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O ex-executivo do Facebook que largou tudo e prepara refúgio em ilha para sobreviver a 'apocalipse tecnológico'
Antonio Garcia Martínez, de 40 anos, vivia no epicentro da revolução digital, mais precisamente no Vale do Silício, região próxima de San Francisco, nos Estados Unidos, onde estão as sedes de algumas das principais empresas de tecnologia do mundo. Mas desde 2015 ele mudou radicalmente de vida ao chegar à conclusão que estaríamos prestes a enfrentar um "apocalipse tecnológico".
Ex-executivo do Facebook está se preparando para um futuro caótico criado pela tecnologia Martínez afirma que o avanço da tecnologia - em especial, da combinação entre automação e inteligência artificial - mudará radicalmente a economia global e fará com que empregos desapareçam em escala massiva. "Dentro de 30 anos, metade da humanidade não terá trabalho. E a coisa pode ficar feia, pode haver uma revolução. É por isso que estou aqui", diz ele em entrevista à BBC ao desembarcar armado com um fuzil em uma ilha próxima a Seattle, no noroeste americano, onde está criando um refúgio para se proteger caso a previsão se confirme. "Em San Francisco, eu vi como o mundo será daqui cinco a dez anos. Você pode não acreditar que está vindo, mas está - e tem a forma de um caminhão que dispensa motorista." Isolamento Refúgio fica em uma pequena ilha na costa noroeste dos EUA Martínez fez carreira no setor ao fundar uma empresa de anúncios online, que vendeu para o Twitter, e ir trabalhar no Facebook. Hoje, dedica boa parte do seu tempo a um terreno de cinco hectares no meio da floresta em Orcas, uma pequena ilha na costa do Estado de Washington, próxima da fronteira norte do país. Por enquanto, seu refúgio não parece ser grande coisa. Há apenas uma barraca, um gerador de energia, um balde onde faz suas necessidades, além de fios e painéis solares ainda não instalados. O acesso só é possível por uma estrada de terra, usando veículos com tração nas quatro rodas. "Ninguém conhece aqui. E dá para ir nadando ou de caiaque até o Canadá se a situação exigir", diz ele sobre os motivos que o levaram a escolher a região para montar seu abrigo, listando em seguida outras vantagens: "Clima ideal, uma grande comunidade, produção de alimentos autossustentável, e consigo defendê-lo caso as coisas saiam dos trilhos por um tempo." Munição, a 'moeda do novo mundo' Martínez diz que armas serão necessárias para protegê-lo de invasores Martínez deixa claro que será capaz de fazer isso ao atirar com uma AR-15 contra latas e garrafas de plástico que fazem as vezes de alvos improvisados à distância - e acertar todos eles. "Há 300 milhões de armas nos Estados Unidos, uma para cada homem, mulher e criança, e a maioria delas estão nas mãos das pessoas que perderão seus empregos", afirma. "Garanto a você que munição será a moeda corrente desse novo mundo." Ele não é o único a prever o desaparecimento em massa de muitos postos de trabalho. O pesquisador Carl Frey, da Universidade de Oxford, acredita no mesmo. Ele estima que 35% dos empregos no Reino Unido corram risco de desaparecer nos próximos 20 anos com a criação de robôs capazes de realizar as mesmas funções. Esse índice é ainda maior nos Estados Unidos, onde chega a 47% - e ultrapassa 50% em países em desenvolvimento. Por isso, o americano garante que outros no Vale do Silício estão tomando as mesmas precauções. "Eles têm suas próprias estradas, compram terrenos, têm um monte de armas, poços artesianos e tudo mais. É algo como o que tenho, talvez menos rústico, menos hippie, mas bem parecido." Dívida Local no meio da floresta ainda tem poucas instalações, como esta barraca De fato, Reid Hoffman, cofundador da rede social LinkedIn, estimou em uma entrevista à revista The New Yorker que cerca de metade dos bilionários da região têm algum tipo de "seguro contra o apocalipse". Mas e quanto ao restante das pessoas que não têm uma fortuna para investir em refúgios assim? Martínez garante não se preocupar com isso: "A vida é curta, e nós morremos sozinhos." Ele afirma que sua maior contribuição é divulgar sua previsão e contar sobre seus preparativos. "A única dívida que nós profissionais da tecnologia temos é essa. Poucas pessoas estão falando sobre isso e informando o público em geral", diz. "A tecnologia vai acabar com empregos e abalar economias antes mesmo que a gente seja capaz de reagir, e deveríamos estar pensando sobre isso."
Sudoku
Os japoneses, impedidos de praticarem as artes marciais, em sua acepção ocidental (vide guerras primeira e segunda, Coréia, Vietnã e Iraque), além de, com sutileza oriental, tentarem nos confundir com novidades tecnólogicas, automóveis de qualidade, além de práticas e quitutes que, em nossa ignorância, chamamos de “exóticas”, feito o feng chui e os gibis e desenhos animados que viram a cabeça de nossa criançada, estão agora investindo de novo na nobre arte de nos enlouquecer.
Teve – e tem – o Go, que quem conhece deixou de me cumprimentar há muito, devido às exigências que a disciplina do chamado “jogo” faz de quem o pratica. Chegou agora, ao menos aqui na Grã-Bretanha, velha inimiga dos filhos do Sol Nascente, feito se dizia nos maus filmes e piores ainda histórias em quadrinhos relativos à Segunda Guerra, chegou agora o Sudoku, que escrevo e pronuncio em maiúsculas por respeito e medo e “paraxitono” por uma questão de bom senso. Os brasileiros somos muito novidadeiros e, em diversas coisas, muito, mas muito a frente desta ilha aqui. Capaz aí de ser jornal de ontem. O que me leva ao meu jornal de ontem e de hoje. Compro na esquina todos os dias o Guardian. É de esquerda liberal, tradicional, admiro porque entendo muito pouco de suas reclamações do governo, mas gosto de seus colaboradores, de sua cobertura internacional e cultural, essas coisas todas que fazem de um camarada freguês. Eles, lá do Guardian, resolveram agora tacar todos os dias, na página dois, o tal do Sudoku. Por que, meu Senhor, não ficaram nas, já para mim, indecifráveis palavras cruzadas? Em sua aparência o Sudoko é simples. É um quadradão com 9 quadradinhos dentro. Em cada um deles, 1, 2, 3 ou até mesmo 4 números, de 1 a 9. O negócio é botar, em cada quadradinho, os números que faltam, de forma que cada coluna e cada linha dos quadradinhos 3 por 3 contenham todos os números de 1 a 9. Parece a coisa mais simples do mundo. Estou tentando até hoje o primeiro Sudoku publicado, na segunda-feira, dia 9 de maio. Isso está me levando à loucura. Já me bastam os problemas que tenho. Para mim, a promoção funcionou ao contrário. Estou pensando seriamente em me passar para um jornal de direita. Basta não ter Sudoku.
'A alternativa para os próximos 20 anos é uma forma sustentável de capitalismo, que não será vista como capitalismo'
Um grande ponto de interrogação se coloca sobre o mundo neste momento: o que vai acontecer depois da pandemia de covid-19?
Paul Mason é autor de 'Pós-Capitalismo: Um Guia para o Nosso Futuro' A pergunta recai sobre as coisas mais mundanas e concretas — como quando voltaremos a dar as mãos ou abraçar nossos amigos — até as mais abstratas e aparentemente mais distantes: nossas liberdades individuais serão afetadas? Será o fim da globalização? O que acontecerá com o capitalismo? Esta última parece ir ao cerne do momento que vivemos atualmente. O capitalismo é mais uma vítima da crise ou seu causador? Como o sistema deve mudar para se adaptar a novas realidades? Há apetite para uma mudança desse porte entre as classes dirigentes e os empresários? O britânico Paul Mason dedicou parte da vida para refletir sobre o capitalismo. Como jornalista, cobriu parte das grandes crises econômicas e dos movimentos sociais das últimas décadas. Como intelectual, além de um livro de ficção e uma peça de teatro, escreveu sobre os mesmos temas: a classe trabalhadora, a crise financeira de 2008 e os diferentes protestos globais como a Primavera Árabe, Ocuppy Wall Street e os "indignados" da Espanha. Fim do Talvez também te interesse Mas fora suas últimas obras — PostCapitalism: A Guide to Our Future ("Pós-capitalismo: Um guia para o nosso futuro", editado pela Cia das Letras) e Clear Bright Future: A Radical Defence of the Human Being (ainda sem edição no Brasil) — que o tornaram um nome conhecido internacionalmente, envolvido em vários debates sobre o estado atual do capitalismo e seu futuro. A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com Paul Mason em Londres, onde ele vive. A peste negra foi a epidemia que mais matou na História BBC - Em um artigo recente, o senhor traça um interessante paralelo entre o que acontece hoje e o que aconteceu depois da epidemia de peste negra, no século 14, que marcou a transição do feudalismo para o capitalismo. Paul Mason - Um dos temas do meu trabalho é que, como o feudalismo, o capitalismo tem um começo, um meio e um fim. Em meu último livro (Clear Bright Future: A Radical Defence of the Human Being), digo que o fim de um modo de produção de um sistema econômico é com frequência uma mistura de suas fraquezas internas com o que chamamos de "choques externos" ou exógenos. Então, para nós, a mudança climática se manifesta como um choque exógeno, porque o único capitalismo industrial que conhecemos está baseado na extração de carvão e na destruição da biosfera. É possível que, em um universo paralelo, o capitalismo tivesse se desenvolvido a partir da energia limpa e em harmonia com a natureza, mas não foi assim. Há ainda a questão do envelhecimento populacional, que possivelmente levaria à falência 60% dos países até meados deste século porque não haverá gente o suficiente para sustentar uma população envelhecida. O coronavírus é outro fator que parece ser um choque externo. Mas meu argumento é que, ainda que todos pareçam choques externos, na realidades são produzidos pelo próprio capitalismo. Esse é o problema: o tipo de capitalismo que temos destrói as florestas tropicais e cria condições para que milhões de pessoas vivam em situação vulnerável. E no mundo desenvolvido — provavelmente não tão óbvio para alguns leitores na América Latina — ele tem criado "doenças da pobreza". Há muita gente morrendo de obesidade em Londres, com diabetes tipo B ou enfermidades nos pulmões porque fumou a vida inteira. O paralelo que faço com a peste negra é limitado, mas vale a pena ser explorado, porque a epidemia foi responsável por duas coisas: primeiro, interrompeu o modelo econômico do feudalismo porque não havia componeses para cultivar a terra. E nas cidades não havia pessoas o suficiente que soubessem trabalhar com o que era a principal matéria-prima da época, a lã. Nas revoltas que eclodiram depois da peste negra, sempre houve participação dos trabalhadores que manufaturavam a lã. Protestos em Wall Street em 2008: para Mason, capitalismo financeiro é danoso para o próprio capitalismo O outro impacto — e maior — foi a quebra da ideologia. Porque fez com que as pessoas dissessem: "Isso (o modelo) não está funcionando." Entre aqueles que estudaram aquele período há um livro brilhante que se chama Lust for Liberty ("Desejo de liberdade", em tradução livre), de Samuel K. Cohn. O título já diz tudo: ao final da epidemia, as pessoas se deram conta de que o sistema não as estava protegendo. Se pensa no feudalismo — e acredito que na América Latina a imagem seja desses grandes senhores de terras, pois as revoltas coloniais também foram contra os grandes senhores de terras —, e a cultura entre esses donos de terra era o paternalismo. O proprietário está ali para explorar, mas também para proteger. E o que aconteceu no século 14 foi que as pessoas disseram: "Espera aí, isso não está nos protegendo". E a palavra liberdade começou a ser usada e disseminada. Nós pensamos na palavra "liberdade" no contexto da Revolução Francesa, mas desde 1360 observamos o uso da palavra "libertas", em latim, pelos revolucionários. BBC - Algo que me chama atenção nesta comparação é que a peste negra marcou a transição do feudalismo para o capitalismo, o que, de alguma maneira, permitiu o Renascimento e o que conhecemos como Idade Moderna. Há mais ou menos 40 anos se fala do fim dessa Idade Moderna e do que, por falta de uma expressão melhor, se chama "pós-modernismo". Como se novamente uma epidemia estivesse marcando a transição para um período distinto… Mason - É interessante, mas não vejo as coisas assim. Há muita coisa em jogo. Minha posição é a de que temos em nível global um sistema econômico que não funciona. E é um sistema que depende que um mundo rico bombeie recursos para um mais pobre e, por sua vez, que este mundo pobre bombeie lucro de volta ao rico. É uma simplificação extrema, mas é assim que funciona. Isso gerou grande desenvolvimento no hemisfério sul do planeta — algo bom para a região —, mas, ao mesmo tempo, cria pobreza e desigualdade, inclusive no mundo desenvolvido, tanto ao ponto de mostrar que o sistema não é sustentável. Em 2008, dissemos: "Há muita dívida". E a razão foi que os bancos centrais imprimiram muita moeda e as pessoas usaram isso para especular. E a solução foi US$ 75 bilhões extras em dívida e mais dinheiro por parte dos bancos centrais. Estamos tentando curar a doença… com mais doença. E a doença é o capitalismo financeiro. E qual a cura que se está oferecendo para a crise de covid-19? Mais dinheiro por parte dos bancos centrais, mais dívida. Então, antes de falar de Modernidade, devemos falar de algo muito mais recente: o modelo econômico neoliberal, que está baseado em uma profunda desigualdade, especulação financeira extrema e baixos salários. Um modelo que em algum momento funcionou, mas que não funciona mais. Indústria automotiva destruiu empregos quando surgiu, mas acabou gerando outros Deixemos de lado a questão da dívida. Se você pensa em uma franquia da Starbucks, ela trabalha com uma margem de lucro bem pequena, porque está em constante pressão para reduzir preços. Se a Starbucks decide aumentar o preço do café, o McDonald's reduz imediatamente. Então estamos diante de algo que há sido chamado de "capitalismo just in time", onde praticamente não há estoque. É o que temos no serviço de saúde britânico: deixamos que ele opere em sua capacidade máxima, assim não há camas ou respiradores sobressalentes. E isso não pode continuar assim. O que se necessita é de capacidade. No futuro fará sentido que a Starbucks tenha várias lojas com cafés de cada país. Fará sentido que elas tenham empregados adicionais, porque essa situação deve continuar e eles devem em algum momento ter algo como 10% da força de trabalho doente a todo momento. E, logicamente, o serviço de saúde britânico deveria ter mais camas, mais médicos, mais enfermeiros. Mas, se tudo isso acontecer, todo o modelo neoliberar vai ruir. Então esse é meu ponto. Estamos diante de um modelo que já se esgotou e acredito que a tarefa para aqueles envolvidos na política é pensar em uma solução. BBC - Porque a resposta não pode ser a mesma que a maioria dos países deu em 2008, certo? Austeridade, cortes em áreas como a saúde... Isso parece estar no centro de tudo o que está errado neste momento. Mason - Exatamente. Temos que rechaçar a austeridade, não só porque ela afeta mais aqueles que têm menos, mas porque se você a combina com a maior disponibilidade de recursos por parte dos bancos centrais… Pense em termos da quantidade de dinheiro circulando: se um governo coloca mais dinheiro para circular, mas ao mesmo tempo está cortando gastos, o único lugar para onde esses recursos podem fluir é para os mais ricos. Então, essa combinação de imprimir mais moeda enquanto se reduz o Estado só vai produzir mais desigualdade. E digo o seguinte a seus leitores: qualquer governo da América Latina que se proponha a fazer essas duas coisas ao mesmo tempo está conscientemente enchendo o bolso das classes mais altas. Como jornalista, Paul Mason trabalhou para a BBC e para o Channel 4, na Inglaterra BBC - O que você acha que vai acontecer? Porque estamos diante de mudanças que nunca se pensou que ocorreriam com tanta rapidez: países aprovando uma renda básica universal ou a nacionalização de alguns setores da economia… Isso deve continuar? Mason - Não. Veja, é possível pensar na nossa cabeça que o livre mercado funciona perfeitamente bem e que vai corrigir tudo em circunstâncias normais, mas o que precisamos agora é de forte intervenção estatal. O que estamos vendo com Trump ou com os conservadores no Reino Unido que estão tomando as medidas corretas, ainda que com lentidão: fechar a economia e a reconversão de algumas companhias às mãos do Estado. Mas o que vai acontecer quando as pessoas se derem conta de que a normalidade não vai retornar? Acredito que precisamos de três coisas. Primeiro, que o governo tenha uma participação em todos os negócios estratégicos. Isso não é o mesmo que resgatá-los financeiramente. Pode-se dar-lhes algum dinheiro, mas com algumas condições, como que mantenham toda a força de trabalho que possam — no caso das empresas do setor aéreo e as petroleiras, pode-se pedir que comecem a fazer uma transição para a tecnologia verde. E que o Estado seja dono de parte da empresa. Você mencionou a renda básica. A longo prazo, a melhor maneira para que isto funcione é através de algo chamado de serviços básicos universais. Quer dizer, usar o dinheiro dos contribuintes para garantir renda para todo mundo, mas também para prover serviços básicos gratuitos: saúde, educação universitária, moradia acessível e transporte barato ou gratuito nas cidades. O problema nesta crise é que nada disso vai ajudar, porque o que as pessoas precisam neste momento é dinheiro. Assim, no curto prazo precisamos que cada país tenha um esquema de salário básico universal. Finalmente, a terceira coisa que creio que precisamos é que os bancos centrais comprem a dívida do governo, se necessário, de maneira indireta. Isso é um anátema para a economia de livre mercado porque basicamente é o governo decretando o fim da independência dos bancos centrais — algo que era uma ficção, de qualquer maneira. É o governo emprestando a si mesmo. Para muitos isso não faz sentido, mas teríamos que pensar da seguinte maneira: estaríamos concedendo um "empréstimo ponte" (modalidade que algumas instituições financeiras condecedem quando seus clientes necessitam de liquidez imediata) ao futuro. A conta seria paga por aqueles que estivesse vivos daqui 50 ou 100 anos. Porque, se pagássemos os custos agora, as pessoas não morreriam apenas pela doença. A própria democracia poderia morrer. E em um momento em que ela já está frágil — veja Trump e Bolsonaro —, se permitirmos uma depressão na escala de 1929 creio que em muitos países a democracia evaporaria. BBC - Algo que o senhor analisava quase cinco anos atrás em "Postcapitalism", seu livro anterior, é que o capitalismo havia perdido sua capacidade de se adaptar, em especial o neoliberalismo. O que pensa sobre esse tema hoje? Mason - O capitalismo pode se adaptar a essa crise, mas assumirá uma forma bem diferente. Ficará tão diferente que muita gente nem o enxergará como capitalismo. Agora mesmo há muitas oportunidades para o investimento privado. Na área de educação, por exemplo, ou no entretenimento. O faturamento da Netflix está aumentando, seu problema é não conseguir produzir conteúdo novo neste momento. Mas está lá a oportunidade para que as pessoas criativas o façam. Por exemplo: acho que a animação voltará a ser bastante popular. Não estou dizendo que essa crise vai significar o fim do capitalismo. O ponto do meu livro era diferente: que o capitalismo havia perdido sua capacidade de se adaptar a mudanças tecnológicas. Sim, é verdade. Em essência, em todas as revoluções tecnológicas anteriores, as novas tecnologias eliminavam formas antigas de trabalho. Por exemplo, as pessoas que usavam cavalos ou carroças ficaram sem trabalho no início do século 20, com a criação do automóvel. Mas novos postos de trabalho foram criados nas fábricas de veículos. E assim o capitalismo vai se adaptando. O problema é que a tecnologia da informação atualmente destrói formas de trabalho mais rapidamente do que cria — e em particular elimina empregos com alta remuneração. Claro que ele também cria a função do desenvolvedor de software, que é bem pago, mas agora muito do processo de desenvolvimento de software está automatizado. O clássico trabalho manual bem remunerado era o de fabricante de ferramentas para maquinário. E então havia um engenheiro talentoso que era capaz de desenhar e fundir em metal algo que era tão precioso que poderia construir aviões com ele. Agora ele faz um computador. Essa é a ideia que trato de explicar quando falo da capacidade de adaptação do capitalismo, mas a crise causada pela covid-19 é um problema a mais. BBC - O senhor segue acreditando que é possível ver as sementes desse pós-capitalismo no ambiente em que vivemos hoje? Mason - A tecnologia da informação permite que o lucro venha cada vez mais fácil. Também cria a possibilidade de automatização rápida. Cria um efeito de rede que produz novos materiais. Por exemplo: quando descobrirmos uma vacina contra o coronavírus, independentemente da decisão dos fabricantes de cobrar ou não por ela, o fato é que ela poderia estar à disposição do mundo inteiro no dia seguinte. E de forma gratuita. Hoje é muito fácil fabricar uma vacina com uso da tecnologia da informação. Basicamente, a tecnologia da informação está dificultando que o capitalismo seja capitalista. Agora, temos modalidades diferentes de propriedade, como a Wikipedia, o movimento "open source", plataformas de cooperação. Em Postcapitalism eu argumento que nos levará tempo para amadurecer um sistema alternativo. E creio que o fato de que agora mesmo estejamos enfrentando uma crise de funcionalidade do modelo existente deveria fazer as pessoas pensarem nas alternativas de que dispomos. Para mim, a alternativa para os próximos 20 anos é uma forma mais sustentável de capitalismo. Quero dizer mais verde, menos excludente, sem especulação financeira. Continuará sendo capitalismo, mas muitos não o enxergarão como tal. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Terremoto de 7,1 graus atinge a Indonésia
Um terremoto de 7,1 graus na escala Richter atingiu na madrugada desta terça-feira (tarde de segunda-feira no Brasil) uma localidade a 236 km de Saumlaki, nas ilhas Tanimbar, na Indonésia.
O epicentro do tremor ocorreu a 157 km de profundidade. As áreas povoadas mais próximas pertencem à Indonésia e ao Timor Leste. Até agora, o Centro de Alerta de Tsunamis do Pacífico não registrou nenhum alerta de tsunami como consequência do sismo. Desde 1900, foram registrados 22 terremotos com magnitude igual ou superior a 7,5 nos arredores da ilha de Nova Guiné. A Indonésia encontra-se numa região conhecida como "Anel de Fogo" do Pacífico, onde os terremotos e a atividade vulcânica são comuns. Tópicos relacionados
'Amazônia é como a bolsa de valores: dependendo do sinal do governo, os crimes ambientais aumentam', diz procurador da força-tarefa
Para o procurador Daniel Azeredo, do Ministério Público Federal (MPF), o discurso leniente do governo Jair Bolsonaro em relação ao desmatamento da Amazônia tem incentivado a destruição da floresta. Para exemplificar, ele compara a floresta à bolsa de valores.
Área desmatada perto de Apuí, Amazonas; o procurador Daniel Azeredo diz que discurso leniente do governo tem incentivado destruição ambiental "A Amazônia funciona como uma espécie de bolsa de valores. Se o governo sinaliza que é contra uma postura mais forte de fiscalização, critica os órgãos ambientais, não nomeia pessoas técnicas para cargos de chefia, isso passa uma mensagem muito forte para a região. E os crimes ambientais aumentam em seguida", disse o procurador, em entrevista à BBC News Brasil. Azeredo é membro da Força-Tarefa Amazônia e um dos idealizadores do projeto Amazônia Protege, que utiliza imagens de satélites para processar suspeitos de desmatamento na região. Ele também faz parte do grupo de 12 procuradores do MPF que pediu o afastamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por improbidade administrativa. Criado há exatos três anos, o projeto Amazônia Protege utiliza imagens de satélite e cruzamento de dados públicos para instaurar ações civis públicas contra os responsáveis pelos desmatamentos ilegais com mais de 60 hectares registrados pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes/Inpe). Procurador Daniel Azeredo atua há 15 anos em investigações sobre desmatamento na Amazônia Ao todo, mais de 3.500 processos contra foram abertos a partir desses dados nos últimos três anos, embora o procurador reconheça as dificuldades para identificar os criminosos, além da demora em obter condenações definitivas diante da lentidão da Justiça brasileira. Na entrevista à BBC, Azeredo falou sobre o perfil do desmatador da Amazônia, dificuldades para seguir com as investigações, garimpo em áreas indígenas e a atuação do ministro Ricardo Salles. Confira abaixo. BBC News Brasil - Como funciona a força-tarefa Amazônia Protege? Daniel Azeredo - Sempre entendi que o Brasil tem tecnologia de ponta para monitorar a floresta, um modelo para o resto do mundo. Se uma pessoa começa a desmatar hoje, nós temos imagens de satélite que enxerga esse movimento, quantificando (os dados) com uma precisão excelente. Mas nunca usamos essa tecnologia para tentar punir os criminosos. Sempre agimos de maneira tradicional: vamos atrás do sujeito com viaturas de fiscalização. Mas, claro, seja por falta de servidores e estrutura, além das grandes distâncias, é impossível ir a campo em todos os crimes que ocorrem. Temos um número conhecido de desmatamento: no ano passado, foram desmatados 9.500 km² na Amazônia. Mas quais são esses pontos, quantos crimes foram cometidos para chegar nesse total? Em média, nós temos de 30 a 40 mil pontos de desmatamento por ano. É muito difícil ir a todos esses lugares diferentes. Usamos a tecnologia para várias situações comuns do dia a dia. Se você passa no sinal vermelho, não precisa ter um guarda ali para te multar. O próprio radar fotografa a infração, e a multa chega pelo correio. Pensamos o seguinte: 'por que não conseguimos usar essa tecnologia para o crime ambiental?'. É isso que motiva o projeto: utilizar melhor a tecnologia que já existe há anos para fins punitivos. Queremos criar uma cultura que não existe no país: quem comete o crime, acredita que só será punido se o Ibama bater na porta da casa dele. É muito comum em alguns municípios as pessoas desmatarem porque não há ninguém do Ibama. O que a gente quer passar é uma mudança de lógica, dizendo: 'você está sendo visto pelo satélite 365 dias por ano, agora você vai receber a notificação para responder ao processo'. BBC News Brasil - Mas como é possível chegar exatamente nas pessoas que desmatam? Pois a tecnologia ainda não chega nesse nível de detalhamento… Azeredo - Esse é o grande desafio, inclusive para fiscalização de campo. Quando a gente vê o desmatamento pelo satélite e manda a fiscalização do Ibama ao local, geralmente o fiscal não multa o real infrator. O infrator não fica na mata, ele se esconde. Ele é um empresário, que tem dinheiro, pois desmatar custa caro. O desmatamento é uma empresa: tem gerente, tem capanga, tem o dono… Procurador destaca importância da integração de monitoramento por satélite e punição em 'terra' Então, nesse contexto, quem toma multa do Ibama é uma pessoa que não tem patrimônio, não tem nada em seu nome, geralmente é um miserável que está ali trabalhando para ganhar dinheiro para sua sobrevivência. Essa pessoa é multada em R$ 50 milhões, mas essa multa não é paga. Identificar quem é o real desmatador é o grande desafio. O que conseguimos fazer com a tecnologia? Primeiro, cruzamos a área desmatada com todos os bancos de dados públicos existentes. Sabemos se a pessoa fez o cadastro ambiental rural, se ela se cadastrou no Terra Legal para reparação fundiária, se algum dia ela foi multada pelo Ibama, se ela está no CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) do Incra e ou se tem seu nome vinculado àquela área. Então, essa pessoa vira réu da ação. Ainda assim, ela pode ser um laranja, usado para que o real desmatador não seja descoberto nem punido. O que fazemos nas ações judiciais? Identificamos a área com latitude e longitude. No Brasil, quando se fala de obrigação civil, existe a responsabilidade da coisa. Se você compra uma fazenda hoje e ela não cumpre a legislação ambiental, a responsabilidade de fazer cumprir é de quem comprou. Não é de quem estava lá antes da venda. Se você compra uma coisa, os deveres da coisa te seguem. Pedimos o seguinte: a pessoa que está produzindo nessa área específica, com latitude e longitude, tem que recuperar a área que foi desmatada ilegalmente. E mais: se a área é patrimônio público, ela precisa voltar para o Estado, independente de quem for o ocupante. BBC News Brasil - Qual o resultado dessas milhares de ações? Já se sabe quantas pessoas foram punidas? Azeredo - Nesses três anos, a gente tem mais ou menos 3.500 ações propostas, ajuizadas. Estamos levantando agora a situação de cada processo, pois nos perdemos um pouco nesse universo. Até o final do ano, vamos ter dados estatísticos sobre o que aconteceu com cada uma das ações. A gente já tem condenações em alguns locais. Mas temos casos de 'réu incerto'. Depois que fazemos todo esse cruzamento de dados de determinada área, pode acontecer de não não encontrarmos ninguém. Nesse tipo de ação nós dizemos que 'o criminoso está se escondendo', ou seja, o réu é incerto. Então pedimos que, na lógica de responsabilidade, qualquer pessoa que esteja produzindo nessa área desmatada seja obrigada a indenizar e recuperar o dano. De 10 a 15% das nossas ações têm réu incerto. Mas o MPF perdeu essa tese no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Entramos com recurso no Superior Tribunal de Justiça para tentar reverter. O ideal seria que já tivéssemos casos julgados em definitivo no Superior Tribunal de Justiça. Com esses precedentes, quando um juiz recebesse a ação, ele poderia dar um trâmite mais rápido. A gente sabe que os processos no sistema judiciário brasileiro não terminam rápido, em média. Com as condenações, acho que a nossa força-tarefa pode ganhar força. BBC News Brasil - Há processos de desmatamento que demoram décadas para serem julgados. O que impede que essas ações tramitem com mais rapidez? O MPF também tem responsabilidade sobre essa lentidão? Azeredo - Em regra, o MPF não fica com os processos, ele despacha rápido, devolvendo à Justiça. Eu poderia falar por três horas sobre os problemas do Judiciário que causam essa lentidão. Mas vou elencar alguns pontos: 1) é preciso priorizar casos mais importantes e dar celeridade a eles, como faz qualquer empresa. 2) Temos muitas ações iguais, com as peças padrões, muitos deles já julgados. Nesses casos, o Judiciário precisa ter mecanismos para que os processos não se multipliquem, utilizando súmulas. Outro problema é que as instâncias superiores, como STJ e o STF, têm uma abertura muito grande para receber recursos de outras instâncias. Quase tudo no país pode ser julgado quatro vezes. O ideal seria que o STJ e STF julgassem poucos casos, ou apenas esses que sirvam de modelo para serem replicados pelas demais cortes. BBC News Brasil - O quanto essa morosidade da Justiça é um incentivo para o desmatamento? Azeredo avalia que impunidade 'com certeza incentiva que haja mais crimes' Azeredo - Na faculdade de Direito, a gente aprende que quando a punição demora demais, ela perde o sentido. A comunidade envolvida vê os crimes serem cometidos e não assiste à punição. Isso com certeza incentiva que haja mais crimes. Isso ocorre no Brasil não só na área ambiental, mas em vários outros setores da sociedade. BBC News Brasil - O sr. falou que os grandes desmatadores não são as pessoas que vão aos locais desmatar de fato. Qual o perfil desse grande desmatador? Azeredo - Em geral, ele é um empresário que tem negócios variados, e ele precisa lavar dinheiro. Desmatar 2.000 hectares, por exemplo, custa muito dinheiro. É preciso investir alguns milhões de reais para fazer isso: comprar maquinário, contratar bastante gente, além de ter o risco de punição, multa. Normalmente, essa pessoa se esconde. Ela não aparece em momento nenhum, ela não vai à área durante o desmatamento. Quando o Ibama vai, essa pessoa não é encontrada: muitas vezes, quem está ali trabalhando nem conhecem esse empresário que está lucrando. Esse empresário, quando não é da região, tem uma diversidade de negócios. Se ele for local da Amazônia, ele domina o município e tem uma proximidade com o poder político local muito forte. O fato é que o desmatamento da Amazônia é muito lucrativo, o retorno financeiro é alto, e o risco de punição é muito baixo. BBC News Brasil - O sr. acredita que o discurso, digamos, leniente do governo Bolsonaro em relação ao garimpo ilegal e desmatamento tem incentivado essas ações criminosas? Azeredo - Fui um dos 12 procuradores que assinaram aquela ação contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Pedimos a condenação dele por improbidade administrativa e seu afastamento do cargo. Nessa ação, narramos como suas ações e seus discursos incentivaram o aumento do cometimento de crime. Costumo dizer que temos um juiz totalmente imparcial e claro para julgar o sucesso ou fracasso de nossa política ambiental: esse juiz são as imagens de satélite que mostram o quanto a gente está desmatando. Se ele aumenta, é porque estamos no caminho errado. E esse aumento veio, e é significativo. Os números estão aí sendo mostrados diariamente. A Amazônia funciona como uma espécie de bolsa de valores. Se o governo sinaliza que é contra uma postura mais forte de fiscalização, critica os órgãos ambientais, não nomeia pessoas técnicas para cargos de chefia, isso passa uma mensagem muito forte para a região. E os crimes ambientais aumentam em seguida. BBC News Brasil - Como o sr. analisa a gestão do ministro Ricardo Salles? Azeredo - Nessa ação, nós apontamos que a gestão cometeu uma série de atos, discursos e omissões intencionais que violam a legislação e a Constituição, e que constituem improbidade administrativa. E que ele deveria ser afastado do cargo. Procurador da Força-Tarefa da Amazônia diz que Salles 'deveria ser afastado do cargo' BBC News Brasil - O governo tem tirado dinheiro de órgãos de fiscalização, como o Ibama. Como tem sido o trabalho de investigação em parceria com esses órgãos diante do enfraquecimento deles? Azeredo - É uma dificuldade muito grande. É muito fácil fazer um órgão público não trabalhar. Teve uma medida que proibiu fiscais do Ibama de receber diárias pelo sábado e pelo domingo. Mas não faz muito sentido você enviar um servidor do Rio Grande do Sul ao Pará, e ele não poder trabalhar nesses dias. Temos uma ação judicial no Estado do Amazonas em que pedimos uma série de ações do Ibama, para fazê-lo funcionar, sair da omissão.... O juiz deu a decisão favorável, mas depois o tribunal cassou. BBC News Brasil - Como o sr. vê a atuação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, no campo ambiental? Azeredo - Institucionalmente, nunca falei do trabalho de nenhum colega, nem do Procurador-Geral nem de outros procuradores. Acho que a opinião pública tem os elementos para fazer essa análise. No caso da ação contra o ministro Ricardo Salles, um órgão que eu integrava, a 4ª Câmara de Meio Ambiente do MPF, formalizou uma representação para o Procurador-Geral da República narrando uma série de crimes. O Procurador-Geral arquivou a ação. BBC News Brasil - O MPF travou duros embates com o governo federal nas gestões do PT, como a construção de hidrelétricas na Amazônia. Como o sr. compara aquele momento com o atual? Azeredo - Nunca tivemos uma gestão ambiental adequada no Brasil. Vivemos períodos de melhorias, principalmente de 1993 até 2011, quando houve criação de unidades de conservação e de terras indígenas, e mudanças positivas na legislação. Mas, a partir de 2011, houve uma fragilização da política ambiental, com regração fundiária de pessoas que cometeram crimes, o novo Código Florestal, a interrupção da criação de novas terras indígenas e unidades de conservação. De 1994 até 2009, nós conseguimos uma redução do desmatamento. Mas, no início da década, começou um deterioração da política ambiental. Agora, isso se acentuou e o discurso ficou mais forte. Os números apontam claramente o que está acontecendo. O problema é que nunca tivemos medidas estruturais. Se tivéssemos uma governança ambiental e arcabouços legais bem consolidados na Amazônia, quando um determinado governo tivesse intenções contrárias, ele não conseguiria fazer grandes estragos. E isso não acontece hoje. BBC News Brasil - A Constituição estabelece que cabe à União demarcar terras indígenas, mas Bolsonaro diz abertamente que não demarcará nem mais um centímetro. O MPF não poderia ter uma atitude mais incisiva nesse tema, cobrando a Justiça a fazer valer a Constituição? Azeredo - Sei que há procuradores que estão trabalhando com isso, há várias ações que buscam essas demarcações. Essa falta de demarcação não vem de agora, se acentuou no início da década. Agora, talvez tenha piorado. BBC News Brasil - Sem apresentar provas, o presidente Bolsonaro tem culpado os índios pelas queimadas e desmatamento, inclusive na ONU. Como o sr. vê essa posição? Azeredo - Os dados mostram o contrário. Muito se discutiu se deveríamos ter unidades de conservação com povos indígenas ou comunidades tradicionais. Mas logo nós percebemos que os locais com populações que vivem da floresta são onde mais se preserva a floresta e o meio ambiente. As imagens de satélite mostram claramente isso. Quando analisamos queimadas em terras indígenas, em regra elas são feitas por pessoas que estão invadindo essas comunidades. Ou seja, não vejo embasamento para essa tese. Nossas investigações e os dados produzidos por instituições de pesquisa não mostram esse cenário (descrito pelo presidente). Em discurso na ONU, presidente brasileiro associou, sem provas, queimadas a povos tradicionais BBC News Brasil - Alguns setores do agronegócio passaram a apoiar iniciativas contra o desmatamento. O sr. acredita que essa posição é sincera ou apenas uma campanha de relações públicas para melhorar a imagem do setor? Azeredo - Já tem um tempo que o agronegócio tem se aproximado de discussões com o Ministério Público e com ONGs sobre a importância da questão ambiental. Hoje enxergo que a maioria do agronegócio brasileiro entende a necessidade do cumprimento da legislação ambiental. Um estudo recente UFMG que mostra que quem desmatou ou cometeu queimada ilegal no último ano representa apenas 4% das propriedades rurais. Ou seja, há uma minoria lucrando com o crime, e prejudicando a imagem de toda uma maioria. Mas é claro que existe também uma pressão internacional, o recado está sendo dado. Já há notícias de que algumas empresas começam a sofrer dificuldades para comercializar. Os empresários estão vendo esse cenário, e é natural que eles tentem proteger sua atividade econômica. Há outro fator que é a questão da água. Estudos mostram que a produção de água, que é essencial para a produção agropecuária, está totalmente ligada à questão ambiental. O avanço sobre a floresta vai causar um impacto sobre essa água. BBC News Brasil - Qual a posição do sr. sobre a regulamentação de mineração em terras indígenas? Recentemente, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que "não é simples" retirar garimpeiros da terra indígena Yanomami. Azeredo - Hoje, em um cenário de vulnerabilidade que a comunidades indígenas estão vivendo, com falta de proteção e casos de violência, o garimpo é extremamente perigoso. Precisamos fazer um estudo sério sobre qual é o real ganho econômico para o país. O que essa operação gera de riqueza para o Brasil e até para os garimpeiros? Há algum ganho relevante para o país e para as comunidades da região? Quem é que fica com esse dinheiro? O Estado brasileiro arrecada tributos? A condição de saúde das pessoas que trabalham no garimpo é precária. Não há melhorias para os garimpeiros em níveis aceitáveis de desenvolvimento humano, pois as regiões de garimpo também não se desenvolvem. BBC News Brasil - O governo costuma argumentar que desmatamento na Amazônia está associado à pobreza e ajuda a sustentar muitas pessoas que não têm outras oportunidades de trabalho. Qual sua visão sobre isso? Azeredo - Estamos desmatando a Amazônia desde a década de 1970, quando o regime militar incentivou as pessoas a ocupar a região com a ideia de que isso geraria riqueza. O resultado desse modelo predatório de alto índice de desmatamento é o seguinte: temos ali 60% do território nacional, apenas 12% do PIB, o pior Índice de Desenvolvimento Humano das regiões do país, e mais de 50% das emissões de gases de efeito estufa. Só esses números já mostram que esse modelo predatório não gerou riqueza para as pessoas que estão lá, não desenvolveu a região. Me parece que insistir nesse modelo é um equívoco. Você tem como desenvolver economicamente a região sem a necessidade de avançar sobre a floresta. Claro que há uma parte do desmatamento que está ligado a uma questão de sobrevivência, mas ele é pequeno, de 5 ou 6 hectares por ano. O que gera o grande desmatamento são quadrilhas organizadas que ocupam terras públicas, desmatam ilegalmente e depois comercializam essas áreas por valores extremamente altos. BBC News Brasil - Qual foi o impacto da criação do Conselho da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e incumbido de coordenar ações contra o desmatamento na região? Azeredo - Fiquei na 4ª Câmara de Meio Ambiente do MPF até junho, e hoje estou na Força-Tarefa da Amazônia protege. Nem a Câmara nem a força-tarefa foram chamadas para dialogar com esse conselho. Eu não poderia falar sobre outras instâncias do MPF. BBC News Brasil - O sr. enxerga alguma solução para a Amazônia? O que o Brasil poderia fazer de maneira prática para evitar a destruição da floresta? 'Precisamos saber a origem do gado desde que ele nasceu até a hora do abate', sugere Azeredo quando perguntado sobre recomendações para melhor proteção da Amazônia Azeredo - Trabalho com a Amazônia há 15 anos, dos quais 10 eu morei na região. Não considero que o problema do desmatamento ilegal seja difícil de resolver. Acho que hoje, com a tecnologia, conseguimos diminuir o desmatamento de maneira rápida se houver vontade política e econômica para isso, o que ainda não ocorreu no país. O Brasil tinha certa satisfação em dizer que o desmatamento anual estava 6 ou 7 mil km², mas não houve investimento para fazer esse número cair para 2 mil, que seria algo aceitável. Hoje estamos em 9.500 km² por ano. Qual seria a saída? Primeiro, é preciso rastrear tudo que é produzido na Amazônia. Quando a gente pergunta por que se desmata a Amazônia, a resposta, em última instância, é que alguém vai ganhar dinheiro com aquilo. Como? Produzindo alguma coisa. Se tivermos um sistema de rastreabilidade eficiente e rígido, e que exclua do mercado quem cometa esses crimes na região, fazemos com que caia o interesse econômico em desmatar. Precisamos saber a origem do gado desde que ele nasceu até a hora do abate. Hoje já temos tecnologia de brinco de rastreabilidade e cerca eletrônica que mostram se o gado entrou em área embargada. A tecnologia pode monitorar toda a produção na Amazônia. Dá para fazer isso para soja, pecuária, madeira. Podemos determinar que não vai haver produção de gado e grãos em áreas abertas depois de julho de 2008, que a data que o Código Florestal estabeleceu como limite para perdão de multa por dano ambiental. Com essa rastreabilidade, você não permite que essa áreas sejam utilizadas para produção. Com isso, você tira o interesse econômico da grilagem. Com uma medida como essa, você já diminui em 60% o desmatamento. Não precisaria fazer isso na Amazônia inteira. Poderia começar nas áreas que mais desmatam, que compreendem mais ou menos 40 municípios. Regulação fundiária? Poderia regularizar, mas não permitir regularização de áreas desmatadas após julho de 2008. E tudo isso não impede que a produção cresça. Só o Pará tem 29 milhões de hectares para produção, com 22 milhões de cabeças de gado, por exemplo. Isso dá um gado para cada hectare, o que é baixíssimo. Se você reduzir isso um pouco e aumentar a produtividade, abre 6 ou 7 milhões de hectares para produção de grãos. O Mato Grosso, que é o maior produtor de grãos do Brasil, tem 7 milhões de hectares de soja plantada. O Pará poderia chegar perto disso, sem avançar sobre a floresta. Outra medida seria estruturar os órgãos ambientais para fiscalizar o que sobrasse de crimes e investir em atividades produtivas de comunidades tradicionais da floresta, que hoje já geram dinheiro na região. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Por que foi bom negócio dar aumento para todos e reduzir meu salário em US$ 1 milhão por ano'
Em 2015, o chefe de uma empresa de pagamentos com cartão localizada em Seattle implementou um salário mínimo anual de US$ 70 mil (R$ 315 mil) para todos os seus 120 funcionários — e cortou US$ 1 milhão (R$ 4,5 milhões) do próprio pagamento. Cinco anos depois, ele mantém o mesmo patamar de salário mínimo e diz que a aposta valeu a pena.
Empresário aumentou salário mínimo anual de todos os funcionários para R$ 315 mil Dan Price estava caminhando com a amiga Valerie nas montanhas Cascade, perto de Seattle, quando ouviu uma revelação desagradável. Enquanto caminhavam, Valerie lhe confidenciou que sua vida estava um caos, que o dono do imóvel onde morava tinha aumentado o valor mensal do aluguel em US$ 200 (R$ 900) e que ela estava sofrendo para pagar as contas. Price ficou irritado. A ex-namorada Valerie serviu 11 anos nas Forças Armadas, com duas passagens pelo Iraque e agora é obrigada a trabalhar 50 horas por semana em dois empregos para sobreviver. "As palavras trabalho, honra e dedicação definem a pessoa que ela é", diz ele. Fim do Talvez também te interesse Mesmo ganhando cerca de US$ 40 mil (R$ 180 mil) por ano em Seattle, não era suficiente para comprar uma casa adequada. Ele estava irritada por viver em um mundo tão desigual. E, de repente, ele se deu conta de que fazia parte do problema. Aos 31 anos, Price já era milionário. Sua empresa, a Gravity Payments, que ele fundou na adolescência, tinha cerca de 2 mil clientes e um valor estimado em milhões de dólares. Na época, ele ganhava US$ 1,1 milhão (R$ 4,95 milhões) por ano, e Valerie revelou para ele o drama de muitos de seus funcionários. Foi quando ele decidiu iniciar uma cruzada contra a desigualdade nos EUA. Criado na zona rural de Idaho, Dan Price é um otimista, generoso com seus elogios e impecavelmente educado. "As pessoas estão passando fome, sendo demitidas ou exploradas para que alguém possa comprar uma cobertura no topo de uma torre em Nova York com cadeiras douradas." "Estamos glorificando a ganância o tempo todo como sociedade em nossa cultura. E, você sabe, a lista da Forbes é o pior exemplo: 'Bill Gates passou Jeff Bezos como o homem mais rico.' E daí!?" Antes de 1995, a metade mais pobre da população dos Estados Unidos ganhava uma parcela maior da riqueza nacional do que o 1% mais rico, ressalta. Mas, naquele ano, o jogo virou — o 1% de cima passou a ganhar mais do que os 50% mais pobres. E essa diferença continua crescendo. Dan Price reduziu o próprio salário em mais de US$ 1 milhão por ano Em 1965, CEOs americanos ganhavam 20 vezes mais do que a média dos trabalhadores, mas em 2015 a proporção saltou para 300 vezes (no Reino Unido, os chefes das empresas FTSE 100 — as principais companhias listadas na bolsa de valores da Grã-Bretanha — ganham hoje 117 vezes mais que a média de seus funcionários). Respirando o ar fresco da montanha enquanto caminhava com Valerie, Price teve uma ideia. Ele havia lido um estudo dos economistas Daniel Kahneman e Angus Deaton, vencedores do prêmio Nobel, analisando quanto dinheiro um americano precisa para ser feliz. Ele prometeu imediatamente a Valerie que aumentaria significativamente o salário mínimo na Gravity. Depois de analisar os números, ele chegou a US$ 70 mil (R$ 315 mil) por ano. Ele percebeu que não apenas teria que cortar seu próprio salário para chegar a esse número, mas também hipotecar suas duas casas e abrir mão de suas ações e economias. Ele reuniu sua equipe e deu-lhes a notícia. A expectativa dele era de que fossem comemorar, mas a princípio o anúncio gerou uma espécie de anti-clímax, diz Price. Ele teve que repetir a notícia até que a dimensão do que dizia fosse entendida por todos. Cinco anos depois, Dan ri do fato de ter ignorado um ponto-chave na pesquisa dos professores de Princeton. A quantia que estimavam que as pessoas precisavam para ser felizes era, na verdade, de US$ 75 mil (R$ 337,5 mil). Ainda assim, um terço dos que trabalhavam na empresa tiveram seus salários dobrados imediatamente. Desde então, a Gravity se transformou. O número de funcionários dobrou e o valor dos pagamentos que a empresa realiza anualmente saltou de US$ 3,8 bilhões (R$ 17,1 bilhões) para US$ 10,2 bilhões (R$ 45,9 bilhões). Mas existem outras métricas das quais Price se orgulha mais. "Antes do salário anual de US$ 70 mil, tínhamos entre zero e dois bebês por ano na equipe", diz ele. "Desde o anúncio — e passaram-se apenas quatro anos e meio — tivemos mais de 40 bebês". Dan Price com a mãe dele na frente da sede da Gravity Mais de 10% da empresa conseguiu comprar sua própria casa, em uma das cidades com aluguéis mais caross dos EUA. Antes, esse número era inferior a 1%. "Havia um pouco de preocupação em quem enxergava de fora de que as pessoas desperdiçariam quaisquer ganhos extras que teriam. E realmente vimos o contrário", diz Price. A quantidade de dinheiro que os funcionários voluntariamente investem em seus próprios fundos de pensão mais do que dobrou e 70% dos funcionários dizem ter quitado dívidas. Mas Price recebeu muitas críticas, ao lado de centenas de cartas de apoio e capas de revistas com o rótulo de "o melhor chefe da América". Muitos dos clientes da Gravity escreveram cartas de próprio punho dizendo que consideravam uma ação política. Na época, a cidade de Seattle debatia um aumento de US$ 15 (R$ 67,5) para o salário mínimo, o que já o tornaria o mais alto dos EUA na época. Os proprietários de pequenas empresas lutavam contra isso, alegando que iriam fechar o negócio. O radialista de direita, Rush Limbaugh, a quem Price ouvia todos os dias em sua infância, o chamou de comunista. "Espero que esta empresa seja um estudo de caso em programas de MBA sobre como o socialismo não funciona, porque vai falhar", disse ele. Dois altos funcionários da Gravity pediram demissão, em protesto. Eles não concordavam com o aumento dos salários dos funcionários em início de carreira da noite para o dia e argumentaram que isso os tornaria preguiçosos e a empresa não competitiva. Nada disso aconteceu. Rosita Barlow , diretora de vendas da Gravity, diz que funcionários iniciantes ganharam mais experiência com a mudança Rosita Barlow, diretora de vendas da Gravity, diz que, desde que os salários subiram, os colegas mais jovens ganharam mais bagagem. "Quando o dinheiro não é a principal preocupação na sua cabeça de quem trabalha, é mais fácil ser apaixonado pelo que te motiva", diz ela. A chefia da equipe percebeu uma redução na carga de trabalho. Sob menos pressão, podem até tirar todas as férias a que têm direito. Price conta a história de um funcionário que trabalha no call center da Gravity. "Ele levava mais de uma hora e meia por dia para ir trabalhar", diz ele. "Tinha medo de que durante a viagem, um pneu estourasse, e ele não teria dinheiro suficiente para consertá-lo. Vivia estressado com isso todos os dias." Quando o salário dele subiu para US$ 70 mil, o homem se mudou para mais perto do escritório e agora investe mais dinheiro em sua saúde, faz exercícios todos os dias e come de forma mais saudável. "Tínhamos outro rapaz na equipe que perdeu mais de 22 kg", diz ele. Outros relatam passar mais tempo com suas famílias ou ajudar os pais a pagar dívidas." "Vimos todos os dias os efeitos de dar liberdade a alguém", diz Price. Ele acha que é por isso que a Gravity está ganhando mais dinheiro do que nunca. Aumentar os salários não mudou a motivação das pessoas — ele diz que os funcionários já estavam motivados a trabalhar duro —, mas aumentou o que ele chama de capacidade. "A pessoa não pensa mais que tem que ir trabalhar para ganhar dinheiro", concorda Rosita Barlow. "Agora, a questão passa ser: 'como posso fazer um bom trabalho?'" Barlow está na Gravity desde os primeiros dias e sabe que Price nem sempre foi tão generoso. Ela reconhece que houve um período após a crise financeira de 2008 em que ele estava obcecado em economizar. A desaceleração da economia americana derrubou clientes da Gravity e sua receita caiu 20%. Pela lógica de negócios do setor, Price deveria manter cerca de 12 dos 35 funcionários da empresa, mas ele se concentrou em cortar custos. Depois de cinco meses, a empresa voltou a lucrar, mas Price estava marcado pela crise e manteve os salários baixos. Na época, Rosita Barlow enfrentava seus próprios problemas financeiros e fazia bicos secretamente no McDonalds para complementar a renda. Quando o McDonalds lhe ofereceu uma promoção, ela acidentalmente deixou cair um manual de treinamento na mesa dela na Gravity e alguém percebeu. Os chefes a chamaram para uma reunião. "Eles pediram para eu me sentar e minha reação imediata foi chorar", diz Barlow. Ela pensou que seria demitida. Em vez disso, pediram para descobrir quanto dinheiro precisava para permanecer na empresa e aumentaram o salário em US$ 40 mil (R$ 180 mil). "Fiquei muito impressionado, orgulhoso dela e com raiva de mim", diz Price. Levou mais alguns anos até ele entender a escala dos problemas na equipe dele. "A maioria ficou intimidada demais para vir até mim e me dizer o quanto os problemas salariais os afetavam", diz ele. Antes de 2015, ele já havia começado a dar aos funcionários 20% de aumento de salário anual. Mas foi sua conversa com Valerie que o convenceu a ir mais longe. Price esperava que o exemplo da Gravity causasse mudanças de longo alcance nos negócios nos Estados Unidos. Hoje, está profundamente decepcionado e triste por isso não ter acontecido. Algumas empresas seguiram o seu exemplo, como a PharmaLogics, em Boston, que aumentou o salário mínimo para US$ 50 mil (R$ 225 mil) e o site Rented.com, em Atlanta. Ele acredita que, por meio de um lobby online, também tenha influenciado decisões como a da Amazon de aumentar o salário mínimo de seus empregados. Mas ele esperava uma mudança estrutural generalizada. "Rapaz, eu estava errado", diz. "Realmente fracassei nesse sentido. E isso mudou minha perspectiva sobre as coisas, porque eu realmente acredito que, através das ações que eu fiz e que outras pessoas podem fazer, poderíamos mudar a maré dessa desigualdade de renda descontrolada". A mudança teve um efeito profundo sobre Price e seu estilo de vida. Antes de fazer um corte nos custos, Price era o clichê de um jovem milionário branco de tecnologia. Ele morava em uma bela casa com vista para Puget Sound de Seattle, bebendo champanhe em restaurantes caros. Depois, ele passou a alugar aquela casa dele no Airbnb para ajudar a se manter. Um grupo de funcionários. cansado de vê-lo chegar no trabalho com um Audi de 12 anos, fez uma vaquinha e comprou um Tesla para ele de surpresa. Dan Price com Alyssa O'Neal, que entregou o Tesla para ele Um filme que a empresa publicou no YouTube acompanha uma pessoa da equipe de funcionários, Alyssa O'Neal, enquanto ela planeja com seus colegas surpreendê-lo com o carro. "Sinto que essa é a melhor maneira de dizer obrigado por todos os sacrifícios que ele fez e por todas as coisas negativas com as quais ele teve que lidar", diz ela. Price então sai do escritório em direção à vaga no estacionamento, vê o carro e começa a chorar. Cinco anos depois, Price ainda mantém o salário mínimo da Gravity. Ele diz que está mais satisfeito do que nunca, inclusive de quando ganhava milhões, embora nem tudo seja fácil. "Há testes todos os dias", diz ele. "Tenho a mesma idade de Mark Zuckerberg e tenho momentos sombrios em que penso: 'Quero ser tão rico quanto Mark Zuckerberg e quero competir com ele para estar na lista da Forbes. E quero estar na capa da revista Time, ganhando muito dinheiro. Todas essas coisas gananciosas são tentadoras. " "Não é fácil recusar. Mas minha vida é muito melhor." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Problemas para Bolsonaro: Trump derrotado, denúncia contra Flávio, vacina e outras nuvens que pairam sobre o presidente
O presidente Jair Bolsonaro voltou a elevar o tom de suas declarações nesta semana, o que alguns críticos veem como uma tentativa de desviar o foco de uma série de notícias recentes negativas para o seu governo, como a denúncia criminal apresentada contra seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e a derrota eleitoral de sua principal referência externa, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Nesta semana, postura de Bolsonaro foi de radicalização diante de novos desafios Bolsonaro, que até o momento não congratulou o democrata Joe Biden pela vitória sob Trump, aproveitou um discurso na terça-feira (10/11), em cerimônia sobre o setor de turismo, para polemizar com o futuro presidente americano, afirmando que o Brasil precisaria de "pólvora" para fazer frente à ameaça de retaliação comercial — durante a campanha, Biden disse que isso poderia ser feito caso o desmatamento não pare na Amazônia. No mesmo evento, Bolsonaro defendeu que o Brasil "tem que deixar de ser um país de maricas" e "enfrentar de peito aberto" a pandemia de coronavírus. Mais cedo, ele comemorou a suspensão (já revertida) dos testes da CoronaVac, vacina contra coronavírus desenvolvida pelo Instituto Butantan que pode render dividendos políticos a um de seus principais adversários, o governador de São Paulo, João Doria. Para completar a "tempestade perfeita" que ganha forma contra o presidente, candidatos apoiados por ele nas maiores capitais do país devem ir mal na eleição municipal de domingo, segundo apontam as pesquisas eleitorais. Além disso, Bolsonaro ainda não conseguiu viabilizar a criação de um novo programa de transferência de renda mais robusto que o Bolsa Família para ser implementado após o fim do auxílio emergencial (hoje em R$ 300) em janeiro. Sem isso, corre o risco de perder a popularidade conquistada esse ano. A lista de problemas ainda inclui um apagão grave no Amapá e queixas do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o aumento da dívida pública e a falta de privatizações. Fim do Talvez também te interesse "O ambiente político, tanto internacional quando doméstico, é bastante desafiador para Bolsonaro. E talvez o que retrate ainda mais essa percepção de insegurança do presidente é que esse movimento (de nova radicalização do discurso) ocorre a despeito de um capital político razoavelmente elevado", nota o cientista político da Consultoria Tendências Rafael Cortez, lembrando que Bolsonaro teve ganho de popularidade neste ano e conseguiu reduzir as ameaças de impeachment fazendo uma aliança com partidos do chamado Centrão. Para Claudio Couto, cientista político e professor da FGV, são justamente esses fatores que encorajam o presidente a subir o tom nas polêmicas. "Jair Bolsonaro em dias plenos como Jair Bolsonaro. O alívio sentido com o bafejo de popularidade e o respaldo do Centrão o levaram novamente para sua zona de conforto, quando não se contém pelo medo da Justiça ou do impeachment", escreveu, nesta quarta (11/10) em sua conta no Twitter. Entenda melhor a seguir as "nuvens" que pairam sobre o governo Bolsonaro e podem explicar sua postura de ataque. Denúncia criminal contra Flávio Bolsonaro Após dois anos de investigação, Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou uma denúncia contra Flávio Bolsonaro Um das maiores fontes de dor de cabeça para o presidente são as acusações contra Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que mancham seu discurso anticorrupção e podem levar seu filho à cadeia. Após dois anos investigando um possível esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de deputado estadual de Flávio, o Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou uma denúncia contra o hoje senador no final de outubro, informação que só se tornou pública em 3 de novembro e acabou ofuscada pela eleição presidencial dos Estados Unidos. Na denúncia, Flávio é acusado de ter cometido os delitos de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, ao longo de uma década, durante o mandato dele na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj). A Promotoria também denunciou o então assessor de Flávio e amigo pessoal de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas sob acusação dos mesmos crimes. Os nomes não foram divulgados oficialmente porque o caso tramita sob sigilo. Segundo os investigadores, Queiroz operou de 2007 a 2018 um esquema criminoso milionário no qual outros funcionários do gabinete devolviam parte do salário, tendo o filho do presidente como principal beneficiário. A acusação diz que os recursos eram usados para pagar em dinheiro vivo contas pessoais do então deputado, como mensalidade da escola de suas duas filhas, ou era lavado na compra de imóveis e na loja de chocolates que o senador possui em um shopping no Rio de Janeiro. Ao menos um dos denunciados confessou os crimes, segundo reportagem do jornal O Globo: Luiza Sousa Paes disse aos investigadores que devolveu a Queiroz a maior parte do salário recebido por cargos que ocupou como funcionária fantasma (sem trabalhar de fato) no gabinete de Flávio e em outros setores na Alerj. Agora cabe ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) aceitar ou não a denúncia. Em caso positivo, os acusados se tornam réus e o processo judicial tem início. O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator do caso — apenas quando ele concluir sua análise da denúncia e produzir seu voto o caso poderá ser pautado para julgamento. Não há previsão para nenhum desses próximos passos processuais. Flávio Bolsonaro afirmou diversas vezes, desde que as suspeitas vieram à tona, que não cometeu nenhum crime. Segundo ele, há uma perseguição política em curso por meio de uma investigação ilegal que visa desestabilizar o governo de seu pai. Queiroz também nega qualquer irregularidade. Ele diz que os recursos coletados dos funcionários eram usados para subcontratar outros assessores para o gabinete informalmente. O caso pode respingar na primeira-dama, Michele Bolsonaro, já que a investigação também revelou que Queiroz depositou em sua conta cheques que somam R$ 89 mil — o presidente e sua mulher até hoje não deram esclarecimentos sobre o fato. Derrota de Trump Trump usa entrada lateral da Casa Branca após passar o dia jogando golfe Outro revés importante sofrido por Bolsonaro nos últimos dias foi a tentativa frustrada de reeleição do presidente americano, Donald Trump. Ele foi derrotado na semana passada pelo democrata Joe Biden. Embora Trump não tenha ainda reconhecido o resultado, dizendo que houve fraude eleitoral mesmo sem apresentar provas, a eleição de Biden já foi celebrada por importantes líderes mundiais, como o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. O presidente brasileiro é um dos poucos líderes que ainda não congratulou o democrata, ao lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, e do presidente chinês Xi Jinping. Na terça-feira, Bolsonaro inclusive se referiu a Biden como candidato, ao proferir a polêmica declaração belicista: "Assistimos há pouco um grande candidato a chefe de Estado dizer que se eu não apagar o fogo na Amazônia levanta barreiras comerciais contra o Brasil. Como é que nós podemos fazer frente a tudo isso? Apenas na diplomacia não dá. Porque quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, se não, não funciona. Precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo" declarou o presidente durante uma cerimônia no Palácio do Planalto. Em seus dois anos de governo, Bolsonaro adotou como principal pilar da sua política externa o forte alinhamento com Trump. Para analistas ouvidos pela BBC News Brasil, a derrota da principal referência internacional do presidente deve exigir uma "reinvenção" de sua política externa, que abandonou a tradição de atuação multilateral da diplomacia brasileira. Além disso, esses analistas consideram que a vitória de um moderado nos Estados Unidos é um sinal negativo para o plano de reeleição de Bolsonaro, que, assim como Trump, tem um discurso político agressivo e fortemente conservador. No caso do americano, esse estilo acabou afastando parte do eleitorado que o elegeu em 2016, em especial mulheres. Também pesou para sua derrota a resposta do seu governo à pandemia do coronavírus. Trump optou por minimizar a gravidade da crise e promover medidas sem base científica, como o uso da cloroquina para tratar covid-19 — estratégia replicada por Bolsonaro. Para Rafael Cortez, da Consultoria Tendências, a fala de Bolsonaro enfrentando Biden é um aceno do presidente à base bolsonarista mais fiel. "Depois da aliança com os partidos do Centrão, a política externa era um dos poucos elementos que ainda evitavam a percepção de estelionato eleitoral (quando o eleito não segue a agenda de campanha). E essa bandeira agora está em xeque com a mudança política nos Estados Unidos, pois uma parte do discurso que define o bolsonarismo se perde", analisa. Pandemia e vacina contra coronavírus Outro foco constante de preocupação é a pandemia de coronavírus, que já matou mais de 160 mil brasileiros e segue impactando também a economia. Apesar disso, enquanto boa parte do mundo está ansiosa pelo desenvolvimento de uma vacina, o presidente Bolsonaro tem feito declarações desqualificando um dos estudos em andamento, liderado no Brasil pelo Instituto Butatan, órgão do Estado de São Paulo que é referência em imunização no país, em parceria com a empresa chinesa Sinovac. Por trás dessa postura, parece estar a rivalidade política do presidente com o governador de São Paulo, João Doria, que pretende enfrentar Bolsonaro na eleição presidencial de 2022. Bolsonaro chegou até a celebrar decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de interromper por quase dois dias os testes da CoronaVac, após a morte de um dos voluntários — a suspensão foi revertida após ser esclarecido que o falecimento não teve relação com a vacina. Diversos veículos de imprensa confirmaram, com base no laudo do Instituto Médico Legal de São Paulo e no boletim de ocorrência do caso, que a morte do voluntário ocorreu por suicídio, em 29 de outubro. "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu o presidente na manhã de terça ao responder um usuário do Facebook, que perguntou se o Brasil compraria a CoronaVac. Caso a CoronaVac seja aprovada nos testes e pela Anvisa, o governo paulista espera iniciar a vacinação no início do próximo ano, o que renderia dividendos políticos para Doria. O Estado de São Paulo já encomendou 46 milhões de doses e a previsão é que a primeira leva, de 6 milhões, seja armazenada até o fim do ano. O governo federal, por sua vez, firmou parceria com a universidade britânica Oxford, que desenvolve outra vacina com o grupo farmacêutico AstraZeneca. Governadores de outros Estados brasileiros, porém, pressionam a gestão Bolsonaro a adquirir lotes da CoronaVac para distribuição pelo país, caso ela se mostre eficiente nos testes. Bolsonaro chegou até a celebrar decisão da Anvisa de interromper por quase dois dias os testes da CoronaVac Fim do auxílio emergencial e desafios econômicos Outro desafio enfrentado pelo presidente é como não perder o ganho de popularidade que conquistou após o Congresso aprovar a criação do auxílio emergencial de R$ 600, destinado a proteger brasileiros mais pobres durante a pandemia. Sem orçamento para manter o benefício indefinidamente, o governo já reduziu seu valor para R$ 300 a partir de setembro. No entanto, ainda não conseguiu viabilizar a criação de um novo programa social a ser implementado com o fim do auxílio emergencial em dezembro. A ideia é que esse novo benefício, o Renda Cidadã, ficaria abaixo de R$ 300, mas acima do valor médio do Bolsa Família (cerca de R$ 189), que também seria extinto. Bolsonaro não aceitou as propostas do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, que sugeriu levantar recursos para o novo programa extinguindo ou reduzindo também outros benefícios, como o abono salarial (até um salário mínimo pago a trabalhadores de baixa renda com carteira assinada) e o seguro desemprego. Por outro lado, o presidente também foi convencido por Guedes a não "furar" o teto de gastos, ou seja, tentar excluir o aumento de despesas do novo programa da regra constitucional que limita o aumento de despesas. "O auxílio emergencial foi criado num ambiente de excepcionalidade fiscal em 2020, marcado pelo decreto de calamidade pública e o Orçamento de Guerra. A transferência desse ativo para o restante do mandato passa por escolhas políticas que o presidente reluta em fazer. Ele não defende alguma alteração no teto, mas ao mesmo tempo não faz a escolha (de cortar outros gastos) para liberar o Orçamento", ressalta Cortez. "Essa paralisia de decisória contribui bastante para um cenário de perda de confiança dos agentes econômicos que nesse momento só não é mais sentida porque a economia brasileira está abastecida com uma série de estímulos adotados por causa da pandemia", acrescenta. No campo econômico, ainda pesa contra o governo Bolsonaro a dificuldade em entregar promessas de campanha, como as privatizações e a redução da dívida pública. Na terça-feira, em discurso em um evento sobre desestatização, Guedes reclamou da falta de apoio no Congresso para vender estatais e disse que o Brasil poderia "ir para uma hiperinflação muito rápido" se não rolar a dívida satisfatoriamente, ou seja, se não conseguir substituir dívidas antigas próximas ao vencimento por novos empréstimos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, reagiu às falas de Bolsonaro e Guedes com uma publicação no Twitter: "Entre pólvora, maricas e o risco à hiperinflação, temos mais de 160 mil mortos no país, uma economia frágil e um estado às escuras. Em nome da Câmara dos Deputados, reafirmo o nosso compromisso com a vacina, a independência dos órgãos reguladores e com a responsabilidade fiscal", escreveu na terça-feira. Apagão no Amapá Bolsonaro tem sido alvo de cobranças nas redes sociais por causa da lentidão para restaurar a energia no Estado do Amapá, depois que um incêndio em uma subestação na capital deixou 13 das 16 cidades do Estado em apagão a partir de terça-feira (03/11). A falta de luz atingiu até hospitais, em meio a crise do coronavírus, e levou caos ao cotidiano da população, com comida estragando na geladeira, falta de água nas torneiras e filas quilométricas para sacar dinheiro vivo e abastecer o carro. Após nove dias do incidente, o Ministério de Minas e Energia informou na quarta (11/11) que entrou em operação uma unidade geradora na Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, elevando o fornecimento de energia para 80% do Amapá. O abastecimento, porém, está ocorrendo em esquema de rodízio e com falhas, segundo reportagem do portal G1. Eleição municipal Apoiado por Bolsonaro, o candidato à Prefeitura de São Paulo Celso Russomano teve queda acentuada na intenção de voto A eleição municipal, marcada para este domingo, promete ser um teste para o capital político de Bolsonaro. Por enquanto, as pesquisas indicam que candidatos apoiados pelo presidente nas principais cidades do país não estão indo bem nas pesquisas. Em São Paulo, o candidato do Republicanos, Celso Russomano, teve queda acentuada na intenção de voto desde que Bolsonaro o apoiou e agora corre o risco de não ir para o segundo turno. Segundo a pesquisa Ibope divulgada na terça (10/11), ele tem 12% de intenção de voto e aparece tecnicamente empatado com Guilherme Boulos (PSOL), que tem 13%. Já o atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que disputa a reeleição, abriu vantagem e soma 32%. No Rio de Janeiro, reduto político de Bolsonaro, seu candidato, o atual prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos), também não está garantido no segundo turno. Ele tem 15%, na última pesquisa Ibope, em empate técnico com Martha Rocha (PDT), que aparece com 14%. Na liderança, está o ex-prefeito da cidade Eduardo Paes (DEM), com 33%. A disputa também é liderada por nomes de oposição a Bolsonaro ou distantes do presidente em outras grandes capitais, segundo o Ibope. É o caso de Porto Alegre (Manuela, do PCdoB, com 27%), Belo Horizonte (Alexandre Kalil, do PSD, com 62%), Salvador (Bruno Reis, do DEM, com 61%) e Recife (João Campos, do PSB, com 33%). Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
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Piora da alimentação na pandemia deixa população mais vulnerável à covid-19, diz ex-chefe da FAO
Encorajadas a ficar em casa para não se expor ao novo coronavírus, muitas famílias têm preferido comprar alimentos industrializados, que duram mais tempo na despensa.
