativa de riqueza". Do ponto de vista econômico, defende, "é crucial que um acordo ainda possa ser alcançado". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Cidade' em cemitério no Cairo resiste às mudanças do Egito
Numa tarde fria do inverno egípcio, Mustafa anda tranquilamente por estreitas ruas de areia, cumprimentando pelo nome alguns moradores que cruzam seu caminho. Aqui, não há filas de carros ou o incessante ruído das buzinas tão característicos do Cairo. Al Qarafa é um oásis de silêncio típico dos cemitérios, e, nele, mortos e vivos repousam sob o mesmo teto.
Túmulos em Al Qarafa são parecidos a pequenas casas Mustafa nasceu aqui há 23 anos. Trabalha como coveiro e divide um pequeno cômodo com quatro familiares. Seus pais vieram da cidade de Minya, ao sul do Cairo e, sem ter como pagar aluguel, se mudaram para um dos jazigos de Al Qarafa – enredo comum à maioria da população local. "Gosto muito daqui, nasci aqui. Sou feliz e não me mudo", diz, enquanto ajeita um dos tapetes que cobrem o gelado piso de concreto. Todos entram descalços em sua casa. A decoração simples deixa o ambiente com ares de lar. A televisão é o item mais valioso. Ao lado, uma cama apoia-se em uma lápide de concreto branca. É a única do cômodo – os demais, inclusive seus pais, dormem no chão. Não há nenhum odor estranho. A lápide, aliás, é o único sinal de que Mustafa mora em um jazigo de cemitério. A história da Cidade dos Mortos, como o Al Qarafa é conhecido, data de 642 a.C. A ocupação começou há quase um século. Não se sabe ao certo quantos moram aqui – as estimativas variam de 10 mil ao exagerado meio milhão, que incluiria também moradores dos prédios erguidos ao redor do cemitério, ausente de muros ou grades. Os túmulos são praticamente pequenas casas, com portões e grandes jardins, conforme dita a tradição local de reverenciar os mortos – antigamente, familiares passavam semanas de luto dentro dos mausoléus, que têm quartos e banheiros. Lado a lado, as pequenas "casas" formam uma imagem parecida a um vilarejo do interior: as ruas estreitas e sem asfalto, os balcões improvisados com salgadinhos e refrigerante vendidos nas janelas e vizinhos papeando nas calçadas. Todos parecem se conhecer pelo nome. Basta alguns minutos para se ver que pouco mudou aqui nos últimos três anos, quando quase tudo parece ter mudado no Egito. A política parece distante de Al Qarafa – em nenhuma das casas ou ruas, por exemplo, havia cartazes do chefe militar e candidato presidencial Abdel Fattah al-Sisi, que se multiplicaram pelas ruas do Cairo. Quando perguntados sobre ele, residentes desconversavam. Amor ao Exército ou ódio à Irmandade Muçulmana, sentimentos que dão à tônica ao Egito atual, sequer foram discutidos. Al Qarafa parece viver uma realidade paralela, na qual o caos de fora é simplesmente ignorado. Lençóis improvisados fazem as divisões entre os cômodos "Aqui é melhor do que lá fora", diz Mustafa, que como outros moradores prefere dar apenas o primeiro nome e não se deixar fotografar. Tão perto, tão longe Crianças jogam bola por todas as partes e dividem as ruas com dezenas de cachorros e gatos. Homens dedicam horas sentados fumando narguilé. Há um cheiro no ar, de pilhas de entulho e lixo acumuladas em algumas esquinas. O silêncio de Al Qarafa é um contraste ao barulho das buzinas da movimentada estrada que passa num dos limites do cemitério, que se estende por mais de seis quilômetros. A proximidade com o centro do Cairo permite com que muitos trabalhem fora e só retornem à noite. Há uma demanda grande por moradias no local, que se deve, principalmente, à migração de egípcios de áreas rurais do interior ao Cairo, megalópole de 18 milhões de habitantes. Com o alto custo de residências na capital, os jazigos se tornaram a escolha de muitas famílias, que preferiram morar entre os mortos a viver nas populosas favelas. "Eles estão bem melhores aqui do que em qualquer outra casa que encontrariam em outras áreas... como as favelas", disse a socióloga Madiha El-Safty, da Universidade Americana do Cairo (AUC na sigla inglesa). "E as pessoas não saem porque é caro." Hassem chegou há 30 anos, aos 5 de idade. Trabalha como mecânico numa pequena oficina improvisada no meio da rua. A inflação e o desemprego crescentes têm feito com que mais famílias procurem o cemitério em busca de moradia, diz ele. A imprensa local diz que criminosos estariam aproveitando as ruas escuras e desertas para vender armas e drogas - o que teria aumentado os níveis de criminalidade na região. Cidade vive alheia à polarização e à convulsão política que dominam o Egito atual Hassem, no entanto, desconversa. "Não tem nenhum problema, não tem crime. É sossegado. Todos se conhecem. Se alguém fizer alguma coisa de errado...", diz ele, fazendo um gesto com o dedo indicador no pescoço. Nem todos são tão amigáveis. Muitos moradores fecharam as portas ao notar a presença de estranhos. Outros interromperam a conversa ao saberem que falavam com um jornalista, o que se tornou corriqueiro no Egito atual. Inglês é falado apenas por alguns mais jovens, que parecem mais acostumados com a visita de estrangeiros – o cemitério tornou-se atração para turistas e fonte de renda para moradores. "American? American?", grita Mahmoud, de 23 anos, ao reconhecer à distância alguém de fora. "Quer ver minha casa? 5 libras. Só 5 libras", diz. Ignorando as mudanças Os portões entreabertos revelam varais com roupas para todos os tamanhos e idades. Entre um deles, vê-se Saleh, de 55 anos, alimentando as cabras que são mantidas em um cercado. Tudo dentro do jazigo. Ele chegou aqui ainda criança, conheceu sua esposa, casou e tem dois filhos, Samir de 13 anos, e Mohamed, de 8, em mais uma das histórias de romance que se passam dentro do cemitério. Ele exibe orgulhoso o cômodo em que vivem, onde pedaços de lençóis amarrados no teto criam divisórias entre quartos, sala e cozinha. Diz-se feliz, mas deixaria Al Qarafa se pudesse. A retirada de moradores começou a ser desenhada por autoridades antes da revolução de 2011, mas o plano parece ter sido abandonado com a instabilidade dos últimos anos. "O governo afastou-se do problema pela falta de uma alternativa. Você não pode simplesmente despejá-los", disse Madiha, da AUC. Segundo Saleh, representantes do governo visitaram o cemitério oferecendo novas moradias, geralmente em bairros afastados no subúrbio do Cairo. "Eles nos ofereceram casa, mas nunca retornaram. Claro que se eles me derem a chance de morar em outro lugar, eu irei", diz. "Mas sou agradecido por ter este lugar para morar... Esta é a minha vida e eu a amo". Os protestos que se tornaram parte do cotidiano do Egito passam longe de Al Qarafa e alguns moradores disseram simplesmente ignorá-los – um sinal de que as mudanças que acontecem no Egito, por enquanto, ainda não chegaram aqui.
Suicídio: 'O estranho que evitou que eu me matasse na estação de trem'
"Decidi que meu último dia de vida seria 24 de março de 2017."
Liv Pontin passava por uma crise mental quando dediciu se suicidar A britânica Liv Pontin conta que vinha pensando sobre o assunto havia algum tempo, após perder o emprego e enfrentar problemas de saúde mental, que a levaram a ser internada em um hospital. "Pensava que não tinha futuro. Se não podia trabalhar, não tinha mais qualquer utilidade para ninguém." No dia marcado, ela chegou a pedir ajuda. Foi a um médico e contou sobre o que passava em sua cabeça. Mas não foi o bastante. "Quando você chega em casa e percebe que nada mudou, isso acaba com seu último fio de esperança de que as coisas vão melhorar." Fim do Talvez também te interesse Naquela noite, ela não jantou, o que contribuiu para intensificar sua crise. "Quando não como, minha cabeça fica muito confusa. E isso potencializa os pensamentos suicidas", diz. "Estava exausta. Minhas energias haviam sido sugadas por pensar tanto sobre a vida. Simplesmente não queria mais lutar." Depois de escrever cartas de despedida, Liv foi à estação de trem de sua cidade Liv afirma ser comum achar que pessoas que contemplam suicídio não levam em consideração o impacto que isso terá sobre outras pessoas. Mas, em seu caso, ela queria explicar sua decisão à família. Por isso, escreveu duas cartas, "uma para o meu pai, para dizer o quanto o amo e que ele é maravilhoso". A outra era para "pedir desculpas" ao condutor do trem que causaria, involuntariamente, sua morte - pois ela tinha optado por se jogar na frente de um trem. "Não achava que eles ficariam traumatizados, mas com raiva. Não queria que me odiassem por fazer isso. Escrevi uma carta para explicar isso e coloquei no meu bolso." Ela saiu então de sua casa e foi caminhando até a estação de trem de sua cidade. "Quando você pensa em alguém em um estado suicida, imagina algo bem dramático. Mas são as coisas pequenas que te afetam mais, como andar pela rua e pensar: 'Não passarei mais por aqui'. Ou 'não vou ver meu pai de novo, não vou ver meu irmão de novo'." 'Foi uma questão de segundos' Enquanto Liv aguardava na plataforma do trem, do outro lado surgiam as luzes do trem que fazia a rota entre Brighton, na costa sul da Inglaterra, e Bedford ao norte de Londres. O condutor era Ashley John, que estava no seu segundo dia operando essa linha, após passar um ano fazendo treinamento e estágios. Ashley John estava em seu segundo dia de trabalho como condutor de trem "Estava dirigindo, olhando pela janela, quando notei que havia algo errado", conta Ashley. "De repente, apareceu, do nada, um rosto. Apertei a buzina, rapidamente." Na plataforma, Liv se preparava para o ato derradeiro. "Fiquei parada ali, esperando e olhando, como se estivesse paralisada. Lembro apenas que estava com muito frio." Mas ao ouvir a buzina, ela mudou de ideia. "Foi uma questão de segundos. Aquilo me fez não dar o último passo [da plataforma para o trilho]." Assustada, Liv saiu correndo. "Àquela altura, quando percebi que não tinha conseguido fazer o que pretendia, pensei: 'Não sei o que fazer agora, porque ele me viu'." Uma conversa franca Ashley parou na estação, e fez um anúncio aos passageiros de que o trem aguardaria alguns minutos ali. "Estava um preocupado. Eu acreditava que não havia atingido a pessoa, mas fiquei esperando para ter certeza. Felizmente, Liv estava caminhando na plataforma." Ele foi atrás dela e a chamou. "Ela estava em choque. Perguntei se estava bem e ela se virou. Começamos a conversar." "Só me lembro dele tentando me confortar", conta Liv. Liv diz que a conversa que travou com Ashley salvou sua vida Ashley fez algumas perguntas, tentando descobrir o que estava acontecendo e por quê. "Ele me questionou bastante sobre minha família e meu pai, me disse que tinha um filho, contou que havia trabalhado como bombeiro e como tinha visto uma situação assim de outra perspectiva e o impacto que isso pode ter", diz Liv. O condutor se lembra de que a conversa durou de cinco a dez minutos, e que Liv foi bem franca e contou a ele os motivos pelos quais estava ali. "Talvez ela não tivesse conseguido expressar aquelas coisas para seus amigos e familiares. Pensei na hora: 'Espero que isso ajude'." Liv se recorda que Ashley estava muito calmo e demostrava genuinamente estar preocupado com ela. "Isso faz uma enorme diferença quando uma pessoa passa por uma crise. Encontrar uma pessoa tão gentil e genuína te dá um pouco de esperança de novo. Naquela noite, ele salvou minha vida." O reencontro Liv voltou para casa, e Ashley seguiu seu caminho. Depois daquela noite, eles nunca haviam se visto - até que o programa Victoria Derbyshire, da BBC, promoveu o reencontro de ambos, 18 meses depois. No trem, indo ao encontro de Ashley, Liz disse que gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer o condutor e lhe dizer o quanto seu gesto a ajudou. "Não sei o que ele sente quanto a isso." Liv e Ashley se reencontraram 18 meses depois da noite em que se conheceram Já Ashley disse ter curiosidade para saber o que aconteceu com Liv desde então. "Penso sempre nisso, especialmente quando estou na região onde nos conhecemos. Estou aqui para saber como sua vida mudou e o que de positivo ela fez a partir disso." Liv aguardava por Ashley sentada em um banco de uma plataforma quando o condutor chegou. Eles deram primeiro um longo abraço para só então trocar as primeiras palavras. Ashley começou perguntando como Liv estava. "As coisas tem ido bem nos últimos meses", ela respondeu. "Tenho ajudado a polícia com treinamentos de como lidar alguém em uma crise mental." O condutor explica que não estava acostumado a lidar com situações como aquela e reagiu da forma como pensava ser melhor e quis ouvir o que Liv tinha a dizer. "Isso foi muito bom. Quando alguém para e interage com você em meio a uma crise, você volta para o momento presente. Pensava que você ia me odiar, que todo mundo ia me odiar, me julgar", disse ela. Ashley disse então: "Quando você está em uma situação assim, pode ser que pense isso, mas há muitas pessoas por aí com quem você pode falar". Liv explicou que sua família é algo muito importante para ela, especialmente depois de perder sua mãe. "Não quero nunca que meu pai ou meu irmão passem por algo assim, mas às vezes eu preciso de ajuda para me lembrar disso." 'Ele é uma pessoa incrível' O condutor contou que, sempre que passa pela estação em que conheceu Liv, olha para ver se a vê na plataforma. "Mas de uma forma boa", esclareceu. Liv disse que uma das coisas mais estranhas sobre tudo que aconteceu foi o fato de uma pessoa desconhecida a ter visto no "pior momento de sua vida". "São duas pessoas que não sabem nada uma sobre a outra, você vê o lado mais pessoal e privado de alguém e depois nunca mais a encontra. Sou muito grata por ter recebido sua ajuda naquela noite", disse ela. "Eu também", respondeu Ashley. De volta em casa, Liv refletiu sobre o reencontro. "Foi bom poder revê-lo e abraçá-lo. Ashley é um ser humano incrível e merece todo o crédito por isso." Por sua vez, o condutor disse ter ficado feliz pelo fato do episódio ter levado a uma "mudança drástica" na vida de Liv: "É muito bom saber que ela está ajudando a si mesma e aos outros".
Crise humanitária aumenta no Haiti, adverte ONU
Funcionários da ONU (Organização das Nações Unidas) advertiram para a intensificação de uma crise humanitária no Haiti, onde uma revolta armada contra o presidente Jean-Bertrand Aristide matou pelo menos 42 pessoas desde quinta-feira.
Funcionários da organização disseram que a violência está prejudicando as remessas de ajuda humanitária para dezenas de milhares de haitianos que dependem desse apoio. Segundo os dados da ONU, já estão ocorrendo o cortes importantes de remessas. E a organização acredita que a situação ainda pode piorar, com o avanço da crise no país. O conflito no país permanece intenso, sendo que rebeldes armados já assumiram o controle de uma série de cidades e vilas em todo país. Na segunda cidade haitiana, Cap-Haitien, grupos que apoiam o governo estão levantando barricadas para impedir o avanço dos rebeldes, que em represália estão impedindo a entrada de alimentos na região.
Entenda os protestos e a crise política na Tailândia
A Tailândia enfrenta uma grave crise política desde que o premiê Thaksin Shinawatra foi retirado do poder por um golpe militar, em setembro de 2006. Desde então, partidários e opositores do ex-premiê vêm travando uma batalha política sobre quem deve liderar o país. Em dezembro de 2008, o líder do Partido Democrata, Abhisit Vejjajiva, foi eleito primeiro-ministro, mas sua eleição não pôs fim à crise, como muitos esperavam. Confira abaixo algumas perguntas e respostas sobre a crise na Tailândia. Quem são os manifestantes pró-Thaksin?
Ex-premiê Thaksin Shinawatra é pivô de crise que já dura três anos Thaksin continua sendo apoiado por tailandeses mais pobres das zonas rurais, que se beneficiaram com políticas populistas implementadas durante os cinco anos do seu governo. O principal movimento pró-Thaksin é a Frente Unida por Democracia contra Ditadura (UDD, na sigla em ingês). Seus manifestantes costumam usar camisetas vermelhas. A UDD afirma que o premiê Abhisit Vejjajiva chegou ao poder de forma ilegal, e o acusa de ser comandado pelos militares tailandeses. A frente pede a renúncia de Abhisit e a convocação de novas eleições. Desde março, manifestantes pró-Thaksin têm feito protestos em frente a prédios do governo, inclusive impedindo algumas reuniões de ministros. No dia 11 de abril, eles forçaram o cancelamento de uma reunião da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), invadindo um centro de conferências no resort de Pattaya, no litoral tailandês. No dia seguinte, invadiram o prédio do Ministério do Interior e bloquearam estradas em Bangcoc. Abhisit declarou estado de emergência. As táticas do grupo pró-Thaksin são semelhantes às usadas por manifestantes anti-Thaksin no ano passado, que acabaram provocando a saída do primeiro-ministro na época. Quem são os manifestantes anti-Thaksin? Os opositores a Thaksin formam a Aliança do Povo pela Democracia (PAD, na sigla em inglês) e usam camisetas amarelas, em homenagem à monarquia tailandesa. Uma das acusações dos manifestantes é a de que Thaksin não é leal ao rei tailandês. O PAD é formado por partidários da monarquia, empresários e pessoas da classe média urbana. O movimento é liderado pelo empresário do setor de comunicação Sondhi Limthongkul e pelo ex-general Chamlong Srimuang, que é aliado próximo do general Prem Tinsulanonda, assessor especial do rei tailandês. O PAD acusa Thaksin de ter incorrido em corrupção e nepotismo durante seu governo. As manifestações do movimento foram centrais à época do golpe militar que retirou Thaksin do poder em 2006. Em 2008, os manifestantes do PAD protestaram contra o Partido do Poder do Povo (PPP), visto como uma continuação do partido de Thaksin, que havia sido banido. Durante os protestos, o palácio do governo foi tomado por três meses. O principal aeroporto de Bangcoc ficou paralisado por uma semana, afetando fortemente a indústria do turismo. Os manifestantes anti-Thaksin lideraram movimentos considerados centrais na derrubada de dois primeiros-ministros: Samak Sundaravej e Somchai Wongsawat, que é cunhado de Thaksin. Como Abhisit chegou ao poder? Em meio aos protestos de dezembro de 2008, a Corte Constitucional da Tailândia condenou o partido PPP, dos aliados de Thaksin, por fraude eleitoral. Os líderes do partido foram banidos da vida política do país por cinco anos. A condenação levou a um novo impasse entre as forças políticas tailandesas. No entanto, um pequeno grupo de parlamentares pró-Thaksin mudou de lado e passou a apoiar o Partido Democrata. Isso fez com que o líder do Partido Democrata, Abhisit Vejjajiva, formasse um novo governo e se tornasse primeiro-ministro, sem a convocação de eleições gerais. O Partido Democrata não é aliado oficialmente a qualquer dos grupos de manifestantes, mas, no passado, alguns integrantes do movimento anti-Thaksin PAD fizeram parte do partido. Onde está Thaksin agora? Thaksin se diz "um cidadão do mundo", e viaja bastante para Dubai, China, Grã-Bretanha e Hong Kong. Se voltar à Tailândia, ele será preso. Ele foi condenado a dois anos de prisão por corrupção. Seu projeto de longo prazo não está claro. Ele já disse que não pretende voltar à política, mas também afirmou que tem um papel em liderar a Tailândia durante a crise econômica mundial. Thaksin tem conversado com seus partidários na Tailândia através de vídeo-conferências.
De 'jogo cruel' ao silêncio: as reações de aliados de Bolsonaro à prisão de Queiroz
A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, nesta quinta-feira (18/06), foi o assunto mais comentado nas redes sociais nas últimas horas.
Fabrício Queiroz foi preso em uma casa do advogado Frederick Wassef, que presta serviços à família do presidente Enquanto muitos comemoraram o fato, aliados do presidente Jair Bolsonaro adotaram diferentes posturas, que variaram do compartilhamento de ofensas antigas ao silêncio. Queiroz foi preso em Atibaia, no interior de São Paulo, em uma propriedade do advogado Frederick Wassef, que presta serviços à família do presidente. Policial militar aposentado, Queiroz é investigado em um suposto esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A fraude, segundo as apurações, consistia na devolução de parte dos vencimentos de assessores parlamentares ao então deputado estadual e hoje senador Flávio, filho do presidente Jair Bolsonaro. Fim do Talvez também te interesse A prisão foi executada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo, e os mandados de prisão e de busca e apreensão foram expedidos pela Justiça do Rio a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro. Ele fez exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal da capital paulista, foi transferido de helicóptero e está detido no Presídio Pedrolino Werling de Oliveira, em Bangu, na Zona Oeste do Rio. Segundo o Ministério Público do Rio, a prisão faz parte da chamada Operação Anjo, deflagrada no início da manhã. A operação cumpre ainda outras medidas cautelares autorizadas pela Justiça relacionadas ao inquérito que investiga a chamada "rachadinha". Queiroz e Flávio negam que tenham cometido qualquer irregularidade. Logo que as primeiras notícias sobre a prisão de Queiroz começaram a ser veiculadas, o assunto se tornou o mais comentado nas redes sociais. O presidente se pronunciou sobre o caso somente na noite desta quinta-feira. Durante a manhã, pouco após a prisão de Queiroz, Bolsonaro passou reto pelo famoso "cercadinho", em que apoiadores dele costumam ficar para falar diariamente com o presidente, em Brasília. Durante live, na noite desta quinta, Bolsonaro argumentou que não é advogado de Queiroz, nem é alvo do processo que levou o ex-assessor de Flávio à prisão. "Mas o Queiroz não estava foragido e não havia nenhum mandado de prisão contra ele. Foi feita uma prisão espetaculosa. Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da terra", disse o presidente. Bolsonaro afirmou que Queiroz estava em Atibaia porque a cidade é perto do hospital onde, segundo o presidente, Queiroz faz tratamento de câncer. A prisão de Queiroz repercutiu também entre os aliados de Bolsonaro. Enquanto alguns deles, optaram pelo silêncio até o momento, outros se pronunciaram nas redes. Abaixo, veja como pessoas ligadas ao presidente reagiram publicamente à prisão de Queiroz: Flávio Bolsonaro Flávio Bolsonaro se pronunciou sobre o assunto em seu Twitter. Ele afirmou que "encara com tranquilidade os acontecimentos de hoje". "A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!", escreveu Flávio. Para os investigadores, Flávio Bolsonaro é chefe de uma organização criminosa que atuou em seu gabinete na Assembleia Legislativa entre 2007 e 2018, e parte dos recursos movimentados no esquema foi lavada em uma franquia de lojas de chocolate da qual ele é sócio. Flávio é investigado sob suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal para barrar as investigações, mas foi derrotado. As apurações foram retomadas por decisão do ministro Gilmar Mendes. Promotores investigam se a "rachadinha" teria sido usada para financiar uma milícia que era comandada pelo ex-policial Adriano Nóbrega, morto em fevereiro. Danielle Mendonça, ex-mulher de Nóbrega, trabalhou como assessora de Flávio. Em conversas de WhatsApp acessadas pelos investigadores, ela disse que o ex-marido ficava com parte do salário que ela recebia do gabinete. Eduardo Bolsonaro O deputado federal Eduardo Bolsonaro reforçou o posicionamento do irmão. "Conforme dito pelo senador Flávio Bolsonaro, esses problemas só começaram a ocorrer após a eleição de JB (Jair Bolsonaro). Isso é um fato. O sistema é bruto. O jogo é cruel. Sabíamos disso e vamos seguir em frente", escreveu o parlamentar em seu perfil no Instagram. No post em que apoia o senador, Eduardo compartilha também uma publicação no Twitter que questiona sobre outros deputados do Rio de Janeiro que também tiveram movimentações financeiras suspeitas em 2016, conforme o mesmo levantamento que apontou as irregularidades de Flávio. "O detalhe mais importante sobre a prisão do Queiroz que você precisa saber é: dessa lista, só o Queiroz está sendo preso", diz a publicação compartilhada pelo deputado. Na lista da publicação, constam outros 20 deputados estaduais do RJ que também tiveram movimentações suspeitas identificadas pelo Coaf. De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro, além de Flávio há outros 26 deputados ou ex-deputados investigados por supostas movimentações suspeitas, com base em levantamento do Coaf. Também são investigados 75 assessores ligados a esses parlamentares. As apurações sobre os parlamentares continuam em andamento. Carlos Bolsonaro Vereador pelo Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, que costuma tecer diversos comentários e críticas nas redes sociais, não se pronunciou sobre a prisão de Queiroz em seus perfis oficiais. Nesta quinta-feira, ele compartilhou apenas publicações sobre obras do Governo Federal. Diversos seguidores do parlamentar o questionaram sobre o assunto, mas o vereador não se pronunciou publicamente. Carlos também é investigado por suposta prática de "rachadinha" em seu gabinete no Rio de Janeiro, além da suspeita do uso de funcionários fantasmas. Os casos são investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Olavo de Carvalho O escritor Olavo Carvalho fez uma breve publicação sobre a prisão de Queiroz. "É bom lembrar", escreveu em seu Facebook, ao compartilhar um vídeo antigo no qual comentou sobre o caso do ex-assessor de Flávio Bolsonaro. No vídeo, Olavo afirma que crimes de corrupção são menores que os praticados pelo ex-presidente Lula. Ele acusa o petista de ter roubado R$ 6 trilhões do Brasil para "salvar o movimento político mais homicida e monstruoso que a humanidade conheceu", em referência ao comunismo. Olavo não apresenta provas das acusações. Em entrevista à BBC News Brasil, Olavo deu declarações semelhantes sobre Queiroz, afirmando que "casos pequenininhos de corrupção podem acontecer em qualquer governo". Por fim, na mensagem que repetiu nesta quinta-feira, Olavo afirma que a acusação que pesa contra Flávio Bolsonaro e o ex-assessor parlamentar não é tão grave quanto o suposto crime que o escritor atribui ao ex-presidente. "Aí vem o pessoal que não entende a diferença entre uma coisa e outra e fala: ah, mas corrupção tem do lado de lá... e o Queiroz? A resposta é a seguinte: vá tomar no c*", dispara Olavo no vídeo antigo. Bernardo Küster Diretor de opinião do Brasil Sem Medo, que se descreve como o "maior jornal conservador do Brasil", Bernardo Küster também é um ferrenho defensor do governo Bolsonaro nas redes. "A coisa mais necessária para parar essa 'falação': culpados sejam culpados, inocentes sejam inocentados e a coisa acabe", disse Küster sobre a prisão de Queiroz, em um vídeo publicado nesta quinta. O escritor, que é um dos alvos do chamado inquérito das fake news, que apura produção de notícias falsas e ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF), também questionou, assim como Eduardo Bolsonaro e outros aliados do presidente, o fato de aliados dos outros deputados do RJ que tiveram movimentações financeiras suspeitas não terem sido presos. "Só aconteceu isso com o Queiroz, que é assessor do Bolsonaro. Transformam isso como se estivessem prendendo o Osama Bin Laden. Inocentes têm que ser inocentados e culpados precisam ser culpados. Mas tem que existir isonomia na Justiça, para pegar todos os outros", declarou Küster. Carla Zambelli Uma das maiores defensoras do governo Bolsonaro nas redes sociais, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) não se pronunciou sobre a prisão de Queiroz. Em seus perfis, ela comentou sobre outras situações, como a saída do ministro da Educação, Abraham Weintraub, nesta quinta. Zambelli está entre os dez deputados e um senador bolsonaristas alvos de investigações por suspeita de convocação e financiamento de atos antidemocráticos. O caso é apurado pela Procuradoria-Geral da República. Muitos seguidores questionaram o sumiço da deputada nesta quinta e a falta de posicionamento sobre a prisão de Queiroz. Ao menos até o fim da tarde desta tarde, porém, Zambelli permaneceu em silêncio sobre o assunto. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Enfrentei meu próprio preconceito e o da sociedade ao adotar filhos negros'
"Quando você precisa pensar na roupa que seus filhos devem vestir ao passear, para que algo de ruim não aconteça a eles, você percebe o grau de racismo e preconceito ainda existente na sociedade brasileira."