Alimentos industrializados duram mais tempo na despensa, mas favorecem obesidade - um dos fatores de risco à covid-19 O problema é que a opção por esses itens - que tendem a ser mais calóricos e menos nutritivos que comidas frescas - pode no médio prazo acabar deixando seus consumidores mais vulneráveis a adoecer gravemente pela covid-19. O alerta é do agrônomo brasileiro José Graziano da Silva, que chefiou a agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) entre 2012 e 2019. Em entrevista à BBC News Brasil, Graziano lembra que a obesidade, doença muitas vezes provocada pela má alimentação, é considerada um dos principais agravantes da covid-19. O grande número de mortos pela doença nos EUA, onde 42% da população é obesa, reforça a tese. Muitos hospitais americanos têm relatado que grande parte dos adultos internados por covid-19 tem problemas de sobrepeso. Fim do Talvez também te interesse Graziano diz ainda que a maior procura por alimentos industrializados em supermercados tem prejudicado pequenos agricultores, muitos deles dependentes de feiras livres. Com o menor movimento nesses espaços, vários pequenos produtores temem não conseguir manter as atividades e começaram a descartar frutas, verduras e legumes. "Precisamos valorizar circuitos locais de produção e consumo", defende. Hoje consultor do Instituto Comida do Amanhã, Graziano tem passado a quarentena em sua fazenda no interior de São Paulo. Entre 2003 e 2004, ele foi ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome no governo Lula, quando ajudou a implantar o Programa Fome Zero. Formado em Agronomia pela USP, é doutor em Economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde foi professor, e pós-doutor pela Universidade de Londres e pela Universidade da Califórnia-Santa Cruz. Na entrevista à BBC News Brasil, Graziano criticou ainda mudanças feitas pelo governo Jair Bolsonaro nas políticas de segurança alimentar e disse que "há uma desorganização completa na resposta" dos órgãos federais aos desafios atuais no setor. Em resposta às críticas, o Ministério da Cidadania enumerou iniciativas para apoiar a agricultura familiar e cidadãos mais pobres durante a pandemia (veja a nota do órgão ao fim do texto). Confira os principais trechos da entrevista. José Graziano da Silva chefiou a agência da ONU para a alimentação entre 2012 e 2019 BBC News Brasil - O diretor-executivo do Programa de Alimentação da ONU disse em abril que, por causa do novo coronavírus, o número de pessoas sob risco de morrer de fome pode passar de 130 milhões para 265 milhões. Como combater o problema? José Graziano - Implementando políticas de segurança alimentar. Não apenas para quem está passando fome, mas também para quem está ameaçado de passar e quem sofre de malnutrição de forma geral. Temos um número ainda maior de pessoas obesas, 804 milhões, e a obesidade é um dos elementos que podem agravar a covid-19. Pessoas com menos de 60 anos obesas têm probabilidade de morte bem maior que as não obesas. BBC News Brasil - O sr. poderia citar exemplos de políticas de segurança alimentar que poderiam ser aplicadas em escala global? Os países mais pobres têm condições de implementá-las sozinhos? Graziano - Os melhores exemplos são a merenda escolar comprada localmente de agricultores familiares, e o Programa de Aquisição de Alimentos em sua versão de compra com doação simultânea dos alimentos a pessoas em situação de risco alimentar. É difícil que esses programas possam ser implementados pelos países mais pobres, porque não há apenas a questão dos recursos financeiros que eles demandam, mas principalmente da infraestrutura que precisa ter na área das políticas de segurança alimentar. Implementar uma compra local para merenda escolar, por exemplo, faz supor que haja uma rede de escolas que tenham pelo menos uma cozinha ou um local que possa preparar seus produtos. E essa situação é muito distante da realidade da maioria dos países africanos, por exemplo. BBC News Brasil - O sr. elogia as políticas de segurança alimentar adotadas no Brasil nas últimas décadas. Porém, uma pesquisa do Ministério da Saúde apontou que o número de obesos no país aumentou 67,8% entre 2006 e 2018. Houve falhas nessas políticas? O que precisa melhorar? "Há grande problema de logística e distribuição. Precisamos valorizar circuitos locais de produção e consumo. Pensar mais nos produtos de proximidade, de estação, produtos frescos que estão mais próximos da gente e têm mais valor nutritivo, do que aqueles altamente processados" Graziano - Sem dúvida há muito a melhorar. A dimensão da obesidade foi negligenciada no primeiro momento do Fome Zero, em 2002. A preocupação era tanta em fornecer comida que não se perguntou sobre a qualidade dessa comida. Só depois é que passamos a dar prioridade às compras da agricultura familiar para merenda escolar, por exemplo. Essa lei é bastante posterior ao início do programa Fome Zero. Mas o problema da obesidade tem muito a ver com as inovações da indústria alimentícia. A rapidez com que a indústria consegue produzir novos alimentos ultraprocessados vai muito além da capacidade do poder público de regulamentar essa matéria. O que acho que falta é uma regulamentação mais ágil, principalmente da Anvisa e dos mecanismos de defesa do consumidor, tipo Procon, para rotulagem dos produtos e para evitar que a população continue a ser literalmente enganada pela propaganda que é feita de produtos alimentícios. BBC News Brasil - Quais os riscos de faltar alimento no Brasil durante a pandemia? Estamos em situação melhor ou pior que países de outras regiões? Graziano - O Brasil é um tradicional exportador de alimentos. Não vejo risco iminente de faltar alimentos, ainda mais porque estamos entrando em plena safra. A não ser uma falta localizada, por algum corte de rota, ou problema de logística de abastecimento de cidades aqui ou ali. Estamos em situação muito melhor que outros países que dependem de importação de alimentos, como a maioria dos países africanos. Esses, sim, têm risco de crise alimentar grave. BBC News Brasil - Em muitos países, a covid-19 reforçou posturas nacionalistas. Fronteiras foram fechadas, e a exportação de produtos médicos foi restringida. Há o risco de que essas ações restritivas se estendam para o comércio de alimentos? Como isso impactaria o Brasil? Graziano - Se isso acontecer, aí sim corremos o risco de uma crise alimentar global. Foi o que houve no pico de preços em 2008 e 2010. Muitos países, como a Argentina e a Austrália, que foram afetadas por uma seca, restringiram a exportação de grãos. Isso provocou uma alta desenfreada dos preços e uma corrida pra comprar. Desregulou completamente o mercado internacional. Não vejo que a situação seja a mesma, porque na época os estoques mundiais estavam justos. Hoje estão folgados. Mas é sempre uma possibilidade se houver pânico, uma corrida para compra e estocagem. BBC News Brasil - A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabeleceu o direito humano à alimentação adequada. Porém, nesta crise, temos visto que mesmo em países ricos, como os EUA, a covid-19 tem matado pessoas que tinham problemas de saúde associados a uma alimentação inadequada, como obesidade. Por que mesmo essas nações não conseguiram efetivar esse direito tantas décadas após a declaração? Graziano - Muitos países conseguiram, mas infelizmente não saiu de uma declaração retórica. Não foram tomadas medidas efetivas direcionadas a uma alimentação adequada. "Mais de três semanas são suficientes para mudar o hábito alimentar. Se deixarmos de comer frutas, verduras e legumes nesse período, será certamente mais difícil recuperar esse hábito após a pandemia" Poucos países, entre os quais o Brasil, tomaram ações para implementar política de segurança alimentar permanente, que garanta a todos uma alimentação saudável. Infelizmente, os últimos governos, em particular o atual, iniciou um desmonte da política de segurança alimentar, começando pela extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), e culminando com tentativa de compra da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o que inviabilizaria o programa de compra de alimentos de agricultores familiares, que é um dos pontos altos da política de segurança alimentar do Brasil. BBC News Brasil - Quais os impactos práticos que essas mudanças trazem no cenário atual? Graziano - O impacto mais evidente é a demora em responder à situação de crise alimentar que estamos entrando. Estamos vendo pequenos agricultores não terem mercado para seus produtos, começarem a jogar produto fora porque não têm como comercializá-los. E estamos vendo aumentar o número de pessoas nas filas do pão, dos restaurantes populares, que estão fechando gradativamente. Enfim, há uma desorganização completa na resposta do governo na área da segurança alimentar. Isso é o reflexo do desmonte da política de segurança alimentar que começou com a extinção do Consea. BBC News Brasil - Pequenos agricultores dizem que as políticas agrícolas do Brasil favorecem os grandes produtores de commodities. A crítica procede? Graziano - Sim. E acho que ela tem muito a ver com o setor exportador. Os grandes produtores de commodities são os que fornecem os produtos exportados pelo Brasil e que são fundamentais para a entrada de dólares de que país tanto precisa. Um jeito de equilibrar isso é a reativação do programa de aquisição da agricultura familiar, o PAA, que garante mercado para os pequenos produtores de não commodities também. Nós não comemos só commodities. Nós comemos muita fruta, verdura, legumes, ovos, aves. Produtos animais que são criados localmente. Não são commodities de exportação. BBC News Brasil - Qual categoria de produtores deve ser priorizada no atual cenário? Um em cada cinco brasileiros é obeso, diz Ministério da Saúde Graziano - Sem dúvida, os pequenos produtores, os agricultores familiares. Não apenas porque produzem a maior parte dos alimentos que consumimos, mas porque são os mais frágeis e precisam de apoio creditício e de políticas de compra de alimentos da agricultura familiar. BBC News Brasil - Embora a ciência associada à agropecuária pareça avançar em velocidade, temos assistido à eclosão de grandes e repetidas epidemias entre animais de criação - a última delas, a peste suína africana -, que obrigam produtores a sacrificar milhões de animais e impactam a oferta global de alimentos. Esse modelo de criação animal deve ser repensado? Graziano - Não acho que essa epidemia tenha a ver com modelo industrial de criação de animais. Acho que tem muito a ver com o íntimo contato que tem o homem com os animais (selvagens) e a falta de equipamentos de proteção e medidas de higiene. Mas acho que esse modelo industrial pode ser melhorado se maiores cuidados de higiene forem tomados principalmente pelos seres humanos que fazem o processamento desses animais. BBC News Brasil - O biólogo americano Rob Wallace, que pesquisa esse tema, diz que a frequência e o poder destrutivo de epidemias recentes - como a peste suína africana, a Sars e a gripe aviária - se devem à progressiva redução da diversidade genética de rebanhos e ao avanço da produção agropecuária de grande escala sobre áreas de floresta, o que amplia a interface entre pragas selvagens e atividades humanas. O que o sr. acha? Graziano - Não sou especialista, mas partilho da preocupação sobre a redução da diversidade genética e sobre a destruição de áreas de floresta. Não é o primeiro vírus que provém de áreas de floresta ou animais selvagens. O caso do ebola e do zika são exemplos recentes disso. BBC News Brasil - Muitos acadêmicos têm especulado sobre legados positivos que a covid-19 pode nos deixar. Há algo benéfico que poderia acontecer no campo da agricultura e alimentação? "Estoques mundiais (de alimentos) estão folgados. Mas é sempre uma possibilidade, se houver pânico, (de haver) uma corrida para compra e estocagem" Graziano - Ainda é cedo para dizer sobre efeitos positivos. Ressaltaria dois pontos de preocupação. Primeiro, a qualidade nutricional dos produtos que consumimos na pandemia. A tendência é consumir produtos não perecíveis, já que temos de reduzir idas ao supermercado ou feiras. Isso pode acentuar os problemas de sobrepeso e obesidade da nossa população, principalmente das crianças e mulheres. Mais de três semanas são suficientes para mudar o hábito alimentar. Se deixarmos de comer frutas, verduras e legumes nesse período, será certamente mais difícil recuperar esse hábito após a pandemia. A segunda preocupação é o fato de nos fiarmos em um supermercado global que não existe. Pensamos que, o mundo estando abastecido, nossa despensa estará. Não é assim. Há grande problema de logística e distribuição. Precisamos valorizar circuitos locais de produção e consumo. Pensar mais nos produtos de proximidade, de estação, produtos frescos que estão mais próximos da gente e têm mais valor nutritivo, do que aqueles altamente processados como salsichas, embutidos, que nem sabemos o que têm dentro e têm quantia enorme de preservativos que não fazem bem à saude. Temos de valorizar alimentação mais saudável, a alimentação mais natural. Espero que essa seja a grande lição que a gente aprenda nessa pandemia. Resposta do Ministério da Cidadania às críticas de José Graziano: "É importante destacar que o Consea, bem como os demais conselhos vinculados à Presidência da República, foi extinto. No entanto, todas as competências que havia nesses órgãos foram distribuídas entre várias Pastas do Governo Federal. Com essa forma de organização administrativa, as ações governamentais tornam-se mais céleres e eficientes. Como exemplo disso, é possível citar a edição da Medida Provisória nº 953, de 15 de abril de 2020, que liberou R$ 500 milhões serão utilizados para o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Os recursos beneficiarão cerca de 85 mil famílias de agricultores familiares, além de 12,5 mil entidades e 11 milhões de famílias em vulnerabilidade social que receberão os alimentos, muitas delas ribeirinhas. Estes recursos começam a ser empenhados a partir desta semana e seguirão pelos próximos meses."
Só 6% de emergentes cumprirão metas de saúde infantil e materna, diz estudo
Apenas nove de 137 países emergentes fizeram progressos suficientes para alcançar as metas do milênio tanto em relação à mortalidade infantil e quanto materna, afirma um estudo publicado nesta terça-feira na revista científica britânica The Lancet.
Se a tendência atual continuar, 31 nações em desenvolvimento atingirão a meta número 4 (reduzir em 2/3 a mortalidade entre crianças menores de cinco anos entre 1990 e 2015), estima a pesquisa. Apenas 13 países alcançarão a meta número 5 (reduzir em 3/4 a mortalidade materna entre 1990 e 2015). O Brasil não estaria entre eles: até 2011 a mortalidade materna no país caiu 37%. A pesquisa calculou estimativas para o ano de 2011 levando em conta fontes de dados relevantes que haviam ficado de fora de análises anteriores, como registros de nascimento e óbito, pesquisas nacionais, censos e levantamentos feitos pelas autoridades de saúde.
Os católicos que são contra a canonização de João Paulo 2º
Os gritos de Santo Subito (“santo logo”, em tradução livre do italiano) que no dia 8 de abril de 2005 romperam o silêncio solene do funeral de João Paulo 2º terão seu pedido atendido em 27 de abril no mesmo lugar, a Praça de São Pedro do Vaticano, quando Karol Wojtyla será canonizado. Porém, nem todos os cristãos defendem a santidade do papa polonês.
O funeral de João Paulo 2º em 8 de abril de 2005 contou com a presença de milhares de pessoas O processo de canonização do pontífice número 264 foi o mais rápido de toda a história moderna, respondendo, do ponto de vista do Vaticano, a uma demanda dos fiéis sobre uma figura extremamente popular e carismática. Seu funeral se tornou um evento enorme assistido por centenas de milhares de pessoas, entre elas quatro reis, cinco rainhas e 70 presidentes e primeiros-ministros. No entanto, desde que se iniciou, primeiro a beatificação e em seguida a canonização, surgiram vozes que discordam e pedem mais tempo para esse processo ou que simplesmente seja suspenso. 'Um feito precipitado' "Nos parece ser um feito precipitado, um processo que não teve tempo suficiente para ser analisado e colocado na balança para entender de forma objetiva o papel que João Paulo 2º desempenhou nas últimas décadas na Igreja", disse o teólogo José Sánchez, do Observatório Eclesial do México, à BBC Mundo. Esta organização, que se declara de "inspiração cristã ecumênica, mas independente de partidos políticos e de qualquer religião", publicou recentemente um comunicado em que solicitava ao papa Francisco que suspendesse a canonização de João Paulo 2º. "As razões têm a ver com a realidade que vivemos aqui na América Latina e com como se viveu na América Latina esse pontificado que significou para muitas igrejas um processo de perseguição, de censura, de luta de uma experiência eclesiástica que nasceu em nosso continente a partir das comunidades eclesiais de base e da teologia da libertação", disse Sánchez. "E nesse sentido também vemos algumas omissões em relação às ditaduras militares na América Latina e que colocam em questão o papel de João Paulo 2º diante de ditadores como Pinochet, ou, em El Salvador, em relação ao caso de Monsenhor Romero, que foi assassinado e não foi homenageado", acrescenta o teólogo. "Ele foi levado por uma linha da Igreja e deixou de lado outra que também existe, muito mais vinculada com a base, com o social, com o mundo, por assim dizer, com a modernidade", disse à BBC Mundo Raquel Mallavibarrena, membro da Redes Cristianas, um coletivo de que representa grupos cristãos de base na Espanha e que também se manifestou contra a canonização de Wojtyla. Pederastia Porém, além das razões ideológicas, aqueles que se opõem à santificação de João Paulo 2º citam um dos capítulos mais polêmicos de seu mandato: os casos de pederastia entre o clero católico. Na América Latina, sua relação com o fundador dos Legionários de Cristo, o sacerdote mexicano Marcial Maciel, tem para os críticos da canonização um destaque especial. Maciel, falecido em 2008, acompanhou João Paulo 2º em suas visitas ao México em 1979, 1990 e 1993, e é acusado de ter cometido abusos sexuais contra menores desde a década de 1950. "Essa relação foi um erro que agora, visto o que se passou, é imcompreensível da forma como ocorreu. Há quem diga que não o informaram bem. Mas é verdadeiramente lamentável como em seu pontificado não pôde parar o desastre que havia entre os Legionários de Cristo. Isso foi uma falha", disse Mallavibarrena. "Este é um tema sensível. Acreditamos ser um processo de canonização precipitado enquanto não forem determinadas responsabilidades em relação ao conhecimento de João Paulo 2º para estes casos de abuso sexual que foram sistematicamente ocultados da cúria do Vaticano", reforçou Sánchez. No entanto, apesar da oposição de alguns setores, o pontífice polonês, um viajante incansável, é considerado uma dos papas mais reverenciados pelos católicos. Viajou para a América Latina 24 vezes e suas visitas se tornaram verdadeiros fenômenos de massa. 'Igrejas vazias' Muitos lembram de seu longo pontificado - de quase 27 anos, o segundo mais extenso da história depois de Pio 9º, que durou mais de 31 anos - como uma época em que a popularidade da Igreja gozou de boa saúde. Mas há quem questione esta imagem das praças repletas de fiéis. "Era um personagem extremamente popular que atraía milhares de pessoas, disso não há dúvidas. Outra coisa é se, além das aparências, dos grandes estádios de futebol, há algo (...). A responsabilidade de João Paulo 2º em afastar da Igreja números enormes de fiéis na América Latina e Europa é grande", disse à BBC Mundo Jaume Botey, teólogo e professor de História da Cultura da Universidade Autônoma de Barcelona. Papa Francisco realizará a missa de canonização de João 23º (esquerda) e João Paulo 2º Botey, que em 2007 assinou juntamente com outros teólogos um manifesto contra a canonização de João Paulo 2º, responsabiliza Karol Wojtyla pelo "esvaziamento das igrejas pela porta dos fundos". E aponta razões teológicas. "O paradigma em relação ao modelo de Deus que foi redescoberto durante o Concílio Vaticano 2º, de um Deus próximo, um Deus pessoa e histórico, de um Deus que vem de baixo e se descobre por meio dos acontecimentos da vida, foi destruído por João Paulo 2º que retomou a imagem de um Deus absoluto, arrogante (...). E esta contrarreforma foi destinada ao fracasso desde o começo", diz o teólogo. É difícil estabelecer a porcentagem de católicos que são contra a santificação de João Paulo 2º. "A postura crítica sempre foi minoritária na Igreja", reconhece Sánchez, que alegou a necessidade de se ouvir a diversidade de vozes que compõem uma comunidade de mais de 1,1 bilhão de pessoas. No próximo domingo, o papa Francisco rezará a missa de canonização de João Paulo 2º e João 23º, e espera-se que centenas de milhares de peregrinos assistam ao culto. Assim, pouco mais de nove anos depois de sua morte, Karol Wojtyla voltará a transformar a praça de São Pedro em um mar de gente.
Conferência de Yalta: o encontro em que 3 homens redesenharam o mundo há 75 anos
Em fevereiro de 1945, três homens se reuniram em um resort turístico para decidir o destino do mundo.
Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Joseph Stálin eram os 'Três Grandes' que se reuniram em Yalta para definir o mapa de influências da Europa no pós-guerra A Alemanha nazista estava de joelhos. Tropas soviéticas fechavam o cerco a Berlim, enquanto as forças aliadas haviam cruzado a fronteira ocidental alemã. No Pacífico, as tropas americanas avançavam continuamente contra o Japão. Enquanto seus exércitos se preparavam para a vitória, os chamados Três Grandes — o presidente americano Franklin Roosevelt, o premiê britânico Winston Churchill e o líder soviético Joseph Stálin — concordaram em se encontrar em Yalta, balneário soviético à beira do Mar Negro. Ao fim do mais sangrento conflito que o mundo já viu, 75 anos atrás, os Aliados queriam impedir que devastação semelhante voltasse a ocorrer. Tanto os EUA quanto a URSS queriam cooperação em seus próprios termos. Apesar dos acordos da Conferência de Yalta, em poucos meses o palco estaria montado para a Guerra Fria — a disputa entre as duas superpotências recém-emergidas que dividiram o mundo em dois campos ideológicos durante décadas. Fim do Talvez também te interesse "Se o objetivo de Yalta era criar as condições para uma ordem pós-guerra genuinamente pacífica, então a conferência fracassou", diz à BBC Andrew Bacevich, professora da Universidade de Boston. "Mas, dadas as aspirações contraditórias de EUA e URSS, esse objetivo nunca foi considerado." O que estava acontecendo em fevereiro de 1945? Já no início de 1945, a guerra estava perdida para a Alemanha nazista. O país mantinha sua resistência sangrenta e cada vez mais desesperada, mas já não havia mais dúvidas de qual seria o desfecho do conflito. No Leste Europeu, a União Soviética havia virado a maré e destruído as tropas alemãs, após quatro anos de uma guerra selvagem. Mas, ao mesmo tempo em que os soviéticos eram militarmente triunfantes — cerca de 75% das mortes de tropas alemãs ocorreram no front do leste —, o país sofria terrivelmente: estima-se que 27 milhões de soviéticos (sendo dois terços deles civis) tenham morrido no conflito, o que equivale a 1 a cada 7 cidadãos. Alguns acadêmicos estimam um número ainda maior. Tropas soviéticas enfrentando as alemãs no Cáucaso, em 1943; soldados de Stálin já estavam posicionados no Leste Europeu, o que seria crucial para consolidar a esfera de influência da URSS As cidades e terras soviéticas haviam sido dizimadas pela guerra. Indústrias, fazendas, lares e estradas foram apagadas do mapa. O que pretendiam os Três Grandes? Stálin estava determinado a reerguer a URSS. Foi a Yalta buscando uma esfera de influência no Leste Europeu, como uma zona de amortecimento que protegesse a União Soviética. Também queria dividir a Alemanha, para assegurar-se de que ela não voltasse a se tornar uma ameaça, e buscava compensações — em dinheiro, maquinário e até mão de obra — que ajudassem a recuperar seu destruído país. Stálin sabia que precisaria da aceitação das potências ocidentais para isso. Churchill entendia os objetivos de Stálin. A dupla havia se reunido em Moscou, em outubro de 1944, e discutido a ideia de dividir a Europa em esferas de influência, entre URSS e Ocidente. Ele também entendia que os milhões de soldados soviéticos que haviam expulsado os alemães da Europa central e do leste eram muito mais numerosos do que as tropas aliadas no oeste — e não havia nada que o Reino Unido pudesse fazer se Stálin decidisse mantê-los ali. O Reino Unido havia declarado a guerra em setembro de 1939 porque a Alemanha havia invadido seu aliado, a Polônia, e Churchill estava determinado a garantir a liberdade do país. O Reino Unido, no entanto, também havia pago um preço alto pela vitória e estava essencialmente falido. Churchill esperava que os EUA o apoiassem e se mantivessem firmes perante Stálin. Mas Roosevelt, o presidente americano, tinha suas próprias prioridades. Ele queria que Stálin se tornasse signatário das Nações Unidas, então um novo órgão de promoção da paz em um mundo pós-guerra. Melvyn Leffler, professor da Universidade da Virgínia, diz à BBC que Roosevelt tinha plena ciência de como as animosidades entre aliados após a Primeira Guerra Mundial haviam feito os EUA se afastarem da política global nas décadas de 1920 e 30. "O que Roosevelt queria mais que tudo era evitar o retorno ao isolacionismo americano", explica Leffler. O presidente americano também queria que a URSS declarasse guerra ao Japão. Embora a maré tenha virado dramaticamente contra o Império japonês, as forças deste ainda conseguiam impor duras perdas às tropas americanas no Pacífico. Ansiedade quanto a uma possível invasão sangrenta de ilhas japonesas pairavam sobre o pensamento estratégico dos EUA. O que aconteceu em Yalta? Embora Roosevelt quisesse realizar o encontro dos Três Grandes em algum ponto do Mediterrâneo, Stálin — que tinha medo de voar — ofereceu Yalta. As conversas ocorreram entre 4 e 11 de fevereiro na residência da delegação americana, o Palácio Livadia, que fora antes a residência de veraneio do último czar russo, Nicolau 2º. Os três líderes já haviam se reunido antes, em Teerã, em 1943. Roosevelt estava mais disposto que Churchill a confiar em Stálin — o britânico via o líder soviético como uma perigosa e crescente ameaça. Palácio Livadia, em Yalta. foi o palco das discussões Após uma semana de conversas, os Três Grandes anunciaram suas decisões ao mundo. Após sua rendição incondicional, a Alemanha seria repartida. Os líderes concordaram em princípio em dividir o país em quatro zonas de ocupação, uma para cada país presente em Yalta e uma para a França, e a mesma divisão ocorreria em Berlim. A declaração também dizia que a Alemanha pagaria compensações "na maior extensão possível", e uma comissão seria criada em Moscou para determinar o tamanho da dívida. Os líderes também concordaram em realizar eleições democráticas na Europa libertada — incluindo na Polônia, que teria um novo governo "com a inclusão de líderes democráticos da Polônia e de poloneses no exterior". A URSS já havia posicionado um governo comunista provisório em Varsóvia, que eles concordaram que seria expandido. Mas democracia significava algo muito diferente para Stálin. Embora ele publicamente concordasse com eleições livres na Europa, suas tropas já estavam alocando partidos comunistas locais em órgãos-chave de países centro e leste-europeus. Além disso, os líderes decidiram, a pedido de Stálin, que as fronteiras da Polônia fossem movidas a oeste, dando terras à URSS. Os países bálticos também passariam a ser da União Soviética. Cartaz diz 'você está deixando o setor britânico de Berlim'; Alemanha e sua capital foram repartidas entre os Aliados A historiadora Anne Applebaum escreveu, em texto sobre a chamada Cortina de Ferro (expressão usada para designar a separação leste-oeste imposta na Europa do pós-guerra), que os líderes haviam "decidido o destino de grandes porções da Europa com uma surpreendente indiferença". Roosevelt, "sem grande entusiasmo", pediu que a cidade de Lwow continuasse sendo parte da Polônia, mas não pressionou muito, e logo essa ideia foi abandonada. O presidente americano estava mais concentrado em seu plano para a ONU, e conseguiu o que desejava. As três nações concordaram em mandar delegados a San Francisco em 25 de abril de 1945, para ajudar a estabelecer a nova organização internacional. E mais: Stálin prometeu lançar uma invasão do Japão três meses depois da derrota da Alemanha. Churchill continuava profundamente preocupado com a situação do Leste Europeu após a conferência de Yalta, a despeito dos acordos. Ele pediu que suas tropas e as americanas se movessem em direção ao leste o máximo que conseguissem antes do fim da guerra. O que aconteceu depois? Em questão de meses, a situação política mudaria drasticamente. Roosevelt morreu depois de uma grave hemorragia cerebral em abril e foi substituído por Harry Truman. A Alemanha se rendeu incondicionalmente em maio. E, em 16 de julho, os EUA fizeram o teste bem-sucedido de sua nova arma secreta: a bomba nuclear. No dia seguinte, Truman se reuniu com Churchill e Stálin na conferência de Potsdam, nos arredores de Berlim. Truman não conhecia Stálin, e era presidente havia apenas quatro meses. Chruchill, que estava no poder desde maio de 1940, foi substituído no meio da conferência por Clement Atlee, após as eleições britânicas de 1945. Clement Attlee, Harry Truman e Joseph Stálin em Potsdam; segunda conferência do pós-guerra tinha líderes - e clima - diferentes O clima em Potsdam era muito diferente. Políticos americanos se sentiram mais confiantes após perceber o poder de fogo da bomba atômica. Truman era muito mais cético sobre Stálin do que Roosevelt era. Ele e seus assessores acreditavam que a URSS não tinha nenhum desejo de respeitar os acordos de Yalta. Em menos de dois anos, o presidente americano anunciou a chamada Doutrina Truman, que defendia o poder americano para conter a expansão soviética no mundo. Era o começo da Guerra Fria. Tanto Churchill quanto Roosevelt foram posteriormente criticados por ceder em demasia a Stálin em Yalta. Mas, em termos práticos, havia pouco que pudessem fazer. Stálin já tinha tropas posicionadas na Europa central e do leste. Depois de Yalta, Churchill encomendou um plano de ataque contra a URSS (sob o codinome Operação Impensável), mas estrategistas britânicos perceberam que seria completamente irreal. Para o acadêmico Leffler, "o que Yalta fez, em respeito ao Leste Europeu, foi simplesmente reconhecer as realidades de poder que existiam na época". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Como deixar WhatsApp e Telegram mais protegidos
Ao ser questionada no Twitter se o Telegram foi hackeado no caso das conversas atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, e ao procurador Deltan Dallagnol que vazaram e foram divulgadas pelo site Intercept Brasil, a empresa responsável pelo aplicativo deu uma resposta curta e direta.
Verificação em duas etapas com inclusão de senha pode aumentar proteção de dados trocados no Telegram e no WhatsApp, mas existem outras formas de interceptar mensagens "Não há evidência de qualquer invasão. É mais provável que tenha sido malware ou alguém que não esteja usando uma senha de verificação em duas etapas", disse o Telegram em sua conta no Twitter. Malwares são vírus ou qualquer outro tipo de programa desenhados para danificar ou roubar dados e dispositivos. A senha de verificação em duas etapas, por sua vez, é considerada uma medida essencial para deixar aplicativos de bate-papo mais seguros - mas não necessariamente 100% imunes a acessos indevidos. Tanto o Telegram quanto o WhatsApp oferecem a função. Fim do Talvez também te interesse Como ativar a verificação em duas etapas? Para ativar a verificação em duas etapas no WhatsApp, vá em Configurações (símbolo de uma engrenagem no canto direito da tela). Clique em Conta, Verificação em duas etapas e, finalmente, em Ativar. "Ao ativar este recurso, você terá a opção de inserir seu endereço de e-mail. Este endereço de e-mail será utilizado para que o WhatsApp possa lhe enviar um link para desativar a verificação em duas etapas caso você esqueça o PIN e também para ajudar a proteger a sua conta", explica o aplicativo. "Nós não verificamos este endereço de email para confirmar sua autenticidade. Recomendamos que você forneça um endereço de email autêntico, pois assim você reduz o risco de ficar sem acesso à sua conta caso esqueça o PIN", sugere o WhatsApp. Como ativar verificação em duas etapas no WhatsApp No caso do Telegram, o passo-a-passo é similar. Você fazer isso em Configurações > Privacidade e Segurança > Verificação em duas etapas. Uma vez habilitada, é preciso do código SMS e também da sua senha para entrar, explica o tutorial do Telegram, dizendo que é possível também definir um email para recuperação da senha, que ajuda em caso de esquecimento da senha. Há ainda a possibilidade de escolher uma "dica" para lembrar a palavra-chave. "Se você fizer isso, lembre-se de que é importante que o email de recuperação também seja protegido com uma senha forte e verificação em duas etapas, quando possível", alerta o Telegram. É possível ainda configurar mensagens, fotos, vídeos e arquivos para autodestruição em um determinado período depois que elas foram lidos ou abertos pelo destinatário. "A mensagem desaparecerá do seu dispositivo e do de seu amigo", diz o aplicativo. 'Não o protegemos da sua mãe' A verificação em duas etapas ou o uso da função de autodestruição não são garantias de que conversas não serão acessadas indevidamente, mas aumentam a proteção e dificultam ataques, bem como o uso indevido de informações pessoais. "Lembre-se de que não podemos protegê-lo de sua própria mãe se ela pegar seu telefone desbloqueado sem uma senha. Ou do seu departamento de TI, se eles acessarem seu computador no trabalho. Ou de qualquer outra pessoa que tenha acesso físico ou root aos seus telefones ou computadores que estejam executando o Telegram", diz o aplicativo. No Telegram: a partir do configurações, acessar 'Privacidade e Segurança' e, em seguida, 'Verificação em duas etapas' Apesar de o Telegram e o WhatsApp prometerem segurança e privacidade com suas mensagens criptografadas de ponta a ponta, existem ainda outras formas de interceptar conversas nesses aplicativos. Um golpe é o chamado "SIM swap", no qual hackers clonam temporariamente o cartão de operadora – isso pode ser feito por funcionários de empresas de telefonia ou por um golpista munido de dados pessoais que liga para o atendimento e se passa pelo titular da linha. A partir daí, sequestra-se as contas dos aplicativos e as senhas de acesso podem ser recebidas por SMS pelo invasor, que está temporariamente com o SIM da pessoa. Outra forma de acesso é via backups salvos na nuvem, que podem ser feitos, por exemplo, por meio de malwares. O WhatsApp salva no Google Drive ou no iCloud, se o sistema for Android ou IOS, respectivamente. Já o Telegram salva em uma nuvem própria do aplicativo. Mas conversas salvas na nuvem não estão criptografadas, porque a criptografia já foi desfeita quando a mensagem foi lida. A criptografia embaralha as conversas, impedindo que sejam lidas, apenas durante o trajeto do emissor ao destinatário. Outra forma é a captura de tela, por um dos iterlocutores ou participantes de grupo. "Infelizmente, não há uma maneira 'à prova de balas' para detectar capturas de tela em determinados sistemas", diz o Telegram, que promete se esforçar para alertar o usuário sobre capturas de tela feitas em chats secretos. "Mas ainda será possível contornar essas notificações e fazer capturas de tela silenciosamente", esclarece o aplicativo. O conselho do Telegram é compartilhar informações confidenciais apenas com pessoas de confiança. "Afinal, ninguém pode impedir uma pessoa de tirar uma foto da tela com um dispositivo diferente ou uma câmera fotográfica tradicional", diz o tutorial do Telegram . Ataque a Moro Cinco dias antes de o Intercept Brasil revelar conversas de integrantes da Lava Jato, o ministro Sergio Moro tinha informado à Polícia Federal uma tentativa de invasão ao seu aparelho celular. No dia 4 de junho, a assessoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que, após suspeitar dos ataques, Moro trocou de aparelho celular. Moro nega 'qualquer anormalidade ou direcionamento' da atuação dele como magistrado e suspeita que teve o celular hackeado O ministro recebeu uma ligação de número desconhecido, mas, mesmo assim, atendeu. Momentos após essa ligação, o invasor acessou o Telegram de Moro. Segundo a assessoria do Ministério, há pelo menos dois anos o ministro não usava o aplicativo. Moro trocou de linha e pediu à PF para investigar o caso. Peritos da PF extraíram os dados do aparelho do ministro para avaliar se o invasor conseguiu copiar dados do telefone. Não se sabe se essa aparente tentativa de ataque ao celular do ministro está relacionada ao vazamento das conversas dele com Deltan Dallagnol. O The Intercept informou apenas que conseguiu "mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens enviados por uma fonte anônima", que contatou o site semanas atrás, "bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro" na semana passada. Hacker agressivo e sorrateiro Apesar de o Telegram afirmar que não houve ataque hacker a seu sistema, a força-tarefa da Operação Lava Jato publicou uma nota de esclarecimento afirmando que as mensagens foram obtidas por meio de uma invasão. MPF no Paraná diz que hacker sequestrou identidades e se passou por procuradores e jornalistas para conseguir informações "O modo de agir agressivo, sorrateiro e dissimulado do criminoso é um dos pontos de atenção da investigação. Aproveitando falhas estruturais na rede de operadoras de telefonia móvel, o hacker clonou números de celulares de procuradores e, durante a madrugada, simulou ligações aos aparelhos dos membros do MPF", diz a nota. "Para tanto, valeu-se de 'máscaras digitais', indicando como origem dessas ligações diversos números, como os dos próprios procuradores, os de instituições da República, além de outros do exterior", diz o MPF. Ainda segundo a nota, o hacker ainda sequestrou identidades e se passou por procuradores e jornalistas em conversas com terceiros para conseguir mais informações. Também segundo o MPF, foram identificadas tentativas de ataques em aparelhos de parentes dos procuradores. A Procuradoria-Geral da República determinou a instauração de um procedimento administrativo para acompanhar a apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do Ministério Público Federal, sobretudo procuradores que integram a força-tarefa Lava Jato. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Artista reúne mais de mil pelados na Irlanda; assista
Mais de mil pessoas tiraram as roupas em nome da arte na frente do castelo Blarney, na Irlanda, nesta quarta-feira.
Os voluntários participaram de uma instalação do artista americano Spencer Tunick, que já realizou eventos parecidos em Caracas, Nova York e num glaciar na Suíça. O evento, ao nascer do dia, faz parte do festival Cork Midsummer. Tunick vem fazendo instalações com nus em público desde 1992.
Remessas de emigrantes superam investimento direto na AL em 2003
As remessas de residentes no exterior aos seus países de origem na América Latina e no Caribe chegaram a US$ 38 bilhões em 2003, bem mais do que todo o investimento estrangeiro direto e a ajuda oficial para o desenvolvimento, respectivamente de US$ 24 bilhões e US$ 5 bilhões. Em 2002, as remessas foram estimadas em US$ 32 bilhões.
No Brasil, a estimativa é que elas somem US$ 5,2 bilhões, o segundo maior volume depois do México, que recebeu US$ 13,3 bilhões. O investimento estrangeiro direto no Brasil foi de US$ 10 bilhões no ano passado. A estimativa é de um grupo de trabalho formado por economistas, técnicos e representantes de bancos, criado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para estudar o assunto e elaborar sugestões para reduzir os custos de envio de dinheiro de um país para outro e para aumentar o número de pessoas com conta bancária no local de recebimento dos recursos. As remessas de pessoas que trabalham no exterior para o país de origem cresceram muito nos últimos anos e devem continuar crescendo, na avaliação do chefe do Fundo Multilateral de Investimentos do BID, Donald Terry. Globalização "Não são só as empresas que se globalizam. As pessoas também se mudam para onde estão os empregos e, infelizmente, neste momento, os empregos não estão na América Latina e no Caribe", afirmou. Esse dinheiro é geralmente enviado para os membros da família que ficaram no país e utilizado não somente para gastos básicos, mas também investido em imóveis e pequenos negócios. O volume de remessas recebidas pelo Brasil foi estimado pela equipe do BID, que considera o país "a última fronteira" nesta área. O Banco Central registra apenas US$ 1,2 bilhão, mas os dados oficiais dos bancos brasileiros nos lugares onde há mais emigrantes já mostram um retrato diferente: US$ 3 bilhões foram enviados no ano passado do Japão, US$ 1 bilhão dos Estados Unidos e outro US$ 1 bilhão da Europa, metade desse volume de Portugal. "O Brasil é o país mais obscuro em termos de remessas do mundo", disse Terry. Para tentar entender melhor o assunto, o BID começa daqui a uma semana uma pesquisa com 4 mil pessoas nas cidades que mais mandam dinheiro, e apresenta os resultados no dia 31 de maio no Rio de Janeiro e em 1º de junho em Belo Horizonte. Burocracia Uma das recomendações que a equipe do BID fará ao Banco Central brasileiro é acabar com a necessidade de formulários individuais para cada transação de transferência. "A burocracia atrapalha o uso do sistema bancário para as remessas", diz Terry. A importância crescente das remessas como investimento nos países de origem despertou a atenção do BID e dos bancos comerciais, que começam a se interessar em criar produtos específicos para facilitar o envio de recursos através do sistema financeiro. Como primeiro resultado do trabalho do BID, foi assinado neste sábado, em Lima, um convênio entre o banco espanhol La Caixa e bancos do Peru, da Colômbia e do Equador para o lançamento de um cartão que vai permitir o depósito na Espanha e o saque no país de destino, com custo reduzido. O grupo, criado há cinco anos pelo BID para melhorar o sistema de remessas de divisas, estabeleceu como metas para os próximos cinco anos reduzir o custo de envio de dinheiro e aumentar o acesso ao sistema financeiro nos países latinoamericanos que recebem os recursos. Custos "Hoje em dia, menos de 10%, talvez apenas 5%, dos recursos passam pelo sistema financeiro. Queremos aumentar para pelo menos 50%", diz Terry. O BID estima que o custo médio da remessa já caiu pela metade nos últimos anos, mas os bancos e empresas de transferências ainda cobram de 7% a 8,5% do total pelo serviço. Com o aumento da concorrência, o BID espera uma redução do custo. "Em anos passados, os bancos comerciais não se interessavam por este serviço, mas agora, como o volume aumentou muito, eles começam a se interessar", diz Terry. Se a taxa de crescimento se mantiver nos níveis atuais, o volume de remessas acumulado na década, de 2001 a 2010, deve chegar a US$ 500 bilhões. O estudo do BID também mostra que os emigrantes mandam em média para suas famílias de US$ 200 a US$ 300 por mês. No ano passado, foram mais de 150 milhões de transações para cerca de 18 milhões de famílias e 50 milhões de pessoas. Em El Salvador, por exemplo, o volume de remessas enviadas por emigrantes, de US$ 2,3 bilhões, ultrapassou no ano passado o PIB do país. Mesmo no México, que tem a maior economia da região, as remessas ultrapassam o montante recebido pelo país em divisas e correspondem a dois terço das exportações de petróleo e quase o dobro do total de exportações agrícolas. O México é o segundo país que mais recebe remessas de emigrantes do mundo, depois da Índia, com um total de US$ 15 bilhões para uma população dez vezes maior.
Lima Barreto é bom remédio para nossa enxaqueca republicana e democrática, diz Lilia Schwarcz
Se estivesse vivo, o escritor Lima Barreto (1881-1922) talvez fizesse piada com o 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil ou destilasse sarcasmo ao comentar a crise política nacional. Sua picardia, a qualidade de sua prosa, suas críticas aos estrangeirismos e à qualidade do funcionalismo público e sua literatura de temática racial não poderiam estar mais atuais, defende a historiadora Lilia Moritz Schwarcz.
Lima Barreto em foto de sua ficha em hospital psiquiátrico, em 1914 Autora de uma recém-lançada biografia do autor, Lima Barreto - Triste Visionário, publicada pela Companhia das Letras, ela navega pela história do personagem para desaguar em um tratado sobre uma "certa história do Brasil". Vítima de um grave alcoolismo, que o levou a duas internações manicomiais, Lima Barreto teve sua obra silenciada por muito tempo, já que conseguiu desagradar a toda elite cultural e econômica nacional no início do século passado. Revisitado política e literariamente, ele é o tema da Feira Literária de Paraty (Flip) deste ano, que acontece entre esta quarta-feira e o domingo. "Essa é a Flip da crise. Tinha que ser o Lima Barreto para ser uma edição mais marginal, que vai ser menor, não vai ter tenda, tem que ser na Igreja, enfim. Parece que o Lima desestabiliza até na Flip, quando chega a vez dele é diferente", disse Schwarcz à BBC Brasil. Veja a seguir os principais trechos da conversa com a historiadora. Schwarcz vê conexões entre seu livro anterior, 'Brasil: Uma Biografia', e obra sobre Lima Barreto BBC Brasil - A biografia de Lima Barreto sucede seu livro Brasil: Uma Biografia. As duas obras têm algo em comum? Lilia Schwarcz - Sim. Lima Barreto teve uma biografia fundamental, de Francisco de Assis Barbosa, de 1951. Mas eu queria outro Lima - que era vítima sim, mas que tinha protagonismo. E eu queria inquirir o tema racial e a questão de gênero - essas são questões da nossa geração, e não podia cobrar isso do Francisco de Assis. Minha geração é que tem convivido com as questões dos direitos civis, das diferenças. Eu lia Lima Barreto havia muito tempo, já identificava isso e é uma história do Brasil, é uma certa história do Brasil. Quando eu fiz o Brasil: Uma Biografia, muito influenciada pela pesquisa, a gente dizia que um dos pilares da história do Brasil é a questão racial, que ainda é uma grande invisibilidade hoje no Brasil. Para você ter uma ideia, quando eu lancei Brasil: Uma Biografia, não poucos jornalistas me falavam "poxa vida, nunca tinha pensado na história do Brasil sobre esse ângulo". E foi o último país a abolir a escravidão, recebemos 45% dos africanos que foram forçados a sair do seu território, então é um espanto. Eu quero contar a história do Brasil a partir da janela de Lima Barreto. Página do jornal 'A Noite', de 1915, anunciando início de publicação de textos de Lima Barreto BBC Brasil - Além de ser atual pela questão do gênero, de raça, há na obra dele uma decepção com os políticos, presente atualmente também. Como aborda isso? Schwarcz - Eu começo o livro com uma citação que diz que "O Brasil é uma grande comilança - comem os políticos, os jornalistas, comem os juristas". Você lê aquilo e a sensação que te dá é um dèjá vu. Ela cobre a corrupção da República, cobre o mau uso da res pública a partir de interesses privados. E faz uma crítica feroz aos políticos, chega a dizer "à República do Brasil falta dignidade". Então ele cobra um Brasil mais inclusivo, mais justo, mais igualitário - problemas que estamos vivendo até hoje. São temas que ele viveu no pós-abolição e que vivemos ainda nessa mesma República falhada que padece com os problemas de corrupção, mas não só disso: de racismo, homofobia. São questões que estão na pauta de Lima Barreto, e que estão na nossa agenda. BBC Brasil - E ele faz isso com um humor ácido... Schwarcz - A gente tem esse jeito tão brasileiro de rir da desgraça. Me lembro do 7 a 1 da Alemanha contra o Brasil. Assim que o jogo terminou comecei a receber mensagens tirando sarro disso, e o Lima tem um pouco disso - muito crítico, muito mordaz, mas ao mesmo tempo muito bem humorado. As histórias dele sobre o funcionalismo público são de matar de dar risada - ele diz que "você mede a qualidade de um bom funcionário público pela quantidade de vezes que ele abre as gavetas, ou que ele aponta o lápis". E ele tá lá, é funcionário público. É uma blague que tem a ver com esse modernismo carioca, que durante muito tempo ficou fora da agenda, fora do compasso dos modernismos, e que era um modernismo boêmio e bem humorado. Era crítico de idealizações do país, era uma literatura crítica, de contestação. E ele faz uma crítica aos estrangeirismos. E teve uma recepção desastrosa na época, como você pode imaginar. João Henriques e Amália Augusta, pais de Lima Barreto, em imagens que estão na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindli BBC Brasil - Desastrosa porque era crítica às elites ou porque já era racialmente engajada? Schwarcz - Quando eu digo que Lima Barreto merece mais do que (ser) a vítima, é porque ele tinha um projeto literário, de inserção. E fazer uma literatura negra, afrodescendente, era grave nessa época. Porque era um tema entre muitas aspas, as pessoas achavam desagradável, era melhor não falar disso. E a gente sabe que naquela época, quem fazia sucesso, virava branco. Tanto nas fotos como na cor. Temos cor social. No próprio manicômio, ele foi internado como branco e, depois, como pardo. Essa é a régua da cor no Brasil. Eu tentei provar no livro que ele trazia esse tema, ele descreve a cor dos personagens de uma forma minuciosa, ele próprio se chamava de azeitona escura. Para você ter um autor que diz que negro é a cor mais cortante no Brasil - não tem ingenuidade nisso. Ninguém queria falar desse tema. BBC Brasil - Lima ajudou a impulsionar uma literatura afrodescendente? Schwarcz - Ele morreu em 1922, aos 41 anos e com a obra muito silenciada. Depois da Nigéria, o Brasil é o maior país de população negra e africana e somente agora começam a aparecer expoentes da literatura negra, afrodescendente. E eu não chamo de literatura negra quem nasceu negro, não é uma questão de origem, é uma opção - no Lima Barreto é um projeto literário. Caricatura de Lima Barreto em página do jornal 'A Cigarra', em 1919 E agora sim, para esse tipo de literatura, Lima Barreto é sempre lembrado e vai continuar a ser lembrado. E ele nunca esteve tão atual. BBC Brasil - E pode ser inspirador para esse momento de apatia? Schwarcz - Lima Barreto é um bom autor para a gente pensar as nossas falácias da democracia e da República. Ele vivia acusando as nossas instituições - a gente anda dizendo que as nossas instituições estão fortes, eu não vejo como. É só um ritual vazio que anda forte, e não as instituições. E ele falava mal do presidente, do deputado, ele é crítico dos discursos vazios. Ele é um bom remédio para nos curar da nossa enxaqueca republicana e democrática. É um autor que provoca, que não estabiliza. Exatamente depois das manifestações, dos panelaços, a gente entrou em um período de apatia. E o período pede de nós - como diria o poeta - vigilância. E não apatia. E Lima Barreto era muito vigilante, e incômodo na sua vigilância. Ele é bom para nós neste momento.
A invenção milenar que deu origem aos jogos de tabuleiro atuais
À medida que a fogueira esmorece, uma família pega os restos de seu banquete, revirando os ossos em busca de qualquer sobra de carne. É cerca de 3.000 a.C. em Skara Brae, um pequeno povoado neolítico na costa oeste do arquipélago de Orkney, na Escócia.
Essas pessoas levam uma vida confortável — e têm tempo para se divertir. Satisfeitos após o jantar, reservam um momento para se entreter. Um dos membros da família encontra um osso de articulação — nodoso, irregular, do tamanho da unha do polegar — e o joga pela sala. Outra pessoa reúne mais alguns e os empilha em uma torre. Logo, as regras são anunciadas: marca ponto quem lançar o osso mais próximo de um alvo, acertá-lo em uma xícara ou derrubar a torre de seu adversário. Os jogos modernos são todos baseados na mesma ideia. Há milênios lançamos objetos por aí para nos divertirmos. Esta família de Skara Brae não foi a primeira a jogar usando ossos — temos exemplos de jogos deste tipo ao longo da história. Mas o que eles fazem a seguir não tem precedentes. Fim do Talvez também te interesse Eles numeraram os lados dos ossos com pontos. Se você entrasse nesta casa e vasculhasse os pertences da família enquanto eles dormiam, seus objetos poderiam ser divididos em dois lotes: artefatos cujo propósito nós conhecemos, e coisas que não identificamos. Na pilha "não identificada", estão objetos estranhos — bolas lisas de pedra entalhada, por exemplo, que talvez fossem armas ou símbolos de status, e várias outras pedras decoradas que poderiam ser "bens pessoais valiosos", escreve Antonia Thomas, arqueóloga da University of the Highlands and Islands, no Reino Unido. Do lado "conhecido", estariam copos esculpidos de madeira, peças de cerâmica — e os ossos numerados. Estes ossos são dados de 5 mil anos cujo design e propósito permaneceram praticamente idênticos até hoje. Uma pessoa moderna saberia imediatamente como usá-los. Embora os ossos da articulação pudessem proporcionar diversão por si só, numerar seus lados criou um novo mundo de possibilidades de jogos. Os dados são os geradores originais dos números aleatórios — eles criaram a probabilidade. Os dados são peculiarmente universais. Com frequência, da Europa à Ásia, seus lados são numerados com pequenas sementes, em vez de inscrições, assim como os encontrados em Skara Brae. Os dados com sementes permaneceram inalterados por milênios. O osso da articulação de uma ovelha era lançado como dado Ninguém sabe de onde e de quando vem o costume de numerar os lados opostos de um dado cúbico de modo que somem sete. Irving Finkel, um filólogo e especialista em língua e cultura mesopotâmica do Museu Britânico, em Londres, sugere que as pessoas podem ter pensado que isso tornava os dados "justos", embora não haja nenhuma razão científica para tal. Qualquer que seja a lógica, a tradição permaneceu, e quase todos os exemplos de dados de seis lados ao longo da história têm faces opostas que somam sete. Os primeiros dados, muito provavelmente, não tinham seis lados. Na verdade, os dados de ossos de articulação podem ter sido lançados para responder a perguntas de "sim" e "não" antes de serem numerados, com os dois lados maiores e mais planos fornecendo o resultado, diz Finkel. Um lado pode ter sido esfregado com carvão, de modo que uma face era preta e a outra, branca. Há outros candidatos a dados mais antigos: varas de arremesso de dois lados foram usadas no Egito Antigo aproximadamente na mesma época, "o que precedeu em muito a fabricação de dados de seis lados", diz Finkel, e pirâmides de quatro lados foram usadas no Oriente Médio. Saber exatamente quais jogos de dados vieram primeiro é impossível, diz Ulrich Schädler, diretor do Museu Suíço de Jogos, em La Tour-de-Peilz, a menos que os materiais fossem esculpidos em pedra ou osso. Alguns dos primeiros jogos de que temos certeza incluem um chamado "20 casas", em que os jogadores disputam uma "corrida" em um tabuleiro com 20 casas — algumas das quais são seguras, e outras compartilhadas com o adversário, dando a eles a chance de te enviar de volta para o início. O jogo foi comparado ao gamão. Versões deste jogo foram encontradas no Norte da África, no Oriente Médio e no subcontinente indiano — o exemplo mais notável é o Jogo Real de Ur, em homenagem à antiga cidade da Mesopotâmia (atual Iraque). O tabuleiro de Ur, composto por um mosaico feito de conchas do mar e jogado com um dado em forma de pirâmide, data de meados do terceiro milênio a.C. e está em exibição no British Museum. Foi Finkel quem descobriu suas regras. Outro jogo chamado Senet era jogado no Egito por volta da mesma época. Vários tabuleiros bem preservados foram encontrados em tumbas de faraós e retratados em pinturas na parede. O Jogo Real de Ur é um exemplo requintado do jogo de 20 casas de 2.600-2.300 a.C. Mas Schädler diz que jogos como esse não eram jogados apenas pela realeza. O tabuleiro de Ur é requintado, mas versões simples eram riscadas na pedra ou até mesmo na terra. Segundo ele, é difícil saber como as primeiras versões desses jogos se desenvolveram, uma vez que eram jogados no chão com pedras, então os tabuleiros feitos para os ricos deixados em câmaras funerárias e as ilustrações nas paredes fornecem os melhores materiais para análise. "Coisas como essa só aparecem em altas civilizações antigas como Egito, Ur e Vale do Indo [próximo ao Paquistão e Afeganistão]", diz Schädler. Exemplos anteriores ao terceiro milênio a.C. se tornam controversos. Há pedras esculpidas com longas filas de buracos encontradas na África, nas Arábias e Oriente Médio, algumas das quais datam de 7.000 a.C. e 9.000 a.C. Esses buracos foram comparados a um jogo africano moderno chamado Mancala, no qual dois jogadores disputam as sementes ou pedrinhas entre os buracos. É impossível dizer se esses buracos são uma versão antiga da Mancala, uma vez que as peças do jogo não permanecem. Schädler não está convencido: "Entre esses tabuleiros e os primeiros jogos de tabuleiro reais, haveria 3,5 mil anos sem nada. Isso é altamente improvável", diz ele. Mas Finkel acredita que "é mais provável ​​que sejam jogos do que qualquer outra coisa". "Alguns dizem que são um tipo de calculadora antiga ou eram usados ​​em rituais. Isso é possível. Mas houve uma escavação em Arad, no sul de Israel, na qual muitas casas tinham um desses tabuleiros planos com orifícios paralelos. Talvez [os moradores] ficassem sentados lá o dia todo fazendo cálculos — mas não acredito. Acho que era para se divertir." Este exemplo moderno de tabuleiro de Mancala vem da Uganda Mas será que surgiu algo entre 7.000 a.C. e 2.500 a.C. para ajudar a desenvolver os jogos — das disputas de pedrinhas na terra até os jogos de tabuleiro que divertiam a realeza? Arqueólogos sugerem que uma descoberta recente, que data do intervalo destes períodos, seria um jogo de estratégia complexo. Mas Schädler não está convencido. Chamado de "Cães e Porcos", seria composto por duas dúzias de peças de pedra diferentes, incluindo algumas pirâmides, porquinhos e cabeças de cachorro. Os artefatos foram encontrados em um túmulo na Turquia que data de cerca de 3.000 a.C. "No museu, eles colocam [as peças] em um tabuleiro de xadrez", diz Schädler. "Esta é uma reação muito típica, mas é prematura por vários motivos. O fato de essas peças serem encontradas juntas em uma sepultura não significa que estavam juntas antes de irem parar na sepultura. Talvez várias pessoas tenham colocado algumas peças na sepultura. Talvez a pessoa enterrada fosse um pedreiro, e esta é apenas uma coleção do tipo de peças que ele produzia. " Schädler acrescenta que supor que as peças eram jogadas como uma partida de xadrez é um grande salto. Jogos como Senet e Mancala envolvem uma disputa simples. O xadrez tem inovações que levariam milhares de anos para serem desenvolvidas. Alguns arqueólogos presumem que a Mancala era jogada há milhares de anos com base em buracos encontrados em pedras — mas há poucas evidências disso, e ninguém sabe quais seriam as regras. Os jogos que sabemos que eram jogados no segundo e terceiro milênio a.C. têm duas coisas em comum: precisavam de dados e eram para dois jogadores. Esta caixa de jogo egípcia de 1.400-1.200 a.C. tem um tabuleiro de Senet no topo, e um tabuleiro de 20 casas embaixo Dois dos primeiros jogos que conhecemos que não usavam dados são o Go (cujas origens se misturam ao folclore, mas o primeiro tabuleiro data de 150 a.C.) e o xadrez (a partir do século 6 d.C.). O xadrez também trouxe uma inovação — as peças podem fazer movimentos diferentes. Mas por que demoramos tanto tempo para desapegar dos jogos baseados em dados? Schädler acredita que pode ser porque nossas habilidades matemáticas não eram tão sofisticadas. "Parece improvável que em 7.000 a.C. eles fossem capazes de desenvolver esse conceito de pensamento matemático abstrato", avalia. Schädler sugere ainda que, se a consciência não fosse tão desenvolvida como agora, não poderíamos conceber jogos que não dependessem da sorte. O psicólogo americano Julian Jaynes popularizou um conceito na década de 1970 de que, até mesmo tão recentemente quanto a Grécia Antiga, as pessoas acreditavam que eram dirigidas por intervenção divina. A definição de consciência de Jaynes é específica e limitada, diz Andrea Cavanna, neuropsiquiatra da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e autora de várias críticas às ideias de Jaynes. Jaynes acreditava que, embora as pessoas fossem capazes de falar, julgar, raciocinar, resolver problemas e fazer muitas das coisas que associamos à inteligência, elas não tinham consciência. "Ele argumentou que há evidências de tal mentalidade pré-consciente na obra literária mais antiga da cultura ocidental, Ilíada", afirma Cavanna se referindo ao poema épico da Grécia Antiga de cerca de 1.200 a.C. Um dos primeiros livros escritos sobre jogos de tabuleiro não faz referência à rainha no xadrez "Os seres humanos mencionados em Ilíada são retratados [como] 'nobres autômatos' executando ordens divinas." Jaynes sugeriu que o cérebro era dividido ao meio, com o hemisfério direito criando alucinações que davam a impressão de uma voz divina. "Essa 'mente bicameral' literalmente colapsa por volta de 1.400-600 a.C", diz Cavanna. De Odisseia em diante, os personagens literários parecem ter uma consciência que nos é familiar. As ideias de Jaynes são polêmicas no campo da neurociência, mas "tudo o que sabemos sobre a evolução da consciência em nossa espécie ainda é em sua maioria especulação", explica Cavanna. "As perguntas 'O que é a consciência humana?' e 'Como a consciência humana evoluiu?' estão interligadas e permanecem como um enigma ainda sem resposta." Se Jaynes estava certo ao dizer que os humanos, até tão recentemente quanto os gregos antigos, pensavam que não tinham autonomia sobre sua tomada de decisão, talvez seja por isso que eles não conseguiram pensar em um jogo que não dependesse da sorte, diz Schädler. "À luz dessa teoria, não era possível imaginar uma peça de jogo no tabuleiro com capacidade interna de movimentação. Ela precisava se mover a partir de algo externo — um gerador aleatório." O xadrez ganhou os holofotes recentemente com a série O Gambito da Rainha, da Netflix. A produção, estrelada por Anya Taylor-Joy, narra a trajetória de Beth Harmon, uma jovem prodígio no xadrez. A invenção deste jogo pode ser um marco de quando o pensamento humano mudou? Infelizmente, o xadrez não chegou totalmente formado ao mundo e os primeiros exemplos das regras sugerem que ele ainda dependia da sorte. O espanhol Libro de los Juegos ("Livro dos Jogos"), de 1283, é um dos primeiros textos sobre jogos e descreve dezenas de maneiras de jogar xadrez, incluindo uma versão para quatro jogadores que exigia dados. Também não havia menção à rainha, peça mais importante do tabuleiro, no livro. A rainha pode datar de mais tarde ou simplesmente não era usada na Espanha. "A ascensão da liderança feminina na Europa medieval mudou o poder dessa personagem", diz Mary Flanagan, autora de Critical Play e professora de estudos de cinema e mídia no Dartmouth College, nos Estados Unidos. "A mudança em um jogo pode refletir uma mudança nos valores culturais. No caso, o rei costumava ser a peça mais poderosa, e depois foi a rainha." As inovações nos jogos podem refletir mais a cultura do que a biologia, acrescenta Flanagan. Alguns historiadores associam os primeiros jogos aos métodos de adivinhação — ambos os quais pareciam usar tabuleiros, peças e dados. "Não sabemos realmente qual é o ovo, e qual é a galinha", diz Schädler. "Na adivinhação, você precisa de geradores aleatórios. O papel do intérprete é então analisar o resultado aleatório e seu significado divino." Flanagan concorda. "Os jogos têm uma ligação com o ocultismo e as práticas folclóricas", diz ela. "Eles usavam basicamente os mesmos materiais. É fácil ver a relação que as pessoas traçaram entre eventos aleatórios em um tabuleiro e rituais." Será então que as pessoas jogavam para encontrar um significado maior? Os "dados neurofisiológicos oferecem um suporte frágil para uma estrutura bicameral da mente pré-consciente", diz Cavanna. "Ao colocar o colapso [da mente] em tempos históricos, ao invés de eras biológicas, Jaynes exagerou um pouco seu caso e se expôs a críticas fundamentadas. Mas isso não diminui seu extenso trabalho e tentativa audaciosa de preencher uma lacuna em nosso conhecimento sobre uma característica fundamental do que nos torna humanos." Finkel também é cético. "Se você destruir a fronteira entre [jogos e rituais], pode dizer que qualquer coisa é qualquer coisa. O trabalho [de um jogo] no mundo é nos trazer prazer." Gerar aleatoriedade foi essencial para dar início ao jogo estruturado e criar os jogos que qualquer um de nós saberíamos jogar hoje. Mas descobrir como jogar sem depender da sorte abriu ainda mais possibilidades. Talvez seja só isso, conclui Finkel. "Os humanos sempre criaram novas maneiras de se divertir." Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Brasil nos trouxe paz. É país de oportunidades, com pessoas muito boas': a visão de uma família refugiada
Há pouco mais de três anos, Maria Clara Guzmán vivia em um apartamento amplo, com dois quartos, em Ciudad de Pasto, na Colômbia (840 km de Bogotá), junto com suas duas filhas pequenas e o marido Cristiano - que acabava passando pouco tempo com elas por trabalhar em outra cidade. Ainda assim, eles tinham uma vida bastante confortável, jantavam fora com frequência e não enfrentavam qualquer dificuldade financeira.
Hoje, Lara trabalha para ajudar outros refugiados a conseguirem emprego (Foto: Divulgação Projeto "Estou Refugiado") Hoje, ela e a família se apertam em uma quitinete no Brás (centro-leste de São Paulo) e dividem uma única cama. O conforto diminuiu, é verdade, mas, diante do que passaram desde 2014, Maria Clara e Cristiano dizem que hoje estão "tranquilos e felizes". "O Brasil nos trouxe a paz e a estabilidade emocional que nos faltavam na Colômbia. Aqui somos mais unidos, mais felizes. É um país de oportunidades, com pessoas muito boas", afirma Maria Clara à BBC Brasil. A família chegou a São Paulo em dezembro de 2014 após três meses de perambulação entre Colômbia, Venezuela e Brasil na busca por um lugar seguro longe das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) - eles haviam sido sequestrados pelo grupo naquele ano e conseguiram o status de refugiados em terras brasileiras depois de uma longa jornada. A história de Lara Lopes é, em certo grau, similar à da família Guzmán. Aos 33 anos, ela é formada em Administração de Sistemas e morava em Maputo, capital de Moçambique, com a namorada. O "problema" começava aí. No país africano, a homossexualidade ainda é um enorme tabu. A discriminação a impedia de conseguir trabalho. Depois de uma tentativa de suicídio da parceira, Lara decidiu, então, buscar um lugar onde pudesse "ser quem era". A inspiração pelo Brasil veio das novelas, que faziam muito sucesso em Moçambique e, recentemente, vinham abordando as questões LGBT. Foi assim que, em 2013, ela desembarcou em São Paulo. Trocou o conforto que tinha em Maputo pelas incertezas da vida de refugiada na capital paulista: passou fome, dormiu em igreja, limpou banheiros, e até hoje enfrenta algumas dificuldades. Mas não se arrepende da mudança. "O Brasil me fortaleceu, me deixou ser Lara. Resgatou a dignidade que eu tava perdendo. Sou muito grata ao Brasil por poder falar sem medo: eu sou homossexual", diz à BBC Brasil. Lara se diz muito mais feliz aqui: "Brasil me devolveu dignidade e me fortaleceu" Atualmente, há 9.552 refugiados regularizados no Brasil - nos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério da Justiça, foram mais de 89 mil solicitações de refúgio. O processo é burocrático, longo e criterioso, então, poucos efetivamente conseguem, como foi o caso de Lara e da família de Maria Clara. Não há dados oficiais sobre quantos refugiados conseguem trabalho no país, mas a dificuldade em se empregar é uma das principais queixas deles. Um programa da ONU chamado "Empoderando Refugiadas" conseguiu obter trabalho para 21 das 81 mulheres participantes até o momento. A maior dificuldade, segundo a entidade, é o idioma, seguida pela validação do diploma dos refugiados e, por último, a resistência das próprias empresas em empregar os estrangeiros. Sequestro e fuga A quitinete onde Maria Clara mora hoje com o marido e as filhas é bem simples - esquenta bastante no verão e falta espaço para tudo, até para as filhas brincarem. Mas a colombiana se sente "no paraíso" agora. Há três anos, ela se viu sob a mira de guerrilheiros junto com Valentina, com 2 anos e meio na época, e Rafaela, que tinha apenas alguns dias de vida. Cristiano, seu marido, trabalhava em uma exportadora de madeira e foi pego pelas Farc quando voltava de uma entrega. Ele passou semanas amarrado, em cativeiro, sem contato com a família. Membros do grupo foram, então, até o apartamento onde estavam Maria Clara e as meninas e lá se mantiveram por quase um mês, exigindo um resgate de US$ 500 mil pelo marido. Cristiano e Maria Clara tinham uma vida confortável e estabilidade financeira na Colômbia "As meninas choravam muito. A Rafaela tinha apenas dez dias de vida, precisava de atenção", relembra Maria Clara. Cristiano foi eventualmente solto e, durante a ação policial, um líder guerrilheiro acabou morto. Isso despertou temores de uma retaliação contra a família Guzmán. "A polícia disse que não podia me dar segurança. Só me deram um colete à prova de balas e um celular. Então pedi para sair do país. Aí me mandaram para a Venezuela", relata Cristiano. A estadia no país vizinho foi marcada por mais dificuldades: desde a demora para obter refúgio, o que os impedia de obter trabalho, até uma piora na qualidade de vida. "A gente morava num quarto de hotel, quente, pequeno. Valentina pegou chikungunya, ficou no hospital. Nós quatro tivemos anemia. Foi um período difícil. Eu tenho uma doença (lúpus) e precisava de remédio, mas não encontrava", diz a colombiana. Quando a família soube que guerrilheiros das Farc ainda estavam em seu encalço, decidiu que era hora de fazer as malas novamente. "Deixamos tudo, só pegamos uma mala e documentos". Ficaram um mês em Caracas até conseguir ajuda da organização Cáritas para viajar ao Brasil. Passaram por Boa Vista e Manaus até conseguirem embarcar para São Paulo. Na quitinete onde vivem hoje, Maria Clara, Cristiano, Valentina e Rafaela dormem juntos Na capital paulista, mesmo regularizados como refugiados, nenhum dos dois conseguia emprego, o que os forçou a morar em albergues - Cristiano tinha que dormir no quarto masculino, enquanto a mulher e as meninas ficavam no feminino. Depois, se mudaram para um casa de acolhida para estrangeiros onde moravam todos em um quarto minúsculo e, finalmente, quando Maria Clara conseguiu um trabalho, alugaram a quitinete no Brás. Agora, sentem-se seguros. "É uma coisa muito forte sentir que chegamos a uma terra onde a gente sentia que ia poder ficar em segurança", afirma a colombiana. "Somos pessoas normais agora. O conflito interno no nosso país nos machucou muito. Passamos por momentos difíceis, mas emocionalmente estamos muito melhores." Preconceito e quase suicídio Enquanto isso, a moçambicana Lara evitava contar às pessoas no Brasil o real motivo de ter deixado seu país natal. "Eu dizia que tinha vindo por causa da guerra". Mas a verdade é que ela já não aguentava mais viver num país onde era vista como "abominação" e "obra do diabo". "Você não consegue um emprego (em Moçambique), mesmo que tenha faculdade. Muitos dos homossexuais que conheço trabalham por conta própria, ou trabalham com alguém que luta pela causa. Outras fingem que não são (gays)", diz Lara. "Eu ia a lugares, e as pessoas comentavam. Mesmo que tentasse ser forte e ignorar tudo isso, chegava em casa e desabava em lágrimas." No Brasil, Lara passou a falar sobre sua orientação sexual e agora quer ser ativista da causa LGBT Por muito tempo, Lara se trancou em casa sem fazer nada. Católica fervorosa, chegou a pedir a Deus que lhe tirasse a vida se ela realmente fosse "tudo aquilo que as pessoas falavam". O alento sentido ao iniciar um relacionamento com a namorada Myra foi abalado por uma ação policial. "Nos levaram para a delegacia porque a Myra estava dirigindo sem carteira de motorista. Normalmente, eles só aplicariam uma multa, mas quiseram nos levar. Colocaram ela numa cela, e o próprio delegado a assediou. Ele disse que ela tinha que me deixar porque ele poderia lhe dar coisas melhores. Um agente da lei! Aí você começa a pensar: se um agente da lei faz isso, o que um civil pode fazer?" Assim, Lara optou por tentar a vida no exterior. "Se eu continuasse em Moçambique, ia chegar num ponto em que me suicidaria. Eu já pensava em suicídio, a Myra chegou a tentar (se matar). Eu ia esperar que algo acontecesse?" "Aprendi uma coisa: não vou mais ser submetida a esse tipo de coisa. Fiz isso a vida toda. Deixei que as pessoas fizessem de mim o que elas quisessem. Aqui (no Brasil) encontrei espaço para ser eu mesma, sem tabu, sem nada. Hoje sou uma pessoa mais alegre." Estigma de 'refugiado' Lara chegou ao Brasil em 2013, e Maria Clara veio no fim de 2014. As duas hoje vivem situação financeira muito mais difícil do que a que tinham em seus países, mas isso não as incomoda. O problema ao longo desses anos foi carregar o estigma de "refugiadas". "A palavra 'refugiada' no Brasil tem um peso muito forte, dificulta tudo. Há algumas vagas (disponíveis) de garçom, de camareira, de empregada doméstica. Mas vagas mais qualificadas nunca aparecem para os refugiados. E, olha, te garanto que a maioria deles tem faculdade, mestrado até", argumenta Lara. Hoje, Lara trabalha para ajudar outros refugiados a conseguirem emprego (Foto: Divulgação Projeto "Estou Refugiado") Pela dificuldade em validar seu diploma no Brasil, o primeiro emprego da moçambicana foi como camareira em um hotel em São Paulo. Lá, ela conta que, diferentemente do seu país de origem, não sofreu preconceito por ser homossexual - mas sim por ser refugiada e negra. "Tudo que era trabalho braçal era dado para nós, refugiadas", conta. "Se um hóspede suja o apartamento, por que tem que chamar a Lara para limpar? A pessoa tinha sujado a parede com bosta e tudo. Por que só nós refugiadas éramos chamadas para essas tarefas? Por que quando some alguma coisa, eles só chamavam nós refugiadas para perguntar?" Maria Clara e Cristiano tiveram as mesmas dificuldades para conseguir emprego. "Já tentei todos os tipos de vaga. Não sei como romper esse tabu, porque nós só queremos emprego", afirma Cristiano, que é especializado em Comércio Exterior e fala quatro línguas (inglês, alemão, espanhol e português). "Se para mim, que sou branco, tem problema, imagina para as pessoas negras." Programa "Empoderando Refugiadas" da ONU virou um minidocumentário contando histórias de algumas mulheres que participaram do projeto (Crédito: Fellipe Abreu, Empoderando Refugiadas) Hoje, ele dá aulas particulares de inglês e espanhol e fica em casa cuidando das crianças, enquanto Maria Clara trabalha em uma agência de viagens. Ela conseguiu um emprego em março, depois de anos enviando currículos. "Eu enviava o currículo e ninguém me ligava. Tentei emprego de camareira, mas pediam experiência. Nós estamos começando uma nova vida do zero, então não temos como ter experiencia nessas áreas", conta a colombiana. Lara e Maria Clara contaram com a ajuda do programa de empoderamento de refugiadas da ONU. Maria Clara trabalha fazendo a comunicação entre clientes que falam espanhol e operadores de turismo, e Lara trabalha no projeto "Estou Refugiado", revisando currículos e auxiliando outros refugiados a conseguirem entrar no mercado. Sua namorada Myra também veio ao Brasil, e as duas hoje são casadas. Veja aqui o documentário "Recomeços" gravado com a história de Lara e Maria Clara, sobre mulheres, refúgio e trabalho. Lara e Myra, que hoje é sua esposa - as duas se casaram no Brasil (Crédito: Fellipe Abreu, Empoderando Refugiadas)
Saudi Aramco: Por que estreia da empresa mais lucrativa do mundo na Bolsa é controversa
O governo da Arábia Saudita confirmou que planeja listar a Saudi Aramco na bolsa de valores de Riade, no que pode vir a ser a maior oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) do mundo.
Fontes do mercado afirmam que os sauditas devem disponibilizar de 1% a 2% das ações da empresa A gigante estatal do petróleo vai determinar o preço de lançamento das ações após registrar o interesse dos investidores. Fontes do mercado afirmam que os sauditas devem disponibilizar de 1% a 2% das ações da empresa, e a oferta será para ações existentes da companhia. Estima-se que a Saudi Aramco valha cerca de US$ 1,2 trilhão (R$ 5 trilhões). 'Histórico' A empresa diz que ainda não tem planos para listagem em uma bolsa internacional, afirmando que os planos para abertura de capital em duas etapas, incluindo a oferta pública em uma bolsa de valores estrangeira, foram deixados de lado por enquanto. Fim do Talvez também te interesse "Em relação à parte (internacional) da listagem, informaremos no momento oportuno. Por enquanto, é apenas em Tadawul (bolsa de valores saudita)", afirmou Yasir al-Rumayyan, presidente do conselho administrativo da Aramco, em entrevista coletiva. Chris Beauchamp, analista chefe de mercado do IG Group, adverte: "Investir na Aramco implica em riscos, é claro, e não apenas porque os preços do petróleo terão dificuldade em subir." "Os riscos políticos e estratégicos são altos para qualquer empresa que opera na região, sobretudo para uma que é braço do Estado saudita. A Aramco também tem controle limitado na política de produção, uma parte essencial da gestão da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) na Arábia Saudita", acrescenta. Os riscos em potencial ficaram em evidência em setembro, quando ataques de drones atingiram a refinaria de Abqaiq e o campo de Khurais, ambos da Aramco, na Arábia Saudita. Mas o presidente da companhia, Amin Nasser, que classificou a iniciativa como "histórica", afirmou que a Aramco ainda é a empresa de petróleo mais confiável do mundo. "A empresa não espera que o efeito desses ataques tenha um impacto material em seus negócios, situação financeira ou resultados das operações", declarou Amin Nasser, após o anúncio da abertura de capital. O que é a Saudi Aramco? A origem da Saudi Aramco remete a 1933, quando foi fechado um acordo entre a Arábia Saudita e a companhia americana Standard Oil Company of California, que mais tarde viria a se tornar a Chevron, para pesquisa e perfuração de poços de petróleo, criando uma nova empresa para isso. Entre 1973 e 1980, a Arábia Saudita comprou a companhia toda. Ativistas ambientais estão pedindo às companhias de petróleo que parem de explorar combustíveis fósseis A Arábia Saudita tem a segunda maior reserva de petróleo depois da Venezuela, segundo a Agência de Informação de Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês). É também o segundo maior produtor, depois dos Estados Unidos. Mas sua relevância se deve ao fato de deter o monopólio de todo petróleo do país e ao baixo custo da extração. "É basicamente a maior empresa do mundo não cotada na bolsa; é um grande produtor mundial de petróleo", afirma David Hunter, diretor de estudos de mercado da Schneider Electric. "É a verdadeira mãe de todas as empresas de petróleo e gás." Por que vale tanto dinheiro? A Saudi Aramco está avaliada em US$ 1,2 trilhão, de acordo com a análise da agência de notícias financeiras Bloomberg, embora o governo saudita diga que a companhia vale US$ 2 trilhões, razão pela qual a venda de ações da empresa foi adiada várias vezes. "O caso da Aramco é bem diferente dos IPOs de empresas de tecnologia que estão na moda ultimamente, mas o problema de avaliação ainda a atormenta, como acontece com as companhias do Vale do Silício (polo de tecnologia e negócios na Califórnia)", diz Beauchamp, do IG Group. "US$ 2 trilhões é provavelmente um valor superestimado em um mundo de alta oferta de petróleo e demanda incerta, mas US$ 1,2 trilhão é muito baixo para uma parte vital do Estado saudita", acrescenta. Análise: Katie Prescott, correspondente de negócios da BBC Até pouco tempo envolta em mistério, a Aramco se transformou nos últimos anos à medida que se preparava para esse momento. A empresa começou a publicar seus resultados financeiros, realizar sessões de perguntas e respostas sobre a companhia e até mesmo levar jornalistas para visitar suas instalações após os ataques recentes de drones. Também contratou mulheres ocidentais para alguns de seus principais cargos. O documento divulgado pela companhia dialoga com preocupações internacionais. Descreve "a criação de valor no longo prazo por meio dos ciclos de preços do petróleo" e o reforço da sustentabilidade, "alavancando a tecnologia e inovação para reduzir nosso impacto climático". Toda a população — inclusive as "mulheres divorciadas sauditas" — terá direito de comprar ações e receberá um bônus por cada 10 que adquirir. De qualquer maneira, é incrivelmente lucrativa. No primeiro semestre de 2019, a empresa anunciou um lucro líquido de US$ 46,9 bilhões, pago quase na totalidade em dividendos ao Estado saudita. Qualquer companhia tão lucrativa vai atingir um preço alto. Em comparação, no mesmo período, a Apple, maior empresa do mundo em valor de mercado atualmente, registrou um lucro líquido de US$ 21,6 bilhões, e a Exxon Mobil, maior petrolífera listada na bolsa, US$ 5,5 bilhões. Embora haja cada vez mais alternativas, o petróleo e o gás ainda dominam os mercados internacionais de energia Outro aspecto é o custo de produção. Enquanto a extração de petróleo do Mar do Norte custa caro devido à sua localização a dezenas de metros debaixo água, o petróleo na Arábia Saudita está relativamente próximo da superfície. A Arábia Saudita tem muitos campos de petróleo com custo barato para extração, sendo o custo por barril abaixo de US$ 10, diz Hunter. Com o petróleo tipo Brent cotado a mais de US$ 60, grande parte desta diferença pode ser revertida em lucro. Por que a Arábia Saudita quer vender ações? A Arábia Saudita está interessada em vender ações da sua petrolífera estatal porque está tentando reduzir sua dependência do petróleo. A Saudi Aramco foi criada após um acordo entre uma companhia de petróleo dos EUA e a Arábia Saudita O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman quer diversificar a economia do país na próxima década, como parte do programa Vision 2030. O plano inclui investir mais em energia solar, aproveitando o vasto deserto do país, explica Hunter. Análise: Ellen R. Wald, autora do livro 'Saudi, Inc.' e presidente da Transversal Consulting O primeiro CEO saudita da companhia, Ali al-Naimi, tinha a visão de que a Aramco poderia se tornar uma empresa global de energia integrada. Ao longo de seus anos como CEO, ele expandiu os ativos da Aramco para incluir o downstream (refino) e outros ativos nos EUA, Coreia do Sul, China, Indonésia, Japão e Europa. Ele e seus sucessores também ampliaram a presença da Aramco na Arábia Saudita por meio de joint ventures com refinarias e petroquímicas. A Arábia Saudita é hoje o maior exportador de petróleo — e o único produtor que mantém pelo menos 2 milhões de barris por dia de capacidade ociosa que podem ser colocados rapidamente no mercado. A Arábia Saudita é hoje o maior exportador de petróleo O fato de ser uma empresa estatal de petróleo significa que ela tem acesso exclusivo aos melhores e mais baratos recursos para produzir petróleo do mundo. Isso a torna extremamente valiosa. Mas há desvantagens. Os ativos de upstream (exploração e produção) da Arábia Saudita não são diversificados, como os de outras grandes empresas internacionais de petróleo. Isso também significa que o governo saudita desempenha um papel na empresa. Historicamente, a Arábia Saudita permitiu à Aramco operar de forma independente e não interferiu em gastos ou estratégias da empresa. Há sinais preocupantes de que isso está mudando agora, e que o governo está assumindo um papel mais ativo — e pernicioso. O valor da Aramco será determinado pelo mercado. Os bancos apresentaram suas avaliações, mas o mercado vai mostrar quanto ela vale de fato. Fontes diferentes apostam em valores que variam de US$ 1,2 trilhão a US$ 2 trilhões. A cifra mais cogitada atualmente parece ser de cerca de US$ 1,5 trilhão, talvez US$ 1,7 trilhão, embora a opinião pública provavelmente indique que esse é um número muito alto. Em 30 anos, quem sabe quanto valerá a Aramco. Não sabemos o que outras tecnologias energéticas vão desenvolver, ou deixar de desenvolver, nesse período, tampouco o que a visão estratégica da Aramco vai gerar. Em setembro, o reino anunciou que abrirá as portas para turistas internacionais pela primeira vez, com um regime de vistos para 49 países, e se comprometeu a relaxar seus rígidos códigos de vestimenta para as mulheres. O ministro do Turismo, Ahmad al-Khateeb, descreveu a iniciativa como um "momento histórico" para o país. Ele quer que o turismo seja responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2030. Atualmente, a atividade corresponde a 3% do PIB. A medida surge no momento em que o reino está com sua imagem internacional arranhada em meio a denúncias de violação dos direitos humanos, após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, morto no ano passado em consulado saudita na Turquia, e a recente repressão a ativistas de direitos das mulheres. Por que a venda é controversa? Politicamente, as coisas estão complicadas para a Saudi Aramco agora, em função do escândalo Khashoggi, diz Hunter. "E a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita. Tudo que tem a ver com a Arábia Saudita é sempre visto através desse prisma". A Saudi Aramco é a maior empresa de petróleo do mundo Outro possível entrave nos planos do príncipe herdeiro é o crescimento do movimento contra combustíveis fósseis em todo o mundo, além do preço do petróleo relativamente baixo em comparação com o fim do ano passado, quando o barril estava acima de US$ 80. "A listagem pode ser controversa porque é uma listagem gigantesca de combustíveis fósseis em um momento em que os investidores estão se tornando cada vez mais éticos", avalia Hunter. "Há muitos fundos novos e existentes que desejam deixar de investir em ativos de combustíveis fósseis." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Minha Casa, Minha Vida piorou cidades e alimentou especulação imobiliária, diz ex-secretária do governo Lula
Maior programa habitacional da história do Brasil e uma das vitrines dos governos do PT, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) piorou as cidades, agravou as dificuldades de acesso a moradia entre os mais pobres e criou bairros especialmente vulneráveis ao crime organizado.
Nos conjuntos que visitou, Maricato diz que maioria das famílias está satisfeita com as casas. "Antes, muitas delas viviam de aluguel. Hoje pagam parcelas ínfimas e podem até alugar os imóveis" A avaliação é de Ermínia Maricato, uma das mais experientes urbanistas do país e secretária executiva do Ministério das Cidades nos primeiros anos do governo Lula, antes da criação do programa, em 2009. "Tivemos um movimento imenso de obras, mas quem o comandou e definiu onde se localizariam não foi o governo federal, e sim interesses de proprietários imobiliários, incorporadores e empreiteiras", diz Maricato, que estuda o MCMV desde sua implantação e é professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Em entrevista à BBC Brasil em sua casa na Vila Madalena, em São Paulo, ela afirma que conjuntos residenciais do programa erguidos longe dos centros urbanos levarão várias décadas para se integrar às cidades. "Esse investimento gigantesco, aliado a uma especulação de terras ciclópica, tornou as cidades ainda mais inviáveis no Brasil." Líder da Reforma Urbana Urbanista coordenou proposta de criação do Ministério das Cidades, mas deixou pasta após o mensalão Autora de nove livros sobre habitação e urbanismo, Maricato coordenou a proposta de criação do Ministério das Cidades, executada por Lula após sua ascensão à Presidência, em 2003. Ela havia se projetado nas décadas anteriores como uma das líderes do movimento pela Reforma Urbana, que pretendia tornar as cidades brasileiras menos desiguais e se organizava nas Comunidades Eclesiais de Base (grupos ligados à Igreja Católica nas periferias e zonas rurais). Maricato discursou em nome do movimento na Assembleia Constituinte, em 1988, e articulou a inclusão do conceito de função social da propriedade na Constituição. Um dos principais trunfos de movimentos sem-teto e sem-terra, o conceito define que as propriedades devem atender interesses coletivos, e não apenas individuais. Câmaras Municipais incluíram fazendas no perímetro urbano para atrair obras do MCMV, diz urbanista (Foto: Ermínia Maricato) Entre 1989 e 1992, ela atuou como secretária da Habitação e Desenvolvimento Urbano no governo da então petista Luiza Erundina, em São Paulo. A urbanista diz que um de seus objetivos era tornar favelas e periferias menos insalubres, reduzindo a incidência de epidemias e doenças pulmonares por falta de ventilação. Outra prioridade era construir moradias em parceria com movimentos sociais. Nesse modelo, o governo providencia terrenos e contrata arquitetos e engenheiros para projetar as casas. As unidades são construídas com recursos do governo pelos próprios moradores ou com a ajuda deles. Ela afirma que o programa foi um grande sucesso. O Minha Casa, Minha Vida prevê a possibilidade de construir moradias dessa maneira, mas os gastos com esse modelo representam 2% dos investimentos totais do programa, segundo Maricato. Ciclo virtuoso Maricato diz que, nos anos 1990, iniciativas bem sucedidas em habitação se espalhavam por várias cidades, entre as quais Recife, Salvador, Belém, Goiânia e Porto Alegre. Os avanços ocorriam apesar dos tempos de vacas magras. "Tínhamos um ciclo virtuoso produzindo políticas inovadoras. Esse ciclo se rompe exatamente no momento em que o Ministério das Cidades é criado." Não era isso o que Maricato esperava ao batalhar pela criação do órgão, projetado para integrar as políticas de habitação às de transporte, saneamento e regulação do solo urbano. Para chefiar o órgão recém-criado, Lula escolheu um quadro histórico do PT: o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, que nomeou Maricato como secretária executiva. Ela conta que seu objetivo era federalizar as experiências positivas das prefeituras. Os trabalhos, porém, foram interrompidos com o escândalo do mensalão, quando o PT foi acusado de comprar apoio político no Congresso. Entre outras medidas para acalmar sua base, Lula entregou o Ministério das Cidades ao Partido Progressista (PP). Olívio e Maricato deixaram o órgão. O governo estava prestes a dar outro rumo às políticas urbanísticas e habitacionais - e justamente quando os cofres do governo estavam mais cheios, graças à arrecadação turbinada pela exportação de matérias-primas e pelo consumo das famílias. "Enquanto não tínhamos recursos e estávamos sob ajuste fiscal, com dívida pesada, tivemos controle sobre os gastos. Quando apareceram os recursos, os capitais tomaram conta." Condomínio do MCMV em Campina Grande (PB) cercado por propriedades rurais (Foto: Ermínia Maricato) 'Como uma luva' Em 2008, para tentar atenuar os efeitos da crise financeira global, o governo Lula buscou estimular a construção civil. Muitas empresas do setor estavam descapitalizadas. "O Minha Casa, Minha Vida veio como uma luva: as empreiteiras e os incorporadores imobiliários privados se reuniram em torno dele", diz Maricato. Para tirar o programa do papel, o governo transferiu recursos do Ministério das Cidades para a Caixa. Nas obras da faixa 1, para famílias com renda de até R$ 1.600 por mês, construtoras recebem recursos do banco para erguer as residências. O governo arca com até 90% do custo dos imóveis, e o valor restante é quitado pelas próprias famílias. Nas faixas 2 e 3, que cobrem famílias com renda de até R$ 6.500, a Caixa oferece empréstimos subsidiados às pessoas interessadas em comprar as residências. Para as construtoras participantes, uma das maneiras de ampliar os lucros é economizar na compra dos terrenos - por isso muitas buscaram áreas mais baratas nos arredores das cidades. Segundo o governo federal, o MCMV contratou a construção de cerca de 5 milhões de residências, o que o torna o maior programa habitacional da história do país. A Caixa diz que 14,7 milhões de pessoas - o equivalente a 7% da população brasileira - já receberam moradias pelo programa. Entre as unidades contratadas, cerca de 39% se destinavam à faixa 1, 49%, à faixa 2, e 12%, à faixa 3. Deficit habitacional Ao lançar o programa, o governo Lula tinha como meta reduzir o deficit habitacional - que, em 2009, era calculado em 5,7 milhões de domicílios pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Maricato afirma, porém, que nem sempre construir moradias é a melhor forma de reduzir o deficit, pois o índice contabiliza moradias precárias, muitas das quais poderiam se adequar aos padrões com reformas. Conjunto do MCMV em São José dos Campos (SP); mais de 5 milhões de moradias foram contratadas pelo programa (foto: Ermínia Maricato) Outro problema, segundo Maricato, é a contabilização de moradias habitadas por mais de uma família. Em muitos casos, diz ela, as famílias moram juntas por opção. "Entendo que tanto os movimentos (de luta por moradias) quanto os empresários gostem de trabalhar com o conceito de deficit, mas moradia é uma mercadoria especial, não dá para pensá-la como fábrica de automóvel." Segundo ela, a mesma doutrina já havia dominado as políticas habitacionais durante a ditadura militar (1964-1985), quando o Banco Nacional de Habitação (BNH) financiou a construção de cerca de 4 milhões de residências, grande parte, em áreas periféricas. Maricato diz que o Minha Casa foi concebido não no Ministério das Cidades, mas sim na Casa Civil, à época chefiada pela então ministra Dilma Rousseff. "Mas o DNA do programa vem da ditadura e das empreiteiras, exatamente como (a hidrelétrica de) Belo Monte". A BBC Brasil enviou as críticas de Maricato sobre o programa ao PT, que sugeriu encaminhá-las à assessoria de Dilma. A ex-presidente não quis se pronunciar. Urbanização de favelas Maricato afirma que, ao lançar o primeiro Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC), em 2007, o governo ainda destinou investimentos significativos para a urbanização de favelas, mas que esses recursos foram minguando à medida que o governo passou a priorizar a construção de casas novas. Para Maricato, construir residências era importante, mas descuidar das favelas e periferias foi um grande erro. "Tem que fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Construir sem regular as áreas já ocupadas gera uma demanda fora da cidade consolidada." Lixo em terreno vizinho a condomínio do MCMV em Uberlândia (MG); para Maricato, localização dos conjuntos dificulta chegada de serviços públicos (foto: Ermínia Maricato) Outro problema sério, segundo ela, foi a construção de residências em áreas distantes dos centros urbanos. "As cidades explodiram horizontalmente, algo que todo urbanista condena, porque você tem de estender a rede de água, esgoto, de transporte. Quem paga por isso? Todos. E os que ganham são muito poucos: as empreiteiras, as incorporadoras imobiliárias e os donos de terrenos." Ela conta que a Caixa, executora do programa, criou uma regra para impedir a realização de obras fora das cidades. Mas as Câmaras Municipais, responsáveis por definir as zonas rurais e urbanas dos municípios, passaram a estender os limites dos perímetros urbanos para atrair construções. "As Câmaras incluíram fazendas no perímetro urbano. O que acontece no fim de semana nos conjuntos habitacionais criados nessas áreas? O ônibus não vai, você tem um exílio na periferia." A Caixa não quis se pronunciar sobre as críticas de Maricato. A urbanista afirma ainda que, por estarem longe das cidades e dos empregos, os novos bairros também são mais difíceis de policiar e vulneráveis ao crime organizado. "A cidade segura é compacta, com mix de uso: tem moradia e trabalho, está viva de dia e de noite." Ela diz ter visitado conjuntos dominados por criminosos em Campina Grande (PB) e afirma que 40 mil pessoas que viviam no centro do Rio de Janeiro se mudaram para condomínios do MCMV controlados por milícias na Baixada Fluminense. Em 2015, 39 desses conjuntos foram alvo de uma operação da polícia fluminense contra milícias. Valorização de terrenos Maricato diz que um dos pontos positivos do MCMV foi criar um mercado para as classes média-média e média-baixa. Até então, segundo ela, esses grupos tinham de construir suas próprias casas. A professora diz que investimentos do programa nas faixas 2 e 3 verticalizaram bairros em Osasco, Guarulhos, São Bernardo do Campo e Santo André, nos arredores de São Paulo. "Foi positivo para essas áreas. Mas tem um problema: o pessoal mais pobre foi empurrado para a periferia da periferia, inclusive áreas de proteção de mananciais. A fronteira de ocupação predatória foi ampliada, porque o preço da terra subiu na periferia." Para Maricato, governo deveria investir em urbanização das favelas e construção de residências simultaneamente Outro aspecto positivo foi o alívio financeiro e melhoria das condições de habitação para as famílias mais pobres beneficiadas pelo programa. Nos conjuntos que visitou por todo o Brasil, Maricato diz que a maioria das famílias está satisfeita com as casas. "Antes, muitas delas viviam de aluguel. Hoje pagam parcelas ínfimas e podem até alugar os imóveis." Por outro lado, afirma que os moradores passaram a perder mais tempo e dinheiro se deslocando no cotidiano. Mesmo em cidades médias como Uberlândia (MG), Maricato diz que se tornaram comuns casos de moradores do MCMV que levam até uma hora e meia para chegar ao trabalho. Em cidades grandes, ela diz que muitas famílias vivem o seguinte dilema: ou gastam mais para morar no centro e economizar com o transporte, ou vão para a periferia, onde economizam com a moradia, mas gastam mais com o deslocamento. Não é uma equação fácil, afirma Maricato. Em São Paulo, o aluguel de um cortiço na região central pode custar R$ 800 ou R$ 900, quase um salário mínimo. Na periferia, há quem gaste R$ 400 ou mais com transporte público todo mês. Segundo ela, as condições levam muitas famílias a ocupar prédios vazios no centro da cidade. "Há movimentos sociais incríveis, que prestam serviços e ocupam imóveis ociosos que não estão seguindo a lei. Mas também surgem aproveitadores, porque há uma multidão precisando morar e que não consegue pagar nem transporte nem aluguel." Após deixar o governo Lula, Maricato diz que continuou próxima do PT. Só se afastou anos depois quando percebeu "que nem o PT nem os movimentos sociais estavam em linha de mudança". "Ao invés de transformar o Estado, eles foram transformados pelo Estado." Mesmo assim, a professora avalia que o PT está sendo perseguido pela Justiça - e que Lula foi preso injustamente. "Sou crítica à política que o PT fez, mas não deixo de reconhecer que houve distribuição de renda e liberdade", afirma.
Oscar 2021: 16 curiosidades sobre a premiação deste ano
Depois de uma temporada de premiações atrasada devido à pandemia do coronavírus, o Oscar finalmente acontecerá neste domingo (25/04), dois meses depois do período usual.
Chloé Zhao, diretora de 'Nomadland', Viola Davis como Ma Rainey, Sacha Baron Cohen como Borat, Joe Gardner do 'Soul' e Carey Mulligan em 'Bela Vingança' E, antes disso, estudamos as indicações e ouvimos muitos podcasts da temporada de premiações para apresentar 16 fatos realmente nerds sobre os candidatos deste ano. 1. Borat já bateu um recorde do Oscar O filme de Sacha Baron Cohen, com duas indicações, estabeleceu um novo recorde mundial do Guinness para o título mais longo de qualquer filme indicado na história da Academia. Embora em português seja apenas Borat: Fita de Cinema Seguinte, o título em inglês, Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan, tem 110 caracteres. Em tradução livre, esse título seria algo como "Borat Fita de Cinema Seguinte: Entrega de suborno prodigioso ao regime americano para obter benefícios ao que já foi a gloriosa nação do Cazaquistão". Isso ultrapassou o detentor do recorde anterior, que era do filme Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras. Em inglês: Those Magnificent Men in Their Flying Machines or How I Flew from London to Paris in 25 hours 11 minutes ("Aqueles homens magníficos em suas máquinas voadoras ou Como eu voei de Londres a Paris em 25 horas e 11 minutos"), que foi lançado em 1964, com "apenas" 85 caracteres em seu título. Fim do Talvez também te interesse 'Borat' estabeleceu um novo recorde mundial do Guinness para o título mais longo de qualquer filme indicado ao Oscar na história 2. A indicação do ator Chadwick Boseman é mais incomum do que você pode imaginar A estrela do Pantera Negra, que morreu em agosto de 2020, é favorito para o prêmio de melhor ator por sua atuação no filme A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey's Black Bottom). No entanto, não é comum que atores sejam indicados postumamente — Boseman é apenas o oitavo em 93 anos. James Dean, Jeanne Eagels, Ralph Richardson, Massimo Troisi e Spencer Tracy também foram nomeados após suas mortes (duas vezes, no caso de Dean), enquanto Heath Ledger e Peter Finch são os únicos dois atores a terem vencido. 3. A última vez que os vencedores de melhor atriz e melhor ator foram do mesmo filme foi em 1998 Viola Davis e Chadwick Boseman podem vencer neste ano por suas atuações no filme A Voz Suprema do Blues. Helen Hunt e Jack Nicholson foram a última dupla a conquistar esse marco, para Melhor É Impossível (As Good As It Gets). 4. A vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante não perde uma indicação ao Oscar desde 1976 Isso mudou este ano, no entanto. Jodie Foster: Adorada pelo Globo de Ouro, mas não indicada ao Oscar Jodie Foster ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante por sua atuação no filme The Mauritanian, mas ela não ficou entre as cinco indicadas ao Oscar. Isso a torna a primeira vencedora do Globo esnobada nesta categoria desde Katharine Ross, em A Viagem dos Condenados (Voyage of the Damned). 5. Glenn Close teve melhor (e pior) atuação em 2020 A atriz de 74 anos atualmente tem a duvidosa honra de ser a atriz mais indicada ao Oscar da história a nunca ter ganho. Ela conquistou sua oitava indicação este ano por sua atuação em Era Uma Vez um Sonho (Hillbilly Elegy), um filme que dividiu opiniões. Como resultado, Close foi indicada para melhor atriz coadjuvante no Oscar, mas também pior atriz coadjuvante na cerimônia alternativa The Razzies. Glenn Close foi indicada para melhor atriz coadjuvante (e pior atriz coadjuvante) 6. Esta é a primeira vez na história do Oscar que todos os cinco indicados ao prêmio de melhor roteiro original concorrem ao prêmio de melhor filme São eles: Minari, Bela Vingança, Judas e o Messias Negro, Os 7 de Chicago e O Som do Silêncio. 7. Viola Davis não perde tempo A interpretação de Ma Rainey por Viola Davis, indicada à melhor atriz, totaliza apenas 26 minutos e 41 segundos de duração. Isso significa que ela aparece na tela por menos tempo do que duas das atrizes coadjuvantes indicadas (Maria Bakalova e Olivia Colman, que têm 40 e 35 minutos, respectivamente, em seus filmes). Davis é boa nisso: ela foi indicada para melhor atriz coadjuvante em 2009 por Dúvida (Doubt), mesmo tendo aparecido apenas em uma única cena de oito minutos. 8. A única indicação de O Tigre Branco mantém viva uma tradição de 20 anos O filme, baseado no romance vencedor do Prêmio Booker, tem apenas uma indicação: melhor roteiro adaptado. Isso mantém a sequência de indicação "única" ao roteiro da Academia pelo 20º ano consecutivo. Em outras palavras: todas as cerimônias do Oscar dos últimos 19 anos viram pelo menos um filme que foi indicado por seu roteiro e nada mais. Entre eles, estão Entre Facas e Segredos (Knives Out) e Straight Outta Compton - A História do N.W.A. Leslie Odom Jr como Sam Cooke em 'Uma Noite em Miami' 9. Mary J. Blige é uma criadora de tendências A rainha do hip-hop soul foi a primeira pessoa a ser indicada tanto para atuação quanto para composição no mesmo ano, que foi para Mudbound - As Lamas do Mississípi, em 2018. Mas, desde então, tem acontecido todos os anos: Lady Gaga conseguiu as duas indicações em 2019, seguida por Cynthia Erivo em 2020. Este ano, a estrela de Uma noite em Miami, Leslie Odom Jr, continua a tendência, com indicações nas categorias de ator coadjuvante e de canções originais. Além de interpretar Sam Cooke no filme, ele também escreveu e interpretou Speak Now para a trilha sonora do filme. 10. A indicada mais velha deste ano é Ann Roth, de 89 anos, figurinista de A Voz Suprema do Blues Isso a liga ao roteirista James Ivory e à falecida diretora de cinema francesa Agnès Varda, que também foram indicados aos 89 anos. Mas quem era o mais velho dos três? Pegamos nossas calculadoras e descobrimos que Varda tem a coroa: na época em que foi indicada, era três meses mais velha que Roth e oito dias mais velha que Ivory. Chadwick Boseman (esquerda) e Viola Davis (centro) foram indicados por A Voz Suprema do Blues 11. Judas e o Messias Negro não têm um personagem principal Pelo menos, não de acordo com a Academia. Daniel Kaluuya e LaKeith Stanfield foram indicados na categoria de melhor ator coadjuvante do filme. Isso deixou muitos observadores do Oscar confusos. Se os atores que representavam Judas e o Messias Negro eram personagens coadjuvantes, quem era o protagonista? A explicação é simplesmente que a Academia permite que seus eleitores escolham em qual categoria nomear alguém. As duas estrelas podem muito bem ter obtido indicações nas categorias principais, mas desde que Barry Fitzgerald foi indicado ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante pelo mesmo filme (O Bom Pastor), é uma regra que o artista só pode ser indicado na categoria em que recebe maioria dos votos. 12. Todos os vencedores por melhor atuação podem ser de grupos étnicos minoritários Os quatro vencedores da cerimônia do Screen Actors Guild eram de grupos étnicos minoritários (e ela é vista como um grande indicador do Oscar). Yuh-Jung Youn, Daniel Kaluuya, Viola Davis e Chadwick Boseman formaram o grupo vencedor do Screen Actors Guild. Yuh-Jung Youn interpreta uma avó não convencional em 'Minari' Este é um ano de recorde de diversidade racial em geral no Oscar, com nove atores de minorias étnicas indicados entre as 20 vagas disponíveis. E, pela primeira vez, a maioria dos indicados para melhor ator principal não é branca. Anthony Hopkins e Gary Oldman foram indicados ao lado de Boseman, Riz Ahmed e Steven Yeun. 13. Este é o primeiro ano em que duas mulheres foram indicadas para melhor direção Tanto Chloé Zhao (Nomadland) quanto Emerald Fennell (Bela Vingança) concorrem ao prêmio de melhor diretor. É a primeira vez que duas mulheres são indicadas em um único ano. A diretora de Lady Bird, Greta Gerwig, foi a última mulher a ser indicada, em 2018, enquanto a diretora de Guerra ao Terror, Kathryn Bigelow, é a única mulher a ter vencido, em 2010. Além disso, Zhao e Fennell também estão prontas para o melhor roteiro adaptado e o melhor roteiro original, respectivamente. Se as duas ganharem, será a primeira vez na história do Oscar que as mulheres vencerão as duas categorias de roteiro. Nenhuma mulher ganhou nenhuma das categorias de roteiro do Oscar desde Diablo Cody, roteirista de Juno, em 2008. A atriz Carey Mulligan e a diretora Emerald Fennell foram indicadas por 'Bela Vingança' 14. Os prêmios de melhor edição de som e melhor mixagem de som foram mesclados em uma categoria este ano: melhor som É um grande alívio para os jornalistas em todos os lugares, que antes precisavam tentar explicar a diferença entre as duas categorias, desde que conseguissem descobrir por conta própria. A verdade é que não era mais necessário ter duas categorias diferentes graças aos avanços da tecnologia. "As duas categorias de som da Academia são uma relíquia de uma era pré-digital que falha em levar em conta a evolução do som de pós-produção", explicou o repórter e editor Chris O'Falt no site sobre cinema IndieWire. "Hoje, a edição e a mixagem de som se sobrepõem a tal ponto que mesmo o audiófilo pode ter problemas para distinguir a contribuição de cada um." 'O Som do Silêncio' está, apropriadamente, entre os indicados para melhor som 15. Frances McDormand é a primeira mulher a ser indicada por atuação e produção em um único ano Ela é listada como produtora em Nomadland, indicado a melhor filme, o que significa que ela pode acabar no palco mesmo que não seja vencedora na categoria de melhor atriz. As comparações mais próximas são Barbra Streisand e Oprah Winfrey, que foram ambas indicadas como atrizes e produtoras, mas para filmes diferentes e em anos diferentes. 16. Steven Soderbergh pode ser uma boa pessoa para adivinhar os números da loteria O lendário diretor de Onze Homens e um Segredo e Erin Brockovich está produzindo a cerimônia do Oscar deste ano, que deve ser um pesadelo logístico com seus vários locais, protocolos de segurança contra a covid-19 e proibição de indicados participarem por meio do Zoom. Mas se há algum homem que estava preparado para essa situação exata, é Soderbergh. Em 2011, quase uma década antes da pandemia, ele dirigiu um filme que apresentava distanciamento social, números R e vacinas sendo introduzidas em meio a um vírus mortal. O filme em questão? Contágio. Steven, sentimos muito por todas as coisas ruins que dissemos sobre Doze Homens e Outro Segredo e prometemos nunca mais duvidar de você. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Lei da Anistia é 'escudo' contra reformas, diz secretário de Justiça
O secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, diz que a manutenção da Lei de Anistia – que perdoou crimes políticos cometidos por militantes e agentes de Estado durante a ditadura – é um "escudo para que não se coloque o dedo na ferida em todas as demais pendências institucionais de fundamento autoritário" da época da ditadura.
Para críticos, lei deixa impune agentes que cometeram crimes como a morte e a tortura de militantes Aprovada em 1979, a lei é objeto de grande controvérsia. Críticos da legislação dizem que ela tem garantido a impunidade de agentes do Estado que cometeram crimes contra a humanidade que seriam imprescritíveis, como a tortura. Já as Forças Armadas e outros contrários à revisão da lei afirmam que ela permitiu uma transição pacífica entre a ditadura e a democracia. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação para tentar derrubar a lei. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no entanto, manter a legislação. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes disse que a anistia tornou possível a aprovação da Constituição de 1988. Para Paulo Abrão, a dificuldade em rever a lei é a "expressão máxima da visão autoritária ainda presente em diferentes esferas do país em relação à ditadura militar". "Ainda não conseguimos gerar uma virada nessa leitura política da sociedade, por uma condenação moral à ditadura militar." A postura do Brasil em relação à Lei da Anistia já foi condenada pela ONU e outros organismos internacionais e contrasta com a de vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai. Nesses países, a Justiça tem condenado agentes de Estado por acusações de homicídios, torturas e sequestros ocorridos durante regimes militares.
MEC quer proibir novos cursos de medicina. Mas o Brasil tem mais médicos do que precisa?
Cinco anos após flexibilizar as regras para a abertura de novas escolas de medicina, o Ministério da Educação deu um giro de 180 graus em sua política e determinou o congelamento de todos os processos de abertura de novos cursos de medicina no país por um prazo de cinco anos. No período, o órgão afirma que empreenderá um "amplo estudo" sobre o ensino dos profissionais da área de saúde. De acordo com o MEC, a medida "visa a sustentabilidade da política de formação médica no Brasil, preservando a qualidade do ensino".
Apesar de vir aumentando o número de médicos recém-formados, o Brasil ainda diploma menos profissionais que países europeus A proposta é uma guinada no que previa a lei nº 12.871 de 2013, conhecida como a lei Mais Médicos, que impulsionou a abertura de novas escolas para tentar diminuir a carência de médicos em determinadas regiões do Brasil. O Maranhão, por exemplo, tem pouco mais de um terço da densidade de médicos do resto do país. O Brasil tem hoje 291 cursos de medicina - 30% deles abertos a partir de 2013, graças à nova legislação. Com os cursos recém-abertos, o Brasil saltou de um patamar de 17.267 novos médicos formados em 2012 para um potencial de formar 29.996 profissionais por ano - o que, para as entidades médicas, não é um crescimento sustentável. "A medida do Ministério é muito bem-vinda. Somos os campeões mundiais em abertura de novas escolas em um prazo tão curto de tempo", afirma Mauro Luiz de Britto Ribeiro, presidente em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM). De acordo com o MEC, a mudança sequer passaria pelo Congresso Nacional. A novidade passaria a valer por um mero decreto do presidente da República. O documento, contudo, ainda precisa ser elaborado e assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB). Fim do Talvez também te interesse Brasil versus Europa Apesar de vir aumentando o número de médicos recém-formados, o Brasil ainda diploma menos profissionais que países europeus - mas já passou nações como Estados Unidos e Canadá. De acordo com cálculos feitos a partir das projeções do estudo Densidade Médica no Brasil, o país terá em torno de 10,6 novos graduandos por 100 mil habitantes nesse ano. No bloco europeu, esse índice era de 12,4 novos médicos para cada 100 mil habitantes em 2015, de acordo com a Eurostat. Já nos EUA e no Canadá naquele ano, a taxa era de 6,5 e 7,3, respectivamente. Ainda há muitas regiões do país com deficit de médicos | Foto: Prefeitura Municipal de Porto Alegre Pelas projeções de novos formandos no Brasil, o índice de novos diplomados deve crescer nos próximos anos e, em 2020, chegar a 15 médicos por 100 mil habitantes. Apesar do aumento, o número ainda ficará distante de países como a Dinamarca que, em 2015, tinha 23 graduandos por 100 mil habitantes, segundo a Eurostat. Para o ex-ministro da saúde Arthur Chioro, que atuou no governo federal durante a implantação da lei Mais Médicos, o Brasil ainda está atrás de países desenvolvidos com sistemas gratuitos de saúde quanto à taxa de estudantes e médicos por grupos da população. "Há uma discussão de que o Brasil tem muitas faculdades de medicina. Mas o número de vagas por 10 mil habitantes é consistente. Se comparar a nossa realidade com a dos países da OCDE, nossa situação é crítica", diz Chioro, que hoje atua como docente do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, em São Paulo. Na média, Brasil e OCDE estão próximos - o grupo tinha 10,2 novos médicos por 100 mil habitantes em 2015. Contudo, a taxa variava entre países da organização: enquanto a Áustria tinha um índice de 19,9 médicos diplomados por 100 mil habitantes, a França tinha 6. Nesse último, não há sistema universal de saúde. Notas ruins Apesar do crescimento das vagas de medicina, o ensino médico não avançou, afirmam profissionais ouvidos para a reportagem. Para alguns, a queda na qualidade está na expansão rápida da rede de universidades, sem a devida fiscalização. Para outros, a crise está na especialização precoce dos estudantes, que saem da faculdade sem uma formação generalista. Resultados do último exame realizado pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) ilustram a crise atual. Em 2016, mais da metade (56,4%) dos médicos recém-graduados que prestaram a prova da instituição reprovaram. Entre os alunos de escolas privadas, a reprovação chegou a 66%. De acordo com o relatório do Cremesp, participantes erraram questões básicas de medicina. Oito em cada dez que fizeram a prova não souberam interpretar um exame de radiografia e erraram a conduta terapêutica de paciente idoso. A prova não impede que alunos reprovados tirem o registro profissional. "O curso médico tem passado por uma crise mesmo", afirma Cláudia Bacelar, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA). "A nossa formação é hospital-cêntrica, estamos fazendo uma especialização precoce dos médicos. Quando eles passam por avaliações mais abertas, em que você espera o conhecimento mínimo para o exercício médico, os alunos vão muito mal", afirma. Em 2016, mais da metade dos recém-graduados que prestaram a prova do Cremesp reprovaram Para o médico Luís Fernando Correa, membro do Fórum Saúde do Colégio Brasileiro de Executivos de Saúde (CBEXS), organização que reúne executivos do setor, a deficiência no ensino médico está diretamente ligada à abertura de cursos em universidades que nem sempre possuem hospital universitário e programas de residência médica para complementar a experiência acadêmica com a prática. "Medicina não é só título de professor, é laboratório e hospital universitário de qualidade. Hoje, faculdades não possuem tomógrafo, uma máquina de ressonância", afirma. "Na cidade do Rio de Janeiro você não tem uma faculdade de medicina que você diz ser de excelência. As universidades públicas, que eram conhecidas pela sua qualidade, estão falidas", aponta. Uma análise de 2015 do CFM sobre a estrutura das escolas em funcionamento no país naquele momento mostrou que, dos 194 municípios com uma graduação para formar médicos, 63% não tinham nenhum hospital universitário. Embora a lei Mais Médicos condicionasse a abertura de novos cursos à implantação de programas de residência médica, eles estão paralisados. "As vagas de residência médica estão estagnadas, as que estão sendo abertas são do programa saúde da família. As vagas estão basicamente congeladas", diz Ribeiro, do CFM. Ainda faltam médicos Apesar do avanço do número de graduandos, o desabastecimento de médicos continua em regiões periféricas e em áreas inteiras do SUS, principalmente a atenção primária, afirma Mário César Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil. Para ele, é preciso repensar a captação do médico para o serviço público e evitar a evasão para os serviços privados. Dados do estudo coordenado por ele revelam que apenas 21,6% dos médicos atuantes no país estão exclusivamente no setor público. Na outra ponta, 26,9% estão exclusivamente no setor privado - que atende somente um quarto da população. A maioria (51.5%) transita entre os dois setores. O paradoxo é que, enquanto forma mais médicos, o Brasil não conseguiu canalizá-los para os locais onde há carência de assistência médica. "Faltam médicos em vários pontos do Brasil. A própria população sente essa falta, é um diagnóstico que levou à decisão de abrir mais escolas médicas. Mas o fato de existir mais médico por meio da abertura de escolas não significa que esses médicos irão para onde o sistema de saúde precisa mais desses profissionais", afirma Scheffer. Colação de grau de formandos no Ceará: Brasil tem hoje 291 universidades de Medicina | Foto: UFC Dos médicos que estão no setor público, 26% estão na atenção primária, em programas de saúde da família, unidades básicas de saúde e prontos-socorros. Na secundária, onde estão os especialistas, como cardiologistas, endocrinologistas e oftalmologistas, há somente 5% dos médicos que atuam no setor público. Para o pesquisador, o desinvestimento na saúde - cuja verba deve retrair 9% em 2018, segundo a organização Contas Abertas - deve piorar a situação. "Não vai adiantar formar médicos se estamos encolhendo o SUS, se as prefeituras estão fechando leitos, encolhendo serviços de saúde, se a rede pública não expande. Não adianta só uma política de abertura de cursos, não será por transbordamento que colocaremos médicos onde eles estão em falta", afirma. De acordo com o MEC, a suspensão proposta não afetará os editais já em andamento e os novos cursos autorizados em agosto desse ano não serão revogados. Também não afetará os editais previstos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Se escolas não forem fechadas, a projeção é que, em 2020, haja cerca de 530 mil médicos atuantes no país - uma média de 15 diplomados por 100 mil habitantes, próximo do índice da Holanda, que registrava 14,9 formandos por 100 mil habitantes em 2015.
Arafat aponta gabinete de emergência
O líder palestino, Yasser Arafat, que enfrenta novas ameaças de expulsão pelo governo de Israel, apontou um gabinete de emergência encabeçado pelo primeiro-ministro indicado, Ahmed Korei.
Arafat também declarou estado de emergência nos territórios palestinos. O decreto estabelecendo o gabinete de oito integrantes acaba com as intermináveis consultas sobre o assunto e contorna o procedimento comum de ratificação pelo Parlamento. Korei foi indicado para o posto antes ocupado por Mahmoud Abbas no mês passado e tinha planos de apresentar um gabinete maior para aprovação do Parlamento nesta semana. Correspondentes dizem que o anúncio aparentemente tenta evitar uma possível ação israelense contra o líder palestino depois do ataque suicida de sábado em Haifa, no qual pelo menos 19 pessoas morreram. Korei disse que o gabinete terá poder por um mês. "Nós temos uma situação de segurança que está se deteriorando e nós temos que reassegurar o controle sobre a segurança", afirmou. O gabinete inclui tanto aliados do líder palestino como membros do governo de Mahmoud Abbas, que renunciou por causa de uma disputa de poder com Arafat.
A comovente gravação que mostra o sofrimento das crianças separadas da família pela Imigração nos EUA
São quase oito minutos de áudio com choro e súplicas de crianças.
Gravação mostra sofrimento das crianças separadas da família na fronteira dos EUA O site Propublica divulgou uma gravação em que é possível ouvir o sofrimento de meninos e meninas imigrantes da América Central, separados de seus pais após tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos. A gravação foi feita em um centro de detenção da Patrulha de Fronteira americana, na fronteira do país com o México. Nela, as crianças não param de chorar e gritam, de forma inconsolável, "mamãe" e "papai". "Eu não quero que detenham o meu pai. Não quero que deportem ele", diz uma delas, em espanhol, chorando. Fim do Talvez também te interesse Também em espanhol, um agente da fronteira faz piada diante da lamentação generalizada. Ele diz: "Bom, nós temos uma orquestra aqui. Faltava o maestro". Outro homem grita, ao fundo, para que "não chorem!". Em seguida, são ouvidas vozes de funcionários consulares, trocando informações sobre "número de identificação" de alguém, perguntando de onde as crianças são, onde estão seus pais e se era com eles que estavam viajando. As crianças que respondem são da Guatemala e de El Salvador. Uma delas é Alison Jimena Valencia Madrid, uma menina de seis anos de idade, de El Salvador, que protagoniza boa parte da gravação. Separada da mãe na semana passada, ela implora para que alguém ligue para sua tia, cujo número de telefone afirma saber de cor. "Eu posso ir pelo menos com a minha tia? Quero que ela venha...", diz a menina. "Quero que a minha tia venha. Ela pode me levar para a casa dela." Um homem afirma que alguém vai ajudá-la a fazer a ligação, se ela tiver o número. No áudio é possível ouvir os agentes falando em distribuir comida no local. A menina então insiste sobre a ligação, perguntando se depois de comer podem chamar a tia para buscá-la. "Eu tenho o número de cabeça", afirma Alison. "Você vai ligar para minha tia vir me buscar? (...) Minha mãe disse para eu ir com a minha tia e que ela vai me buscar lá (com a tia) o mais rápido possível", reforça, ainda chorando e em meio a vozes de outras crianças gritando, aos prantos, "papai" e "meu papai". "Não chore. Olhe, ela vai explicar a você e vai lhe ajudar", diz o agente à menina em determinado momento da gravação, referindo-se à representante do consulado. No final do áudio, uma oficial consular se oferece para ligar para a tia dela. 'Por favor, me tire daqui' A Propublica, que se descreve como uma redação independente, com sede em Nova York, que produz jornalismo investigativo de interesse público conseguiu falar com a mulher depois. "Foi o momento mais difícil da minha vida", disse ela. "Imagine receber um telefonema da sua sobrinha de seis anos. Ela está chorando e me implorando para ir buscá-la. Ela disse: 'Eu prometo que vou me comportar, mas, por favor, me tire daqui, estou completamente sozinha'." Meninos imigrantes em centro de detenção: Relatos apontam que alguns chegam a ficar separados dos pais por semanas e até meses A tia, no entanto, afirmou, "com dor", que não podia fazer nada pela menina. A mulher emigrou há dois anos com a filha pequena, fugindo da violência em El Salvador, em busca de asilo nos Estados Unidos. Agora, tem medo de se colocar em situação de risco com a filha, ao tentar ajudar a sobrinha. Ela disse que se mantém em contato com a criança, que foi transferida das instalações da Patrulha da Fronteira para um abrigo com camas. E que também pôde falar com a irmã, que foi levada para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no Texas. Mãe e filha, no entanto, não puderam se comunicar. Segundo a Propublica, o áudio foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da Patrulha de Fronteira. A pessoa que fez a gravação, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, diz que "ouviu os gritos e o choro das crianças e ficou arrasada". Essa pessoa estimou que as crianças teriam entre quatro e dez anos de idade. Ponderou, ainda, que os funcionários do consulado tentavam tranquilizá-las conversando com elas e lhes dando comida e brinquedos, mas que as crianças não conseguiam se acalmar. Por que as crianças estão sendo separadas de seus pais? As crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o México como resultado da política "tolerância zero" introduzida em maio pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo crescente de críticas. Essa política prevê que adultos que tentam atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada ilegal no país. Como resultado, quase 2 mil crianças foram separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de acordo com balanço divulgado na última sexta-feira. Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais. O procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, afirma que quem entrar nos EUA de forma irregular será processado ​​criminalmente Mudança Sessions afirmou que aqueles que entrarem nos EUA de forma irregular serão processados ​​criminalmente. Até então, pessoas detidas tentando entrar ilegalmente no país eram acusadas de crimes de menor potencial ofensivo. Os adultos processados são separados dos filhos que viajam com eles - estes, passam a ser considerados menores desacompanhados. Defensores da medida apontam que centenas de crianças são retiradas de pais que cometem crimes nos EUA diariamente. Como tal, elas são colocadas sob custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e enviadas para um parente, lar adotivo ou um abrigo - os funcionários desses locais já estão com falta de espaço para abrigá-los. Abrigos Recentemente, uma antiga loja do Walmart no Texas foi transformada em centro de detenção para as crianças imigrantes. Autoridades também anunciaram planos de erguer acampamentos para abrigar outras centenas delas no deserto do Texas, onde as temperaturas normalmente alcançam 40 graus. O legislador local, José Rodriguez, descreveu o plano como "totalmente desumano" e "ultrajante". "(É um plano que) Deve ser condenado por qualquer um que tenha um senso moral de responsabilidade", disse ele. Autoridades da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, da sigla em inglês) estimam que cerca de 1,5 mil pessoas são presas por dia por cruzarem ilegalmente a fronteira. Nas duas primeiras semanas de "tolerância zero", 658 menores - incluindo muitos bebês e crianças pequenas - foram separadas dos adultos que as acompanhavam, de acordo com o CBP. Relatos apontam, no entanto, que mais de 700 famílias foram afetadas entre outubro e abril. Em muitos dos casos, as famílias já foram reunidas, após os pais serem libertados da detenção. No entanto, há casos em que a separação teria durado semanas e até meses. Trump Trump culpou os democratas pela política, dizendo que "temos que separar as famílias" por causa de uma lei que "os democratas nos deram". Não está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há lei aprovada pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam separadas. Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não são acusados ​​de um crime, eles não podem ser presos junto com eles. O presidente americano, Donald Trump, afirmou na última quarta-feira que irá acabar com a separação de pais e filhos detidos na fronteira. Trump assinou um documento que determina que elas fiquem em um mesmo centro de detenção que os pais. O repúdio das primeiras damas A polêmica sobre a política de imigração "tolerância zero" de Donald Trump só aumentou nos últimos dias, especialmente depois que foram conhecidas as condições em que se encontram muitas das mais de 2 mil crianças separadas de seus pais desde abril. Imagen de imigrantes dentro de uma grande jaula, em centro de detenção, foi publicada por autoridades. Jornalistas afirmam terem visto crianças que chegaram desacompanhadas em condições semelhantes Nas instalações onde estão detidas, existem grandes jaulas que, além de abrigar imigrantes adultos, seriam também destinadas a crianças cujos pais tentaram atravessar ilegalmente a fronteira sul com os Estados Unidos. A medida levou a primeira-dama Melania Trump a romper seu habitual silêncio, no domingo, para criticar a situação. Por meio de uma porta-voz, ela disse que "odeia ver crianças separadas de suas famílias" e que espera que Republicanos e Democratas "finalmente" trabalhem juntos para alcançar uma reforma imigratória bem-sucedida. "Ela (Melania) acredita que precisamos ser um país que segue todas as leis, mas também um país que governa com o coração", acrescentou a porta-voz Na segunda-feira, ex-primeiras-damas de governos democratas e republicanos também comentaram a questão, em repúdio público à política que Trump vem adotando na fronteira. "Eu vivo em um estado fronteiriço. Entendo a necessidade de reforçar e proteger nossas fronteiras internacionais, mas essa política de tolerância zero é cruel. É imoral. E me parte o coração", escreveu a republicana Laura Bush em um artigo no The Washington Post e no Twitter. Michelle Obama compartilhou o post em seu perfil no Twitter e escreveu junto à mensagem: "Às vezes, a verdade transcende os partidos". Hillary Clinton, por sua vez, condenou a administração Trump pela medida e avaliou a situação como "uma afronta aos nossos valores". Ela acrescentou, também no Twitter: "O que está acontecendo a essas famílias na fronteira é uma crise humanitária. Todos os pais que já carregaram um filho em seus braços, todo ser humano com senso de compaixão e decência, devem ficar indignados". Reportagem atualizada dia 21 de junho de 2018.
Como megavazamentos de dados acontecem e por que é difícil se proteger deles
No ano passado, os CPFs de 223 milhões de pessoas vivas e falecidas vazaram, causando grande preocupação sobre o uso deles para golpes e crimes. Agora, veio à tona mais um vazamento de proporções gigantescas - dessa vez dos registros de mais de 100 milhões de contas de celulares, e entre elas estaria a do presidente Jair Bolsonaro.