Karina Teles com o marido, Hugo, e os filhos João e Camila: casal teve de enfrentar o próprio preconceito no processo de adoção A advogada brasiliense Karina Teles, de 39 anos, diz ter descoberto o peso do preconceito no dia-a-dia a partir da convivência com seus filhos, que são negros. Para ela, a consciência sobre o que é ser negro no Brasil veio com a adoção de João, de 6 anos, e Camila, de 5. O racismo enfrentado por famílias que adotam crianças negras veio à tona recentemente com a denúncia feita pelo casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank por comentários feitos na internet sobre sua filha, Titi. Para famílias como a de Karina, tais experiências são parte de um processo doloroso que costuma ter ao menos três etapas. A primeira, no caso dela, foi descobrir e superar o próprio racismo. Depois, compreender a dimensão do preconceito na sociedade. Por último, como preparar os filhos - e a própria sociedade ao redor - a lidar com a questão. A jornada de Karina e do marido, Hugo Teles, também advogado, começou quando decidiram ter filhos, por fertilização in vitro ou por adoção. Sabiam que teriam dificuldades de conceber um bebê porque o marido teve câncer na infância e passou por quimioterapia, o que afetou sua fertilidade. Fim do Talvez também te interesse "Queríamos ser pais, e a forma como isso se daria, por fertilização ou adoção, seria muito bem aceita", relembra Karina. O casal entrou com o pedido na Vara da Infância e, enquanto esperavam, partiram para a fertilização. O resultado negativo da tentativa in vitro veio antes da resposta da Justiça sobre adoção. E foi assim que Karina teve certeza de que seria, mesmo, mãe adotiva. Exigências à adoção O casal passou por todas as fases do processo de adoção. Voluntariamente, Karina e Hugo decidiram entrar em um grupo de apoio para se prepararem para a chegada de João, adotado recém-nascido em 2009, e de Camila, adotada com 1 ano em 2012. "Receber esse apoio foi fundamental. Conhecemos pais na mesma situação e fortalecemos uns aos outros", conta. Mas Karina não esperava enfrentar um momento difícil ao preencher a ficha com o perfil e características físicas da criança que se desejava adotar. "É uma ficha padronizada em todo o Brasil, onde você coloca se aceita grupos de um, dois, três irmãos, se aceita gêmeos, negros, índios, pardos, brancos, menino, menina, a faixa etária, tipos de doença. É uma ficha muito dolorosa de preencher, porque dá uma sensação muito ruim de qualificação de indivíduos, como se alguns merecessem mais do que outros", afirma. Para a advogada, foi também uma chance de encarar o próprio preconceito. "Foi um choque. De repente, ao marcar que desejava apenas crianças brancas, descobri ser mais preconceituosa do que imaginava. Também percebi que minha escolha foi baseada pelo medo de não saber lidar com o diferente. Aí a ficha começou a cair: 'como assim, que diferença? Do que estou falando? De diferença de cor, de ser humano? Sou racista e não sabia?'". Quase 70% das crianças com mais de três anos no Cadastro Nacional de Adoção são negras ou pardas Karina disse ter entendido que "todos nós, de alguma forma ou de outra, somos preconceituosos e racistas". "E que o racismo é uma coisa tão sutil em alguns momentos, que você nem consegue perceber, até ser confrontado por ele." A presença de um casal negro no grupo de apoio à adoção, afirma Karina, ajudou ela e o marido a abrir mão da escolha restrita apenas a crianças brancas. "Eles falavam da dificuldade que enfrentavam com o racismo, suas lutas e dores, mostravam o seu mundo. De repente, eu disse: 'Eu quero isso! Quero amar alguém independentemente da cor, do gene e de qualquer coisa. Ou você ama alguém porque aquela pessoa te faz bem, porque você faz bem àquela pessoa, ou não é verdadeiramente capaz de amar", considera a advogada. Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), mostram que a postura de casais como Karina e Hugo, que não manifestam preferência racial na adoção, tem crescido. Em 2010, por exemplo, pretendentes à adoção que aceitam somente crianças brancas eram 38,7% dos candidatos a pais adotivos, mas esse índice em 2016 (até maio) é de 22,5%. No mesmo período, o percentual de candidatos que aceitam crianças negras saltou de 30,5% a 46,7%. Do total de 252 adoções feitas pelo cadastro nacional de janeiro a abril deste ano, 119 (47%) foram de crianças negras e pardas. Segundo o órgão responsável pelo cadastro, isso ocorre também pelo aumento das chamadas adoções tardias (de crianças com mais de três anos), que somaram 50% do total de adoções em 2015 - quase 70% das crianças no CNA com mais de três anos são negras ou pardas. Zona de conforto Karina é cautelosa ao afirmar que não lhe cabe julgar as pessoas que se cadastram na fila da adoção, optam por crianças brancas e enfrentam longas esperas, porque a maioria de crianças disponíveis à adoção são não brancas. "Tem muita gente que não consegue se soltar dessas amarras ou passar por mudanças, porque não é fácil. É preciso ir atrás, sair da zona de conforto, dos benefícios e privilégios que a vida te oferece por você ser branca. Não é fácil, mas é mais um motivo que me faz agarrar essa bandeira do amor e do ser igual, com muita força, independentemente de etnia." Entre o que ela se refere como "perda de privilégios" está a certa restrição de uma liberdade de ir e vir sem receber olhares suspeitos e comentários até então inesperados. "O que percebemos é o famoso preconceito disfarçado. É a fala de um amigo ou parente, do tipo 'Ah, tem que prender o cabelo dessa menina! Ah, ela vai sair vestida assim?'", diz. Bruno Gagliasso deu queixa na polícia por ofensas racistas na internet à filha Titi E completa: "Outro dia, vi a (apresentadora) Gloria Maria falando uma grande verdade. Ela diz que até certo ponto, principalmente as mulheres negras, precisam estar sempre muito bem vestidas, arrumadas e elegantes, caso contrário serão confundidas com estereótipos." "No caso de crianças, se saem de chinelo, podem ser vistas como meninos de rua ou crianças pobres. E sinto isso na pele. De alguma maneira, já me senti na obrigação de botar um tênis nos meus filhos, em vez de chinelos, para irem ao shopping e não correrem o risco de serem barrados. E isso é desesperador. Hoje entendo que é por isso quem vive o preconceito na pele tem um discurso tão eloquente, que incomoda tanta gente que não vive esse preconceito velado", pondera. Referências A brasiliense relembra uma situação curiosa, o incômodo causado quando a filha sempre pedia bonecas loiras e brancas em lojas de brinquedos. "Mostrávamos uma boneca branca e outra negra e perguntávamos: 'Qual é a Camilinha?' E ela apontava a boneca branca. Isso me deixava angustiada. Conversando com psicólogos descobrimos que a criança, quando pequena, não tem muita noção de quem é. Ela se identifica muito com os pais. Em nossa família não há negros. Eu e meu marido somos brancos. Na TV não havia desenhos animados com personagens negros. Como esperar que minha filha se identificasse como negra?" O casal então optou por uma tática diferente. "Passamos a ver filmes com negros, escutar músicas cantadas por pessoas negras, e assim por diante. E isso foi fácil, porque é impressionante a enorme quantidade de pessoas negras incríveis e talentosas, mas sem tanta visibilidade como as brancas. Pelo menos não no mundo dos brancos, que era o que eu até então vivia." "Não é fácil, mas é mais um motivo que me faz agarrar essa bandeira do amor e do ser igual", diz Karina Ao perceberem que a filha pequena ainda não se interessava por bonecas negras, Karina e o marido foram além na busca de tornar a negritude uma realidade mais forte para os filhos: o pai passou a colecionar bonecas negras e a brincar com elas quando a filha o chamava. "Foi aí que nossa filha foi começando a se identificar, porque se o pai gostava tanto daquelas bonecas negras, então isso era muito bom. A partir daí, ela começou a brincar e a preferir bonecas parecidas com ela. Foi uma grande vitória para nós." Outro momento em que a diferença se manifesta, diz Karina, é na escola. Algumas mães a procuram preocupadas e perguntam como devem explicar a diferença de raças na família dela. "Você vai explicar que as pessoas são diferentes, há pessoas de todas as cores, famílias de todas as formas, a nossa é assim", costuma dizer. Para ela, quem pergunta o faz de boa-fé, para evitar discursos preconceituosos. "Fico muito feliz quando isso acontece. Antes uma pergunta tosca do que um silêncio arraigado, cheio de preconceito", avalia. Karina diz que a história de famílias com a dela e a dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank são emblemáticas porque ajudam a entender a importância do debate sobre racismo e adoção. "Sinto-me na obrigação de tornar o mundo um lugar melhor para meus filhos negros. É óbvio que penso primeiro neles, mas também olho ao redor, porque um mundo em que pessoas tenham privilégios pela simples diferença no tom de pele não pode ser bom. Isso é desumano."
Como é ser negro no Japão, país onde 98% da população é nativa
Quando o nigeriano Samuel Lawrance chegou ao Japão, aos 17 anos de idade, a vida na terra do sol nascente era mais difícil e os desafios do idioma e da cultura, assustadores. Hoje com 34 anos, Samuel é um engenheiro bem-sucedido que vive em Tóquio e carrega uma história de quem enfrentou a escola japonesa, a universidade e o preconceito para conquistar um espaço.
Jamaicana Danielle Thomas, de 28 anos, chegou ao Japão em 2016 "Quando era adolescente, passava por situações bem complicadas, como estar sentado no trem e ter um espaço livre ao meu lado, mas ninguém querer sentar comigo. As pessoas preferiam ficar de pé, inclusive idosos. Me sentia tão mal que queria levantar para que as pessoas pudessem se sentar", conta ele à BBC News Brasil. Samuel diz achar que o Japão melhorou e hoje é um país mais aberto, embora situações como essa do trem ainda ocorram eventualmente. "Acho que o Japão foi uma sociedade muito fechada por um longo período e de repente passou a aceitar muitos estrangeiros. Eles estão tentando se acostumar a ter pessoas naturais de outros países ao redor. O Japão hoje é muito melhor do que era quando cheguei aqui." A discriminação racial é uma questão pouco debatida no Japão, mas que esteve no centro de discussões desencadeadas por eventos específicos nos últimos anos. Fim do Talvez também te interesse Não há estimativas sobre a quantidade de negros no Japão, uma vez que o órgão de estatísticas do país só colhe dados por nacionalidade. Os estrangeiros respondem por apenas 1,7% da população japonesa. Brasileira Lorraina Eduarda Vital Cota Nakamura, de 28 anos, veio de São Joaquim da Barra, em São Paulo, para o Japão há dois anos Em 2015, quando a modelo Ariana Miyamoto, filha de mãe japonesa e pai afro-americano, conquistou o título de Miss Universo Japão, a questão ganhou espaço depois de uma chuva de críticas. Embora tenha nascido e crescido no Japão, Ariana sofreu ataques de pessoas que diziam que ela não era "japonesa o suficiente" para representar o país. Naquele ano, a modelo deu declarações de que a discriminação a deixava ainda mais motivada, e o debate foi além da questão do racismo: colocou em xeque a hegemonia da sociedade japonesa. Em janeiro do ano passado, outra questão racial levou o tema novamente para a mesa de debates. A prestigiada tenista nipo-haitiana Naomi Osaka foi retratada em uma animação da empresa Nissin, fabricante de macarrão instantâneo, com a pele branca. A polêmica fez a empresa vir a público pedir desculpas, dizendo que terá "mais sensibilidade no futuro". A morte do afro-americano George Floyd, de 46 anos, assassinado durante uma abordagem violenta de um policial branco nos Estados Unidos, desencadeou uma onda de protestos antirracistas no mês passado e gerou um debate de proporções internacionais. Engenheiro mecânico Stephen Estelle, de 25 anos, veio dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão Alguns veículos japoneses aproveitaram a oportunidade para levantar uma importante questão: será que o Japão não tem nada a ver com a luta contra o racismo? Para Yasuko Takezawa, professora do Instituto de Pesquisa em Ciências Humanas da Universidade de Quioto, a questão racial também é um problema na sociedade japonesa. "A maioria dos japoneses não tem uma experiência direta com pessoas negras. A imagem no país é proveniente da mídia, novelas, filmes, famosos com descendência africana ou comediantes que fazem imitações estereotipadas. É uma imagem que não é corrigida e acaba influenciando a sociedade", explica. Sem falar o idioma, Stephen passou um ano em Tóquio, onde adquiriu experiência com os japoneses e depois se mudou para o extremo sul do país, para trabalhar no Instituto de Ciências e Tecnologia de Okinawa Curiosidade além dos limites Em janeiro de 2019, o engenheiro mecânico Stephen Estelle, de 25 anos, saiu dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão. Sem falar o idioma, Stephen passou um ano em Tóquio, onde adquiriu experiência com os japoneses e depois se mudou para o extremo sul do país, para trabalhar no Instituto de Ciências e Tecnologia de Okinawa. Stephen conta que teve mais experiências positivas do que negativas e que a interação com os japoneses geralmente ocorre através da curiosidade. Danielle foi trabalhar como professora de inglês em uma escola primária em Ibaraki, província a 82 km de Tóquio "Sinto que as pessoas ficam mais interessadas em conversar comigo por causa da curiosidade. Elas fazem perguntas, querem saber sobre o meu cabelo e a minha cultura. Eu acho que é algo bom, pois eles estão aprendendo e assim conseguem dissolver os estereótipos", explica. Acostumado a falar sobre si, Stephen conta que já passou por situações constrangedoras e que nem sempre a curiosidade é positiva. "Há pessoas que passam dos limites e invadem a sua privacidade, tentam tocar em você sem pedir. Conversando com um amigo negro, descobri que temos uma experiência parecida, a de ir em um banheiro público e ter um desconhecido tentando 'espiar' você. Isso é desrespeitoso, além dos limites", critica. Apesar dos inconvenientes, o afro-americano conta que a experiência no Japão tem sido positiva. "Aqui eu não preciso me preocupar com a violência policial, mas nos Estados Unidos há mais suporte, amigos afro-americanos, a comunidade, a família. Se eu pegar o carro à noite nos Estados Unidos e sair de casa, posso chamar atenção de um policial. Aqui não me preocupo com isso, eu me sinto mais seguro". A jamaicana Danielle Thomas, de 28 anos, chegou ao Japão em 2016 e foi trabalhar como professora de inglês em uma escola primária em Ibaraki, província a 82 km de Tóquio. Acostumada com as crianças japonesas, Danielle conta que passou por algumas experiências "engraçadas", como a de um menino que disse para a mãe que a professora tem "a cara marrom" e outro garoto que a chamava de "professora marrom". "Eu adoro trabalhar com as crianças, elas são energéticas e puras. Eu não me ofendo com isso, acho que é bonitinho. Eles são honestos, ficam surpresos comigo e deixam os pais constrangidos", diz. Acostumada com as crianças japonesas, Danielle conta que passou por algumas experiências "engraçadas", como a de um menino que disse para a mãe que a professora tem "a cara marrom" A curiosidade também é algo presente em seu dia a dia no Japão. "Estou sempre respondendo às mesmas perguntas sobre o meu país e principalmente sobre o meu cabelo. Eu canso, mas não me importo. Na Jamaica, todo mundo era como eu, e quando cheguei ao Japão, eu também fiquei fascinada pelo cabelo dos japoneses. Eu também queria tocar neles, por isso eu entendo", brinca. Adaptação difícil A brasileira Lorraina Eduarda Vital Cota Nakamura, de 28 anos, veio de São Joaquim da Barra, em São Paulo, para o Japão há dois anos, depois de vencer o medo de se mudar para o outro lado do mundo. "Na época, o meu marido (descendente de japoneses) ficou desempregado e então surgiu a ideia de ir ao Japão. Eu tinha muito medo, acreditava que os japoneses eram preconceituosos e temia pela minha filha, que tinha só seis anos", conta. Lorraina se instalou com a família na província de Mie, na região central do Japão. A brasileira conta que começou a trabalhar em fábricas e se sentiu bem recebida, mas enfrentou uma adaptação difícil, principalmente por causa do idioma. "Assim que cheguei eu procurei um curso de japonês e comecei a estudar. Aprendi o hiragana (um dos três sistemas de escrita) e depois tive aulas particulares, mas quanto mais eu estudava, menos eu aprendia. Essa língua é muito difícil para mim, tenho me esforçado para vencer essa barreira." "Na época, o meu marido (descendente de japoneses) ficou desempregado e então surgiu a ideia de vir ao Japão. Eu tinha muito medo, acreditava que os japoneses eram preconceituosos e temia pela minha filha, que tinha só seis anos", diz Lorraina Lorraina se tornou autônoma e abriu um salão de beleza em casa, especializado em tranças, dreads e alongamentos capilares. A brasileira conta que a filha Helena, hoje com 8 anos, se adaptou bem na escola japonesa, mas passou por um episódio de bullying. "Um colega japonês zombou do cabelo dela e logo fomos na escola resolver a situação. Hoje em dia eles são amigos e não houve mais nada. Todos os dias, quando ela chega da escola, eu pergunto como foi com os colegas e com a professora, estamos sempre acompanhando", diz. Com relação ao racismo, Lorraina diz que passou por poucas situações desconfortáveis, como a vez em que estava em uma loja de usados e se aproximou de algumas crianças para se olhar no espelho. "A mãe disse 'abunai, abunai' (perigo em japonês) e eu não entendi. Pareceu que estava dizendo para as crianças que eu sou perigosa", relembra. De uma maneira geral, ela conta que a experiência no Japão tem sido positiva. "Geralmente sou bem tratada e tenho gostado de morar aqui pela segurança e a estabilidade. Fora o problema da língua, eu sinto falta do calor humano do Brasil. Aqui as pessoas são afastadas, é cada um por si. Isso poderia me fazer querer voltar ao Brasil, mas o racismo, não", diz. "A sensação é de que não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro", diz nigeriano Samuel Lawrance Sistema japonês O nigeriano Samuel Lawrance, que está há mais de 15 anos no Japão e se aprofundou na sociedade e no sistema do país, acredita que há um racismo "passivo-agressivo" na sociedade japonesa, por ser algo que ocorre muitas vezes de maneira discreta. "Eu trabalhei em uma empresa japonesa há alguns anos e passei por uma situação bastante desconfortável, de ver alguém bem menos capacitado e experiente do que eu se tornando o meu chefe simplesmente por ser japonês. A sensação é de que não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro", desabafa. Samuel trabalha atualmente para uma empresa estrangeira, que implementa tecnologia de inteligência artificial em campos de golfe e tênis. Depois de passar pelo sistema educacional do Japão e de se encaixar na sociedade como um trabalhador, o nigeriano acredita que tem a missão de ajudar a educar os japoneses com relação aos negros. "Já ouvi todo o tipo de pergunta, até se tem ar-condicionado na Nigéria. Eu poderia ficar bravo, mas acredito que a minha missão é educar e apresentar informações corretas para qualquer um que esteja me perguntando. Quero que os japoneses saibam como é o meu país e a minha cultura." Depois de passar metade da vida no Japão, o nigeriano acredita que se adaptou por ter entrado no sistema e seguido uma carreira, mas nem por isso pensa em ficar para sempre no país. "A diferença entre mim e um trabalhador japonês é que ele tem um passaporte japonês e obviamente não se parece como eu, apenas isso. Eu estou aqui porque os meus serviços estão sendo requisitados. Quando não forem mais, acredito que vou embora", diz. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Golpe a nacionalismo e impulso a cooperação: como crise do coronavírus pode afetar futuro global
A pandemia do novo coronavírus parece ainda estar no início em boa parte do mundo, mas já causou milhares de mortes, impactou a economia global e restringiu a circulação de milhões de pessoas.
Pensadores debatem sobre o modo com que a crise atual impactará as relações entre os países e as formas de governo mundo afora Enquanto médicos correm para tentar produzir uma vacina que combata o vírus Sars-Cov-2, pensadores debatem como a crise atual vai afetar as relações entre os países e as formas de governo mundo afora. O novo coronavírus forçará governos nacionalistas — como o chefiado por Donald Trump nos EUA — a rever atitudes e buscar uma resposta coordenada com outras nações, uma vez que a pandemia tem ignorado fronteiras? O aparente sucesso das rígidas medidas impostas pela China no combate à covid-19, em contraste com a hesitação de democracias ocidentais como EUA, Itália e Espanha, expõe que regimes autoritários estão mais preparados para lidar com desafios do mundo moderno? Essas foram algumas das questões levantadas a partir de um artigo escrito no fim de fevereiro pelo filófoso italiano Giorgio Agamben. Fim do Talvez também te interesse Nas últimas décadas, Agamben se notabilizou por obras em que analisou medidas de "estado de exceção" adotadas por governos ocidentais sob a justificativa de combater o terrorismo. Segundo o filósofo, essas medidas — como a difusão de dispositivos de controle de mídias digitais e o escaneamento em aeroportos — acabaram se aplicando a todos os cidadãos, fazendo com que o estado de exceção se tornasse a norma e abarcasse toda a sociedade. Estado de exceção como normal Em um texto publicado em 25 de fevereiro no jornal italiano Il Manifesto, Agamben avaliou que a pandemia do novo coronavírus estava reforçando a tendência "de se utilizar o estado de exceção como paradigma normal de governo". Ele criticou um decreto-lei publicado pelo governo italiano com uma série de medidas para tentar conter a doença, como o fechamento de escolas, a proibição de eventos e o bloqueio a áreas afetadas. Pandemia do novo coronavírus afetou todo o mundo e fez com que sociedade repensasse relações Segundo Agamben, as medidas haviam promovido uma "verdadeira militarização" do país, embora, segundo ele, a covid-19 fosse equivalente a uma "gripe normal". Para o filósofo, autoridades e meios de comunicação italianos estavam espalhando "um clima de pânico" sobre a pandemia para justificar a adoção de medidas restritivas. "Parece que, por ter se esgotado o terrorismo como causa de medidas emergenciais, a invenção de uma epidemia poderia oferecer o pretexto ideal para estendê-las além de todos os limites", escreveu o filósofo. Solidariedade global O texto foi rebatido por vários acadêmicos, que discordaram da análise de Agamben sobre a baixa periculosidade da pandemia. Em um artigo no site The Philosophical Salon, mantido pela revista literária Los Angeles Review of Books, o filósofo esloveno Slavoj Žižek disse que a criação de um pânico artificial em torno da pandemia não seria do interesse de governos, pois perturbaria a economia e ampliaria o desgaste das autoridades perante a população. "São claros os sinais de que, não apenas as pessoas comuns, mas também os poderes estatais estão em pânico, plenamente conscientes de não serem capazes de controlar a situação", afirmou o esloveno. Žižek reconhece que as quarentenas impostas pelos governos limitaram a liberdade, mas aponta para um possível desdobramento positivo da crise atual. Para filósofos, pandemia põe em xeque governos que tratam a soberania nacional e dão pouca atenção ao que ocorre fora de suas fronteiras Segundo ele, "a ameaça de infecção viral também deu um tremendo impulso a novas formas de solidariedade local e global, além de deixar clara a necessidade de controle sobre o próprio poder". O filósofo cita, como prova da necessidade de controle do poder, a atitude de autoridades de Wuhan — cidade chinesa onde a doença surgiu — que omitiram informações iniciais sobre o surto, atrasando a adoção de medidas de contenção. Resposta global Žižek diz que a pandemia também pôs em xeque governos que tratam a soberania nacional como valor supremo e dão pouca atenção ao que ocorre fora de suas fronteiras. Afinal, diz ele, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem dito que somente uma resposta articulada globalmente permitirá um combate eficiente contra a pandemia. "Esta epidemia pode ser evitada, mas apenas com uma abordagem coletiva, coordenada e abrangente que envolva todo o mecanismo do governo ", disse, em 5 de março, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Segundo Žižek, um dos governos mais pressionados pela pandemia é o de Donald Trump, que se elegeu com o slogan "América primeiro" e vinha dando pouca atenção a organismos internacionais, mas agora é cobrado a participar dos esforços globais para conter a pandemia. Žižek diz que "a presente crise demonstra claramente como a solidariedade e a cooperação globais são do interesse da sobrevivência de cada um de nós, que é a única coisa racionalmente egoísta a se fazer." Fim da globalização? Em 8 de março o economista Will Huton, diretor do Hertford College, da Universidade de Oxford, publicou no jornal britânico The Guardian um artigo intitulado "O coronavírus não acabará com a globalização, mas a mudará para muito melhor". Nele, ele diz que, com a pandemia, "uma forma de globalização não regulamentada e de livre mercado, com sua propensão a crises e pandemias, certamente está morrendo". "Mas outra forma que reconhece a interdependência e a primazia da ação coletiva baseada em evidências está nascendo", afirmou. Para Huton, haverá mais pandemias no futuro, e elas forçarão os governos a investir na saúde pública e a respeitar a ciência — assim como adotar providências semelhantes quanto às mudanças climáticas, ao cuidado dos oceanos, às finanças e à cybersegurança. Compartilhamento de informações Autor dos bestsellers Sapiens e Homo Deus, o historiador e filósofo israelense Yurval Harari publicou um artigo com conclusões semelhantes na revista Time, em 15 de março. Nele, Harari afirma que muitas pessoas têm culpado a globalização pela pandemia do coronavírus e defendido "desglobalizar" o mundo — construindo muros, restringindo viagens e limitando o comércio — para evitar novas ocorrências desse tipo. "Isolacionismo no longo prazo só levará ao colapso econômico, sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas", diz historiador e filósofo israelense Yurval Harari Porém, diz ele, embora restrições de curto prazo sejam essenciais para limitar a propagação do vírus, "o isolacionismo no longo prazo só levará ao colapso econômico, sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas". "O real antídoto contra a epidemia não é segregação, mas cooperação", defende. Segundo Harari, a história mostra que o compartilhamento de informações científicas e a solidariedade global são as principais armas para combater crises como esta. Para o israelense, "a coisa mais importante que as pessoas precisam entender sobre essas epidemias é que a propagação da epidemia em qualquer país ameaça a espécie humana inteira". Ele afirma que, se pandemia ampliar as divisões e desconfianças entre os humanos, "será a maior vitória do vírus". Já se ela provocar uma maior cooperação global, "será uma vitória não só contra o coronavírus, mas contra todos patógenos futuros". EUA X China As formas como a China e os EUA têm reagido à pandemia também têm sido analisadas por pensadores, que tentam prever como a crise atual afetará a disputa entre os dois países mais poderosos do mundo. Gideon Rachman, principal colunista de política externa do jornal britânico Financial Times, publicou em 16 de março um artigo no qual diz que a China tem conseguido mudar as percepções sobre sua reação à pandemia. Inicialmente criticada por ter censurado e punido médicos que alertaram sobre a gravidade da covid-19, a China tem conseguido conter novas infecções após medidas drásticas adotadas pelo governo. Por outro lado, a doença vem avançando rapidamente na Europa e nos EUA, gerando dúvidas sobre a capacidade de reação dos governos ocidentais. O número de mortos pela covid-19 na Itália, país europeu mais afetado pela pandemia, ultrapassou em muito o total de mortos na China, embora o país asiático tenha 23 vezes mais habitantes que o europeu e esteja exposto ao vírus há mais tempo. Rachman afirma que, em parte, a relutância de europeus em adotar medidas duras contra a epidemia, permitindo que os casos se multiplicassem rapidamente, reflete "as dificuldades que democracias terão em manter restrições de estilo chinês por longos períodos". Formas como a China e os EUA têm reagido à pandemia têm sido analisadas por pensadores, que tentam prever como a crise atual impactará a disputa entre as duas nações mais poderosas do mundo "Com a Espanha, a Itália e a França impondo duros controles sobre o movimento das pessoas, as capacidades administrativas e sociais da democracia europeia estão enfrentando um teste de estresse extraordinário", diz. Para Rachman, os resultados distintos de chineses e países ocidentais no enfrentamento da epidemia farão com que "a crença de que a China está em ascenção e de que o Ocidente está em inexorável declínio ganhe novos adeptos". O cenário também encorojará argumentos pró- autoritarismo e anti-democracia tanto na China quanto no Ocidente, diz ele. "A última crise global - o colapso financeiro de 2008 — desencadeou uma perda da autoconfiança ocidental e uma mudança do poder político e econômico para a China. A crise do coronavírus em 2020 poderá forçar uma mudança muito maior na mesma direção", diz o analista. Democracias bem-sucedidas na resposta Racham ressalva, no entanto, que países democráticos na Ásia — como a Coreia do Sul, Singapura e Taiwan — também têm tido sucesso na contenção do vírus sem recorrer à paralisação total. Esses países, diz o analista, aplicaram exames de detecção em larga escala e foram rápidos em adotar o distanciamento social - medidas que, segundo ele, os EUA e a União Europeia provavelmente levaram muito tempo para encampar. Outra ressalva feita por Rachman é que, apesar do aparente sucesso chinês em conter o vírus, o país ainda terá de responder "como deixaram o vírus fugir do controle em primeiro lugar, e o que vai acontecer quando as restrições de movimento forem aliviadas". Resposta dos EUA Outro elemento a se considerar nos desdobramentos da crise é como os EUA reagirão, escrevem Kurt Campbell e Rush Doshi em artigo para a revista Foreign Affairs, em 18 de março. Eles argumentam que a posição dos EUA como um líder global nas últimas sete décadas foi construída não só em cima de riqueza e poder, mas também na sua capacidade e disposição de coordenar reações a crises globais, na legitimidade de sua governança doméstica e na sua oferta de bens para outras nações. "A pandemia do coronavírus está testando todos os três elementos da liderança dos EUA. Até agora, Washington está sendo reprovada no teste", afirmam. Eles dizem que os EUA têm evitado assumir um papel de liderança global no enfrentamento da pandemia — postura distinta da adotada no governo Barack Obama durante a crise do ebola, na África, em 2014. Afirmam ainda que os EUA hoje dependem de importações para suprir suas necessidades de equipamentos e medicamentos contra a covid-19 e têm fracassado em examinar casos suspeitos. "A China, em contraste, tem promovido uma campanha diplomática intensa para reunir dúzias de países e centenas de autoridades, geralmente por videoconferência, para compartilhar informações sobre a pandemia e lições da experiência da própria China no combate à doença", argumentam. O país asiático é ainda o maior produtor de máscaras e outros equipamentos usados contra a pandemia. "Quando nenhum país europeu respondeu ao pedido urgente da Itália por equipamentos médicos e de proteção, a China publicamente se comprometeu a enviar mil ventiladores, 2 milhões de máscaras, 100 mil respiradores, 20 mil aventais de proteção, e 50 mil kits de exame", dizem. A China também enviou equipes médicas e 250 mil máscaras ao Irã, além de enviar equipamentos para a Sérvia. O fundador da Alibaba, gigante chinesa de comércio eletrônico, se comprometeu a enviar kits de exame e máscaras para os EUA, além de 20 mil kits de exame e 100 mil máscaras para cada um dos 54 países africanos. Os autores defendem que, em vez de se contrapor aos chineses na reação à pandemia, os EUA deveriam coordenar seus esforços com Pequim para desenvolver uma vacina contra a covid-19, socorrer a economia global, compartilhar informações, mobilizar indústrias para produzir equipamentos médicos e oferecer ajuda a outros países. "No fim das contas, o coronavírus pode até servir como um alerta, promovendo o progressso em outros desafios globais que requerem a cooperação EUA-China, como as mudanças climáticas", diz o artigo. "Esse passo não deve ser visto — e não seria visto pelo resto do mundo — como uma concessão ao poder chinês. Em vez disso, ele ajudaria a restaurar a fé no futuro da liderança americana." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Vacina de Oxford contra covid é aprovada no Reino Unido; Brasil segue sem data certa
A vacina contra o coronavírus desenvolvida por cientistas da Universidade de Oxford foi aprovada para uso no Reino Unido. Isso levará a uma expansão massiva da campanha de imunização do Reino Unido.
A vacina de Oxford é também uma das principais apostas do governo brasileiro para combater o coronavírus. O Brasil foi um dos países que participou da fase de testes do imunizante da universidade britânica e possui um protocolo de transferência de tecnologia que permite aos brasileiros produzir nacionalmente a vacina da Oxford. O secretário britânico da Saúde, Matt Hancock, disse que a vacina começará a ser aplicada na população em 4 de janeiro e que o ritmo da imunização será acelerado nas primeiras semanas. O Reino Unido encomendou 100 milhões de doses da vacina de Oxford junto à fabricante AstraZeneca — o suficiente para vacinar 50 milhões de pessoas. Esse número de doses, combinado com o que o Reino Unido já comprou da Pfizer, garantirá a imunização de toda a população, segundo o governo. A aprovação, pelo órgão regulador dos medicamentos, significa que a vacina é considerada oficialmente segura e eficaz. Fim do Talvez também te interesse A vacina Oxford-AstraZeneca foi desenvolvida em um ritmo acelerado e inédito. Foi projetada nos primeiros meses de 2020, testada no primeiro voluntário em abril e, desde então, passou por testes clínicos em grande escala envolvendo milhares de pessoas. Grupos prioritários da população britânica já vêm recebendo a vacina da Pfizer-Biotech. Mas essa vacina da Oxford-AstraZeneca levará a um aumento significativo na vacinação, pois é barata e fácil de produzir em massa. Crucialmente, ela pode ser armazenada em uma geladeira normal — ao contrário do produto da Pfizer-BioNTech, que precisa de armazenamento a -70 ° C — então será muito mais fácil alcançar lares de idosos e clínicas de saúde. A aprovação da nova vacina acontece em um momento de escalada desenfreada da pandemia no Reino Unido, com números de casos superando a primeira onda no país. Autoridades de saúde alertam para a possibilidade de esgotamento de leitos em hospitais. O Reino Unido vem ampliando restrições e lockdowns neste fim de ano na tentativa de conter a pandemia. Na terça-feira (29/12), foram confirmados 53.135 novos casos e 414 mortes no Reino Unido. O primeiro-ministro, Boris Johnson, disse que o anúncio da aprovação da vacina de Oxford é "um triunfo" para a ciência britânica, acrescentando: "Agora iremos vacinar o máximo de pessoas o mais rápido possível". A maior autoridade de saúde do país, Chris Whitty, elogiou o "considerável esforço coletivo que nos trouxe até este ponto". Hancock disse que o desenvolvimento foi um "momento significativo" na luta contra o vírus. E no Brasil? A vacina da Oxford-AstraZeneca é uma das principais apostas do Brasil no combate ao coronavírus. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem um acordo com a farmacêutica para a compra de 100,4 milhões de doses. Além disso, devido a um acordo de transferência tecnológica, a Fiocruz afirma que poderia produzir a vacina, fornecendo até 210,4 milhões de doses para o SUS em 2021. Vacina de Oxford vai ser produzida no Brasil em 2021 A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que a fundação pretende entregar 1 milhão de doses de sua vacina entre os dias 8 e 12 de fevereiro. Depois disso, a produção seria escalonada e a partir do dia 22 de fevereiro a Fiocruz estaria produzindo 700 mil doses diárias. Apesar da posição privilegiada para produção do produto, o Brasil não tem data para começar a vacinação da população. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não aprovou imunizante algum. Na terça-feira (29/12), o secretário executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, especulou sobre quando o Brasil pode começar a vacinar. "Na melhor das hipóteses, nós estaríamos começando a vacinação no dia 20 de janeiro. Em um prazo médio, entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro. E no prazo mais longo, a partir de 10 de fevereiro", disse Franco. "Isso vai depender de uma série de fatores, inclusive logística, e vai depender de os laboratórios estarem em dia no seu processo de submissão contínua e com o processo de registro na Anvisa." Nos últimos dias, houve troca de farpas entre o governo brasileiro e a fabricante Pfizer, cuja vacina já vem sendo usada em diversos países. O presidente Jair Bolsonaro disse que os laboratórios não estavam interessados em vender vacinas para o Brasil. "O Brasil tem 210 milhões de habitantes, então, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentos para a Anvisa? Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, não. Quem quer vender... se eu sou vendedor, eu quero apresentar." A Pfizer respondeu, em nota, que o processo brasileiro para aprovação da vacina na Anvisa exige mais tempo, por conta de pedidos específicos da agência reguladora brasileira. O Brasil aprovou recentemente um regime de uso emergencial de vacinas, mas a Pfizer disse que o processo mais célere para aprovar o imunizante é através do registro normal da vacina — sem uso desse protocolo emergencial, que impõe mais condições. Na terça-feira, após a crítica da Pfizer, a Anvisa modificou algumas das exigências. Antes, a agência exigia que a fabricante fornecesse o número exato de doses que seriam disponibilizados, algo que a Pfizer afirma não ser possível fazer antes que um contrato de compra seja firmado. Agora, a Anvisa trocou essa exigência por uma "estimativa" da fabricante. O Brasil enfrenta também problemas logísticos para vacinação. O jornal Estado de S. Paulo noticiou que em um leilão na terça-feira (29/12) para a compra de 331 milhões de seringas que serão usadas na vacinação fracassou — com o governo federal conseguindo comprar apenas 7% do estoque necessário. O problema teria sido o alto preço cobrado pelas fabricantes que ofereceram seringas no leilão. As vacinas também têm sido alvos de disputas políticas — em especial entre Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, ambos potenciais candidatos na eleição presidencial de 2022. Doria vem fazendo campanha pela aprovação da vacina CoronaVac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo. Já Bolsonaro chegou a declarar que o governo brasileiro não compraria "vacina chinesa", tendo mostrado preferência pelo imunizante da Oxford-AstraZeneca. O Brasil teve 1.111 mortos e 58,7 mil novos casos de coronavírus registrados nas últimas 24 horas. Enquanto isso, diversos países — incluindo os latino-americanos Argentina, Chile, México e Costa Rica — já começaram a imunizar sua população contra a covid-19. No Reino Unido, mais de 600 mil pessoas já receberam a primeira dose da vacina da Pfizer, e alguns idosos já começaram a receber a segunda. O país se prepara agora para utilizar a segunda vacina aprovada. Análise de James Gallagher, repórter de saúde e ciência da BBC News A aprovação da vacina Oxford-AstraZeneca marca uma grande virada na pandemia. Isso levará a uma expansão massiva na campanha de imunização do Reino Unido, com o objetivo de fazer a vida voltar ao normal. A mudança para dar ao maior número possível de pessoas as primeiras doses de qualquer uma das vacinas aprovadas efetivamente dobra o número de pessoas que recebem alguma proteção. A segunda dose, que dá proteção máxima, chegará até três meses depois. No entanto, os próximos meses ainda parecem desanimadores. Autoridades de saúde falaram de níveis "sem precedentes" de infecção e alguns hospitais estão lutando com o número de pacientes. As restrições sob as quais todos vivemos provavelmente ficarão mais rígidas antes que as vacinas façam uma diferença tangível e nos coloquem no caminho da normalidade. Quão eficaz é a vacina de Oxford? Existem três números diferentes — 62%, 70% e 90%. A primeira análise dos dados do ensaio mostrou que 70% das pessoas estavam protegidas contra os sintomas de covid-19 e ninguém desenvolveu doença grave ou precisou de tratamento hospitalar. O número foi de apenas 62% quando as pessoas receberam duas doses completas e 90% quando receberam meia dose e depois uma completa. A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA, na sigla em inglês) aprovou duas doses completas da vacina Oxford-AstraZeneca. No entanto, dados não publicados sugerem que deixar um intervalo maior entre a primeira e a segunda doses aumenta a eficácia geral da vacina. Não havia dados suficientes para aprovar o uso de meia dose e dose completa. Como ela funciona? A vacina utiliza um vírus de resfriado comum geneticamente modificado que costumava infectar chimpanzés, um adenovírus. Ele foi alterado para impedir que cause uma infecção em pessoas e para carregar partes do gene do coronavírus, entre elas a proteína spike (ou "de pico"). Uma vez que essas moléculas estão dentro do corpo, começam a produzir a proteína spike do coronavírus que o sistema imunológico reconhece como ameaça e aprende a destruir. Quando o sistema imunológico entra em contato com o vírus de verdade, agora sabe o que fazer. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brumadinho: 'Após 72h, será um milagre' achar alguém vivo, diz especialista sobre resgate de vítimas
Três dias após o r ompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho , ao menos 292 pessoas ainda estão desaparecidas - e 60 corpos foram resgatados até agora. O engenheiro e geógrafo Moacyr Duarte, consultor de análise de riscos e planejamento de emergências, avalia que as chances de ainda se achar alguém com vida sob a lama espessa é "quase zero".
Lama reduz drasticamente as chances de alguém sobreviver e dificulta bastante o trabalho de equipes de emergência "Depois de 72h, estamos no terreno do milagre. Se encontrarem alguma coisa, serão apenas mais corpos", afirma Duarte à BBC News Brasil. Doutor pela Coppe/UFRJ, ele explica que o fato de a tragédia ter sido causada por uma enxurrada de lama reduz drasticamente a probabilidade de sobrevivência. "Em uma situação como essa, o corpo humano é arrastado e colide com tudo que passa por ele. Não há condição de reação", diz. 'Sepultamento natural' Em terremotos ou deslizamentos de terra e rochas, como o ocorrido em 2010 no Morro do Bumba, em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, o solo pode ser barrado por obstáculos, como paredes e vigas, criando bolsões em meios aos escombros onde uma pessoa pode sobreviver. Fim do Talvez também te interesse Em Brumadinho - e também em Mariana, há três anos -, a enxurrada de lama torna este cenário improvável, diz Duarte, porque a lama mole "se comporta como água" e preenche completamente todos os cômodos de casas e outras construções em seu caminho. Há locais em que a camada de lama chega a 15 metros de profundidade Um relevo como a região da barragem mineira torna a situação ainda mais crítica, diz o engenheiro, porque a lama preenche os vales e calhas dos rios. "Onde não há obstáculos, a lama se espalha por todos os lados, mas ali a camada de sedimentos fica bem alta. Quem foi resgatado estava na franja da enxurrada ou ficou perto da superfície. No nível do chão, não tem chance de sobrevida." Militares israelenses ajudam nas buscas A lama mole ainda cria outro problema para as equipes de resgate. Esse material não tem "capacidade de carga", ou seja, não suporta o peso de uma pessoa para que ela possa caminhar sobre a área atingida. Quem busca por sobreviventes ou corpos pode afundar. Os bombeiros precisam, então, distribuir seu peso sobre a superfície, ao se deitar como se estivessem nadando. Ao mesmo tempo, para retirar alguém da lama, são necessárias duas ou três pessoas, de acordo com o peso da vítima. Caso contrário, tanto o profissional quanto a vítima podem submergir. 'Se encontrarem alguma coisa, serão apenas mais corpos', avalia Moacyr Duarte Outro obstáculo para encontrar vítimas é que a lama cria uma superfície homogênea. "Não dá para saber onde estava uma praça, uma casa. Às vezes, o que restou de uma construção serve de referência, mas, em grandes espaços públicos, fica tudo igual", diz o engenheiro. Mais de 130 militares de Israel chegaram nesta segunda-feira à Brumadinho para auxiliar nas buscas. De acordo com autoridades, em um primeiro momento, o esforço será para encontrar sobreviventes, principalmente na área administrativa da Vale no local da barragem. Serão usados equipamentos para identificar sinais de celulares a até quatro metros de profundidade e ativar o GPS dos aparelhos. A camada de lama em Brumadinho chega a ter 15 metros de profundidade. Também serão empregados sonares para identificar sob a lama materiais de composição e densidade diferentes a até três metros sob o solo, de acordo com o jornal Folha de S. Paulo. Questionado pela BBC News Brasil sobre a profundidade que os aparelhos alcançam, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais disse ainda não ter esta informação. Com o passar do tempo, a água escoa, e a lama endurece. "Precisa usar uma escavadeira" para achar as vítimas, afirma Duarte. "A escavadeira remove lentamente a terra, mas deve ser usada com cuidado, porque corta o que está embaixo [da lama]. Quando chegar perto, é possível usar outras técnicas, como escavação manual ou com pás." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Diretor da PF foi trocado para garantir mudança de chefia no RJ, diz Moro em depoimento
Em seu depoimento à Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro voltou a acusar o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) de querer trocar o comando da PF para substituir o superintendente da corporação no Rio de Janeiro — onde ocorreriam investigações de interesse da família e do grupo político do presidente .
Moro voltou a acusar Bolsonaro de querer trocar o comando da Polícia Federal para alterar o chefe da Superintendência da corporação no Rio de Janeiro A troca efetivamente ocorreu: nesta segunda-feira (04/05), o recém-empossado diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, determinou a troca na Superintendência. Segundo Moro, no começo de março, Bolsonaro lhe enviou uma mensagem no WhatsApp pedindo mais uma vez a remoção do delegado da PF Carlos Henrique Oliveira do cargo de superintendente no Rio. O superintendente é uma espécie de coordenador da corporação no Estado. Oliveira assumirá como o nº 2 da PF em Brasília, mas o sucessor dele no Rio ainda não é conhecido. "A mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: 'Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'", disse Moro no depoimento sobre a mensagem de Bolsonaro. Ainda segundo Moro, Bolsonaro disse que trocaria até o ministro se não pudesse mudar o superintendente da PF no Rio. Fim do Talvez também te interesse "O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor-Geral e o próprio Ministro da Justiça", diz Moro em outro trecho do depoimento. Bolsonaro falou rapidamente sobre o assunto no fim da tarde desta terça-feira, num encontro com jornalistas e apoiadores em frente ao Palácio do Planalto. O presidente justificou seu desejo de trocar o superintendente no Rio de Janeiro por ser "o meu Estado". Bolsonaro disse que troca na PF do Rio se daria por ser 'o meu Estado' "O Rio é o meu Estado. É o meu Estado. É o meu Estado. Vamos lá. Caso do porteiro (em novembro de 2019, a TV Globo revelou depoimento de porteiro do condomínio Vivendas da Barra segundo o qual alguém na casa de Bolsonaro liberou a entrada dos matadores de Marielle Franco no local). Eu fui acusado de tentar matar a Marielle. O presidente da República acusado de assassinato. A Polícia Federal tinha que investigar", disse ele. "Porque é que não investigou com profundidade? Para tentar dizer que eu conhecia o (ex) policial militar (Ronnie Lessa), um dos acusados", disse Bolsonaro. No depoimento, Moro volta a dizer que a troca de Maurício Valeixo por Alexandre Ramagem no comando da PF foi feita "sem causa e com desvio de finalidade, como reconhecimento (sic) posteriormente pelo próprio Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no dia 29 de abril, que suspendeu a posse do DPF Alexandre Ramagem". Em outro momento, porém, Moro diz que "não afirmou que o presidente teria cometido algum crime". "Perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime", diz um trecho do depoimento. "Quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes". Sergio Moro falou à Polícia Federal no sábado, na Superintendência da corporação em Curitiba (PR). As declarações dele fazem parte de um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal por determinação do ministro Celso de Mello, a partir de um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. O inquérito visa a apurar o possível cometimento de crimes por parte de Bolsonaro e também de Sergio Moro, conforme o pedido de Aras - ao pedir demissão do cargo de ministro, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal para ter acesso a informações sobre investigações sigilosas, entre outras irregularidades. Nesta segunda-feira, a defesa de Moro pediu a Celso de Mello que tornasse pública a íntegra do depoimento do ex-juiz, o que todavia não tinha sido decidido ainda pelo ministro do STF. A íntegra do depoimento foi divulgada primeiro pelo repórter Caio Junqueira, do canal de TV a cabo CNN Brasil - em seguida, a BBC News Brasil obteve uma cópia do depoimento. O material traz uma marca d'água na qual se lê "Versão Declarante". Superintendência do Rio: um desejo antigo de Bolsonaro Ao contrário do que disse Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto nesta terça, o desejo de trocar o comando da PF no Rio não surgiu depois das acusações do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, em novembro do ano passado: na verdade, a primeira troca na chefia da PF ocorreu ainda em agosto de 2019, por pressão do presidente. Na época, o chefe da PF no Rio era o delegado Ricardo Saadi — Bolsonaro disse, na época, que ele precisava ser removido do posto por apresentar problemas "de produtividade". Apesar do que disse o presidente, todos os indicadores das atividades da PF no Rio de Janeiro tinham crescido. Bolsonaro quis nomear Alexandre Saraiva para comandar a PF no Rio Na época, Carlos Henrique Oliveira acabou se tornando o superintendente da PF no Rio por vontade do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Em agosto de 2019, Bolsonaro queria nomear para a Superintendência da PF no Rio o delegado Alexandre Saraiva - atual superintendente da PF no Amazonas, ele é de origem carioca, tendo se graduado em direito na Universidade Federal Fluminense. Moro também falou sobre este assunto em seu depoimento. Segundo ele, Bolsonaro pediu a remoção de Saadi numa conversa no Palácio do Planalto, em agosto de 2019. "Após muita resistência, houve, como dito acima, concordância do Declarante (Moro) e do Dr. VALEIXO, com a substituição; QUE o presidente, após a concordância, declarou publicamente que havia mandado trocar o SR/RJ por motivo de produtividade", diz um trecho. "Para o Declarante não havia esse motivo e a própria Polícia Federal emitiu nota pública, informando a qualidade do serviço da SR/RJ, o que também pode ser verificado por dados objetivos de produtividade", acrescenta o depoimento de Moro. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Sem saber', idosos cultivaram pé de maconha gigante
Um casal de idosos na Grã-Bretanha criou um pé de maconha gigante no jardim de sua casa, aparentemente sem perceber que se tratava de uma substância ilegal.
Polícia de Bedford divulgou foto na sua conta no Twitter Os policiais de Bedford, cidade no leste da Inglaterra, disseram que o pé de maconha encontrado era "o maior que eles já viram". A planta foi retirada pelos policiais, que, agora, vão queimar os seus restos. As autoridades confirmaram que os idosos não serão processados. Eles alegaram ter comprado o pé de maconha em uma feirinha de usados na cidade. Os oficiais que encontraram a planta no jardim colocaram a foto no Twitter oficial da delegacia, na conta @bedfordlpt: "Apreendido hoje. Casal idoso comprou planta em feira de usados, tratou com cuidado – maior planta de maconha que já vimos!!" Leia mais sobre esse assunto Tópicos relacionados
Como o lobby do petróleo pode ter feito Trump focar sanções em Maduro, e não na Venezuela
Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira uma série de bloqueios contra o presidente venezuelano Nicolás Maduro, acusado de instalar uma ditadura no país após a eleição de uma Assembleia Constituinte que terá mais poderes do que o Congresso - atual opositor ferrenho do líder bolivariano.
Decisão congela todos os ativos da Maduro em território americano e impede qualquer cidadão ou empresa dos EUA de negociar com ele Pouco comum, a decisão chama atenção por mirar na pessoa física de Maduro, e não no Estado venezuelano ou em suas empresas, que fornecem 10% do petróleo importado pelos Estados Unidos. Além do presidente do país sul-americano, apenas três chefes de Estado são alvo de sanções individuais dos EUA: Robert Mugabe, do Zimbábue, Kim Jong-un, da Coreia do Norte, e Bashar al-Assad, da Síria - um "clube exclusivo", conforme definiu H.R. McMaster, conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, em entrevista à imprensa na Casa Branca. De um lado, o governo americano justifica a decisão argumentando que Maduro seria responsável por uma ruptura constitucional e democrática. "Ao sancionar Maduro, os EUA deixam clara nossa oposição às políticas do regime e nosso apoio ao povo da Venezuela, que busca o retorno de seu país a uma democracia plena e próspera", disse o Secretário do Tesouro, Steven T. Mnuchin. De outro, críticos argumentam que a medida tentaria acelerar a ascensão de um governo mais próximo a interesses americanos, revelando uma postura "seletiva" da gestão de Donald Trump. Parceiro dos EUA, o presidente turco Recep Erdogan, por exemplo, também ampliou seus poderes com mudanças na Constituição, mas ganhou um telefonema de parabéns do presidente americano, em abril, em vez de sanções. A decisão desta segunda-feira congela todos os ativos da Maduro em território americano e impede qualquer cidadão ou empresa dos EUA de negociar com ele, e vem na sequência de uma série de sanções dos americanos contra apoiadores do regime venezuelano nos últimos meses. Questionado, entretanto, o governo não responde qual seria o patrimônio do presidente venezuelano nos EUA e que negócios ele teria pessoalmente com o país. Xadrez Mas por que os Estados Unidos decidiram se focar nos investimentos e negócios pessoais do presidente venezuelano? Criação de Assembleia Constituinte rendeu críticas internacionais a Maduro Para especialistas consultados pela BBC Brasil, as respostas passam pelo lobby da indústria americana do petróleo, que não quer ver preços mais altos nos postos de gasolina, por possíveis críticas internacionais a sanções mais drásticas contra o país e pela possibilidade de um eventual fortalecimento de Maduro - que poderia reagir a bloqueios contra a Venezuela com novas medidas radicais ou autoritárias. O xadrez geopolítico inclui ainda o risco de aprofundamento da crise humanitária no país sul-americano - que já sofre com desabastecimento, escassez de alimentos e uma escalada sem precedentes de violência que deixou pelo menos dez mortos durante protestos no ultimo fim de semana. "O foco na pessoa física de Maduro serve para mostrar que os EUA estão fazendo algo. Isso trará algum efeito prático? Minha resposta é não", avalia Richard Nephew, pesquisador sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, nos EUA. "Neste momento, é difícil ver como pressões econômicas individuais podem mudar a postura de Maduro. Ele viu vários aliados tendo seus investimentos congelados nos Estados Unidos nos últimos meses. Se ele manteve negócios por aqui, isso seria no mínimo inocente - e não acho que este seja o caso." Na última quarta-feira, 13 pessoas ligadas ao governo venezuelano tiveram contas bancárias, negócios e imóveis congelados por apoiarem a convocação da Assembleia Constituinte no país. Eric Farnsworth, vice-presidente do think tank Council of the Americas, de Washington, discorda e afirma que a medida se concentra "no responsável" pela crise venezuelana. "Os EUA estão conscientes de que as medidas podem ser um meio de incentivar o governo Maduro a mudar sua direção, restaurar as liberdades civis e retornar a um caminho democrático", afirmou à BBC Brasil. "Não há vontade pelo governo americano de tomar medidas que prejudiquem os venezuelanos, que já sofreram significativamente. As sanções atuais e futuras buscarão esse equilíbrio, visando os mais responsáveis pela condição atual da Venezuela", completou. Junto a uma profunda crise econômica fruto da queda dos preços do petróleo no exterior, a Venezuela registra os maiores índices de inflação do mundo - o que dificulta o acesso de boa parte da população a alimentos. Venezuela tem assistido a uma onda violenta de protestos Rússia e Irã Para Richard Nephew, da Universidade de Columbia, sanções contra as exportações de petróleo venezuelano poderiam influenciar os preços dos barris no mercado internacional - trazendo como efeito colateral um fortalecimento de produtores rivais dos EUA, como Rússia e Irã. "Isso teria impacto nos consumidores diretamente e também em produtores, um direto impacto nos preços. Eventuais sanções de exportações da Venezuela para o resto do mundo, como já fizemos com o Irã, exigiram gerar conversas difíceis com China, Rússia e outros países, e não acho que o presidente queira enfrentar isso", afirmou à BBC Brasil. "A escolha por sancionar Maduro, e não o país, passa por questões importantes política e economicamente. Mesmo que se possa dizer que Maduro foi longe demais e houvesse apoio a isso, a ideia de os EUA permitirem bloqueios contra um país latino-americano seria um problema geopolítico." Para o especialista, a melhor saída para os Estados Unidos se posicionarem em relação a crise política e humanitária na Venezuela seria investir em apoio a população venezuelana. "É importante que tenhamos uma posição. A melhor seria ajudar a população da Venezuela. Precisamos oferecer ajuda humanitária. Após anos de chavismo e muitas críticas do país contra os EUA, haveria muito valor em tentar apoiar a população não com sanções, mas com apoio, oferta de alimentos e produtos em escassez", avaliou. Diplomacia O secretário do Tesouro, Steven T. Mnuchin, afirmou nesta segunda-feira que os EUA não descartam outras medidas para "restaurar a democracia" no país sul-americano, em referência à indústria de petróleo venezuelana. Na opinião de Ben Raderstorf, pesquisador do think tank Inter-American, eventuais bloqueios contra as exportações de petróleo da Venezuela não seriam possíveis sem impactos diretos sobre a população do país. "A escolha por mirar Maduro e outras autoridades venezuelanas é uma tentativa de pressionar o governo sem afetar a população neste processo", afirmou. "Sancionar as exportações de petróleo seria um sério golpe na principal fonte de recursos do país, fundamental para importações de comida para este país que já sofre por problemas de desnutrição", avaliou. Para Mark Schneider, conselheiro sênior do CSIS (Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, na sigla em inglês), o foco em Maduro seria um primeiro passo dos Estados Unidos para conquistar apoio internacional para eventuais futuras sanções. "Trump quis deixar claro que Maduro deu um passo desastroso ao levar o país a uma ditadura. Com a medida, ele isola Maduro no grupo dos outros três chefes de Estado que sofreram sanções. Tenho certeza que a decisão é fruto de conversas com outros países - basta ver a reação da comunidade latino-americana e europeia, que quase universalmente condenou a Assembleia Constituinte como inconstitucional e ilegítima." Em nota, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou que a eleição da constituinte "desrespeita o princípio da soberania popular e confirma a ruptura da ordem constitucional". Além de Brasil e EUA, o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, e outros países americanos como Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México, Panamá e Peru se posicionaram contra a iniciativa de Maduro. À reportagem, Schneider afirma que discorda da tese de que poupar as estatais de petróleo venezuelanas seria uma forma de proteger o mercado dos EUA - defendida inclusive por apoiadores de Trump no mercado de óleo e gás. "A quantidade de petróleo comprado da Venezuela é de 10% do total das importações americanas. Pode haver no curto prazo um movimento de preços, mas isso não deve preocupar a economia americana", disse o especialista à BBC Brasil. Mas muitos representantes desse mercado pensam diferente. Secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, anunciou as sanções à Venezuela "Eventuais sanções ao setor de energia da Venezuela prejudicarão os negócios e consumidores dos EUA, ao mesmo tempo em que não abordarão os problemas reais na Venezuela", afirmou, em nota à imprensa, o presidente da Associação Americana dos Produtores de Combustível e Petroquímicos Chet Thompson. Segundo a associação, principal órgão ligado a produtores de petróleo nos EUA, medidas contra o país poderiam aumentar os preços dos combustíveis de forma "desastrosa". Já o banco Barclays, em nota a investidores, alertou para a possibilidade de um calote da dívida venezuelana em caso de sanções contra o país, já que 95% das receitas de exportação da Venezuela vêm do petróleo.
Escultura de US$ 5,3 mi é roubada na Grã-Bretanha
Uma escultura em bronze do britânico Henry Moore, no valor de US$ 5,3 milhões, foi roubada dos jardins de um museu dedicado ao artista, no interior da Grã-Bretanha.
O roubo ocorreu na noite da última quinta-feira, mas a notícia veio a público neste sábado. A polícia afirmou que imagens gravadas por câmeras de circuito interno de TV mostram três homens colocando a escultura em um caminhão. A obra tem mais de 3 metros de comprimento e pesa mais de 2 toneladas. 'Sucata' A Fundação Henry Moore ofereceu uma recompensa "substanciosa" para que a estátua retorne intacta. A polícia, no entanto, acredita que a obra tenha sido roubada pelo valor que pode ter no mercado de sucata. Moore, morto em 1986, é tido como o maior escultor mais famoso da Grã-Bretanha. Ele ganhou reconhecimento internacional por suas enormes figuras abstratas, nas quais explora formas côncavas e convexas.
Crescimento constante: taxa de suicídio entre jovens sobe 10% desde 2002
De assunto mantido entre quatro paredes a tema de série na internet, o suicídio de jovens cresce de modo lento, mas constante no Brasil: dados ainda inéditos mostram que, em 12 anos, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos subiu de 5,1 por 100 mil habitantes em 2002 para 5,6 em 2014 - um aumento de quase 10%.