Megavazamentos, que teriam atingido inclusive agentes públicos, indicam o quão vulnerável é a privacidade dos brasileiros em geral. Os dois casos foram descobertos pela empresa de segurança cibernética PSafe ao monitorar negociações de venda de dados sigilosos na deep web - a parte da internet que não pode ser encontrada por buscadores como o Google. O vazamento, noticiado primeiro pelo site NeoFeed, envolveu 102.828.814 contas de celular com informações sensíveis como tempo de duração de ligações, número do telefone e outros dados pessoais, como RG e endereço. Segundo informou a PSafe ao NeoFeed, cada registro estava sendo vendido a US$ 1, com possibilidade de valores unitários menores no caso da aquisição de milhões de registros por um mesmo comprador. Esse megavazamento, que teria atingido inclusive agentes públicos, indica o quão vulnerável é a privacidade dos brasileiros em geral. Fim do Talvez também te interesse Mas como é que informações sigilosas podem ser obtidas, em massa, por hackers e criminosos e comercializadas na internet? Quem têm interesse em comprar essas informações? E o que fazer para reduzir o risco de ter informações vazadas? Como ocorrem vazamentos de dados sigilosos O especialista em segurança cibernética Marcos Simplicio, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, explica que megavazamentos de dados ocorrem, normalmente, de três formas: O primeiro caso, segundo Simplicio, exige conhecimento sofisticado do hacker, a ponto de ele ser capaz de burlar sistemas de segurança de grandes empresas. Isso costuma ocorrer quando a empresa utiliza plataformas ou softwares com vulnerabilidades, ou seja, com poucos mecanismos para bloquear acesso externo suspeito. "Uma possibilidade, que não é a mais comum, é que alguns dos sistemas que a empresa utiliza tenha uma vulnerabilidade descoberta. Por exemplo, se o site da empresa usa alguma ferramenta de construção da plataforma, para facilitar essa construção, e descobre-se que essa ferramenta tem vulnerabilidade", explica. "O hacker explora essa vulnerabilidade e invade. Esse é o jeito clássico que vem ao nosso imaginário - o hacker habilidoso que descobre coisas novas, mas não é o mais frequente." No caso do vazamento dos registros de celulares, o vendedor dos dados afirmou ao PSafe que eles seriam da base de dados das operadoras Vivo e Claro, segundo o site NeoFeed. Em notas enviadas à BBC News Brasil, a Vivo e a Claro negam que tenha ocorrido vazamento de dados de seus clientes: "A Vivo reitera a transparência na relação com os seus clientes e ressalta que não teve incidente de vazamento de dados. A companhia destaca que possui os mais rígidos controles nos acessos aos dados dos seus consumidores e no combate à práticas que possam ameaçar a sua privacidade." "A Claro informa que não identificou vazamento de dados. E, segundo informou a reportagem, a empresa que localizou a base não encontrou evidências que comprovem a alegação dos criminosos. Além disso, como prática de governança, uma investigação também será feita pela operadora. A Claro investe fortemente em políticas e procedimentos de segurança e mantém monitoramento constante, adotando medidas, de acordo com melhores práticas, para identificar fraudes e proteger seus clientes". O especialista em segurança cibernética Luiz Faro, diretor de engenharia para América Latina da Forcepoint, explica por que é tão difícil identificar de onde saíram as informações. "É preciso tomar cuidado ao estabelecer a origem dos dados de maneira direta, porque os dados pulam. O dado que está numa operadora vai para outro fornecedor, que vai para outro, que é armazenado por um terceiro. Uma das grandes dificuldades é manter a rastreabilidade de dados preciosos", disse à BBC News Brasil. Site de acesso do usuário com falhas de segurança A segunda hipótese para um vazamento de grandes proporções é a invasão, por hackers, da plataforma online usada pela empresa para que usuários acessem seus dados pessoais. "Você pode ter uma vulnerabilidade no site de acesso ao usuário, na forma como ele foi construído. Por exemplo, ele não estar autenticando direito as pessoas. Então, existe um mecanismo de consulta, que deveria ser usado somente por usuários legítimos, mas que, por algum motivo, não está bem protegido", exemplifica Marcos Simplicio, professor da USP. "Com isso, eu consigo entrar no sistema, trocar o CPF disponível na consulta, e ele me entrega os dados. Ele não deveria, mas me entrega os dados." Vazamento interno Segundo Marcos Simplício, a terceira possibilidade envolve participação direta de pessoas com acesso a dados confidenciais. Numa empresa de telefonia ou internet, por exemplo, operadores que atendem a demandas simples dos usuários conseguem acessar o banco de dados desses, para conseguir iniciar a resolução de problemas relacionados ao serviço. "A maneira mais comum de vazar dados, embora menos reportada, é alguém que tem privilégio de acesso internamente abusar desse direito e vender as informações na deep web ou para um terceiro que vai vender depois", diz o professor. Para evitar que isso ocorra, empresas costumam recorrer a ferramentas de segurança que acendam um alerta quando uma funcionário acessa, por exemplo, número muito grande de dados de usuários num curto espaço de tempo. No caso de um vazamento dos registros de celulares, o vendedor dos dados afirmou que eles seriam da base de dados das operadoras Vivo e Claro, segundo o site NeoFeed. "Existem ferramentas para monitorar usuários por acessos estranhos", diz o especialista. "Por exemplo, se eu ligo para uma empresa de telefonia, o operador tem que conseguir acessar meu cadastro. Um desses operadores poderia fazer o download de uma grande quantidade de dados num curto espaço de tempo, o que seria um comportamento estranho. Mas se a empresa não monitora, ele consegue fazer." Luiz Faro, da Forcepoint, destaca que, se a empresa tiver um sistema de segurança forte, criminosos interessados em obter informações dos consumidores vão focar em aliciar funcionários com acesso privilegiado, em vez de tentar ataques diretos ao site ou banco de dados. "O que faz o ladrão é a oportunidade. Numa empresa que tem a rede mais protegida, as pessoas são mais atacadas (assediadas para venda de informação). A empresa que tem a rede menos protegida, tem a rede mais atacada." E quem compra essas informações? Informações pessoais de consumidores são dados valiosos tanto para operações empresariais lícitas quanto atividades ilegais. Registros como gastos com celular e bairro onde a pessoa mora ajudam a construir o perfil do consumidor, e uma empresa pode usar esses dados para oferecer produtos de maneira personalizada. Outra utilidade menos nobre é para envio maciço de spam com propagandas, notícias falsas ou mensagens de cunho político. Números de celulares podem ainda ser usados para telemarketing. Há ainda a possibilidade de dados pessoais serem utilizados por criminosos para fraudes e extorsões. Pessoas fingindo serem de empresas com as quais o consumidor mantém contato podem citar dados pessoais para ganhar a confiança e obter informações de cartões de crédito ou mesmo convencer o interlocutor a fazer transferências bancárias. Luiz Faro ainda cita outras utilizações ilegais possíveis para esse tipo de dados. "Dados pessoais podem ser usados para cadastro de pré-pago no nome de alguém ou para uma conta de banco nula criada especificamente para movimentação bancária ilegal." "Tem gente que trabalha com dado roubado e gente que compra de terceiros e não quer nem saber se o dado é de fonte lícita ou roubado." Como saber se você teve dados vazados Infelizmente, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, um indivíduo dificilmente terá condições de verificar por si só se teve os dados vazados. A única maneira de fazer isso seria conversar diretamente com o criminoso que está negociando os registros de celulares na deep web, o que, evidentemente, não é aconselhável. Empresas de segurança, como a PSafe, vasculham a internet e chegam a conversar com os vendedores de produtos ilícitos para identificar vazamentos e aconselhar empresas clientes. Mas quem faz isso são profissionais treinados para evitar, por exemplo, cair numa nova armadilha ao fazer download dos dados. Normalmente, os hackers oferecem uma "amostra grátis" do produto oferecido, para que o comprador possa checar a veracidade dos dados. Revelam, por exemplo o registro de algumas pessoas, para que o interessado possa checar se as informações são verdadeiras. Se há opção pela compra, o pagamento é feito em Bitcoins, por dificultar o rastreamento do dinheiro. Mas mesmo no download da amostra grátis pode haver armadilhas, como softwares - chamados de malwares - que invadem o computador da pessoa e exigem dinheiro pela devolução dos dados obtidos na máquina. O especialista em segurança cibernética Luiz Faro destaca que, logo após um amplo vazamento de dados, é importante que toda a população fique atenta para fraudes e esquemas de extorsão. "Adote a postura pessimista. Foram vazados 100 milhões de registros de celulares, então, na prática, você tem quase 50% de chances de ter seus dados ali, é quase metade da população do Brasil, assumindo que cada registro diga respeito a uma única pessoa", destaca. Normalmente, os hackers oferecem uma "amostra grátis" do produto oferecido. Se há opção pela compra, o pagamento é feito em Bitcoins, por dificultar o rastreamento do dinheiro. Faro recomenda que, se contatadas por uma empresa que requer dados pessoais, as pessoas desconfiem sempre e liguem para verificar se a chamada veio mesmo de uma empresa com que elas mantêm contrato. "Toda vez que você recebe uma ligação de alguém dizendo que é de uma empresa, cheque, assuma que é uma fraude, verifique. Não faça verificação de dados com quem você não sabe quem é", recomenda. E como impedir que dados pessoais vazem? Quanto a medidas de proteção, elas também são limitadas quando se trata do vazamento de informações armazenadas por grandes empresas ou órgãos públicos. Para abrir uma conta de telefone, luz ou internet, invariavelmente o consumidor terá que informar dados pessoais. A segurança desses dados fica a cargo dessas empresas. O que o consumidor pode fazer, eventualmente, é pedir indenização, se as investigações identificarem de onde saíram os dados. Uma medida possível para mitigar riscos de ter dados pessoais circulando por aí é só fornecê-los quando estritamente necessário. Marcos Simplicio aconselha não dar o verdadeiro número de celular ou e-mail ao conectar, por exemplo, em w-fi disponibilizado por estabelecimentos comerciais. O mesmo vale para conexão em aplicativos ou registros em lojas e jogos online. "Se você tem como evitar entregar seus dados, não entregue. Para registros de internet e jogos online, sugiro não fornecer número de telefone e dados verdadeiros. Se não está clara a necessidade de uma empresa ter seus dados, é porque possivelmente ela não deveria ter", afirma o professor da USP. Num mundo em que dados pessoais circulam aos milhões em mercados ilegais, a principal recomendação dos especialistas é agir com desconfiança. "Viva como se seus dados tivessem sido vazados. Tem grande chance de você estar certo", diz Faro. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Murder Inc, a gangue de matadores a serviço das máfias de Nova York nos anos 1930
George 'Whitey' Rudnick era um homem bonito, bronzeado e com cabelo de estrela de cinema. Ou pelo menos ele foi assim até um dia em maio de 1937, quando seu corpo encharcado de sangue foi descoberto no banco traseiro de um automóvel roubado no Brooklyn.
Abe Reles (à dir,) fundou o grupo que depois se tornaria o Murder Inc O agiota encontrou um fim terrível, morto com nada menos que 63 perfurações feitas com um picador de gelo. Quando Rudnick já estava morto, seus agressores racharam seu crânio com um cutelo. O assassinato brutal de Rudnick estava longe de ser uma raridade. Ele era apenas mais uma vítima da Murder Inc, uma gangue de assassinos de aluguel responsável por centenas de assassinatos em Nova York e região durante os anos 1930. Com o crime organizado controlando a cidade durante os anos da Lei Seca, esses assassinos eram contratados por chefes da máfia para exterminar qualquer um que pudesse ameaçar seus impérios, fossem eles traidores, informantes da polícia ou mafiosos rivais pisando em seu território. A Murder Inc tinha suas raízes no bairro de Brownsville, no Brooklyn, uma área conhecida na época como "a Jerusalém da América" ​​devido aos seus 300 mil residentes judeus. Suas ruas eram controladas pelos irmãos Shapiro, liderados por Meyer Shapiro, o autoproclamado "chefe de Brownsville". Fim do Talvez também te interesse Um jovem baixo e atarracado chamado Abe "Kid Twist" Reles, no entanto, estava de olho no comando da região. Reles na verdade trabalhava para os Shapiros — uma vez ele levou um tiro nas costas enquanto vigiava uma das máquinas caça-níqueis da família. Mas rapidamente ele se cansou de fazer o trabalho sujo enquanto os irmãos viviam no luxo. "Por que temos que ficar com as sobras?", questionou certa vez. Junto com seu parceiro Martin "Bugsy" Goldstein, Reles formou uma aliança com os mafiosos italianos Harry "Happy" Maione e Frank "Dasher" Abbandando, que administravam atividades de agiotagem e jogos de azar no bairro adjacente de Ocean Hill. O objetivo deles era derrubar os Shapiros e conquistar Brownsville. Depois de muitos anos, Reles delatou diversos de seus ex-companheiros Meyer Shapiro sobreviveu a um total de 20 tentativas de assassinato antes que o grupo de Reles atacasse seu irmão, Irving. Seguindo uma dica, eles o sequestraram de um bar clandestino de Manhattan antes de executá-lo em um porão. O próprio Reles atirou para matar. O império dos Shapiros desmoronou rapidamente — os Brownsville Boys eram os novos chefes. Atenção nacional Ao tomar para si o canto no Brooklyn, Reles e seus associados melhoraram muito sua reputação dentro do Sindicato Nacional do Crime, outro pacto entre mafiosos judeus e italianos que incluía mafiosos lendários como "Lucky" Luciano e "Bugsy" Siegel. Luciano era efetivamente o chefe do Sindicato, uma figura poderosa o suficiente no submundo de Nova York para convencer os chefes das máfias rivais de que a cooperação era mutuamente benéfica para proteger seus interesses. Até então, havia existido uma guerra na comunidade criminosa da cidade, com sua hierarquia decidida pela sobrevivência dos mais fortes — no caso, a sobrevivência dos mais fortemente armados. O Sindicato era dirigido por um conselho de "diretores" que incluía oito figuras veteranas do submundo, incluindo Luciano e o chefe judeu Louis "Lepke" Buchalter, um temível gângster da indústria de roupas. Uma figura significativa que não havia sido recrutada para o conselho foi Dutch Schultz. Havia uma crença nos altos escalões da fraternidade criminosa de que o contrabandista era descontrolado e imprevisível, com uma personalidade em desacordo com o clima prevalecente de cooperação. Sua ausência seria, mais tarde, significativa. O Sindicato Nacional do Crime era um pacto para evitar guerras entre as máfias de Nova York Para defender os princípios e objetivos do Sindicato, uma equipe de matadores foi necessária, cujas tarefas iriam desde intimidar os devedores até realizar as execuções mais brutais imagináveis. No vernáculo dos jornais sensacionalistas da época, os assassinatos eram quase exclusivamente referidos como "matanças". Buchalter chamou os Brooklyn Boys para o trabalho. Eles não eram apenas brutais e implacáveis, mas também jovens e ambiciosos. E estavam prontos para agir. O processo era simples. Gângsteres insatisfeitos fariam uma queixa ao conselho do Sindicato e contra mafiosos rivais. O conselho julgava e determinava a sentença. Os Brooklyn Boys — mais tarde apelidados pela imprensa como Murder Inc (algo como Assassinato S.A., em inglês) — eram então contratados para aplicar a punição. Buchalter era o membro do conselho que fazia o pedido pela cabeça de alguém. Seu caminho preferido era contratar Albert Anastasia, um matador de olhos mortos que regozijava-se com os apelidos de "Lord High Executioner" (algo como lorde carrasco, em inglês) e "Chapeleiro Maluco". Com um "contrato" de assassinato em mãos, Anastasia chamava Reles ou Maione para executar o crime. A filial de execuções operava em uma loja de doces no Brooklyn. Até mesmo as mulheres que faziam trabalhos laterais para o Murder Inc tinham apelidos de gângster. A dona da loja de fachada para a máfia, Rosie Gold, também era conhecida como "Rosa da Meia-Noite", porque sua loja funciona 24h por dia. Quando o telefone da loja tocava, o assassino mais adequado era selecionado e eles saíam para a rua para "resolver" o problema na noite escura do Brooklyn. Um assassinato, no entanto, não era sempre uma coisa rápida de se resolver. Os mercenários eram meticulosos no planejamento e levavam o tempo que fosse necessário. Eles precisavam ser eficientes, insensíveis e frios. As variáveis ​​deveriam ser reduzidas ao mínimo. Nenhum cabeça quente podia participar. Além de receber uma taxa de contratação, esses assassinos eram pagos com valores entre mil e cinco mil dólares a cada ataque que executavam com sucesso — hoje isso seria equivalente a algo entre 15 mil e 77 mil dólares. Bares clandestinos eram uma das principais rendas da máfia nos anos da Lei Seca A Murder, Inc também recebia comissões de chefes do crime em outras cidades dos EUA. Contratar assassinos autônomos para suas execuções deixava os mafiosos locais e seus homens protegidos por álibis incontestáveis. E, quando o corpo fosse descoberto, o assassino já estaria na metade do caminho de volta para a cidade de Nova York de trem. Cruzada contra o crime Embora os diferentes bairros da cidade de Nova York estivessem sujeitos à forte influência da máfia, policiais e políticos facilmente corrompíveis também foram recrutados para ajudar a proteger os interesses dos gângsteres. Mas nem todos os funcionários públicos puderam ser comprados. Duas vezes candidato presidencial republicano, Thomas Dewey, nascido em Michigan, fez sua reputação como promotor especial encarregado de desmontar o controle do crime organizado sobre a cidade. Chefiando uma grande equipe de investigadores, Dewey tinha os chefes da máfia em sua mira. Dutch Schultz, o mafioso que não havia feito parte do conselho do Sindicato do Crime, foi um dos primeiros a ser visado por Dewey. Sua primeira condenação por sonegação de impostos foi revertida em segundo julgamento— realizado fora da cidade após a reclamação de Schultz de que não teria um julgamento justo. O mafioso Louis Buchalter foi preso em 1940 Schultz, no entanto, recusou-se a permitir que as coisas se acalmassem. Seria uma decisão imprudente. Aplicando os valores e práticas do submundo às suas relações com a Justiça, ele jurou que Dewey seria assassinado como punição por tê-lo processado. Tal pronunciamento não caiu bem com o Sindicato, que considerava que não valia a pena causar indignação da sociedade com a execução de um funcionário público de alto escalão, já que isso geraria uma repressão ainda mais forte às atividades do crime organizado. Schultz e três de seus homens foram então assassinados com uma saraivada de balas no banheiro de um restaurante de Nova Jersey, em outubro de 1935. Com Schultz morto, Buchalter estava agora na mira de Dewey. O mafioso escolheu se vingar primeiro, eliminando qualquer um que pudesse fazer uma delação para Dewey e colocar em risco seu império. Foi essa decisão que atingiu "Whitey" Rudnick, que teria sido visto na companhia de um investigador federal. Outra vítima foi Joseph Rosen, um empresário de caminhões forçado à falência por Buchalter — que acreditava que Rosen estaria em busca de vingança. Rosen foi morto a tiros por Emanuel "Mendy" Weiss e Harry "Pittsburgh Phil" Strauss. Foi apenas mais um assassinato cometido por Strauss, o bandido mais prolífico da Murder Inc. Sangue novo Em junho de 1940, os policiais do Brooklyn tinham cerca de 200 homicídios não resolvidos em suas mãos. O número, no entanto, não assustou uma nova de promotores que lutaram contra a máfia, liderados pelo novo procurador chefe do Estado de Nova York, William O'Dwyer, e por seu assistente, Burton Turkus. Turkus era um homem obcecado a impedir as matanças no Brooklyn e região. Ele recebeu uma dica sobre o envolvimento de Reles e Goldstein em um daqueles muitos homicídios não resolvidos e perseguiu os dois incansavelmente. Muitos mafiosos de posição mais baixa na hierarquia foram presos e levados a acreditar que haviam sido delatados por seus chefes. Como resultado, diversos deles começaram a delatar os chefes e colegas, entregando detalhes de assassinatos — quem, como e por quê — à equipe de acusação. As cenas dos crimes em Nova York eram brutais Mas foi uma reviravolta extraordinária protagonizada por um dos principais nomes das máfia que ajudou a desvendar esses casos não resolvidos. Aconteceu em 1940, quando Reles repentinamente trocou de lado e se tornou um informante, oferecendo um tesouro de informações aos promotores sobre os corpos do Brooklyn em troca de uma sentença suspensa por todos os seus crimes e contravenções. Além de perceber que receberia a pena de morte se os investigadores conseguissem uma condenação, Reles também foi motivado pelo medo de que a máfia iria acabar matando-o. A proteção oferecida pelas autoridades era inegavelmente preferível a ser ele próprio vítima. A confiabilidade do testemunho de Reles foi confirmada pela profundidade dos detalhes que ele ofereceu. Ele literalmente sabia onde os corpos estavam enterrados e os nomes dos responsáveis. Pessoas como seus ex-colegas Strauss, Maione e Abbandando estavam agora no radar dos promotores. Os dois últimos foram os primeiros a ser julgados por homicídio — de "Whitey" Rudnick ,três anos antes. Como testemunha principal, Reles relembrou todos os detalhes horríveis da morte da vítima, até a dificuldade que eles tiveram em espremer o corpo do homem no banco de trás do carro. Maione e Abbandando foram considerados culpados e condenados à morte. Os dois morreram na cadeira elétrica. Em um julgamento separado, Strauss fingiu insanidade, mas o júri não acreditou. Ele e Goldstein tiveram o mesmo destino, morte na cadeira elétrica. Queima de arquivo Embora o testemunho de Reles tenha condenado esses homens, ele não foi uma fonte infindável de revelações. Enquanto se preparava para para ser testemunha de mais assassinatos no Brooklyn, no julgamento de Albert Anastasia, Reles foi encontrado morto, tendo caído da janela do hotel Half Moon em Coney Island. Apesar da forte presença da polícia protegendo o quarto 623, onde ele estava — e a versão oficial sugerindo um acidente ou suicídio — a máfia conseguir chegar até ele. Anos depois, "Lucky" Luciano confirmou que o policial que vigiava o local foi subornado para permitir que eles "apagassem" a testemunha principal. "Lucky" Luciano foi um dos fundadores do Sindicato do Crime Burton Turkus já tinha condenado quatro dos atiradores da Murder Inc à cadeira elétrica, mas ele ainda queria o "grande prêmio", o homem no topo da hierarquia: Buchalter. Reles havia sido morto, mas outras testemunhas próximas vincularam Buchalter ao assassinato de Joseph Rosen. O chefão foi finalmente preso e, junto com Louis Capone e "Mendy" Weiss, também foi condenado à morte. Ele se tornou o único chefão da máfia a ser enviado para a morte. Graças à energia dos promotores e à disposição de algumas testemunhas importantes de virar o jogo contra seus ex-camaradas, a Murder Inc desapareceu. Talvez fosse inevitável que essa colaboração ítalo-judaica finalmente implodisse. Abe Reles parece ter previsto tal resultado e foi ele, o fundador original de Brownsville, quem mostrou um instinto de sobrevivência mais agudo nos últimos anos de sua vida. "Não sou um dedo-duro. Todos esses caras queriam delatar. Eu só os venci na disputa de quem seria o primeiro." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
'Ministro do STF na prisão': o que dizem os vídeos apagados por bolsonaristas no YouTube
"Estamos de volta, e a manchete é a seguinte: ministro do STF na prisão", dizia um dos vídeos excluídos por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro do YouTube. "Pressão popular esquenta o caldeirão no STF", afirmava outro. E o título de um terceiro: "STF toma decisão que Bolsonaro não esperava - dessa vez foi longe demais…"
Vídeo de apoiador bolsonarista apagado do YouTube Vídeos de canais bolsonaristas têm sido apagados do YouTube, segundo levantamentos de quem monitora esses canais na plataforma. Uma dessas equipes, o Monitor do Debate Político no Meio Digital, projeto da Universidade de São Paulo (USP) que analisa a polarização nas discussões políticas nas redes, registrou os títulos desses vídeos e o que eles diziam sobre o Supremo Tribunal Federal. O sumiço das publicações acontece na esteira das investigações contra blogueiros, youtubers, empresários e parlamentares autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. As investigações acontecem no âmbito do chamado inquérito das fake news, que investiga ataques à Corte, e no inquérito sobre as manifestações antidemocráticas. A suspeita é de que exista uma rede de ataques a autoridades, com possíveis financiadores e possível envolvimento de parlamentares aliados de Bolsonaro. O Monitor do Debate Político no Meio Digital levantou 1.873 vídeos bolsonaristas que faziam menções ao Supremo Tribunal Federal em abril e maio deste ano. Fim do Talvez também te interesse Mas desde que o levantamento foi feito, 25 dos 100 vídeos mais vistos já não estão mais disponíveis no YouTube. Os vídeos agora aparecem como "indisponíveis", acompanhados de uma mensagem explicando que foram "removidos pelo usuário que fez o envio". Blogueiros bolsonaristas estão na mira do STF Para Pablo Ortellado, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, os autores dos vídeos apagaram as publicações da rede por estarem com medo. "Não sabemos se foi com essa intenção, mas o fato de as exclusões estarem maiores com a aproximação das investigações nos leva a acreditar que foram para esconder provas, escapar da investigação", afirma. Ortellado diz ter assistido a trechos de cerca de 20 dos vídeos com maior número de visualizações, e explica que a maior parte deles tinham críticas ao Supremo, mas havia também "uma parte que era mais pesada, na linha de 'tem que fechar o STF', com vários argumentos, como intervenção federal, cassação de ministros, entre outros". Sumiço em alta O grupo verificou se os vídeos ainda estavam online depois que Guilherme Felitti, fundador da empresa de análise de dados Novelo, levantou a questão: ele viu que 2.015 vídeos dos 81 canais alinhados ao bolsonarismo que monitora haviam sido excluídos só em junho. Em maio, 1.112 tinham sido deletados. A média mensal de vídeos deletados no segundo semestre de 2019, segundo ele, era 319 vídeos. No caso dos vídeos destacados por Felitti, as publicações podem ter sido apagadas pelos donos dos canais, mas também podem ter sido retiradas da listagem pública e ainda estarem acessíveis. Outra possibilidade é que tenham sido colocados como vídeos "privados", ou seja, não disponíveis para o público em geral - hipótese que, na análise de Felitti, parece bastante provável para muitos desses vídeos. Também podem ter sido apagados pelo YouTube, caso tiverem violado suas condições de uso (a plataforma coloca um aviso nesses casos, no entanto). Questionado pela BBC News Brasil, um porta-voz do YouTube respondeu que a empresa não comenta casos específicos, e que a plataforma de vídeo é aberta, em que qualquer pessoa pode compartilhar conteúdo, sujeito a revisão de acordo com as diretrizes da comunidade. "Nossas políticas de privacidade, retenção e exclusão de dados dão ao usuário controle total sobre as informações e conteúdos armazenados em nossas plataformas e isso inclui a possibilidade de remoção completa e segura desses dados dos nossos sistemas." O ministro Alexandre de Moraes é relator do chamado inquérito das fake news Ou seja, caso tenha sido apagados, esses vídeos podem ter sido permanentemente excluídos dos dados do Google, empresa dona do YouTube - o que não significa que a empresa não possa ter os metadados das publicações. A equipe do Monitor do Debate Político no Meio Digital fez a transcrição das partes dos vídeos em que havia menções ao Supremo Tribunal Federal, considerando só as palavras mais próximas ao termo escolhido. A equipe utilizou um software que faz transcrições ou as próprias legendas do YouTube, quando havia, e por isso em muitos casos não há o sentido completo das frases. Veja o que diziam 10 dos vídeos apagados entre os 100 com maior número de visualizações: URGENTE! Roberto Jefferson acaba de denunciar GOLPE de MAIA contra BOLSONARO Autor do vídeo: Folha do Brasil Visualizações: 1,655,396 "(…) Uma nova coalizão do governo ou posso tirar Supremo Tribunal Federal, Câmara dos Deputados e Senadores…" "A Câmara dos Deputados, o Senado da República e o Supremo Tribunal federal roubando tu.. de 60 milhões de brasileiros …" VAZA ÁUDIO DO GENERAL BRAGA NETTO, PRONTOS PARA INTERVENÇÃO MILITAR NO BRASIL. Autor do vídeo: Canal Notícias Políticas Visualizações: 1,278,358 "Forças Armadas, o poder emana do Congresso nem do Supremo e tem um… Poder emana é do povo só que o povo não…" 🔴 EXPL0DlU - MINISTRO DO STF NA PRISÃ0 - VIDE0 VEM AO AR E BRASIL CH0CAD0 E BOLSONARO TINHA RAZÃ0... Autor do vídeo: DR News Visualizações: 661,722 "Estamos de volta, e a manchete é a seguinte: ministro do STF na prisão, primeiro escalão do presidente Bolsonaro…" "Ministro do STF na prisão" "Bolsonaro perde a paciência e pede prisão de ministro do Supremo Tribunal. Vamos mostrar aqui esse vídeo onde o ministro…" "Vídeo veio ao ar e isso fez com que a grande mídia e o STF ficar de queixo caído, pois por essa ninguém esperava…" Gritos de GLOBOLlXO ao vivo na Globo! Witzel lNFECTADO! Mourão dá cartão para Mandetta e mais! Autor do vídeo: Folha do Brasil Visualizações: 652,952 "… perguntou Alcolumbre. A verdade, gente, é que a exemplo do STF gastando quase dois milhões de reais em cortinas aí…" O depoimento e as 'provas' de Moro na PF, Bolsonaro dá posse, STF fervendo, Alexandre Garcia e mais! Autor do vídeo: Folha do Brasil Visualizações: 650979 "Então na verdade o que aconteceu a interferência do STF em uma decisão do poder executivo o novo diretor-geral…" "Pressão popular esquenta o caldeirão no STF" "No STF, a destruição que os próprios ministros do Supremo estão fazendo o continuam a fazer uma instituição…" "Ativismo judicial a interferência dos ministros do Supremo no governo…" "Demonstra o claro cerco de ministros do STF contra o presidente Jair Bolsonaro" Ameaças a Bolsonaro, Globo pode intensificar ofensiva, Sikêra x Datena, Gafe de Dilma e mais Autor do vídeo: Folha do Brasil Visualizações: 607,909 "…verídica resolveria tudo. Tem alguma autoridade do STF ou a Câmara dos Deputados, algum líder partidário, presidente…" URGENTE - NINGUÉM PODIA IMAGINAR QUE ELE ESTIVESSE ENVOLVIDO... Autor do vídeo: DR News Visualizações: 586,530 "…direção da superintendência da Polícia Federal, o Supremo tribunal mais do que depressa tratou de barrar essas…" Bolsonaro com plano ousado, Doria arrependido, Alckmin prega Parlamentarismo, STF cara de pau e mais Autor do vídeo: Folha do Brasil Visualizações: 565,098 "Colegas Dias Toffoli, por exemplo, e outros dentro do STF que colocam em dúvida a Justiça, principais responsáveis" "… Que eles seriam uma ameaça à democracia. O que um stf tem a dizer sobre Lula, que foi solto pela decisão…" "Mostre um plano, vamos passar um pano que mexa no STF, mexa na Justiça mesmo mexa na Câmara no Senado" 🔴 GENERAL T0MA ATITUDE QUE STF NÃO ESPERAVA - BOLSONARO VAI INDICAR NOVO MINISTRO... Autor do vídeo: DR News Visualizações: 526809 "General do alto escalão engrossa a voz para cima do STF e manda recado duro. Agora a coisa ficou feia e a última…" "A apreensão do celular de Bolsonaro poderá ter consequências…" "O que estão fazendo ali em Brasília, mas a hora do STF está chegando pois o presidente Jair Bolsonaro irá…" "Sergio Moro poderia ser até um dos indicados ao STF se ele não tivesse ficado de mimi e cuspido no próprio…" 🔴 STF TOMA DECISÃ0 QUE BOLSONARO NÃO ESPERAVA - DESSA VEZ FOI LONGE DEMAIS... Autor: DR News Visualizações: 431,469 "… tudo para tirar Bolsonaro do poder, e dessa vez o STF surpreendeu a todos com uma decisão que ninguém estava…" "Sempre fechados com Bolsonaro. E vamos para a matéria. E o STF enviou um pedido à PGR para apreensão do celular do…" "Temos uma Constituição que dá maiores poderes ao STF e esse delega outros poderes a governadores para mandarem…" Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Escavadeira deixa rastro de destruição e morte em Jerusalém
Pelo menos duas pessoas morreram e dezenas ficaram feridas depois que uma escavadeira avançou contra um ônibus e vários carros em Jerusalém.
Testemunhas disseram que o motorista da escavadeira deixou um rastro de destruição na rua Jaffa, uma das principais ruas da parte oriental da cidade, antes de colidir com o ônibus. O correspondente da BBC em Israel Tim Franks, que testemunhou o incidente, disse que um policial subiu na escavadeira e matou o motorista a tiros. Centenas de pessoas fugiram em pânico pelas ruas adjacentes no local.
Sebastião Salgado diz que filho mudou sua compreensão da vida
Reconhecidamente um dos maiores fotojornalistas do mundo, o brasileiro Sebastião Salgado tem uma carreira que casa beleza plástica com o engajamento social.
Seus ensaios fotográficos, como "Trabalhadores" e "Êxodos", focalizam o sofrimento dos excluídos e dos deslocados. Nesta entrevista exclusiva à BBC Brasil, Sebastião Salgado atribui seu interesse por causas humanitárias ao fato de ser pai do Rodrigo, de 23 anos e que tem a síndrome de Down (o fotógrafo e sua mulher, Lélia, têm ainda outro filho, Juliano, de 28 anos). BBC Brasil: Como foi a chegada do Rodrigo na sua vida? Sebastião Salgado: Foi como se um trem tivesse passado em cima da gente. Foi totalmente inesperado e muito duro. Acho que ninguém está preparado para isso. A não ser quando você faz a aminiocentese e sabe que uma criança com Down vai chegar, o que não foi o nosso caso. O drama começou já no primeiro dia. Ele nasceu de cesariana e, normalmente, deveria acompanhar a mãe para o quarto do hospital e não foi o caso. Ficou numa espécie de incubadeira. Quando a Lélia acordou, quis saber onde estava o Rodrigo e se tinha havido algum problema. Respondi que não. Ela tinha certeza que tinha algum problema e fui saber com os médicos. O médico me confirmou que havia algo de errado, disseram que ele era hipotônico, que tinha um traço palmar único e havia, portanto, a possibilidade de ele ter a síndrome de Down. A partir deste momento, a minha vida mudou completamente. Eu tentei por todas as maneiras justificar que ele não tinha a síndrome, procurei fotos da Lélia que quando era criança tinha um olho meio puxadinho… Isto levou aproximadamente três semanas até a gente ter a confirmação clínica de que ele tinha a síndrome de Down. BBC Brasil: E como foi o anúncio da confirmação do diagnóstico? Salgado: Me lembro que a gente estava fora de Paris, numa casa que não tinha telefone. O médico ligou para uma fazenda ao lado e falou comigo. Tive uma crise de choro. Devo ter chorado umas quatro horas. Ninguém me consolava, a Lélia tentava de tudo... Mas me esvaziei de todas as expectativas. A solução era entender que ele era nosso filho e que tínhamos que amá-lo profundamente. No meu caso, levou dois anos para chegar a este nível de maturidade. Sebastião Salgado BBC Brasil: E como você viveu com esta nova situação? Salgado: Uma vez, quando ele era pequenininho, fomos ver um médico que fazia uma operação para impedir que a criança ficasse com a língua para fora, uma modificação no céu da boca para acomodar a língua. Me lembro que estávamos quase chegando na cidade, na Alemanha, paramos o carro, pensamos e voltamos para casa. Era, na verdade, uma solução para resolver o nosso problema. E não o dele. Até que um dia encontramos a solução. E a solução era entender que ele era o nosso filho e que você tinha que amá-lo profundamente, viver com o problema que não tinha solução e aceitar. Pelo menos no meu caso, levou dois anos para chegar a este nível de maturidade. BBC Brasil: E como esta aceitação afetou a sua vida? Salgado: A partir daí a minha vida teve outro sentido, comecei a conviver com um filho que eu amava profundamente e já não encontrava mais, nas outras crianças, uma referência a ele. Comecei a ver que ele tinha capacidades incríveis que os outros, ditos normais, não tinham. Ele tinha a normalidade dele. A Lélia, muito antes de mim, por ter carregado ele por nove meses, já tinha aceitado o Rodrigo como ele era. O Rodrigo nasceu com uma série de complicações, inclusive um problema respiratório grave. A Lélia praticamente passou dois anos dormindo sentada com ele no colo, com medo de o Rodrigo morrer. Às vezes ele começava com um problema respiratório às quatro da tarde e às dez da noite a gente estava no hospital com o Rodrigo com pneumonia. Acho que porque a Lélia teve esta convivência tão forte, tão carnal com o Rodrigo, ela resolveu esta questão muito antes de mim. Mas isso tudo foi só no começo. Ele se acertou na vida também, no lado físico. Neste começo, eu viajava muito por causa do meu trabalho como fotógrafo. BBC Brasil: O senhor acha que o nascimento do Rodrigo afetou o seu trabalho também? Salgado: Acho que muita coisa que faço hoje, próxima do social, de tanta organização humanitária, necessariamente foi o Rodrigo quem me trouxe. Ele me deu uma outra compreensão da vida, outra maneira de eu ver a humanidade, de me situar, de ver outras anomalias. A gente teve o direito a freqüentar um outro universo que se eu tivesse ficado no mundo dos “normais” eu não teria conhecido. Foi muito rico para mim. BBC Brasil: E como é hoje a sua relação com o Rodrigo? Salgado: O Rodrigo é um homem de 23 anos que vive num mundo de silêncio. Às vezes a Lélia viaja e eu passo o fim de semana com o Rodrigo e é um momento de relativamente pouca comunicação mas é um mundo de um amor muito profundo. Na realidade, hoje eu tenho a impressão que a gente teve uma sorte imensa de ter tido um anjo que chegou na nossa casa. Engraçado que esta combinação de genes leva a uma doçura imensa do ser humano, atingida por esta combinação no par 21, de ter não um par de cromossomos mas três. Eu viajo muito por conta do meu trabalho e toda vez que encontro uma pessoa que nasceu com a síndrome de Down, em qulaquer lugar do mundo, eu paro pois tenho certeza que ele vai me receber. Me lembro que estava trabalhando num campo de palestinos no Líbano controlado pelo Hamas. Era um ambiente muito duro e mesmo com autorização da Organização para Libertação da Palestina, era difícil fotografar pois havia várias instituições envolvidas e toda vez que eu apontava a minha câmera, no mínimo, tinha um fuzil Kalashnikov apontado na minha direção. E aí eu tinha que passar horas explicando o que estava fazendo. Horas de discussão para vinte minutos de fotos. Me lembro que, uma vez, vi uma pessoa passando e tirei um foto dela. A pessoa olhou para mim e pensei que ia ter problema. Ele veio andando na minha direção e aí vi que ele tinha síndrome de Down. Ele me abraçou e me deu um beijo imenso. (Nesta hora, Sebastião Salgado se emociona com a lembrança e derrama uma lágrima). BBC Brasil: O senhor já pensou em fazer um trabalho sobre a síndrome de Down? Salgado: Não, nunca pensei. Tenho vontade de publicar um livro sobre a nossa vida com o Rodrigo. Ele já viajou o mundo inteiro, já foi à China... Ele sempre foi parte integrante da nossa vida. BBC Brasil: Ele estudou em colégio regular? Salgado: Ele sempre estudou em instituições especiais mas sempre morou na nossa casa. Ele sempre saía de manhã e voltava à tarde do colégio. A gente não mora muito longe do Marais mas a pé leva 20 minutos. A gente levava o Rodrigo de carro, depois a pé. Até o dia que eu o ensinei como ir sozinho para o colégio. Ele tem uma capacidade fenomenal de proteção. O Rodrigo nunca atravessou fora da faixa de pedestres ou com o sinal vermelho. Ele sabe que não é tão ágil como os outros. É impressionante como as pessoas com síndrome de Down são capazes de assimilar os acidentes geográficos, as cores, as letras...Eles criam um universo de referência para si. Anos mais tarde, quando o Rodrigo tinha 12 anos, ele foi estudar numa escola mais afastada, no Quartier Latin que levava 40 minutos de ônibus da nossa casa. Um dia, ele saiu de casa e meia hora depois, ligaram do colégio para dizer que tinha greve de ônibus mas o Rodrigo já tinha saído e não tinha retornado. Pensamos que ele estava perdido. Comecei a procurar, fui ao ponto de ônibus, andei para cá e para lá e nada dele. Finalmente, ligaram da escola para dizer que o Rodrigo tinha chegado à escola, transpirando muito, exausto. Ele tinha feito o mesmo caminho do ônibus, não tinha como ter se perdido. Ou seja, o seu sentido de responsabilidade e sua lógica são incríveis. BBC Brasil: O que ele gosta de fazer? Salgado: O Rodrigo é muito sistemático, gosta de desenhar, tocar piano. Já passou em dois concursos nacionais, toca um pouco de violão, viaja sozinho para o Brasil. O Rodrigo é uma das pessoas mais realizadas que conheço. BBC Brasil: E como ele se relaciona com o resto das pessoas? Salgado: As pessoas que o aceitam, e se dão para ele, ele retribui. Mas as pessoas que não se aproximam dele, ele não se incomoda em saber. O Rodrigo sabe que o universo dele é limitado às pessoas que o aceitam. Ele tem uma série de amigos a quem ele tem uma fidelidade absoluta. O Rodrigo sempre leva as fotos dos amigos junto com ele quando viaja. BBC Brasil: O Rodrigo gosta de ser fotografado? Salgado: Adora ser fotografado e adora fotografar, principalmente animais. O Rodrigo é uma pessoa bastante realizada e integrada na vida. BBC Brasil: E ele gosta das suas fotos? Salgado: O Rodrigo nunca se expressou sobre isso mas ele absolutamente sabe quando a foto é minha. Conhece as minhas fotografias perfeitamente. Às vezes ele vê uma foto minha numa revista e a identifica imediatamente. Mas o Rodrigo não julga, não diz se gosta mais ou menos.
'Se morre sua mãe, é 100%. A perda é absoluta', diz médica paliativista sobre ameaça do coronavírus
Lidar com doenças dolorosas e incuráveis faz parte do cotidiano da médica Ana Claudia Quintana Arantes há anos. Na verdade, esta é sua especialidade.
Mulher em Wuhan, cidade chinesa onde coronavírus teve origem, faz homenagem a vítimas da doença; a médica Ana Claudia Quintana Arantes alerta que pandemia traz desafios sem precedentes para o luto de milhares de pessoas Profissionais de cuidados paliativos como ela fornecem tratamento para pacientes não com o objetivo de que estes se recuperem ou se curem de um problema de saúde. A ideia é garantir, por exemplo, uma "qualidade de morte" para pacientes terminais — com acesso a analgésicos e opiáceos para aliviar a dor, limite a procedimentos invasivos e disponibilização de assistência psicológica (existe inclusive um Índice de Qualidade de Morte mundial, no qual o Brasil não vai bem). Mas uma doença nova e desconhecida como a causada pelo novo coronavírus traz um cenário "inimaginável" e "traumático" para etapas da vida que já são naturalmente desafiadoras, como a consciência da finitude e o luto, diz Arantes, autora dos livros A morte é um dia que vale a pena viver e Histórias lindas de morrer — lançado no final de março, virtualmente por conta da pandemia. "O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus", disse a médica à BBC News Brasil em entrevista por telefone, na última segunda-feira (6). "É traumático porque foge de todos os parâmetros de organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família", explica Arantes, formada em medicina pela Universidade de São Paulo, com residência em geriatria e gerontologia e especialização em cuidados paliativos pelo Instituto Pallium e pela Universidade de Oxford. Fim do Talvez também te interesse A médica aponta para o bloqueio ao acesso da família a pacientes internados em UTIs e das restrições a velórios, por riscos de contaminação, como medidas inescapáveis hoje para o controle da pandemia — mas que terão consequências altamente complexas para o processo de despedida de pacientes e de luto para suas pessoas queridas. "Se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhões de pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldade de reabilitação para sua própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19)." 'O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus', diz a paliativista Ana Claudia Quintana Arantes Sobre o percentual de letalidade do coronavírus, Arantes reconhece que ele é menor do que o de outras doenças, mas critica que considerar estatísticas na saúde é se distanciar "da experiência humana". "Se morre sua mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta", define a médica, diretora da Casa Humana, que presta cuidados paliativos em domicílio para pacientes com diagnósticos como câncer e sequelas de AVC. Confira os principais trechos da entrevista. BBC News Brasil - A atual pandemia de coronavírus está impactando a relação das pessoas com a saúde e a morte? Ana Claudia Quintana Arantes - É como se o mundo todo estivesse com o resultado de uma biópsia na mão, para abri-lo, com um possível diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida. Com o coronavírus, está todo mundo com a possibilidade de se contaminar e, se contaminando, a possibilidade de perder sua vida. Ou alguém da sua família. A questão de risco de vida está batendo na porta de todo mundo ao mesmo tempo. É o mundo inteiro na mesma página agora, pode ser americano, canadense, sul-americano... Quando você tem a consciência de que está em risco, muitos sentimentos vêm. O medo é o principal deles; mas também a urgência pela vida. Quando você tem essa percepção, você pensa: por que eu não disse que amava? Por que eu não dei valor a essa vida quando ela era acessível? Quem nunca pensou nesse assunto antes, está agora vivendo um sofrimento muito intenso. Além da questão de ficar em isolamento. Quando havia problemas de ansiedade, uma crise dentro de si mesmo, você podia fugir para fora. Agora, tem que ficar dentro de casa. Ficar em casa para muita gente significa ficar em si mesmo. Só que muita gente habita um mundo interno muito hostil. Além das questões da convivência, das pessoas entrando em contato com uma realidade afetiva que nunca foi de fato enfrentada, como os casais. Agora é a hora da verdade. Enterro em Manaus de Denis Queiroz da Silva, 34 anos, vítima da covid-19; médica especialista em cuidados paliativos aponta que medidas para bloquear contaminação pelo coronavírus terão implicações ainda mais desafiadoras para processo do luto BBC News Brasil - Você lida em seu trabalho com pessoas diagnosticadas com doenças difíceis, incuráveis. Mas agora estamos falando de uma doença nova e desconhecida. Isso traz implicações diferentes? Ana Claudia Quintana Arantes - Sim, porque não haverá a oportunidade de um paciente grave ter tempo com as pessoas. No meu livro A morte é um dia que vale a pena viver, eu fiz um convite às pessas refletirem sobre sua finitude, tornando a vida digna, para que não se precise pensar em uma morte digna, e sim na vida. Para que pessoas, mesmo gravemente enfermas, possam estar presentes no encontro com as outras. Mas agora, a gente vive um momento em que isso não é possível. Por isso, a reflexão é muito mais urgente, porque ela diz respeito a uma vida que não está acessível agora. Nós vamos passar por um processo de reabilitação da vida. Para ninguém a vida será a mesma depois disso. Mesmo quem não perder ninguém, que tiver só perdas econômicas, vai ter uma experiência de olhar para as condições dela, materiais, profissionais, de outro jeito. No mundo médico, até outro dia era uma crise absurda contra a telemedicina, "que absurdo os profissionais não terem contato com o paciente". Uma epopeia. E aí, do dia pra noite, a telemedicina é liberada, publicada no Diário Oficial. É uma quebra — uma quebra não, uma dissolução de paradigmas. Eles de repente desapareceram por conta das necessidades. BBC News Brasil - Para algumas pessoas, essa pandemia ampliou a possibilidade do teletrabalho, mas pra outras, tornou ainda mais urgente questões sociais como condições precárias de moradia. Ana Claudia Quintana Arantes - Também é uma realidade que ninguém se importava antes e estamos falando dela agora. Vou te falar minha opinião, que não sei se vale muita coisa, mas sobre essa demanda dos empresários para que se volte a trabalhar logo. Se as pessoas voltam a trabalhar, vai ter morte aos milhares. E essas pessoas em subcondição de vida vão morrer em maior número. Essas pessoas (empresários que adotam esse tipo de discurso priorizando a economia) não entendem que não vai ter chão de fábrica, porque as pessoas vão morrer. Estão lutando pela retomada de economia em cima de cadáveres. Podem falar: mas é pior para as pessoas pobres ficarem em casa. Na verdade, o pior já aconteceu: um total descaso da sociedade em viabilizar uma vida digna para essas pessoas. De ter um lugar habitável, estrutura de saneamento básico, escolas, segurança, saúde. As pessoas destruíram o sistema de saúde, inviabilizaram a ciência e agora a única forma de sobreviver é retornando a condições de acesso à saúde que estavam sendo destruídas. De repente, em poucas semanas, tem que reconstruir toda a assistência de saúde e o investimento na ciência porque existe uma necessidade de resposta que as grandes corporações não trazem. São os cientistas que têm que decidir sobre a dosagem de anticorpos, ou a produção de uma vacina. Quem estava dedicado a isso, perdeu sua bolsa de pesquisa. BBC News Brasil - Principalmente no início dos casos de covid-19, políticos e até médicos minimizaram o perigo desta doença, posição que foi mantida mais recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro, que falou de uma "gripezinha". Sabemos das inúmeras perdas que essa doença já causou pelo mundo, mas também é um fato que a mortalidade dela é diferente de outras doenças infecciosas, por exemplo. Por que a reação a essa doença é diferente? Ana Claudia Quintana Arantes - Esse papo furado de estatística só pertence a quem está interessado no resultado da estatística. Sou médica, e no nosso meio, quando falamos de estatísticas em congressos, mestrados, doutorados, estamos nos distanciando da experiência humana do processo. Estatisticamente, o percentual de morte é baixo. Concordo. A questão é: é um vírus que contamina muito rápido. Então, percentualmente, a letalidade é baixa, mas em números absolutos, é indecente. É inimaginável pensar que pode haver 200 mil mortes em uma semana. Aí vem o papo: ah, a dengue mata também, o H1N1 mata também. Mata, mas a proporção está diluída ao longo do tempo. E o serviços de saúde bem o mal se acomodam em viabilizar os cuidados. O que está acontecendo é inviável. Então, a estatística é linda para publicar artigo, para palanque político. Mas se morre sua mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta. (Nota da redação: Hoje, a estimativa da OMS é que 3,4% das pessoas infectadas pelo vírus morrem, mas alguns cientistas estimam que esse índice gire em torno de 1%.) BBC News Brasil - O luto já é difícil, e o coronavírus está mudando algumas partes do processo. Ana Claudia Quintana Arantes - Para cada pessoa que morre, a gente estima dez enlutados. O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus. Uma pessoa pode estar bem, até ter doenças crônicas, é infectada e em três semanas morre. E sem poder ter contato com a família. É traumático porque foge de todos os parâmetros de organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família. É uma desorganização diante do que antes era considerado normal, esperado. E pra quem fica, o processo de luto pode inviabilizar uma vida — por meses, anos, afetando no trabalho, os relacionamentos... Então, se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhões de pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldade de reabilitação para sua própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19). Essa é a complexidade da situação. Homenagem a profissionais de saúde na Polônia; médica brasileira aponta que eles terão ainda mais importância nos momentos finais de pacientes BBC News Brasil - Por que fazer velórios normalmente, ou ter contato com o corpo, coisas inviabilizadas agora pela covid-19, podem fazer falta no processo de luto? Ana Claudia Quintana Arantes - A ritualização, como o funeral, faz parte de uma elaboração da nova etapa da pessoa que fica. Cada cultura vai ter seu ritual. Quando você vê o corpo, enterra, chora, faz a missa de sétimo diz, faz as rezas, isso estrutura o processo. É como se você fosse fazer uma trilha, e tem uma sinalização. A ritualização dá seguranças. Sem essa ritualização, a emoção da perda é arrebatadora. BBC News Brasil - Nas situações em que um paciente internado não pode receber visitas, o profissional de saúde que estará ao lado dele terá ainda mais importância, certo? Ana Claudia Quintana Arantes - Ainda mais importância, porque possivelmente será a única forma de conexão humana ainda disponível. BBC News Brasil - Para profissionais como esses e que nunca tiveram muito contato com as noções dos cuidados paliativos, o que você daria como orientação? Ana Claudia Quintana Arantes - Quando elas verem que uma pessoa está morrendo, idealmente antes de entubar o paciente, eu diria: farei o melhor que eu puder para a sua vida. Se eu falo isso na hora de entubar uma pessoa, cria-se uma conexão muito forte, de confiança. Se a última coisa que você ouvir na sua vida for isso, vai ter valido à pena. No momento que você estava na sua maior fragilidade, teve alguém que falou: farei o possível pela sua vida. Não é nem para salvar sua vida, mas o possível pela sua vida. Se o paciente realmente estiver morrendo, já foram tomadas todas as medidas e ele não está respondendo, você fala para ele: você é muito corajoso. São duas coisas que acredito precisarem fazer parte da experiência humana. Uma delas é saber que você é importante para alguém; e outra é se ver como alguém de valor. BBC News Brasil - E, como aconteceu em outros países, pode ser que estes profissionais tenham que fazer o que tem sido chamado de escolha de Sofia. Há algum preparo para este tipo de situação? Ana Claudia Quintana Arantes - Nenhum preparo. Tem muitos jovens que estão sendo nomeados chefes de UTI e não têm condições de saber escolher; vão fazer escolhas com bases intuitivas, ou minimamente qualificadas... E vão sofrer muito por isso. Mesmo as pessoas mais experientes, ninguém está preparado. BBC News Brasil - No ramo dos cuidados paliativos, tem iniciativas pelo mundo na atual pandemia que têm te chamado a atenção? Ana Claudia Quintana Arantes - Existe um movimento mundial em cima dessas prerrogativas de paliativos de emergência. Centros de referência de cuidados paliativos estão promovendo documentação, treinamentos, para que agir no meio desta emergência. Está tendo também uma campanha de doação de tablets em Portugal para uso em despedidas (entre pacientes e pessoas queridas). Aqui no Brasil, estamos orientando profissionais de saúde que podem oferecer cuidados paliativos via Casa do Cuidar, Associação Nacional de Cuidados Paliativos, várias Unimeds que têm a rede de cuidados paliativos... Estamos formalizando treinamentos para manejo de sintomas respiratórios, como tosse e falta de ar. O acesso a medicações como morfina, a midazolam, que é um ansiolítico para controlar a falta de ar... Mas o Brasil já tinha muito pouco perto da necessidade que já tínhamos. Havia a estimativa de só 0,3% dos pacientes que precisariam de cuidados paliativos tinham acesso. Então estamos muito atrasados em números de equipes, mas a qualidade delas costuma ser muito boa. (Nota da redação: A médica menciona também que colaborou com a criação de uma guia para despedidas à distância, que está sendo desenvolvida por Tom Almeida, fundador do movimento inFinito. Procurado depois da entrevista, Almeida contou que o Guia de Rituais de Despedidas Virtuais será lançado em 15 de abril na internet, oferecendo orientações e dicas de plataformas que permitem, por exemplo, chamadas de vídeo para conectar pacientes internados e familiares). BBC News Brasil - Sendo geriatra, como você vê o tratamento, cultural mesmo, aos idosos nessa pandemia? Ana Claudia Quintana Arantes - Penso que a forma com a gente lida com os idosos no Brasil é bastante... imatura. A gente olha para o idoso como uma pessoa incapaz de compreender e como alguém que precisa obedecer um adulto jovem. Só que esse idoso é capaz e começa a se revoltar com isso (a tutela). O idoso, que está sendo muito agredido, tratado de forma pejorativa sobre o isolamento social, quando exige um espaço de escuta, está sendo massacrado. Eu não tive problemas com os idosos que cuido. Eu conversei com cada um deles, fiz consultas por vídeo (a médica diz que seus pacientes já eram atendidos por conta de outras condições de saúde, mas alguns têm suspeita de coronavírus; estes casos estão sendo monitorados). Também precisamos entender que alguns idosos também têm seu processo de negação, assim como os adultos. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
No Senado, Moro nega ilegalidade em mensagens com procurador da Lava Jato
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, negou nesta quarta-feira (19) em audiência no Senado ter cometido qualquer irregularidade em trocas de mensagens com membros da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Moro foi questionado sobre imparcialidade, referências a ministro do Supremo e autenticidade das mensagens O texto foi atualizado às 14h23. Na fala inicial na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) da Casa, o ministro ressaltou que as mensagens foram obtidas de maneira ilícita e defendeu que, ainda que elas sejam "parcialmente autênticas", não apresentavam indícios de ilegalidade ou de parcialidade. Para Moro, a conversa entre juízes, procuradores, delegados e advogados é corriqueira no país. "No caso do juiz criminal, isso é muito comum, já que juiz é responsável tanto pela fase criminal quanto pela do processo. Isso é absolutamente normal." O atual ministro e ex-juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, encarregado de julgar os casos apurados pela Lava Jato, foi voluntariamente ao Senado responder a perguntas sobre as mensagens que teriam sido trocadas por meio do aplicativo Telegram entre ele e procuradores da Lava Jato. Fim do Talvez também te interesse A ida de Moro mira também a movimentação em torno da abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso. O autor da proposta, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), chegou a coletar algumas assinaturas, decidiu engavetá-la por ora enquanto aguarda a divulgação de mais conversas entre o então juiz e procuradores. Ao longo da audiência, o ministro foi alvo principalmente de questionamentos sobre sua imparcialidade como juiz federal responsável por processos da Lava Jato e de acusações de ilegalidades feitas por senadores, como antecipação de decisão judicial a Dallagnol, indicação de testemunhas ao Ministério Público fora dos autos e sugestão de mudança de ordem de fases da Lava Jato. "Se houver alguma irregularidade, eu saio (do cargo de ministro)", disse Moro. Por outro lado, a base aliada do governo Jair Bolsonaro usou perguntas e réplicas para defender o ministro e a Operação Lava Jato. "Estou convicto que não houve nada que tenha desrespeitado a lei", afirmou o senador Plínio Valério (PSDB-AM). Acusações de adulteração A fala inicial de Moro teve duração de 30 minutos. Em seguida, os senadores tiveram cinco minutos para perguntas, mesmo tempo destinado às respostas, com possibilidade de réplica e tréplica de dois minutos cada. A principal estratégia do ministro durante a audiência no Senado nesta quarta-feira foi colocar em dúvida a veracidade das mensagens e enfatizar a ilegalidade do vazamento das conversas privadas. "Tenho recebido cobrança sobre a veracidade das mensagens, mas o fato é que eu não tenho mais essas mensagens", afirmou. Segundo ele, os textos divulgados até agora podem ter sido "total ou parcialmente adulteradas" e deveriam ser submetidos a uma autoridade independente para que fossem examinadas. Moro afirmou, sem apresentar provas, que a invasão a celulares de procuradores foi feita de maneira orquestrada por uma organização criminosa. "Não é um adolescente com espinhas na frente do computador, mas sim um grupo criminoso estruturado", disse. Moro alega que o ataque tem como alvo a Lava Jato, o combate à corrupção e as instituições. O ministro também desqualificou as reportagens feitas pelo site Intercept, afirmou que o veículo fez "estardalhaço" e "sensacionalismo" e reclamou de não ter sido procurado para se manifestar antes da publicação dos conteúdos. FHC (dir.) com Aécio Neves (PSDB) em 2014: ex-presidente ainda não se pronunciou sobre o vazamento Para defender-se das acusações de que as mensagens evidenciariam "convergência" entre o juiz e as partes, entre eles os promotores da Lava Jato, Moro apresentou números da 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual esteve lotado antes de aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo ele, 90 denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público Federal no decorrer da operação Lava Jato. Destas, 45 foram sentenciadas - e o MPF recorreu em 44. "Se falou muito em conluio, aqui há um indicativo claro de que não houve conluio", afirmou. Ele também expôs estatísticas das prisões cautelares - foram 298 requerimentos, seja para prisão preventiva ou temporária, com 207 deferimentos e 91 indeferimentos. "Isso também demonstra que não existe convergência entre MPF e juízo necessariamente." 'Imparcialidade' Um dos principais eixos de questionamento, vindo principalmente de parlamentares do PT e da oposição, foi a imparcialidade dos investigadores e do juiz da Lava Jato, alvo de debate nas reportagens publicadas. Na última terça-feira, em nova reportagem sobre os supostos diálogos, o site The Intercept Brasil afirmou que Moro teria questionando a força dos indícios - e a conveniência política - de investigações contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "Tem alguma coisa mesmo séria do FHC? O que vi na TV pareceu muito fraco?", teria dito Moro a Dallagnol por volta das 9h da manhã. "Caixa 2 de 96?", continua Moro. "Em pp (princípio) sim, o que tem é mto fraco", responde Dallagnol. "Não estaria mais do que prescrito?", questiona Moro. "Foi enviado para SP sem se analisar prescrição", responde Dallagnol. "Suponho que de propósito. Talvez para passar recado de imparcialidade", continua Dallagnol. "Ah, não sei. Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante", diz. Moro divulgou uma nota por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Justiça. O ministro começa dizendo que "não reconhece a autenticidade das supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas, e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos". Nesta quarta-feira no Senado, Moro afirmou que não teve qualquer ingerência sobre o inquérito que envolve FHC porque o caso não estava sob sua jurisdição e que não se lembrava do teor dessas mensagens. "O caso nem passou por Curitiba. Saiu do Supremo Tribunal Federal e foi para São Paulo. Nem fizeram investigação, estava prescrita." Linha de argumentação de Moro Desde que as trocas de mensagens começaram a ser divulgadas, Moro mudou a tônica de sua defesa. Inicialmente, declarou não haver "nada ali" e, posteriormente, passou a questionar mais diretamente a veracidade das mensagens. "Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato", disse Moro à imprensa, em nota, na noite de 9 de junho, quando o site The Intercept Brasil publicou as primeiras reportagens sobre supostos diálogos entre o então juiz federal e procuradores da operação Lava Jato. O ministro afirmou ainda em sua conta no Twitter que há "muito barulho" por causa das "supostas mensagens obtidas por meios criminosos". "Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas." Em 12 de junho, a força-tarefa enfatizou a chance de manipulação no conteúdo. "A divulgação de supostos diálogos obtidos por meio absolutamente ilícito, agravada por esse contexto de sequestro de contas virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido. Além disso, diálogos inteiros podem ter sido forjados pelo hacker ao se passar por autoridades e seus interlocutores." Em 14 de junho, Moro classificou como um "descuido" seu ter indicado uma possível testemunha de acusação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao procurador-chefe da operação, Deltan Dallagnol, por meio de um aplicativo de troca de mensagens. "Eu recebi aquela informação, e aí sim, vamos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo. Mas não tem nenhuma anormalidade nisso. Não havia uma ação penal sequer em curso. O que havia é: é possível que tenha um crime de lavagem e eu passei ao Ministério Público", disse o ministro em Brasília. O ex-presidente Lula durante depoimento ao juiz Sergio Moro em maio de 2017 Fux A menção de Moro e Dallagnol ao ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux em uma das mensagens vazadas também foi alvo de questionamentos no Senado. "Reservado, é claro: O Min Fux disse espontaneamente que Teori (Zavascki) fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos (...)", teria dito Deltan em mensagem encaminhada a Moro. O juiz teria respondido: "Excelente. In Fux we trust ("Em Fux nós confiamos", em tradução livre)". Ao ser questionado sobre o tema no Senado, Moro afirmou não ver problema na mensagem porque ela é uma demonstração de apoio a um ministro de corte superior e à instituição. "Luiz Fux é um magistrado que respeito." Para o ministro, a divulgação deste trecho sobre Fux mira constranger o STF. 'Hackers' Parlamentares da base do presidente Jair Bolsonaro na Casa criticaram o vazamento das mensagens e saíram em defesa de Moro. Para eles, foi ilegal a obtenção da troca de mensagens e por isso não deveria sequer ser considerada. Capitaneado por Moro e procuradores da Lava Jato, o projeto de lei das "10 medidas contra a corrupção" propõe o uso de provas de origem ilícita em processos legais - algo atualmente vedado pela Constituição, apesar de ser alvo de debate no meio jurídico no caso de um eventual uso em favor de acusados. Questionado no Senado sobre a aplicação deste ponto da proposta no caso em questão, o ministro afirmou pessoalmente discordar deste trecho do projeto, que, segundo ele, foi elaborado de modo coletivo. Moro e os procuradores da força-tarefa reiteram em todos os comentários públicos sobre o caso a "origem ilícita" das informações. "Sobre supostas mensagens que me envolveriam publicadas pelo site Intercept neste domingo, 9 de junho, lamenta-se a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo", disse o grupo em 9 de junho. O site jornalístico, por sua vez, não confirma que os dados teriam sido hackeados. Segundo o site The Intercept Brasil, as conversas estavam em "um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas". O veículo destaca que o material chegou antes da notícia de que o celular de Moro foi invadido por hackers - o agora ministro disse que informações pessoais e outros conteúdos não foram capturados. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brasil viveu um processo de amnésia nacional sobre a escravidão, diz historiadora
Sancionada pela princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888, a lei que aboliu a escravidão após mais de três séculos de trabalho forçado no Brasil "saiu muito curta, muito pequena, muito conservadora", descreve Lilia Moritz Schwarcz.