Suicídio ainda é tabu, mas especialistas defendem que deve ser mais debatido Os números obtidos com exclusividade pela BBC Brasil são do Mapa da Violência 2017, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Um olhar atento diante de uma série histórica mais longa de dados permite ver que o fenômeno não é recente nem isolado em relação ao que acontece com a população brasileira. Em 1980, a taxa de suicídios na faixa etária de 15 a 29 anos era de 4,4 por 100 mil habitantes; chegou a 4,1 em 1990 e a 4,5 em 2000. Assim, entre 1980 a 2014, houve um crescimento de 27,2%. Criador do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz destaca que o suicídio também cresce no conjunto da população brasileira. A taxa aumentou 60% desde 1980. Em números absolutos, foram 2.898 suicídios de jovens de 15 a 29 anos em 2014, um dado que costuma desaparecer diante da estatística dos homicídios na mesma faixa etária, cerca de 30 mil. Fim do Talvez também te interesse "É como se os suicídios se tornassem invisíveis, por serem um tabu sobre o qual mantemos silêncio. Os homicídios são uma epidemia. Mas os suicídios também merecem atenção porque alertam para um sofrimento imenso, que faz o jovem tirar a própria vida", alerta Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). O sociólogo aponta Estados do Centro-Oeste e Norte em que a taxa de suicídio de jovens é maior, num fenômeno que os especialistas costumam associar aos suicídios entre indígenas: Mato Grosso do Sul (13,6) e Amazonas (11,9). Na faixa etária de 15 a 29 anos, a taxa de suicídio tem se mantido sempre um pouco acima da verificada na população brasileira como um todo, segundo a publicação "Os Jovens do Brasil", lançada por Waiselfisz em 2014, com um capítulo sobre o tema. Problemas no ambiente escolar são apontados como ponto nevrálgico Segundo a publicação, o Brasil ainda apresenta taxas de suicídio relativamente baixas na comparação internacional feita com base em dados compilados pela ONU. Em países como Coreia do Sul e Lituânia, a taxa no conjunto da população supera 30 por 100 mil habitantes; entre jovens, supera 25 por 100 mil habitantes na Rússia, na Bielorússia e no Cazaquistão. Em números absolutos, porém, o Brasil de dimensões continentais ganha visibilidade nos relatórios: é o oitavo país com maior número de suicídios no mundo, segundo ranking divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 2014. Depressão, drogas, abusos e bullying O suicídio na juventude intriga médicos, pais e professores também pelo paradoxo que representa: o sofrimento num período da vida associado a descobertas, alegrias e amizades, não a tristezas e morte. O tema foi debatido na quinta-feira numa roda de conversa organizada pelo Centro Acadêmico Sir Alexander Fleming (Casaf), do curso de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com a presença de estudantes e professores. Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o problema é normalmente associado a fatores como depressão, abuso de drogas e álcool, além das chamadas questões interpessoais - violência sexual, abusos, violência doméstica e bullying. A cientista política Dayse Miranda, coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da UERJ, participou do debate e destacou os relatos dos estudantes. "Fiquei impressionada como os alunos falaram de sofrimento, seja deles, seja a dificuldade para lidar com o sofrimento de outros jovens, além do uso excessivo de medicamentos, que eles naturalizam", afirma. "Um deles disse considerar impossível um aluno passar pelo terceiro ano de Medicina sem usar remédios para ansiedade e depressão." Procurar ajuda médica é essencial no combate à depressão A coordenadora-geral do centro acadêmico de Medicina, Elisabeth Amanda Gomes Soares, de 22 anos, aluna do sexto período, diz que a intenção ao promover o evento foi debater a saúde mental do estudante. Segundo ela, o aluno de Medicina muitas vezes acaba se distanciando das questões mais humanas e esquece a vida social e familiar para se dedicar ao curso, sucumbindo às pressões. "É muita cobrança por competitividade, nota, sucesso, presença... Temos de discutir isso dentro do curso, é um tema ainda pouco falado", afirma. Dayse Miranda destaca, entre os jovens que cometem suicídio, o grupo que tem de 15 a 24 anos. "É um período que inclui adolescência, problemas amorosos, entrada na faculdade, pressão social pelo sucesso... Depois dos 25 anos, já é um jovem adulto, as preocupações mudam, já são mais relacionadas a emprego", avalia. "Também alerto não ser possível falar do jovem como um grupo único. Há diferenças entre grupos sociais. O aluno de Medicina é parte de uma elite. Como é em outros grupos? Temos de discutir esse tema seriamente, pois o problema vem crescendo." Ambiente escolar Psiquiatra da infância e da adolescência e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Estelita estuda a interface entre o suicídio e outros fenômenos violentos - desde famílias que vivem em comunidades urbanas tomadas por tiroteios e vivem o estresse diário dos confrontos até jovens indígenas que se sentem rejeitados tanto por suas tribos como por grupos brancos. O bullying no ambiente escolar é citado por ele como um dos principais elementos associados ao suicídio. "Pessoas que seguem qualquer padrão considerado pela maioria da sociedade como desviante, seja o tênis diferente, a cor da pele, o peso, o cabelo ou a orientação de gênero, são hostilizadas continuamente e entram em sofrimento psíquico", afirma Estelita, professor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, ligado à Fiocruz. "Temos de alertar também para a transformação do modelo tradicional de família e para o fato de que a escola nem sempre consegue incluir esse jovem." Forma como jovens utilizam redes sociais é peculiar - e se apresenta como um desafio Outra dificuldade é falar do assunto com jovens. Muitas vezes, estratégias que funcionam com adultos não têm o mesmo resultado quando usadas com adolescentes - e, entre as peculiaridades desse grupo, está a forma como usa a internet e as redes sociais. A rede vem sendo palco para grupos que não só romantizam o suicídio, mas exortam jovens a cometê-lo, usando a falsa ideia do desafio. O psiquiatra sublinha a necessidade de uma política nacional de atendimento a urgências, pois, muitas vezes, os profissionais não sabem como lidar com casos de tentativas de suicídio. A psicóloga Mariana Bteshe, professora da Uerj, diz que os pais devem estar atentos a qualquer mudança brusca no comportamento do jovem, como, por exemplo, um adolescente expansivo que, de repente, fica introspectivo, agressivo, tem insônia, dorme demais ou passa muito tempo no quarto. Mais uma vez, o alerta especial vai para o uso da internet, e Bteshe lista, na contramão do jogo que incentivaria o suicídio, iniciativas que tentam combater a depressão e lançam desafios "do bem", como o jogo da Baleia Rosa. "Muitas vezes o jovem fica muito tempo na internet, e os pais não sabem o que ele anda vendo ou com quem anda falando. É preciso que a família, mantendo a privacidade do jovem, busque uma forma de contato com ele e abra um espaço de diálogo", afirma a psicóloga, que defendeu na Fiocruz uma tese de doutorado sobre suicídio. Bteshe reitera que silenciar sobre suicídio não ajuda a combater o problema. Por muito tempo não se tratou abertamente do tema por medo do chamado "Efeito Werther" - a ideia de que falar do assunto poderia inspirar ondas de casos por imitação. O nome vem do protagonista do livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, publicado em 1774, sobre um rapaz que se mata após um fracasso am oroso e cujo exemplo teria provocado outros suicídios de jovens. Atualmente, diz Bteshe, psicóloga do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina da UERJ, a diretriz da OMS é abordar o tema sem glamour, sem divulgar métodos e sem apontar o suicídio como solução para os problemas - agindo sem preconceito e oferecendo ajuda a quem precisa.
Jornal irlandês e revista italiana publicam fotos de topless de Kate Middleton
Um jornal na Irlanda publicou neste sábado as fotos em que a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, mulher do príncipe William, aparece fazendo 'topless' durante as férias do casal na França.
As imagens aparecem na edição do jornal Irish Daily Star. As edições que circulam na Irlanda do Norte e na Grã-Bretanha não trazem a foto de Kate. A revista italiana de fofocas Chi também anunciou neste sábado que pretende publicar as fotos na próxima semana. As imagens foram flagradas por fotógrafos paparazzi e publicadas pela revista francesa Closer. A família real britânica disse que vai processar a revista francesa por invasão de privacidade. Tópicos relacionados
As curiosas palavras e expressões criadas pelas redes sociais nos EUA
Já ouviu falar em baeless , rekt ou baeritto ?
Atlanta aparece como um dos epicentros difusores das novas expressões do inglês americano Os idiomas estão em constante movimento - à medida que novas palavras nascem, expressões mais antigas morrem. Mas de onde surgem os termos contemporâneos, e o que determina se eles vão sobreviver? Mapear as mudanças linguísticas já foi algum dia um trabalho extremamente demorado. Porém, uma análise recente de quase um bilhão de tuítes - apresentada na Conferência Internacional da Evolução da Linguagem (Evolang), em Torun, na Polônia, no dia 17 de abril - ofereceu um panorama sem precedentes sobre esse processo. De acordo com o estudo, a maioria das palavras criadas recentemente nos Estados Unidos teria se originado em determinadas regiões do país, que estão influenciando o inglês americano por meio de sucessivas mudanças. Novo vocabulário Em comparação com os registros linguísticos históricos, os dados disponíveis online são surpreendentes. Como cada tuíte contém a data e hora da postagem, além da geocodificação, oferece informações precisas sobre quando e onde determinados termos foram introduzidos. O pesquisador Jack Grieve, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, responsável pelo estudo, analisou mais de 980 milhões de tuítes no total - o equivalente a 8,9 bilhões de palavras. As postagens, publicadas entre outubro de 2013 e novembro de 2014, abrangem 3.075 dos 3.108 municípios dos EUA. Na época, mais de 20% dos americanos usavam o Twitter. A partir do vasto banco de dados, Grieve identificou primeiro os termos que eram raramente utilizados no início do estudo (menos de uma vez por bilhão de palavras, no último trimestre de 2013), mas que cresceram constantemente em popularidade ao longo do ano seguinte. Em seguida, ele filtrou uma lista de nomes próprios (como Timehop) e que apareciam em anúncios comerciais. E também removeu qualquer palavra que já constava no Dicionário Merriam-Webster. Acrônimos (siglas), no entanto, foram incluídos. O resultado foi uma lista de 54 expressões, que fazem referência aos mais variados temas: de relacionamentos (como baeless, sinônimo para solteiro ou solteira) à aparência das pessoas (gainz, que descreve o aumento da massa muscular) e tecnologia (celfie, grafia alternativa para selfie). Grandes cidades, como Houston, estão gerando novas palavras. Mas o fenômeno não se resume apenas ao tamanho da população Outras refletem a influência da cultura japonesa (como senpai, que significa professor ou mestre). Ou representam sentimentos genéricos, como litt ou litty (que quer dizer impressionante ou bom), além de interjeições, como yaaaas (uma versão para yes, ou "sim"). Curiosamente, alguns termos, como candids (substantivo que descreve fotos tiradas sem o conhecimento de outra pessoa), existem há anos, mas eram extremamente incomuns até o aumento súbito de popularidade. Após compilar o novo vocabulário, Grieve usou os dados geocodificados do Twitter para rastrear a origem de cada postagem e sua respectiva propagação pelos EUA. A expressão baeless, por exemplo, começou a ser usada em alguns condados do sul do país, antes de virar moda e se espalhar para norte e oeste. No total, Grieve identificou geograficamente cinco centros influenciadores da mudança linguística no país. Em ordem de importância, são eles: Costa Oeste Com cidades como Los Angeles, São Francisco, San Diego e Las Vegas, a Costa Oeste lançou conceitos como cosplay (vestir fantasias de personagens de séries, filmes, quadrinhos ou videogames), jargões técnicos, como faved ("favorito"), e linguagens de games, a exemplo de rekt (derrotado). Em geral, as expressões que nascem nessa região são disseminadas por toda parte - e frequentemente adotadas por moradores do nordeste do país. Termos em destaque: amirite (junção de "am I right?", que seria "estou certo?"); baeritto (alguém que você gostaria de envolver com seus braços como um burrito); figgity (intoxicado); slayin (ótima aparência) e waifu (esposa). Sul Profundo Grieve identificou três epicentros distintos no sul do país, que foram responsáveis por grande parte da inovação lexical no Twitter. O principal está localizado na área metropolitana de Atlanta. Segundo o pesquisador, pode ser resultado da forte presença da cultura afro-americana na região, que estaria diversificando o mundo digital com suas expressões. Termos em destaque: baeless (solteiro); boolin' (esfriar), famo (família e amigo); traphouse (lugar que vende drogas). Nordeste Com alta densidade demográfica, não é de se espantar que Nova York seja um centro de inovação linguística. Mas, surpreendentemente, as palavras que nascem na região não têm um amplo alcance geográfico e acabam se limitando aos estados vizinhos. Curiosamente, no entanto, os nova-iorquinos sempre seguiriam as tendências da Costa Oeste e vice-versa. Termos em destaque: balayage (um estilo de cabelo); litt ou litty (bom); lituation (junção de "litt" com "situation", que seria uma situação boa). Médio Atlântico A segunda região do sul do país que desponta na pesquisa como um dos focos da difusão, está centralizada em Washington DC e Baltimore, e vai até a Virgínia. Mais uma vez, a criatividade foi observada mais intensamente nas áreas em que há alta densidade de populações afro-americanas. Termos em destaque: on fleek (no ponto / estilo impecável); shordy (pequeno); wce (acrônimo para "woman crush everyday" - mulher por quem tenho uma queda todo dia). Costa do Golfo O terceiro (e último) epicentro do sul do país a aparecer na análise de Grieve é um conglomerado localizado nos arredores de Nova Orleans, que se estende por toda a Louisiana, em direção ao leste e litoral do Texas, ao longo do Mississippi até Memphis. Uma das contribuições mais conhecidas da região - idgt (acrônimo para "I don't get tired", que pode ser traduzido como "não me canso") - virou bordão do rapper Kevin Gates, que cresceu em Baton Rouge, capital do Estado da Louisiana, e lançou um single com o mesmo nome em 2014. Termos em destaque: bruuh (cara/mano): idgt (não me canso); lordt ("oh Lord", que seria "oh, Deus") Grieve diz que ficou surpreso com os resultados. De acordo com a teoria linguística, era de se esperar que novas palavras surgissem nas áreas com maior densidade populacional - o que não explica toda a variação encontrada. Os dados obtidos confirmam que a importância cultural (e linguística) de uma região é apenas ligeiramente relacionada ao seu tamanho. Na última parte do estudo, o pesquisador examinou as características dos novos termos e as razões pelas quais eles prosperam. Um dos indicadores é a extensão da palavra - em geral, preferimos expressões mais curtas e acrônimos que sejam mais fáceis de ler e digitar. E da mesma forma que os seres vivos são mais propensos a se reproduzir em ecossistemas com poucas espécies competidoras, as expressões mais populares também tendem a ocupar seu próprio "nicho semântico": quando definem um conceito inteiramente novo, sem sinônimo direto. Balayage, por exemplo, que descreve um estilo de cabelo muito específico, apresentou um desempenho melhor do que baeless (solteiro), que compete com o termo já existente single. Além dos resultados apresentados, o estudo de Grieve marca a validação de um método. E, como disse o pesquisador na Evolang, essa pode ser a primeira de muitas análises a investigar a vida virtual das palavras. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Patrões e empregados são 'parceiros na prosperidade', diz Flávio Rocha
Não é a primeira vez que o empresário Flávio Rocha tenta ser presidente. O dono de uma das principais redes de varejo do Brasil, as lojas Riachuelo, tem ambições políticas desde jovem: foi eleito deputado federal aos 28 anos, em 1986, e lançou uma pré-candidatura à Presidência aos 36, em 1994.
Flávio Rocha defende um governo liberal na economia e conservador nos costumes Mas, mesmo depois que seu partido (o PL, na época) resolveu enterrar sua candidatura, em meio a controvérsias sobre financiamento eleitoral, e apoiar a de Fernando Henrique Cardoso, Rocha guardou o desejo de se aventurar na política. Por 22 anos. Ele voltou aos holofotes entre 2015 e 2016, quando se tornou um dos principais grandes empresários a defender ativamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Se aproximou do MBL (Movimento Brasil Livre) e apoiou a candidatura de João Doria à prefeitura de São Paulo. Em janeiro deste ano – dois meses antes de se filiar ao PRB e anunciar sua pré-candidatura à Presidência – começou a percorrer o país para lançar o manifesto Brasil 200, que prega "liberalismo econômico e conservadorismo nos costumes". Com 1% de intenção de voto da última pesquisa Datafolha, o empresário está bancando a própria campanha, que, segundo ele, não saiu cara até agora. Ele ainda não sabe dizer o quanto deverá gastar. 'Não se pode ver racismo em tudo', diz candidato à presidência Flávio Rocha Defensor ferrenho do livre mercado – a quem atribui "sabedoria suprema" –, de um Estado pequeno e dos interesses do setor de varejo, Rocha acredita, no entanto, que é a postura conservadora "em relação aos costumes" que ganhará a eleição em 2018. Nascido no Recife e criado católico no Rio Grande do Norte, ele se tornou evangélico por influência da mulher, Anna Cláudia, com quem tem três filhos. Se posiciona contra a descriminalização do aborto, contra o desarmamento, à favor da redução da maioridade penal e contra cotas raciais. Diz também que "não se pode ver racismo em tudo", embora admita a existência do racismo no país por parte de "uma minoria ignorante". Em uma entrevista concedida em sua mansão no Jardim América, em São Paulo, ele disse estar longe de nomes conservadores como Jair Bolsonaro por ter "apreço à democracia" e que difere de candidatos liberais como João Amoêdo, por ter "coragem" de entrar no campo dos costumes, um tema "totalmente ignorado pela covardia da classe política brasileira". Falou também sobre a ação de R$ 37,7 milhões do Ministério Público do Trabalho contra o grupo Guararapes, de sua família (controladora da Riachuelo e de outras empresas). O processo foi aberto após uma investigação do MPT apontar irregularidades em empresas do programa Pró-Sertão, uma iniciativa do governo do Rio Grande do Norte que levou a Riachuelo a contratar oficinas de costura para produzir seus produtos. O Ministério Público afirma que os empregados recebiam menos e tinha menos direitos que os empregados contratados diretamente pela Guararapes em Natal – acusações que Rocha nega. Após xingar a procuradora que entrou com a ação, o empresário passou a responder também a um processo por injúria e difamação. "Estava fazendo meu papel de desabafar." Confira abaixo os principais trechos da entrevista à BBC: BBC Brasil - O sr. defende o liberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes. Muitas pessoas tem receio de que o conservadorismo possa significar menos liberdade individual. Porque dar liberdade ao mercado, e não às pessoas? Flávio Rocha - A coerência é entre a liberdade na economia e os valores. Não pode se chamar de moralista alguém que, até sexta-feira passada, era o presidente da maior empresa de moda do Brasil. Moda é diversidade, é essa fantástica diversidade de comportamentos, de opções, de hábitos. A Riachuelo é o maior empregador de transexuais do Brasil. É um ambiente de total liberdade do ponto dos costumes. O que nós acreditamos que é necessário é o contraponto à essa inversão de valores que gerou os maiores escândalos de corrupção e gerou 300% de aumento da criminalidade. (Somos contra) a vitimização do bandido. Temos que ter um programa de segurança voltado para a vítima. Tem a extrema-esquerda falando do bandido, a extrema-direita fazendo um debate sindical da corporação, da estrutura e do plano de carreira das forças de segurança. Mas ninguém falando em nome da vítima. BBC Brasil - Mas o que "conservadorismo em relação aos costumes" quer dizer na prática? Por exemplo, qual sua posição em relação ao casamento gay? Rocha - Eu sou a favor da união civil, como está colocado na lei. Agora, como liberal – e eu acho que aí existe coerência em ter-se as duas posições – como liberal eu me oponho no Estado interceder em uma organização da sociedade, como uma Igreja, e impor um comportamento. O Estado não pode se intrometer e obrigar uma igreja a celebrar um casamento qualquer que seja. Gay ou hetero. Mas sou totalmente a favor das pessoas casarem no civil. BBC Brasil - E em relação aos direitos das mulheres, a questão do direito ao aborto? Rocha - Sou contra o aborto porque só Deus pode tirar uma vida. (Sou a favor de que a lei fique) como está, com as exceções já previstas em lei no caso de estupro, de violência sexual e de risco à saúde da mulher. Eu digo isso acho que na boa companhia de 80% ou 90% das mulheres pobres do Brasil. BBC Brasil - Esse dado é de qual pesquisa? Rocha - Eu vi pesquisas recentes que mostravam... Aliás, é incrível como temas que tem esse patamar de aprovação – 70%, 80%, 90% – são totalmente ignorados pela covardia da classe política brasileira, que é refém do politicamente correto. BBC Brasil - Estima-se em 800 mil o número de abortos realizados a cada ano no Brasil. O sr. acha que é possível prender todas essas mulheres? Rocha - Não, eu só não acho que deve existir... Imagina quantos (abortos) haveria se houvesse a liberação ou a impunidade, a não criminalização dessa questão. Eu acho que é necessário atacar na origem. Prestigiar a família, dar o apoio à essas meninas tão precoces, que estão, muitas vezes por falta de informação, engravidando antes que possam dar um mínimo de respaldo e de estrutura familiar à essas crianças. BBC Brasil - E a questão das cotas raciais? Rocha - Eu sou a favor da meritocracia. Outro dia, fui a um encontro de executivas mulheres e a primeira pergunta foi com relação a cotas. Eu estava acabando de sair de uma reunião com cem trainees, vindos de um processo de seleção com 20 mil pessoas, e 90% eram mulheres. Então, eu saí de lá com a ideia de que talvez a gente precisasse uma cota, se fosse o caso, ao inverso... Porque são as mulheres que estão, com seu talento, com sua competência, ocupando o mercado de trabalho de uma maneira fantástica. Elas absolutamente não precisam dessa proteção. BBC Brasil - Mas e o racismo? Não existe racismo no Brasil? Rocha - É, eu acho que existe ainda, sim, alguma discriminação. Mas o racismo está sendo associado à ignorância. É a falta de informação. E também a gente não deve ver racismo em tudo. Nós nos transformamos em uma república de industrialização dos conflitos. Você não vê um discurso político que não tenha "nós contra eles". É o nós contra eles, é rico contra pobre, é patrão contra empregado, como se patrão e empregado não fossem sócios na prosperidade. É negro contra branco, produtor rural contra MST. Essa é uma tática de dominação (da esquerda): farejar conflitos, e onde existir uma faísca de conflito se joga um balde de gasolina. Rocha defende privatização de Estatais e gestão privada de serviços públicos BBC Brasil - O sr. é a favor de que serviços de saúde e educação caminhem no sentido de privatização? Rocha - A gestão privada pode ajudar e muito. É fundamental que o Estado arque com o custo desses serviços, mas não (precisa) necessariamente gerir esse custo. Por isso, gosto muito de soluções do tipo do voucher estudantil, as charter schools (que recebem dinheiro público mas operam privadamente, nos Estados Unidos). Um pai que tem três filhos em idade escolar pode receber um tíquete educação e escolher livremente no mercado uma escola boa, um método bom, não ficar escravizado por esse método Piaget/Paulo Freire, com todas as suas controvérsias. Ele pode matricular seu filho numa escola religiosa, numa escola militar, isso é liberdade de escolha. BBC Brasil - Isso não seria o Estado dando dinheiro público para o lucro de um gestor privado? Rocha - O que interessa é o gol (objetivo), é ter uma boa educação, de qualidade. O que você me falou está contaminado de ideologia, o lucro não é ruim, né? BBC Brasil - O Fies (Fundo de Financiamento Estudantil, programa que ajuda estudantes de baixa renda a cursar faculdades privadas) tentou usar esse modelo, mas foi criticado por que teria incentivado ensino superior de má qualidade. Rocha - Deu errado o misto de capitalismo de conluio, de má gestão e ideologização. Houve muito custo, aumentos significativos... O pressuposto estava errado. Porque aqui no Brasil, 70% dos recursos do MEC (Ministério da Educação) vão para 2% dos alunos (do ensino superior), que são justamente os que não precisam. Uma pequena parcela vai para o ensino de base, que está morrendo à míngua. Tem que virar de cabeça para baixo essa pirâmide. Então você colocou no Fies uma massa de alunos que foram sujeitos a uma metodologia questionável, investimentos baixos, e eles não acompanham as demandas do ensino superior. BBC Brasil - Pesquisas recentes no Reino Unido, onde houve ampla privatização nos anos 1980, indicam que a maioria dos britânicos prefere que serviços essenciais continuem nas mãos do Estado. Isso não seria um forte argumento contra a ideia de que a iniciativa privada é sempre melhor? Rocha - É melhor ter alternativas, opções. O pai de uma criança pobre só tem alternativa de uma escola estatal – com toda sua deficiência, com tudo o que a gente vê aí. Os ricos já tem opção de ir pra escola pública, os pobres que não tem opção da privada. Eu não vi nenhum rico optar por uma escola pública. E tudo o que é público! O governo não sabe gerir. Essa é a verdade. A genialidade do capitalismo é o sistema de incentivos. Um processo de seleção natural, que tira do processo o incompetente, o preguiçoso, e canaliza os recursos pro esforçado, pro trabalhador, para o mais preparado. BBC Brasil - Empresas privadas também se envolvem em corrupção. Rocha - O livre mercado é o antídoto natural contra a corrupção. O monopólio estatal é um convite à corrupção. Você viu aí no petrolão, né? Uma refinaria de petróleo, com sobrepreços de 200%. Será que isso é possível numa empresa privada que está sujeita à concorrência? A empresa que se deixa contaminar, num ambiente de mercado aberto, é punida automaticamente pelos freios e contrapesos sábios do livre mercado. A gente está concentrando o debate da luta contra a corrupção apenas na questão da Operação Lava Jato – que é fantástica, a melhor coisa que aconteceu no Brasil. Mas a Lava Jato é uma parte do processo. Imagina essa sala infestada de moscas com um presunto pendurado. A Lava Jato é espantar as moscas. A segunda parte da luta é tirar o presunto da sala. O sistema desse Estado inchado, com seus monopólios, é um convite à corrupção. Pode prender todos, que novos vão aparecer. Para Flávio Rocha, patrões e empregados são "parceiros na prosperidade" BBC Brasil - O sr. já disse que não via mais sentido na existência do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento). Ainda tem essa posição? Rocha - O BNDES foi importante, em determinado período, num país com tantas discrepâncias nacionais e ausência total de capital de longo prazo. Agora, esse período recente da história transformou instituições seríssimas em palavrões. O BNDES do Foro de São Paulo (conferência de partidos e organizações de esquerda) e dos "campeões nacionais" (política do governo Lula de incentivo a grandes empresas através do BNDES) é uma excrescência. Quando um burocrata de Brasília acha que ele que escolhe o "campeão nacional" é a negação da sabedoria suprema do livre mercado e é uma porta para a corrupção. Quem escolhe o "campeão nacional" é a Dona Maria, é o mercado. É de baixo para cima, não de cima para baixo. (Se eu for eleito) o BNDES vai voltar ao seu tamanho natural e no longo prazo ele não deve existir. BBC Brasil - O grupo Guararapes, da sua família, chegou a ter projetos apoiados pelo BNDES... Rocha - Se você colocar o quanto o nosso cliente é onerado por falta dessa oferta de dinheiro a taxas razoáveis para o consumidor, isso é muito maior do que qualquer eventual benefício que nós fomos forçados a ter para ter alguma condição de competitividade. Nosso fundador, o seu Nevaldo (Rocha, pai de Flávio(, era radicalmente contra qualquer endividamento bancário... Se culpa houve, foi minha, ao convencer o seu Nevaldo de que BNDES não era endividamento bancário. Então depois de muito relutar, nos últimos dez anos nós fomos ao BNDES nas mesmas condições que os nossos concorrentes. Foi R$ 1,4 bilhão que pegamos nesse período, um período em que pagamos de impostos RS$ 18 bilhões ou RS$ 20 bilhões. Nos últimos dois ou três anos, o bancos privados estão mais competitivos que o BNDES, então não fomos (a ele). BBC Brasil - Há quem possa dizer que seria injusto dar um fim ao BNDES uma vez que sua empresa já se beneficiou. Como o pequeno empreendedor vai conseguir investimentos? Rocha - Com a oferta mais abundante de capital. Naquele período de tempo não havia recursos de longo prazo, justamente pelo inchaço do Estado. O que garante a recuperação de um ambiente de negócios favorável é o equilíbrio das contas públicas, que traga a taxa de juros para um lugar racional e competição entre os bancos, que diminui os spreads. BBC Brasil - Recentemente o Ministério Público entrou com um processo contra o sr. por calúnia e injúria por causa de uma carta em que o sr. xingou uma procuradora do Ministério Público do Trabalho, depois de ela ter entrado com um processo trabalhista contra o seu grupo econômico. O sr. se arrepende da carta? Rocha - Em determinado momento eu vi meu sonho de vida, que é o projeto Pró-Sertão, ser atacado. O pró-Sertão é levar o capitalismo, é levar o empreendedorismo a uma das regiões mais pobres do mundo. Isso acaba com a falácia de que o Brasil precisa de um Estado grande porque é desigual. Quem quiser ver o benefício, o poder transformador, seminal, do empreendedorismo e do livre mercado, vá conhecer o Pró-Sertão. São cidades que nunca tinham visto uma carteira de trabalho assinada. Cidades de 5, 10, 15 mil habitantes vivendo integralmente da caridade estadual. Ao chegar à pequena fábrica do Pró-Sertão, em seis meses a transformação acontece. Mas tem gente que parece que é ciosa dos seus bolsões de miséria e não gosta de pobre, gosta de pobreza. Ao chegar essa força de inclusão, transformando essas cidades, se despertou uma força contrária absolutamente inexplicável. Com truculência, com pirotecnia. E acho que eu fiz o meu papel de desabafar. Eu disse, meu Deus do céu, isso não serve ao trabalhador! Isso está destruindo empregos! São 30 mil empregos potencialmente colocados em risco. BBC Brasil - Mas e as condições de trabalho? O Ministério Público diz que eles tinham menos direitos que os da empresa mãe. Rocha - Não é verdade. Pergunte aos trabalhadores, que vieram em caravana! Pediram: "pelo amor de Deus, deixa a gente trabalhar. Sai das nossas vidas!" Esse foi o apelo dos trabalhadores. Então quem tá... em nome do trabalhador, se desserve ao trabalhador. Essa fábrica nossa tem 98% de engajamento, é um dos maiores do mundo. BBC Brasil - Surgiu até uma polêmica sobre trabalho escravo. Rocha - É mentira! Nunca existiu sequer uma menção a isso. É fake news. Nós temos todos os prêmios de melhor ambiente para se trabalhar, do Great Place to Work, da indústria, do varejo, da maior auditoria têxtil internacional da Disney, da Warner. Mas, como eu decidi me expor politicamente, o fake news impera. BBC Brasil - O sr. é próximo do MBL, que muitas pessoas criticam por episódios envolvendo notícias falsas. Por exemplo, no caso da (vereadora) Marielle (Franco, assassinada no RJ), eles compartilharam uma notícia da desembargadora dizendo que a Marielle era ligada ao tráfico de drogas, o que não é verdade. Como é a relação do sr. com eles? O sr. os apoia financeiramente? Tem essa preocupação com relação às críticas que fazem à eles sobre notícias falsas? Rocha - O MBL me procurou quando eu dei a primeira entrevista sobre o impeachment. Eu fiquei muito bem impressionado pela maturidade dos meninos, eles enriquecem o debate em um ambiente em que há uma hegemonia de esquerda. Então é um contraponto interessante, e talvez por isso eles sejam tão atacados. Eu nunca dei um tostão a eles, nem eles me pediram. Esse episódio de fake news, o que eu li na imprensa é que foi essa mesma notícia que saiu na (coluna da jornalista) Mônica Bergamo (no jornal Folha de S. Paulo), saiu n'O Globo. Não sei porque eles são atacados e os outros, que também cometeram o mesmo erro, não foram. BBC Brasil - Esses veículos de imprensa explicaram que o que a desembargadora falou não era verdade. Rocha - Qualquer um corre o risco de replicar, acho que ninguém checa tudo o que aparece na internet. BBC Brasil - A gente checa. Rocha - Você talvez seja a exceção. BBC Brasil - O sr. é também muito próximo do (pré-candidato ao governo de São Paulo) João Doria. Se ele se candidatasse para presidente, o sr. apoiaria a candidatura dele? Retiraria a sua? Rocha - Não, não. A minha candidatura hoje não depende só de mim. Tem meu partido, os outros partidos com quem estamos conversando, tem os movimentos, tem o Brasil 200. BBC Brasil - O sr. sempre critica muito o governo do PT. Mas quando a Dilma era presidente o sr. era bem próximo do governo, o sr. estava sempre com o (ex-ministro da Fazenda Guido) Mantega quando ele vinha a São Paulo. O que mudou? Rocha - Eu nunca votei no PT. Eu sempre fui liberal, desde a faculdade. Naquela época eu era presidente do Instituto pelo Desenvolvimento do Varejo, que tinha relações institucionais com os três níveis de governo. Talvez uma foto que foi amplamente publicada, da visita da Dilma à uma das nossas reuniões, foi explorada no sentido de querer parecer próximo ao governo do PT, que eu nunca fui, nunca votei no PT. BBC Brasil - O sr. se encontrava sempre com o Mantega. Rocha - Eram relações institucionais. Fui justamente na época que eu presidente do Instituto pelo Desenvolvimento do Varejo. BBC Brasil - O sr. apresentava as críticas que faz hoje ao Mantega quando se encontrava com ele? Rocha - Apresentava, sem sombra de dúvida. BBC Brasil - O que o sr. achou ao ataque à caravana do Lula? Rocha - Sou contra qualquer forma de violência. A coisa tem que ser no plano das ideias. Depois que me expus politicamente nós tivemos a fábrica atacada por 800 manifestantes... Acho que manifestantes não é a palavra apropriada, por 800 terroristas. Eu sou a favor da mudança da lei antiterrorismo para enquadrar todos esses grupos que tem todo o aval para praticar atos terríveis de violência. Estamos sendo atacados, tivemos uma fábrica pichada por membros do MST. Eu sou a favor da criminalização.