'O Brasil foi o ultimo país do Ocidente a abolir a escravidão. Às vezes as pessoas falam que foi o último das Américas, mas não. De fato, era chamado na época de retardão', diz Schwarcz Em entrevista à BBC Brasil, a historiadora diz que as consequências dessa virada de página abrupta, sem políticas para incluir os ex-escravos à sociedade, são sofridas até hoje. "O que vemos hoje no país é uma recriação, uma reconstrução do racismo estrutural. Nós não somos só vítimas do passado. O que nós temos feito nesses 130 anos é não apenas dar continuidade, mas radicalizar o racismo estrutural", considera Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP e autora, entre outros livros, de O Espetáculo das Raças, As Barbas do Imperador, Racismo no Brasil e Brasil: uma biografia. Para historiadora, Lei Áurea 'saiu muito curtinha, muito pequena, muito conservadora' Como parte dos eventos para marcar os 130 anos da abolição, Schwarcz lança nesta sexta-feira (11/05) o Dicionário da Escravidão e Liberdade - 50 textos críticos (Companhia das Letras), em coautoria com o historiador Flávio dos Santos Gomes. Schwarcz é também cocuradora da exposição Histórias Afro-Atlânticas, que será aberta no Masp e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, no fim de junho. "Estamos politizando essa data e deixando bem claro que é preciso lembrar para não esquecer. Mas não é possível celebrar", afirma. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Lilia Moritz Schwarcz é professora do departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP BBC Brasil - Na sua visão, nesses 130 anos desde a abolição, no que o país avançou e no que está parado? Lilia Schwarcz - Não há motivo algum para celebrar. O Brasil foi o ultimo país do Ocidente a abolir a escravidão. Às vezes as pessoas falam que foi o último das Américas, mas não. De fato, era chamado na época de 'retardão'. Tardou demais. As estatísticas oscilam, mas indicam que o país teria recebido entre 38% a 44% da quantidade absoluta de africanos obrigados a deixar o continente. E teve escravos em todo o seu território, diferente dos EUA, por exemplo, que no Sul tinha um modelo semelhante ao nosso, mas no norte tinha outro modelo econômico. Quando veio a Lei Áurea, em 1888, ela saiu muito curtinha, muito pequena, muito conservadora. "Não há mais escravos no Brasil, revogam-se as posições em contrário". Corria no plenário uma série de propostas, algumas ainda mais conservadoras, outras mais progressistas. BBC Brasil - Como esses grupos mais conservadores reagiram à abolição? Lilia Schwarcz - A queda imediata do Império (é resultado da reação desses grupos). A Lei Áurea foi a lei mais popular do Império e a última. Como não se previram indenizações, os grandes produtores de café, até então vinculados ao Império, se bandearam para as fileiras dos republicanos. A abolição foi um processo de luta da sociedade brasileira. Não foi uma lei. Não foi um presente da princesa (Isabel), como romanticamente se diz. Muitos setores de classe média e de profissionais liberais aderiram à causa abolicionista, que vira suprapartidária na década de 1880. É importante destacar sobretudo a atuação dos escravizados, dos negros, dos libertos, que pressionaram muito o tempo todo, seja por insurreições, seja por rebeliões coletivas, rebeliões individuais, suicídios, envenenamentos. O que o Estado fez foi retardar a Lei Áurea a um tal limite que ela acabou custando a própria vida do Império no Brasil. Um ano e meio após a abolição da escravidão, o Império acabou. Mercado da rua do Valongo, litografia a partir de aquarela de Jean-Baptiste Debret, 1835 BBC Brasil - Qual foi o simbolismo da lei no momento em que foi assinada? Lilia Schwarcz - A assinatura do documento foi um ritual caprichadíssimo. Para se ter uma ideia, foram criados tipos novos para a composição da Lei Áurea. O pai do (escritor) Lima Barreto, João Henriques, participou de um grupo de tipógrafos que estavam emocionados com a lei, e compuseram tipos novos para o documento, assinado pela princesa com uma caneta valiosíssima. Todo o ritual teve muito apelo popular. A famosa foto da época (de uma multidão reunida do lado de fora do Paço Imperial, no Centro do Rio, para a assinatura da lei), mostra que a população compareceu, e é possível reconhecer bandeiras de irmandades negras que foram comemorar a abolição. O ritual tinha tudo para encantar, e encantou. Tanto que mais tarde vimos a população liberta conformar a Guarda Negra, que era contra a República e a favor do Império. Hoje, muita gente pode achar isso uma grande contradição. Não é. Na época, a compreensão era que o Império tinha garantido o final da escravidão, e ninguém sabia o que viria com a República. Havia muito medo de projetos de reescravização. Estava tudo muito instável, nebuloso. Hoje, sabemos que o ritual era parte da estratégia de dom Pedro 2º, que não estava no país, para garantir o Terceiro Reinado nas mãos de Isabel. A ideia era que a lei tornaria Isabel tão popular que impediria os projetos republicanos e garantiria a sucessão e manutenção do regime monárquico. O que não aconteceu. Mas o ritual foi realizado com grande pompa e circunstância, com o objetivo de fazer emocionar, e de fato emocionou. BBC Brasil - Quais eram os principais vícios da lei? Lilia Schwarcz - A lei simplesmente abolia. Dizia que a partir desta data não há mais escravos no Brasil. Ponto final. A República, que viria um ano e meio depois, tentaria colocar uma pedra no tema da escravidão. Como se tivesse ficado morto no passado junto com o Império. Temos um hino da República, aquele que canta "liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós". E há uma estrofe que diz: "Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país". Ou seja, um ano e meio depois, (os republicanos) afirmavam não acreditar mais (que tivesse havido escravidão). Era um processo de amnésia nacional. Vendedora de bananas em fotografia de Rodolpho Lindemann BBC Brasil - Quais foram as consequências imediatas desta abolição sem salvaguardas? Lilia Schwarcz - O (momento) pós-emancipação não teve nenhuma preocupação com inclusão dessas populações (de ex-escravos). Eu me refiro a educação, saúde, habitação, todos os problemas estruturais. Mas isso não quer dizer que a gente só deva culpar o passado. O que vemos hoje no país é uma recriação, uma reconstrução do racismo estrutural. Nós não somos só vítimas do passado. O que nós temos feito nesses 130 anos é não apenas dar continuidade, mas radicalizar o racismo estrutural. BBC Brasil - As gerações pós-Holocausto viveram o choque com a barbaridade e os horrores da Alemanha nazista. Você acha que no Brasil pós-escravidão houve um senso de choque posterior, uma percepção de que o país perpetrou barbaridades? Lilia Schwarcz - Aqui no Brasil, não. Você teve essa percepção em outros lugares. E existem alguns memoriais espalhados pelo mundo que falam do que foi a escravidão, como o memorial da abolição em Nantes, na França. No Brasil, qual foi o suposto? Que a escravidão era a lei. Era legal. E durante muito tempo foi naturalizada. A ideia da naturalização é terrível. Sempre se mostrou uma escravidão muito benéfica. Basta vermos as imagens que passam a ideia de uma escravidão ordeira, tranquila. Como se isso fosse possível, em um sistema que pressupõe a posse de um homem por outro. Só muito recentemente é que foi se colocando em pauta a dimensão da chacina, e o fato de a escravidão mercantil da era moderna ter produzido a maior diáspora vista no mundo depois de Roma. Augusto Gomes Leal com sua ama de leite Mônica, albúmen de João Ferreira Villela, de 1860 Até o movimento negro contestar a data de 13 de maio, a data era uma data cívica. Era celebrada. Era despolitizada. Atualmente, estamos politizando essa data e deixando bem claro que é preciso lembrar para não esquecer. Mas não é possível celebrar. BBC Brasil - Ganha força um movimento de cobrança por essa dívida histórica? Lilia Schwarcz - Eu penso que sim. O movimento internacional por cotas e políticas de ação afirmativa é uma tentativa de cobrar essa dívida histórica. Essa discussão começa no Brasil tarde, no fim dos anos 1970, e demora para pegar. Os dados do censo vêm mostrando como o país é profundamente desigual. Quando comparamos marcadores sociais da diferença, como classe e raça, vemos que raça é sempre um agravante. Estamos matando uma geração de negros e negras no Brasil. Sabemos que os negros têm menos acesso a educação. Têm menos acesso a saúde. Têm menos acesso a transporte. Morrem antes. São dados radicais que estamos recriando. Eu acho que ações desse tipo (as cotas raciais) são importantes porque há momentos em que é preciso desigualar para depois igualar. Não se pode falar em uma meritocracia universal num país tão desigual como o Brasil. BBC Brasil - A eleição da Marielle Franco no Rio foi um exemplo da força que movimentos em prol da igualdade racial e de gênero vêm ganhando. Como você compara a força desses movimentos hoje com o que acontecia na sua juventude? Lilia Schwarcz - A minha geração viu o crescimento dos direitos civis, do direito à diferença na universalidade, e se orgulhou muito dessas novas conquistas. Acho que, no Brasil e no mundo, nós acreditamos que essas conquistas democráticas estavam de alguma maneira asseguradas. O que estamos vendo agora é um momento claro de crise e recessão democrática, colocando em risco essas conquistas. A morte da Marielle representa muito esse momento. Depois de 30 anos de conquistas democráticas, começamos a ver que direitos não são conquistados para sempre. É absolutamente simbólico que sua morte tenha ocorrido bem no ano dos 130 anos da abolição. A Marielle usou das franjas do sistema. Ela se formou na Maré, entrou na PUC por política de cotas, fez valer o seu mérito, virou uma das vereadoras mais votadas no Rio por sua pauta de inclusão racial e de gênero. Sua morte ainda sem respostas é outro escândalo da nossa democracia. Dama em liteira, carregada por escravos, e suas acompanhantes em aquarela de Carlos Julião do último quarto do século 18 BBC Brasil - No livro Brasil: Uma Biografia, você e a historiadora Heloisa Starling dizem que o país é uma obra ainda em aberto, e questionam se conseguiria consolidar a república e a democracia. Recentemente, a perspectiva ficou mais pessimista? Lilia Schwarcz - Quando terminamos o livro, estávamos encantadas, Heloisa e eu, com as passeatas de 2013, com as manifestações, com a ideia de um Brasil mais plural, mais vigilante. Acho que todos ficamos. O que não notamos era que existiam dois grupos que desfilavam na avenida (nos protestos de 2013). Sabíamos, mas depois ficou mais claro. Um que queria esse Brasil diferente, mais plural, mais inclusivo, mais variado; e outro que também queria um Brasil diferente, mas que, de alguma maneira, estava colocando tudo na conta de Dilma Rousseff e de um partido. Um Brasil que queria não pluralidade, mas de fato eliminar o adversário. Ideologias políticas à parte, acho que o impeachment da presidente Dilma abriu a tampa da democracia no Brasil e deu lugar para a política de ódios, de intolerância. A temperatura política acabou derretendo as nossas instituições. Quando escrevemos Brasil: Uma Biografia, Heloisa e eu dizíamos que a democracia estava forte porque as instituições estavam consolidadas, mas a república ia muito mal. Agora vemos que tanto a república como a democracia vão muito mal, com as instituições muito enfraquecidas e o descrédito da política e dos partidos. Vivemos um momento que pede muita vigilância. BBC Brasil - Nessa atual conjuntura, como você vê o cenário para as eleições deste ano? Lilia Schwarcz - Quem diz que sabe, mente. Não vejo nenhum sinal agora que permita comentar como vai ser a composição dos partidos, quem vai se apresentar de fato. Há muitos sinais para ficar em alerta. É preciso aguardar. Negra tatuada vendendo cajus em aquarela sobre papel de Jean-Baptiste Debret
Dois boxeadores são esportistas mais bem pagos do mundo
The latest list of the world's highest paid sportsmen is headed by two boxers. Floyd Mayweather Junior, who is serving a jail sentence for domestic violence, was the highest paid over the past year. He's followed by the Filipino fighter Manny Pacquiao. Tiger Woods, who's been on top since 2001, has slipped to third place.
Floyd Mayweather faturou US$ 85 milhões por duas lutas Reportagem: Alex Capstick Clique aqui para ouvir a reportagem So the best paid sportsman over the past year is in prison. Floyd Mayweather Junior, otherwise known as "the money", pocketed $85 million from his two fights. He's now taking an enforced break while he serves a three-month sentence for domestic battery. He will return to the ring after his release but not to face the man who was in second place. That's because Manny Pacquiao, who made $62 million, lost his World Welterweight title last month. The mega bout all boxing fans have craved for remains only a distant possibility. The list compiled by Forbes Magazine took into account prize money and endorsements. A drop in sponsorship earnings meant Tiger Woods fell to third place, after his decade-long reign on top. David Beckham, who plays in the unheralded US league, was the highest ranked footballer. He scooped $47 million. American football is the most heavily represented sport with 30 NFL players in the top 100. The list featured only two women, both tennis stars - Russia's Maria Sharapova and China's Li Na. Clique aqui para ouvir as palavras pocketed (embolsou) received enforced (forçado, imposto) imposed to face (enfrentar) to meet / to fight against mega bout (superluta) huge or massive match craved for (ansiava por) intensely desired endorsement (endosso publicitário) spromotional work sponsorship (patrocínio) commercial money reign (reino) domination unheralded (desconhecido, pouco conhecido) not well known scooped picked up / won
Favoritos à Presidência na Argentina falam em aproximação com Brasil
Eleitores argentinos foram às urnas no domingo para eleger os candidatos que disputarão as eleições presidenciais de outubro no país. Nas primárias, chamadas PASO (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), os candidatos que receberam mais votos foram o governista Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV) e o opositor Mauricio Macri, da aliança Cambiemos, segundo dados oficiais preliminares.
Daniel Scioli (esq.) e Mauricio Macri disputarão as próximas eleições presidenciais em outubro Com mais de 26% dos votos apurados, Scioli contava com 36,7% e a aliança Cambiemos, de Macri, com 31,28%. Segundo analistas, a campanha recomeça do zero depois das eleições primárias, cujos resultados indicariam a possibilidade de segundo turno, em novembro. Para vencer no primeiro turno, o presidenciável deve contar com 45% dos votos ou 40%, com uma diferença de 10% para o segundo colocado. A expectativa é de que estes números não devem ser registrados nas primárias. A menos de 80 dias para o primeiro turno, no dia 25 de outubro, os dois candidatos à Casa Rosada planejam uma relação "mais fluida" com o Brasil, afirmaram assessores à BBC Brasil. Fim do Talvez também te interesse Durante a campanha, Scioli e Macri mostraram-se simpáticos à maior aproximação com o Brasil. No entanto, Scioli foi mais explícito ao aparecer abraçando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua campanha televisiva, com o narrador dizendo: "Ele (Scioli) pode conseguir entendimentos fora e dentro do país". Mais diálogo Negociadores brasileiros reclamam nos bastidores da carência de um diálogo "mais intenso" entre os países, de "medidas unilaterais" do governo argentino – como barreiras comerciais – e da "falta de continuidade" de decisões tomadas por ministros e que não são levadas adiante no nível técnico. Leia mais: As apostas de Cristina para manter legado do kirchnerismo Segundo analistas, a eleição presidencial deverá se polarizar entre Scioli, que é governador da província de Buenos Aires e um aliado fiel do kirchnerismo, e Macri, prefeito de Buenos Aires e um dos principais opositores de Cristina. Scioli foi vice-presidente no governo Néstor Kirchner (2003-2007) e governa desde 2007 a maior província do país. Neste período, alternou momentos de aproximação e distanciamento do casal Kirchner. Macri é filho de um dos empresários mais ricos da Argentina, presidiu o Boca Juniors, o clube de futebol mais popular do país, de 1995 a 2003. Assessores de Scioli dizem que ele pretende "intensificar" a relação com o Brasil. Mas afirmam que mudanças em pontos sensíveis, como as barreiras comerciais, seriam "gradativas". "Existe total disposição para o diálogo permanente e para a maior aproximação em todas as áreas com o Brasil. Mas há uma questão de assimetrias (entre as duas economias)", disse um assessor de Scioli. Mauricio Macri vê o Brasil como uma "prioridade estratégica", de acordo com assessores. Em meio ao freio econômico nas duas economias, a relação comercial bilateral registra mais de 20 meses consecutivos de queda, o que torna o desafio de aproximar os dois países ainda maior. Leia mais: Argentina reeduca homens violentos para coibir agressões a mulheres Idioma e inspiração Mauricio Macri, opositor da atual presidente, aposta que maioria do país quer 'mudança de rumo' Na definição de um de seus assessores, Scioli é um político que "não adere ao conflito". Tal estilo "paciente e ambicioso" costuma ser tema de analistas, empresários e de conversas entre políticos, seja em tom de elogio ou crítica. Scioli teria até dito a interlocutores que quer aprender português "para ser o primeiro presidente da Argentina a falar o idioma". Ele esteve recentemente em São Paulo com o ex-presidente Lula, com quem conversou sobre política, e planeja ser recebido pela presidente Dilma Rousseff, em Brasília. Leia mais: Cautela argentina em acordo com UE divide governo brasileiro Ex-campeão de corridas de lanchas de alta velocidade, Scioli perdeu um braço em um acidente em 1989. Casado com uma ex-modelo, ele entrou para a política com apoio do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999). O pré-candidato citou o Brasil também em sua campanha no rádio. Disse, por exemplo, que o modelo da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) o inspirou a lançar um sistema semelhante em Buenos Aires. Daniel Scioli foi escolhido por Cristina Kirchner para concorrer à sua sucessão Cristina escolheu Scioli antes das primárias de agosto porque o governador contava com mais apoio popular do que outros possíveis adversários, na avaliação da analista política Mariel Fornoni, da consultoria Management&FIT (MyF). Fornoni e o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Mayoría, acham que as primárias mostram que a sucessão de Cristina Kirchner ainda está embolada, com eleitorado dividido. "Ainda não existe uma tendência eleitoral definida (para a eleição nacional)", disse Fraga. Leia mais: Polícia da Argentina prende ladrões de meteoritos 'Prioridade' No campo de Mauricio Macri, o discurso também é sobre priorizar o Brasil numa eventual gestão. "O Brasil é uma prioridade estratégica que vai muito além do comércio", disse à BBC Brasil o subsecretário de Relações Internacionais e Institucionais do governo da capital argentina, Fulvio Pompeo. Ele afirma que Macri, caso seja eleito, buscará "esclarecer" mecanismos aplicados hoje e que emperram a relação bilateral, como barreiras comerciais. Leia mais: O juiz de 97 anos que incomoda o governo argentino "Queremos outra maneira de nos relacionarmos com o Brasil e evitar mais danos à relação bilateral", disse Pompeo. Macri, crítico de Cristina, defende que a Argentina esteja com o Brasil "nas discussões internacionais" e "siga no Mercosul", diz o assessor. "Queremos resolver estes problemas (como barreiras comerciais). E queremos seguir no Mercosul e com o Brasil, mas trabalhando para que as coisas não fiquem estancadas como agora." No entanto, o jornal Valor Econômico informou, na semana passada, que a equipe de Macri fez chegar ao governo brasileiro “mudanças radicais que ele pretende propor nas regras do Mercosul, caso vença as eleições. O maior giro, segundo a reportagem, seria a ideia de liberar os sócios do bloco para negociação de acordos comerciais bilaterais, diretamente com outros países ou regiões, como a União Europeia, por exemplo. Queda de barreiras Hoje a Argentina, presidida por Cristina, é criticada nos bastidores dos governos do Brasil, do Uruguai e do Paraguai por “dificultar”, afirmam negociadores, a aceleração das negociações do acordo com a União Europeia. No caso das barreiras comerciais criticadas pelo Brasil, o trabalho poderá ficar mais fácil de antemão. Neste ano, a OMC (Organização Mundial do Comércio) atendeu a um pedido da União Europeia, dos Estados Unidos e do Japão e determinou que a Argentina "desative" as barreiras comerciais, chamadas de DJAIs (Declarações Juradas Antecipadas de Importação). A medida, segundo afirmou o economista argentino Marcelo Elizondo, da consultoria DNI, afetará também a relação comercial da Argentina com o Brasil. "O fim da DJAI permitirá que o comércio entre o Brasil e a Argentina tenha maior fluidez. É, sim, o fim desta barreira também para o Brasil", disse. Leia mais: Escola de Defesa da Unasul começa a funcionar em busca de autonomia regional Na opinião do analista econômico Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires, Brasil e Argentina vivem hoje o "maior distanciamento desde a fundação do Mercosul (em 1991)". Na sua visão, "falta química entre as presidentes Dilma e Cristina", o que dificulta a "fluidez do diálogo". Para um influente negociador brasileiro, o diálogo permitiu a recente renovação do acordo automotivo – o setor representa mais de 50% do comércio bilateral. "Mas faltam instituições e o compromisso para que acordos sejam levados adiante." Além disso, dizem analistas, ambos países “estão muito voltados para seus próprios problemas internos” e “sem muito tempo para resolver as questões bilaterais”.
Centenas posam nus nos Alpes em alerta sobre aquecimento
Quase 600 homens e mulheres posaram nus neste sábado para o fotógrafo americano Spencer Tunick em um declive de uma geleira dos Alpes suíços que está derretendo.
A sessão de fotos na geleira de Aletsch foi encomendada pelo grupo ambientalista internacional Greenpeace como parte de uma campanha de conscientização sobre o aquecimento global. Apesar do cenário alpino, a mais de 2.300 metros acima do nível do mar, a temperatura durante a sessão de fotos estava bem amena, entre 10º e 15º C. O fotógrafo Spencer Tunick se especializou em fotografar grandes grupos de pessoas nuas, no que ele chama de “paisagens de corpos”. A geleira de Aletsch é protegida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Em 4 pontos, os erros que transformaram o Enem 2019 em crise
No começo desta semana, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apresentou à Justiça explicações sobre os problemas na correção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019.
Um erro mecânico em pouco menos de 6 mil exemplares da prova acabou afetando, indiretamente, a correção dos testes feitos por 3,9 milhões de estudantes. Em nota técnica, o Inep disse que o efeito foi estatisticamente desprezível — ou seja, não seria suficiente para prejudicar qualquer candidato, nem mesmo quem almeja uma vaga num curso muito concorrido. Apesar das explicações do Inep, a desconfiança em relação a possíveis erros na correção das provas provocou uma enxurrada de ações judiciais da parte de alunos que se sentiram prejudicados — nada menos que 172 mil reclamações foram feitas ao Ministério da Educação (MEC), em um endereço de e-mail indicado pelo ministro Abraham Weintraub. Além disso, até a quarta-feira da semana passada (22) pelo menos 250 estudantes já haviam apresentado reclamações ao Ministério Público Federal (MPF) a respeito de suas notas. Fim do Talvez também te interesse Os erros na correção da prova levaram a Justiça Federal em São Paulo a suspender a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que seleciona alunos para vagas em universidades com base nas notas do Enem — o processo só foi liberado na tarde de terça-feira (28) por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas as dificuldades não terminaram com a decisão do STJ. Alguns estudantes relataram problemas para utilizar o site do Sisu — aparentemente a opção de lista de espera para cursos não funcionou adequadamente, e a hashtag #erronalistadeespera foi um dos assuntos mais comentados no Twitter na tarde de ontem. Além disso, o MPF disse ter encontrado irregularidades na destinação de vagas a candidatos com deficiência no Sisu. A Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF) deu prazo de cinco dias para que o Ministério da Educação preste informações sobre o assunto. O processo de elaboração do exame também foi marcado por problemas ao longo deste ano: o Inep, responsável por realizar as provas, trocou de presidente quatro vezes desde o início da gestão de Jair Bolsonaro — um dos presidentes do instituto permaneceu apenas 18 dias no cargo. Em abril, a gráfica que imprimiria as provas, a RR Donneley, encerrou suas atividades no Brasil, alegando dificuldades financeiras. Dias depois, o governo contratou uma outra empresa para a tarefa, sem realizar processo licitatório, por R$ 151,7 milhões. O ministro Weintraub (esq.) e Lopes, do Inep, argumentam que todos os erros foram corrigidos No primeiro dia de provas, 3 de novembro, novo sobressalto: uma foto da prova de redação circulou nas redes sociais enquanto o exame estava ocorrendo. João Marcelo Borges é diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação, uma organização da sociedade civil. Para a organização, os problemas começaram bem antes da realização da prova, quando o MEC montou uma comissão para expugar itens "ideológicos" do banco de questões usado no Enem. "A nossa avaliação é de que o MEC e o Inep conduziram muito mal o Enem. Tanto na preparação para a prova, com essa comissão para avaliar o Banco Nacional de Itens, quanto depois, na correção. Muito embora a quantidade de alunos afetados possa parecer pequena, menos de 1%, a dimensão qualitativa desse problema é grave", diz Borges. "Tanto o MEC quanto o Inep têm sido apenas reativos desde que os problemas começaram a aparecer. Não foi o Inep que identificou os erros na correção. Foram os alunos que identificaram os problemas e começaram a reclamar nas redes sociais, e isso fez com que o Inep identificasse o erro, depois de divulgados os resultados. Isso jamais poderia ter acontecido. O Inep deveria ter feito todos os testes de segurança para garantir os resultados", completa Borges. No começo da semana, Jair Bolsonaro admitiu que a situação do Enem era "complicada", e disse que conversaria com Weintraub para entender o que estava acontecendo. "Tenho que conversar com ele (...). (Para ver) se realmente foi uma falha nossa, se tem alguma falha humana, sabotagem, seja lá o que for", disse o presidente na terça (28), reforçando que todas as hipóteses estavam sendo consideradas, inclusive sabotagem. Já o ministro da Educação disse que não se tratou "uma coisa de má fé". "Foi um acidente, coisa que acontece", disse. Após a fala de Bolsonaro, ele ligou para o presidente para reafirmar que não foi detectada qualquer sabotagem na prova. A crise no Enem também acirrou os ânimos do outro lado da Esplanada, no Congresso: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a dizer que Weintraub era "um desastre". "O ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. Cada ano que se perde com a ineficiência, com um discurso ideológico de péssima qualidade na administração, acaba prejudicando o0s anos seguintes", disse Maia nesta quinta (30). Mas, no fim das contas, o que deu errado com a correção do Enem? O erro impactou todos os 3,9 milhões de candidatos que fizeram o teste ou apenas os 5.974 que tiveram seus cadernos de provas trocados? O resultado apresentado pelo Inep e pelo MEC é confiável? A reportagem da BBC News Brasil conversou com técnicos que conhecem a realização da prova e com especialistas na Teoria da Resposta ao Item (TRI) para entender o que aconteceu. Abaixo, conheça as respostas para quatro perguntas sobre o tema. 1. Como foi feita a correção das provas do Enem? O Enem é feito com questões (itens) elaborados de antemão por professores que recebem treinamento do Inep. Os itens passam, então, por um pré-teste, no qual são aplicados a um conjunto de estudantes — escolhidos a dedo para ser uma amostra representativa do universo de pessoas que vai fazer a prova, depois. A partir deste pré-teste, o Inep calcula a dificuldade de cada item. As questões, depois de prontas, passam a integrar o Banco Nacional de Itens (BNI), a partir do qual são elaboradas as provas. "O Inep tem esse banco de itens, devidamente estruturado, que indica, para cada habilidade (a ser avaliada), um item com as suas estatísticas. Ou seja: se ele discrimina bem o aluno bom do aluno ruim; (qual o grau) de dificuldade ele apresenta", explica um técnico consultado pela reportagem. Enem é diferente de um vestibular tradicional, que calcula nota com base no número absoluto de acertos Num vestibular tradicional, a nota é calculada com base no número de acertos: se você acerta 6 questões das 10 possíveis, a sua nota vai ser 6. Nas provas baseadas na TRI, não é assim: o aluno vai galgando "degraus" dentro de uma escala, conforme o nível de dificuldade das questões que ele acerta. "Para você estimar a proficiência (a nota) do aluno, o principal elemento é justamente esse parâmetro de dificuldade do item. Como é que eu sei que um aluno é (digno da nota) 700? Simples. Eu ordeno os itens pela dificuldade, e vou verificando como ele responde. Então, se ele para de acertar ali por volta de 700, posso dizer que a proficiência dele está em torno de 700", explica o professor Ocimar Alavarse. "Esse aluno vinha acertando, de forma consistente, até os itens 700. A partir daí ele começa a errar. Se ele acertou lá na frente (um item de dificuldade) 900, você diz, bom, o padrão dele é consistente até 700", disse ele à BBC News Brasil. É por isso que acertar questões difíceis "no chute" não vai necessariamente melhorar a sua nota no Enem: para atingir uma nota maior, é preciso que o candidato acerte as mais fáceis e também as mais difíceis, de forma consistente. 2. O que aconteceu em 2019? Em nota técnica enviada à Justiça, o Inep admitiu que um erro mecânico afetou diretamente a correção das provas de 5.974 participantes — os gabaritos utilizados para aferir esses exames estavam trocados, fruto de um "erro mecânico". Depois de identificadas, essas provas foram devidamente corrigidas. Além disso, em 2019 o Inep não seguiu totalmente o roteiro descrito na pergunta acima: uma parte dos itens teve o seu grau de dificuldade calculado depois da aplicação da prova, a partir de uma amostra aleatória de 100 mil candidatos. Inep publicou nota pública para comentar erros no Enem Técnico consultado pela reportagem da BBC News Brasil explica que não é a primeira vez que isso acontece — na verdade, é até comum que parte dos itens tenha seu grau de dificuldade calculado depois. "Muitas vezes, ao recorrer a este banco (o BNI), você não tem o item daquela habilidade X. Então você coloca um item novo, elaborado com todo o cuidado, mas que não passou pelo pré-teste. Então o que acontece? Ele calibra-se na realização da prova. A rigor, isso não tem problema. Desde que você mantenha, na prova, um número suficiente de itens pré-calibrados para garantir a isonomia de todos os participantes", diz, sob condição de anonimato. Tufi Machado Soares é professor do Departamento de Estatística da UFJF, e especialista na Teoria da Resposta ao Item. Segundo ele, a grande vantagem da TRI sobre as provas de somatório simples é permitir comparações entre provas diferentes — o que permite a aplicação de diferentes cadernos de provas, ou de um em dias diferentes por razões religiosas, por exemplo. Além disso, a TRI também é mais precisa que o sistema de pontuação bruto, usado nas provas tradicionais. 3. Os erros atingiram toda a prova? Uma parte das 5.974 provas erradas acabou sendo incluída na amostra aleatória de 100 mil estudantes, usada para calcular a dificuldade de alguns dos itens — o Inep não esclareceu ainda quantos deles tiveram o grau de dificuldade calculado depois. Por causa disso, o "erro mecânico" em menos de 6 mil provas acabou afetando a correção das provas de todos os 3,9 milhões de estudantes. O que o Inep alega — e o argumento foi aceito pelo Superior Tribunal de Justiça — é que a influência foi diminuta, incapaz de prejudicar o exame como um todo. Nas provas do primeiro dia, de Linguagens e de Ciências Humanas, nenhuma prova "errada" integrou a amostra de 100 mil alunos, segundo o Inep. No segundo dia, a "contaminação" foi de 83 provas erradas na amostra usada para calibrar os itens do teste de Ciências da Natureza; e de 105 na prova de Matemática. 4. O resultado é confiável? Uma auditoria é necessária? No entendimento do Inep, seria inútil recalcular os resultados da prova — a "contaminação" da amostra não afetou a confiança do teste, e os resultados de cada participante ficaram "dentro do intervalo de confiança esperado". "Desta forma, a proposta de selecionar nova amostra, recalibrar os itens e recalcular as proficiências (as notas de cada aluno), se apresentaria como medida inócua, já que conforme apresentado (...), as proficiências dos participantes continuam sendo estimadas com a mesma precisão e mantendo a escala construída a partir de 2009, utilizada em todas as edições do Enem desde então", disse o instituto, na nota apresentada à Justiça. Os especialistas consultados pela BBC News Brasil divergem sobre a necessidade de refazer o teste. "Você pode falar 'não, Ocimar, mas esse erro aí vai dar pouquinho'. Mas acontece que as disputas, para alguns cursos, se dão em pequenos valores de diferença. Portanto, essas diferenças muito pequenas dos candidatos podem estar escondendo um problema de onde elas partiram, que é a tal parametrização dos itens", diz Ocimar Alaversa, da USP. Especialistas consultados pela BBC News Brasil divergem sobre a necessidade de refazer o teste "Como que a gente pode ter certeza? Só tem um jeito, que é abrir a base de dados. Tem que fazer uma auditoria. No caso do Enem, como tem muita coisa em jogo, é preciso fazer isso com a máxima transparência. Traz alguns estatísticos, da área de psicometria; especialistas em bases de dados, o Ministério Público, e verifique-se." Já para o ex-presidente do Inep e professor do Departamento de Economia da USP Reynaldo Fernandes, a diferença obtida com o recálculo das notas seria ínfima — a diferença viria apenas várias casas decimais após a vírgula. "(A inclusão das provas 'erradas' na amostra) pode aumentar o erro, aumenta o grau de incerteza da prova. Agora, isso depende da quantidade. 200 provas numa amostra de 100 mil é nada, é um erro negligenciável." "Afeta não sei quantas casas depois (da vírgula). É mais que pequeno, é negligenciável", diz ele. Ele faz a ressalva de que este raciocínio só é válido se as explicações do Inep à Justiça estiverem corretas, e de que apenas isso aconteceu. "Se for só isso (conforme explicado pelo Inep), corrige-se os problemas e pronto. O impacto sobre a calibração é muito pequeno. Erros em provas, ruídos, sempre tem. Se os mesmos alunos fizessem a mesma prova em outro dia, os resultados seriam ligeiramente diferentes também. Se você antecipasse uma semana, também. O último candidato que entrou, e o primeiro que ficou de fora, eles são indistinguíveis. Um deu mais sorte, e o outro deu mais azar", pondera ele. Para Tufi Machado Soares, da UFJF, os resultados são seguros — desde que os problemas sejam apenas os que o Inep já admitiu. Mesmo assim, o ideal seria fazer uma reanálise mais ampla. Em 2017, Soares colaborou com o Ministério Público na auditoria independente de uma outra edição do Enem. "Se você teve 200 provas com o gabarito trocado numa amostra de calibração de 100 mil, provavelmente a influência dessas provas é praticamente zero. Se for só isso. Estou falando por hipótese", diz ele. "Agora, é preciso verificar o seguinte: sempre que você encontra um conjunto de problemas no teste, é possível que haja outros. O problema, a meu ver, é que está faltando um pouco de transparência, de divulgação maior do que está acontecendo. Até para a gente poder fazer uma análise melhor do que está acontecendo", diz ele. "Acho que isso (auditorias) deveriam ser uma prática adotada pelo próprio Inep constantemente, em todas as avaliações. Com especialistas externos, empresas contratadas para isso. O próprio Inep deveria realizar esse tipo de procedimento, até para garantir a segurança das pessoas", diz ele.
'Nos obrigavam a ficar nus na piscina': os relatos de abusos sexuais cometidos por bispos no Chile
Da porta para fora, disciplina militar. Da porta para dentro, acusações de, no mínimo, fazer vista grossa a casos de abusos sexuais cometidos na Igreja .
Casos envolvendo padres e outros religiosos no Chile abalaram a Igreja e levaram à renúncia três dos que são alvos de acusações Gonzalo Duarte é um dos três bispos chilenos – junto com Juan Barros e Cristián Caro – cujas renúncias foram aceitas pelo papa Francisco em meio ao terremoto que abalou a instituição no Chile e no mundo. A igreja chilena garante que a saída dele foi aceita "por motivos de idade". No entanto, a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, esteve no Chile e conversou com quem acusa o bispo da terceira diocese mais importante do país de encobrir abusos e ignorar denúncias. Também apresenta a versão do bispo frente às acusações detalhadas nos depoimentos a seguir: Mauricio Pulgar Antes mesmo de completar a maioridade, Mauricio Pulgar sentiu que tinha vocação sacerdotal. Ele havia atuado como acólito – jovem que acompanha e ajuda o padre na celebração da missa - e participava do trabalho pastoral da paróquia em uma pequena cidade perto de Valparaíso. Quando foi convidado para uma viagem no verão de 1993, não pensou duas vezes. Segundo seu depoimento, dois sacerdotes acompanhavam o grupo, mas um deles precisou ir embora e o que ficou responsável, a quem identifica como "padre M", cometeu abusos. Os casos ocorreram durante a noite e começaram quando o religioso disse aos jovens que eles teriam de tomar banho na piscina, sem roupas. "Nos recusamos a fazer isso com outro colega (junto), mas ele disse que, se não fizéssemos, era porque tínhamos problemas sexuais", conta Pulgar. Diante da situação e aos 17 anos, um de nós então falou: "Bom, assim será." E se enfiou na piscina. "O padre M começou a passar entre nós. Ele nos tocava e dizia que isso era muito bom porque ajudava a confiança, a autoestima. Foi muito traumático." A BBC Mundo teve acesso a uma declaração juramentada de outro participante que confirma a versão de Pulgar. "Pareceu estranho, mas ele nos convenceu depois de que era algo 'divertido'." "Nós éramos muito jovens e não víamos maldade ou segundas intenções, ainda mais vindo de um padre", continua a declaração. "Na piscina, o padre começou a passar entre nós. Ele nos tocava e dizia que isso era muito bom porque ajudava a confiança, a autoestima. Foi muito traumático", diz uma das vítimas Dois meses depois, Pulgar entrou no seminário de Valparaíso, onde abusos do padre e de outros religiosos encarregados de formar os seminaristas também ocorreram e foram alvos de denúncias. "(Lá), se você não se deixasse beijar no rosto era porque tinha problemas, também era preciso se vestir como o padre M queria e eles começaram a me afastar da minha mãe." Pressão psicológica De acordo com o então seminarista, no local também eram feitos comentários completamente descabidos, como os que o professor de liturgia - Gonzalo Duarte, um dos bispos agora afastados - costumava fazer. "Ele estava obcecado por falar sobre assuntos sexuais que nada tinham a ver com a liturgia. Um dia, por exemplo, começou a dizer que se você tivesse uma ereção e não soubesse o que fazer ou se masturbasse demais tinha que falar com ele, porque ele era a pessoa certa... o professor de liturgia!" À medida que o tempo passava, Pulgar foi ficando incomunicável. Só lhe permitiam ver sua mãe se ela o visitasse em uma sala com uma parede de vidro, a partir da qual os formadores poderiam monitorar as conversas. "Os meus pais eram divorciados e minha mãe se casou novamente, então, para esses sacerdotes, eu era um ser inferior. Além disso, eles insistiam que as coisas do seminário não deviam ser faladas do lado de fora, que o acontecia lá dentro deveria ficar lá." "Eles empurram a ideia de que se você prejudica a Igreja, você é praticamente o anticristo. A obediência e a submissão são partes importantes da formação." Mauricio Pulgar (à direita) disse que chegou a ser proibido de ver a família e que era considerado um ser inferior por sua mãe ser divorciada Pulgar disse à BBC News Mundo que começou a ter crises de ansiedade a partir dos maus-tratos e humilhações, além do assédio homossexual que sofria. "(Os formadores) abraçavam você, pegavam você pelas costas, levavam para os quartos. Se você não quisesse ir ou rejeitasse os carinhos que faziam no pescoço, por exemplo, eles se zangavam. Um dia fiquei furioso. Como havia treinado karatê, torci o braço de um deles e disse a ele que não me importunaria mais. Aí eles me classificaram como violento, me mandaram para o psicólogo e o tratamento se tornou insuportável." "Eu disse que não aguentava mais e que ia embora, mas eles disseram que eu não tinha permissão para isso e iam chamar o bispo. Então, outro sacerdote que eu conhecia me convidou para ajudá-lo em sua paróquia e essa foi minha forma de sair do seminário." 'Acordei ao sentir a respiração ofegante dele' Segundo o depoimento de Pulgar, enquanto ele estava no seminário, um dos padres era mantido trancado, o padre H. Ele nunca soube o motivo, mas os formadores o proibiram de se juntar a ele. Pulgar o conhecia da paróquia que frequentava quando adolescente, então, ligou para os pais do padre, que o retiraram de lá e o levaram para outra diocese, a 120 quilômetros de distância, onde ele retomou seus trabalhos sacerdotais. A paróquia do padre H ficava em uma cidade perto da paróquia onde Pulgar trabalhava, então, ele passou a ajudá-lo por alguns dias. Só que, mais uma vez, algo parecia errado. "Ele perguntou por que eu não deixava que me 'iniciasse' e eu não entendia aquilo como se ele estivesse falando sério. Sempre achava que estava brincando. Ele era muito sarcástico e dizia que a heterossexualidade não existia, que éramos todos gays e tínhamos que experimentar." "Eu sei que (o padre H) teve sérios problemas de homossexualidade em San Felipe (sua nova diocese). Aqui, não sei", disse o bispo Gonzalo Duarte à BBC News Mundo. "Um dia, ele me pediu que passasse a noite na paróquia. Aquilo não me pareceu certo porque teríamos de dormir no mesmo quarto, já que o outro estava ocupado por um outro padre, mas ele me disse: 'Eu ponho um colchão ao lado da minha cama'. Eu disse a ele que preferia dormir na sala de estar. Ele me deu um sanduíche e uma bebida, eu comecei a me sentir mal e ele me disse para deitar na cama. Lá, eu desmaiei e só acordei ao ouvir sua respiração ofegante. Ele estava abusando de mim. Eu tentei mexer meus braços e pernas, mas não pude. Consegui mover uma mão, mas ele a pegou, junto com a outra e ..." Sua voz falha. "Ele me disse: 'Fique tranquilo que não aconteceu nada aqui'. Aí abriu uma gaveta cheia de dinheiro e me disse que eu agora era do seu círculo. Eu disse que não queria ser de círculo nenhum e saí." A BBC News Mundo teve acesso a áudios em que o padre H admite ter "desrespeitado" Mauricio. Os áudios não puderam, entretanto, ser verificados. A BBC News Mundo tentou repetidamente se comunicar com o padre, mas não obteve resposta. Posteriormente, Pulgar contou a outro padre o que havia acontecido e pediu que alguém assumisse a responsabilidade. No entanto, diz ele, a única coisa que conseguiu foi que Gonzalo Duarte, então recém-nomeado bispo militar, interviesse para que não o deixassem terminar seus estudos em teologia. Muitos anos se passaram antes que Pulgar pudesse lembrar ou falar sobre isso, mas, em 2013, depois de saber que foi registrada uma queixa canônica formal por abusos no mesmo seminário, ele decidiu dar entrada em uma ação na justiça comum e denunciar o caso às autoridades eclesiásticas. A justiça ordinária arquivou o caso, alegando que o fato não pôde ser verificado, uma vez que os possíveis crimes estavam prescritos. Da justiça canônica, ele nunca mais teve notícias. "No caso de Mauricio Pulgar houve uma investigação canônica, mas não havia crime", diz Duarte. Após renunciar, o bispo explicou à BBC News Mundo que ser um homossexual ativo "não é um crime", mas um "pecado grave", contanto que seja com adultos. "No caso de um pecado, nenhuma investigação é necessária.", acrescentou ele. Marcelo Soto Marcelo Soto é uma das vítimas que denunciaram o padre H. "Ele se atirou em cima para tocar meus órgãos genitais e tentou fazer sexo oral em mim", disse ele à BBC News Mundo Mauricio Pulgar não foi o primeiro a acusar o padre H de abuso. Seis anos antes, em 1992, Marcelo Soto, também seminarista, passou por uma situação parecida quando trabalhava na mesma paróquia em que Pulgar era acólito, mas eles não se conheciam. "Depois de ajudar na missa, H me disse para irmos descansar, comer chocolates. Ele me pediu para pegar um filme em seu quarto para assistirmos e, quando peguei, me dei conta de que era um filme pornô gay." "Nesse momento ele voltou e quando fui questioná-lo ele avançou para tocar meus genitais e tentar fazer sexo oral em mim." De acordo com seu depoimento, Soto saiu correndo de lá e relatou o ocorrido aos seus superiores: o pastor da paróquia, o bispo auxiliar da diocese e o vigário geral, que também era seu diretor espiritual, Gonzalo Duarte. "Eu pensei que eles me apoiariam, mas, ao invés disso, me perguntaram o que eu havia feito para que algo assim sucedesse, como se eu tivesse provocado aquilo." "Gonzalo Duarte recomendou que eu permanecesse em silêncio porque na Igreja a corda arrebenta sempre do lado mais fraco." Consultado pela BBC News Mundo, Duarte diz não se lembrar de Soto ou do episódio relatado. "Tantos jovens passam pelo seminário...". Ele também não se lembra de nenhuma investigação ou processo canônico sobre o assunto. "Dadas a gravidade dos fatos descritos e as autoridades presentes, é inconcebível que não se tenha feito nenhum registro sobre isso", disse à BBC News Mundo Francisco Astaburuaga, sacerdote e doutor em Direito Canônico. "Se eles tivessem levado a sério a denúncia que fiz, Mauricio não teria passado pelo que passou", diz Marcelo. SEBASTIÁN DEL RÍO "Demorou muito para que eu me desse conta de que havia um problema de assédio", disse Sebastián del Río à BBC News Mundo. Após um acidente que o deixou em coma aos 12 anos, Sebastián del Río se convenceu de que tinha vocação sacerdotal. Ele conversou com o assessor espiritual do seu colégio, o bispo Gonzalo Duarte, e finalmente decidiu entrar no seminário em 1999. O reitor era o padre M, o mesmo a quem Mauricio Pulgar acusa no episódio da piscina. Sebastián contou à BBC News Mundo que o reitor começou a ficar obcecado por ele. "Era torturante. Sabe o que é estar na missa e sentir que não tiram os olhos de cima de você? Ele se enfiava no meu quarto para falar tolices. Tive que passar a deixar a porta aberta quando ele entrava, porque me dava medo." "Demorou muito para que eu me desse conta de que havia um problema de assédio. Em minha ingenuidade, pensei que esse fosse apenas um tema para formar o caráter de um futuro pastor." Quando não aguentou mais, ele decidiu falar com o bispo responsável pelo seminário, que lhe disse que o padre M tinha "problemas afetivos". "Eu perguntei a ele o que queria dizer com problemas afetivos e ele me disse: 'M tem comportamentos homossexuais que desta vez recaíram sobre você e eu exijo que você os enfrente". Enviado para confrontar seu suposto perseguidor, Del Río nunca imaginou que teria a reação que teve. "Pensei que ele ia negar tudo, que ia me chutar, mas ele começou a chorar copiosamente, como se estivesse arrependido. Ele disse que nunca quis me fazer mal, mas que esperava que eu fosse mais carinhoso com ele. No fundo, o que queria era estar comigo." Diante da rejeição do ex-seminarista, o tratamento, porém, mudou. "Ele tornou a minha vida difícil". Solidéu, espécie de chapéu usado pelos bispos: rede denunciada na diocese de Valparaíso é apenas um das que estão atualmente na mira do Vaticano Massagem nas costas do bispo O padre M foi finalmente transferido. "Eu respirei aliviado", conta Del Río. Mas não por muito tempo. Depois de se formar no seminário e esperando uma data para sua ordenação sacerdotal, Sebastián diz que Duarte o nomeou seu secretário. "Ele me tratava muito mal. O mau-trato, o abuso, a arrogância... eu passei muito mal nesse período." "Ele não era meu secretário. Quando deixou o seminário, ficou sem rumo e eu o levei comigo para que não saísse vagando por aí e porque eu tinha um mês de férias", diz Duarte. Sebastián foi finalmente designado para uma paróquia. Um dia o bispo o chamou ao seu apartamento para falar sobre sua ordenação. "Enquanto estávamos conversando, Gonzalo Duarte entrou no banheiro, disse 'venha comigo' e tirou a camisa", diz Sebastián. "Ele me passou um tubo de creme e disse: massageie minhas costas, eu estou com muita dor ...eu fiquei olhando para ele e disse que não sabia fazer aquilo, que não era adequado." "Isso é uma infâmia", disse Duarte sobre o relato do ex-seminarista. "Isso aconteceu no dia da celebração anual dos sacerdotes, quando temos uma cerimônia muito longa na catedral." Duarte diz que o bispo auxiliar pediu que ele recebesse Del Río porque "ele estava chorando". Os depoimentos garantem que abusos sexuais e outros que foram cometidos eram um comportamento frequente e aceito dentro da diocese de Valparaíso "Eu não queria recebê-lo, mas disse a ele: 'Venha, me acompanhe até a minha casa'. Então fiz isso (tira a camisa e fica de costas para a equipe da BBC News Mundo) e falei. 'Me dê esta pomada aqui e eu te escuto'. Foi tudo o que houve. É desonesto (da parte dele contar de outro jeito)! E eu não uso outra palavra (para descrever) porque você é jornalista e eu sou um padre." Tempos depois e após Del Río denunciar o assédio que viveu no seminário com o padre M, o bispo Duarte o chamou novamente para uma reunião. "Ele me disse: 'Eu decidi não ordenar você (padre) por considerar você fofoqueiro, linguarudo e intrometido'." "Fofoqueiro porque tornou pública a orientação sexual de um padre, falador porque eu falei com você sobre o assunto e intrometido porque foi se meter nessas questões." Duarte confirma a frase, mas afirma que ela foi dita em outro contexto. "Ele era um problema sério e o pároco encarregado me pediu para, por favor, retirá-lo." "Esse rapaz tinha muitas queixas, contra muitas pessoas. Finalmente eu pedi a ele que saísse porque ele nem sequer deveria ter entrado", confirma Duarte. Em 2010, Sebastián apresentou denúncia ao núncio apostólico – o representante diplomático permanente da Santa Sé, que tem status de embaixador – e à Santa Sé contra o padre M e o bispo Duarte. Ele nunca obteve resposta. Duarte afirma que nunca houve uma denúncia formal, mas quando a BBC News Mundo lhe mostra o documento comprobatório a que teve acesso, ele diz: "Para mim, isso nunca chegou." MARCELA SUÁREZ Durante anos, Marcela Suárez não pôde voltar a pisar em uma igreja. Ela foi catequista e praticante até que um episódio de abuso a distanciou definitivamente da Igreja. Ou pelo menos de sua cúpula. Em 2002, Marcela era diretora de um abrigo de menores em Valparaíso. "Eram os menores mais vulneráveis, aqueles que ninguém quer, em situação de abandono", diz ela à BBC News Mundo. Um padre chamado Eduardo Olivares costumava ir ao abrigo e era muito próximo dos jovens. "Aos fins de semana ele os retirava de lá e ninguém estranhava. Eram jovens que ninguém visitava e que se não saíssem com ele acabavam ficando presos no abrigo." A diretora de um abrigo de menores onde jovens foram abusados por sacerdote denunciou que a Igreja tentou encobrir o caso Um dia na missa, entretanto, um comentário chamou a atenção da assistente social. "Em sua pregação o padre disse: 'Deus te ama' e uma dos jovens respondeu: 'Como aos que você comeu'". Isso acendeu o alerta. Outros jovens haviam sido acusados pelo sacerdote de roubo e ao serem chamados pelo diretor caíram em prantos. "Ele me respondeu: 'Isso não é nada comparado ao que fizeram comigo'". Os profissionais do abrigo se deram conta de que uma dúzia deles havia sido abusada sexualmente por Olivares. O mais velho tinha 15 anos e o mais novo, 8. "O confrontamos pensando que ele iria negar tudo, mas tudo o que conseguiu dizer foi: 'Uyyyy, quando o Bispo descobrir.'" E o bispo descobriu. Marcela informou o diretor da instituição sobre o caso. "Você sabe que as crianças são mentirosas", foi sua resposta, mas, diante da insistência da diretora, ele chamou Duarte. "Eu lembro perfeitamente disso, porque era o dia do meu aniversário. O bispo veio falar comigo. Ele é muito sagaz e me disse 'Marcela, você sabe que há pessoas que querem prejudicar a Igreja', em um tom ameaçador. Eu respondi que não acreditava que estava prejudicando a Igreja por defender as crianças que estão sob nossos cuidados. Pelo contrário". Os profissionais do abrigo não fizeram qualquer acordo com ele e disseram que o denunciariam - como as principais autoridades responsáveis. Duarte tem, também aqui, outra versão para o caso. "Eu levei esse jovem ao tribunal civil e depois ao eclesiástico". Entretanto, o bispo pôs o melhor advogado criminalista da região para defender Olivares, enquanto as crianças não dispunham de defesa. "Fomos nós que os levamos para fazer os exames que poderiam determinar os crimes. Nós os acompanhamos para depor, saíamos com eles de manhã e voltávamos à noite, na van da polícia, que se compadecia de nós e transportava as crianças ". Finalmente Olivares foi considerado culpado de abuso sexual e estupro. No entanto, ele não cumpriu sua sentença na prisão, e sim em liberdade condicional. Também não havia sido afastado de suas funções até anos depois desses fatos. Marcela diz tê-lo visto em 2004 conduzindo um funeral, e Sebastián del Río afirma que precisava se trancar quando Olivares ia celebrar missa na paróquia onde ele estava alocado em 2007. Além disso, Suarez diz que ele era muito próximo do padre M, com quem várias vezes assistiu o abrigo. Um ano depois da denúncia e após cinco anos como diretora, Marcela Suárez foi demitida. "A explicação que recebeu foi que "não era apropriado que uma mulher cuidasse de um lar de rapazes". "Cultura de abuso" e "sistema de encobrimento" Em um movimento inédito e histórico, o papa Francisco confirmou que existia uma "cultura de abuso" e um "sistema de encobrimento" no Chile A rede de proteção denunciada na diocese de Valparaíso é apenas um das que estão atualmente na mira do Vaticano. O papa Francisco já determinou a abertura de duas investigações por abuso sexual, enviando os melhores especialistas do Vaticano para o Chile, após as repercussões do "caso Karadima", em que a cúpula eclesiástica foi acusada de encobrir os abusos sexuais cometidos pelo influente sacerdote Fernando Karadima - e abriu a caixa de pandora dos abusos no Chile. Em um movimento inédito e histórico, o papa confirmou que havia uma "cultura de abuso" e um "sistema de encobrimento" dos casos no Chile. Todos os bispos puseram seus cargos à disposição e nesta semana as renúncias de três deles foram aceitas, incluindo Duarte. "Estes não são casos isolados. Estamos falando de um grupo de pessoas que coopera entre si para cometer abusos", diz Sebastián del Río. "É difícil provar os crimes judicialmente. Mas quando você tem depoimentos de pessoas de diferentes lugares, tempos e contextos onde você pode ver padrões muito semelhantes, é claro que há um modus operandi que se repete e que os testemunhos são credíveis", disse à BBC News Mundo o padre Eugenio de la Fuente. Ele sofreu abuso de poder por parte de Karadima e esteve com o papa relatando outros casos semelhantes que confirmariam a "cultura do abuso". Francisco Astaburuaga, Eugenio de la Fuente e Alejandro Vial: para de la Fuente (no centro), que se reuniu com o papa para expor a grave situação que a igreja chilena vive, "este é um problema generalizado" no país "Este é um problema generalizado no Chile. Os atos impróprios se normalizam no país e a desqualificação das vítimas, quando se atrevem a falar, é praxe." No que muitos dos religiosos e vítimas em contato com o papa concordam é que a saída do bispo Duarte, juntamente com Juan Barros e Carlos Caro, é apenas o começo. "É óbvio que vem mais por aí". A BBC News Mundo tentou localizar todos os sacerdotes mencionados nesta reportagem, mas nenhum deles respondeu. O padre M continua com o trabalho ativo em uma paróquia, o padre H se encontra recolhido em uma casa sacerdotal e Eduardo Olivares foi suspenso do exercício do seu ministério sacerdotal após a sentença final, expedida em 2008. * Esta reportagem foi feita com a colaboração de Daniel Pizarro.
Como aprender um novo idioma com uma hora de estudo por dia
Aprender um novo idioma é uma ideia por si só assustadora. Milhares de palavras desconhecidas, uma estrutura gramatical completamente diferente e a grande chance de passar por algum constrangimento são suficientes para intimidar muitos de nós. Com uma vida profissional agitada, encontrar tempo para se comprometer a estudar uma nova língua também pode ser um desafio.
Qualquer pessoa é capaz de aperfeiçoar suas habilidades linguísticas, independentemente da idade ou contato anterior com o idioma Mas os especialistas concordam que é perfeitamente possível fazer um progresso significativo com apenas uma hora de estudo por dia. Além disso, as habilidades adquiridas com a prática de um novo idioma podem se tornar superpoderes no trabalho e em outras áreas de nossa vida. Pesquisas mostram que há uma correlação direta entre bilinguismo e inteligência, habilidades de memória e melhor desempenho acadêmico. À medida que o cérebro processa informações com mais eficiência, é capaz de evitar o declínio cognitivo relacionado ao avanço da idade. Dependendo de sua língua materna e do novo idioma que estiver aprendendo, você pode conquistar vários benefícios cognitivos de curto prazo e ao longo da vida. Naturalmente, quanto mais remota for a linguagem de seu idioma nativo, mais difícil é o desafio (pense, por exemplo, em holandês e vietnamita que não são línguas amplamente usadas globalmente), mas se concentrar em um objetivo específico pode reduzir drasticamente o tempo de prática. Seja para um novo emprego, leituras ou conversas informais, você pode aperfeiçoar suas habilidades linguísticas, independentemente da sua idade ou exposição anterior ao idioma. Fim do Talvez também te interesse A 'competência intercultural' - saber como construir relacionamentos entre diferentes culturas - pode ser uma habilidade valiosa Quais são os idiomas mais difíceis Mas quanto tempo se leva para aprender uma língua? Um levantamento do Instituto de Serviço Estrangeiro dos Estados Unidos (FSI, na sigla em inglês) mostra a média para falantes nativos de inglês. A escala do FSI tem quatro níveis de dificuldade. O grupo 1, o mais fácil, inclui francês, italiano, espanhol, português, dinamarquês, sueco, norueguês, romeno e holandês. São necessárias cerca de 700 horas de prática para alcançar a fluência intermediária nestes idiomas. A dificuldade começa a aumentar à medida que avançamos na lista. São necessárias 900 horas para atingir o mesmo nível de fluência nas línguas do grupo 2, como alemão, malaio, swahili e indonésio. Ainda mais difíceis são tcheco, grego, hindi, búlgaro, finlandês e hebraico, do grupo 3, que exigem 1100 horas. O grupo 4 é composto por alguns dos idiomas mais desafiadores para os falantes de inglês: árabe, chinês, japonês e coreano. São necessárias 2200 horas de estudo. Esta dedicação pode parecer assustadora, mas especialistas dizem que vale a pena aprender uma segunda língua por causa dos benefícios cognitivos que gera. Isso desenvolve as funções executivas do cérebro, "a habilidade fina de manipular e utilizar informações de forma flexível, manter as informações na mente e suprimir informações irrelevantes", diz Julie Fiez, professora do departamento de neurociência da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. "Chamam-se funções executivas porque são consideradas habilidades de um CEO: gerenciar um grupo de pessoas, manipular muitas informações, realizar multitarefas e priorizar." Os cérebros bilíngues dependem de funções executivas - como controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva - para manter o equilíbrio entre duas línguas, de acordo com um estudo da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. Como os dois sistemas de linguagem estão sempre ativos e competindo, os mecanismos de controle do cérebro são constantemente fortalecidos. Especialistas dizem que vale a pena aprender uma língua pelos benefícios cognitivos que isso gera Lisa Meneghetti, uma analista de dados que vive em Treviso, na Itália, é hiperpoliglota, o que significa que é fluente em seis ou mais idiomas - no caso dela, inglês, francês, sueco, espanhol, russo e italiano. Ao aprender um novo idioma, especialmente um mais fácil e que requer menos esforço cognitivo, ela diz que seu maior desafio é evitar misturar palavras. "É normal que o cérebro pegue atalhos", diz ela. "Isso acontece mais frequentemente e facilmente com idiomas da mesma família, porque há muitas semelhanças e falsos amigos." A melhor maneira de evitar esse problema, diz Meneghetti, é aprender uma língua de cada vez e diferenciar as famílias linguísticas. Como estudar uma nova língua Aprender o básico de qualquer idioma é uma tarefa rápida. Aplicativos como Duolingo ou Rosetta Stone podem ensinar algumas saudações e frases simples em instantes. Para uma experiência mais personalizada, o poliglota Timothy Doner recomenda ler e assistir coisas pelas quais você já tem interesse. "Se gosta de cozinhar, compre um livro de culinária em uma língua estrangeira. Se gosta de futebol, assista a um jogo internacional", diz ele. "Mesmo que aprenda apenas umas poucas palavras por dia, será mais fácil relembrá-las mais tarde". Aprender uma nova língua é mais fácil quando você combina isso com outra coisa que gosta, como ver um jogo de futebol internacional É importante pensar antes exatamente como você planeja usar o idioma no futuro. Mas qual deles escolher irá depender de suas motivações pessoais, diz Beverly Baker, diretora de avaliação de idiomas da Universidade de Ottawa, nos Estados Unidos. "Um executivo pode pensar que o mandarim será importante para seus negócios, ou pode ser um idioma que sua família já falou e se perdeu, ou você está apaixonado por alguém que fala o idioma", diz ela. Uma vez que suas intenções estejam definidas, você pode começar a planejar um cronograma de uma hora de prática diária que inclua vários métodos de aprendizado. A melhor forma de gastar esse tempo varia de acordo com o especialista em poliglota ou lingüística com quem você está falando. Mas há uma dica que todos parecem apoiar: fique pelo menos metade de sua hora longe dos livros e vídeos e pratique com um interlocutor cara a cara, seja um falante nativo ou alguém muito fluente no idioma. "Façam perguntas entre si ou alguma atividade, conversem no idioma e discutam assuntos desta cultura. Eu não pularia essa parte, porque aprender sobre as pessoas e sua cultura me motiva a prosseguir no meu aprendizado", diz Baker. Fiez diz que muitos adultos tentam aprender uma língua ao memorizar palavras e praticar a pronúncia, em silêncio e para si mesmos. "Eles não tentam realmente conversar usando o idioma. Você não está aprendendo uma língua assim, está apenas aprendendo associações de sons e imagens." Fique pelo menos metade de sua hora longe dos livros e vídeos e pratique com um falante nativo ou alguém fluente no idioma Assim como acontece ao se fazer exercícios físicos ou tentr tocar instrumentos musicais, a recomendação é um tempo de prática mais curto e frequente, em vez de períodos maiores e esporádicos. Baker diz que, sem um cronograma consistente, o cérebro não desenvolve um processo cognitivo profundo e faz conexões entre o novo conhecimento e o aprendizado anterior. "Uma hora por dia, cinco dias por semana será mais produtivo do que cinco horas uma vez por semana." Neste ritmo, de acordo com o índice da FSI, seriam necessárias 140 semanas para alcançar a fluência básica em uma língua do grupo 1, ou dois anos e nove meses. Mas, ao seguir o conselho de especialistas e restringir as lições voltadas para aplicações específicas em vez de para adquirir uma fluência geral, novos falantes podem reduzir significativamente o tempo necessário para alcançar o nível desejado. Os benefícios de aprender um idioma "Aprender uma segunda língua pode satisfazer uma necessidade imediata, mas também o ajudará a se tornar uma pessoa mais compreensiva e empática, abrindo as portas para uma maneira diferente de pensar e sentir", diz Meneghetti. "É sobre combinar inteligência racional e emocional." Ser capaz de superar as barreiras linguísticas tanto em comunicação quanto em empatia é uma habilidade em alta demanda chamada "competência intercultural". Segundo Baker, a competência intercultural é a capacidade de construir relacionamentos de sucesso com uma variedade de pessoas de outras culturas. Dedicar uma hora do seu dia ao aprendizado de uma nova língua pode ser uma forma de se aproximar das pessoas. O resultado é um conjunto de habilidades de comunicação mais maleável que o conecta com seus pares no trabalho, em casa ou no exterior. "Você se depara com uma visão de mundo diferente de alguém de uma cultura diferente. Você não se apressa em julgar e é mais eficaz em resolver os confrontos que surgem no mundo", diz Baker. "Aprender uma língua, qualquer língua, ajuda a desenvolver essa adaptabilidade e flexibilidade em lidar com outras culturas." Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Moradores das Malvinas decidem destino das ilhas
A população das Ilhas Malvinas (para os argentinos) ou das Ilhas Falkland (para os britânicos) vai às urnas neste domingo e na segunda-feira em um referendo sobre a possibilidade de continuar a ser um território britânico ultramarino.