Zoológico alemão exibe filhote de leão com tigre; veja vídeo
Dois filhotes de pai leão e mãe tigre estão agitando o zoológio de Gritz, na Alemanha.
À primeira vista, os animais de três anos se parecem mais com o pai, mas as manchas no rosto são herança da mãe. O cruzamento é raro. No zoológico, eles são conhecidos como "ligers", uma combinação das palavras, no inglês, "lion" e "tiger".
Kuwait confirma caso de vírus mortal da gripe aviária
Um dos dois casos de gripe aviária recentemente detectados no Kuwait foi causado pelo vírus do subtipo mortal H5N1, segundo anunciou nesta sexta-feira uma autoridade local.
Este é o primeiro caso confirmado no Oriente Médio do tipo mortal do vírus que já matou mais de 60 pessoas na Ásia desde 2003. Os testes realizados num flamingo selvagem migratório encontrado numa praia do Kuwait na semana passada indicaram que ele estava contaminado com o tipo de vírus H5N1. Um falcão encontrado numa carga no aeroporto da cidade do Kuwait estava contaminado com a versão mais branda do vírus, H5N2. Pássaros destruídos Mohammed al-Mihana, funcionário da Autoridade Pública para a Agricultura e Recursos de Pesca, disse à Associated Press que os pássaros tinham sido destruídos imediatamente e que não foi possível para o vírus se disseminar. O Kuwait e outros países do Oriente Médio impuseram um embargo à importação de aves de países asiáticos.
#OscarsTãoBrancos: falta de diversidade racial entre indicados ao Oscar gera debate e boicote
As semanas antes do Oscar normalmente são dominadas por especulações de quem sairá da cerimônia com uma estatueta na mão. Mas, neste ano, uma polêmica tomou conta das discussões em torno da premiação depois de, pelo segundo ano seguido, nenhum ator ou atriz negro ou latino figurar entre os 20 indicados nas quatro categorias de atuação.
Pelo segundo ano consecutivos, atores indicados são todos brancos A controvérsia cresceu a ponto de alguns atores anunciarem um boicote à cerimônia e de reabrir-se uma discussão sobre mudanças tanto na estrutura de indicados ao Oscar como na escolha e composição dos membros da Academia com direito a voto. Os primeiros questionamentos surgiram logo depois que as indicações foram anunciadas, há uma semana, quando se espalhou pelas redes sociais a hashtag #OscarsSoWhite (#OscarsTãoBrancos, em inglês) junto a críticas pela falta de diversidade racial entre os atores concorrentes. Também foi criticada a ausência de Creed: Nascido para Lutar, que tem um protagonista negro, entre os indicados para melhor filme, assim como Straight Outta Compton: A História do N.W.A., que tem elenco predominantemente negro e recebeu indicações nas três premiações das associações de escritores, produtores e atores, além de ser reconhecido como o melhor do ano pelo Instituto de Cinema da América. Siga a BBC Brasil no Facebook e no Twitter Fim do Talvez também te interesse Leia também: Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil? Boicote O casal Jada Pinkett Smith e Will Smith boicotará a cerimônia deste ano Desde então, a polêmica só fez crescer. A atriz Jada Pinkett Smith, que é negra, anunciou que boicotará a cerimônia deste ano, que será realizada em 28 de fevereiro. "Implorar por reconhecimento ou mesmo pedir por isso é degradante", disse ela um vídeo publicado no Facebook. Seu marido, o ator Will Smith, protagonista de Consussion, disse nesta quinta-feira que fará o mesmo. "Não nos sentimos confortáveis de estar lá e dar a entender que está tudo bem", disse Smith em entrevista ao programa Good Morning America. Ele era cotado para estar entre os indicados a melhor ator depois de sua indicação ao Globo de Ouro, assim como o também negro Idris Elba, indicado a melhor ator coadjuvante na mesma premiação por seu papel em Beasts of No Nation. Outros atores - negros e brancos - também se manifestaram contra a falta de diversidade, como o britânico David Oyelowo, o americano George Clooney e a mexicana-queniana Lupita Nyong’o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2014. Leia também: O que pensa Bernie Sanders, socialista que ameaça Hillary Clinton O diretor Spike Lee, indicado duas vezes e premiado somente no ano passado com um Oscar honorário pelo conjunto da obra, também disse que não irá à cerimônia, mas negou que tenha endossado um boicote ao Oscar deste ano. Já a atriz Whoppi Goldberg, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1991 por seu papel em Ghost: Do Outro Lado da Vida, disse durante o programa The View, da rede ABC, que um boicote não funcionaria e só prejudicaria o comediante Chris Rock, que apresentará a cerimônia deste ano - ele é apenas o segundo negro a cumprir a função, sendo a outra foi a própria Goldberg. A atriz opina que o problema não está na premiação, mas sim na indústria cinematográfica. "Temos essa discussão todos os anos, e todos os anos ficou louca da vida. O problema são as pessoas que poderiam ajudar a fazer filmes nos quais haja mais negros ou latinos e mulheres - o dinheiro não vem por causa da ideia de que não existe um lugar para filmes de negros." Decepção A presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs (dir), disse recentemente estar 'decepcionada' com falta de diversidade dos indicados em atuação Por sua vez, Chris Rock vem sendo pressionado pelo rapper 50 Cent e pelo cantor Tyrese Gibson para desistir de ser o apresentador da cerimônia. Rock falou pouco sobre o assunto, mas postou uma foto sua no Twitter com o comentário: "Oscar: o BET Awards branco" - uma referência ao Black Entertainment Television, que celebra as conquistas de afro-americanos e outras minorias nas artes e no esporte. A própria presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas - organizadora do Oscar -, Cheryl Boone Isaacs, que é negra, expressou seu desapontamento com a falta de diversidade racial na premiação deste ano. "Claro que estou desapontada, mas isso não deve ofuscar a grandeza (dos indicados)", disse Isaacs ao site Deadline. Em um comunicado posterior, ela afirmou que a Academia está "tomando medidas drásticas para alterar a composição de seus membros para aumentar a diversidade entre eles". Foi uma referência direta à falta de diversidade racial entre os próprios membros da Academia. Um levantamento feito pelo jornal Los Angeles Times em 2012 chegou à conclusão de que 94% deles são brancos e 77%, homens. Negros eram cerca de 2% e latinos representavam menos de 2%. Leia também: Cinco planetas se alinham no céu por um mês; saiba como ver raro fenômeno Mudanças 'Straight Outta Compton: A História do N.W.A.' foi ignorado pela Academia Segundo o jornal The New York Times, podem ser anunciadas já na próxima semana mudanças na estrutura das indicações ao Oscar e composição do corpo votante, após uma reunião anual de seu conselho. O jornal americano diz que uma das mudanças mais simples e de fácil aplicação seria voltar ao número de dez películas indicadas à categoria de melhor filme, em vez das oito deste ano. Acredita-se que, se fosse assim, filmes como Creed e Straight Outta Compton poderiam estar entre os concorrentes. Outra alteração possível (mas menos provável) é a ampliação do número de indicados nas categorias de atuação de cinco, estabelecido desde os anos 1930, para dez. Em entrevista à BBC, o ator americano Dustin Hoffman engrossou o coro de críticas ao dizer que há um "racismo subliminar" na Academia e que as mudanças propostas já chegam "atrasadas". "Não tinha me tocado que 95% dos membros da Academia são brancos. Acho que isso responde uma série de perguntas", disse Hoffman. "Esta foi a primeira vez que fiquei feliz em não ser indicado." Leia também: Quem são as 62 pessoas cuja riqueza equivale à de metade do mundo
As cidades que levaram turistas a desenvolver surtos psicóticos
Oliver McAfee deveria voltar para casa a tempo para o Natal de 2017. Mas o jardineiro de 29 anos, natural de Dromore, na Irlanda do Norte, desapareceu.
Jerusalém 'evoca um senso do sagrado, do histórico e do celestial' - a uma extensão potencialmente devastadora McAfee andava de bicicleta pela Trilha Nacional de Israel, perto da cidade de Mitzpe Ramon, antes de desaparecer. Sua bicicleta e sua barraca foram encontradas dois meses depois na cratera Ramon, na parte sul de Israel. Desde então, visitantes já encontraram alguns de seus pertences, como carteira, chaves e tablet ao longo da trilha. A imprensa rapidamente levantou a possibilidade de o viajante ter sido afetado pela Síndrome de Jerusalém - um estado psicótico (ou uma ruptura com a realidade), muitas vezes ligado a experiências religiosas. Aqueles que sofrem desse mal ficam paranoicos, vendo e ouvindo coisas que não existem. Tornam-se possuídos e obcecados. E, às vezes, desaparecem. Na virada do milênio, os médicos do Centro de Saúde Mental Kfer Shaul de Israel relataram ter recebido cerca de 100 turistas por ano com a síndrome (40 dos quais precisavam de internação hospitalar), mais comumente cristãos, mas também alguns judeus e um número menor de muçulmanos. A síndrome de Jerusalém era uma forma de psicose, escreveram na revista científica British Journal of Psychiatry, em uma cidade que "evoca a sensação do sagrado, do histórico e do celestial". Muitos já apresentavam um distúrbio de saúde mental, como esquizofrenia ou transtorno bipolar, que os levaram a embarcar em seu delírio de missão sagrada. Os médicos citaram o caso de um turista americano com esquizofrenia que começou a treinar com pesos em casa e se identificou cada vez mais com o personagem bíblico Sansão. Ele viajou para Israel, obcecado em mover os gigantes blocos de pedra do Muro das Lamentações. Interceptado pela polícia, o homem foi internado no hospital, tratado com medicamentos antipsicóticos e levado de volta para casa acompanhado de seu pai. Fim do Talvez também te interesse Imagem de Oliver McAfee publicada em grupo de Facebook | Foto: #Helpusfindollie Mas outros desenvolveram psicose em Jerusalém sem ter um histórico de doença mental. Era um número relativamente pequeno - 42 dos 470 turistas admitidos em 13 anos -, mas os casos foram tão dramáticos quanto inesperados. Essas pessoas ficaram obcecadas com a limpeza e a pureza logo após sua chegada à cidade, tomando inúmeros banhos e duchas e cortando compulsivamente as unhas dos pés e das mãos. Elas se vestiam com uma toga branca, muitas vezes feita a partir da roupa de cama do hotel. Faziam sermões, gritavam salmos e cantavam hinos religiosos nas ruas ou em um dos lugares sagrados da cidade. Essa psicose geralmente perdura por cerca de uma semana. Ocasionalmente, eram tratadas com sedativos ou terapia - mas a cura definitiva era "distanciar-se fisicamente de Jerusalém e seus locais sagrados". Os autores sugerem que esses turistas (geralmente de "famílias ultrarreligiosas") experimentam uma discrepância entre a imagem idealista que, subconscientemente, projetam de Jerusalém e a realidade concreta de uma cidade comercial movimentada, desencadeando a síndrome. Um escritor sugeriu que a cidade poderia ser um "terreno fértil para a ilusão em massa" , referindo-se a séculos de disputas territoriais entre as religiões com "atritos, tramas e pensamentos delirantes". De fato, a síndrome de Jerusalém não é nova: relatos dela remontam à Idade Média. Um peregrino lê a Bíblia na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém Quanto à possibilidade de Oliver McAfee ter sucumbido à síndrome de Jerusalém, seu fascínio pela religião não era exatamente uma novidade; ele era conhecido como um cristão devoto. Mas logo após seu desaparecimento, seu irmão expressou preocupação com as fotos da câmera de Oliver: "A natureza delas é um pouco fora do normal e sugere que ele poderia estar fora de si. Uma das imagens mostrava muito lixo e detritos ao redor de seu acampamento e ele nunca foi assim". Em uma coletiva de imprensa alguns dias depois, depois de analisar mais provas, ele pareceu ter mudado de ideia, dizendo ter passado " horas e horas examinando as fotos, lendo os diários e tudo relacionado a isso - para Oliver, essa era uma viagem normal". Investigadores descobriram passagens rasgadas da Bíblia colocadas debaixo de pedras onde ele desapareceu, escrituras feitas com sua caligrafia, referências escritas que ele fez a Jesus jejuando no deserto, e de acordo com um relatório da polícia, uma "capela" - uma área de areia, achatada por uma ferramenta de bicicleta, dentro de um círculo de pedras. Uma página no Facebook (@helpusfindollie) foi criada após seu desaparecimento. Uma postagem diz: "Estive pensando 'o que eu digo quando não há nada a dizer?' O primeiro aniversário do desaparecimento de Oliver chegou e se foi; e, infelizmente, parece que as respostas ainda estão a milhões de quilômetros de distância". Um artista que visitava a Ponte Vecchio, em Florença, ficou convencido em poucos minutos de que estava sendo monitorado por companhias aéreas internacionais Assim como os médicos em Jerusalém podem ser mais propensos a diagnosticar a síndrome de Jerusalém, porque eles a veem com mais frequência, os psiquiatras em Florença encontram sintomas semelhantes sob circunstâncias diferentes. Parece que os visitantes são tão consumidos pela magnificência da arte e arquitetura da cidade que são ocasionalmente tomados por uma psicose. Um artista de 72 anos que visitou a Ponte Vecchio ficou convencido em poucos minutos de que estava sendo monitorado por companhias aéreas internacionais e que seu quarto de hotel estava com problemas. Uma mulher de 40 anos acreditava que figuras dos afrescos da Capela Strozzi da Igreja de Santa Maria Novella apontavam para ela: "Parecia-me que eles estavam escrevendo sobre mim no jornal, falando sobre mim no rádio e me seguindo nas ruas." A psiquiatra florentina Graziella Magherini compilou casos de mais de 100 turistas que frequentaram o hospital Santa Maria Nuova entre 1977 e 1986, que experimentaram palpitações, sudorese, dor torácica, tontura e até alucinações, desorientação, sensação de alienação e perda de identidade. Alguns tentaram destruir obras de arte. Tudo isso foi resultado, diz Magherini, de "uma personalidade impressionável, o estresse das viagens e o encontro com uma cidade como Florença, assombrada por fantasmas dos grandes artistas, da morte e da perspectiva da história". Era tudo grandioso demais, diz ela, para o turista sensível. Ela batizou a condição de Síndrome de Stendhal, em referência ao autor francês que descreveu estar "absorvido pela contemplação da beleza sublime" e "tomado por uma feroz palpitação do coração", ao sair da Basílica de Santa Croce durante uma visita em 1817. "A fonte da vida secou dentro de mim e eu andei com medo constante de cair no chão." Um homem recentemente teve uma convulsão enquanto olhava para a Primavera, de Botticelli Embora apenas dois ou três casos da chamada síndrome de Stendhal sejam registrados por ano nos dias de hoje, a Galeria Uffizi, em Florença, continua a ser palco de emergências médicas. Um homem teve uma convulsão enquanto olhava para a Primavera de Botticelli recentemente e outro visitante desmaiou com a Medusa de Caravaggio. Em entrevista ao jornal italiano Corriere Della Sera logo depois que um visitante teve um ataque cardíaco na frente de outro Botticelli (O Nascimento de Vênus), o diretor da galeria Uffizi disse: "Não vou ousar fazer um diagnóstico, mas sei que visitar um museu como o nosso, repleto de obras-primas, certamente constitui uma possível fonte de estresse emocional, psicológico e até mesmo físico". Por outro lado, às vezes uma cidade não corresponde às expectativas. A chamada Síndrome de Paris surgiu quando turistas japoneses desenvolveram psicose (mais de 63 pacientes foram descritos em um estudo de casos), quando aparentemente se deram conta de que Paris não era a cidade que imaginavam. Impactados pela sisudez dos moradores locais e pela suposta escassez de vendedores de loja simpáticos, muitos entraram em colapso. "Nas lojas japonesas, o cliente é o rei", explicou um representante de uma associação que ajuda famílias japonesas a se estabelecerem na França, "enquanto aqui os vendedores mal prestam atenção a eles". "Síndrome de Paris" surgiu quando turistas japoneses desenvolveram psicose, aparentemente ao perceberem que Paris não é a cidade dos seus sonhos Mas essas síndromes são realmente restritas a Jerusalém, Florença ou Paris? Essas cidades merecem uma "advertência"? Questões de saúde mental estão entre as principais causas de problemas de saúde entre os turistas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a "emergência psiquiátrica" é uma das razões médicas mais comuns para resgates por ambulâncias aéreas. Especificamente, a psicose aguda é responsável por até um quinto de todos os problemas de saúde mental dos viajantes - e a maioria deles não está em frente à Igreja da Natividade, em Belém, ou ao Muro das Lamentações, em Jerusalém. Os turistas são afetados de várias maneiras. Desidratação, insônia e jetlag estão entre os fatores que contribuem para a psicose de viagem, juntamente com a ingestão de pílulas para dormir ou de álcool durante um voo ou, em alguns casos, drogas como o cloridrato de Mefloquina (um medicamento antimalária). A prevalência do medo de voar varia de 2,5% a 6,5%, e a ansiedade aguda entre os turistas é de cerca de 60%. Acrescente a isso o estresse da segurança aeroportuária, longas filas fora dos museus, barreiras linguísticas e diferenças culturais, e talvez uma peregrinação religiosa ou cultural intensamente pessoal e há muito esperada, e a tempestade perfeita se forma. Um visitante da Galeria Uffizi de Florença desmaiou com a 'Medusa' de Caravaggio Em muitos casos graves, é provável que os viajantes tivessem uma condição psiquiátrica não diagnosticada ou uma predisposição à psicose muito antes de visitarem a Galeria Uffizi de Florença ou a Galleria dell'Accademia. Mais da metade das pessoas hospitalizadas citadas no estudo de Magherini havia recebido auxílio psiquiátrico. Em um estudo publicado pela revista científica British Journal of Psychiatry, especialistas sugerem que "Jerusalém não deveria ser considerada um fator patogênico, uma vez que a idealização mórbida dos turistas afetados começou em outro lugar". Stendhal afirmou que visitar Basílica de Santa Croce foi "uma experiência extremamente profunda" Em janeiro deste ano, a família de McAfee fez um novo apelo para marcar um ano desde que solicitou ajuda das autoridades pela primeira vez para buscar seu paradeiro. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Garota de 11 anos sugeriu o nome de Plutão
Venetia Phair não é um nome imediatamente associado à astronomia.
Mas a professora aposentada de Epson, Surrey, na Grã-Bretanha, deixou sua assinatura no mapa de nosso Sistema Solar. Em 1930, com apenas 11 anos, Venetia Phair (hoje ela tem 87) sugeriu o nome Plutão para o recém-descoberto nono planeta, para o qual a agência espacial americana, Nasa, está lançando uma missão. Plutão, o deus romano para do submundo, se mostrou um nome apropriado para o planeta enigmático, que está nos limites do Sistema Solar. Mitológico O nome proposto pela então aluna de Oxford foi aproveitado no Observatório Lowell, em Flagstaff, Arizona, onde o planeta foi descoberto pelo jovem astrônomo americano, Clyde Tombaugh. "Na época eu tinha muito interesse em lendas e mitos gregos e romanos. Quando estava na escola, costuma brincar no parque da universidade, colocando, acho que eram torrões de barro, na distância certa para representar as distâncias dos planetas em relação ao Sol", disse Venetia Phair. "Algumas das distâncias eu me lembro, mais ou menos, então foi, provavelmente, uma boa lição que tive", acrescentou. Na manhã de 14 de março de 1930, a jovem Venetia Burney estava tomando o café da manhã na sala de jantar de sua casa no norte de Oxford, onde morava com seu avô, Falconer Madan. Madan, que era um bibliotecário aposentado, estava com ela lendo o jornal The Times e mostrou à neta o artigo que falava sobre a descoberta do novo planeta. Sugestão "Ainda consigo visualizar a mesa e a sala, mas lembro pouca coisa da conversa que tivemos", disse Phair. O artigo mencionava que o planeta ainda não tinha sido batizado, o que levou Venetia Burney a sugerir um nome. O avô dela, Madan, se impressionou tanto com a sugestão, Plutão, que foi falar sobre isso com seu amigo, Herbert Hall Turner, professor de astronomia na Universidade de Oxford, e um dos líderes do esforço mundial para produzir um mapa astronômico. "Foi uma sorte incrível. Primeiro, tive a sorte de ter um avô que gostava do assunto e conhecia o professor Turner. E foi uma extrema sorte que o nome estava lá. Praticamente não existiam nomes da mitologia clássica que não tinham sido usados. Se eu pensei no obscuro e sombrio Hades, não tenho certeza", disse Phair. O tio-avô de Phair, Henry Madan, sugeriu os nomes de Phobos e Deimos para as luas de Marte. Mesmo aposentado, Falconer Madan continuava a visitar a biblioteca Bodleian, onde trabalhou, devido ao seu interesse no autor Lewis Carroll e para visitar ex-colegas. "Ele foi até a biblioteca como costumava fazer e desviou o caminho para deixar um bilhete na casa do professor", disse Phair. Recompensa Por ironia, o professor não estava em casa pois tinha ido a uma reunião na Sociedade Astronômica Real, em Londres, onde havia muita especulação sobre o nome que seria dado ao nono planeta. Quando Madan finalmente conseguiu conversar com Herbert Hall Turner, o astrônomo concordou que Plutão era uma sugestão excelente. O professor prometeu enviar um telegrama com a sugestão para o Observatório Lowell. A partir daí, Phair não ouviu mais sobre o assunto durante um mês. No dia 1º de maio de 1930 o nome Plutão foi oficialmente adotado. Quando a notícia foi tornada pública, Madan deu uma recompensa de cinco libras para sua neta. "Isto era inédito. Como avô ele gostava de ter uma desculpa para generosidade", disse Phair. Phair nega os boatos que se espalharam anos depois da descoberta de Plutão, de que ela teria dado a sugestão do nome a partir do personagem criado pela Disney, o cão Pluto (Plutão, em inglês), também criado em 1930. "As pessoas falavam: 'Ah, ela deu o nome por causa do cão'. Já foi provado que o cão foi nomeado depois do planeta. Então, fui inocentada", disse. Iniciais O nome foi, aparentemente, adotado para o nono planeta não apenas porque era um dos poucos da mitologia clássica que ainda não havia sido usado, mas também devido ao fato das duas primeiras letras serem as iniciais de Percival Lowell, o astrônomo que nomeia o observatório onde Clyde Tombaugh, o descobridor de Plutão, trabalhava. Com o outro astronômo, William Pickering, Lowell, adivinhou a existência de um outro planeta. Clyde Tombaugh encontrou Plutão durante uma busca sistemática pelo planeta. Venetia Phair ainda tem os recortes de jornal a respeito do batismo do planeta Plutão, colecionados por seu avô. "O professor que construiu o planetário no Centro Espacial de Leicester foi muito gentil e gastou muito tempo tentando nos localizar. Quando fomos visitar (o planetário), fomos tratados mais ou menos como realeza", disse. Durante os anos ela tentou seguir os fatos relativos ao planeta que batizou, que astrônomos, atualmente, querem rebaixar. Desde sua descoberta em 1930, astrônomos descobriram uma região inteira com objetos gelados, parecidos com Plutão, chamada Cinturão Kuiper. Alguns cientistas agoram colocam Plutão na mesma categoria destes objetos do Cinturão de Kuiper ao invés de colocá-lo entre outros planetas. "É interessante que, no momento em que eles rebaixam Plutão, o interesse parece ter aumentado. Na minha idade, fiquei indiferente ao debate. Mas em suponho que prefiro que Plutão permaneça um planeta", disse Venetia Phair. Phair recebeu um convite da Nasa para assistir ao lançamento da missão espacial Novos Horizontes, do Cabo Canaveral, Flórida, mas ela afirma que, devido à sua idade, provavelmente terá que recusar o convite.
Crianças reproduzem racismo? O debate que transformou escola em SP
"Crianças pequenas podem ter atitudes racistas?" Com essa pergunta, uma escola pública iniciou, em 2011, uma reformulação no seu projeto de ensino, para rever pequenas (e grandes) atitudes cotidianas que pudessem reforçar o racismo.
Emei Nelson Mandela é considerada referência em educação antirracista A mesma pergunta foi repetida pela mesma escola agora, em uma postagem nas redes sociais voltadas a seus seguidores e às famílias dos alunos, em meio à suspensão das aulas presenciais por conta da pandemia — e, principalmente, em meio a uma onda global de protestos e reflexões sobre o racismo, motivadas pela morte, por um policial branco, do negro George Floyd nos EUA. Nas duas ocasiões, a conclusão da equipe da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Nelson Mandela, é de que, apesar da percepção de que crianças pequenas seriam incapazes de praticar atos discriminatórios, elas crescem "em uma sociedade estruturalmente racista e que reproduz essa lógica em diversos espaços e situações (do universo infantil): na TV, na internet, nos brinquedos, filmes, desenhos e nas relações". Assim, as crianças podem, sem perceber, replicar essa mesma lógica em suas relações, dizem os educadores. Considerada hoje referência em educação antirracista, a Emei Nelson Mandela (que abriga 212 alunos de 4 a 6 anos no bairro do Limão, zona norte de São Paulo) só conseguiu criar estratégias para discutir e combater o racismo na escola depois de olhar a si própria no espelho, nas palavras da ex-diretora Cibele Racy, que deu início, em 2011, às discussões sobre o tema com sua equipe. Fim do Talvez também te interesse Uma família interracial de bonecos é colocada em situações do dia a dia que permitam aos educadores abordar as relações étnico-raciais com as crianças "Fizemos uma análise individual de o que cada um de nós fazia ou poderia fazer", explica Racy à BBC News Brasil. "Como a equipe de professores se relacionava com as equipes de limpeza e de cozinha? Havia racismo nessas relações? Porque, por menos que a gente queira admitir, a gente replica atitudes racistas. E não é possível combater o racismo sem admitir que você mesmo pode ser racista." A discussão foi embasada em uma lei de 2003, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas públicas e particulares de todo o país. De estereótipos enraizados e brincadeiras como escravos-de-jó e "barra manteiga na fuça da nega" até situações em que equipes de limpeza (formadas em sua maioria por mulheres negras) eram colocadas em posição de subserviência, Racy e seus colegas se dispuseram a rever toda a prática da escola que pudesse ter resquícios racistas. "Muitas vezes, o professor se achava no direito de sujar a sala porque sabia que alguém ia limpar. Professoras negras não sentiam que tinham espaço para trazer seus saberes. Fizemos toda essa reflexão antes mesmo de começar a trabalhar o tema com as crianças." O príncipe negro Quando o trabalho chegou de fato às crianças, um fio condutor foi uma família inter-racial de bonecos em tamanho real. Tudo começou quando as crianças quiseram um espantalho para cuidar da horta da escola, explica Jaqueline Rinaldo, a atual diretora da Emei. Mas o espantalho, a quem as crianças rapidamente se afeiçoaram, tinha pele branca e olhos claros, pouco representativo dos traços físicos da maioria das crianças da escola. As educadoras propuseram trocar o espantalho por um príncipe e pediram que as crianças desenhassem como imaginavam que esse príncipe seria. O resultado, novamente, foram desenhos com figuras de peles e olhos claros. "Mas o que chegou foi um príncipe negro, uma desconstrução do que elas imaginavam", conta Rinaldo. Na narrativa criada pelos educadores, Azizi Abayomi, como foi chamado o boneco príncipe, se casou com uma boneca branca e teve filhos gêmeos de tons de pele diferentes. A família inter-racial é colocada em situações do dia a dia que permitam aos educadores abordar as relações étnico-raciais com as crianças e questões básicas — a começar, por exemplo, pelo efeito da proteína melanina sobre a cor da pele das pessoas. Ao mesmo tempo, isso foi parte de um esforço de trazer mais brincadeiras, livros e atividades com personagens negros e de temática negra e africana — uma preocupação que a própria Cibele Racy achava importante mas, por si só, insuficiente no antirracismo da escola. "Essa representatividade (em livros e brincadeiras) é um passo inicial — desde as músicas que escolhemos para elas ouvirem até os livros que compramos. Mas a lei (que torna obrigatório o ensino de história negra) vai muito além. Foi preciso mudar toda a vida da escola." Educadora defende "trazer ações para o grupo inteiro de alunos refletir" sobre o racismo, por meio de brincadeiras e atividades que abordem as relações étnicas e a cor da pele A estratégia envolveu também as famílias das crianças, descartando a "superioridade que a escola poderia ter sobre famílias economicamente não favorecidas" e convidando pais para serem diretores por um dia e contribuírem com seus saberes no cotidiano da escola. De volta à pergunta que inicia esta reportagem, sobre atitudes sutis e potencialmente racistas das crianças, havia algumas: por exemplo, não querer sentar na cadeira antes ocupada por um amiguinho negro; achar que o príncipe Azizi deveria casar com uma boneca loira porque "negro gosta de loira". "O que se costuma dizer para uma criança em um caso assim é: 'não faz isso, é tão feio'. Mas isso não é uma prática antirracista", argumenta Racy. "A criança vai sentir, e só não vai falar aquilo (a fala potencialmente racista). Tentamos não subestimar as crianças e dar a liberdade para que elas falassem." A educadora defende que a reação mais eficiente é, em vez do sermão individual, "trazer ações para o grupo inteiro de alunos refletir", por meio de brincadeiras e atividades que abordem as relações étnicas e a cor da pele. "Você combate atitude racista com conhecimento." Ataque racista Um ponto de virada na história da escola foi, ainda em 2011, a troca da Festa Junina anual por uma Festa Afrobrasileira, com concursos de roupas e penteados afro, rituais de religiões de origem africana e "mensagens de luta e resistência". Racy concorda que houve polêmica por substituir uma festa tão tradicional brasileira, mas argumenta que "somos uma escola localizada em um bairro negro, cercada de escolas de samba. E, àquela altura, já estávamos próximos das famílias, em um processo de conquista da comunidade". Alguns meses depois da festa, a escola sofreu pichações em seu muro: uma suástica nazista ao lado da frase "vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas". O caso virou notícia, e a escola respondeu pintando o muro com desenhos das crianças e levantando um abaixo-assinado para mudar seu nome — que na época ainda era Emei Guia Lopes, em homenagem a um herói da Guerra do Paraguai — para Emei Nelson Mandela. "Escolhemos porque as crianças tinham ficado encantadas com a história de Mandela", conta a ex-diretora. A história de duas meninas No outro extremo da cidade, no Jardim Shangrilá, às beiras da represa Billings (zona sul de São Paulo), outra escola de educação infantil segue os mesmos passos. Inaugurada no início deste ano, a Emei Jardim Ideal por enquanto operou mais tempo em modo remoto, por conta da quarentena, do que em modo presencial. Mas os primeiros meses de trabalho já despertaram na equipe a necessidade de adotar práticas antirracistas. "Uma experiência muito marcante para mim veio da unidade escolar anterior onde trabalhei, com duas meninas: Luiza e Carolina (nomes alterados pela reportagem para preservar a identidade das crianças), de 4 anos, são melhores amigas desde a época que estavam no centro de educação infantil", conta à BBC News Brasil Janaína Martins, coordenadora pedagógica. "Luiza é loira, de olhos claros e cabelos sempre presos em uma trança. Carolina é negra. A Luiza mandava na Carolina, que era submissa e se desdobrava para agradar a amiga. 'Carolina, eu te mandei fazer isso', a Luiza dizia. Fizemos um longo trabalho para construir uma identidade mais positiva na Carolina, ajudá-la a se impor. E, com a Luiza, também conversamos muito, a acolhemos. Dissemos 'você não pode mandar nela, ela pode escolher tanto quanto você'." Martins diz que, apesar do desconforto da situação, "foi lindo ver como elas romperam e depois se reaproximaram com uma nova configuração de amizade. A Carolina, que só usava o cabelo preso e desenhava a si mesma como loira, passou a usar o cabelo solto, deixou de ser tão retraída." Martins usa o exemplo para sustentar a ideia de que o racismo deve começar a ser desconstruído ainda mais cedo: no berçário. "É algo que as crianças vivem pela experiência: elas sabem a forma como são olhadas ainda como bebês, veem quem é acalentado primeiro quando chora ou durante o banho. Isso vai formando a identidade delas." Martins e sua equipe também iniciaram atividades educativas que abordavam o racismo, desde cobrir bonecas com meia-calça para dar-lhes diferentes tons de pele até reimaginar os personagens da Turma da Mônica com outras raças e cores. Pandemia Para as duas escolas, a pandemia do coronavírus trouxe desafios novos. Com grupos de WhatsApp e Google Classroom, a Emei Jardim Ideal por enquanto só conseguiu engajar cerca de um terço dos 160 alunos, explica Martins, lembrando que muitas famílias da escola moram em regiões em situação de vulnerabilidade e têm dificuldades de acesso à internet. Em uma pesquisa com as famílias, a escola identificou que em 52% delas houve perda de emprego durante a pandemia. Com as aulas presenciais suspensas, mas o debate sobre o racismo aquecido pelo noticiário, a escola elaborou um conjunto de dicas para os pais dos alunos, para estimular conversas em casa. "Sabemos que isso faz parte do universo infantil", diz Martins. "Não queríamos fazer um manual, e não é um material pronto, mas serve para alimentar o debate e é algo que vamos atualizar ao longo do ano." Feito com aconselhamento de representantes do movimento negro, o material recomenda que "sempre que falar de cabelos, fale de beleza, da diversidade", lembra que as crianças captam as nuances de "piadas" racistas e as reproduzem e pede que as pessoas "repensem sua linguagem", evitando termos com raiz racial, como "carta branca" ou "mercado negro". "Não é mimimi", argumenta o texto, acrescentando que "o silêncio (sobre o tema) não oferece repertório para que a criança enfrente o racismo na sociedade." Na Emei Nelson Mandela, diretora Jaqueline Rinaldo conta que a equipe questionou a própria Secretaria de Educação pelo fato de o material impresso entregue aos alunos ter referências a brincadeiras como escravos-de-jó. Mas uma brincadeira tem cunho racista por ter um nome com ranço racista? "Sim. Brincadeiras são carregadas de significado", justifica Rinaldo. "Algumas pessoas dizem, 'mas já é algo da nossa cultura'. Mas não podemos continuar reproduzindo." O Núcleo de Educação Étnico-Racial (Neer) da Secretaria Municipal de Educação respondeu à BBC News Brasil que está ciente do questionamento sobre o material impresso e está tomando providencias para revisar a atividade. Jussara Nascimento, do Neer, explicou à reportagem que o núcleo também tem ações constantes de formação de educadores em relações étnico-raciais, ajuda na construção de currículo e escolha de materiais que permitam essas discussões em sala e também traduz documentos e material didático para os 7,2 mil estudantes imigrantes da rede municipal. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brasileiros contam como é viver no exterior
No dia 11 de agosto, 68 brasileiros que trabalhavam ilegalmente em um fábrica na Grã-Bretanha foram presos e encaminhados para deportação.
Eles são uma fração dos quase 6 mil brasileiros que são deportados ou são enviados de volta ao Brasil todos os anos, quando tentam entrar na Grã-Bretanha, onde o número de brasileiros triplicou desde 2001. As dificuldades também se reproduzem em outros países europeus e nos Estados Unidos, principal destino dos brasileiros que emigram. E você, já teve um experiência difícil no exterior ou conhece alguém que passou por isso? Como as pessoas são tratadas? E o que acha da saída dos brasileiros do país. Por que tantos estão buscando a vida no exterior? Este fórum já foi encerrado. Veja abaixo os comentários dos leitores: "A meu ver, sair do país de origem, só se for para algo líquido e certo no exterior ou seja: estando por cima. Quem já está mal aqui acaba ficando pior lá - onde quer que esse "lá" seja. Quem não se vê preparado na própria terra onde nasceu não pode pretender estar melhor em terra estranha. O brasileiro precisa aprender a enfrentar a dificuldade em sua terra e brigar por ela valorizando-a e ajudando-a exatamente nos momentos de crise. Não, não é patriotismo barato. É apenas praticidade e lógica: se você não sabe se virar em seu lar, com certeza não o saberá em casa alheia onde sua voz não será ouvida..."Carlos Antonio Lopes, de São Paulo "Não há ninguém que concerte a crise atual da economia dos USA no momento, nem U$600 bilhões (último pacote econômico). Está tudo aumentando e o salário diminuindo! Muita gente perdendo o trabalho. Se americano está perdendo o trabalho, imagina o imigrante? O imigrante no momento está ganhando 90% do nessessário para viver aqui (U$240.00 semanais). Resultado: Não venham tentar a sorte. Eu sim dei muita sorte. Sou engraxate."Leandro M. Almeida, de Nova Iorque "Morei durante um ano em Washington, nos Estados Unidos, em 1991. O que pude verificar nessa época é que muitos brasileiros acabam por decidir ir para o exterior atraídos por uma noção um pouco distorcida de 'vida melhor'. Por exemplo, muitas pessoas de classe média, sem problemas sociais ou financeiros, deixavam a casa dos pais, estudos ou algum trabalho ou profissão específica, para viver nos Estados Unidos trabalhando de garçom, garçonete e outros empregos equivalentes, sem nenhuma perspectiva de mudança na sua condição em médio prazo e sem nem pensar em investir nisso. Apenas movidas pelo sentimento de que 'no Brasil está ruim, lá tem várias oportunidades, chegando lá eu me viro fazendo qualquer coisa', com uma certa inconseqüência que muitas vezes tem o seu lado saudável. Mas o que na maior parte das vezes acontecia é que, sem se perceberem, elas acabavam por se acomodar naquele 'vidinha day-by-day', sem nenhuma aspiração. A questão da 'ilegalidade' é até uma conseqüência natural disso e da 'inconseqüência' citada anteriormente. No caso que eu presenciei, a grande maioria das pessoas que optaram por viver assim não tinham visto de trabalho, e muitas vezes seus vistos de turistas já haviam vencido há muito. O que elas diziam em linhas gerais é que, enquanto elas pudessem manter tudo do jeito que estava, estava tudo bem."Carlos Bismarck, do Rio de Janeiro "Vivo legalmente na Alemanha, mas percebo que eles não facilitam muito as coisas para nós, os estrangeiros, apesar de gostarem muito dos brasileiros. Viver fora do pais da gente não é fácil, mas é uma boa experiência."Sonia Maria, de Karlsruhe, na Alemanha "Primeiramente, não é fácil trabalhar no exterior. Muitas pessoas deixam o Brasil, na ilusão de buscar um meio de sobreviver. Morar e trabalhar fora é uma lição na vida, se aprende muitas coisas e, principalmente, damos valor às coisas que temos no Brasil. Talvez seja um privilegiado, mas considero todo brasileiro que deixa o país um heroi, mesmo aqueles que são deportados."Edson Novaes, de Londres "Algum tempo atrás, eu também estava morando no exterior. Sou filho de uma família japonesa, que mais ou menos 40 anos atrás veio para cá atrás de uma nova vida, de uma vida melhor. Mas há dez anos, fiz o caminho contrário dos meus pais, justamente para tentar conseguir o que eles queriam há 40 anos. Fiquei no Japão por muito tempo e, por eu ser filho de japoneses, tive mais sorte. Eu estava legalmente e, como eu conhecia o idioma, não foi muito difícil para conseguir um emprego e para viver a vida lá. Pelo contrário, achei bem mais tranqüilo que a vida que eu levava e que levo agora. Lá, somos conhecidos como 'dekasseguis', que significa pessoas que deixam a terra natal para conseguir emprego e dinheiro. Eu gosto do meu país, do nosso país, e tenho certeza que a maioria dos 'dekasseguis' que estão por aí, em algum lugar desse enorme planeta, amam esse país chamado Brasil e sonham com o dia que, com seu pé de meia formado, vão voltar e vão viver novamente neste país. Acredito eu que nenhum de nós estariámos deixando o país para tentar uma vida melhor se o Brasil não fosse tão desigual. Espero que um dia esse país se torne um país melhor para que todos os 'dekasseguis' espalhados pelo planeta possam voltar confiantes e cheios de sonho. Para isso acontecer, ainda não sei como, vou tentar mudar esse país e acredito que tenha mais pessoas pensando assim. Todos pensando assim um dia mudaremos esse Brasil. Não quero mais deixar esse país para conseguir o dinheiro para sustentar a minha familía."Mario Sakamoto, de Londrina "Acho que já passou da hora de Brasil e Grã-Bretanha terem acordos nessas situações para evitar prisões e maiores constrangimentos."Eloisa, de São Paulo "A vida do dinheiro é a vida que conhecemos, e é a vida da Europa. Ir sem dinheiro para qualquer lugar é triste e a pessoa não pode se iludir que navegará mares de rosas. Em todos os lugares, os pobres são submetidos à violência. A Europa pode ser menos violenta no sentido de ser mais elaborada - mas, em nenhum momento, isto significa moleza para quem não tem direitos, não compreende a língua que se fala, e não tem financeiramente como se fazer respeitar."Lafayette Coutinho Moreira, do Rio de Janeiro "Somos os melhores imigrantes de qualquer lugar do mundo. Os ingleses têm que entender e 'aceitar' nós brasileiros porque eles também foram não imigrantes, mas invasores de tantos outros continentes. Eu tive dificuldade no início, mas depois a coisa começou a facilitar porque, na Itália, em 97, estavam dando o documento pela lei italiana pela segunda vez. Eu entrei na lista, mas só andei avante porque eu vim do Brasil, formada em geografia. Daí, eu traduzi tudo, e reconheci pelo consulado."Alba Garcia de Souza, de Milão "Aqui na Irlanda, quando eu cheguei, em 1998, segundo a embaixada não havia então 300 brasileiros. Hoje em dia, este número deve ter aumentado em muito. A minha razão, particularmente, para ter vindo para Dublin, confesso, era depois tentar a Inglaterra, mas acabei ficando. O boom econômico do então chamado 'celtic tiger' e a possibilidade de usar a Irlanda como plataforma para a Inglaterra, suponho, foi o que trouxe tantos brasileiros, somado a várias reportagens na TV brasilera que diziam que isso aqui era o 'novo eldorado'. Hoje em dia, é cada vez mais difícil conseguir um emprego e me parece que aqui vai ser como Londres, em um futuro próximo. Quanto a Londres, com passaporte brasileiro, sempre evito passar pelo aeroporto de Heathrow, dando preferência a sempre fazer conexão aérea no continente."Alexandre Doria, de Dublin "Esse fenômeno não acontece somente em Londres onde morei por um ano (2001), mas na maioria das capitais dos países desenvolvidos. Morei em Sydney três meses (1999) e lá o fenômeno é o mesmo... uma verdadeira invasão de brasileiros. E muito triste constatar que o nível destes que vão ao exterior é, na sua maioria, pessoas que foram forçadas a deixar sua terra natal em busca de um emprego e uma vida digna."Carlos Antonio de Assis Ortega, São Paulo (SP) "É lamentavel que temos que sair de nosso país para tentar ter um futuro, não de rico, mas com mais dignidade."Fernando, Recife "Acho injusto o tratamento concedido aos brasileiros no exterior, principalmente pelo fato do Brasil históricamente receber com dignidade os estrangeiros que para cá vieram, sem qualquer tipo de distinção. Penso que a Diplomacia Brasileira deva com a urgência que o caso requer, buscar o desenvolvimento de um trabalho mais eficaz e sincero, no sentido de serem coibidos tais tratamentos para com nossos cidadãos lá fora. Penso que seja necessário que os organismos diplomáticos envidem seus melhores esforços no encontro de saídas inteligentes, justas e humanas visando a harmonização entre os povos, principalmente no que respeita ao livre trânsito dos cidadãos entre os Territórios, apartando, especialmente os ilegais, de quisquer tratamentos vexatórios e humilhantes. E para que se concretizem tais providências, não basta que tenhamos homens cultos nos cargos de diplomacia. É preciso haver simplicidade e coerência, e quero dizer com isso que esse cabedal de cultura deve e precisa reverter o bem da humanidade, caso contrário a diplomacia mundial passará a fazer apenas sentido burocrático, algo que nada acrescentará no desenvolvimento das relações sinceras e honestas entre os povos."Lucia Helena de Lima, de São Paulo "Alguns países europeus já estabeleceram quotas para a imigração. E por mais injusto que isto possa parecer, é a alternativa mais correcta para ambos os lados. A emigração de Brasileiros é uma questão de Estado, e uma questão interna. Por mais aliciante que possa ser contabilizar a entrada de dólares destes emigrantes na balança comercial brasileira, as autoridades brasileiras não podem ignorar que em muitos casos o preço pago por estes brasileiros, ultrapassa o cariz económico, e envolve privações, más condições de subsistência e exploração laboral."Maurício Costa, de Lisboa "Ex-empresário dono de concessionária Asia Motors do Brasil, fui trabalhar em Navios de Cruzeiros nos Estados Unidos (trabalho escravo) e depois como housekeeper para uma familia em Washington DC...fui um dos primeiros homens a cuidar de uma adolescente e duas meninas pequenas que ficavam sob minha guarda. Quando voltei ao Brasil em maio passado para renovar o meu visto como eu fazia a cada seis meses, os agentes da Imigração viram tudo no computador e não tiveram piedade.... não me deram permissão para ficar porque houve suspeita de que eu estava indo para trabalhar, mesmo mostrando o extrato de minha conta bancária, cartão de crédito e escritura de bens no Brasil acabaram com os meus sonhos...foi terrível."Carlos Galli, de Barbacena (MG) "Nós recebemos bem os visitantes, porém não somos bem recebidos em outros paises. Chegou a hora de nos fecharmos nesse aspecto."Cleyton, de Franca (SP) "Morei em Londres por quase um ano em 1990. O que mais vi foram brasileiros vivendo uma vida mais dura que a que tinham no Brasil. Muitos chegavam a trabalhar 36 horas contínuas para fazer um pé-de-meia, voltar e 'comprar tudo o que sempre quiseram'. Vi brasileiros que não aproveitaram a chance para aprender (ou melhorar) o idioma, enriquecer sua visão cultural da Europa, conhecer outras cidades e países vizinhos. Viveram uma ilusão do 'eldorado'. Dinheiro ganha-se e gasta-se. O conhecimento, que deveria ser a mola propulsora para os que desejam morar no exterior, infelizmente fica em último plano. Assim, não passaremos de mão-de-obra barata e desqualificada, com todas as dificuldades de quem está longe da família, dos amigos e de suas raízes."Katia Lopes, de Belo Horizonte "Estarei indo estudar na Inglaterra em Outubro/2003. É impressionante como, mesmo que o objetivo seja esse mesmo, o de estudar, essa notícia mexeu comigo - e acredito que com outras pessoas também. Parece que estão colocando pânico, medo e não passarei pela imigração... Só espero que isso seja uma simples paranóia!"Juliana, de São Paulo "Viví em Londres quase 3 anos antes de vir para a Suiça em 1978 onde vivo desde então. Caros compatriotas, saibam que a vida no estrangeiro é muito dificil, que os nossos direitos são limitados e o mercado de trabalho cada vez mais restrito. Sem diplomas universitários ou uma sólida experiência profis sional é melhor nem sonhar. Estou cansado de ver brasileiros humilhados apenas sobrevivendo por estas bandas. Uma lástima! Quando se pensa que milhares dêles são tão jovens e que fariam a felicidade de qualquer país que se dedicasse à sua juventude. O nosso Brasil ainda não compreendeu isso e continua pecando por presunção! Até quando?"França Moreira, de Genebra "Morei exatamente 1 ano em Miami, tendo apenas que voltar ao Brasil 1 vez neste período para renovar meu visto. Achei uma experiência maravilhosa. Encontrei muitas culturas diferentes, muitas religiões diferentes e acho que cresci muito neste período que lá passei. Trabalhei muito e ganhava 'pouco' comparado aos salários pagos aos americanos, mas minha condição de vida lá era bem melhor. Morei em um apartamento de frente para uma Baia onde tinha a Ilha das Estrelas, um prédio com 3 piscinas, a 8 quadras da Praia de Miami Beach. Nas mesmas condições de moradia e estilo de aqui no Brasil eu seria considerado uma pessoa MUITO RICA. Voltei apenas por ser muito ligado a minha Familia."Rostand, de Recife "Nunca precisei nem tive que trabalhar fora do Brasil, mas tive a oportunidade de passar alguns períodos, a trabalho, em alguns países da Europa e nos Estados Unidos. Apesar da aparente simpatia, nossa imagem, em geral, é péssima. Salvo alguns poucos ídolos esportivos ou culturais, o brasileiro é visto como um povo de segunda categoria, com baixa escolaridade e pouca dignidade. Concordo com essa visão. Respeito a decisão de qualquer pessoa de fazer o que bem entende de sua vida onde quiser. Só acho que é mais fácil arrumar a malinha e fugir covardemente para um país onde, depois de muitas guerras e sacrifícios, se encontra tudo pronto. Difícil é arregaçar as mangas e construir um país melhor para nossos filhos!"Ozimar da Silva Pereira, de São Paulo "Inicialmente queria ter uma nova experiência, num novo país. Decidi vir para Israel, por ser um país pequeno, adiantado e com baixo nível de assaltos. Cheguei em 1995, passei 2 anos e regressei ao Brasil em 1997. Gostei tanto da experiência, do acúmulo de novos conhecimentos, que voltei em 1998. Continuo aqui em Israel que, infelizmente tem sofrido as consequências da última Intifada iniciada em 2000. Em Israel hoje há cerca de 11.000 imigrantes brasileiros. Muitos são judeus que têm o direito de retorno à Terra Santa. São os "OLEH RADASH", que recebem alguns benefícios do governo, em título de estímulo à imigração de judeus a Israel. Porém a vida para os ilegais não é tão recomendável. Várias vezes assistimos a deportação de imigrantes ilegais. No campo profissional, por ter inglês fluente, nunca tive problemas para encontrar uma posição respeitável. Recomendo a experiência."Ana Clara, de Israel "Por mais que seja maravilhoso viver no conforto do primeiro mundo, você sempre será visto como 'imigrante'. Isso faz toda a diferença. No seu país, você está em casa... Gostaria que cada brasileiro tivesse oportunidade de ir para fora do país, qualquer lugar. Só para ver como é, e parar de reclamar de boca cheia."Paula M., de Londres "Morei muitos anos na Inglaterra, alguns anos na França e Itália e atualmente moro nos E.U.A. há cinco anos. São experiências extremamente positivas desde que legais e com um objetivo definido em mente. Os maiores obstáculos são, em minha opinião, o choque cultural que em geral ocorre após um período de deslumbramento inicial com o novo País de Primeiro Mundo, a perda do núcleo familiar e de amizades e das referências culturais o que, em geral, constitúem a causa do retorno à pátria."Marlene Curtis, de Tamarac (E.U.A.) "Eu acho um pouco lamentável que existam pessoas que saiam do Brasil não em busca de experienciar uma nova cultura, aprender uma nova lingua ou simplesmente ver o mundo, mas com a ambição de ganhar dinheiro. Ainda mais levando-se em conta que, devido aos altos custos da viagem, só vem para cá quem não é tão desfavorecido assim. Ou seja, se querem um futuro melhor, deveriam estar investindo em educação no Brasil mesmo, seja fazendo uma faculdade, seja seguindo uma carreira, e não achando que simplesmente mudar de país leva ao enriquecimento precoce."Paula, de Londres "Trabalhar ou estudar no exterior é uma experiência muita válida e aconselho a todos que puderem. Estou no Japão há 4 anos. Durante todo este tempo estou com bolsa do Monbusho, o ministério de esporte e educação japonês. Tenho normalmente contato com os brasileiros que também estão estudando aqui, mas também conheci alguns dekasseguis. Nossos problemas - estudantes e dekasseguis- são totalmente diferentes, mas ambos os grupos cedo ou tarde têm vários problemas aqui no Japão. Sobre os estudantes, porque estamos aqui com bolsa do ministério japonês e normalmente estudando em universidades conceituadas, acho que o povo japonês inicialmente se comporta de maneira extremamente simpática e 'acolhedora'. Essa é a primeira impressão. A lua de mel dura até que a 'curiosidade' do japonês sobre o estrangerio passe. A partir dai passamos a sentir um Japão bem diferente. Estive também por algum tempo na Alemanha (Bremen, 6 meses) e Holanda (Delft, 5 meses) adorei ambos paises e praticamente não tive problemas lá."Edson Costa Santos, de Osaka
Pelé 80 anos: o jogo que deu ao craque o título de 'rei' em crônica de Nelson Rodrigues
No dia 26 de fevereiro de 1958, Santos e América-RJ se enfrentaram pela primeira rodada do Torneio Rio-São Paulo. O clube santista venceu o time carioca por 5 a 3. Dos cinco gols do Santos, quatro foram marcados por Pelé. "Sozinho, liquidou a partida, monopolizou o placar", declarou o jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980). Presente no Maracanã, o autor de À sombra das chuteiras imortais (1998) gostou tanto da atuação do rapaz, então com 17 anos, que lhe dedicou uma crônica inteirinha: A realeza de Pelé .
Pelé em foto de 1958, ano em que foi consagrado como 'rei' por Nelson Rodrigues Era a primeira vez, assinala o jornalista Ruy Castro na biografia O anjo pornográfico (1992), que Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que faz 80 anos nesta sexta-feira (23/10), era chamado de "rei do futebol". "Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés", escreveu Nelson na crônica publicada na revista Manchete Esportiva, do dia 8 de março de 1958. "Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento". Dos quatro gols que Pelé meteu no goleiro Pompeia, um deles chamou a atenção do cronista. Aquele em que o craque, antes de encaçapar a bola, dribla o primeiro, entorta o segundo e corta o terceiro zagueiro. "Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: a defesa estava indefesa", graceja. Na crônica, Nelson confessa ter tomado um susto ao descobrir a idade de Pelé: dezessete anos! "É um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado", escreveu na coluna 'Meu personagem do ano', de janeiro de 1959. "Mas, reparem: é um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: 'Como vai, colega?'". Fim do Talvez também te interesse Jogador tinha apenas 17 anos quando impressionou Rodrigues, levando-o a escrever a crônica 'A realeza de Pelé' Para descrever o que viu naquela noite de quarta-feira, Nelson abusou dos adjetivos: "grande", "perfeito", "fabuloso", "imbatível", "incomparável'... Ao seu lado na arquibancada, um torcedor americano também não economizava palavras: "Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!". Três meses depois da publicação da profética crônica, a primeira a chamar Pelé de rei, o craque e a seleção brasileira de futebol foram coroados campeões do mundo na Copa do Mundo da Suécia. Em 1975, quando o craque já vestia a camisa do Cosmos, Nelson declarou: "Perguntem a qualquer zebra de Jardim Zoológico: 'Qual é o maior jogador do mundo?'. Todas as zebras dirão, numa cálida unanimidade: 'Pelé'". E concluiu: "Do esquimó ao chinês, do russo ao alemão, do patagônio ao egípcio, todos acham que Pelé realmente é o grande craque do presente, do passado e do futuro". Súditos literários O jornalista e escritor pernambucano Nelson Rodrigues não foi o único a tecer elogios ao talento de Pelé. Ao longo das décadas, outros autores, de diferentes estilos e gerações, escreveram contos, poemas e até romances, prestando homenagem ao "jogador mais completo que já existiu", como diria Ruy Castro. Do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade ("O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé"), autor de Quando é dia de futebol (2014), ao cronista gaúcho Luís Fernando Veríssimo ("Pelé era bom até amarrando a chuteira"), de Time dos sonhos - Paixão, poesia e futebol (2010). Todo craque das letras tem seu lance favorito. O do escritor mineiro Mário Prata, autor de Paris, 98! (2005), sobre a Copa do Mundo da França, é "totalmente desconhecido". Pelé devia ter 12 anos e jogava no Baquinho, o time infantil de Bauru, clube do interior de São Paulo onde o garoto deu seus primeiros dribles. Em um jogo, relata Prata, Pelé recebeu a bola de costas para o gol adversário e, sem olhar para trás, deu de calcanhar nela. Conclusão? A bola foi no ângulo. No intervalo, o técnico deu uma bronca daquelas no moleque: 'Ó, meu, você não precisava ter feito aquilo. A chance de errar era grande. Tinha espaço para virar e chutar de frente'. Pelé respondeu: 'O senhor tem razão. Eu não estava vendo o gol deles. Mas estava vendo o nosso'", reproduz Mário Prata. O lance predileto do escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, autor de É gol, incluído na antologia 22 contistas em campo (2006), foi o gol que Pelé marcou no Estádio do Juventus, na Rua Javari, em São Paulo, no dia 2 de agosto de 1959. O jogo terminou em goleada: 4 a 0 para o Santos. "Nunca vi um gol tão narrado, descrito, comentado, discutido, aplaudido, idolatrado, mitificado. Não vi aquele gol. Mas todos viram. O estádio tem capacidade para quatro mil torcedores. Porém, naquela tarde, devem ter estado ali cerca de 200 mil. Mais do que o Maracanã, em 1950", ironiza. Entre Tostão e Jairzinho, Pelé comemora gol contra a Checoslováquia, com seu famoso "soco no ar", na Copa de 1970. Brasil venceu por 4 a 1 Seleção que disputou o jogo contra a Romênia, o último da fase de grupos da Copa do México. Os brasileiros ganharam por 3 a 2 O escritor amazonense Milton Hatoum também cita um gol como sua jogada magistral do rei do futebol. "Pelé fez dezenas de gols incríveis. Um dos mais belos foi o que fez contra a Suécia", elege, voltando no tempo até a Copa de 1958. Ele próprio narra a jogada: um jogador faz um longo cruzamento para a área. Pelé domina a bola, dá um chapéu num zagueiro e, sem deixar a bola tocar no gramado, chuta no canto direito do goleiro. "Um gol histórico", define. "Infelizmente, o Brasil não celebra seus verdadeiros mitos e heróis". Já o jornalista paulista Juca Kfouri, autor de diversos livros sobre futebol, como Meninos eu vi... (2003), entre outros, escolhe não um gol, como Prata, Loyola ou Hatoum, mas uma tentativa de gol. O chute do meio-campo contra a Tchecoslováquia, na Copa de 1970. "Embora tenha virado o gol que só ele não fez, depois de ter sido por anos o gol que Pelé não fez, o fato é que ninguém tinha tentado antes", explica. O escritor mineiro Luiz Ruffato, que organizou Entre as quatro linhas (2013), antologia de contos sobre o futebol, também é escalado para apontar seu lance predileto do atleta do século. "Pode ser meio óbvio, mas o lance mais bonito foi o primeiro gol na final da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália". Tostão bate o lateral para Rivelino que, num único toque, coloca a bola na cabeça de Pelé. Gol! "Recordo os gritos de felicidade das pessoas do meu bairro, gente pobre que trabalhava nas fábricas de tecido, e que, naquele momento, sentiam-se reis como Pelé. Eu era menino, tinha nove anos, mas, até hoje, me emociono quando me lembro dessa partida...", confessa. De artista a criador No Museu da Seleção Brasileira, Pelé beija réplica da taça Jules Rimet, conquistada pelo Brasil na Copa do Mundo de 1970, no México. Para quatro escritores, o lance mais bonito de todos os tempos do melhor jogador de futebol da história não foi um gol. Mas, um drible. O clássico drible de corpo no goleiro do Uruguai, Ladislao Mazurkiewicz (1945-2013), na semifinal da Copa de 1970, no México. "Um drible poucas vezes visto", observa o escritor carioca Carlos Eduardo Novaes, autor da crônica O rei da superstição, da antologia Onze em campo e um banco de primeira (1998). "Visão de jogo e raciocínio rápido de quem sabe o que fazer em campo". Antes de escolher seu lance favorito, o escritor catarinense Cristovão Tezza faz questão de revê-lo "pela milésima vez". "É um lance 'conceitual'", diz. "Tão bonito que a ausência de gol passou a ser irrelevante", afirma o autor de Uma questão moral, conto incluído na coletânea Entre as quatro linhas, de Luiz Ruffato. Autor de Os cabeças de bagre também merecem o paraíso (2001), entre outros livros sobre futebol, o escritor e roteirista santista José Roberto Torero também vota no drible sem bola de Pelé em Mazurkiewicz. "Foi um drible totalmente novo, que nunca tinha sido visto antes. Naquele instante, Pelé deixou de ser um artista para se tornar um criador. Fez uma obra-prima, mas uma obra-prima mesmo, algo que nunca havia sido feito antes", justifica seu voto. O escritor e jornalista mineiro Sérgio Rodrigues gosta tanto do lance que dedicou a ele não uma crônica ou um conto, mas um romance, O drible (2013). No livro, os nove segundos da jogada são descritos em seis páginas. "Além da espantosa capacidade de fabulação futebolística, da criação instantânea de um evento inédito que altera as próprias coordenadas de tempo e espaço do jogo, o que eu vejo nesse lance é uma permanência garantida justamente por sua inconclusão. Se tivesse resultado em gol, seria lindo, mas tranquilizador. Como a bola não entrou, vai queimar nossos olhos para sempre", garante. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Como o 'Júpiter' Emmanuel Macron despencou do 'Olimpo' na França
Apelidado ironicamente de Júpiter - o rei dos deuses na mitologia romana - o presidente francês, Emmanuel Macron, que enfrenta uma crise social e política inédita no país provocada pelo movimento dos "coletes amarelos", despencou do Olimpo - ou, na versão dos romanos, do Monte Capitolino, onde havia seu templo.