Moradora das ilhas exibe suas preferências para o referendo Argentina tem constantemente reiterado o desejo de retomar as ilhas, 30 anos depois que suas tropas terem sido derrotadas por uma força-tarefa britânica em um conflito de 74 dias. Os habitantes da ilha decidiram manter o referendo em resposta à pressão argentina por negociações sobre a soberania. Espera-se que a pequena comunidade vote em peso por continuar sendo um domínio britânico. Mas a vitória do "sim" ao atual status das ilhas não deve resolver a disputa. A presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, disse que a vontade dos habitantes não é relevante para a questão territorial. A maioria argentinos considera as ilhas, que eles chamam de Las Malvinas, como parte da Argentina. Dos cerca de 2.900 moradores das Falkland/Malvinas, 1.672 podem votar. Leia mais sobre esse assunto Tópicos relacionados
Bolsonaro presidente: infância em Eldorado, controvérsias no Exército e ascensão com antipetismo
Jair Messias Bolsonaro disse que estava cansado quando entrava em seu sétimo mandato como deputado federal. Mas o reconhecimento inédito no Rio, onde acabara de obter 464 mil votos, o recorde no Estado, inspirou ousadia:
Bolsonaro foi eleito presidente neste domingo "Vou tentar a Presidência", disse no plenário da Câmara dos Deputados ao deputado Alberto Fraga (DEM-DF), amigo do futuro presidente desde que estudaram juntos na Escola de Educação Física do Exército, em 1983. "Se eu conseguir 10% dos votos, estou satisfeito." O diálogo no fim de 2014 foi o início da caminhada que elegeu Jair Bolsonaro, 63 anos, como o 38º presidente da República do Brasil pelo PSL. Com 99,49% das urnas apuradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no segundo turno, o capitão reformado somava 55,21% dos votos, contra 44,79% do adversário Fernando Haddad (PT). "Ele começou com uma expectativa muito tímida. Todo mundo dizia que ele tinha um teto, que não ia crescer mais. Ele calou a boca de todo mundo que não acreditou", diz Fraga. A maneira como Bolsonaro passou a ser recebido em aeroportos - saudado por apoiadores Brasil afora com gritos de "mito, mito!" - foi o primeiro sinal de que o caminho podia render frutos. Seu número de seguidores foi crescendo junto com a repercussão da participação em programas populares como o CQC, na Band, e de Luciana Gimenez, da RedeTV!, a quem Bolsonaro afirmou que não empregaria mulheres com o mesmo salário que homens. A comunicação direta com seus apoiadores nas redes sociais, onde hoje conta com mais de 10 milhões de seguidores, foi capilarizando uma base de apoio que, nesta eleição, compensou pela a falta de tempo de TV, em uma campanha inédita que teve ascensão meteórica. "Sou do baixíssimo clero, não sou ninguém na política, não sou nada. E tenho o apoio popular que está aí", destacou, ainda na fase inicial da campanha, em entrevista à Globo News. "Não é inimaginável o que está acontecendo? Como eu consegui isso?" Só podia ser uma "missão de Deus", concluiu, contando que recorrera à Bíblia para retirar seu lema do Evangelho de João: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." Bolsonaro projetou-se no ataque ao chamado 'kit gay', quando o Ministério da Educação de Fernando Haddad encomendou um material para combater homofobia nas escolas Ao longo de seus 27 anos de carreira na Câmara dos Deputados, Bolsonaro ficou pouco conhecido por projetos, tendo aprovado apenas dois. Mas se notabilizou por uma extensa lista de declarações polêmicas dadas como homem público. Em entrevistas e em plenário, defendeu a ditadura militar, disse ser favorável à tortura, afirmou preferir ver um filho seu morrer do que aparecer "com um bigodudo por aí", e disse que o País seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que deveria ter sido "fuzilado". Em alguns dos episódios mais polêmicos de sua trajetória, ele afirmou à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela "não merecia ser estuprada" e homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe de órgão da repressão da ditadura, ao proferir seu voto em favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Ustra, a quem se referiu como "o terror de Dilma Rousseff", é autor de seu livro de cabeceira, "A verdade sufocada - A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça". Bolsonaro foi eleito com as promessas de acabar com a violência e a corrupção, colocar o país "nos trilhos" e expurgar o PT, que prevaleceram sobre a resistência ao conteúdo de suas falas mais polêmicas, repetidas à exaustão por adversários ao longo da campanha. No dia 6 de setembro, durante comício em Juiz de Fora, Bolsonaro foi esfaqueado na barriga por Adelio Bispo de Oliveira. Após o atentado, foi submetido a cirurgia de emergência e passou três semanas no hospital, deixando de comparecer a debates e eventos de campanha. "Acabaram de eleger o presidente", disse seu filho, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, após o ataque. Truculência ou 'coração de menino'? O ódio ao PT foi reiterado ao longo de sua candidatura - quando, por exemplo, Bolsonaro falou em "fuzilar a petralhada" no Acre e afirmou, a apenas uma semana do segundo turno, que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria." Para seus aliados, Bolsonaro é um "cão que ladra, mas não morde" - e sua imagem é prejudicada "pelo recorte que a mídia dá". "Eu achava que ele falava demais, se excedia em algumas frases", diz a jornalista Joice Hasselmann, que mudou de opinião após entrevistá-lo em 2014 e ver se estabelecer ali uma "empatia imediata". Desde que se conheceram, há quatro anos, Joice conta que nasceu uma amizade, com direito a café com pão de queijo em sua casa; e uma parceria, com trocas de ideias antes de Bolsonaro fazer entrevistas em redes nacional. Quando decidiu pela Presidência, Bolsonaro a "intimou" a se candidatar pelo PSL para engrossar sua rede de apoio. "Vi que é um grande homem com um coração de menino. É doce, afável, brincalhão. Bem diferente do que a gente imagina vendo as reportagens." Simpatizantes de Bolsonaro no Rio; presidente eleito capitalizou em cima da rejeição ao PT Hasselmann acabou se tornando a deputada federal mais votada em São Paulo. Foi peça importante para desfazer a resistência de mulheres e homossexuais a votarem nele. "A pecha de machismo e homofobia foi caindo por terra", afirma. "O Jair não é comunicador. De vez em quando ele se atropela nas palavras." A perspectiva é bem diferente da tida pela deputada Maria do Rosário - que o processou por incitação à violência ao se dirigir a ela como se estupro fosse uma opção, e obteve condenação contra Bolsonaro por danos morais no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ex-ministra dos Direitos Humanos no governo Dilma Rousseff, a deputada diz que Bolsonaro sempre marcou presença em sessões que discutissem direitos humanos, da mulher, da comunidade LGBT, de mulheres negras ou diversidade religiosa, mesmo que não integrasse as comissões. "Ele tem uma atitude ostensivamente persecutória desses grupos. A vida parlamentar dele demonstra isso. Ele não tem como apagar palavras que saem de sua própria boca", afirma a deputada. Amigo de velha data, Alberto Fraga diz que Bolsonaro é de raciocínio rápido, respostas imediatas e posições firmes. Se não concorda com algo, "já corta logo. Não deixa nem continuar a conversa". As polêmicas, afirma, "são exagero". "As posições do Bolsonaro sempre foram muito claras. Eu nunca vi ele ser homofóbico. Mas sempre reagiu ao 'kit gay' que queriam impor. Ele falava: 'Você quer queimar rosca, então queima rosca, mas não pode chegar na escola e querer mostrar isso como uma coisa normal'. Essa sempre foi a posição dele", diz Fraga. Religião, costumes e ascensão entre evangélicos Se foi pela defesa de pautas militares que entrou na política, foi pela bandeira de defesa da família tradicional e pela condenação de projetos voltados para o combate à homofobia que cresceu politicamente ao longo dos últimos anos - e ganhou fortes aliados em igrejas evangélicas, como o pastor Silas Malafaia. Manifestação contrária a Bolsonaro em SP; teor agressivo de falas do político geraram rejeição em grande parte do eleitorado A afinidade com representantes evangélicos na política começou já em 2006, lembra o pastor Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo - referindo-se ao projeto de lei 122, de combate à homofobia. "Eu, Bolsonaro, Magno Malta, nós viemos juntos nessa luta desde 2006. Nossos discursos nessas temáticas sociais é igualzinho. Pensamos a mesma coisa contra aborto, casamento gay, ideologia de gênero", resume Malafaia - que encampou a defesa do candidato em suas redes sociais, com mais de quatro milhões de seguidores. Bolsonaro é católico, mas em 2017 foi batizado simbolicamente pelo pastor Everaldo Dias Pereira, presidente do PSC, no rio Jordão, em Israel. O mote religioso está no centro de seu lema de campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". As chamadas "bancadas BBB" - "bala", dos defensores da flexibilização do acesso às armas, "boi", do agronegócio, e "Bíblia", dos evangélicos - formam o tripé que deu sustentação à sua ascensão meteórica na política ao longo deste ano. Carreira no Exército Bolsonaro nasceu em 21 de março de 1955 em Glicério, no interior de São Paulo, mas foi registrado em Campinas. Cresceu em Eldorado, no noroeste paulista, para onde os pais se mudaram com os seis filhos quando ele era criança. É o terceiro entre os irmãos - três meninos e três meninas. Conta que caçava passarinhos com espingarda de chumbinho e ganhava dinheiro com a pesca e a extração de palmito silvestre - aliás convivia com o apelido de "palmito" por ser alto e ter pele branca. Foi em Eldorado, durante a ditadura militar, que o jovem Bolsonaro se viu em um cenário que envolvia guerrilha e Exército, e alinhou-se a um lado. A cidade fica no Vale do Ribeira, onde Carlos Lamarca montou uma base de treinamento para combater o regime em 1970. O guerrilheiro feriu soldados na região, e o adolescente e outros jovens passaram a colaborar com os militares, guiando-os pelos caminhos nas matas que conheciam bem. Lamarca acabaria morto na Bahia, em 1971. E Bolsonaro acabaria prestando concurso para a Escola Preparatória do Exército. Aos 18 anos, deixou Eldorado para entrar na escola de cadetes. Depois, prestou concurso para a Academia Militar de Agulhas Negras, no Rio, e formou-se na turma de 1977. Concluiu o curso de paraquedismo, apesar de quase ter morrido durante um salto em que perdeu o controle do paraquedas. Quase caiu no meio da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, mas atravessou a via e bateu na lateral de um prédio, despencando de uma altura de oito metros. Quebrou os dois braços e as duas pernas. "Ele tem um perfil de herói, mesmo com o jeitão dele, às vezes meio torto", diz Joice Hasselmann. "Quando ele estava no Exército, conta que teve um dia em ficou embirrado com alguma coisa e voltou para casa. O pai perguntou o que ele estava fazendo, e ele disse que não sabia se queria continuar. O pai dele falou: 'você vai voltar, vai se formar e ainda vai ser o presidente da República.' Ele profetizou isso", conta a jornalista. Bolsonaro se formou como o primeiro da turma na Escola de Educação Física do Exército, no Rio. Era conhecido como Cavalão pelo bom desempenho nas corridas de fundo. Fraga era da mesma turma, mas chegara como parte de um grupo de tenentes da Polícia Militar. "Ele deu muito apoio para a gente que estava chegando a uma corporação estranha, e ajudou a gente a estudar para provas de matérias que não tínhamos tido antes", lembra o deputado. 'Transgressão grave' A passagem à vida política deu-se após episódios turbulentos no Exército. Em 1986, o capitão Bolsonaro publicou um artigo na revista Veja reivindicando aumento salarial para a tropa. Ele acabou sendo preso durante 15 dias por "transgressão grave". Segundo documentos obtidos pela Folha de S.Paulo, o Superior Tribunal Militar (STM) julgou que Bolsonaro foi "indiscreto na abordagem de assuntos de caráter oficial, comprometendo a disciplina", e feriu "a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da organização militar". A situação se agravou no ano seguinte, quando reportagens publicadas também pela revista Veja revelaram que Bolsonaro e outro militar, Flavio Passos, elaboraram um plano para colocar bombas em unidades militares do Rio para pressionar superiores a conceder os aumentos reivindicados, "sempre com a preocupação de evitar que houvesse feridos". Após Bolsonaro negar o plano, a revista chegou a publicar um croqui atribuído ao capitão indicando onde as bombas seriam colocadas. Bolsonaro foi julgado pelo STM, e o croqui foi submetido a laudos periciais. Diante de resultados conflitantes das perícias, o STM acabou absolvendo o réu. Mas o estrago estava feito, diz Waldir Luiz Ferraz, que atua ao lado de Bolsonaro desde 1988 como assessor de comunicação. "Ele perdeu espaço nas Forças Armadas por falácias na imprensa. Foi aconselhado a entrar na política, porque já não tinha mais chances de fazer carreira nas Forças Armadas", conta Ferraz. Em 1988, candidatou-se a vereador e "ralou muito" fazendo campanha na casa de militares, deixando panfletos debaixo de portas de madrugada e distribuindo santinhos. Foi eleito vereador pelo grupo que manteria como sua principal base eleitoral. Foi então que passou para a reserva remunerada do Exército, conforme lei que obriga a medida após a diplomação de militares para cargo eletivo. Vereador do Rio de Janeiro pelo PDC (Partido Democrata Cristão), Bolsonaro passou a atuar como deputado federal em 1991. "Ele foi o primeiro militar a chegar a deputado", destaca o colega Alberto Fraga. "Chegou forte com as bandeiras da segurança pública e defendendo as Forças Armadas. Antes da gente entrar, não tinha ninguém que defendia." Na Câmara, Fraga diz que o amigo é popular, vive parando para tirar selfies, e almoça sempre no bandejão, exemplo do estilo de vida sem firulas e pouco afeito a luxos do capitão reformado. Ao longo dos sete mandatos na Câmara, passou por oito partidos: além do PDC, foi do PP, PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e para a candidatura à presidência passou ao PSL. Na longa vida parlamentar, apresentou 162 projetos de lei e nove propostas de emendas à Constituição, concentrando-se em três eixos: Forças Armadas, segurança pública e intervenção estatal. Sem força na Casa, só conseguiu emplacar dois deles, o PL-2514/1996, que prorrogaria benefícios fiscais para os segmentos de informática e automação e o PL 4510/2016, relativo à liberação da substância que ficou conhecida como base de uma suposta pílula para curar câncer. "Em 28 anos, ele deve ter batido o recorde de improdutividade", ataca a deputada Maria do Rosário. "Ele sempre foi visto como um personagem folclórico, sem condições de apresentar pareceres competentes e bem elaborados sobre os projetos de lei que tramitam na Casa." Condenado por danos morais Falar o que pensa já levou Bolsonaro também à Justiça civil. Neste ano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou denúncia de racismo por palestra proferida por ele no ano passado no Clube Hebraica, no Rio. Na ocasião, contou suas impressões na visita a uma comunidade quilombola. "O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas", afirmou. "Não fazem nada! Eu acho que nem para procriar eles servem mais." Em novembro do ano passado, o STJ confirmou a condenação de Bolsonaro por danos morais contra a deputada Maria do Rosário A denúncia foi rejeitada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por 3 votos a 2. O ministro Alexandre de Moraes considerou as declarações "absolutamente desconectadas da realidade", mas julgou que não "chegam a extrapolar para um discurso de ódio." "Apesar da grosseria, da vulgaridade, não me parece ter extrapolado limites da sua liberdade de expressão qualificada", julgou Moraes. Em novembro do ano passado, o STJ confirmou a condenação de Bolsonaro por danos morais contra Maria do Rosário. Ele terá de indenizar a parlamentar em R$ 10 mil por ofensas à sua dignidade e publicar a sentença em suas redes sociais, o que ainda não fez. O enfrentamento entre os dois ocorreu em 2003, no Salão Verde da Câmara, quando a deputada reagiu ao escutar uma entrevista de Bolsonaro defendendo a redução da maioridade penal para casos de crimes hediondos. Tratava-se do caso do criminoso Champinha, que aos 16 anos matou um jovem e depois torturou, estuprou e assassinou sua namorada. A deputada interveio afirmando que seu discurso violento que o deputado estava fazendo acabava promovendo mais violência, como o estupro. E ele reagiu, revoltado, questionando se ela estava acusando-o de estuprador: "Eu sou um estuprador?", esbravejou, e, olhando para a deputada, desferiu a frase: "Jamais ia estuprar você porque você não merece." Ela respondeu que lhe daria uma bofetada se ele tentasse algo parecido. "Dá que eu te dou outra!", disse Bolsonaro, empurrando a deputada. Ela então o chamou de desequilibrado, e ele a xingou de vagabunda. O deputado Alberto Fraga diz ter presenciado a cena. "Foi ela que o chamou de estuprador. Foi ela que ameaçou bater nele. Ele falou que ia bater de volta." "Ele é que nem cobra. Quando ele é atacado, ele ataca", diz seu assessor Waldir Luiz Ferraz. "Se nunca for atacado, vai ficar tranquilo a vida inteira." A deputada rebate a versão dos apoiadores do presidente eleito e afirma que aquele foi o primeiro e único diálogo que eles tiveram, e que Bolsonaro espalhou ao longo de todos anos que ela teria defendido o estuprador, o que nega veementemente. "A atitude de Jair Bolsonaro nesse episódio é como a do homem que acusa a mulher a bota e culpa nela. 'Eu agredi porque ela mereceu.' Eu não estou disposta a aceitar isso." Após o atentado, Bolsonaro foi submetido a cirurgia de emergência e passou três semanas no hospital, deixando de comparecer a debates de campanha Ela decidiu processá-lo depois que ele relembrou o episódio em um discurso no plenário, em 2014, voltando a dizer que ela não merecia ser estuprada. "Quando a pessoa diz isso jocosamente, no sentido de desvalorização de outro ser humano, está dizendo que alguém merece ser estuprado, e que um homem decide se uma mulher decide ser estuprada. Eu entrei com uma ação contra essa cultura do estupro que esse candidato carrega, e venci." Bolsonaro é réu no Supremo em duas ações penais pelo mesmo episódio, relatadas pelo ministro Luiz Fux. "A Câmara teve oportunidade de responsabilizá-lo por agir contra a Constituição Federal e quebrar o decoro parlamentar inúmeras vezes. Mas ele nunca foi punido por todos os abusos que proferiu", afirma Rosário. Clã político Bolsonaro tem cinco filhos de três casamentos. Os três primeiros, a quem se refere como "zero um", "zero dois" e "zero três", seguiram o caminho do pai, tornando o sobrenome Bolsonaro um clã político. Flávio, o primogênito, é deputado estadual no Rio desde 2003 e, agora, foi eleito para uma vaga no Senado; Carlos é vereador no Rio desde 2001; e Eduardo, que desde 2015, faz companhia ao pai na Câmara dos Deputados, ocupando um gabinete vizinho ao seu, tornou-se neste mês o deputado federal mais votado na história do Brasil, obtendo 1,8 milhão de votos. O clã elevou seu capital político e também o econômico. Eles tiveram evolução patrimonial elevada nos últimos anos, principalmente em casas e apartamentos, de acordo com a declaração de bens apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral. O patrimônio de Jair Bolsonaro cresceu 168% desde 2006; de Eduardo, 432% desde 2014; e o de Flávio, 55% desde 2010. Em setembro, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou que a segunda ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, afirmou ao Itamaraty em 2011 que foi ameaçada de morte pelo ex-marido e por isso deixou o país com o filho. A denúncia foi registrada em um telegrama diplomático, mas não houve investigação oficial sobre a acusação. Na época, o casal disputava na Justiça a guarda do filho. Após a publicação da reportagem, Valle, que neste ano concorreu à eleição como Cristina Bolsonaro, mas não se elegeu, afirmou que o caso foi superado. Em um vídeo publicado em redes sociais, rebateu o jornal e defendeu a candidatura do ex-marido. "Ele não tem essa índole para poder fazer tal coisa. Bom pai, bom ex-marido, foi um bom marido também. Espero que vocês acreditem que essa mídia suja só quer denegrir a imagem dele, porque ele tá em primeiro lugar nas pesquisas e assim vai ficar", afirmou Valle. Família, igreja, futebol e antipetismo Em 2007, Bolsonaro se casou com Michelle, com quem teve a quinta filha, Laura. Ela dá aula de libras (língua brasileira de sinais) e é evangélica, frequentadora assídua da congregação Batista Atitude. Amigos a descrevem como uma pessoa de origem humilde, simples e discreta, que não gosta de roupas curtas nem de muita maquiagem. Quando dizem que é racista, Bolsonaro costuma referir-se ao sogro, conhecido como Paulo Negão, como prova de que não tem preconceito. "Ela não gosta dos holofotes. Acho que vai ser a primeira-dama mais discreta da história", comenta Joice Hasselmann. O casal está junto desde 2007, e o casamento foi celebrado pelo pastor Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, igreja da qual Michelle fez parte até 2016. Moram com a filha em uma casa em condomínio na Barra da Tijuca, no Rio. No primeiro e no segundo turnos, a entrada do local virou ponto de encontro de apoiadores eufóricos, ostentando verde-amarelo e carregando bandeiras do Brasil em celebração aos resultados do candidato, sempre saudado como "mito". Bolsonaro não bebe nem fuma e mantém a disciplina aprendida no Exército. Costuma enlouquecer as equipes com quem viaja com o hábito de acordar às 6h e não tolerar atrasos. "Cansei de ficar sem café de manhã porque ele sempre marca de sair às 7h e não aceita atrasos. É todo regradinho", diz Hasselmann. Nos fins de semana, quem liga para Bolsonaro geralmente o encontra vendo algum jogo de futebol, diz Fraga. Ele gosta de assistir ao esporte seja qual for o time, mas torce pelo Botafogo, no Rio, e pelo Palmeiras, em São Paulo. Fraga afirma que os brasileiros "vão se surpreender" ao conhecer esse Bolsonaro "brincalhão". "Ele não é esse radical ou xiita como a esquerda quer ver", afirma o deputado. Pouco depois de ouvir o amigo afirmar que tentaria o caminho para a Presidência, Fraga diz que o acompanhou para um evento em frente ao Congresso. Diante de uma multidão em cima de um trio elétrico, Bolsonaro esbofeteou e chutou um "Pixuleco", boneco representando o ex-presidente Lula como um presidiário. "Foi o PT que o motivou a enfrentar o desafio de se candidatar. A principal motivação dele era combater a corrupção do partido", afirma Fraga. "Ele vai ser presidente da República sem nenhum outro fim que não seja botar o país nos trilhos. Não tem outro sentimento que não seja o próprio patriotismo", diz o amigo. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Leis de imigração fazem EUA 'ficar para trás em corrida por cérebros'
Quando o italiano Claudio Carnino teve a ideia de abrir uma pequena empresa no setor de tecnologia, olhou primeiro para os Estados Unidos – a meca do empreendedorismo. Dois anos atrás, após abandonar a faculdade, ele e sua parceira Nicoletta Donadio conseguiram ter seu projeto aprovado poruma prestigiosa incubadora em Providence, Estado de Rhode Island.
Burocracia das leis de imigração fez italiano Claudio Carnino desistir de abrir empresa de tecnologia nos EUA Entretanto, depois de analisar a burocracia das leis de imigração americanas, e avaliar o risco de os donos um dia terem seus vistos negado para viver nos EUA, a incubadora voltou atrás. "Eles nos disseram que queriam investir na empresa, mas que sempre haveria esse problema da imigração", disse Claudio, de 23 anos, à BBC Brasil. "Foi de romper o coração." O italiano, que depois do episódio levou o seu projeto para o Chile, é apenas um exemplo dos talentos que os EUA estão desperdiçando com leis "incoerentes" de imigração, segundo um grupo apartidário de prefeitos e de grupos empresariais americanos, a Parceria para uma Nova Economia Americana. Em um relatório inédito que compara a estratégia americana de imigração com a de outros países, a coalizão afirma que os EUA estão "ficando para trás na corrida global por talentos" e que correm o risco de ter escassez de mão-de-obra qualificada no futuro próximo, apesar do fluxo permanente de trabalhadores batendo às suas portas. "Enquanto no passado a América já foi a primeira e única escolha para jovens sonhadores com a próxima grande ideia, os empreendedores ambiciosos agora olham para destinos como China, Índia, Brasil e Cingapura, e veem mercados e oportunidades enormes, ambientes de negócios receptivos e governos que os querem", critica o relatório. "Um olhar sobre as estratégias dos outros países revela que o nosso fracasso em reconhecer o imperativo econômico da reforma de imigração – em forte contraste com muitos países competidores que veem a imigração como motor do crescimento econômico – virou uma ameaça para nossa prosperidade futura." Lugar à sombra Desencantados com os EUA, foi no Chile que Claudio e Nicoletta encontraram abrigo para a sua empresa, Challengein, que oferece a empresas criar jogos customizados para celular a fim divulgar suas marcas. A iniciativa foi uma das 154 escolhidas no ano passado pelo programa Start Up Chile, que busca atrair empreendedores com o potencial de abrir seus negócios no Chile e fazer do país uma plataforma para o mundo. O programa dá aos selecionados um capital inicial de US$ 40 mil, com a concessão de um visto de trabalho de um ano e acesso a uma rede social e de capital, para que os empreendedores desenvolvam seus projetos por seis meses. Como resultado, o programa trouxe 22 startups de 14 países só no ano de 2010, ano de sua criação. "O Chile não tem essa cultura de startup, portanto a maneira de ser competitivo é comprando essa mentalidade", diz Claudio. "Na Europa, sabemos pouco do Chile: quando se chega aqui vemos que temos acesso a tudo e a vida é como em qualquer outro lugar da Europa ou EUA." O programa chileno é exatamente o tipo de "estratégia agressiva de recrutamento" de imigrantes que outros países estão colocando em prática e que – para os autores do relatório "Not Coming to America" (Não Vindo para América), realizado pelas parceiras americana e nova-iorquina – estão transformando os EUA em um lugar menos atraente para a mão-de-obra, tanto qualificada quanto pouco qualificada. Vistos especificamente para empresas startup também existem em diferentes modalidades na Grã-Bretanha, Nova Zelândia, Cingapura e Irlanda. Mas autorizações que contemplam diversos outros aspectos das necessidades econômicas dos países também são encontradas na Austrália, Canadá, China, Alemanha e Israel, países analisados pelo relatório. Na Austrália e no Canadá, os vistos podem inclusive ser emitidos pelas províncias, variando de acordo com as necessidades econômicas de cada região dentro desses países. Alemanha e Israel, tradicionalmente fechados à imigração, também já facilitam suas políticas migratórias para trabalhadores qualificados e temporários. Já a estratégia chinesa mostra que o tapete vermelho não é estendido apenas a estrangeiros, mas também a cidadãos nacionais que moram em outros países. O Plano de Desenvolvimento de Talento de Médio e Longo Prazo oferece generosos bônus, subsídios habitacionais, incentivos fiscais e prestígio para que a professores e pós-graduados chineses que vivem no exterior voltem para casa. "Os países têm introduzido uma variedade de reformas, incluindo sistemas de concessão de vistos mais eficientes, maior facilidade de converter um visto temporário em visto permanente, programas customizados e benefícios para integrar os recém-chegados imigrantes à economia", compara o relatório. "Nossas políticas (dos EUA) são irracionais e sem direção, em forte contraste com a abordagem estratégica e específica dos outros países." Escassez Para a coalizão, o risco mais evidente é o de que num futuro não muito distante os EUA, com tantos aspirantes a imigrantes batendo à sua porta, possa vivenciar uma escassez de mão-de-obra em setores cruciais para a inovação e a criação de empregos. Em 2018, um estudo citado no relatório projeta que o país tenha cerca de 2,8 milhões de vagas abertas nos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, sendo que 779 mil delas para profissionais com nível pelo menos de mestrado – e apenas 552 trabalhadores com a qualificação necessária para preenchê-las. Muito pior, embora os EUA sejam um dos países que mais atraem estudantes qualificados, oferecem poucas chances para que eles permaneçam no país uma vez que terminem seus estudos. "É crucial notar, porém, que não são apenas os imigrantes com diplomas avançados que contribubem para a economia americana. Em Nova York, por exemplo, um estudo recente indicou que enquanto os imigrantes são 36% da população, eles respondem por quase metade de todos os proprietários de pequenas empresas", diz o relatório. Para os autores do estudo, a situação só pode ser revertida se as autoridades dos EUA fizerem leis de imigração "levando em conta as necessidades econômicas" do país.
Aliança encontrada no mar e postada no Facebook é devolvida ao dono depois de 37 anos
O espanhol Agustin Aliana teve uma grande surpresa recentemente ao ser procurado por uma instrutora de mergulho: ela havia encontrado sua aliança de casamento no fundo do mar.
A joia havia sido perdida no mar 37 anos antes. Jessica Cuesta disse que estava mergulhando em Benidorm, no leste da Espanha, quando a encontrou. Cuesta afirmou que a princípio pensou ter encontrado seu "primeiro tesouro", mas logo depois percebeu que era uma aliança de casamento, com um nome e uma data inscritos. A mergulhadora publicou uma mensagem no Facebook com uma foto da aliança e a data do casamento: 17 de fevereiro de 1979. O post foi compartilhado mais de 70 mil vezes e acabou sendo visto pela esposa de Agustin.
Polícia britânica prende dez suspeitos de ligação com terror
Dez homens suspeitos de ligação com “organizações terroristas” foram presos neste sábado em diferentes lugares da Grã-Bretanha.
Segundo a polícia, eles foram detidos sob a suspeita de ligação com a preparação ou planejamento de atos terroristas. No entanto, as prisões não têm conexão com as explosões que ocorreram em julho, em Londres, quando mais de 50 pessoas foram mortas. As autoridades britânicas não revelaram detalhes das prisões.
'Fui traído e entregue à Stasi pelo meu próprio irmão'
A família de Peter Keup foi profundamente marcada pela divisão da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.
Peter Keup (à direita) e seu irmão mais velho, Ulrich, quando crianças Criado na comunista Alemanha Oriental, ele sofreu sanções quando sua família aplicou para um visto de saída — não só foi expulso da escola, como também do clube onde praticava esportes. Mais tarde, acabou preso pela Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, ao tentar atravessar ilegalmente a fronteira. Mas o grande golpe viria décadas depois, quando ele descobriu que havia sido traído pelo próprio irmão, que entregou informações suas e da família à Stasi. Em entrevista à jornalista Emily Webb, do programa de rádio Outlook, da BBC, Peter Keup conta como essa revelação provocou uma mudança de rumo na sua vida. Fim do Talvez também te interesse Peter Keup cresceu na década de 1960 na comunista República Democrática Alemã (RDA), a chamada Alemanha Oriental, um dos muitos estados-satélite da União Soviética durante a Guerra Fria. Assim como a Alemanha havia sido dividida após a Segunda Guerra Mundial, sua família também estava fragmentada política e geograficamente. Seu pai era comunista, mas sua mãe sonhava em voltar a viver na capitalista República Federal da Alemanha (RFA), a Alemanha Ocidental, onde os dois haviam se conhecido e se casado. Era lá onde seus avós moravam e onde seu irmão mais velho, Ulrich, passou os primeiros anos de vida, enquanto seus pais se estabeleciam no leste. Quando chegou a hora de ir para a escola, no entanto, Ulrich se juntou ao resto da família. "Eu tinha três anos nessa época. E o conheci quando ele tinha sete anos. Nunca havíamos nos visto antes ou tivemos um relacionamento próximo. Então, para mim, ele sempre foi como um estranho", diz Peter. "E isso não mudou depois de um tempo. Na verdade, até ele morrer, ele foi uma pessoa com quem eu não tinha muita intimidade." Foi nessa época também, em 13 de agosto de 1961, que o Muro de Berlim foi erguido, uma barreira de concreto que dividiu não só a capital alemã, mas duas ideologias antagônicas por quase 30 anos. As autoridades comunistas determinaram a construção do muro para impedir a fuga de pessoas do leste para o oeste. Estima-se que de 1949 a 1961, mais de 2,5 milhões tenham escapado em busca de uma vida nova. Uma vida que Peter só conhecia de relance por causa das visitas dos avós. "Percebi que eles vinham de outro mundo. Quando abriam as malas, saía um cheiro muito especial, um cheiro muito gostoso, muito marcante, uma mistura de sabonete, café, chocolate, cacau, água de colônia, aromas que não existiam no leste", relembra. "Eles traziam também roupas, como jeans, camisetas... coisas que não víamos na Alemanha Oriental, que não tinham nas lojas." "Era sempre muito bom e muito especial." Quando ele tinha 16 anos, seus pais decidiram então ir em busca dessa nova vida — e solicitaram um visto de saída da Alemanha Oriental. "Fiquei muito animado, me inscrevi com a convicção de que daria certo, eu queria muito. Meu irmão estava casado naquela época, e morava com a esposa em outro lugar, então o pedido era apenas para meus pais, minha irmã e eu", recorda. Represália Mas as coisas não saíram como Peter esperava. Algumas semanas após darem entrada no visto, ele teve uma surpresa ao chegar na escola. "Eu cheguei na sala de aula um dia, e a professora disse que sabia que eu e minha família queríamos sair do país e nos chamou de traidores. Ela falou: 'Vocês não apreciam nosso sistema, não sabem o que está acontecendo em nosso país, são traidores. Você precisa deixar a escola'." "Fiquei muito chocado, e a reação dela foi dizer que poderia me ajudar se eu recusasse a ideia dos meus pais de ir embora, que ela poderia fazer com que eu fosse criado por outra família", revela. Peter recusou a proposta e foi expulso da escola. Mas não parou por aí. Ele também foi proibido de praticar atletismo, sua paixão, uma vez que os clubes esportivos também eram financiados pelo Estado. Os amigos se distanciaram dele. E as únicas carreiras que teria como opção seriam em fábricas ou na construção civil — não exatamente o que ele sonhava. Dança de salão, nova paixão Ele começou então a ter aula de dança de salão, uma atividade praticada em clubes privados, sem a ingerência do Estado. "O que eu realmente gostava nessa época era que ninguém pedia minha opinião política, não éramos traidores, não éramos inimigos ou seja lá o que for." "Era outro mundo, muito além do mundo na Alemanha Oriental, baseado em medidas restritivas e fronteiras em todos os lugares, sem permissão para fazer isso e aquilo. Dançar era outra coisa", diz ele. Peter e a irmã chegaram a competir internacionalmente "Com a música e cercado de pessoas bacanas, eu me sentia livre. Toda vez que eu ia lá para praticar, era sempre como uma fuga. Depois de um tempo, eu estava meio viciado em fazer isso." Seu estilo favorito era samba. E, em dupla com a irmã, ele começou a ganhar vários torneios de dança. "Acho que eu era aquele que praticava muito, e minha irmã era a única de fato talentosa. Ela era ótima, e essa mistura nos fez vitoriosos." "Participamos do campeonato de dança de salão da Alemanha Oriental, em danças latinas, e acabamos em terceiro lugar, o que foi um grande sucesso", afirma. O resultado abriu as portas para competirem internacionalmente — mas o fantasma da solicitação do visto de saída ainda pairava sobre eles. "Depois da cerimônia de premiação, vieram falar com a gente que agora éramos membros da seleção nacional, que poderíamos representar a Alemanha Oriental internacionalmente. Mas, claro, teríamos que retirar o pedido de visto de saída. Do contrário, não nos permitiriam seguir em frente. Houve uma pressão", recorda Peter. "Então eu respondi assim: 'Vamos pensar'. E sempre que voltávamos para casa após algum torneio, eles nos perguntavam: 'E o pedido de visto de saída? Você está disposto a desistir ou não?' E sempre ameaçavam: 'Da próxima vez, vamos impedir vocês de dançar.'" Eles nunca chegaram a cumprir a ameaça, mas Peter já estava decidido a fugir. "Decidi fugir de qualquer maneira. Era muita pressão. Minha decisão estava clara, eu tinha que ir embora." O plano de fuga A ideia de sair ilegalmente do país e se tornar um desertor da Alemanha Oriental era um plano arriscado —e potencialmente mortal. Peter contou apenas à mãe e à namorada — que, para sua surpresa, se ofereceu para ir junto com ele. "Definitivamente, não, eu falei. É muito perigoso. E não quero ser responsável por outra pessoa quando tento atravessar a fronteira." "Ela veio então com a ideia da gente se casar, e quando eu chegasse no oeste, ela poderia solicitar o reagrupamento familiar (basicamente um visto, que permitiria a ela, como esposa, se juntar ao marido na Alemanha Ocidental)." Peter concordou, e os dois se casaram em abril de 1981. Poucos dias antes da data planejada para a fuga, ela anunciou que estava grávida. Mas a gestação não atrapalhou os planos do casal, que decidiu seguir adiante. "O plano era pegar um trem para a Tchecoslováquia, que era um país que podíamos visitar sem visto, apenas com a carteira de identidade e a passagem de trem, por assim dizer. Em seguida, eu atravessaria a fronteira húngara legalmente e desceria para o sul da Hungria", conta. "Parte da fronteira entre a Hungria e a Áustria é cortada pelo Rio Danúbio, e a ideia era atravessar a nado. Do outro lado, estaria a Áustria, um país ocidental livre." A prisão Mas a jornada não foi como ele esperava. "Digamos que foi muito mais curta do que eu planejei" , diz ele. Quando o trem parou no posto de controle da fronteira da Alemanha Oriental, um fiscal entrou no trem conferindo as passagens e os documentos de identidade dos passageiros. "Não me lembro se esse cara perguntou para todo mundo, mas pelo menos para mim, ele falou: 'Por favor, me mostre sua passagem de volta'. E eu não tinha. Tentei explicar, mas ele chamou a polícia." "A polícia entrou no trem perguntando o que eu queria fazer na Tchecoslováquia sem a passagem de volta, onde ia ficar, quem eu via visitar... Dei alguns nomes, mas depois eles pediram o endereço, e não consegui responder direito..." A Polícia Militar foi então acionada — e Peter acabou sendo revistado. "Eles me forçaram a tirar a roupa. E encontraram dinheiro, moeda ocidental, bússola, binóculo e outras coisas", enumera. Ele foi levado para fora do trem, onde foi interrogado por diferentes pessoas durante horas. E, apesar de não ter admitido que pretendia deixar o país ilegalmente, acabou indo parar atrás das grades. Ele foi condenado a 10 meses de prisão, e chegou a passar três meses na solitária. "Foi muito assustador, eu achei. Ninguém com quem conversar. Nenhuma informação. Nenhum contato com a minha família. Nenhum contato nem com os outros presos", descreve. E, enquanto ele estava na prisão, seu filho nasceu. "Eles fizeram com que eu não recebesse a notícia. Estranhamente, não recebi nenhuma carta. Eu soube que ele tinha nascido quando já estava com dois meses." O 'resgate' O que Peter não sabia é que, desde que havia sido detido, seus avós estavam empenhados em libertá-lo por meio de um esquema clandestino armado pelo governo da Alemanha Ocidental, conhecido como programa de compra de liberdade. Peter diz que se sentiu como um 'recém-nascido' quando finalmente chegou à Alemanha Ocidental Na prática, o governo da Alemanha Ocidental pagava pelo resgate de prisioneiros da Alemanha Oriental que haviam tentado escapar do país. Nunca se falou abertamente sobre o programa — que tampouco foi reconhecido por qualquer um dos lados. "Recebi um pedaço de papel, que tinha meu nome escrito e constava apátrida. Alguns dias depois, eu tive que sair da cela, vestir novamente minhas roupas de civil e me juntar a um grupo. Todos tínhamos esse papel, todos éramos apátridas, cerca de 25 pessoas, homens, mulheres, jovens, idosos", relembra. "Nos guiaram até uma praça dentro da penitenciária, onde havia um ônibus à nossa espera. Um homem entrou nesse ônibus, se apresentou como nosso advogado e disse que o ônibus nos levaria para a Alemanha Ocidental." Peter estava prestes, finalmente, a alcançar seu objetivo. "Mas ninguém falou nada. Ficamos todos quietos, duvidando que isso aconteceria. O ônibus saiu da prisão, pegou a rodovia em direção a oeste e depois de um tempo parou, e o motorista anunciou: 'Senhoras e senhores, bem-vindos à Alemanha Ocidental'." "Foi tão fácil. O ônibus cruzou a cortina de ferro em segundos. Em pensar que tantas pessoas morreram nessa fronteira. Foi simplesmente incrível e inacreditável." Peter foi direto para a casa dos avós, e conta que se sentiu "como um recém-nascido". "Como adulto, eu poderia começar uma vida completamente nova no lugar onde queria estar. E essa sensação é tão maravilhosa, tão bonita." A liberdade Logo depois, sua esposa e o filho, que ele ainda não conhecia, puderam se juntar a ele na Alemanha Ocidental. "Foi incrível, claro. Eu já tinha visto fotos dele. Mas conhecê-lo pessoalmente foi simplesmente lindo. Ele já estava com dez meses", recorda. Peter conta que, como refugiado da Alemanha Oriental, ele imediatamente se tornou cidadão da Alemanha Ocidental, com todos os direitos garantidos. E decidiu dar aula de dança de salão. A adaptação não foi um problema para ele, que logo conheceu outros membros da família e fez novos amigos. Foi lá, inclusive, que alguns anos depois ele se sentiu à vontade para assumir a homossexualidade. Não demorou muito para o resto da sua família chegar — seus pais, sua irmã mais nova e, mais tarde, seu irmão mais velho, Ulrich. Perdas Mas a alegria dele não durou muito tempo. "Meus pais e minha irmã se mudaram em 1984, e meu irmão na véspera do Natal de 1985. E meu pai cometeu suicídio dois anos depois. Foi um choque porque eu não consegui ver que iria acabar assim." Ele acredita que o pai não conseguiu se adaptar à mudança: "Na Alemanha Oriental, ele era bem-sucedido, mas depois, na Alemanha Ocidental, com quase 60 anos, ele não conseguiu emprego. Ele realmente enfrentou dificuldades no sistema capitalista", avalia. Pouco depois dele ter tirado a própria vida, em 9 de novembro de 1989, aconteceu a queda do Muro de Berlim, abrindo caminho para o processo de reunificação da Alemanha. E três anos após a reunificação, seu irmão Ulrich morreu vítima de um aneurisma cerebral. A descoberta da traição Vinte anos depois, nos anos 2010, Peter decidiu pedir acesso aos arquivos da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, sobre sua família. E, para sua surpresa, havia mais de 2 mil páginas sobre seu irmão. "Recebi o arquivo do meu irmão, e então encontrei a página onde ele se alistou para ser espião da Stasi", revela. "Parecia um terremoto. Tudo estava se movendo. Eu tive que me apoiar na mesa. Era inimaginável." De acordo com os documentos, Ulrich se alistou em 1983, um ano depois de Peter ter deixado a Alemanha Oriental. "Ele tinha que espionar meus pais, para ver se eles estavam pensando em tomar medidas ilegais para pressionar as autoridades a deixá-los sair; e a mim também, se eu estava na Alemanha Ocidental agindo contra a Alemanha Oriental." Ficha de Peter Keup na Stasi "Mas não consegui descobrir se ele tinha de fato dado informações", acrescenta. No entanto, em 2019, Peter teve acesso a novos documentos sobre o irmão — e a novas revelações. "Uma página era sobre o relatório que meu irmão fez de um encontro entre eu, minha mãe e minha irmã, quando elas ainda moravam na Alemanha Oriental, e nos encontramos em Praga. E meu irmão informou à Stasi que trens pegaríamos, onde nos encontraríamos e os detalhes desse encontro." Ao deixar a Tchecoslováquia, Peter lembra que passou por uma revista rigorosa. "Tive até que tirar minhas roupas de novo, todo aquele alvoroço que eu tinha muito medo que acontecesse." "E isso aconteceu porque meu irmão deu as informações para a Stasi." Descobrir tantos anos depois que havia sido traído pelo irmão foi um duro golpe para Peter. E até hoje ele tem muitas perguntas sem respostas. "Eu daria tudo para encontrá-lo novamente, para perguntar a ele, para encorajá-lo a ser mais aberto e me dizer por que ele fez isso." "Eu queria ter uma explicação." Ele acredita, no entanto, que talvez seu irmão tenha sido pressionado pela Stasi. "Eu sei que a Stasi exercia uma pressão tremenda sobre as pessoas, era assim que a Stasi conseguia seus espiões. E talvez seja isso que aconteceu, meu irmão simplesmente sucumbiu por causa desta tremenda pressão." Peter tentou compartilhar as descobertas com a mãe e a irmã, mas ambas se recusaram a ouvir. Novos rumos A descoberta da traição do irmão foi responsável, no entanto, por uma mudança de rumo na sua vida. Peter hoje é historiador e pesquisador "Eu dirigia uma escola de dança nessa época, abri minha própria escola de dança em 1989, mas quando descobri que meu irmão era um espião, demorei um pouco até conseguir enxergar as coisas claramente de novo." "Vi que a minha história de família estava muito conectada à história da Alemanha. Entender minha situação familiar, minha história de família, provavelmente só seria possível se eu entendesse o todo: a divisão da Alemanha e o que aconteceu na Guerra Fria." Peter decidiu então cursar História da Alemanha na universidade. E acabou se tornando historiador e pesquisador. "Fiz graduação, mestrado e, nesse meio tempo, decidi vender a minha escola de dança e começar uma vida completamente nova." Ao pesquisar sobre o que aconteceu na República Democrática Alemã, Peter passou a ver a história da sua família sob outra perspectiva. "Nosso caso é, na verdade, um caso bem modesto. Ninguém morre, ninguém acaba preso por anos, nenhuma criança é entregue a outra família. E isso aconteceu com outras pessoas." "Descobrir o que realmente aconteceu na República Democrática Alemã, me faz sentir que tivemos até sorte porque as piores coisas não aconteceram com a gente", avalia. Ouça aqui (em inglês) a íntegra do programa de rádio Outlook Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Índios não podem 'ficar parados no tempo', diz novo chefe da Funai
Há dois meses e meio na presidência da Funai, principal órgão federal responsável pela política indigenista, o dentista e pastor evangélico Antônio Costa diz que os povos indígenas devem se inserir no "sistema produtivo" nacional.
Novo chefe da Funai diz que povos indígens devem se inserir no "sistema produtivo" nacional Em entrevista à BBC Brasil, ele diz que buscará recursos em outros setores do governo para financiar atividades econômicas dentro de terras indígenas, como a plantação de grãos, a criação de peixes e a extração de castanhas. "Eles têm de participar dessa cadeia. Os não índios já têm essa prerrogativa, por que os índios, não?" Indicado ao cargo pelo Partido Social Cristão (PSC) e pastor da Primeira Igreja Batista do Guará em Luziânia, cidade goiana vizinha a Brasília, Costa afirma que jamais levou sua "filosofia de vida religiosa" para o trabalho. Mas diz não se opor à pregação religiosa em aldeias e que grupos missionários são importantes parceiros da Funai. "Muitas das coisas boas que as populações indígenas estão recebendo, estão recebendo dessas missões." Especializado em saúde indígena pela Universidade Federal de São Paulo, Costa trabalhou entre 2005 e 2009 na Missão Evangélica Caiuá, associação presbiteriana que presta serviços de saúde a indígenas em Mato Grosso do Sul. Nos últimos anos, passou ainda pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e assessorou o PSC na Câmara dos Deputados. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na última terça-feira na sede da Funai, em Brasília. BBC Brasil - O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, a quem a Funai está subordinada, disse em entrevista recente que se deve "parar com essa discussão sobre [demarcação de] terras, porque terra não enche barriga de ninguém". Este tipo de declaração não enfraquece a Funai? Antonio Costa - Não. O senhor ministro tem uma visão, que é a nossa visão, de que neste momento devemos trabalhar a questão da sustentabilidade para os povos indígenas, até porque o modelo de assistencialismo se esgota a partir do momento em que o Estado brasileiro passa por uma crise econômica e política. Queremos que as populações possam caminhar de forma bem tranquila na produção de seus alimentos, na colheita do extrativismo, na produção daquilo que são capazes de produzir. BBC Brasil - Muitos interpretaram a fala do ministro como um sinal de que a Funai deixará de demarcar terras. Costa - Pelo contrário. Nada parou por aqui e nem vai parar. Enquanto a legislação assim o permitir, caminharemos com o cumprimento daquilo que a Constituição determina. BBC Brasil - O senhor disse em entrevista que, em vez de ser um órgão assistencialista, a Funai precisa ensinar a pescar. Como? Cota - É necessário ensinar as populações indígenas a não depender mais do assistencialismo. Exemplo: índios guaranis são coletores. Temos de dar tecnologia para que eles possam plantar em suas terras e ser cultivadores. BBC Brasil - Como isso seria feito? De onde viriam os recursos? Costa - Temos de buscar junto aos ministérios os programas necessários. Por exemplo, vejo a necessidade de criar um Pronaf [Programa Nacional de Agricultura Familiar] indígena. Se o Ministério da Agricultura financia os não índios, por que não financiar também os índios? Almir Suruí em encontro em 2012 com Rebeca Moore, então gerente do Google Earth, fechando parceria para monitoramento de reserva Temos de buscar mecanismos de financiamento para promover essas populações que são cultivadoras. Vejo populações indígenas que já fazem isso na produção do café, no Mato Grosso, ou na produção do milho e no extrativismo da castanha, em Rondônia. Na Amazônia, [precisa haver] projetos que envolvam o pescado, com tecnologias e armazenamento adequado. Outro projeto que está surgindo agora, e já existe na Bahia há muito tempo, é o ecoturismo, desenvolvido pelos pataxós de Coroa Vermelha. Precisamos aproveitar as terras com qualificação tecnológica, para que os índios possam ter os mesmos recursos que os não índios têm. Para que ocorra competição de mercado e eles venham a vender sua produção. BBC Brasil - A ideia é inserir os indígenas no sistema capitalista? Costa - Não no sistema capitalista, mas no sistema produtivo, na cadeia produtiva. Precisamos dar a eles condições de cultivo, através de patrulha mecanizada, sementes, adubos, ensinar como plantar e colher melhor. Eles têm de participar dessa cadeia. Os não índios já têm essa prerrogativa, por que os índios não? BBC Brasil - Isso não entra em conflito com o modo de vida tradicional de muitos povos, que não buscam o excesso de produção, só o necessário à sobrevivência? Costa - Não interfere na cultura, esses povos querem isso. Aqueles que querem ser produtores para a subsistência, ótimo, estarão produzindo com qualidade. Claro que algumas áreas remotas continuarão sobrevivendo com seu cultivo e extrativismo [em pequena escala]. Mas não vejo como índios do Mato Grosso do Sul, nem do Mato Grosso, onde as terras são férteis, possam ficar parados no tempo, vendo ao seu redor a produção dos não índios crescendo, sem que eles tenham condições de produzir. Eles querem produzir, eles querem ter vida própria. O índio quer universidade, quer ser médico, engenheiro, dentista, enfermeiro, advogado, e temos de dar condições a eles de avançar nesse mercado. Porque essa população jovem que está vindo agora é competidora, ela quer ir para o mercado e merece esse espaço. Os índios americanos são produtivos, têm cassinos. E por que o índio brasileiro não pode produzir? Mas o Estado brasileiro tem de dar condições para eles, e isso nunca foi dado. Eles ficam na clandestinidade. BBC Brasil - O modelo americano é uma inspiração para o senhor? Costa - É um modelo de independência, que os índios brasileiros têm de ter. BBC Brasil - O senhor citou os indígenas em Mato Grosso do Sul. Para muitas comunidades lá, a prioridade é a demarcação de terras. Como resolver esse impasse e concretizar todos esses planos sem que eles tenham terras? Costa - O governo federal precisa pensar que existem demandas reprimidas de demarcações de terras em Estados importantes, principalmente na Bahia, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina. Elas só vão ser resolvidas quando se pensar dentro do Orçamento brasileiro num fundo especial que possa vir a pagar essas demarcações. Se você não demarca, cria-se um acúmulo de retomadas [quando indígenas ocupam fazendas em áreas reivindicadas], e a situação fica inviável. Hoje temos na Funai um passivo de mais de R$ 90 milhões de indenizações que precisam ser pagas a proprietários desalojados, mas elas não fazem parte do orçamento. Precisamos buscar um diálogo entre as três partes: indígenas, donos da terra e governo federal. Muitas terras em disputa ocupadas por não índios são provenientes da União e não têm nem documentos. Isso só será resolvido quando o governo se comprometer. [O antropólogo] Darcy Ribeiro dizia da necessidade de três fatos para a política indigenista. Primeiro, ela precisa de recursos financeiros. Segundo, precisa ter força política. Terceiro, precisa ter bons técnicos. Temos bons técnicos, mas não temos recursos financeiros nem força política. Se conseguirmos os três, diminuímos em 100% os conflitos de terra no Brasil. BBC Brasil - O sr. acha possível que a Funai tenha mais força política num momento em que a bancada ruralista no Congresso é tão influente e tem um integrante inclusive na chefia do Ministério da Justiça? Costa - Ao longo do tempo, a Funai adotou uma política contrária ao Congresso. Tanto que, pela primeira vez na história, nesses 50 anos da Funai, criou-se uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a Funai. Se a Funai se fizer presente no Congresso, ela consegue mostrar o que é, qual sua finalidade. Estamos nos aproximando do Congresso. Já atendemos aqui mais de 40 deputados e senadores de todos os segmentos. Tribo suruí vestia tangas, caçava com arco e flecha e conhecia pouco do Brasil moderno até 1969 A Funai tem de ser tratada como área de segurança nacional. Os empreendimentos hídricos no país se esgotaram, e os grandes mananciais hídricos [restantes] estão nas terras indígenas. Os grandes mananciais da madeira e da floresta se esgotaram ao redor das terras indígenas, e os restantes estão dentro das terras indígenas. As maiores potências minerais do país estão nas terras indígenas. Isso é uma riqueza muito grande para o país. BBC Brasil - O senhor acha que as reservas de minérios, de madeira e o potencial hidrelétrico das terras indígenas devem ser explorados? Costa - A questão da mineração em terras indígenas se arrasta no Congresso há muito tempo. Enquanto isso não se resolve, temos assistido à invasão de garimpeiros, que, aproveitando da falta de legislação específica, acabam criando nas reservas indígenas um verdadeiro caos. Levam doenças, poluição, violência. É preciso que o governo brasileiro e o Congresso deem uma solução rápida a essa questão, regulamentando a mineração em terras indígenas e dando maior poder de vigilância aos órgãos fiscalizadores. BBC Brasil - Quem teria a palavra final sobre esses empreendimentos de mineração? Seria necessária a autorização dos indígenas? Costa - Não, porque as terras são da União. Mas eles deveriam ter uma participação no produto, e com isso haveria uma forma de amenizar os problemas sociais que eles vivem. BBC Brasil - Não haveria um crescimento dos conflitos, já que esses empreendimentos poderiam ser concretizados sem a autorização dos grupos? Costa - A falta de regularização é que tem permitido isso acontecer. Se não houver regulamentação, o garimpo continua existindo. Algumas populações indígenas usam desses garimpos, mas na soma não ficam com nada, só com o produto da garimpagem: a miséria, a fome e a doença. BBC Brasil - A Funai também não se afastou do Congresso porque nos últimos anos se radicalizou ali o discurso contra os indígenas e as demarcações? Costa - Estou tendo um diálogo muito bom com todas as bancadas, inclusive a ruralista. Não vejo no ruralista aquele sentimento contra o índio. Ele tem um sentimento de defesa da sua terra, como o índio também tem. Mas ele quer que a cadeia produtiva chegue também aos índios. Somos irmãos brasileiros e, num momento em que o país está passando por dificuldades financeiras e políticas, não podemos ter essa guerra entre irmãos. Temos mais de um milhão de indígenas, população que em grande parte ainda vive da subsistência da floresta, do extrativismo. São brasileiros que precisam participar da conjuntura do país. BBC Brasil - Nos trabalhos da CPI da Funai, vários congressistas ruralistas - entre os quais o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) - disseram que o órgão tem uma atuação ideológica. Como encara a crítica? Costa - Respeito a opinião do deputado, que é um excelente parlamentar. Vejo que em alguns momentos a Funai passou por esse momento ideológico. A ideologia é muito perigosa. Ela deve ser defendida nas ruas, não dentro das instituições. Mas agora, com o novo olhar que temos na administração, vemos que isso foi um período temporário. BBC Brasil - Refere-se ao último governo, do PT? Costa - É. Justamente por essa falta de relação com o Congresso. Um dos grandes erros do partido foi localizar a administração num só segmento. Não houve abertura a outros partidos não só em termos de cargos, mas de relacionamentos e diálogo. BBC Brasil - O senhor é pastor evangélico. Qual a sua posição sobre a pregação religiosa nas aldeias? Costa - Vejo com a maior naturalidade. Há um preconceito muito grande com evangélicos, mas ninguém fala nada do Cimi (Conselho Indigenista Missionário, órgão ligado à Igreja Católica). BBC Brasil - O Cimi diz que abandonou a pregação há muito tempo. Costa - Será? É o Conselho Indigenista Missionário. Então, não abandonou. Ele tem prestado um bom serviço, é um bom parceiro. Todos os segmentos que quiserem ajudar as populações indígenas são bem vindos, desde que seja com a concordância dos povos. Muitas das coisas boas que as populações indígenas estão recebendo, estão recebendo dessas missões. Não tenho nada contra. BBC Brasil - Há denúncias de indígenas de que algumas igrejas condenam práticas tradicionais, de que algumas delas tratam xamãs como se fossem adoradores do demônio, por exemplo. Isso não é nocivo? Tribo isolada foi identificada e fotografada no Acre Costa - Essas incidências são insignificantes. Dou o exemplo da Missão Caiuá (agência missionária presbiteriana), que tem um hospital dentro da aldeia em Dourados (MS). Se tirar esse hospital de lá, como ficaria a assistência desses povos? BBC Brasil - O Estado não deveria assumir essa função? Costa - Mas quando o Estado não assume, as parcerias têm de assumir. No Mato Grosso do Sul, 95% da população terena é evangélica. Temos pataxós evangélicos na Bahia, com igrejas e tudo. O país está crescendo, mudando. Geralmente a iniciativa de buscar as igrejas parte dos indígenas. BBC Brasil - Existem igrejas - batistas, por exemplo - que pregam abertamente a necessidade de ir às aldeias para catequizar os povos e ampliar seu rebanho. Costa - Não só as batistas. Todas as instituições religiosas que seguem a palavra de Deus têm de buscar pessoas que venham a conhecer a palavra de Deus. Por que os índios não, se é a vontade deles? Eles preservam a cultura, mas estão louvando a seu Deus. Poderiam procurar outras coisas piores. Para nós, não é interferência. A Funai, hoje, diante da dificuldade que tem, não pode ser dar ao luxo de não querer parcerias. BBC Brasil - O senhor foi indicado à Funai pelo Partido Social Cristão (PSC). Qual é sua relação com o PSC e qual o interesse do partido no órgão? Costa- É ótima. Eu dei assistência ao partido durante muitos anos. Tenho na Funai uma função técnica. O partido me escolheu para tentar mostrar que poderia ter um técnico capaz de desenvolver a política indigenista. Tenho procurado mostrar que é possível respeitar a indicação, não a encarando pela ótica do programa do partido, mas pela responsabilidade de cumprir uma missão, tendo em vista que quem me nomeou foi o presidente da República, e (que) hoje pertenço ao governo do presidente Michel Temer. BBC Brasil - O senhor sente algum preconceito na Funai por ser evangélico? Costa - Não, até porque procuro mostrar minha crença com meu testemunho de vida, com o cumprimento do meu dever, no trato com as pessoas da casa. Sempre fui evangélico, desde 2005. Nunca levei para o meu trabalho a minha filosofia de vida religiosa. BBC Brasil - Nunca pregou em aldeias? Costa - Não. Procuro pregar com minha postura, o meu olhar, a minha maneira de atender as pessoas. E com isso creio que estou seguindo o exemplo do Deus que eu sigo: amar ao próximo como a mim mesmo. Eu me amo muito, e quero que meu próximo tenho esse amor da minha parte. BBC Brasil - No fim de março, o presidente Michel Temer e o ministro da Justiça assinaram um decreto que extingue 87 cargos na Funai. Como os cortes afetam o órgão? 'Procuro pregar com minha postura, o meu olhar, a minha maneira de atender as pessoas', diz Costa Costa - É muito preocupante, porque a Funai já vinha passando por dificuldades operacionais na ponta, onde estão nossos maiores usuários, que são os indígenas nas aldeias. Estamos levantando junto às coordenações regionais as necessidades de cada uma e, dentro das que sobraram, vamos fazer um arranjo. Isso vai requerer da nossa parte um orçamento melhor, um equipamento melhor, com veículos e combustível, para que essas áreas não fiquem desassistidas. BBC Brasil - Para muitos que acompanham o órgão, a Funai vive um processo de desmonte, de esvaziamento. Costa - Não acredito nisso, até porque todos os ministérios sofreram cortes. No governo, 5 mil cargos foram extintos. Na Funai, atinge mais porque já vinha sendo fragilizada a instituição. BBC Brasil - Como os cortes recentes afetam o licenciamento de obras pela Funai? Costa - Temos uma coordenação de licenciamento ambiental, e dentro dessa coordenação tínhamos oito técnicos especializados. Infelizmente houve cortes nas funções desses oito técnicos. Já havia nessa coordenação uma necessidade enorme de mão de obra, tendo em vista o crescimento dos empreendimentos no Brasil, especialmente nas terras indígenas. Tenho uma reunião no Ministério do Planejamento para colocar a situação que a instituição está passando e estamos trabalhando com o chamamento de 220 concursados. Creio que, ao chamá-los, poderemos em parte recompor a coordenação para que ela venha minimamente a cumprir sua missão nos licenciamentos ambientais.
Os tóxicos fóruns online criados para ridicularizar festas de casamento
Você acabou de se casar . Ainda está curtindo o começo da nova fase, relembrando a cerimônia e recebendo mensagens de "parabéns", quando se depara com uma foto em rede social de sua roupa ou do menu que você passou meses escolhendo, com uma legenda sarcástica para que outras pessoas possam ridicularizar você e seu dia especial. Bem-vindo ao mundo dos casamentos online.
Grupos em que as pessoas se reúnem para fazer piada com qualquer coisa que tenha a ver com os casamentos estão em ascensão Grupos em que as pessoas se reúnem para fazer piada com qualquer coisa que tenha a ver com os casamentos estão em ascensão. Atualmente, o mais popular é uma comunidade do Facebook, criada no Canadá, com mais de 120 mil membros do mundo todo. Existem cerca de 20 grupos semelhantes no Facebook, que têm de 62 mil participantes a menos de 10. No fórum Reddit, o tópico r/weddingshaming (algo como "casamento da vergonha" em inglês) tem quase 28 mil membros e posts com milhares de votos. Embora os grupos do Facebook sejam privados, é relativamente fácil para qualquer pessoa participar. Basta responder a algumas perguntas, como "Qual foi a experiência de casamento mais 'ridícula' que você testemunhou?", e explicar como encontrou o grupo, para que moderadores possam avaliar suas intenções e filtrar os trolls – gíria da internet para usuários que buscam provocar e irritar os outros. Mas ali não é um bom lugar para aqueles com nervos à flor da pele (apesar de os participantes concordarem em seguir regras sobre comentários depreciativos a respeito de raça, religião, orientação sexual ou gênero – que podem render uma expulsão, assim como falar sobre temas não relacionados à comunidade), e nem para os que buscam ideias para um casamento dos sonhos. Fim do Talvez também te interesse Uma rápida olhada no conteúdo publicado no maior destes grupos revela postagens sobre de tudo um pouco, desde o mau comportamento de padrinhos e madrinhas a decorações de gosto duvidoso, fotos constrangedoras e noivos que não parecem ter se dado muito trabalho com seu visual, para a própria festa de casamento. "A noiva merece mais", diz um comentário. "Ele tirou essas calças do The Walking Dead?", afirma outro. "Ecaaaaaaa", exclama mais um. Isso sem falar no fluxo constante de postagens de vestidos de noiva feitos com "a cortina de chuveiro da vovó". Mas nem tudo é veneno. As postagens mais curtidas costumam ser as mais engraçadas, como uma criança que invadiu a cerimônia e "apareceu em todas as fotos" (1,2 mil curtidas) ou a convidada que mostrou mais do que deveria para a família do namorado depois que seu vestido rasgou (6,1 mil). Um espaço para desabafar? Enquanto os relatos sobre a indelizadeza de madrinhas e padrinhos sempre chamam a atenção (como o de uma madrinha que não apareceu e nem mandou mensagem para avisar – 2,2 mil interações), as postagens mais sinceras também se saem bem – como o vendedor de uma boutique que escreveu uma mensagem dizendo para as noivas pararem de se sentir pressionadas a emagrecer (1,6 mil). Esses grupos parecem ter começado como um espaço para desabafar sobre casamentos. Anton, de 22 anos, administra o maior grupo do tipo do Facebook com sua namorada. Ele discorda que este tipo de espaço encoraje comportamentos tóxicos. "O grupo não existe nem há um ano e tem quase 120 mil membros e cerca de 2 milhões de interações por mês. É um ambiente semelhante ao que você veria em qualquer outro lugar na internet – há coisas boas, ruins e péssimas." Mas Anton não se sente mal quando a situação fica péssima? "O termo wedding shaming é incompreendido muitas vezes. Muitas pessoas entram no grupo para obter opiniões honestas. Muitos membros o veem como o melhor amigo que gostariam de ter – alguém com quem se possa fofocar, que será honesto com você e te fará rir. Se você enxergar além dos comentários maliciosos, é realmente um bom grupo." Mas "melhores amigos" não fazem piada com suas histórias de pedidos de casamento nem postam emojis para ridicularizar a decoração de sua festa, certo? Tendência de ridicularizar casamentos na internet ganhou força em 2018 "Ocultamos alguns comentários ou pedimos a alguns membros que peguem leve", diz Anton. "Acho que tudo se resume a quem está atrás do teclado." Essa tendência de ridicularização online se tornou popular em agosto de 2018, quando, em um post de um grupo que afirma ser o "original", uma noiva foi criticada por pedir a seus convidados que pagassem cerca de US$ 1,5 mil (R$ 6,3 mil em valores atuais) para participar do casamento. A história viralizou depois que foi compartilhada pela modelo Chrissy Teigen. Os moderadores do grupo disseram à revista Wired que pensavam ter criado um espaço amigável em que as pessoas compartilhassem suas frustrações. "Não ligo para o que alguém pensa sobre nosso grupo", disse um administrador. "É um lugar onde as pessoas podem desabafar sobre suas experiências malucas de casamento". Outro descreveu o grupo como um equivalente a assistir a reality shows: "Se algo não for ridículo, não vamos ridicularizar". Desde então, esses grupos do Facebook cresceram exponencialmente. De acordo com um dos membros destes grupos, Orla, de 25 anos, tudo não passa de humor satírico. "Adoro ver todas as ideias malucas de casamento que as pessoas têm", diz. Crueldade e entretenimento Para outros, é um processo de catarse. "Minha amiga virou um pesadelo ao planejar seu casamento. Tudo o que ela fazia, especialmente nas redes sociais, era tão egocêntrico – como se ela fosse a única pessoa do mundo a se casar", diz Hannah, de 32 anos. "Isso me deixou louca. Pesquisei 'noivas terríveis' no Google e cheguei ao grupo. Ver as experiências de outras pessoas com demandas nupciais irracionais me fez sentir melhor. Foi bom participar e desabafar sobre minha amiga. Não me importei se a ofenderia, porque ela nunca descobriria." Depois, há aqueles que estão cientes do fator crueldade – e, ainda assim, continuam participando. "O conceito todo é um pouco ridículo por si só. Gera negatividade e maldade e não ajuda ninguém", diz Kathryn, de 26 anos. "Mas amo o fator entretenimento. Pelo menos, você aprende o que não fazer em casamentos." Independentemente das motivações individuais das pessoas, a mensagem é clara: existe um lugar na internet com uma audiência cativa esperando para ridicularizar os dias especiais das outras pessoas, e os posts mais bizarros ou brutais viram manchete de sites de notícias. Kat Williams, fundadora da revista digital sobre casamentos Rock'n'Roll Bride, descobriu a tendência há seis meses, quando soube que membros do grupo de Facebook de sua publicação, que tem 15 mil inscritos, estavam fazendo cópias de fotos dos casamentos de outros membros e as publicavam nestes grupos. "Eles ridicularizam principalmente as roupas das pessoas, como um casal fotografado em um barco em que a noiva usava uma jaqueta fofa, e o noivo, um kilt. Não entendi por que, para eles, aquilo é tão ridículo", diz Williams. "Acho que algumas pessoas veem algo incomum ou diferente e julgam, porque isso provavelmente as faz se sentir melhor sobre suas próprias vidas. Mas eles nunca conseguirão ser mais felizes jogando os outros para baixo." Um padrão do 'casamento perfeito' Kate Beavis, que administra um blog de casamento, acha que outras plataformas de mídia social estão inadvertidamente alimentando essa tendência. "O Instagram e o Pinterest nos dão uma visão de como seria um casamento 'perfeito', e o que não for assim não é bom o suficiente para algumas pessoas", afirma Beavis. "Mas essas imagens são geralmente alteradas digitalmente ou feitas profissionalmente, com modelos. Portanto, ainda que essas plataformas possam servir de inspiração, elas criam um padrão na mente de algumas pessoas sobre como a festa deve ser." Dada a seriedade com que algumas pessoas encaram os casamentos, ter um espaço online (semi)privado para falar mal de uma cerimônia pode ser visto como um antídoto para os aspectos altamente públicos e performativos dos casamentos que estamos tão acostumados a ver nas redes sociais. No entanto, passe bastante tempo nestes grupos – principalmente, lendo os comentários – e verá que por trás das histórias nupciais e tolas, há um ambiente de ódio online. Criticar outras pessoas nas mídias sociais por seu visual ou pela forma como agem em seus relacionamentos não é uma novidade. Mas essa proliferação de grupos criados com o único objetivo de criticar os dias especiais de outras pessoas levanta uma questão-chave: por que algumas pessoas não podem simplesmente ficar felizes pelas outras? Comunidades de ódio online A psicóloga Emma Kenny tem pesquisado comunidades de ódio online. "Algumas dessas pessoas podem ter características conhecidas como Dark Triad Personality (DTP; tríade negra da personalidade, em tradução livre), em que há altos níveis de narcisismo, maquiavelismo e psicopatia", diz ela. "Geralmente, se fazemos algo desagradável, isso nos deixa irritados, nervosos ou zangados conosco, mas as pessoas com características de DTP não têm esse reforço negativo, então, buscam oportunidades de ser o mais horríveis e grotescas que puderem com outras pessoas." Por que algumas pessoas gostam tanto de criticar ou ridicularizar os outros na internet? Esse tipo de pessoa tende a achar que, se "alguém está melhor do que eles, esta pessoa não tem absolutamente nenhum direito a isso", diz Emma. Mas, quando um grupo tem milhares de membros, um tipo de personalidade pode ser suficiente para dar conta de toda essa história. Emma acrescenta: "Esse é um caso extremo, mas você também tem pessoas que podem se sentir deprimidas com a própria vida e participam porque desabafar as faz se sentir menos sozinhas. É um terreno fértil para a maldade". Mesmo que você não se enxergue nisso, Emma desaconselha participar desses grupos. "Quanto mais as pessoas fazem isso, maior a probabilidade de dessensibilizarem a si mesmas, além de perturbar os outros. Isso pode transformar as pessoas em monstros, e essa toxicidade pode transbordar para o mundo físico", afirma a psicóloga. "As pessoas devem ter cuidado ao se envolver com esses grupos ou só se divertir às custas do casamento de outra pessoa, porque podem se transformar em alguém desagradável." Vamos ser sinceros: as pessoas sempre terão uma opinião sobre casamentos, na internet ou fora dela. Mas uma coisa é fazer um comentário malicioso a um convidado ou à noiva. Outra é ridicularizá-los totalmente na frente de milhares de estranhos. E, infelizmente, a popularidade desses grupos de wedding shaming não dá sinais de que atingiram seu pico, já que atualmente dezenas de postagens são aprovadas e publicadas a cada hora. "Minha namorada pensou seriamente em fechá-lo algumas vezes por causa do enorme tempo que demanda", diz Anton. "Não acho que alguém diria ser aceitável ridicularizar os casamentos de outras pessoas, mas, para algumas pessoas, fazer e receber comentários sobre seus casamentos pode ser interessante, porque muitas pessoas têm medo de ser honestas com os noivos." A editora da Rock'n'Roll Bride não acredita que a tendência vá arrefecer tão cedo, mas diz estar lutando contra quem dissemina o ódio. "Sempre publico coisas em nossas redes sociais que são positivas e inclusivas – como um casamento recente em Las Vegas em que o noivo era crossdresser e usava o mesmo vestido da noiva –, e a resposta é incrível. Felizmente, isso atrai pessoas positivas, que superam aquelas que só querem reclamar." Um brinde a isso. *Os nomes dos entrevistados foram alterados. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Milhares de fiéis tentam ver 'imagem' de Cristo em Gana
Milhares de pessoas em Accra, capital de Gana, no oeste africano, fizeram fila na porta de uma igreja católica em busca da oportunidade de ver a imagem do rosto de Jesus Cristo que teria aparecido em uma parede do prédio.
A imagem tem o tamanho da palma da mão de um adulto e apareceu em uma pedra de mármore dentro da gruta da igreja. Os fiéis comparam a aparição da imagem à aparição da Virgem Maria em Lourdes, na França, retratada na Bíblia. A imagem é mais clara quando vista à distância do que de perto. Duas velas foram acesas em frente da pedra. Peregrinação Muitos fiéis que visitaram a gruta da Igreja Católica Maria Margaret, em Dansoman, no subúrbio de Accra, tocaram a imagem e disseram acreditar que podem ser abençoados ou curados de doenças que os médicos não conseguem tratar. Os fiéis que se dirigiram ao local saíram de diferentes pontos do país, até mesmo de Kumasi, que fica a 300 quilômetros da capital de Gana. O padre John Straathof disse que fiéis da congregação descobriram a imagem no último sábado. Logo em seguida, a história se espalhou e os fiéis começaram a se aglomerar na igreja.
Talebã ataca hotel de luxo na capital do Afeganistão
Um porta-voz da milícia Talebã, que governou o Afeganistão até 2001, anunciou que quatro de seus membros, um deles um homem-bomba, atacaram um hotel de luxo popular entre estrangeiros na capital do país, Cabul, nesta segunda-feira.
Há informações de que até 12 pessoas morreram no ataque no hotel Serena. O porta-voz, Zadihullah Mujahid, disse à BBC que os quatro homens estavam armados com metralhadoras, granadas e jaquetas explosivas. Um hóspede disse à BBC que houve uma grande explosão seguida de tiros. Como medida de segurança, os hóspedes foram levados às pressas para o porão do prédio. Noruega O ministro noruegês do Exterior estava no Serena na hora do ataque, mas não ficou ferido.Muitos trabalhadores estrangeiros costumam ficar hospedados no hotel Serena, que tem um rigoroso sistema de segurança. Em dezembro, o Talebã fez dois ataques com homens-bomba em Cabul, matando 13 pessoas em um dos incidentes. No final de dezembro, um ataque com foguete perto da residência do governador em Cabul matou outras cinco pessoas.
Robôs participam de 'olimpíada' nos EUA; assista
Mais de 800 atletas mecânicos de todo o mundo participam dos RoboGames, em São Francisco, nos Estados Unidos - uma verdadeira olimpíada para robôs.
As modalidades da competição internacional incluem 'acrobacia', 'levantamento de peso' e 'combate'. Os construtores de robôs se empenharam em criar seus 'atletas', mas o organizador do evento, David Calkins, reconhece que a tecnologia ainda está engatinhando. O criador do robô ''Eugene'', Billy Moon, disse que acha o hobby uma "responsabilidade social". "Se não fosse isso, talvez nós estivéssemos explodindo fogos de artifício no quintal ou depredando carros", afirmou o entusiasta de robótica e tecnologia.
Cortes na ciência geram êxodo de cérebros, congelam pesquisas e vão punir Brasil por décadas, diz presidente da academia
Os pesados cortes de recursos para a área de ciência e tecnologia feitos pelo governo federal estão levando a produção científica brasileira a um "estado terminal", interrompendo pesquisas, acelerando o êxodo de cérebros e gerando uma lacuna que "vai penalizar o Brasil por décadas", afirma o presidente da Academia Brasileira da Ciências (ABC), Luiz Davidovich.
Êxodo de pesquisadores se agrava com corte de investimentos devido à crise econômica do Brasil Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o físico carioca alerta para as grandes perdas trazidas pelo corte dramático imposto pelo governo Temer ao orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e Comunicações em março deste ano, levando a verba para ciência ao patamar de 12 anos atrás. O corte de 44% no orçamento para 2017, de R$ 5,8 bilhões para R$ 3,2 bilhões, repercutiu internacionalmente, deixando cientistas brasileiros "horrorizados", segundo artigo na prestigiosa revista científica Nature. "Espanta-me que justamente em uma época de crise tão grave, não se dê atenção à porta de saída da crise, já descoberta por outros países há muito tempo. É pesquisa e desenvolvimento, é ciência e inovação tecnológica. Nós estamos indo na contramão dessa consciência internacional", afirma Davidovich, citando países como China, Cingapura, Coreia do Sul e membros da União Europeia como exemplos. Em entrevista à BBC Brasil, o físico disse que laboratórios estão sendo forçados a interromper pesquisas por falta de dinheiro, que a fuga de cérebros está se acelerando e que o cenário sombrio é um desestímulo para jovens que cogitam ou poderiam cogitar uma carreira científica. Davidovich ressalta que a produção científica depende de continuidade e envolve uma corrida constante com outros países. "Se você quer construir uma estrada e o país enfrenta uma crise financeira, você pode atrasar a obra. Ciência e tecnologia você não pode atrasar, porque perde a corrida. Você não tem como recuperar o atraso", alerta. Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira da Ciências Leia abaixo os principais trechos da entrevista. BBC Brasil: O senhor tem sido muito enfático em relação aos danos causados pelos cortes no orçamento científico do país. Qual foi a dimensão desses cortes? Luiz Davidovich - A crise está geral no Brasil, mas na parte de ciência e inovação tecnológica houve um corte muito grande em cima de orçamento que já era pequeno. Em 2013, tivemos um pico no orçamento, mas desde então começou a haver cortes sucessivos. Em março, houve um corte de 44% em todos os ministérios, exceto nos da Educação e Saúde, que têm seus orçamentos protegidos pela Constituição. Um governo que aplica um corte linear em todas as áreas mostra que não tem prioridade, não tem agenda nacional. Isso contrasta com a posição de outros governos, de países com grande ímpeto desenvolvimentista, como China, EUA, Israel, União Europeia, Coreia do Sul. BBC Brasil - Qual é a posição adotada por esses países? Davidovich - Em épocas de crise, eles aumentam o investimento em pesquisa e desenvolvimento. A União Europeia chegou a um acordo pelo qual pretende destinar 3% do PIB a pesquisa e desenvolvimento (P&D) até 2020. Nos EUA, até o ano passado, se aplicava em torno de 2,7% do PIB em P&D. A China está com crescimento desacelerado, mas ao mesmo tempo está investindo mais em pesquisa. Em plena crise, o primeiro-ministro (Li Keqiang) anuncia que vai aumentar o investimento em pesquisa básica em 26%. O que isso significa? Esses países entendem que o investimento em pesquisa é a melhor maneira de sair da crise de forma sustentável. Contribui para aumentar o valor agregado de seus produtos e aumentar seu protagonismo. Enquanto isso, o Brasil está fazendo o quê? Está retraindo os investimentos, cortando violentamente. A ponto que chegamos a um estado terminal. É S.O.S. para a ciência no Brasil. Chegamos a um ponto em que equipes estão sendo fechadas e encerrando os seus trabalhos. Espanta-me que justamente em uma época de crise tão grave, não se dê atenção à porta de saída da crise, já descoberto por outros países há muito tempo. Nós estamos indo na contramão dessa consciência internacional. BBC Brasil - Mas o Brasil está tentando sair da recessão mais grave em décadas. Dá mesmo para comparar a situação aqui com países como China, Coreia do Sul ou Israel? Davidovich - Nos anos 1990, a Coreia do Sul era considerada mais atrasada que o Brasil. Mas o país investiu pesadamente em ensino básico, ensino técnico e pesquisa e desenvolvimento, apoiando grandes empresas, e passou à nossa frente. Eles têm cinco escolas nacionais para formar professores de ensino fundamental. A profissão de professor é valorizada, com salário compatível com o de outras profissões graduadas. A Eslováquia, nos anos 1990, passou por problemas políticos e econômicos tremendos. Eles fizeram reformas econômicas importantes, mas ao mesmo tempo resolveram apostar na inovação. Hoje estão muito à nossa frente no Índice Global de Inovação. O Brasil está em 69º lugar no índice, atrás do México, da Rússia, da Índia e da África do Sul. A Eslováquia está em 34º lugar. Decidiu investir no que se chama hoje de deep tech - as tecnologias profundas, que revolucionam nosso cotidiano - e se tornou um polo de inovação. Em muito pouco tempo, superou a crise de maneira inteligente, e hoje está aí, concorrendo no mercado global. BBC Brasil - Mas vemos no Brasil uma crise generalizada, com falta de recursos para todas as áreas, seja ciência ou cultura. O senhor defende que a ciência e tecnologia mereçam tratamento diferente? Davidovich - Essa questão de não ter dinheiro é discutível, porque se você olha para os acordos que estão sendo costurados no Congresso, para que os deputados votem a favor da reforma da Previdência, eles vão custar muito caro. O BNDES já está revendo a política de parar de conceder créditos subsidiados para empresas. Mesmo no auge dessa crise, os lucros dos bancos continuam aumentando. Há recursos no sistema. A questão é como eles estão sendo usados. A questão é de escolha de prioridades. Agora, por quê empregar recursos em ciência e tecnologia e não em outras áreas? Por que essa área merece uma atenção especial? Porque investir em ciência e tecnologia permite mudar o padrão de produtos de um país. Permite que países que sobrevivem da exportação de commodities, como o Brasil, passem a contar com uma pauta de exportação com produtos de alto valor agregado. É uma opção que permite gerar mais recursos para o país, para dar a volta por cima da crise. BBC Brasil - Onde a situação é mais grave? Davidovich - Nos Estados que enfrentam crises financeiras, como o Rio, porque neles as fundações estaduais de amparo a pesquisa também estão com problemas. Nesses Estados, a situação é de terror. No Rio, por exemplo, você tem laboratórios que fazem trabalhos extremamente importantes e de repercussão internacional, como as pesquisas feitas na UFRJ sobre o vírus Zika e microcefalia. As contribuições foram publicadas nas melhores revistas internacionais e estão no caminho correto de encontrar meios de debelar essas doenças, mas os pesquisadores estão enfrentando problemas. Há pesquisas muito importantes sobre doença de Alzheimer que também estão com sérios problemas. Esses grupos precisam de insumos biológicos para fazer seus experimentos, mas não há mais recursos para esses insumos. Com isso, os laboratórios estão parando. E param também as teses que estão sendo desenvolvidas, os trabalhos de mestrado e de doutorado que se destinam a formar os pesquisadores de amanhã, aqueles que, no futuro, vão combater as epidemias emergentes, como a zika, ou agora a febre amarela. O risco que o país está correndo é de termos um gap na formação de cientistas e de não termos pesquisadores que possam atacar problemas que afetam a saúde da população nos próximos dez, 15 anos. Pesquisa do vírus Zika já está prejudicada devido à crise, segundo Davidovich BBC Brasil - Já há um claro impacto da crise econômica e do corte de recursos sobre a fuga de cérebros, motivando pesquisadores a deixar o país e buscar refúgio em países e universidades onde consigam verba para desenvolver seus trabalhos? Davidovich - Esse processo está muito acelerado. Há dois meses, quando jornalistas me perguntavam se estava havendo êxodo de cérebros, eu dizia: "Tem um ou outro caso, mas as pessoas ainda estão esperando para ver se melhora". Há apenas dois meses. Agora não. As pessoas estão claramente optando por sair do Brasil. Estou em contato com equipes do Rio que estão perdendo metade de seus pesquisadores. Colegas estão dizendo que vão sair porque não têm mais condições de continuar a pesquisa. Até aqui, usavam insumos que tinham comprado antes. Agora, acabaram os insumos. Quem trabalha com física, por exemplo, que é a minha área, usa laser nos laboratórios. Laser tem uma vida média. Se ele queima, acabou o experimento. E aí acabam as teses realizadas nesses laboratórios. Isso já está acontecendo. BBC Brasil - Que efeitos o senhor acha que isso trará para o país no futuro? Davidovich - Talvez o problema mais sério, e que já estamos detectando, é como isso afeta os jovens. Quando alunos veem que seus professores, como os da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), duramente afetada pela crise estadual, estão sem receber salários e com dificuldade de pagar as contas mensais, eles começam a pensar: "Essa profissão é complicada. O pessoal não tem recursos. Não vou querer ser professor universitário ou pesquisador. Vou procurar outra coisa". Passam a considerar que a área é pouco prestigiada e que o governo não se interessa por ciência. Isso está dificultando a atração de jovens para a pesquisa. E o Brasil precisa muito desses jovens. Porque temos grandes desafios. Temos uma matriz energética que é uma das mais limpas do mundo, temos sol, temos água, temos biomas que têm produtos de biodiversidade a descobrir. Conhecemos apenas 5% de nossa biodiversidade. Explorar isso significa poder fazer remédios e usar uma capacidade e uma vantagem competitiva do Brasil. Nós temos essa biodiversidade, os outros não têm. E precisamos usá-la de forma sustentável, sem destruir a floresta, de modo a fazer medicamentos e produtos de alto poder agregado. Para isso precisamos de mais pesquisadores. Prolongada crise na Uerj pode ter repercussões na decisão de pesquisadores de seguirem rumos fora da pesquisa ou do país BBC Brasil - O Brasil passou por um momento de euforia na última década que foi acompanhada por um aumento expressivo nos investimentos na área de pesquisa e ciência. Quando a situação começou a se deteriorar? Davidovich - Os cortes começaram já no governo da Dilma (Rousseff). Nós protestamos contra, a ABC, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Quando o governo mudou (e o presidente Michel Temer assumiu), os cortes continuaram. Com o agravante de que houve a agregação do antigo Ministério de Comunicações ao Ministério de Ciência & Tecnologia. Na época, foi dito que isso traria mais recursos, pela importância política da pasta das Comunicações, mas o efeito foi o contrário. Depois dos últimos cortes, o orçamento do novo MCTIC passou a ser de R$ 3,2 bilhões de reais. Muito bem. Destes, R$ 700 milhões são para a parte de Comunicações, e que deixa R$ 2,5 bilhões para ciência e tecnologia. Em 2010, o orçamento do ministério, corrigido pela inflação, equivalia a cerca de R$ 10 bilhões. Ou seja, o orçamento de hoje é da ordem de ¼ do que tínhamos em 2010. Isso mostra uma falta de rumo do governo, ou então um rumo que está na contramão do que está acontecendo internacionalmente. Isso vai penalizar o Brasil nas próximas décadas. BBC Brasil - Qual é o efeito da ruptura gerada pelos cortes sobre a produção científica? A dinâmica de uma pesquisa permite que seja interrompida e retomada? Davidovich - A produção científica depende de continuidade. No mundo de hoje, se você para, você perde a corrida, porque os outros não estão parando. Aliás, não basta nem correr, você precisa correr mais rápido que os outros. Se você quer construir uma estrada e o país enfrenta uma crise financeira, você pode atrasar a obra. Ciência e tecnologia você não pode atrasar, porque perde a corrida. Você não tem como recuperar o atraso. Por isso que, em plena crise, esses países que mencionei aumentam investimento em pesquisa. A China está aumentando. E com isso está ganhando protagonismo internacional, o que nós estamos perdendo. O quadro é dramático. Se você interrompe uma pesquisa de biologia, você perde a prioridade. Outros países vão obter a patente. E depois nós vamos pagar pelas patentes que eles estão obtendo. BBC Brasil - Mas o Brasil nunca conseguiu ser uma potência na área científica. O país tem condições de disputar dessa corrida mundial? Nos momentos de maior euforia, quais foram os principais avanços nessa disputa? Davidovich - Já tivemos momentos melhores. Os primeiros dez anos do século 21 foram auspiciosos, com mais verba para pesquisa. Mas sempre enfrentamentos altos e baixos. Sempre enfrentamos descontinuidade no apoio à pesquisa. E mesmo com esse apoio bastante incerto, flutuante, sujeito a interrupções, a ciência brasileira conseguiu coisas fantásticas no cenário mundial. A Petrobras ganhou prêmios internacionais na exploração de petróleo em águas profundas, isso através de uma cooperação muito forte com várias universidades brasileiras, envolvendo um grande leque de profissionais. A Embraer ocupa um nicho importante no mercado internacional de aviões. Uma empresa nascida em Santa Catarina, em cooperação com o departamento de engenharia mecânica da UFSC, transformou-se na maior empresa de compressores do mundo. São muitos exemplos de sucesso de empresas brasileiras com base científica. Apesar de todas essas interrupções e dificuldades, isso demonstra a capacidade de invenção e a criatividade da ciência brasileira. Imagine o que não poderíamos fazer se houvesse uma política de estado de apoio à pesquisa e desenvolvimento, um fluxo contínuo que não sofresse altos e baixos dependendo de quem está no poder. Nós poderíamos ter ido muito mais longe. BBC Brasil - E essa falta de continuidade gera prejuízos para a economia do país no futuro, a seu ver? Davidovich - É importante o país ter uma dianteira em pesquisas para fazer economia no futuro. Faremos economia por não ter que pagar pelas patentes e ganharemos mais recursos porque teremos qualificado a nossa pauta de exportações. É questão até de soberania nacional e econômica. Quando você aumenta o valor agregado dos produtos exportados, você passa a ter mais controle sobre a sua própria economia. Se você considera, por exemplo, a agricultura, que é uma fonte de riqueza tão grande para o país. Parte disso é graças à ciência brasileira, que descobriu um processo para aumentar a produtividade da soja em quatro vezes. Na mesma superfície de terra, você colhe quatro vezes mais grãos. Algumas décadas atrás, soja não florescia no Mato Grosso. Com a ciência brasileira, passou a ser uma das grandes riquezas do Estado. Mas hoje, centros de pesquisa de prestígio nessa área, como a Universidade de Viçosa e a Embrapa, estão com dificuldades. Há duas décadas, a Embrapa contava com equipamentos para pesquisa que eram o estado da arte. Hoje estão defasados, e a própria agricultura está ameaçada pela falta de renovação de equipamentos e de investimentos em pesquisa. Na África os avanços brasileiros na produção de soja já são conhecidos, e a China está comprando muita terra no continente. E se passarem importar soja de lá, que é muito mais perto? Se não houver inovação constante até na área de commodities, estamos jogando um jogo muito arriscado. Se você para de atualizar a produção com ciência e tecnologia, ela fica obsoleta. Porque é uma corrida, e temos que nos atualizar sempre. Orçamento enviado ao Congresso para 2018 destina ainda menos recursos para ciência e tecnologia BBC Brasil - Como o senhor vê o impacto da aprovação da emenda constitucional que estabelece um teto de gastos públicos para o governo federal ao longo dos próximos 20 anos? Que impacto terá para a ciência? Davidovich - É um grande equívoco, um trágico equívoco, considerar que recursos para ciência são gastos. Eles são investimentos. É muito importante fazer essa diferenciação. Se você considera que são gastos, corre o risco de o país ficar paralisado. Você estabelece o teto de gastos, mas não consegue mais aumentar o PIB, porque ele dependeria de investimentos que você não poderá fazer. É muito preocupante que a ciência esteja dentro do teto de gastos. Pior ainda, o orçamento enviado pela equipe econômica para o Congresso para 2018 agrava ainda mais a situação do ano que vem, com ainda menos recursos para ciência e tecnologia. Isso reflete a ignorância de quem está conduzindo a política econômica em relação ao papel da ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país. Essa é a saída, essa é a luz no final do túnel. BBC Brasil - O senhor vê alguma perspectiva de melhora no momento atual? Davidovich - Está difícil ver a luz no fim do túnel. É claro que a gente considera que a saída para o Brasil está na ciência, na inovação tecnológica e na educação de qualidade para todos. Esse foi o segredo da Coreia, de Israel, de Cingapura. Não existe um milagre coreano. Existe uma política que eles implementaram dando uma importância muito grande para educação básica, formando técnicos e promovendo inovação tecnológica. É isso. Não tem mistério.
Ataque ao conhecimento é a maior ameaça global na era da pós-verdade, diz pesquisadora
A pandemia de covid-19 deixou uma coisa clara: é muito difícil coordenar o comportamento de uma sociedade inteira — mesmo quando se trata de uma questão de vida ou morte.
Enfrentar futuras pandemias pode ser mais difícil se ninguém acreditar em nada do que lê ou vê Pense na reação das pessoas à vacinação. Para que o mundo derrote o novo coronavírus, a maioria da população precisa concordar em tomar a vacina, e poucos governos democráticos optariam por torná-la obrigatória. No entanto, ainda existe uma hesitação significativa em relação à vacina no mundo todo. Se esse grupo fosse grande o suficiente, uma das nossas rotas mais promissoras para acabar com a pandemia estaria comprometida. A recusa desses indivíduos afetaria todo mundo, até quem foi vacinado. Esse tem sido um tema recorrente na pandemia: em vários momentos, autoridades de saúde pública e políticos tentaram persuadir as pessoas a adotar comportamentos que beneficiam tanto a si próprias quanto suas comunidades, desde o distanciamento social até o uso de máscaras. Fim do Talvez também te interesse Muitas pessoas aderiram, mas algumas foram mais resistentes às recomendações. Informações falsas sobre vacinas e máscaras, tratamentos ineficazes e rumores infundados sobre as origens da covid-19 tornaram extremamente difícil coordenar o comportamento dos cidadãos. Esta resposta fragmentada a um grande evento mundial demonstra uma tendência preocupante que é um mau presságio para outras crises que poderemos enfrentar no século 21, de futuras pandemias às mudanças climáticas. Na era da pós-verdade, está se tornando cada vez mais difícil garantir que todos estejam bem informados. Em outras palavras, mesmo que estivesse claro como salvar o mundo, um ecossistema de informações degradado e não confiável poderia impedir que isso acontecesse. Há várias tipos diferentes de segurança — mas devemos estar atentos mais do que nunca à 'segurança epistêmica', segundo especialistas Em um relatório recente (em inglês) publicado pelo Instituto Alan Turing, no Reino Unido, meus colegas e eu argumentamos que essa mudança é nada menos do que uma ameaça à própria segurança global. Os termos "segurança nacional" ou "cibersegurança" são familiares. Mas defendemos que mais atenção deve ser dada à "segurança epistêmica" — porque sem ela, nossas sociedades perderão a capacidade de responder aos riscos mais graves que enfrentaremos no futuro. Se a segurança doméstica diz respeito a garantir que nossos pertences estão seguros, a segurança financeira se propõe a manter nosso dinheiro seguro, e a segurança nacional trata de manter nosso país seguro, então segurança epistêmica significa manter nosso conhecimento seguro. Episteme é um termo filosófico grego que significa "saber". A segurança epistêmica, portanto, envolve a garantia de que realmente sabemos o que sabemos, que podemos identificar alegações sem fundamento ou que não são verdadeiras, e que nossos sistemas de informação são robustos a "ameaças epistêmicas", como notícias falsas. Em nosso relatório, analisamos potenciais contra-medidas e áreas de pesquisa que podem ajudar a preservar a segurança epistêmica em sociedades democráticas. Mas neste artigo, vamos examinar quatro tendências principais que exacerbaram o problema e tornaram cada vez mais difícil para as sociedades responderem a desafios e crises urgentes: 1. Escassez de atenção No século 13 — bem antes da invenção da imprensa na Europa —, estudiosos já reclamavam da sobrecarga de informações. Em 1255, o dominicano Vicente de Beauvais escreveu sobre "a infinidade de livros, a falta de tempo e os deslizes da memória". No entanto, a internet tornou quantidades enormes de informações difíceis de verificar mais facilmente acessíveis do que nunca. É complicado filtrar que boatos são verdadeiros e quais não são. Nossa capacidade limitada de atenção é simplesmente muito dispersa. Os chamados filtros bolha podem levar a comunidades que vivem lado a lado com crenças radicalmente diferentes A abundância de informações e as limitações de atenção criaram uma "economia da atenção" feroz, na qual governos, jornalistas, grupos de interesse, entre outros, precisam competir por visualizações. Infelizmente, algumas das estratégias mais eficazes para chamar a atenção apelam para as emoções e crenças existentes das pessoas, e essas fontes são ambivalentes quanto à verdade. 2. Filtro bolha e racionalidade limitada Uma consequência particularmente preocupante da economia da atenção é a formação de filtros bolha, em que as pessoas são expostas sobretudo às suas próprias crenças, e pontos de vista divergentes são filtrados. Diante da sobrecarga de informações, as pessoas preferem naturalmente prestar mais atenção a indivíduos com a mesma mentalidade que pertencem a suas próprias comunidades do que a desconhecidos de fora. Por meio das plataformas de rede social, é mais fácil do que nunca formar e fazer parte de comunidades unificadas por crenças e valores compartilhados. A consequência epistêmica dos filtros bolha é chamada de "racionalidade limitada". Se o acesso à informação é a base do bom raciocínio e da tomada de decisão, então limitar o acesso de alguém a informações potencialmente relevantes, ao ficar entrincheirado em filtros bolha, limitará a capacidade de raciocinar bem. 3. Adversários e desajeitados É mais fácil do que nunca distribuir e acessar informações. A desvantagem é que essas mesmas tecnologias também tornam mais fácil para as pessoas espalhar informações falsas ou enganosas — seja intencional ou acidentalmente. Atores (indivíduos, organizações ou Estados) que manipulam informações intencionalmente para confundir ou enganar os destinatários de forma maliciosa, a fim de levá-los a crenças falsas, são chamados de "adversários". Os adversários organizam "ataques" para incitar as pessoas a agirem com base em informações enganosas ou falsas. Por exemplo, uma campanha política pode usar a tecnologia deepfake para produzir vídeos incriminatórios de outros candidatos a fim de manipular os resultados das eleições a seu favor. Por outro lado, os atores que espalham crenças falsas ou pouco fundamentadas de forma bem-intencionada ou acidental são chamados de "desajeitados". Por exemplo, um pesquisador de vacinas cauteloso com os efeitos colaterais e desconfiado da autoridade médica pode fazer um comentário bem-intencionado, mas ligeiramente alarmista, durante uma entrevista, que pode então ser captado e divulgado nas redes sociais, instigando uma ampla campanha antivacinação. 3. Erosão da confiança Os humanos desenvolveram técnicas naturais para decidir quando confiar nos outros. Por exemplo, temos mais probabilidade de confiar em alguém se um grande número de pessoas acredita nessa pessoa, e estamos ainda mais dispostos a acreditar em uma pessoa que é membro da nossa própria comunidade — um sinal de que ela possui valores e interesses semelhantes aos nossos. As pessoas são mais propensas a acreditar nos membros de suas próprias comunidades do que em estranhos Também usamos linguagem corporal, entonação vocal e padrões de fala para julgar a honestidade. Essas estratégias são passíveis de falha, mas, em geral, têm servido bem aos seres humanos. No entanto, as tecnologias de informação modernas podem minar esses artifícios. Por exemplo, o surgimento de filtros bolha pode tornar as opiniões de minorias muito mais visíveis, parecendo que são muito mais amplamente aceitas do que realmente são. Embora algumas perspectivas minoritárias devam se tornar mais visíveis, há um problema quando narrativas perigosas e extremistas parecem muito mais convencionais do que realmente são. Algumas tecnologias também interferem na nossa tendência subconsciente de procurar sinais de honestidade e falta de sinceridade nos padrões vocais e na linguagem corporal. Discursos gerados artificialmente ou vídeos deepfake não são afetados pelos pequenos sinais que nos avisam quando alguém está mentindo. O que tudo isso significa? Para aqueles que estão dispostos a se esforçar, uma dieta rica e balanceada de imprensa está mais acessível do que nunca. No entanto, estar bem informado é muitas vezes um privilégio de tempo e recursos pelo qual a maioria das pessoas não pode pagar facilmente. Portanto, quando se trata de enfrentar desafios complexos como a covid-19 — desafios que exigem tomada de decisão oportuna e a coordenação de ampla ação coletiva — é importante lembrar que recomendações sensatas de saúde pública e vacinas seguras não são suficientes. As pessoas também têm que acreditar nas soluções e em quem as oferece. Em nosso relatório, analisamos algumas das possíveis consequências se não agirmos. Um dos piores cenários é o que chamamos de "balbucio epistêmico". Nesse futuro, a capacidade da população em geral de diferenciar entre a verdade e a ficção se perde completamente. Embora as informações estejam facilmente disponíveis, as pessoas não sabem dizer se algo que veem, leem ou ouvem é confiável ou não. Então, quando surgir a próxima pandemia, a cooperação de toda a sociedade vai se tornar impossível. É uma ideia assustadora — mas a covid-19 mostrou que estamos mais perto disso do que poderíamos imaginar. * Elizabeth Seger é pesquisadora da Universidade de Cambridge e do Centro Leverhulme para o Futuro da Inteligência, no Reino Unido. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Bolsonaro na ONU: os 5 alvos principais do discurso do presidente
Em sua estreia na ONU, durante a abertura da 74ª Assembleia-Geral, em Nova York, nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro fez nesta terça-feira (24/09) um discurso agressivo em que criticou países como Cuba e Venezuela, e defendeu a soberania do Brasil sobre a Amazônia.
Jair Bolsonaro fez discurso inflamado na abertura da Assembleia-Geral da ONU Por tradição, um representante do Brasil é sempre o primeiro a falar. A BBC News Brasil selecionou quatro destaques do discurso do presidente brasileiro nas Nações Unidas. Confira. 1. Socialismo Bolsonaro abriu seu discurso dizendo que o Brasil "ressurge depois de estar à beira do socialismo". Ele fez duras críticas a Cuba, em especialmente ao programa Mais Médicos — que levou médicos cubanos para trabalhar no Brasil — e também à Venezuela. Os cubanos deixaram o programa, iniciado durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com o rompimento do acordo de colaboração por parte de Havana após a eleição de Bolsonaro. Fim do Talvez também te interesse "Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições." Médicos cubanos não farão mais parte do programa Mais Médicos após ameaças de Bolsonaro Segundo Bolsonaro, "a história nos mostra que, já nos anos 60, agentes cubanos foram enviados a diversos países para colaborar com a implementação de ditaduras. Há poucas décadas tentaram mudar o regime brasileiro e de outros países da América Latina. Foram derrotados!" Bolsonaro acrescentou que o Brasil está trabalhando com os Estados Unidos para que a "a democracia seja restabelecida na Venezuela, mas também nos empenhamos duramente para que outros países da América do Sul não experimentem esse nefasto regime". "O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido." 2. Economia Em seguida, Bolsonaro defendeu a abertura da economia. Destacou o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, alcançado em seu governo. Prometeu ainda novos acordos "nos próximos meses". Além disso, falou sobre a adesão do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). "Não pode haver liberdade política sem que haja também liberdade econômica. E vice-versa. O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil." "A economia está reagindo, ao romper os vícios e amarras de quase duas décadas de irresponsabilidade fiscal, aparelhamento do Estado e corrupção generalizada. A abertura, a gestão competente e os ganhos de produtividade são objetivos imediatos do nosso governo." "Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor. Em apenas oito meses, concluímos os dois maiores acordos comerciais da história do país, aqueles firmados entre o Mercosul e a União Europeia e entre o Mercosul e a Área Europeia de Livre Comércio, o EFTA. Pretendemos seguir adiante com vários outros acordos nos próximos meses." "Estamos prontos também para iniciar nosso processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já estamos adiantados, adotando as práticas mundiais mais elevadas em todo os terrenos, desde a regulação financeira até a proteção ambiental." 3. Amazônia Bolsonaro defendeu a soberania do Brasil sobre a Amazônia. Reforçou que a Amazônia não é um "patrimônio da humanidade" e tampouco "o pulmão do mundo". Criticou ainda o que chamou de "os ataques sensacionalistas" de "grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio". Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram um aumento expressivo no número de incêndios florestais neste ano no Brasil, na comparação com igual período do ano passado. Após a divulgação dos números, Bolsonaro demitiu o então diretor-geral do órgão, Ricardo Galvão. "Em primeiro lugar, meu governo tem um compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo." "Nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência." Desmatamento da Amazônia, em foto de 2007; floresta brasileira perdeu 20% de sua área desde 1970 "Problemas, qualquer país os têm. Contudo, os ataques sensacionalistas que sofremos por grande parte da mídia internacional devido aos focos de incêndio na Amazônia despertaram nosso sentimento patriótico." "É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo." Segundo Bolsonaro, "valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania". "Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir", disse, em alusão indireta ao presidente da França, Emmanuel Macron. Bolsonaro também reforçou que o Brasil "não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estado gostariam que acontecesse". Disse ainda que os indígenas "são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós". Também criticou o cacique Raoni Metuktire, do povo caiapó, liderança indígena de destaque internacional. "A visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia." "Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas." Bolsonaro afirmou que a mentalidade colonialista não pode regressar à ONU e criticou França e Alemanha. "Não podemos esquecer que o mundo necessita ser alimentado. A França e a Alemanha, por exemplo, usam mais de 50% de seus territórios para a agricultura, já o Brasil usa apenas 8% de terras para a produção de alimentos. 61% do nosso território é preservado." Segundo o presidente brasileiro, seu governo tem uma política de "tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os crimes ambientais". Ele disse que qualquer "iniciativa de ajuda ou apoio à preservação da Floresta Amazônica, ou de outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira". "Também rechaçamos as tentativas de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista, em prol de interesses políticos e econômicos externos, em especial os disfarçados de boas intenções. Estamos prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo nosso potencial." Na ONU, Bolsonaro elogiou atuação do ministro Moro 4. Criminalidade O presidente brasileiro destacou a redução da criminalidade que, segundo ele, tem ocorrido em seu governo. "Hoje, o Brasil está mais seguro e ainda mais hospitaleiro", afirmou. Citou os quase 70 mil homicídios anuais no Brasil, dizendo que os policiais militares "eram o alvo preferencial do crime", sem citar o caso que nesta semana gerou comoção no Brasil da menina Ágatha Félix, de oito anos, que foi atingida por um tiro e morta no Complexo do Alemão, no Rio. Também disse que supostos "presidentes socialistas" que o antecederam no Brasil "desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento". E citou seu ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz Sergio Moro, atribuindo a ele o julgamento e punição dessas pessoas "graças ao seu patriotismo, perseverança e coragem". 5. Ideologia Na parte final de seu discurso, Bolsonaro investiu contra o que chamou de "sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto" e relacionou isso ao ataque que sofreu durante a campanha, quando foi esfaqueado. Afirmou que "a ideologia" teria se instalado "no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas". Também teria invadido "lares" para, em suas palavras, "investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família". "Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica", afirmou. O presidente brasileiro destacou também o "politicamente correto" que, segundo ele, "passou a dominar o debate público para expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação". "A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu", afirmou. Essa "ideologia", segundo ele, deixou "rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou". E, disse Bolsonaro, ele próprio foi "vítima", quando foi esfaqueado por um "militante de esquerda". O então candidato à Presidência foi esfaqueado por Adélio Bispo de Oliveira em setembro de 2018. O autor do crime foi detido e, julgado incapaz de responder pelos próprios atos, encaminhado a um hospital psiquiátrico onde permanecerá recolhido por tempo indeterminado. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Brasileiros gastam US$ 20,2 bi no exterior em 11 meses
Os brasileiros gastaram US$ 20,2 bilhões no exterior entre janeiro e novembro deste ano, informou o Banco Central nesta terça-feira. O montante é quase 4% superior ao gasto no mesmo período de 2011.
Já os gastos de estrangeiros no Brasil foram de US$ 6,08 bilhões nos 11 meses do ano, contra US$ 5,9 bilhões no mesmo período do ano passado. Ou seja, os brasileiros gastaram lá fora US$ 14,1 bilhões a mais do que os estrangeiros gastaram aqui entre janeiro e novembro. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, as despesas com viagens internacionais expandiram-se "de forma pronunciada" em 2011, até primeiro semestre. "A partir daquele momento o crescimento continuou a ser observado, mas moderado", disse Maciel, de acordo com a Agência Brasil. Ele acrescentou que, apesar de o dólar estar mais caro, o aumento de renda dos brasileiros lhes permitiu continuar gastando em viagens. Tópicos relacionados
'Graças a uma selfie, descobri que minha mãe me roubou quando era bebê'
Em abril de 1997, uma mulher vestida com uniforme de enfermeira saiu de um hospital da Cidade do Cabo, na África do Sul, carregando um bebê de três dias. A mãe dele dormia. E foi por causa de uma selfie, tirada 17 anos depois, que a criança roubada descobriu sua verdadeira identidade.
Ouça podcast sobre adolescente que descobriu ter sido bebê roubado O incrível caso é contado em um podcast da série Que História!, da BBC News Brasil. A história começa em janeiro de 2015, no primeiro dia das aulas em uma escola secundária na Cidade do Cabo, a Zwaanswyk High School. Miché Solomon, de 17 anos, começava o seu último ano na escola. Logo que chegou à escola, seus colegas de classe vieram lhe falar de uma nova aluna, Cassidy Nurse, três anos mais jovem. O motivo? Na opinião deles, Miché e Cassidy eram praticamente idênticas. Fim do Talvez também te interesse Como ouvir o podcast A primeira temporada de Que História!, produzida e apresentada por Thomas Pappon, terá dez episódios, que serão disponibilizados semanalmente nas principais plataformas de podcast, como Apple, Spotify, Overcast e Castbox. Além dessas há várias plataformas e apps que oferecem assinaturas do podcast — o que permite que cada novo episódio seja baixado automaticamente em seu dispositivo ou computador assim que for disponibilizado (toda sexta-feira, às 06h00 em Brasília). Há também apps leitores de códigos RSS. Alguns links para o 'Que História!' em plataformas de podcast: Para acessar feeds RSS em dispositivos móveis, é preciso baixar um app leitor de RSS; para acessá-los em desktop, é preciso instalar uma extensão para navegadores como Chrome ou Mozilla Firefox. Ouça também os episódios publicados anteriormente Miché não deu muita atenção aos comentários, mas tudo mudou quando cruzou com Cassidy no corredor mais tarde. Miché diz ter sentido uma conexão instantânea inexplicável. "Ela era realmente a minha cara. Houve uma conexão instantânea", contou Miché ao programa Outlook, da BBC. "E à medida que nós fomos ficando mais próximas, eu passei a ter um senso de proteção em relação a ela. Era como se a conhecesse.... (foi) um pouco assustador, até." Após enfrentar difícil encruzilhada emocional, Miché Solomon optou em esperar por volta de 'mãe', Lavona Apesar da diferença de idade, Miché e Cassidy começaram a passar muito tempo juntas. "Ela me ligava, eu dizia hey, baby girl, ela me ligava, e dizia hey, big sister. Eu chegava a pentear o cabelo dela, passar brilho… E meus amigos diziam, 'vocês têm certeza de que não foram adotadas? Ela é igual a você'. E muita gente perguntava, 'vocês não são irmãs'? 'Só se for em alguma outra vida', eu dizia." Miché via isso tudo como uma grande coincidência. Ela não tinha razão nenhuma para achar que pudesse ter sido adotada. Teve uma infância feliz, morando com o pai, Michael, e com a mãe, Lavona, de quem era muito próxima. "Minha mãe me chamava de princesa. Fazia roupas e vestidos para mim. No Dia das Mães, eu levava o café da manhã para ela, e ela chorava de emoção. Éramos muito felizes. A vida era boa para mim, era uma vida normal." Mas essa normalidade estava com os dias contados. Por causa de uma foto. Bebê roubado "Lembro de um dia de competições esportivas na escola. Eu era atleta. Nesse dia, eu e Cassidy tiramos uma selfie juntas." Ao ver a selfie, Lavona Solomon, mãe de Miché, atestou a semelhança das duas meninas Chegando a suas respectivas casas, Miché e Cassidy mostraram a foto para suas famílias. Lavona, a mãe de Miché, comentou sobre a semelhança das meninas. Michael, o pai de Miché, disse que reconheceu a nova amiga de sua filha — o pai de Cassidy tinha uma loja de eletrodomésticos onde às vezes ele fazia compras. Mas os pais de Cassidy, Celeste e Morne Nurse, não se desgrudaram da fotografia. Disseram a Cassidy que tinham uma pergunta para Miché, e quando as duas garotas voltaram a se encontrar, Cassidy finalmente abriu o jogo: "Você nasceu em 30 de abril de 1997?" "Eu disse: 'Por quê? Você está me perseguindo no Facebook?'", relembra Miché. Cassidy garantiu a Miché que não a estava perseguindo, só queria saber quando Miché nascera. Para a surpresa dela, Miché respondeu: "Sim, nasci em 30 de abril de 1997". Semanas depois, enquanto assistia à aula de matemática, Miché foi convocada para a sala do diretor, onde duas assistentes sociais estavam esperando por ela. Foi quando Miché ouviu pela primeira vez a história de uma menina de três dias chamada Zephany Nurse, que havia sido sequestrada no Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, há 17 anos, e que nunca fora encontrada. Miché ouviu a história, sem entender por que estava ali. Em seguida, as assistentes sociais explicaram que havia fortes evidências de que Miché poderia ser a criança que havia sido roubada. Miché, então com oito meses, com Michael, que acreditava ser seu pai biológico: 'Ele foi minha rocha, meu herói, meu exemplo' Na tentativa de esclarecer o que considerava um mal-entendido, Miché explicou que não havia nascido no Hospital Groote Schuur e sim no Hospital Retreat, a 20 minutos de carro dali. Era isso que estava escrito em sua certidão de nascimento, disse ela. No entanto, as assistentes sociais responderam que não havia nenhum registro de seu nascimento lá. Apesar de achar que tudo não passava de uma grande confusão, Miché concordou em fazer um teste de DNA. "Acreditava muito na mãe que me criou - ela nunca mentiria para mim, principalmente sobre quem eu sou e de onde eu venho", contou Miché. "Então, eu tinha certeza de que o teste de DNA daria negativo". Lavona Solomon (com rosto coberto) chega para seu julgamento, em fevereiro de 2016 Mas, para a sua surpresa, os resultados confirmaram as suspeitas: Miché Solomon e Zephany Nurse, o bebê roubado do Hospital Groote Schuur em 1997, eram a mesma pessoa. "Fiquei em estado de choque", diz Miché. "Tentei me manter tranquila, mas só ficava me perguntando o que aconteceria daqui pra frente." A história do bebê roubado, agora uma jovem quase na vida adulta, sendo encontrada quase por acaso, depois de quase duas décadas, foi destaque no noticiário da África do Sul e de todo o mundo. A partir daí, a vida de Miché mudou completamente. As autoridades disseram que Miché não poderia voltar para casa — em três meses, ela completaria 18 anos e poderia tomar suas próprias decisões. Mas, naquele momento, tinha que ficar em uma casa segura. Pouco depois, mais um choque: a adolescente soube que Lavona Solomon, a pessoa que sempre achou ser sua mãe, havia sido presa. "Aquilo me deixou arrasada", disse Miché. "Era minha mãe, a mãe que eu tive por 17 anos. Eu estava com raiva, eu precisava dela. Houve momentos em que sentia vontade de fugir com ela. Simplesmente não conseguia compreender que eu pertencia a outra pessoa." Miché estava na delegacia quando o marido de Lavona, Michael — o homem que ela considerava seu pai — foi interrogado pela polícia. Celeste Nurse (à esq.) e sua segunda filha, Cassidy; Miché diz ter tido dificuldades para construir relacionamento com família biológica "Pude ver o estresse no rosto dele, pude ver seus olhos vermelhos e fiquei com muito medo. Meu pai foi minha rocha, meu herói, meu exemplo. Mas ali, o policial, com aquelas perguntas e ameaças de prisão, fazia meu pai parecer uma criança pequena. Meu pai dizia: 'Não, eu não fiz isso. Miché é minha filha — como ela pode não ser minha filha? Eu não participei disso.'" A polícia nunca encontrou provas de que Michael Solomon soubesse que Miché havia sido roubada de seus pais biológicos, e ele foi liberado. Em sua defesa, ele alegou que Lavona estava grávida, e que não passou pela cabeça dele que o bebê Miché não seria dela. As autoridades achavam que Lavona havia sofrido um aborto espontâneo e que teria, então, roubado a menina e fingido que havia dado à luz. Lavona seria posteriormente julgada, acusada de sequestro e falsidade ideológica. E os pais biológicos? Embora Celeste e Morne Nurse tenham tido mais três filhos, eles nunca pararam de procurar sua primeira filha, Zephany, e comemoravam seu aniversário todos os anos — mesmo depois de se divorciarem. No entanto, durante todo esse tempo, sua filha crescia por perto. A casa dos Solomons fica a apenas 5 km da dos Nurses — quando criança, Miché corria pelo campo em frente à casa dos pais biológicos, enquanto Michael jogava futebol. Morne Nurse, pai biológico de Zephany, deixa corte após veredicto Agora, após 17 anos, as orações da família Nurse foram atendidas. O encontro com Miché foi marcado em uma sala de delegacia, e seria acompanhado por assistentes sociais. "Eles me abraçaram, me apertaram e começaram a chorar", diz. Mas Miché não se sentia confortável. "Fiquei pensando: 'Tenho que entender o sofrimento dessas pessoas. É triste, mas não sentia nada, não senti falta deles todo esse tempo". Miché estava em uma encruzilhada emocional. De um lado, estavam seus pais biológicos, com os quais não tinha nenhum tipo de ligação afetiva e que queriam recuperar o tempo perdido. Do outro, a mulher que chamava de mãe, e que estava presa, prestes a responder por seus crimes na Justiça. O julgamento de Lavona Solomon no tribunal superior da Cidade do Cabo começou em agosto de 2015. Tanto Miché quanto seus pais biológicos estavam lá para ouvir o testemunho de Lavona. Para ter 'estabilidade' em sua vida, Miché decidiu morar com seu 'pai', Michael, e esperar Lavona sair da prisão Durante o julgamento, Lavona Salomon negou ter cometido o crime. Falou sobre sua vontade de ser mãe, seus vários abortos espontâneos e seu desespero de adotar um filho. Lavona disse que recebeu Miché de uma mulher chamada Sylvia, que estava fazendo tratamento de fertilidade. Sylvia teria dito a Lavona que o bebê pertencia a uma jovem que não estava interessada em mantê-lo e queria que o bebê fosse adotado. Mas não havia evidências de que Sylvia existisse. Além disso, quase duas décadas após o incidente, uma testemunha identificou Lavona como a mulher que diz ter visto vestida de enfermeira levando Zephany do hospital onde Celeste dormia. O tribunal concluiu que Lavona era culpada. Em 2016, Lavona Salomon foi condenada a 10 anos de prisão por sequestro, fraude e violação do Estatuto das Crianças. Também foi criticada pelo juiz por não demonstrar nenhum remorso durante o julgamento. "Senti como se tivesse morrido", diz Miché. "Pensava comigo mesma: 'Como vou lidar com isso? Como vou passar a vida sem a mãe que tive todos os dias da minha vida?'." Visita à prisão Alguns meses depois, Miché visitou Lavona na prisão e pôde falar com ela pela primeira vez desde que recebeu a visita das assistentes sociais em sua escola. "Quando a vi pela primeira vez, um vidro nos separava. Não pude tocá-la", diz Miché. "Vi minha mãe com uniforme de prisioneira e isso partiu meu coração. Chorei sem parar." Miché realmente queria saber a verdade, descobrir o que havia acontecido no dia em que Lavona a levara da mãe no hospital. "Disse a ela: 'Saber que não sou seu sangue — que realmente vim de outra pessoa, e que você lhes roubou da possibilidade de me criar, mudando todo o meu destino — me machuca. Como posso acreditar em sua palavra quando você mentiu para mim, dizendo que sou sua filha? Você quebrou minha confiança. Tem que me falar a verdade se quiser continuar a me ver." "E ela respondeu: 'Um dia eu vou te contar.' Ela diz que não me roubou, mas acho que está mentindo." No entanto, Miché diz que não guarda rancor. "Perdoar traz tanta cura para o seu coração", diz Miché. "A vida deve continuar. Ela sabe que eu a perdoo, e ela sabe que eu ainda a amo." Já se passaram mais de quatro anos desde que Miché descobriu a verdade sobre sua identidade. Quando completou 18 anos, no final de abril de 2015, chegou a considerar morar com um de seus pais biológicos, mas acabou mudando de ideia. "Meus pais biológicos se divorciaram", diz Miché. "Então, tomei a decisão óbvia e a que mais me traria estabilidade — voltar a morar com Michael, que era meu espaço seguro, que era minha casa". Miché teve dificuldades para construir um relacionamento com sua família biológica e confessa que às vezes sentia que os odiava por terem levado sua "mãe" embora. Ela ainda visita Lavona na prisão em Worcester, a cerca de 120 km de onde vive, mas é uma longa viagem, especialmente agora que tem dois filhos. Lavona Solomon deve ganhar liberdade em seis anos e Miché diz que muitas vezes deseja "acelerar" o tempo. Ela ainda está morando na casa da família, esperando a mãe voltar. Talvez surpreendentemente, Miché Solomon tenha escolhido manter o nome com o qual foi criada, e não com o que recebeu quando nasceu. Mas, de alguma forma, apesar da montanha-russa psicológica de descobrir que a mulher que a criou realmente a roubou, ela de alguma forma fez as pazes com ambas as suas identidades. "Acho que odiei Zephany no começo", diz Miché. "Ela veio com tanta força, um convite tão indesejado, trazendo tanto sofrimento e tanta dor. Mas Zephany é a verdade e Miché, a menina de 17 anos que eu era, era uma mentira. Então eu consegui equilibrar os dois nomes. Você pode me chamar de Miché Zephany." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? 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Palestina ganha status de Estado observador na ONU
A Autoridade Palestina foi elevada ao status de Estado não-membro observador em votação nesta quinta-feira na Assembleia Geral da ONU.
O presidente palestino, Mahmoud Abbas havia pedido mais cedo à ONU que concedesse a certidão de nascimento da Palestina. Afirmou que essa seria a "última chance" de salvar uma solução para o conflito com Israel. Israel e so Estados Unidos se opuseram á resolução. O governo israelense disse que ela geraria um retrocesso nas negociações de paz. A votação foi em grande parte apenas simbólica, mas garante aos palestinos o direito de integrar agências e órgãos da ONU. Tópicos relacionados
Manifestantes jogam ovos contra carro de Blair durante campanha
Manifestantes jogaram ovos contra o carro do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, depois de um comício do partido dele, o Trabalhista, na segunda-feira.
Dois homens do grupo Fathers 4 Justice, que defende mudanças na legislação para garantir acesso de pais separados a seus filhos, saíram de trás de carros no estacionamento e atiraram ovos contra o carro de Blair, que estava deixando o centro cívico, onde ele tinha discursado para 500 trabalhistas. Os dois foram presos, mas depois foram soltos sob fiança. A polícia disse que os dois tinham sido presos por crimes contra a ordem pública. Segundo a polícia, não houve danos e nem ferimentos nos protestos. Ao ser preso, um dos manifestantes gritou: "Essas pessoas não são democráticas, eles abusam de crianças". "Todos os dias centenas de crianças não têm permissão de acesso total ou parcial a seus pais." Os manifestantes do grupo Fathers 4 Justice se caracterizam por usarem fantasias de super heróis em seus protestos.
Coronavírus: Os alunos de Medicina e Enfermagem que estão se voluntariando no combate à covid-19
Quando a epidemia de covid-19 começou a dar sinais de que ficaria grave no Brasil, a estudante de Medicina Letícia Araujo Fonseca Santos, de 28 anos, sentiu medo e angústia. Mas, com as aulas canceladas e o internato (estágio no atendimento) funcionando em esquema de plantão, seu maior sentimento, diz ela, foi de frustração.
Fernanda (esq.), Letícia (centro) e David (dir.) estão entre os 200 voluntários dos cursos de medicina e enfermagem "Sinceramente, foi um sentimento de insuficiência, a gente quer fazer alguma coisa, mas está de mãos atadas (por ainda não estar formada)", conta. "Tenho medo de talvez ser infectada, mas a frustração de não poder ajudar mais é maior do que o medo." Letícia, então se voluntariou para ajudar no combate ao coronavírus na cidade — assim como outros 200 alunos dos últimos anos dos cursos de Medicina e Enfermagem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Com ajuda dos professores e em coordenação com o grupo de contingenciamento da doença da universidade, os alunos começaram a se organizar para pensar de que formas eles poderiam ajudar neste momento de crise. A primeira iniciativa foi criar uma linha de atendimento telefônico para as pessoas com sintomas ou dúvidas sobre a doença poderem fazer perguntas. Fim do Talvez também te interesse "Não é consulta, é orientação", explica a professora Joana Fróes, coordenadora do curso de Medicina. "Eles estão sendo capacitados, com um reforço nas aulas de infectologia, e terão profissionais de saúde supervisionando, para resolver qualquer dúvida que não esteja nos protocolos da OMS (Organização Mundial de Saúde) ou do Ministério da Saúde", explica. O serviço começou a funcionar na última quinta-feira (26/3). O serviço telefônico feito pelos voluntários é uma orientação, não uma consulta Letícia conta que muitos colegas dos primeiros anos também queriam participar do voluntariado, mas o grupo optou por manter apenas os estudantes dos últimos anos. Somente os estudantes dos 4º, 5º e 6º anos de Medicina e os do 4º e 5º de Enfermagem vão poder participar. "A gente considera que nesses anos eles já têm conhecimento o suficiente e experiência clínica para esse atendimento, antes disso a formação ainda é muito inicial", explica Fróes. Ela conta que muitos alunos decidiram não voltar para suas cidades natais para ficar perto da Unicamp e disponíveis para ajudar. "Mesmo sabendo do risco, eles já têm muita consciência da gravidade da situação que a gente está vivendo, e uma dedicação que a gente espera de qualquer profissional de saúde, embora ainda não sejam profissionais formados", diz Fróes. O objetivo da central de atendimento é atender as pessoas que estão dentro da área de cobertura do complexo hospital da Unicamp e ajudar a desafogar os serviços de atendimento presenciais. "A gente vai orientar quem precisa procurar o atendimento presencial e, para quem não precisa, dar dicas de prevenção, desmentir boatos e esclarecer dúvidas" conta o aluno do 4o ano de medicina David Cirigussi Rodrigues de Paula, de 25 anos, um dos que estão organizando a iniciativa. "É uma escolha que a gente fez quando escolheu a profissão, todos os médicos. Queremos cumprir o juramento que a gente não fez ainda, mas um dia vai vir a fazer", diz Letícia Fonseca Ele conta que a ideia inicialmente era fazer um call center. Mas, para diminuir os riscos, ficou decidido que os alunos vão atender as ligações em seus próprios telefones, de suas próprias casas. "A gente se preocupa com segurança deles e está tomando todos os cuidados", diz Fróes. Para que esse atendimento pudesse funcionar sem um call center, David pediu ajuda dos alunos da área de computação da universidade para montar um software capaz de redirecionar as ligações do número de atendimento para os celulares e telefones dos alunos. "Foi muito comovente a gente ver a disponibilidade e a empatia desses alunos. Muitos vieram me procurar e dizer 'professora, eu estou com tempo livre, tenho como me voluntariar'", conta Fróes. "Eles pediam qualquer trabalho que pudesse ajudar." "É importante dizer que é uma iniciativa dos alunos. As faculdades estão apoiando, em coordenação com o grupo de contingenciamento, mas foi uma iniciativa deles", conta ela. A estudante de Enfermagem Fernanda Cristina dos Santos, do 5º ano, precisou voltar para Arthur Nogueira, no interior de São Paulo, para apoiar os pais, que são idosos, durante a epidemia. "Meu pai é autônomo, da área de alimentação, e não pode parar de trabalhar. Mas para reduzir o risco eu que estou fazendo as compras em casa", conta. Mesmo distante, ela quis ajudar, e está organizando remotamente os alunos de Enfermagem que vão participar do voluntariado. "A gente tem essa vontade, principalmente a gente da Enfermagem, que lida muito com as pessoas, de acalmar, de dar informações confiáveis. A gente quer ajudar o máximo que pode." Embora o serviço de atendimento seja a iniciativa mais estruturada no momento, não é a única. "Alguns alunos já estão se voluntariando em serviços de saúde das suas cidades natais,por iniciativa própria", diz a coordenadora do curso de Medicina. "Isso mostra que nossos alunos estão buscando ajudar atuar no sistema de saúde de diversas formas." Alguns alunos ainda estão trabalhando, como parte do internato, em alguns serviços essenciais no complexo de saúde da Unicamp. Eles foram deslocados para áreas que não vão receber os pacientes com coronavírus, como o hospital maternidade, para que os profissionais dessas áreas possam atuar na linha de frente do combate ao vírus. Letícia Fonseca diz que o seu internato, ajudando diretamente nos hospitais, será no meio de abril, quando os casos vão aumentar muito. Nascida e criada em São Paulo, ela decidiu ficar em Campinas para poder atuar nesse plantão, além de fazer o atendimento por telefone. Ela diz que está ciente dos riscos. "Querendo ou não é uma escolha que a gente fez quando escolheu a profissão, todos os médicos. Queremos cumprir o juramento que a gente não fez ainda, mas um dia vai vir a fazer", diz ela. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
OMC propõe eliminação de subsídios agrícolas
A Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentou nesta sexta-feira o rascunho que servirá de base para as negociações do acordo de liberalização comercial, propondo eliminações dos subsídios e créditos à exportação agrícola – o que beneficia o Brasil –, mas, por outro lado, indicando que o país terá que fazer concessões para que o acordo seja firmado antes do fim deste mês.
O Brasil, por exemplo, teria que eliminar tarifas em algumas áreas do setor industrial, como os eletroeletrônicos – numa compensação pelas vantagens no setor agrícola – contrariando o que defendiam os negociadores do país. Ao mesmo tempo, a proposta atenderia ao pedido do Brasil para que os cortes sejam maiores para as tarifas de importação mais altas. A agência de notícias France Presse diz ter obtido uma cópia do documento, que já teria sido enviado aos 147 países-membros da OMC. Sem comentários A embaixada do Brasil em Genebra confirmou que havia recebido e que estava "estudando" o documento, mas não comentou o assunto. Os subsídios agrícolas estavam entre as principais divergências que impediram um acordo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, na reunião da OMC, em Cancún, no México, em setembro do ano passado. A proposta apresentada nesta sexta-feira – a menos de dez dias da próxima reunião da OMC, que começa no dia 27 – seria justamente uma tentativa de equilibrar os divergentes interesses envolvidos. Segundo a agência France Presse, em relação aos subsídios à produção, porém, o rascunho da OMC proporia apenas a regulamentação. Subsídios à exportação A União Européia já havia declarado estar disposta a eliminar subsídios à exportação em maio deste ano, exigindo, no entanto, que Estados Unidos, Canadá e Austrália também eliminassem os seus programas de ajuda a exportadores. Os subsídios à exportação barateiam os produtos, prejudicando a entrada de similares brasileiros em outros mercados. A prática não só deprime os preços no mercado internacional, como efetivamente faz o Brasil perder mercados para os europeus. Esses subsídios, no entanto, são apenas um dos componentes da pauta de negociações de liberalização do comércio. Há ainda os subsídios à produção previstos na Política Agrícola Comum da UE, além de tarifas e cotas de importação que limitam a entrada de produtos no bloco. No total, a UE gasta 43 bilhões de euros (cerca de R$ 129 bilhões), praticamente a metade do seu orçamento anual, em subsídios domésticos e à exportação.
Nascem filhotes de panda resgatado na China; assista
Uma panda gigante deu à luz dois filhotes no último domingo, em Ya'an, na China.
A mãe, Guo Guo, de 12 anos, foi resgatada da reserva de pandas Wolong, que foi atingida pelo terremoto de maio na Província de Sichuan. São os primeiros filhotes de panda a nascer em 2008, segundo a TV estatal da China. A reserva de Wolong tinha 63 pandas antes do terremoto. Um deles foi morto e outro ainda está desaparecido.
EUA dizem ter indícios de uso de armas químicas na Síria
O secretário de Defesa americano, Chuck Hagel, afirmou nesta quinta-feira que os Estados Unidos recolheram indícios de que armas químicas podem ter sido usadas por forças do governo da Síria.
Durante entrevista em Abu Dhabi, Hagel afirmou que autoridades da inteligência americana avaliam com "algum grau de confiança variável" que gás sarin teria sido utilizado em pequena escala. Hagel afirmou que a comunidade de inteligência ainda está avaliando a informação, mas ainda precisa de mais evidências. O presidente Barack Obama afirmou que o uso de armas químicas poderia mudar a atual posição americana em relação à Síria. Ele se referia a uma possível intervenção militar, porém condicionada ao encontro de provas concretas.
Dinossauros e companhia: a diversidade de animais do Brasil pré-histórico
É uma longa história a da vida sobre a Terra. Ela começou há cerca de 3,8 bilhões de anos - 800 milhões de anos depois do surgimento do planeta - e não parou mais de se diversificar em milhões de formas, que apareceram, evoluíram, deram origens a outras espécies e desapareceram para sempre.
Território onde hoje está o Brasil teve papel importante no surgimento e evolução de várias espécies de animais Estima-se que hoje existam cerca de 8,7 milhões de tipos de animais - sem contar os microorganismos -, dos quais não mais que 1 milhão foram descritos e catalogados, o que representa, calcula-se, menos de 1% de todos os que já viveram neste mundo. O território onde hoje está o Brasil teve um papel importante no surgimento e evolução de várias espécies de animais. Foi nele que viveram os primeiros dinossauros e, por isso, provavelmente foi onde surgiu este grupo de animais incônicos, que dominaram o planeta por 160 milhões de anos e foram extintos há 65 milhões de anos, mas ainda fascinam a humanidade. Foi também em terras atualmente brasileiras que viveram o maior e o menor crocodilo e o maior anfíbio de que se tem registro, preguiças terrestres e tatus do tamanho de um carro e um dos maiores felinos que já existiu. Tamanha diversidade de vida que existe e já existiu só surgiu porque a Terra também tem e teve uma variedade muito grande de ambientes, como oceanos, rios lagos, terra firme, savanas, florestas, desertos, montanhas, planícies, geleiras. Todos esses ecossistemas existem há milhões de anos, só que em locais diferentes de onde estão hoje, pois as conformações dos continentes e oceanos eram outras. Fim do Talvez também te interesse "Nosso planeta é um sistema dinâmico e que passou por grandes transformações ao longo dos bilhões de anos de sua história", diz o paleontólogo Felipe Alves Elias, da Divisão de Difusão Cultural do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Antes da atual divisão, na era Mesozoica, todos os continentes da Terra estavam unidos em um só Pangea, toda a Terra num só supercontinente "Recentemente" - se comparado com a idade da Terra -, por exemplo, no ínicio da era Mesozoica (251 a 65,5 milhões de anos atrás), todos os continentes estavam unidos num só supercontinente, chamado Pangeia, desértico e quente em seu interior, com florestas somente próximas ao litoral e aos grandes rios. No final do Jurássico (199 a 145 milhões de anos atrás), essa massa de terra gigantesca começou a se fragmentar, dando origem a dois grandes continentes, um ao norte a Laurásia, que unia América do Norte, Europa e Ásia, e outro ao sul, Gondwana, formado por América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e Antártida. No Cretáceo Inferior (primeira metade do período), por volta de 110 milhões de anos atrás, surgiu o oceano Atlântico, separando a América do Sul da África e dando aos continentes uma conformação semelhante à de hoje. Essa fragmentação de Pangeia teve um grande impacto em todo o planeta e nos seres que viviam nele. Mares surgiram e a geografia e o clima tornaram-se completamente diferentes. Algumas plantas, como samambaias e coníferas, passaram a colonizar antigas regiões secas e desérticas. Foi nesse período que também surgiram as primeiras plantas com flores. Os animais, por sua vez, deslocaram-se para viver em regiões onde havia abundância de água e alimentos. Antes disso, o planeta foi dominado por cerca de 3 bilhões de anos apenas por micro-organismos. Os primeiros organismos invertebrados, que, segundo os pesquisadores, foram as esponjas, só surgiram há 650 milhões de anos. Os vertebrados apareceram ainda mais tarde, há 520 milhões de anos. Machaeracanthus sp, um pequeno peixe, viveu há 400 milhões de anos Cloudina, o primeiro animal com esqueleto do Brasil No Brasil, um dos primeiros registros de vida animal é de Cloudina lucianoi, que viveu na região central do país, no período Ediacarano (630 a 542 milhões de anos atrás), último do Pré-Cambriano (de 4,6 bilhões a 542 milhões de anos atrás). "É dos animais mais antigos do Brasil e que ocorre em diversos locais do mundo, sendo utilizados para correlacionar idades de rochas", explica o paleontólogo Thiago da Silva Marinho, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Se não fosse pela idade, esse bicho não chamaria a atenção, no entanto. Era um pequeno animal marinho, com no máximo 3 centímetros, em forma de concha tubular. Mas é um dos mais antigos metazoários (animais multicelulares) constituído de carapaça externa biomineralizada. Ou seja, está entre os primeiros organismos de que se tem registro a desenvolver esqueletos. Entre os vertebrados que se locomoviam por conta própria, um dos mais antigos encontrados no Brasil é o Machaeracanthus sp. "Este pequeno peixe, que viveu há mais de 400 milhões de anos onde hoje é o Piauí, é uma das mais antigas evidências de animais vertebrados encontradas em território brasileiro", diz Elias. Prionosuchus plummeri viveu há 270 milhões de anos Prionosuchus, o maior anfíbio que já existiu Também na região do Piauí, o Prionosuchus plummeri, que viveu há 270 milhões de anos, não deixaria de se fazer notar. "Era um tipo de anfíbio gigante, com um tamanho estimado de seis metros ou talvez mais", conta o biólogo Marcos André Fontenele Sales, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). "Foi um dos maiores ou o maior animal desse grupo de todos os tempos. Com certeza, ele foi o predador alfa dos ecossistemas aquáticos daquela região na época em que viveu." Bem menor, do tamanho de um cão Labrador moderno, o Chiniquodon theotonicus era um feroz predador, no entanto, que viveu há 235 milhões de anos no interior do Rio Grande do Sul e no norte da Argentina. Do tamanho de um cão Labrador, o Chiniquodon theotonicus era um feroz predador "Embora relativamente pequeno, sua importância para a ciência é enorme, pois a espécie compartilha de uma ancestralidade comum com os mamíferos - grupo do qual os seres humanos também fazem parte", explica Elias. "Para os paleontólogos, tais animais são essenciais para compreender melhor as origens da nossa linhagem evolutiva e de nossa própria espécie." Uma das espécies mais antigas de dinossauros no Brasil é o Staurikosaurus pricei No Brasil, surgem os primeiros dinossauros Pouco depois dessa época, há cerca de 230 milhões de anos, chegou a era dos dinossauros. O Brasil é rico em fósseis deles, tendo sido registradas mais de 20 espécies. Entre elas, uma das mais antigas do mundo - se não a mais antiga - o Staurikosaurus pricei. Com dois metros de comprimento e cerca da metade da altura de um homem, ele viveu há 225 milhões de anos, em meados do Triássico (251 a 199 milhões de anos atrás). Além de ter sido um dos primeiros a viver no país, foi o primeiro fóssil a ser encontrado. Restos do seu esqueleto fossilizado foram descobertos em 1936, pelo paleontólogo brasileiro Llwelllyn Ivor Price, num afloramento rochoso numa fazenda no interior do município de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. Por isso, seu primeiro nome significa "lagarto do Cruzeiro do Sul" e o segundo é uma homenagem a seu descobridor. A ele, se juntam três outras espécies, que viveram na mesma época e também foram encontradas no Rio Grande do Sul: Guaibasaurus candelariai, Saturnalia tupiniquim e Unaysaurus tolentinoi. "Essas descobertas são importantes, porque mostram como eram os primeiros dinossauros" explica Marinho. "Além disso, junto com os argentinos, indicam que possivelmente o grupo todo desses animais teve origem na América do Sul." Em épocas mais recentes, também viveram no Brasil representantes gigantes do grupo dos dinossauros. Um exemplo é Oxalaia quilombensis, descoberto no Maranhão, que viveu há 95 milhões de anos, que podia chegar a 14 metros e pesar até sete toneladas. "Ele é parente bem próximo do popular Spinosaurus, estrela do filme Jurassic Park 3", revela Sales. "Foi o maior dinossauro carnívoro já encontrado no Brasil. Apesar disso, muito provavelmente, sua alimentação era principalmente baseada em peixes." O outro é o Uberabatitan ribeiroi, o titã de Uberaba, cujo fóssil foi descoberto neste município e viveu há cerca de 70 milhões - quase no fim da era dos dinossauros. Podendo chegar a 27 metros e pesar mais de 20 toneladas, foi o maior desses animais que viveu no Brasil. "Ele pertencia ao grupo dos saurópodes, aqueles dinossauros herbívoros com pescoço e cauda bastante compridos e cabeça pequena", diz Sales. Serpente Tetrapodophis amplectus viveu há 120 milhões de anos no Ceará Tetrapodophis, uma serpente com patas Conterrâneos desses colossos da natureza, perambularam pelo território brasileiro outros animais não menos impressionantes. Um deles foi a serpente Tetrapodophis amplectus, que viveu há 120 milhões de anos na Chapada do Araripe (CE). "Ela representa uma das mais importantes descobertas das últimas décadas, pois preserva a estrutura de quatro membros intactos, o que poderá ajudar os paleontólogos a compreender melhor a origem desse grupo de animais entre os vertebrados terrestres", explica Elias. Há ainda o grupo dos pterossauros, répteis voadores, parentes dos dinossauros, os primeiros animais vertebrados a desenvolverem a capacidade de voo ativo - batendo as asas e não planando. Há registros de mais de 200 espécies, com tamanhos que variavam de alguns centímetros até 12 metros de envergadura (da ponta de uma asa até a da outra). Eles viveram na Terra entre 225 e 66 milhões de anos atrás, na era Mesozoica, e desapareceram sem deixar descendentes entre os animais modernos. Caiuajara dobruskii, uma espécie menor de pterossauro, atingia cerca de 2,80 metros Pterossauros, os primeiros animais a voar Um dos que voaram pelos céus brasileiros no passado remoto foi o Tupandactylus imperator, com cinco metros de envergadura, que viveu há 115 milhões de anos, na Chapada do Araripe. Outro foi o Anhanguera santanae, 110 milhões de anos, na Formação de Santana - daí o seu nome - na mesma região. Ele podia medir até cinco metros de envergadura e ter 1,5 metro de altura e pesar 30 kg. Mais recentemente, há 80 milhões de anos, viveu no Paraná - o fóssil foi encontrado em Cruzeiro do Oeste - o Caiuajara dobruskii, uma espécie menor, que atingia cerca de 2,80 metros de envergadura. O que chamava a atenção em todos eles era uma enorme crista, cuja função ainda não é bem conhecida. Um pouco antes dessa época, há 120 milhões de anos viveu o menor crocodilo de que se tem registro na Terra. Com cerca de apenas 60 cm, o Susisuchus anatoceps, como foi batizado, viveu também na Chapada do Araripe e foi descoberto pela paleontóloga Juliana Manso Sayão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Purussaurus brasiliensis foi o maior jacaré que já existiu Purussaurus, um jacaré de 15 metros Um parente seu gigante, o Purussaurus brasiliensis, o maior jacaré que já existiu, viveu entre 11 e 8,5 milhões de anos, em um megapantanal que cobria o território ocupado hoje pela Floresta Amazônica. "Com um crânio de mais de 1,2 metro de comprimento e mandíbulas capazes de esmagar um Fusca, ele alcançava facilmente os 15 metros de comprimento", informa Elias. "Suas presas incluíam roedores do tamanho de búfalos e tartarugas com cascos de mais de dois metros de comprimento, que coabitavam as águas daquelas antigas planícies alagadas." Entre essas duas épocas, existiu no sudeste, há 20 milhões de anos, a Paraphysornis brasiliensis. "Ela pertencia a um grupo chamado popularmente de 'aves do terror'", explica Sales. "Essa espécie devia atingir mais de dois metros de altura e possuía um crânio de cerca de 60 cm de comprimento com um bico próprio para matar. Devia estar entre os principais predadores de seu tempo. Imagina fazer um safari naquela época e testemunhar uma ave carnívora de mais de dois metros correndo atrás de várias presas. Certamente não é algo que se vê hoje." Preguiças e tatus do tamanho de um fusca Entre os animais pré-históricos que viveram mais recentemente no Brasil, que se extinguiram há meros 10 mil anos, estão os que pertenceram à chamada megafauna do Pleistoceno (1,8 milhão a 11 mil anos atrás). Entre os mais espetaculares estava o Megatherium americanum, uma preguiça gigante com 6 m de cumprimento e que chegava a três metros de altura, quando erguida nas patas traseiras. Havia várias espécies desses bichos, alguns menores que isso, que caminhavam vagarosamente pelos campos, se alimentando de folhas de arbustos e árvores baixas. Havia também o gliptodonte (Pampatherium paulacoutoi), uma espécie de tatu gigante das savanas, que podia atingir quase o tamanho de um carro, que escavava o solo e comia um pouco de tudo, desde frutos até vermes. Semelhante em tamanho, forma e hábitos aos atuais elefantes, o mastodonte Haplomastodon waringi, foi outro representante da megafauna brasileira, assim como a macrauquênia (Macrauchenia sp.), um herbívoro parecido com um camelo moderno e do mesmo tamanho, mas com uma tromba curta. Smilodon populator, um felino maior do que leões e tigres modernos, chegava a pesar 400 kg Tigre-dente-de-sabre, um felino com presas de 30 cm Ainda viveram em terras brasileiras naquela época duas espécies de toxodontes, Toxodon platensis e Trigonodops lopesi, com um tamanho comparável ao de um rinoceronte ou hipopótamo modernos e que se alimentavam de folhas e capim. Entre os predadores chama a atenção o tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator), um felino maior do que leões e tigres modernos, que chegava a pesar 400 kg. Sua característica mais impressionante eram as duas afiadas presas, armas mortíferas com até 30 centímetros de comprimento. Saber da existência desses animais pré-históricos e estudá-los não é mera curiosidade. "As espécies que aqui viveram compõe um grande capítulo da história da vida no planeta Terra", diz a bióloga e paleontóloga Aline Ghilardi, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). "Não investir em pesquisar esta história é como deixar de lado centenas de páginas de um livro, do qual talvez dependa a nossa existência e sobrevivência neste planeta. Este livro não só conta como as coisas foram no passado, mas contêm a sabedoria de muitas espécies que já se foram e têm muito a nos ensinar." De acordo com ela, os pesquisadores têm aprendido cada vez mais sobre o que aconteceu no território do Brasil no passado e descobriram que passos excitantes da história evolutiva da vida se desenrolaram nele, como possivelmente a origem dos próprios dinossauros. "É por isso que o nosso país tem atraído tanta atenção de estudiosos da vida extinta de todo o planeta", diz. "Os olhos do mundo estão voltados para nós. Apesar dos grandes avanços feitos nas últimas décadas, nós apenas arranhamos a superfície deste conhecimento. Temos muito para cavar e para descobrir. Muito para aprender com os mortos, com aqueles que já se foram." Imagens com direitos reservados. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A onda de ataques que opõe indígenas a caçadores ilegais no território com mais povos isolados do país
A escalada de ataques à base de Proteção Etnoambiental Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai), na Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas, está colocando em xeque o trabalho de proteção da área com o maior número de etnias em isolamento voluntário do país.