Em apenas 18 meses no poder, marcados por uma série de reformas, Emmanuel Macron enfrenta crise social e política inédita Foi Macron mesmo, ao descrever sua visão da função presidencial, quem acabou inspirando o apelido de Júpiter, utilizado também pela imprensa francesa. Antes mesmo de se tornar candidato a presidente, ele havia declarado que a França precisava de um chefe de Estado "jupiteriano", alguém que soubesse convencer a sociedade e que conduzisse o país com determinação, fixando a direção. Um contraste total em relação a François Hollande, que dizia ser um "presidente normal". Macron, ao utilizar a expressão, quis restaurar a solenidade do poder presidencial. Nas últimas semanas, porém, "Macron cai fora" esteve entre as expressões mais repetidas em coro pela multidão nos protestos dos "coletes amarelos" ("gilets jaunes", em francês) em diversas cidades do país. As palavras "Macron demissão" chegaram a ser grafitadas até no Arco do Triunfo. Fim do Talvez também te interesse As manifestações deste sábado e domingo marcaram o quarto fim de semana consecutivo de tumultos no país. Manifestante veste colete amarelo com os dizeres 'Macron cai fora' A situação do presidente hoje é bem diferente daquela quando foi eleito, em maio do ano passado, correspondendo a um desejo dos franceses de renovação total da classe política. O centrista causou sensação na época, inclusive internacionalmente, ao realizar a façanha de se tornar presidente sem nunca ter disputado eleições antes, e ainda por cima concorrendo por um partido que ele acabara de criar. Em apenas 18 meses de governo, contudo, marcados por uma avalanche de reformas - da redução da contribuição paga pelos mais ricos como imposto sobre fortunas a mudanças no sistema de ingresso nas universidades -, ele se tornou o alvo principal da revolta dos "coletes amarelos". Injustiça social Nessa crise, Macron passou a cristalizar todo o rancor dos manifestantes, provocado por um profundo sentimento de injustiça social. As medidas adotadas por seu governo reacenderam essa percepção de desequilíbrio que já existe há tempos na sociedade francesa. A gota d'água que provocou a exasperação - transformada em fúria - de parte da população foi a alta dos impostos sobre combustíveis. Daí o nome "coletes amarelos", em referência à peça de segurança obrigatória para os motoristas. "Nunca vimos, em tão pouco tempo de governo, apenas 18 meses, um presidente suscitar um tal sentimento de revolta", disse à BBC News Brasil Bruno Cautrès, pesquisador do Centro da Vida Política Francesa (Cevipof) da Universidade Sciences Po. Nos protestos dos "coletes amarelos" no último sábado, 264 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil foram presas na França, sendo quase 1,1 mil apenas em Paris, um recorde em uma manifestação. Apesar do esquema de segurança amplamente reforçado na capital, com 8 mil policiais e blindados da polícia militar, houve novamente destruições e pilhagens de lojas em diferentes áreas da cidade. A prefeitura de Paris estima que os estragos foram ainda maiores do que os do violento protesto de 1° de dezembro. Também houve incidentes em várias outras cidades. Para Cautrès, do Cevipof, Macron cometeu um "erro de interpretação" ao não levar em conta, após sua posse, o resultado do primeiro turno da eleição presidencial, onde dois candidatos que representavam mudanças econômicas radicais, Jean-Luc Mélenchon, da extrema-esquerda, e Marine Le Pen, da extrema-direita, totalizaram 41% dos votos dos franceses. Este foi o quarto fim de semana consecutivo de protestos na capital francesa "Ele negligenciou o primeiro turno da eleição presidencial e reinterpretou seu mandato apenas sob o ângulo do segundo turno. É um erro fatal," afirma. Sua popularidade já vinha caindo há meses e, agora, em plena crise dos "coletes amarelos", ficou pela primeira vez abaixo da faixa de 20%, com somente 18% de opiniões favoráveis. Lançado em meados de novembro para protestar contra o aumento dos impostos sobre combustíveis, o movimento dos "coletes amarelos" se tornou uma mobilização geral contra a política fiscal de Macron, considerada como favorável aos mais ricos, daí seu outro apelido, "presidente dos ricos". Rapidamente, os "coletes amarelos", que alegam enfrentar dificuldades para pagar as despesas do dia-a-dia, passaram a exigir medidas para melhorar seu poder de compra, como o aumento do salário mínimo. Uma reivindicação desse movimento heterogêneo e sem líder oficial é também a volta do Imposto sobre a Fortuna (ISF), extinto por Macron e visto por grande parte da população como um símbolo de justiça social. Após uma reforma, somente patrimônios imobiliários acima de 1,3 milhão de euros (R$ 5,7 milhões) passaram a ser taxados, e os investimentos financeiros e outros bens foram excluídos do novo imposto. Com isso, o número de contribuintes do tributo (os 1% mais rico) foi reduzido em mais da metade. "O Macron é visto por muitos franceses como alguém que agrava as injustiças sociais", disse à BBC News Brasil Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e Caribe (OPALC) da Sciences Po. Ele acrescenta que o presidente flexibilizou o mercado de trabalho com medidas que facilitam a vida do empregador, mas isso não surtiu resultados efetivos na redução do desemprego. Estrada lembra que mais da metade dos votos obtidos por Macron foi de eleitores de centro-esquerda, que não se identificavam com as posições mais radicais do candidato do Partido Socialista, de esquerda, Benoît Hamon. Nesta segunda, Macron se reúne com representantes sindicais e de organizações patronais para discutir a crise "Há um sentimento de decepção em relação às promessas do Macron. Não só porque suas reformas beneficiaram em particular os mais ricos, mas também porque outras medidas criaram o sentimento de que ele não se interessa pelos mais pobres", diz Estrada. Logo no início do mandato, Macron reduziu o valor da ajuda social do governo para pagar aluguéis. O corte foi de apenas € 5 por mês (R$ 22), mas gerou forte polêmica. Seu estilo de comunicação também é criticado. Entre as várias controvérsias, há a do vídeo divulgado pelo palácio presidencial no qual Macron, em reunião com colaboradores, diz que as ajudas sociais do governo custam "uma grana de louco". Brice Teinturier, diretor-geral do instituto de pesquisas Ipsos, diz em entrevista ao Le Monde que os "coletes amarelos se sentem não apenas ignorados, mas também visados" pelo governo. Segundo ele, Macron também cristaliza a raiva dos franceses devido à maneira como toma decisões, considerada tecnocrática, racional e fria, que não dá margem a discussões. "Há ainda uma forma de intelectualismo nos conceitos e no vocabulário utilizados que acentuam a distância e alimentam essa visão de arrogância", diz Teinturier. Só no último sábado, 264 pessoas ficaram feridas e mais de 1,7 mil pessoas foram presas durante manifestações na França Momento decisivo Para especialistas, Macron se encontra em um momento decisivo de seu mandato. "Haverá um antes e um depois dos coletes amarelos. Macron precisa mudar seu estilo de comunicação e também provavelmente o conteúdo de seu programa", diz Cautrès, do Cevipof. Para ele, a credibilidade do presidente foi abalada. Macron havia dito que não cederia à pressão das ruas, mas acabou recuando e cancelado o aumento do imposto sobre combustíveis devido à violência dos protestos, chamados por alguns de "quase insurreição" nas ruas de Paris. Ele dizia que se reformas não haviam sido feitas por outros governos é porque os presidentes não sabiam construir consensos e mostrar a direção. "Macron fracassou ainda mais do que os outros presidentes porque ninguém até então tinha provocado conflitos a um nível tão intenso. Essa retórica de que ninguém antes de mim (Macron) sabia agir não foi um bom método", afirma Cautrès. Seu recuo em relação aos impostos sobre combustíveis o coloca exatamente na mesma situação de seus predecessores, a de um presidente que voltou atrás por causa da pressão popular. Há riscos de que o presidente não consiga levar adiante outras reformas. 'Quando as boutiques da Champs Elysées se adaptam às manifestações todos os sábados': protestos são marcados por críticas às diferenças sociais crescentes no país "Não acho que agora Macron poderá fazer exatamente as mesmas reformas e no ritmo que desejava. Ele precisa conseguir reinventar um novo personagem para os franceses." "Se Macron parar as reformas, seu discurso cai totalmente. Ele tem que mudar o alvo e focar nas pessoas mais pobres", afirma Estrada. Discurso aguardado Após vários dias de silêncio, quando era vaiado em cada aparição pública, o presidente fará um pronunciamento à nação na noite desta segunda-feira (no horário local), e deverá anunciar medidas para tentar acalmar a contestação. Há grande expectativa no país em relação ao discurso, mas sabe-se que Macron não dispõe de margem de manobra financeira. As medidas já anunciadas recentemente, como o fim do aumento dos impostos sobre combustíveis, deverão custar mais de 4 bilhões de euros em 2019. O governo já excluiu a possibilidade de aumento do salário mínimo, afirmando que isso dificulta a situação financeira de pequenas empresas e "destrói empregos". Macron também adotou a estratégia de enfraquecer a atuação dos sindicatos e se beneficiou de uma oposição dividida e fraca. Mas isso se voltou contra ele na crise dos "coletes amarelos". Sem representantes oficiais do movimento, o governo não encontra interlocutores para negociar. O presidente mudou de posição em relação a isso: nesta segunda-feira, ele se reúne com representantes sindicais e também organizações patronais para discutir a crise. Antes mesmo do discurso de Macron, uma quinta jornada de protestos, no próximo sábado, está sendo convocada nas redes sociais. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Estava obcecado pelo passado sexual dela': como o ciúme retroativo pode arruinar relações
Os pensamentos obsessivos sobre o passado sexual de sua namorada acabaram com o primeiro relacionamento s ério de Zachary Stockill. Demorou at é que ele descobrisse que seu problema tinha um nome - e que milhares de outras pessoas também sofrem disso. Abaixo, ele conta sua história.
Tudo começou quando Zachary e a namorada começaram a falar sobre seu passado | Ilustração: Katie Horwich Eu tinha vinte e poucos anos e, pela primeira vez, estava apaixonado. Uma noite, minha namorada e eu fizemos o que vários novos casais fazem no começo de seu relacionamento - começamos a falar sobre o nosso passado. Abordamos as relações prévias que nós dois tínhamos tido. Mudou uma chavinha na minha cabeça. Nada do que ela falou era fora do normal, nenhum detalhe era chocante, incomum. Mas algo havia mudado. Fim do Talvez também te interesse De repente, eu só conseguia pensar em seu histórico romântico. Eu cresci em uma cidade pequena em Ontário, no Canadá. Meus pais tiveram um casamento incrível e, na maior parte do tempo, eu também tive uma relação ótima com eles. Não tive problemas relacionados à minha saúde mental ou emocional - não tive depressão, ansiedade, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Amava mulheres. Aos oito anos, tive duas namoradas! Tive relacionamentos típicos de escola. Na universidade, conheci e me apaixonei por uma mulher diferente de todas as que eu havia conhecido antes. Ela era extremamente inteligente, linda, artística e curiosa. Mas quando ela falou sobre sua vida prévia, um sentimento que eu nunca havia experimentado tomou conta de mim. A maioria de nós tem uma impressão sobre como é ciúme "normal". Sentir um incômodo quando seu parceiro atrai a atenção de alguém num bar ou algo do tipo. Quando começou a sentir "ciúme retroativo", Zachary não fazia ideia de que aquilo tinha um nome | Ilustração: Katie Horwich A maioria das pessoas não gosta da ideia de imaginar seu parceiro com outra pessoa, como um ex, mas o que eu estava sentindo era completamente diferente. Meu histórico romântico era mais prolífico que o dela, mas a ideia de que ela tivesse tido relações íntimas com outra pessoa que não eu começou a me dar coisas. Eu não sabia que o que eu estava sentindo é chamado às vezes de "ciúme retroativo". Eu ainda aprenderia muito mais sobre isso. Comecei a imaginar cenas da minha namorada com seu ex, como se tivessem acontecendo em tempo real, bem na minha frente. Era como se ela estivesse me traindo. Seu passado de repente se tornou o meu presente. Ammanda Major, terapeuta do serviço de relacionamentos Relate Vemos casos em que a pessoa está fixada nos relacionamentos prévios de seu parceiro. Ciúme é algo que muita gente reconhece, mas esse tipo de ciúme é diferente. A pessoa às vezes tem flashbacks de coisas que ela não viu, de que nunca participou. Isso leva a um ciclo obsessivo de pensamentos e um desejo alucinante de chegar à "verdade" do que "realmente aconteceu" entre o parceiro e seu ou sua ex. Podem acabar importunando o parceiro e, em alguns casos, o relacionamento pode se tornar abusivo. Se você é uma pessoa que está obcecada com seu parceiro ou com o passado de seu parceiro, você deve buscar ajuda profissional. Eu focava em um detalhe trivial, pintando uma imagem vívida daquilo. E ainda adicionava outros detalhes, além de fazer eventos insignificantes virarem algo gigante na minha cabeça. Se saíssemos para comer, eu ficava imaginando se ela e seu ex tinham ido ao mesmo restaurante. Se andássemos em frente a um hotel, eu de repente imaginava se eles tinham tido relações sexuais lá. Os relacionamentos que ela teve antes do nosso eram a primeira e última coisa que eu pensava no dia - de manhã, quando acordava, e a à noite, antes de dormir. As redes sociais são um poço de informações para essa questão. Há histórico de posts e comentários e imagens do passado do seu ou da sua atual. E eu mergulhei naquilo. Tornei-me um detetive online. Ele começou a ficar obcecada pelo passado online da namorada | Ilustração: Katie Horwich Averiguei fotos antigas, de antes de termos nos conhecido, li comentários, tentando entender quem eram determinadas pessoas, como eles se encaixavam na sua vida, se ela tinha omitido alguma aventura de seu passado. Essas eram as coisas que eu fiz privadamente, mas também tem as coisas que eu fiz diretamente no nosso relacionamento. Tenho vergonha de como agi naquela época. Briga com o passado Questionava minha namorada incessantemente. Tentava fazê-la se sentir culpada por ter tido relacionamentos ruins no passado. Eu era hipócrita, considerando que meu passado era semelhante ao dela. E ela mal ligava para os meus relacionamentos prévios. Foi muito difícil para ela. Tente imaginar seu parceiro constantemente brigando com seu passado, te julgando. Depois te fazendo sentir mal sobre isso, obcecado com coisas que não importam mais. Coisas bobas, insignificantes. Acontecimentos dos quais você não teria motivos para se envergonhar. Apesar disso, minha namorada se mantinha tranquila e amorosa, deixando claro que eu ocupava um lugar especial em seu coração. E isso ajudava por um tempo - até que os mesmos pensamentos e questões voltassem, com intensidade renovada. Virou um ciclo vicioso de pensamentos que eu não queria ter, da minha namorada me tranquilizando e, com isso, um pouco de alívio. Depois, voltava tudo para o início. Nosso relacionamento durou alguns anos, mas eventualmente terminou. Meu ciúme foi um fator central para o término. O rapaz se arrependeu depois que o cíume retroativo acabou com seu relacionamento Depois que terminamos, me senti culpado e envergonhado durante um longo tempo. Repassava determinadas cenas do nosso relacionamento na minha cabeça e sofria: brigas desnecessárias, esse tipo de coisa. Me sentia culpado por ter sido tão idiota. Não parecia que aquela pessoa era eu. Eu sabia que era eu, mas sentia que havia sido sequestrado por um diabinho. Pode parecer melodramático, mas eu realmente sentia como se havia perdido o controle. Me abrir com amigos e familiares e até com terapeutas não foi frutífero. Ninguém parecia entender. O conselho mais comum era: "supere". Comecei a pesquisar no Google frases como "obcecado pelo passado da namorada" e eventualmente me deparei com a expressão "ciúme retroativo" em fóruns de internet. As pessoas pesquisam a torto e a direito no Google, mas não sabem que há um nome para essa condição. Não era e não é um termo comum. Pessoas que sofrem de ciúme retroativo caem em um "loop" de pensamentos obsessivos, emoções doloridas, ações irracionais e, por fim, ódio de si. Pelo que li, muitos psicólogos acreditam que entra no espectro de desordens obsessivo-compulsivas. Nos fóruns de internet, encontrei algumas pessoas que mostravam compreensão e empatia, mas a maioria da retórica ali era tóxica - há muitos homens em fóruns online que parecem odiar mulheres. Há muitos que justificam seu ciúme e usam os fóruns para falar mal de mulheres. E aquilo foi confuso. Era o primeiro lugar em que as pessoas sabiam do que eu estava falando - mas, ao mesmo tempo, um ambiente de misoginia e negatividade. Outras pessoas nos fóruns apontavam para o extremo oposto: para eles, qualquer um que tinha problemas com o passado do parceiro ou parceira atual era uma pessoa má agindo irracionalmente. Eu discordo. Não consegui encontrar uma comunidade dedicada ao assunto e queria dar um jeito nisso. Sentia que precisava de equilíbrio espiritual, então fui a retiros de meditação e comecei a aprender mais sobre budismo. Foi um passo importante para diminuir meu ego. Depois, comecei minha própria pesquisa. Em seguida, comecei um blog e escrevi um livro - escrito sob um pseudônimo, porque ainda tinha vergonha. A reação ao livro foi imensa. Então, resolvi criar um curso online. Hoje, mantenho um site onde pessoas podem procurar ajuda e dicas para lidar com ou superar essa condição. Mais de 120 mil pessoas visitaram meu site no ano passado, de quase todos os países do mundo. E quase metade são mulheres. Eu achava que ciúme retroativo era algo ligado ao homem e ao ego heterossexual masculino, mas não é o caso. Mulheres hetero, lésbicas e homens gays - pessoas de todas as idades, da adolescência à velhice - entram em contato comigo. Também recebo muitos emails de pessoas da Arábia Saudita e da Índia, países onde as pessoas não são tão abertas quanto à sexualidade. Acho que quando começar a fazer vídeos no YouTube, terei uma resposta ainda maior. Os parceiros de quem sofre de ciúme retroativo me mandam emails de partir o coração, perguntando o que podem fazer para ajudar o parceiro a superar o problema. Mas eu sempre enfatizo que quem deve resolver o problema é a pessoa, não seu parceiro. Sei da minha própria experiência - minha namorada não conseguia curar meu ciúme retroativo, não importa o quanto tentasse. Se alguém está lendo isso e se reconhecendo, a primeira coisa que eu diria é: "Não assuma que você tem algo com o qual tem que viver para sempre. Não é verdade". É absolutamente possível superar ciúme retroativo. Eu sou prova viva disso. Em relação à minha ex, é uma longa história. Tivemos algumas conversas difíceis, mas estamos OK agora. Eu a considero uma amiga, e acho que ela sente o mesmo por mim. Olhando para trás, não consigo imaginar minha vida sem aquele relacionamento, sem tê-la na minha vida. Ela me inspirou a crescer de muitas maneiras que eu não pensava ser possível. O canadense Zachary Stockill não é um psicólogo ou terapeuta. Ele diz ter passado muito tempo "pesquisando, escrevendo e pensando sobre ciúme retroativo", mas que não tem as credenciais de psicólogo ou de trabalho social. Em seu site, ele recomenda começar terapia e um "plano de desenvolvimento pessoal". Uma das dicas que dá para quem quer começar a tratar o problema, por exemplo, é exercer a gratidão por coisas do seu dia. Depois disso, eleger cinco coisas, entre seu parceiro e você, pelas quais você se sente grato também. Relato dado a Megha Mohan Illustrações por Katie Horwich
Quem é o jornalista cujo desaparecimento coloca a Arábia Saudita sob pressão global
Jamal Khashoggi, um conhecido jornalista do mundo árabe e crítico do governo da Arábia Saudita , entrou no consulado do país em Istambul na semana passada para coletar documentos e desde então não foi mais visto, em um episódio que tem provocado diversas reações político-diplomáticas e ameaça estremecer as relações dos sauditas com diversos países, incluindo os EUA.
Khashoggi não é visto desde 2 de outubro e pediu a noiva que avisasse a um assessor do presidente da Turquia caso ele não voltasse A noiva de Khashoggi teme que ele tenha sido sequestrado ou morto. As autoridades em Istambul, por sua vez, afirmam que ele foi assassinado por agentes sauditas e dizem ter provas disso. Já a Arábia Saudita insiste que ele deixou o consulado pouco depois de ter chegado. Aqui está o que sabemos - e não sabemos - sobre o seu desaparecimento, e por que ele virou tema de debate global: Quem é Jamal Khashoggi? Khashoggi é um renomado jornalista que trabalhou em coberturas de grandes notícias para vários veículos de comunicação sauditas - incluindo entre elas a invasão soviética no Afeganistão e a ascensão de Osama Bin Laden. Fim do Talvez também te interesse Ele atuou como conselheiro de altos funcionários sauditas, mas depois caiu em desgraça com o governo. Por isso, se autoexilou nos Estados Unidos no ano passado e escrevia uma coluna mensal no Washington Post, na qual criticava as políticas do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Em sua primeira coluna para o jornal, Khashoggi disse que temia ser preso em uma aparente repressão à dissidência supervisionada pelo príncipe desde que se tornara o primeiro na fila de sucessão ao pai, o rei Salman, no início daquele ano. "As pessoas que estão sendo presas não são nem mesmo dissidentes, elas apenas têm uma mente independente", disse ele ao programa Newshour, da BBC, três dias antes de desaparecer. Por que ele estava no consulado? A noiva do jornalista, Hatice Cengiz, disse que esperou do lado de fora do consulado durante 11 horas, mas ele não apareceu O jornalista esteve no consulado saudita em Istambul pela primeira vez em 28 de setembro, para obter um documento certificando que havia se divorciado da ex-mulher, mas foi informado na ocasião de que teria que voltar outro dia. Khashoggi marcou o retorno para 2 de outubro e chegou às 13h14 no horário local - o compromisso estava marcado para as 13h30. Ele teria dito a amigos que havia sido tratado "muito cordialmente" em sua primeira visita e assegurou a eles que não enfrentaria qualquer problema. Apesar disso, ele deu a sua noiva turca Hatice Cengiz dois telefones celulares e disse a ela que ligasse para um assessor do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan (que, segundo o New York Times, é amigo pessoal de Khashoggi), se ele não voltasse. Hatice esperou por mais de 10 horas fora do consulado e retornou na manhã do dia seguinte, uma quarta-feira, e Khashoggi ainda não havia reaparecido. O que a Turquia diz que aconteceu com ele? Autoridades turcas dizem que Khashoggi foi torturado e morto nas dependências do consulado por uma equipe de agentes sauditas - e que depois teve seu corpo removido do local. Elas afirmam ter provas disso em áudio e vídeo, segundo uma fonte ouvida pela BBC. "Dá para escutar a voz dele (Khashoggi) e vozes de homens falando em árabe", disse outra fonte ao jornal Washington Post. "É possível escutá-lo sendo interrogado, torturado e depois assassinado." Um alto funcionário disse ao New York Times, sob condição de anonimato, que Khashoggi foi morto duas horas após a sua chegada, em uma complexa operação em que depois teria sido esquartejado. Aeronaves sauditas foram vistas no aeroporto de Istambul no mesmo período em que foi registrado o desaparecimento de Khashoggi Movimentação O jornal turco pró-governo Sabah disse ter identificado uma equipe de 15 agentes sauditas entrando e saindo de Istambul no dia do desaparecimento. Um dos homens, Maher Mutreb, serviu como coronel da inteligência saudita e trabalhou na embaixada do país em Londres, segundo informações da BBC. Nove dos agentes teriam chegado em um jato particular vindo da capital saudita, Riad, por volta das 03h15 do dia em que Khashoggi visitou o consulado. O restante dos supostos agentes teria chegado mais tarde naquele dia em um segundo jato particular ou em voos comerciais. O grupo fez o check-in em dois hotéis próximos ao prédio do consulado. Imagens do circuito interno de TV transmitidas pela televisão turca parecem mostrar grupos de homens sauditas entrando no país via aeroporto de Istambul e, em seguida, chegando aos hotéis. Também mostram veículos - incluindo vans pretas pretas consideradas centrais para as investigações - dirigindo-se ao consulado uma hora antes da visita de Khashoggi. Uma das vans teria levado parte do grupo do consulado para a residência próxima do cônsul da Arábia Saudita, cerca de duas horas depois da chegada de Khashoggi. O grupo então teria deixado o país nos dois jatos particulares que voaram para Riad, via Cairo e Dubai, de acordo com os investigadores. Funcionários turcos na residência do cônsul também pareciam "com pressa" para ir embora no dia em que Khashoggi desapareceu, segundo o Sabah. O Washington Post também informa que, antes da visita de Khashoggi, a inteligência dos EUA havia interceptado comunicações de autoridades da Arábia Saudita que discutiam um plano para capturá-lo. O que aconteceu no dia do desaparecimento, hora a hora Esta é a linha do tempo dos eventos que se desenrolaram em 2 de outubro, de acordo com a mídia turca. Parte dos suspostos agentes teria ido para a residência do cônsul da Arábia Saudita, cerca de duas horas após a chegada de Khashoggi 03h28: O primeiro jato privado transportando supostos agentes sauditas chega ao aeroporto de Istambul. 05h05: O grupo é visto em dois hotéis próximos ao prédio do consulado saudita. 12h13: Vários veículos diplomáticos são filmados chegando ao consulado, supostamente carregando alguns dos agentes sauditas. 13h14: Khashoggi entra no prédio. 15h08: Os veículos deixam o consulado e são filmados chegando à residência do cônsul saudita, nas proximidades. 17h15: Um segundo jato particular transportando várias supostas autoridades sauditas aterrissa em Istanbul. 17h33: A noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, é vista no circuito interno de TV esperando do lado de fora do consulado. 18h20: Um dos jatos particulares decola no aeroporto de Istambul. O último avião sai às 21h. O que a Arábia Saudita diz? O consulado saudita disse que Khashoggi saiu do prédio depois de completar o trâmite que o levou até o local O príncipe Mohammed disse à Bloomberg News na semana passada que seu governo estava "muito interessado em saber o que aconteceu" com Khashoggi e que o jornalista havia deixado o consulado "após alguns minutos ou uma hora". "Não temos nada a esconder", acrescentou. O irmão do príncipe Mohammed e embaixador da Arábia Saudita nos EUA, o príncipe Khaled bin Salman, insistiu que todos os relatos sobre o desaparecimento ou morte do jornalista "são completamente falsos e sem fundamento". O Ministério das Relações Exteriores do país disse que está "aberto à cooperação" e que uma busca no prédio do consulado pode ser realizada como parte da investigação. A Turquia disse que vai realizar a busca, mas também pediu provas definitivas de que Khashoggi deixou o prédio. O filho de Khashoggi disse à agência de notícias Al Arabiya, de propriedade saudita, que o desaparecimento de seu pai foi "politizado" por partidos estrangeiros. "A questão é que há um cidadão saudita que está desaparecido", disse ele. Quais são as repercussões desse caso? O desaparecimento e a suspeita de morte de Khashoggi têm provocado reações políticas e econômicas contra a Arábia Saudita e repercussões já são visíveis - ou temidas - pelo mundo. O desempenho do mercado de ações de Riad, por exemplo, registrou sua maior queda em anos, no domingo, mas voltou a subir nesta segunda. Outro reflexo do caso tem sido visto entre potenciais investidores. Nomes de peso, como executivos da Ford, da Uber e do banco JP Morgan, cancelaram a participação em uma conferência que ocorrerá na cidade - em um movimento que tem sido relacionado ao desaparecimento do jornalista e à crescente tensão entre os EUA e a Arábia Saudita. Uma página com a lista de palestrantes confirmados foi excluída do site do evento. O Reino Unido e os EUA também estariam considerando boicotar a conferência, segundo informações apuradas pela BBC. Trump ameaçou a a Arábia Saudita - que é sua aliada - com uma "punição severa" se Khashoggi tiver sido assassinado Política Mas os riscos à política externa vão muito além. O presidente americano, Donald Trump, tem ameaçado a Arábia Saudita - que é sua aliada - com uma "punição severa" se Khashoggi tiver sido assassinado. França, Alemanha e Reino Unido também se posicionaram sobre o caso, em uma declaração conjunta em que pedem ao governo saudita que ofereça uma prestação de contas completa e detalhada sobre o desaparecimento do jornalista, acrescentando que os possíveis culpados devem ser responsabilizados. Segundo reportagem publicada no jornal britânico Guardian, a Arábia Saudita afirmou que vai retaliar eventuais sanções de que for alvo. "O reino afirma a sua total rejeição a quaisquer ameaças e tentativas de prejudicá-lo, seja com sanções econômicas, pressão política ou pela repetição de falsas acusações", disse o governo em nota publicada pelo jornal. "O reino também afirma que se for alvo de qualquer ação, responderá com uma ação ainda mais incisiva." A declaração também ressalta que o reino, rico em petróleo, "desempenha um papel efetivo e vital na economia mundial". Nesta segunda-feira, os preços do petróleo subiram devido a preocupações com o suprimento da matéria-prima, uma vez que a Arábia Saudita é o maior exportador mundial de petróleo e o peso de suas reservas lhe rende uma enorme influência global - com potencial para elevar os preços, o que afetaria diversas economias.
'Apenas a vida de vocês importa?': o desabafo de quem continua isolado em meio a aglomerações no país
Luciana Viegas estava em um quarto de hospital ao lado do filho de três anos, que respirava com a ajuda de um balão de oxigênio — com suspeita de covid-19, depois negada por um teste —, enquanto via no seu celular fotos de amigos em praias e bares.
A professora de educação básica em Várzea Paulista (SP) resolveu desabafar. "Eu me tranquei durante cinco meses. Eu não fui ao mercado durante quase dois meses. Eu não fiz festa, eu não participei de festa. Cinco meses com duas crianças full time, sobrecarga, choro no portão querendo passear na rua. Segurando firme", escreveu ela em 6 de setembro, em um tuíte que acabou viralizando. "A gente se cuidou, se preservou. A gente deixou de ver uma pá de gente. Mas para vocês tá suave, né? (...) Só não venha me dizer que você está preocupado. Porque vocês não estão. Não ligam para a vida de ninguém. Apenas a vida de vocês importa." Ela diz que era um recado principalmente para amigos que haviam acompanhado o sofrimento de Luciana em dezembro de 2019, quando seu mesmo filho havia sido internado na UTI infantil com uma infecção respiratória. Autista e asmático grave, ele chegou ao hospital com baixa saturação de oxigênio e quase teve de ser intubado. Fim do Talvez também te interesse "A gente já passou por essa linha tênue de quase perder o filho por uma doença no pulmão, de ver carrinho de parada cardíaca (desfibrilador) ali, de o médico perguntar se a gente tem fé, e foi desesperador. Meu filho tentava respirar e não conseguia. Ficou uma semana comendo por sonda porque não tinha força no pulmão para comer ou mamar", conta Luciana à BBC News Brasil. "Isso mudou a gente, e não quero que ninguém passe por isso, ainda mais se você pode causar ou pode evitar (a transmissão)." Luciana Viegas com o marido e filhos: para proteger a saúde o menino, que tem asma severa, família segue em isolamento rígido Por isso, Luciana e sua família — o filho de três anos, que já teve alta do hospital, a filha de dois anos e o marido — se mantêm em uma quarentena rígida desde março, totalmente isolados do resto do mundo. Tanto que Luciana ainda não consegue entender totalmente o que fez o filho adoecer dessa vez. O marido havia parado há meses de trabalhar como motorista de aplicativo, e ela dá aulas online em casa. As vistas da mãe dela são de longe, no portão; os passeios com as crianças, antes frequentes nos fins de semana, agora são só dentro do carro. "A gente tá se virando. Mas é um estresse", conta Luciana à reportagem. "Quando fiz o tuíte, estava cansada. Porque vi amigos que acompanharam tudo o que a gente passou no ano passado, e que estão agora saindo, indo para a praia, como se nada estivesse acontecendo, como se não fosse importante (manter o isolamento social) pelas outras pessoas. Fiquei tão chateada com isso. Não ficar em casa é muita sacanagem." Queda nos índices de isolamento Luciana e sua família personificam um grupo cada vez menor, menos visível e mais frustrado diante das cenas de aglomeração pelo país e de uma pandemia que não arrefece: o das pessoas que continuam seguindo à risca a quarentena e o isolamento social, para proteger a si mesmas ou pessoas próximas de contraírem o novo coronavírus. A pesquisa mais recente do Instituto Datafolha sobre o tema, em 19 de agosto, apontava que os níveis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o início da pandemia. Em abril, mais da metade dos entrevistados dizia que só saía de casa quando era inevitável. Em agosto, a parcela que caiu para 43%. A fatia de quem está totalmente isolado e não sai de casa de jeito nenhum caiu de 21% em 17 de abril para 8% em agosto. Embora esse grupo esteja diminuindo, sua importância foi e ainda é fundamental para manter sob controle os níveis da pandemia no Brasil, explica o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ele acha que, se não tivesse havido o esforço (mesmo que desigual) de isolamento social nos últimos meses, o já altíssimo número de mortes no Brasil teria sido exponencialmente maior. "As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz Lotufo à BBC News Brasil. "Basta ver o exemplo de Manaus (no início da pandemia), onde o vírus teve um avanço incrível, matando tanta gente tão rapidamente, em comparação com São Paulo, onde houve mais disciplina no isolamento social", opina. Apesar de São Paulo ser o Estado com o maior número de mortes do país, seu sistema de saúde não chegou a colapsar, como ocorreu com o amazonense. "As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz epidemiologista Ausência de perspectivas No Rio de Janeiro, o tuíte escrito por Luciana Viegas levou às lágrimas a estudante de psicologia Brenda Cavalcante. "Me doeu na alma o que ela (Luciana) escreveu, que, apesar de todo o esforço, ela não sabia se o filho estava ou não com covid", conta Brenda à reportagem. Distantes entre si e sem se conhecer, as duas vivem situação semelhante: também em isolamento social rígido ao lado da filha de seis anos, Brenda está há seis meses sem ter contato físico com os pais (que têm pressão alta e, portanto, são do grupo de risco) e há sete meses sem ver a avó, de 92 anos. E não vê nenhuma luz no horizonte que indique que isso vá mudar em breve. "O mais difícil é não ter perspectiva", diz. "Meus pais são apaixonados pela minha filha, mas só a veem da varanda. O contato físico com eles faz falta demais. E não sei se vou ter a chance de ver a minha avó com vida ainda." ''Eu realmente não sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decepção com o coletivo'', diz Brenda Cavalcante, ainda em quarentena total E, da mesma forma, Brenda assiste com frustração às cenas de aglomeração no Rio. "Acabei de ver no Twitter que a praia estava lotada ontem (13/9). Eu realmente não sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decepção com o coletivo. Com o governo nem se fala. Mas as pessoas não só fazem (aglomeração), como fazem questão de postar nas redes sociais. E eu que nem vejo a minha família. Mal vou ao mercado", diz. "Eu tento não julgar, porque sei que as pessoas estão sem perspectiva, e isso acaba banalizando (as mortes na pandemia): 'morreu de covid'. (...) Mas por que a saúde mental deles vale mais do que a minha? A minha filha de seis anos tem medo de chegar perto da avó para não deixá-la doente, e quem tem 40 anos não pode se policiar mais e se isolar?" O que dá para flexibilizar? É bom ressaltar que não costuma ser fácil decidir, em âmbito individual, o que pode ou não ser flexibilizado na rotina familiar, profissional e de lazer - em um momento em que o número diário de casos e mortes continua elevado, embora esteja em um patamar menor do que há duas semanas. Pesquisa de agosto apontava que níveis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o início da pandemia "Temos de ter muito cuidado, porque a Europa, com sua alta no número de casos, mostra que a doença volta mesmo", afirma o epidemiologista Lotufo. "Apesar que, aqui no Brasil, já tivemos uma intensidade tamanha da pandemia que talvez (o repique) não seja igual (ao dos europeus)." Lotufo lembra que atividades ao ar livre, com máscara, distanciamento social adequado e uso constante de álcool gel para higienização oferecem baixo risco de contaminação. Isso porque a livre circulação do ar ajuda a dissipar aerossóis e gotículas potencialmente infecciosas - ao contrário de de ambientes fechados, onde o compartilhamento de ar entre as pessoas é muito maior. Nas praias, embora haja livre circulação de ar, o problema está na grande quantidade de pessoas próximas umas das outras, como tem sido visto em parte do litoral brasileiro nos últimos fins de semana e feriados. A Associação Médica do Texas preparou um guia avaliando diferentes atividades do dia a dia e quais riscos elas oferecem para a disseminação do novo coronavírus. Ir à praia, por sinal, é considerada uma atividade de risco moderado pelos autores. Exaustão da quarentena No caso de Luciana Viegas, o pulmão frágil do filho faz com que qualquer contato com o mundo externo ainda pareça muito assustador, principalmente porque as recentes idas ao hospital ainda estão frescas na memória da família. Mas isso não quer dizer que o cotidiano com as crianças esteja fácil. "Eu estou exausta da quarentena, meu marido também. Às vezes precisamos pegar o carro para dar uma espairecida, ou durmo 12h para descansar. A gente tem um motivador, que é a vida do meu filho, e saber que o que eu não quero que aconteça com meu filho, eu também não quero que aconteça com os demais", diz ela. "Se eu fosse solteira, sem filhos, e dependesse puramente da minha empatia, não sei se seria 'chata' e 'fiscalizadora de quarentena'. Mas é porque as pessoas não passaram por esse terror que eu passei. Meu desabafo (no Twitter) foi justamente para os amigos que me viram noites e noites chorando desesperada. Ao mesmo tempo, fiquei feliz de ver que várias outras pessoas estão passando pelo mesmo que eu. Que bom que a nossa voz vai ser ouvida, porque as notícias são só sobre as pessoas que estão saindo da quarentena." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Em segundo dia de resgate, mais quatro meninos são retirados de caverna na Tailândia
Mergulhadores conseguiram retirar nesta segunda-feira mais quatro garotos do complexo de cavernas em que estavam presos na Tailândia , confirmou a Marinha do país. Com isso, oito dos 13 integrantes do grupo já foram resgatados. Continuam no local outros quatro meninos e o técnico de futebol deles, de 25 anos.
Nomes das crianças já resgatadas não foram divulgados em respeito a famílias das que ainda estão dentro da caverna De acordo com uma fonte ligada à operação, os garotos salvos nesta segunda estão em boas condições de saúde. A operação foi novamente pausada para que os socorristas descansem e planejem a próxima etapa. O plano da equipe é que os demais sejam retirados na terça-feira. Quatro dos meninos foram resgatados no domingo e encaminhados a um hospital local – segundo autoridades, eles estavam bem. Noventa mergulhadores estão envolvidos na operação de resgate – 40 tailandeses e 50 estrangeiros. A missão havia sido pausada durante a noite para os cilindros com ar serem substituídos. Ela é considerada de alto risco, e foi antecipada devido ao perigo de as águas voltarem a subir com novas chuvas que atingem a área. Resgate começou domingo e foi reiniciado nesta segunda. Quatro meninos já foram retirados. Fontes que acompanham a operação informaram que os mergulhadores voltaram a entrar na caverna entre as 10h e as 11h, no horário local (entre meia-noite e 1h da manhã no horário de Brasília). A equipe foi reforçada em relação ao domingo e a previsão era de que o trabalho nesta segunda durasse até às 21h (por volta das 10h em Brasília). Fim do Talvez também te interesse Segundo o correspondente da BBC News, o resgate de segunda-feira foi concluído em apenas seis horas, tempo inferior ao das missões de domingo, de 11 horas no total para ida e volta das equipes com os adolescentes. O grupo está preso na caverna desde o dia 23 de junho, depois que fortes chuvas inundaram a caverna e bloquearam a saída do local. Os 12 meninos e o técnico foram encontrados por mergulhadores na semana passada. Eles estavam famintos, mas sem ferimentos graves. A repórter da BBC em Sidney Frances Mao disse que a Austrália enviou uma equipe de especialistas em resgate dentro de cavernas e de mergulhadores da polícia para auxiliar a operação. Antes da confirmação de que mais quatro garotos haviam sido resgatados, helicópteros-ambulância foram vistos saindo do complexo de cavernas, e ambulâncias foram vistas chegando ao hospital da cidade de Chiang Rai. Operação Segundo informações divulgadas pelo chefe da missão de resgate, as identidades dos que saíram foram mantidas em sigilo em respeito às famílias cujos filhos permanecem presos no local e porque os resgatados ainda não haviam se reunido com as próprias famílias. Ele acrescentou que o contato físico com os entes queridos seria evitado até que um risco de infecção tivesse passado, embora possa ser permitido que eles se vejam à distância ou por meio de uma proteção de vidro. Equipes de resgate aproveitaram uma pausa na chuva no domingo para iniciar a missão mais cedo que o previsto. No sábado, Narongsak Osottanakorn, governador da província de Chiang Rai, onde está localizado o complexo de cavernas, disse que as equipes tinham uma janela de três a quatro dias para realizar a operação. O resgate é ainda mais complicado porque há sessões na caverna que envolvem mergulho - algumas vezes em um espaço muito estreito - e outras que requerem equipamento de montanhismo. A operação desta segunda-feira envolveu "mais pessoas" do que ontem, segundo o coordenador da missão, Narongsak Osottanakorn. Ele disse ainda que os garotos resgatados ainda não tiveram contato físico com suas famílias, por causa do risco de infecção. Contato à distância ou através de uma porta ou janela de vidro são permitidos. O socorrista disse ainda que as condições de resgate nesta segunda estavam "tão boas quanto ontem", mas que a próxima fase "dependerá das condições". Segundo a equipe de meteorologistas da BBC Weather, há previsões de tempestades tropicais na região próxima à caverna nos próximos dias. O plano para a próxima fase, segundo Osottanakorn, é trazer mais quatro garotos. Dessa forma, apenas o técnico ficaria mais algumas horas dentro da caverna. "Se trouxermos cinco pessoas de uma vez, precisaremos mudar o plano", disse. Quem são os garotos e o treinador presos na caverna? Os garotos fazem parte do time de futebol Wild Boars e têm entre 11 e 17 anos. Acredita-se que eles foram para a caverna no dia 23 de junho, após um treino, para comemorar o aniversário de um dos colegas. Teriam levado apenas alimentos básicos e acabaram presos por causa da inundação. Quatro integrantes do grupo foram resgatados no domingo, mas as identidades deles não foram reveladas: Por que o resgate foi antecipado? Inicialmente, autoridades locais e especialistas pensaram em manter o grupo dentro da caverna até o fim do período de monções na região - chegou-se a cogitar que eles teriam de esperar até quatro meses pelo resgate no local. Mas a estação mais chuvosa no país está apenas começando e há possibilidade de a enchente que os deixou presos na caverna piorar nos próximos dias. Os socorristas vêm tentando escoar água para fora do local e, segundo o líder da operação, o nível de água lá dentro é o mais baixo registrado até agora. "Não há outro dia além de hoje (domingo) para estarmos mais preparados. Se não (começarmos), perderemos a oportunidade", disse Osottanakorn no domingo. Como estão sendo retirados da caverna? A viagem de ida e volta até o local onde o grupo está é exaustiva até mesmo para mergulhadores experientes - dura cerca de 11 horas no total, seis para a ida e cinco para a volta. Para sair do local, eles precisam andar nas rochas, caminhar na água, escalar e mergulhar - tudo na completa escuridão - com o auxílio de cordas colocadas ao longo de todo o percurso para guiá-los. Segundo o governo tailandês, que divulgou o plano do resgate, os garotos foram divididos em quatro grupos e são transportados um a um. O treinador estará no último grupo. Usando máscaras de mergulho de rosto inteiro, que são melhores para iniciantes, cada garoto é acompanhado por dois mergulhadores, que também carregam seu cilindro com ar. Há quatro pontos no caminho em que eles podem parar para descansar e receber atendimento médico. Segundo o governo, a vantagem do plano é que ele pode ser executado rapidamente e sem a necessidade de muitos recursos. No entanto, ele requer muita habilidade dos mergulhadores. Os garotos têm que saber o básico sobre mergulhar, além de manterem-se tranquilos e não entrarem em pânico. Esta é uma das razões pelas quais eles foram separados. O pior trecho fica mais ou menos na metade do caminho de volta - um local chamado de "Bifurcação em T", que é tão estreito que não é possível levar os cilindros com ar nas costas. Nesse momento, os mergulhadores devem tirar os cilindros de suas costas, colocá-los no chão e rolá-los devagar, enquanto guiam os garotos pelo canal. Algum tempo depois, eles chegam então na Câmara 3, a caverna que é usada como base avançada para os mergulhadores. Lá, descansam, são examinados novamente e caminham até a saída, de onde devem ser levados diretamente para um hospital local. Um mergulhador experiente da Marinha, Saman Gunan, morreu dentro da caverna durante a viagem de volta, revelando quão difícil é a missão. Ele tinha ido levar cilindros com ar ao grupo. Ele perdeu a consciência e não pôde ser reanimado. Seus colegas disseram que "não permitiriam que o sacrifício dele fosse em vão". Soldados e paramédicos atenderam os garotos resgatados no domingo e na segunda, e dizem que eles estão em boas condições de saúde Como começou o resgate? Na última semana, uma enorme operação de voluntários e da mídia se formou no local onde fica a entrada da caverna. Mas nas primeiras horas do domingo, os jornalistas foram realocados para um ponto mais afastado e aumentou o número de policiais na entrada, aumentando a especulação de que o resgate começaria. Em seguida, o líder da operação, Narongsak Osottanakorn, confirmou que 13 mergulhadores haviam entrado na caverna para começar a trazer de volta os 12 meninos e seu técnico, de 25 anos. Além deles, outros socorristas estão na caverna a postos, incluindo mergulhadores de Tailândia, Estados Unidos, Austrália, China e Europa. "Esse é o dia D. Os garotos estão prontos para enfrentar esse desafio", afirmou no domingo. Narongsak disse ainda que todos os garotos foram examinados por um médico e estão "saudáveis fisicamente e mentalmente... Eles estão determinados e focados". Tanto o grupo quanto seus familiares concordaram que eles deveriam ser removidos do local assim que possível. Havia um forte clima de expectativa no acampamento onde se reúnem voluntários de todo o país e internacionais, familiares e jornalistas, segundo a repórter da BBC Helier Cheung. Horas depois do início, ambulâncias foram vistas deixando a área da entrada da caverna em direção ao hospital de Chiang Rai, e as autoridades começaram a confirmar o resgate dos meninos.
As freiras que, em vez de catequizar, defenderam cultura indígena e viram povo 'renascer'
Setembro de 2013, nordeste do Mato Grosso. A casa simples da freira Geneviève Hélène Boyé, a irmãzinha Veva, estava tomada por algumas dezenas de pessoas. No interior da residência, fora cavado um buraco retangular no chão de terra e, dentro dele, jazia seu corpo, pendurado em uma rede branca, a mesma na qual ela dormia todas as noites.
As irmãs em 1976, antes de abandonarem as roupas tradicionais de freiras Ao redor, índios Apyãwa - conhecidos também como Tapirapé - batiam levemente os pés no chão, balançando sutilmente o corpo, enquanto entoavam um longo canto lamurioso. Depois de a cova ser fechada com tábuas, as mulheres, chorando, peneiraram quilos de terra por cima, conforme sua tradição. Alguns não indígenas acompanhavam o ritual e repetiam os movimentos, entre eles Odile Eglin, a irmã Odila. A cerimônia aconteceu a cerca de oito mil quilômetros da terra natal das duas, a França. Integrantes da fraternidade Irmãzinhas de Jesus, as freiras viveram por décadas com - e como - os Apyãwa. Veva, que chegou com o primeiro grupo em 1952, lá ficou praticamente todo o tempo até morrer, 60 anos depois, quando foi enterrada pelo costume indígena, segundo sua escolha. Odila, que se juntou a ela em 1982, retornou a Paris em janeiro, encerrando um ciclo de 65 anos na comunidade: foi a última religiosa a viver com os Tapirapé. Quando Veva e mais duas freiras chegaram para estabelecer a primeira missão das Irmãzinhas nas Américas, a população Apyãwa estava reduzida a cerca de 50 pessoas e corria o risco de desaparecer. Hoje são quase mil, aproximando-se do tamanho que tinham no início do século 20. Epidemias entre indígenas Irmã Genoveva rema em canoa pelo rio Tapirapé; freiras abraçaram modo de vida dos indígenas A forte redução populacional na primeira metade do século passado foi provocada principalmente por doenças transmitidas por não indígenas, como gripe e varíola, contra as quais os Tapirapé não tinham anticorpos. A situação depois foi agravada por um ataque dos índios Kayapó, então seus inimigos. O papel das freiras para a recuperação desse povo lhes rendeu a alcunha de "parteiras dos Tapirapé", criada pelo teólogo Leonardo Boff. Elas atuaram primeiro no tratamento das doenças, mas depois também no fortalecimento cultural do grupo e na recuperação de seu território tradicional. Seu sucesso veio de uma fórmula nova de "evangelização": ao invés de catequizar os indígenas, elas se integraram ao seu modo de vida e buscaram elas mesmas serem Apyãwa. As religiosas viviam em casas semelhantes às dos indígenas, plantavam e comiam como eles e chegaram a participar em alguns rituais. A forma como Veva foi enterrada, na tradição tapirapé, sintetiza o espírito dessa relação, conta o cacique geral Warei Elber Tapirapé. "O povo Tapirapé sabe muito bem como elas trabalharam: respeitaram nossa cultura, nossa maneira de conviver entre nós e com a natureza. E a gente também foi apoiando elas. Essa relação foi em harmonia", resumiu ele em conversa com a BBC News Brasil em abril, durante o último acampamento Terra Livre (encontro anual de povos indígenas em Brasília). Nascida na França, irmã Odila foi a última religiosa a viver entre os Tapirapé, tendo retornado a Paris em janeiro O estilo dessas freiras segue os ensinamentos de Charles De Foucault, missionário francês beatificado em 2005 que viveu anos entre árabes nômades no norte da África na virada do século 19 para o 20, mas sem catequizá-los. Foi ele quem inspirou Magdeleine Hutin a fundar a fraternidade Irmãzinhas de Jesus em 1939, na Argélia, com propósito de atender comunidades vulneráveis, principalmente as mais isoladas. Abandono da catequese forçada A atuação dessas religiosas era algo inovador no Brasil e - após séculos de catequese forçada e massacre da cultura indígena - contribuiu para o desenvolvimento de uma nova forma de a Igreja católica lidar com os povos originários no país, processo que culminou na criação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), em 1972, observa Gilberto dos Santos, membro do secretariado nacional da organização. "Foi uma experiência muito forte porque eram religiosas num período em que a gente ainda não tinha essa leitura de respeito à cultura, de não catequese, que aparece no final dos anos 60", ressalta Santos. A antropóloga e demógrafa Marta Maria do Amaral, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), considera que a presença das religiosas foi "absolutamente fundamental" para a recuperação populacional dos Tapirapé. De um lado, destaca ela, o cuidado com a saúde e a segurança alimentar promovido pelas freiras permitiu que o grupo atingisse taxas de mortalidade infantil mais baixas que a de outros povos indígenas. Freiras em aldeia Tapirapé produzem tapioca a partir da mandioca, em 1992 Por outro, acrescenta, a própria valorização do modo de vida Tapirapé e seu empenho para ampliar a articulação do grupo deram "ânimo" para sua multiplicação. "A atuação das irmãzinhas ajudou muito o grupo a ter mais conhecimento, informação e, portanto, a se sentirem mais fortes para lutarem pelos seus direitos", resume Amaral. Trabalho em prol da saúde indígena No início, a principal atuação das freiras era nos cuidados de saúde. Elas tratavam os Apyãwa de doenças como gripe, sarampo, catapora e malária e acompanhavam os índios quando eles precisavam ir a unidades de atendimento, contou Odila à BBC News Brasil quando esteve em Brasília para o lançamento do livro "Parteiras de um Povo", dias antes de embarcar para a França. "Íamos na cidade para eles não ficarem perdidos, assustados, e para os médicos também terem vergonha na cara e atenderem melhor. E a gente tentava que os pajés pudessem ir juntos, (para que) o respeito mútuo das ciências pudesse se realizar. Isso nem sempre era possível, porque alguns lugares não aceitavam", recorda. Para além do cuidado com a saúde, porém, elas viraram confiáveis interlocutoras entre eles e o mundo fora da comunidade. As freiras atuaram na instalação de uma escola indígena na aldeia nos anos 70, reivindicação dos próprios Tapirapé, assim como participaram do longo processo de reconhecimento do seu território, homologado pelo governo federal como Terra Indígena Urubu Branco em 1998. Luiz Gouvêa e Eunice Dias foram os primeiros professores da escola e desenvolveram um método de alfabetização dos indígenas na língua tapirapé a partir do trabalho feito pela freira Mayie Baptiste, que estudou profundamente o idioma, e da linguista Yonne Leite. Hoje, conta Gouvêa, todos os professores da escola e seus administradores são índios Tapirapé, com formação em licenciatura intercultural indígena (curso oferecido em algumas universidades públicas do país). Irmãs ajudaram indígenas a construir primeira escola no território demarcado "Podemos dizer que é graças às Irmãzinhas de Jesus (que foi estabelecida a escola). Isso foi importante porque a escola foi também um apoio na luta pela terra, na organização indígena, na discussão das questões trazidas nas assembleias (com outros povos)", ressalta Gouvêa. Apesar da conquista da demarcação, persistem as invasões do território Tapirapé por madeireiros e criadores de gado. Uma parte da terra, ocupada por uma fazenda, está em disputa na Justiça. Em abril, o cacique Warei e outras lideranças Tapirapé, com assistência jurídica do Cimi, passaram horas na Funai, em Brasília, em reunião para tratar do processo. Ele lamenta que Odila não esteja mais na aldeia para participar dessa luta. "Ela mostrou alguns caminhos para nós, mas mesmo assim a gente sente um pouco de dificuldade para correr atrás das coisas, principalmente na questão do território", disse o cacique. Odila não queria deixar o povo, mas, já idosa, voltou à França em respeito à decisão da fraternidade, que hoje carece de novas freiras para dar continuidade ao trabalho. Os Tapirapé, porém, ainda alimentam a esperança em seu retorno, enquanto mantêm contato por email e WhatsAapp. Batismo de índios Irmãs Beth, Vera e Odila aprenderam a língua Apyãwa e deixaram de usar o hábito Antes das chegadas das religiosas, os Apyãwa já estavam em contato havia cerca de quatro décadas com o catolicismo por meio dos frades dominicanos, que os visitavam esporadicamente e os batizavam. Após o ataque Kayapó, esses missionários persuadiram os indígenas remanescentes a se reagruparem perto do posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI, órgão depois substituído pela Funai), nas margens do Rio Tapirapé. Apenas nos anos 90 eles retornaram à serra do Urubu Branco, território sagrado. Todo o processo de vivência e aprendizado com os indígenas foi registrado por elas em diários. O livro "Parteiras de um Povo" conta que, nos primeiros 20 anos da presença das religiosas na comunidade, as freiras tinham o desejo de "introduzir (os Tapirapé) pouco a pouco no conhecimento de Jesus", embora "sem coerção". No entanto, elas acabaram compreendendo que a força do grupo estava justamente nos seus rituais indígenas. "Todos os Tapirapé eram batizados quando chegamos. Para nós aparecia a questão: o que aportamos para essas pessoas que (em tese) são católicas?", ressalta Odila. "Aos poucos, as irmãzinhas perceberam que o ritual era a força vital deles. Acho que isso foi uma luz e que deu tranquilidade de dizer: 'esse povo não precisa ser católico para viver'. Mas isso não foi dito de um dia para o outro", conta. A prática do batismo acabou sendo abandonada gradualmente, assim como os hábitos de freira, que elas inicialmente vestiam, foram substituídos por roupas comuns. Os rituais católicos eram praticados com discrição. O filme histórico "Veva Tapirapé", da produtora católica Verbo Filmes, mostra a capela, um pequeno puxadinho na casa onde as religiosas moravam. Em um canto da parede, havia uma pequena imagem de Maria, no outro, uma cruz de madeira simples, sem a imagem de Cristo talhada. Irmãs prestaram serviços de saúde num momento em que grupo sofria com doenças infecciosas "Nosso modo de rezar, a capela, tudo isso a gente simplificou, simplificou, para pelo menos não chocar. Não ficar tão longe (dos costumes) deles", explicou Veva, em depoimento ao filme. Os Apyãwa acreditam na existência de vários espíritos com os quais se relacionam por intermédio da atuação dos pajés. Ao invés de uma postura de rechaço pela religião indígena, as freiras chegaram a participar de alguns rituais, por exemplo produzindo o cauim (bebida típica fermentada) para a festa de Kawiypyparakãwa (festa da dança em torno do cauim). Devido à localização da casa de Odila, ao sul da aldeia, parte das danças e cantos dessa cerimônia, que marca o fim do Ka'o (conjunto de cantos noturnos) e dos rituais da estação chuvosa, ocorriam dentro da sua residência. "Num primeiro momento achavam que batizar um índio seria uma coisa boa, mas depois entenderam que o Apyãwa tinha sua religião, sua cultura. Porque Takana, a casa dos homens, que fica no centro da aldeia, tem todos os segredo da vida. A questão da espiritualidade, a questão dos pajés, ter esse diálogo com as almas das florestas, as almas dos animais. Graças a elas até hoje o Apyãwa tem ainda sua cultura viva", disse à BBC Brasil Inamoreo Reginaldo Tapirapé, uma das lideranças. Por outro lado, conta ele, os indígenas também tinham a sensibilidade de respeitar os rituais católicos. "No Natal, as freiras faziam a missinha. Aí de manhãzinha as crianças (Tapirapé) levavam um presente para aquele menino (Jesus), tipo uma florzinha. Era uma forma de agradar também elas. Essa relação não é para destruir a cultura indígena, era uma forma de relacionamento de paz, de felicidade, de alegria", recorda. Igrejas evangélicas e indígenas Hoje, após a saída da fraternidade, os Tapirapé deparam-se com o assédio de outras religiões. Grupos evangélicos de cidades próximas têm tentado converter as famílias. "Vemos que as outras igrejas tentam entrar, mas nós, as lideranças, estamos impedindo. Elas entram devagarzinho, mas lá na frente começam a proibir a gente de fazer ritual, falar nossa língua. Eles começam a interferir dentro da comunidade, enquanto elas (as Irmãzinhas) não traziam esses problemas", afirma o cacique geral Warei. Quando freiras criaram primeira missão das Irmãzinhas nas Américas, a população Apyãwa estava reduzida a cerca de 50 pessoas e corria o risco de desaparecer Os dados do último censo nacional realizado pelo IBGE mostram que o número de índios evangélicos cresceu 42% entre 2000 e 2010, somando 210 mil, um quarto do total. Apesar disso, Odila se mostra otimista com a continuidade da tradição Tapirapé e aponta que hoje os povos indígenas têm muito mais apoio do que décadas atrás. "Eu penso que as religiões cristãs têm força mas eu não sei se nessa altura da vida do mundo elas têm o poder de acabar com esses povos. Acredito que não. Tenho essa tranquilidade dentro de mim", disse.
Amazônia Legal registra menor índice de desmatamento em 23 anos
A Amazônia Legal registrou, entre agosto de 2010 e julho de 2011, a menor taxa de desmatamento desde 1988, quando foi iniciada a mediação, afirmou nesta terça-feira a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
A região consiste em uma área de mais de 5 milhões de quilômetros quadrados que engloba nove estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica. Segundo a ministra, o mapeamento dos dados foi feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2011, houve uma redução de 8% na taxa de desmate na comparação com o ano anterior. Os dados foram obtidos a partir do mapeamento e da análise de 213 imagens capturadas por satélite e das atividades realizadas pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes). O anúncio faz parte do conjunto de medidas ambientais lançado pela presidente Dilma Rousseff em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta terça-feira.