Base flutuante de fiscalização da Funai na confluência dos rios Ituí-Itacoaí, no Amazonas, foi um dos alvos dos disparos na atual escalada de ataques na região Desde setembro, quatro ataques foram registrados ao posto de controle, segundo funcionários do órgão, que é responsável por monitorar e fiscalizar os territórios indígenas. Em um ano, entre novembro de 2018 e este mês, foram oito ataques contra a base — o maior número desde a demarcação, em 1998. Apenas no primeiro fim de semana deste mês, a base foi atacada duas vezes. As agressões são atribuídas a pescadores e caçadores ilegais, no momento em que saíam da terra indígena após terem entrado sem autorização, segundo funcionários da Funai que acompanham as investigações. Servidores e colaboradores das quatro bases da Funai instaladas na segunda maior terra indígena do país afirmam que vão paralisar as operações de controle e fiscalização da entrada e saída do território. Eles pedem que o governo federal envie forças de segurança, como disseram à BBC News Brasil pessoas ligadas às Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE). Sem essas operações, o acesso à terra indígena fica aberto para qualquer pessoa — caçadores, pescadores, garimpeiros e madeireiros terão menos dificuldades para entrar no território. Fim do Talvez também te interesse Os indígenas temem ainda que ataques ainda mais violentos possam ocorrer e, por isso, se articulam para assumirem eles mesmos a defesa dos postos. O governo federal, por sua vez, depois de colocar em dúvida a veracidade dos ataques, não respondeu até o momento à solicitação dos funcionários da Funai por segurança. Documentos da Funai e relatos de pessoas ligadas à FPE obtidos pela BBC News Brasil mostram que o clima entre os servidores é de revolta em relação à falta de proteção, e de receio de que em algum momento uma bala atinja um funcionário. Por meio de documentos internos enviados à presidência do órgão, os servidores vêm pedindo segurança desde o final do ano passado, quando começaram os ataques à base Ituí-Itacoaí. Essa base é visada por ser a porta de entrada mais próxima para o Vale do Javari, área procurada pelos caçadores ilegais por causa da riqueza dessa região, pouco estudada e bem preservada. Guarita da base flutuante de fiscalização da Funai no rio Ituí-Itacoaí, que foi atacada a tiros; em um ano, entre novembro de 2018 e este mês, foram oito ataques contra a base — maior número desde a demarcação da terra indígena, em 1998 Servidores e colaboradores relatam que não há condições para prosseguir com o trabalho de campo. Com o corte de verbas promovido neste ano na Funai, o apoio logístico vem sendo comprometido, com servidores excedendo o tempo de serviço em campo por falta de transporte. Nas circulares internas, eles pedem à direção do órgão que consiga agentes da polícia, Exército ou Força Nacional de maneira permanente. Na noite da última quinta-feira (07/11), a juíza federal Jaíza Maria Pinto acatou ação do Ministério Público Federal contra a União e a Funai e ordenou que o governo "preste imediato apoio operacional às entradas em campo de suas próprias equipes da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari". Também determinou que o órgão deve "alocar recursos materiais e orçamentários para garantir o apoio das atividades por no mínimo seis meses". A decisão da juíza não estipula prazos e nem penalidades caso a ordem não seja cumprida. A PF e o Ministério da Justiça, que coordena a Força Nacional, não responderam às solicitações da reportagem para comentar a decisão. A ordem judicial não alterou a postura de servidores e colaboradores das frentes de proteção. Apesar de a decisão judicial ser bem-vinda, os funcionários têm dúvidas se ela fará com que as forças de segurança atuem permanentemente no Vale do Javari. A situação de insegurança ainda preocupa, uma vez que não houve sinalização às bases, por parte da direção da Funai, sobre o tema. Com isso, os planos de paralisação estão mantidos. Para além dos ataques, a sensação de confronto se intensifica na região. No mês passado, um pescador foi baleado próximo de uma das aldeias do povo Korubo. O revide veio duas semanas depois, quando dois adolescentes dessa etnia foram atacados por pescadores. Ataques a tiros Na madrugada de primeiro de novembro, oito homens em um canoão (canoa de 12 metros usada pelos pescadores e caçadores) dispararam na base quando um colaborador indígena apontou o holofote para a embarcação, procedimento usado para iniciar a averiguação. Dois dias depois, outros três homens usaram o mesmo modus operandi: atirar contra a base ao menor sinal de reação. Ninguém ficou ferido. Em outubro, o presidente substituto da Funai Alcir Teixeira esteve na região e tratou os relatos de ataques feitos pelos funcionários — que se acumulam desde o final do ano passado — como suposições. Os casos estão sendo apurados pela Polícia Federal de Tabatinga, na tríplice fronteira com Colômbia e Peru. Questionada sobre o andamento dos trabalhos, a PF não respondeu às perguntas. A presidência da Funai, que em agosto soltou memorando interno vetando os funcionários de falarem com a imprensa, também não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem ao longo da semana passada. O Ministério Público afirma que entrou com o pedido na Justiça por se tratar de uma questão que "vem se alongando e crescendo". No pedido acatado pela Justiça, o MP diz que a segurança dos povos indígenas de recente contato e isolados do Vale do Javari está em risco e "com alto potencial de ocorrência de genocídio". As suspeitas As investigações apontam que os ataques partem de pescadores e caçadores ilegais de Atalaia do Norte (AM) financiados sobretudo por grupos de contrabandistas de animais de Tabatinga (AM) e Benjamin Constant (AM), as duas maiores cidades da região, a 1.100 quilômetros de Manaus. Os animais são vendidos para compradores brasileiros, peruanos e colombianos. Atalaia do Norte, com 15 mil habitantes e terceiro menor IDH do Brasil, é o município mais próximo da confluência entre rios Ituí e Itacoaí, na entrada do Vale do Javari. A junção dos dois rios foi a primeira a receber uma base de proteção por sua localização estratégica, ainda em 1996, no processo de estabelecimento de contato com o povo Korubo. Não é de hoje que se trata de uma região conflagrada. Em 2000, um grupo de cerca de 300 pescadores autodenominados de Movimento dos Sem Rio, de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, atacou a base do Ituí-Itacoaí e a sede da Funai em Atalaia do Norte com coquetéis molotov. Rio Itacoaí na região da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (AM); funcionários de quatro bases da Funai na região afirmam que vão paralisar as operações de controle e fiscalização da entrada e saída do território Houve confronto e troca tiros com servidores do órgão indigenista e fiscais do Ibama, conforme noticiou na época o jornal amazonense A Crítica . A homologação da Terra Indígena em 2001 culminou em um processo que retirou, mediante indenização, a população não indígena do Vale do Javari — pessoas que chegaram à região no começo do século 20, na esteira do primeiro ciclo da borracha. Uma parte delas se estabeleceu em Atalaia do Norte depois da homologação e, a partir daí, o confronto entre indígenas e não indígenas, antes frequentes, tornaram-se esporádicos. No fim do ano passado, as disputas voltaram a ocorrer. Liderança tradicional do Vale do Javari e que participou do processo de demarcação, Clóvis Marubo afirma que as atividades ilegais no território aumentaram, após o início do governo de Jair Bolsonaro. Segundo ele, cortes de servidores e o contingenciamento de recursos têm "empoderado os invasores", o que preocupa os indígenas da região. Divulgada na última quarta-feira, uma carta aberta dos servidores das onze FPEs vai no mesmo sentido. Há poucos servidores nas quatro bases do Javari (nos rios Ituí-Itacoaí, Jandiatuba, Quixito e Curuçá) e, segundo colaboradores, falta insumos para a manutenção do controle do acesso ao território onde vivem os povos Marubo, Matís, Mayoruna, Kanamari, Kulina e os de recente contato Tyohom Djapá e Korubo. Há ainda outros dez subgrupos isolados confirmados e mais quatro em estudo, neste território do tamanho de Portugal. "O enfraquecimento dessas bases e a falta de respostas do governo está muito preocupante. Sempre houve invasões, mas agora estão crescendo e rapidamente por causa da falta de fiscalização. O território nunca esteve tão descoberto e isso pode levar a um conflito maior. Uma vez que os indígenas se certifiquem que o Estado não está protegendo o território, eles vão cuidar da própria segurança", diz Marubo. Confrontos Entre servidores e colaboradores da frente de proteção fala-se em uma "tragédia anunciada". Sinais de confrontos se acumulam, como quando, em meados de outubro, o pescador foi baleado e deu entrada no hospital de Atalaia do Norte. A versão corrente no povoado é que ele foi ferido quando pescava perto de uma das aldeias do povo Korubo. Duas semanas depois, houve o ataque aos dois adolescentes Korubos, atacados por pescadores enquanto pescavam em uma lagoa. A primeira das quatro aldeias Korubo está a 30 minutos de barco da base do Ituí-Itacoaí. Na avaliação de Conrado Otávio, coordenador do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) que trabalha no Vale do Javari desde 2004, há risco iminente para essas populações. "Você vai somando os pontos e percebe que esses povos estão desprotegidos. Nunca houve esse despudor de agressão e intimidação a servidores e indígenas, isso de atirar diretamente contra eles. Dada a vulnerabilidade dos povos indígenas, sobretudo dos isolados, os riscos são muitos grandes", diz Otávio. Sinais de confronto vêm se acumulando entre etnias indígenas na região e pescadores e caçadores da região de Atalaia do Norte, no Amazonas, cidade que tem o terceiro pior IDH do país Pirarucu, tracajá, queixada e anta são os animais mais procurados pelos pescadores e caçadores. Enquanto um tracajá é vendido por pelo menos R$ 100, um pirarucu ainda jovem não é vendido por menos de R$ 1 mil na região. Pela extensão e dificuldade de navegação nos rios do Vale do Javari, cada expedição, que costuma contar com entre 6 e 8 homens, precisa toda a capacidade de carga da canoa para ser lucrativa. Já a Associação dos Pescadores de Atalaia do Norte afirma tentar organizar os pescadores que praticam o manejo legal - algumas famílias ribeirinhas - nos lagos em volta da Terra Indígena. No entanto, esses lugares já foram muito explorados e não são suficientes para a demanda externa, sobretudo peruana e colombiana. Por isso, segundo colaboradores das FPE, parte dos ribeirinhos que saíram do território indígena na época da demarcação, ficaram sem o sustento e passaram a recorrer a atividades ilegais. A associação tenta conter a entrada de pescadores e caçadores de outras regiões, mas sem sucesso. Investigações apontam que o assassinato do colaborador da Funai Maxciel dos Santos Pereira, no início de setembro, tem relação com essa economia ilegal. Maxciel passeava com a família na principal avenida de Tabatinga quando foi baleado. Meses antes, ele havia organizado uma operação que apreendeu grande quantidade de pesca e caça ilegal. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal. Outro fator que aumenta a pressão no Vale do Javari é o fato de que muitos dos pescadores e caçadores viviam na terra indígena antes da demarcação. "Eles sabem onde está a fartura e é justamente próximo das nossas aldeias, porque não fazemos uso comercial da selva. Mas tem sido tanta a caça e a pesca que já está afetando a nossa comida", afirma Varney Thoda Kanamari, vice-coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Kanamari espera que o governo reforce as bases de proteção no Javari para coibir os invasores. Caso os servidores e colaboradores da Funai mantenham o plano de paralisar as atividades na semana que vem, ele afirma que Kanamari, Matsés, Matís e Mayoruna estão se organizando para criar um grupo que ocupe esses lugares. "Espero que não chegue a esse ponto, mas, se acontecer, nós vamos lá, como voluntários mesmo e sem receber nada para fazer uma barreira de proteção. Vamos gerir nós mesmos essa situação, porque, se não, vão entrar muito mais invasores", diz. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Vacinas contra o coronavírus: como o lucro das farmacêuticas alimenta o sigilo de contratos com governos
Países de todo o mundo entraram na disputa para quem vai receber a vacina do coronavírus, um bem ainda escasso e produzido por poucas empresas farmacêuticas.
Pandemia faz com que a demanda global por vacinas exceda a oferta Os governos assinam contratos com as empresas que desenvolveram essas vacinas em tempo recorde, mas as informações críticas desses acordos permanecem ocultas do público em geral devido a cláusulas de confidencialidade estritas. Quanto custam ou como serão distribuídos são detalhes que na maioria dos casos o público desconhece, pois é o que exige os acordos firmados. No Peru, por exemplo, as negociações entre o governo e a empresa Pfizer foram paralisadas por esse motivo. E na Colômbia, o governo afirma que as cláusulas de confidencialidade o impedem de ainda oferecer um esquema de vacinação claro. O problema é global. Fim do Talvez também te interesse Em resposta a um pedido de informações no Parlamento Europeu em meados de novembro, a comissária da Saúde Estela Kiriakides afirmou: "Devido à natureza altamente competitiva deste mercado, a Comissão não pode divulgar as informações contidas nestes contratos". E a ministra do Orçamento da Bélgica, Eva de Bleeker, causou alvoroço após postar no Twitter a lista de preços dos laboratórios com os quais a UE havia negociado. Ela apagou o tuíte. Reclamações sobre o não cumprimento de compromissos feitos por algumas fabricantes de vacinas estão agora sendo acompanhadas por vozes que exigem maior transparência em uma questão vital de saúde pública. E a polêmica continua aumentando, principalmente na União Europeia (UE), indignada depois de ser informada que os laboratórios Pfizer e AstraZeneca não terão condições de abastecer o bloco com a quantidade de doses iniciais acordadas. Segundo fontes da UE citadas pela agência de notícias Reuters, isso levou Bruxelas a exigir que as empresas farmacêuticas tornassem públicos os termos dos contratos e ameaçassem controlar as exportações de vacinas produzidas na Europa. Mas por que tanto sigilo? Uma prática comum Segundo Jonathan García, especialista em saúde pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, "isso não é novidade; é frequente que cláusulas de confidencialidade sejam incluídas nos contratos entre os sistemas de saúde dos países e as empresas farmacêuticas". "Os laboratórios buscam dividir o mercado para poder negociar preços diferenciados com diferentes países", acrescenta. Isso permite que negociem com os países com base em seus recursos, oferecendo preços mais baixos para os países pobres ou em desenvolvimento e exigindo quantias mais altas dos mais ricos. A empresa AstraZeneca revelou que a vacina que desenvolveu em colaboração com a Universidade de Oxford, no Reino Unido, custará aproximadamente US$ 4 por dose (duas são necessárias). Mas seu caso é excepcional por enquanto. Além dos preços, as informações sobre produção e logística, e aquelas conhecidas como cláusulas de responsabilidade, muitas vezes são mantidas em sigilo. Elas estipulam limites sobre a responsabilidade dos laboratórios em caso de possíveis efeitos adversos dos medicamentos e indicam que se houver diferenças, elas não serão resolvidas pelos tribunais nacionais, mas por tribunais arbitrais internacionais especiais. Pfizer é uma das empresas que cobra sigilo nos contratos Vozes que pedem maior transparência alertam que a urgência de desenvolver uma vacina para uma doença que já ceifou mais de 2 milhões de vidas em todo o mundo conseguiu levar os governos a aceitar limitações ainda maiores de responsabilidade. Na Estratégia de Aquisição de Vacinas publicada pela Comissão Europeia, afirmava-se que "a responsabilidade pelo desenvolvimento e utilização da vacina, incluindo qualquer compensação específica exigida, caberá aos Estados-Membros que a adquiram". Caso do Peru Um país da América Latina, o Peru, tornou-se um exemplo notável dos problemas que essa limitação de responsabilidade acarreta para as empresas farmacêuticas. As negociações do governo peruano com a empresa Pfizer para aquisição da vacina não se concretizaram porque, segundo a ministra da Saúde, Pilar Mazzetti, "foram identificadas algumas cláusulas que exigiam uma análise mais aprofundada para determinar a compatibilidade com as leis e regulamentos peruanos, âmbito que o Estado pode assumir ". A BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, tentou entrar em contato com a Pfizer, mas não obteve resposta. A falta de acordo com a Pfizer levou as autoridades peruanas a buscarem outras opções, como a vacina da fabricante chinesa Sinopharm. Taxa de progresso da vacinação varia de país para país Ao contrário do que acontece em outros países da região, como Argentina ou Chile, a vacinação ainda não começou no Peru e as autoridades não conseguiram oferecer um calendário seguro. Na Colômbia, o governo tem sofrido fortes críticas por ainda não ter começado a vacinar as pessoas e por ter se referido a cláusulas de confidencialidade para justificar porque ainda não poderia oferecer uma data para começar seu programa de vacinação. A confidencialidade dos contratos, porém, tem defensores, baseados, sobretudo, nos chamados "subsídios cruzados". Ao poder cobrar mais dos países ricos, os laboratórios podem oferecer preços acessíveis aos países com menos recursos. Em entrevista à BBC News Mundo, o economista David Bardey ressalta que, se houvesse transparência nos preços dos medicamentos, "seria mais complicado para os laboratórios cobrarem preços mais altos aos países mais ricos se pudessem praticar preços mais baixos para outros países". "Se queremos que os países mais desenvolvidos paguem mais, é melhor que os preços não sejam públicos", diz o especialista, que também alerta que as nações mais avançadas estão adquirindo muito mais doses do que precisam porque "seus governos têm uma grande pressão de sua opinião pública e isso os está empurrando para uma espécie de nacionalismo da saúde. " O direito das empresas de lucrar com os grandes investimentos que fazem em pesquisa também é frequentemente referido. E um terceiro fator são os direitos de propriedade intelectual. Um especialista espanhol em saúde pública que preferiu não revelar seu nome resume o papel que, em sua opinião, os grandes laboratórios ocidentais estão desempenhando: "Eles estão defendendo sua patente para impedir que outros fabricem na Índia e vendam a preços mais baixos custo para os países pobres. " Ursula Von Der Leyen, presidente da Comissão Europeia, enfrenta o problema de fazer as empresas farmacêuticas cumprirem seus compromissos Jonathan García diz acreditar que os argumentos a favor da transparência ganham valor no contexto da pandemia. "Estamos falando de uma emergência global de saúde, algo que acontece a cada 100 anos, dado que seria de se esperar que o sistema usasse mecanismos muito mais transparentes e busque um esquema mais cooperativo. Em vez disso, vemos que ainda se busca um mercado de monopólio e mantendo vantagens nos preços". As diferenças no acesso às vacinas têm levado o mundo a um risco de "falha moral catastrófica", conforme definido pelo diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, dado que os países mais necessitados vão ter que esperar anos para imunizar sua população. A história das epidemias mostra que não é a primeira vez que isso acontece. Já aconteceu com a poliomielite e a varíola, doenças erradicadas muito antes nos países mais avançados. Ou com o HIV, que ainda dizima muitas populações africanas quando os pacientes do chamado primeiro mundo viram sua expectativa de vida aumentar significativamente graças ao desenvolvimento de tratamentos antirretrovirais. "Os remédios estão disponíveis; o problema são os custos", diz Garcia. E os países de renda média, como a maior parte da América Latina, não podem se dar ao luxo de negociar com os laboratórios a postura exigente da União Europeia, bloco formado por 27 Estados entre os mais desenvolvidos do mundo. E o Brasil? No caso do Brasil, o próprio ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, tem criticado os laboratórios por solicitarem a isenção de responsabilidade, ou seja, as empresas não poderão ser processadas por eventuais reações adversas com as vacinas. Só em relação à farmacêutica americana Pfizer, por exemplo, Pazuello já reclamou publicamente duas vezes. Mas especialistas consultados pela BBC News Brasil também afirma a medida já era esperada no país — e as vacinas que serão distribuídas ao público são seguras, pois foram aprovadas em testes clínicos rigorosos. "A responsabilidade da vacina é de quem implementa. É uma política pública. A partir do momento em que o governo compra a dose da vacina e passa a distribuir para o cidadão, aquilo é visto como um ato administrativo. Não tem como tirar a responsabilidade do Estado, passando a responsabilidade para o cidadão", diz o médico e advogado Daniel Dourado, especialista em direito à saúde. Para Eurico Correia, médico e mestre em medicina farmacêutica que trabalhou durante anos na indústria, "nem se devia ter feito muito alarde em torno desta cláusula, porque numa situação dessas ela deve ser encarada com normalidade". *Com informações adicionais de Martín Riepl em Lima (Peru), Carlos Serrano em Miami (EUA) e André Shalders em Brasília (Brasil). 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O americano abandonado no lixo quando bebê que se tornou milionário da tecnologia
O americano Freddie Figgers construiu uma empresa que vale hoje US$ 62 milhões (R$ 334 milhões).
Freddie Figgers era chamado de 'bebê do lixo' quando criança Mas seu caminho para se tornar um milionário não foi nada fácil. Freddie foi abandonado quando bebê ao lado de latas de lixo na zona rural do Estado americano da Flórida, nos Estados Unidos. "As crianças zombavam de mim; chamavam-me de 'garbage baby' ('bebê do lixo', em português), falavam 'ninguém te ama... você é sujo'. Lembro-me de quando descia do ônibus escolar e elas me agarravam e me jogavam em latas de lixo, rindo de mim", disse ele ao programa 'Outlook', da BBC. "Chegou a ponto que meu pai teve que me esperar no ponto de ônibus e me acompanhar até em casa. E as crianças me perturbavam ainda mais, zombando dele: 'Ha ha! Olha aquele velhote de bengala. ' Fim do Talvez também te interesse O pai de Freddie, Nathan, tinha 74 anos e sua mãe, Betty May, 66 quando o acolheram. Eles tinham seus próprios filhos biológicos e haviam acolhido dezenas de outras crianças ao longo dos anos — muitas delas enquanto seus próprios pais estavam na prisão — e planejavam parar quando fossem velhos. Mas de repente Freddie chegou. Ele não tinha ninguém quem o quisesse, então eles o adotaram e o criaram como se fosse seu filho. Quando Freddie começou a fazer perguntas, Nathan contou sua história. "Ele disse: 'Vou contar sem rodeios. Sua mãe biológica te abandonou e, como eu e Betty não queríamos te mandar para abrigos, nós te adotamos'. Me senti um lixo e sempre me lembro de quando meu pai me agarrou pelos ombros e disse: 'Nunca deixe isso te aborrecer'". Betty May e Nathan Figgers decidiram não acolher mais crianças... até que Freddie chegou "Meus pais me deram todo o amor que alguém poderia desejar. Eles fizeram tudo por mim. Nunca senti a necessidade de procurar minha família biológica porque minha mãe e meu pai, minha Betty e meu Nathan, eram tudo para mim, eu os amava." "São ótimas pessoas. Me ensinaram a ser íntegro, a sempre fazer a coisa certa, a nunca esquecer minhas origens. Vi meu pai sempre ajudando as pessoas, parando no caminho para atender estranhos, alimentando os sem-teto..." "Ele era um homem incrível e eu quero ser como ele." Do lixo à riqueza Nathan tinha dois empregos, como técnico de manutenção. Já Betty May era agricultora e, embora o casal não tivesse muito dinheiro, quando Figgers tinha nove comprou para ele um presente que mudaria sua vida: um computador Macintosh… quebrado. "Nos fins de semana eu ia com meu pai fazer o que chamamos de 'mergulho no lixo', andando por bairros diferentes em busca de coisas que as pessoas jogariam fora, como diz o ditado: o que é lixo para uns, para outros, é um tesouro." "Sempre fui fascinado por computadores. Sonhei com um computador Gateway, mas não podíamos comprá-lo." Na ocasião, seu pai o levou a uma loja de segunda mão, onde convenceu o vendedor a lhes vender um computador velho e danificado, pelo qual pagaram US$ 24. Computador que Freddie ganhou de presente quando tinha nove anos "Fiquei feliz. Como não ligava, desmontei e percebi que um componente estava quebrado e tudo fluía naturalmente. Meu pai trabalhava na manutenção e tinha muitas coisas à disposição, como pistolas de solda, rádios, relógios…" "Peguei partes de um rádio-relógio e as soldei e depois de cerca de 50 tentativas finalmente consegui fazer o computador funcionar. Foi então que eu soube que aquilo era o que queria fazer na minha vida." "Aquele computador apagou toda a dor do bullying que sofri. Enquanto estava sendo intimidado na escola, pensei o quanto queria ir para casa jogar no meu computador. "Aprendi a programar quando tinha 10 ou 11 anos e comecei a escrever programas básicos. Foi meu ponto de partida." Freddie foi adotado por casal de idosos logo após nascer Consertando computadores Pouco depois de aprender a linguagem dos computadores, Figgers conseguiu seu primeiro emprego. Aos 12 anos. "Eu frequentava um curso depois da escola em um laboratório de computadores". "Não havia técnico de informática, então quando uma máquina parava de funcionar, eles a desligavam e empilhavam com as outras danificadas. Eu pegava e substituía as partes danificadas de uma pelas partes boas de outra." Na época, a diretor-executiva do programa era a prefeita da cidade de Quincy e, ao ver o que Freddie havia feito, ficou surpresa, pediu permissão aos pais dele e levou-o à Prefeitura. Eles tinham dezenas de computadores quebrados lá e Freddie se dedicou a consertá-los indo ao local todos os dias depois da escola. Ele recebia US$ 12 por hora, mas "não era tanto pelo dinheiro... eu me divertia muito!" Três anos depois, quando tinha 15 anos e ainda trabalhava para a Prefeitura, uma empresa ofereceu um programa de monitoramento de medidores de pressão de água por US$ 600 mil. Os funcionários acharam melhor confiá-lo a Freddie, que criou o programa de que precisavam com o mesmo salário que estavam pagando a ele. Foi então que ele tomou uma decisão. "Na época eu estava entediado com a escola, então decidi sair e começar meu próprio negócio, embora meus pais discordassem." Quando Freddie tinha 17 anos, Nathan, seu pai, adoeceu com Alzheimer, doença que afeta o juízo e a consciência do paciente. "Lembro-me de uma noite em que fomos dormir depois de assistir a um filme de caubói de que ele gostava muito, e às 2h ele me acordou, rifle na mão, convencido de que era o herói do filme, me dizendo que eu precisava deixar a cidade. Consegui tirar o rifle dele e colocá-lo na cama, mas na manhã seguinte ele tinha sumido." "Ele saía de casa achando que o perseguiam e às vezes esquecia de colocar a camisa ou a calça, mas percebi que ele não parava de calçar os sapatos, então abri as solas deles, coloquei um circuito nelas, com um microfone, um alto-falante e uma placa de rede de amplo alcance e integrada com o meu laptop." "Isso tudo foi antes da existência da Apple ou do Google Maps, então eu o integrei ao TomTom para que, quando meu pai desaparecesse, eu pudesse apertar um botão no meu computador e saber onde ele estava." "Então ele me respondia 'não sei onde estou', assim que falava algo eu sabia se ele estava de pé, sentado ou deitado no chão". Sapatos do pai de Freddie se tornaram um meio de comunicação e um dispositivo para localizá-lo O GPS que ele criou também permitiu que ele soubesse exatamente onde Nathan estava. Chegou o momento em que a família começou a insistir para que ele fosse colocado em uma casa de repouso, mas Freddie não permitiu. Ele levava o pai para todos os lugares. "Ele não me abandonou, então eu não o abandonaria." Jovem e pioneiro Alguns anos depois, Freddie vendeu a tecnologia de calçados inteligentes que havia criado para cuidar de seu pai por mais de US$ 2 milhões. Mas foi nessa época que a saúde de Nathan piorou e ele morreu. Freddie nunca pôde comprar para ele o carro e o barco de pesca de que ele tanto gostava. "Foi então que aprendi que o dinheiro nada mais é do que uma ferramenta e decidi fazer todo o possível para tentar deixar o mundo melhor quando for a minha vez de partir, porque meu pai, sem ser rico, teve impacto na vida de muitas pessoas, e eu queria fazer o mesmo." E Freddie tinha um plano: lançar uma empresa de telecomunicações porque havia detectado uma lacuna no mercado: grandes empresas não investiam em áreas rurais como a que ele morava - Norte da Flórida, Geórgia do Sul - então não havia infraestrutura para os moradores desfrutarem de conexões rápidas. "A maioria das pessoas ainda usava uma conexão discada para acessar a Internet. Então, após 394 tentativas, a FCC finalmente me concedeu uma licença." A FCC é a Comissão Federal de Comunicações, uma agência estadual independente dos Estados Unidos, sob a responsabilidade direta do Congresso. O órgão é responsável pela regulamentação (incluindo censura) das telecomunicações interestaduais e internacionais por rádio, televisão, redes sem fio, telefones, satélite e cabo. Freddie Figgers usa seu domínio da tecnologia para ajudar os outros Quando Freddie finalmente recebeu sua licença como operador de telecomunicações, aos 21 anos, ele se tornou a pessoa mais jovem e o único afro-americano a obtê-la. Freddie começou instalando cabos de fibra ótica e construindo torres de telefone com as próprias mãos para construir sua empresa, a Figgers Communications, avaliada em dezenas de milhões de dólares. Mas seu diferencial é o que ele faz com o dinheiro que ganha. Cadeia de favores A Figgers Foundation oferece bolsas de estudo para estudantes afro-americanos e contribui com ajuda humanitária. Durante a pandemia de covid-19, ela forneceu equipamentos de proteção individual e ferramentas de aprendizagem digital para crianças carentes. Freddie, por sua vez, continua inventando produtos para a saúde, como os sapatos tecnológicos que criou para o pai. A inspiração para outra de suas invenções foi outra experiência traumática que teve quando tinha oito anos, quando seus pais foram visitar o tio de Betty May e o encontraram morto por um coma diabético. Catorze anos depois, Freddie criou um programa para tentar prevenir esse tipo de morte. "Os diabéticos têm que medir seus níveis de açúcar no sangue com regularidade, mas em áreas rurais, como a Geórgia do Sul, onde morava o tio da minha mãe, não havia ninguém para fazer isso. Então, criei um glicosímetro inteligente que, após fazer a medição, ele compartilha os dados com o seu telefone, seus médicos, seus familiares e seu plano de saúde, para que se algo estiver anormal, todos sejam avisados". Betty May ainda está viva, embora também sofra de Alzheimer. "Ela sempre teve muito orgulho de mim, embora nunca tenha entendido que eu estava trabalhando com computadores... ela pensava que eu estava trabalhando com videocassetes!" Seu conselho aos outros: "Não deixe que as circunstâncias definam quem você é e dê oportunidades aos outros." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Está na hora de tratarmos o açúcar como lidamos com o tabaco?
Não é de hoje que observamos que a população brasileira está cada vez mais gorda - o índice de obesos cresceu 42% em uma década (entre 2007 e 2017), segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, enquanto o índice de fumantes caiu 40% no mesmo período.
Um estudo apontou que bebidas açucaradas, como os refrigerantes, aumentam os riscos de certos tipos de câncer Entre as razões apontadas por pesquisadores para o aumento da obesidade estão o excesso de consumo de açúcar, especialmente aquele adicionado às bebidas açucaradas e aos produtos ultraprocessados, cada vez mais presentes na mesa dos brasileiros. São alimentos que contêm mais sal, mais açúcar, mais gordura, além de uma série de aditivos e conservantes que ninguém sabe precisamente o real efeito sobre a saúde. Um estudo divulgado no último dia 11 na revista científica British Medical Journal afirma que o consumo de bebidas açucaradas como refrigerantes e sucos adoçados artificialmente está associado a um risco maior de desenvolvimento de certos tipos de câncer, como o de mama, próstata e intestino. O estudo foi conduzido por pesquisadores franceses que avaliaram o comportamento de mais de 100 mil adultos e descobriram que quem ingere apenas 100 ml de bebidas açucaradas por dia tem um risco 18% maior de ter câncer. Além disso, há diversos problemas de saúde crônicos associados ao aumento da obesidade, especialmente a hipertensão arterial e o diabetes, até pouco tempo consideradas doenças exclusivas de adultos. Estima-se que, por causa desses problemas, uma geração inteira de crianças viverá pior do que os seus pais, acendendo o alerta vermelho para pesquisadores, instituições e governo. Fim do Talvez também te interesse Afinal, está na hora de tratarmos o açúcar como tratamos o tabaco? Cerco às bebidas açucaradas A BBC News Brasil ouviu nutricionistas, representantes de entidades de defesa do consumidor, pesquisadores, Ministério da Saúde, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a indústria de alimentos e bebidas para discutir os malefícios do açúcar para a saúde e o que está sendo feito em saúde pública para minimizar esses danos. A conclusão é que a preocupação com o excesso de consumo existe, tanto por parte das entidades de defesa do consumidor, que sugerem medidas mais duras, como o fim da publicidade voltada para o público infantil e alertas nos rótulos dos alimentos, quanto por parte do governo, que admite o problema e destaca como medida a assinatura de um acordo com a indústria para a redução da quantidade de açúcar nos alimentos industrializados. Acredita-se que uma geração inteira de crianças terá uma vida menos saudável que o dos pais Mas, para entidades e pesquisadores, isso ainda é muito pouco e o país está longe de ter uma medida realmente efetiva em saúde pública contra o açúcar. "Com relação ao açúcar, nós estamos a quilômetros de distância do sucesso da campanha contra o tabagismo, que foi uma das campanhas de saúde pública de maior sucesso no país. E nenhum país ainda conseguiu reverter ou estagnar o índice crescente de obesidade", disse a nutricionista Maria Laura da Costa Louzada, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo (USP), e professora do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para pesquisadores e entidades de defesa do consumidor, o primeiro passo para lidar com o problema de maneira eficaz seria alterar a rotulagem dos alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas adicionando um símbolo de alerta indicando alto teor de açúcar, de sódio ou gordura na parte frontal da embalagem. Depois, defendem tributar a produção de bebidas açucaradas, que no Brasil tem subsídio do governo: nos últimos dias o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um decreto ampliando de 8% para 10% o benefício fiscal do IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados) para a fabricação de concentrados de refrigerantes. "Estamos na contramão dos países desenvolvidos. Cerca de 40 países tributam as bebidas e aqui concedemos isenções e créditos fiscais. O caminho do subsídio é um grande problema a ser enfrentado", avalia a nutricionista Ana Paula Bortoletto, líder do Programa de Alimentação Saudável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Ultraprocessados Entre os exemplos de alimentos ultraprocessados estão pães de forma, iogurtes prontos, sucos de caixinha, macarrão instantâneo, barras de cereais, gelatinas e até o aparentemente inofensivo peito de peru. São alimentos cada vez mais consumidos pelos brasileiros - pela facilidade de acesso e pelo baixo preço - mas são ricos em calorias, sal, açúcar, gordura, além de uma série de aditivos e conservantes que ninguém sabe de fato o real efeito sobre a saúde. As bebidas açucaradas incluem refrigerantes, néctares (sucos de caixinha), sucos em pó e outras bebidas adoçadas. Refrigerantes estão entre os produtos com maior teor de açúcar Trata-se de uma classificação "nova" da tabela de alimentos, que passou a ser considerada apenas em 2014 com a publicação da segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, e a adoção do sistema de classificação alimentar NOVA, elaborado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da USP. Segundo a nutricionista Maria Laura Louzada, pesquisadora do Nupens e professora da Unifesp, a alteração ocorreu depois que pesquisadores perceberam, por meio da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que a população comprava cada vez menos açúcar refinado, sal e óleo, mas continuavam engordando. Ao mesmo tempo, havia cada vez mais industrializados à mesa. "Nos demos conta de que o problema não era exatamente o açúcar que adicionamos ao cafezinho, mas sim o açúcar presente nos outros alimentos", explicou. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quarto maior consumidor de açúcar no mundo (12 milhões de toneladas/ano), atrás apenas da Índia, da União Europeia e da China. Ainda segundo a entidade, o brasileiros consomem 50% a mais de açúcar do que o recomendado. Isso significa que, por dia, cada brasileiro, consome, em média, 18 colheres de chá do produto (o que corresponde a 80g de açúcar/dia), quando o recomendado pela OMS seria até 12 colheres. O consumo excessivo de açúcar causa, entre outros problemas, danos ao fígado, que armazena glicose (um tipo de açúcar) e, em excesso, se transforma em gordura; danos ao pâncreas, responsável pela liberação da insulina (que auxilia na entrada de glicose nas células); aumento do aparecimento de cáries nos dentes; além do excesso de peso que pode evoluir para obesidade, pressão alta, diabetes e outras complicações. "Enquanto países do hemisfério Norte já consomem 80% de alimentos ultraprocessados, nós ainda consumimos em torno de 30%. É possível reverter isso, mas ainda falta muita informação", avalia Bortoletto, do Programa de Alimentação Saudável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Debate sobre alteração dos rótulos Pesquisadores defendem que os rótulos dos ultraprocessados deveriam alertar para o alto teor de açúcar dos produtos Para tentar frear a epidemia de obesidade e o aumento da ingestão de produtos ultraprocessados, pesquisadores e entidades de defesa do consumidor sugerem a alteração na rotulagem dos alimentos, incluindo símbolos na parte da frente da embalagem alertando para o alto teor de açúcar, sódio e gordura, a exemplo do que já está sendo feito no Chile e no Canadá. Hoje, os rótulos não são obrigados a informar a quantidade de determinado nutriente, apenas que ele está presente na composição. Na avaliação da engenheira de alimentos Rosires Deliza, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, se o consumidor souber o que está de fato consumindo, ele poderá buscar comprar o alimento que ele considerar mais saudável. "É muito difícil traduzir um rótulo da forma como é feito hoje. A ordem que os ingredientes aparecem indica qual deles está em maior quantidade. O açúcar, em geral, é o primeiro da lista. Mas ninguém é obrigado a saber isso", afirma Deliza. Para descobrir se o consumidor conseguia identificar alimentos saudáveis e não saudáveis por meio da embalagem, Deliza e uma equipe de pesquisadores da Embrapa avaliaram a eficácia da rotulagem atual, chamada GDA (referência de ingestão diária em relação a uma dieta adulta padrão), com outros seis modelos de rótulos, incluindo o semáforo nutricional (de colocar alertas em cores verde, vermelha e amarela) e cinco símbolos de alerta: octógono preto, triângulo preto, círculo vermelho, lupa vermelha e lupa preta. "Constatamos que o modelo atual, o GDA, foi o que as pessoas tiveram mais dificuldades de indicar os alimentos saudáveis por serem rótulos confusos. Com o semáforo, gerou confusão, pois uma mesma embalagem podia ter cor vermelha por ser alta em sódio, mas também a cor verde por ter pouco açúcar. Entre os alertas, o octógono preto foi o símbolo que as pessoas identificaram mais rápido, como sendo algo prejudicial", explicou a pesquisadora. Com base nesses dados, as entidades propõem mudanças nas rotulagens. O assunto está em discussão na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há mais de um ano e a previsão é que uma consulta pública seja disponibilizada para a população opinar sobre o tema em setembro deste ano. Em nota, a Anvisa informou que a norma vigente sobre rotulagem nutricional é de 2003 e, apesar dos avanços, ainda há dificuldades de utilização dessa rotulagem pelos consumidores brasileiros. "A principal razão para intervenção regulatória da Anvisa é garantir aos consumidores o acesso às principais informações sobre os alimentos, de forma simples, padronizada, precisa e compreensível, evitando práticas enganosas e contribuindo para a promoção da saúde", informou a agência, em nota. A Anvisa informou ainda que uma das principais alternativas regulatórias será, sim, o uso da rotulagem nutricional frontal com a divulgação de nutrientes considerados críticos à saúde, entre eles o açúcar. Entidades também defender o fim da publicidade infantil que associe personagens a alimentos não saudáveis As entidades também defendem o fim da publicidade voltada para o público infantil, associando personagens e bichinhos aos alimentos considerados não saudáveis, além do aumento da tributação das bebidas açucaradas - no Brasil, elas são fabricadas na Zona Franca de Manaus, com isenção de impostos. Acordo com a indústria O Ministério da Saúde admite o problema e afirmou, em nota oficial, que a prevenção da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis é uma das prioridades do governo. Como exemplo, cita que fez acordo com a indústria de alimentos e assumiu a meta de reduzir 144 mil toneladas de açúcar até 2022, em cinco categorias de alimentos: mistura para bolos, produtos lácteos, achocolatados, bebidas açucaradas e biscoito recheados. "Ao estabelecer a meta até 2022, o Brasil se destaca como um dos primeiros países do mundo a buscar a diminuição do açúcar nos alimentos processados e ultraprocessados. A meta foi estabelecida por meio de um Termo de Compromisso assinado entre o Ministério da Saúde e associações representativas do setor produtivo brasileiro", diz a nota. O acordo é similar ao pacto firmado em 2011 para a redução de sódio nos alimentos, eliminando mais de 17 mil toneladas de sódio em quatro anos. Segundo o ministério, as associações Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação); Abimapi (Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados), Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas) e Viva Lácteos (Associação da Indústria de Lácteos) comprometeram-se com essa meta de forma voluntária. Para pesquisadores da área, esses acordos são pouco efetivos, pois além de serem voluntários, possuem metas muito baixas. O governo afirmou também que, no ano passado, o país assumiu o compromisso de deter o crescimento da obesidade na população adulta por meio de políticas de saúde e segurança alimentar e nutricional; como reduzir o consumo regular de refrigerante e suco artificial em pelo menos 30% na população adulta e ampliar em no mínimo de 17,8% o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente. "Para qualquer mudança precisa haver uma parceria muito grande entre governo, entidades, indústria. Não adianta nada fazermos estudos, chegarmos ao resultado e não ser colocado em prática. O Chile implementou de maneira pioneira a mudança nos rótulos faz dois anos. Estamos todos querendo saber os resultados", avaliou Deliza, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Entre as razões para o aumento da obesidade estão o excesso de consumo de açúcar, especialmente aquele adicionado às bebidas açucaradas e aos produtos ultraprocessados Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e a Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes (Abir) informaram ter consciência de sua responsabilidade em contribuir com bem-estar de seus consumidores, produzindo alimentos saudáveis e seguros. "Em relação à redução do açúcar, 68 empresas associadas assinaram o termo de compromisso [com o Ministério da Saúde]. Juntas, representam 87% do mercado nacional de alimentos e bebidas", diz a nota. A indústria de alimentos e bebidas informou ainda que apoia a mudança nos rótulos e que está contribuindo com a Anvisa. "A Rede Rotulagem, formada por 20 entidades ligadas ao setor, defende que sejam utilizados rótulos informativos com todos os dados para que o consumidor tenha liberdade de escolha. Entende que os modelos de advertência não são democráticos e comprometem a percepção do consumidor. São propostas alarmistas sem o objetivo de informar e, tampouco, auxiliar as pessoas", afirma o comunicado. Com relação à publicidade dirigida ao público infantil, a Abia informou que possui um acordo de apenas anunciar produtos para crianças menores de 12 anos de idade que atendam aos critérios nutricionais comuns ou não anunciar produtos para menores de 12 anos. E com relação à sugestão de taxar as bebidas açucaradas, a Abir informou que "não há nenhum estudo que comprove a eficácia desta medida no combate à obesidade, doença multifatorial. Focar em refrigerantes também seria ineficaz. Dados da Vigitel/Ministério da Saúde constataram uma queda de 40% no consumo de refrigerantes na última década." Já a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) informou, em nota, que "rechaça todas as pretensões de controlar o consumo de açúcar por vias regulatórias". Acrescenta que "é comprovado que a maior parte do consumo de açúcar do país provém da adição feita no preparo final dos alimentos". A Unica disse ainda ser a favor do debate de ideias e da busca de soluções que garantam a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
As seis tramas que são a base de (quase) todas as histórias já contadas
"Minha contribuição mais bonita à cultura". Assim foi como o romancista Kurt Vonnegut descreveu sua antiga tese de mestrado em antropologia, "que foi rejeitada porque era simples e divertida demais". A tese sumiu sem deixar rastro, mas Vonnegut continuou a promover a grande ideia por trás dela: "as histórias têm formas que podem ser desenhadas em papel gráfico".
Pesquisadores analisaram romances e chegaram a seis formas de narrativas aplicadas às histórias Em uma palestra em 1995, Vonnegut esboçou vários arcos narrativos - os desdobramentos de ações dramáticas de uma história - em um quadro negro, traçando como a sorte do protagonista muda ao longo de um eixo que se estende de "boa" a "má". Esses arcos incluem: "homem no buraco", no qual o personagem principal entra em apuros, e em seguida sai dele ("as pessoas adoram essa história, elas nunca se cansam!"); e "o menino fica com a menina", no qual o protagonista encontra uma pessoa maravilhosa, perde-a, e depois a reencontra. "Não há razão por que as formas simples de histórias não possam ser inseridas em computadores", ele ressaltou. "São formas lindas". Graças a novas técnicas de mineração de texto, isto foi feito. O professor Matthew Jockers, da Universidade de Nebraska, e, posteriormente, pesquisadores do Laboratório de História Computacional da Universidade de Vermont, ambos dos EUA, analisaram dados de milhares romances. Com isso, eles chegaram a seis tipos básicos de histórias - também chamados de arquétipos - que formam os blocos de construção para narrativas mais complexas. São eles: Ascensão - Da pobreza à fortuna, ou de má a boa sorte Declínio - Declínio de bom a mau, uma tragédia Icarus - ascensão e depois declínio da sorte Oedipus - declínio, ascensão e declínio de novo Cinderela - ascensão, queda, ascensão Homem no buraco - queda, ascensão Os pesquisadores se basearam na chamada análise de sentimento. Essa é uma técnica estatística comumente usada por marqueteiros para analisar posts de mídia social. Com base em dados públicos, a cada palavra é alocada uma "pontuação de sentimento". Dessa forma, uma palavra pode ser categorizada como positiva (feliz) ou negativa (triste), ou pode ser associada a até oito emoções mais sutis, como medo, alegria, surpresa e anseio. Por exemplo, a palavra "abolir" é negativa e associada à raiva. Ao fazer a análise de sentimento em todas as palavras de um romance, poema ou peça e traçar os resultados em relação ao tempo, é possível perceber as mudanças de humor ao longo do texto, revelando um tipo de narrativa emocional. Embora não seja um sistema perfeito - já que foca em palavras isoladas, ignorando o contexto -, ele é surpreendentemente perspicaz quando aplicado a trechos maiores de texto. As ferramentas para fazer análises de sentimento estão livremente disponíveis, e boa parte da literatura de domínio público pode ser baixada de bancos de dados online como o Projeto Gutenberg. A BBC Culture pesquisou algumas das histórias britânicas mais populares para tentar aplicar as seis formas narrativas. A Divina Comédia (Dante Alighieri, 1308-1320) Tipo de narrativa: ascensão Dante Alighieri, autor de 'A Divina Comédia' O poema épico de Dante conta sua jornada imaginária ao inferno, acompanhado do poeta Virgílio. Obviamente, as coisas começam mal na Divina Comédia, com uma pontuação baixa de sentimento que se afunda ainda mais à medida que a dupla desce aos círculos do inferno. Há traços de "um homem no buraco" na história, que acaba sendo literal em um texto tão alegórico como esse. Tendo sobrevivido milagrosamente ao inferno, eles então escalam a Montanha do Purgatório onde as almas dos excomungados, preguiçosos e luxuriosos residem. E Beatriz - a mulher ideal de Dante - acaba substituindo Virgílio como companhia. A ascensão do casal ao paraíso é marcada pelo aumento da alegria à medida que o poeta compreende a verdadeira natureza da virtude, e sua alma se torna plena "do amor que move o sol e outras estrelas". Madame Bovary (Gustave Flaubert, 1856) Tipo de narrativa: declínio Em dado momento da história de Flaubert, a dona de casa entediada e desleal - a protagonista, Emma Bovary - reflete que, se sua vida até então foi tão ruim, a parte a ser vivida será com certeza melhor. Não é bem assim. Emma embarca em relações amorosas falidas e desesperadas, que oferecem apenas um breve respiro a um tédio angustiante. Bovary é uma mulher criativa casada com o homem mais sem graça do mundo, acumula dívidas exorbitantes e acaba se suicidando com arsênico. Seu marido de luto, após descobrir suas várias infidelidades, também morre, e a então filha órfã do casal vai viver com uma tia pobre, que a manda trabalhar em uma fábrica de algodão. É uma clássica tragédia, conduzida implacavelmente rumo ao total declínio. Romeu e Julieta (William Shakespeare, 1597) Tipo de narrativa: Icarus William Shakespeare escreveu a peça 'Romeu e Julieta' Romeu e Julieta é comumente considerada uma tragédia por conta da descrição do próprio Shakespeare, mas, quando a analisamos, a história se alinha mais à forma de Icarus: ascensão e declínio. Afinal, o menino precisa encontrar a garota e se apaixonar antes que ambos se percam. O pico romântico acontece quando se passa cerca de um quarto da peça, na famosa cena da varanda, na qual eles declaram amor eterno um ao outro. É uma descida morro abaixo a partir daí. Romeu mata Tybalt e foge. Logo, o plano de Friar de forjar a morte de Julieta traz um pequeno salto de esperança à trama, mas, depois que a jovem bebe a poção, nada consegue evitar o final trágico. Orgulho e Preconceito (Jane Austen, 1813) Tipo de narrativa: Homem no buraco ou Cinderela Escrito por Jane Austen, 'Orgulho e Preconceito' inspirou filme lançado em 2005 A primeira metade do romance de Austen traz um animado baile (embora comedido), gracejos e propostas de casamento cômicas. como a do vigário Mr Collins. As coisas ficam mais sombrias quando Bingley parte, e Elizabeth começa a se estranhar com Darcy (mas por um mal-entendido, obviamente). O sentimento do romance entra em um território decisivamente negativo depois da proposta desastrosa de Darcy, alcançando seu ponto mais baixo quando Lydia foge com o desonesto Wickham. Isso, claro, serve de oportunidade para Darcy provar a que veio, o que ele faz com dignidade e segurança. Assim, ele ganha o coração de Elizabeth e assegura um comedido final feliz, em que todos estão ligeiramente mais sábios do que antes. Frankenstein (Mary Shelley, 1818) Tipo de narrativa: Oedipus O influente romance de Shelley narra a lamentável vida de Victor Frankenstein e sua Criatura. O primeiro narrador é o capitão Robert Walton, que, em cartas à sua irmã, conta o enredo de Victor - que aparece em primeira pessoa no texto. Num certo ponto, a Criatura assume a narrativa, transformando o romance em uma história dentro de uma história dentro de uma história. Esse é o momento de respiro da trama, que em geral segue uma trajetória descendente desde o início, com a descrição de Victor sobre sua vida feliz, até o surpreendente final. Em um momento crucial, a dois terços do romance, a Criatura oferece a Victor uma saída - fazer para ele uma companheira feminina. Mas Victor recusa. Desse ponto em diante, seu destino está selado. "Lembre-se, eu estarei contigo na noite de seu casamento", ameaça a Criatura. E assim o faz. O Patinho Feio (Hans Christian Andersen, 1843) Tipo de narrativa: Complexa Embora seja curta, a famosa fábula de Hans Christian Andersen tem estrutura complexa. Ela incorpora tipos narrativos de "dois homens no buraco" (ou melhor, um pato no buraco) dentro de uma narrativa de "ascensão". Ou seja, as coisas melhoram ao longo da história para o patinho, mas há flashes de luz e escuridão no caminho. Ele sai do ovo (oba!), mas sofre bullying por ser diferente (ahhh). Ele descobre que pode nadar melhor que os outros patos e sente um indício de afinidade com o grupo de cisnes em sobrevoo (oba!). Em seguida, quase morre no inverno gelado (ahhh). E finalmente torna-se um cisne, de uma forma completamente prevista desde o início. A ideia é essa, claro: "Nascer num ninho de pato não tem importância se ele vem do ovo de um cisne". A história termina com a pontuação mais alta, aquele que sempre foi um cisne exclama que "nunca sonhou com tamanha felicidade".
O desastre em Florença que pode servir de lição para preservação do patrimônio histórico do Brasil
País que ostenta o maior número (54) de patrimônios da humanidade reconhecidos pela Unesco, a Itália teve num grande desastre natural que alagou o centro histórico de Florença, cidade berço do Renascentismo, uma inflexão crucial nos procedimentos de segurança adotados na sua extensa lista de bens culturais - que vão da pré-história aos dias atuais.
A grande enchente em Florença, em 1966, casou destruição, mas também estimulou a criação de um refinado sistema de restauro em obras de arte que se tornou referência mundial O histórico italiano deixa lições, segundo especialistas do setor, para países como o Brasil, que acaba de ter o seu Museu Nacional destruído por um incêndio - mesmo que a causa de um desastre seja um fenômeno natural e a de outro a ação (ou inação) humana. No caso da Itália, a tragédia foi provocada pela enchente - causada por fortes chuvas - do rio Arno, na Toscana, em novembro de 1966. O aguaceiro danificou uma parte considerável do acervo histórico de Florença (o nível da água chegou a quase seis metros de altura, inundando galerias, museus, igrejas e bibliotecas) e impulsionou uma série de medidas que foram adotadas progressivamente nos anos seguintes. O trabalho desenvolvido ali levou à formação de um refinado sistema de restauro em obras de arte que se tornou referência mundial e marcou na história um dos momentos mais bonitos de solidariedade - para a preservação do acervo e limpeza da cidade - que envolveu 74 países, inclusive o Brasil. De Florença, onde vive e leciona na Università degli Studi Firenze, a historiadora da arte italiana Cristina Acidini acompanhou com desalento o incêndio no Rio de Janeiro no início deste mês. Não faz muito tempo, ela havia visitado o local destruído. "Não há dúvidas de que se trata de uma verdadeira perda para toda a humanidade", lamentou. Foi criado, após a enchente em Florença, um código civil para a proteção do patrimônio histórico de todo o país e, uma década depois, o Ministério dos Bens Culturais, responsável ainda pela área de cinema, arquivos e bibliotecas Para Acidini, que foi diretora do polo de museus de Florença e atualmente preside a Academia da Arte do Desenho, a tragédia no Museu Nacional só se compara às destruições do patrimônio histórico vistas em conflitos como a Segunda Guerra Mundial (1939-45) - que muito afetou a Itália - ou mesmo na atual guerra da Síria, que já destruiu mais de duas dezenas de locais declarados como patrimônio da humanidade. "Em tempos de paz, nunca vi algo semelhante como o desastre no Rio", ressaltou. Se há algo positivo no episódio, acrescenta ela, está a revisão imediata das condições dos demais museus e instituições culturais do Brasil para que, no futuro, novos desastres dessa magnitude não se repitam. Na Itália, a enchente em Florença resultou na criação de um código civil para a proteção do patrimônio histórico de todo o país e, uma década depois, na criação do Ministério dos Bens Culturais, responsável também pela área de cinema, arquivos e bibliotecas. Na região da Toscana se criou ainda um plano de proteção ao centro histórico (um dos patrimônios listados pela Unesco) que envolve Corpo de Bombeiros, policiais e a população civil, treinada para agir em caso de emergência. "Muitos moradores foram capacitados para, ao primeiro alarme, estarem aptos a salvar as obras de arte", disse Giorgio Federici, engenheiro hidráulico que coordenou os trabalhos de uma comissão formada na cidade sobre a enchente ocorrida há mais de meio século. Além da prevenção contra incêndios e enchentes, o país também desenvolveu um plano antissísmico, já que é alvo frequente de terremotos. Pântano no berço do renascimento No dia 4 de novembro de 1966, 80 milhões de metros cúbicos de água invadiram Florença após o rompimento de um dique do rio Arno - por aqueles dias, chuvas torrenciais atingiram toda a Itália. Além de deixar dezenas de mortos e milhares de desabrigados, a água tomou igrejas, galerias como a dos Ofícios, um dos mais antigos e famosos museus do mundo, que reúne a maior coleção de obras do Renascimento italiano, e instituições como a Biblioteca Nacional. Pelo menos 1.500 obras de arte sofreram danos (muitas delas se perderam para sempre), assim como milhares de livros, manuscritos, esculturas e pontes. Após a água ser drenada, o centro histórico da cidade parecia um grande pântano. A rede de solidariedade que se formou em seguida reuniu gente do mundo inteiro que chegou a Florença para ajudar na sua reconstrução - sobretudo jovens, que passaram a ser chamados de "angeli del fango", ou anjos do barro. As águas da enchente de 1966 tomaram igrejas, museus e a Bliblioteca Nacional de Florença De máquinas para drenar a água enviadas pela Holanda e Alemanha às bananas despachadas pela Somália, a Itália recebeu ajuda de pelo menos 74 países. O Brasil, que fez parte da rede, contribuiu com doações em dinheiro do governo do Rio de Janeiro e com o envio de notáveis como o curador de arte Deoclecio Redig de Campos (que trabalhou por anos no Museu Vaticano), além da presença de jovens estudantes que estavam à época em Paris e foram se juntar ao mutirão na Toscana. Segundo o centro que documentou os danos da enchente, cerca de mil quadros e afrescos já foram restaurados, além de milhares de livros - quase 52 anos depois, pelo menos 80 mil volumes ainda esperam para serem restaurados. Uma das obras-primas danificadas só voltou a ser exibida ao público no final de 2016. Trata-se do quadro A última ceia, pintura de Giorgio Vasari datada de 1546 que passou à época mais de 12 horas debaixo d'água. Uma das obras mais importantes do Renascimento italiano, a tela passou 40 anos num depósito e só foi recuperada graças ao financiamento da fundação americana Getty em parceria com a marca de roupas Prada. Ela voltou a ser exposta no seu lugar de origem, o antigo refeitório da basílica de Santa Croce - agora com um moldura especial que faz com que ela seja alçada ao teto em caso de novo alagamento. Orçamento reduzido Assim como o setor cultural brasileiro, a Itália sofre com a redução gradual do orçamento destinado à área. Em 2017, segundo dados do Ministério de Bens Culturais, o valor disponível foi quase o mesmo do ano 2000 (cerca de 2,1 bilhões de euros anuais, após uma queda significativa na última década, consequência da crise econômica). A previsão orçamentária para este ano é de leve melhora. Um alento, por um lado, é a enormidade do patrimônio histórico italiano, o que permite diferentes fontes de financiamentos - em todo o país, são mais de 4 mil museus, bibliotecas, monumentos, etc. Muitos são geridos pela Igreja Católica, caso por exemplo do Museu Vaticano e da Capela Sistina, marcos artísticos de Roma, além de igrejas que abrigam obras-primas como Moisés de Michelangelo. A participação do Vaticano na manutenção de parte do patrimônio cultural, contudo, não significa progresso. No final do mês passado desabou em Roma o teto da igreja San Giuseppe dei Falegnami, construída no século 16. A poucos passos do Fórum Romano, outro ponto bastante visitado por turistas na capital italiana, a igreja estava fechada na hora do desabamento - ninguém se feriu. Há, ainda, fundos repassados ao país pela União Europeia. Um dos programas garantiu entre 2014 e 2020 pelo menos 490 milhões de euros para as cinco províncias do sul da Itália, região historicamente menos desenvolvida e com grandes atrações como Pompeia. Um dos problemas do país, segundo Giorgio Federici, é a formação de pessoal que possa continuar a atuar na área da restauração e preservação do patrimônio histórico - ele diz que muitos profissionais foram aposentados compulsoriamente pelo Estado italiano. "Um bom restaurador custa algum dinheiro, e não é simples formá-lo", conta. Para Marco Ciatti, superintendente do Opificio delle Pietre Dure, instituto ligado ao Ministério de Bens Culturais que se dedica ao restauro de obras de arte (e criado após a enchente em Florença), a enormidade do patrimônio histórico italiano, se por um lado cria oportunidades de gestão, por outro gera obstáculos para a preservação. Ele diz que o órgão, que já colaborou na recuperação de obras de arte de outros países, poderia ajudar a amenizar o luto cultural brasileiro. "Mas isso depende de uma ação entre os dois governos, o que ainda não foi feito", ressalta. Um caminho, que vem sendo implementado na Itália desde 2014, é o financiamento do restauro e preservação de obras ou monumentos por parte de empresas em troca de benefícios fiscais. Nesses casos, a lista das intervenções necessárias é elaborada pelo Estado italiano. Nos últimos quatro anos, foram mais de 1.300 financiamentos privados, que somaram mais de 200 milhões de euros pagos por cerca de 6.300 empresas ou pessoas físicas. Um dos financiamentos restaurou e modernizou a área de visitação do Coliseu, um dos mais movimentados pontos turísticos do país. Bancado pela Tod's, empresa italiana que produz calçados e outros acessórios de couro, a reforma custou 25 milhões de euros.
Londres é a 1ª cidade turística da Europa
Londres foi eleita a principal destinação turística da Europa.
O anúncio foi feito em Nova York, no mês passado, durante a entrega do décimo Prêmio Mundial de Turismo. O voto é dado, anualmente, por milhares de agentes de viagem, operadoras de turismo e compradores de pacotes turísticos em nível internacional. A concorrência era forte, mas Londres saiu na frente de cidades como Paris, Roma e Madri. Atravessando os séculos Da margem sul do rio Tâmisa, num arco de 180 graus, vê-se do lado esquerdo o palácio de Westminster com o Big Ben, a casa do parlamento, a sede do poder político. No outro extremo, a City, o centro financeiro, com espigões futuristas deixando na sombra prédios históricos como a Catedral de São Paulo. São dois mil anos de história, mas com a vitalidade de uma jovem capital. Só esta paisagem já explicaria, em parte, o apelo de Londres. Mas há outros atrativos que justificam a premiação, como explica o porta-voz do departamento de turismo, Ken Kelling. "Londres é um lugar fantástico para se visitar, no momento. As pessoas redescobrindo os monumentos históricos famosos, como a Torre de Londres e o Big Ben, mas também encontram muitas atrações novas, como a Tate Modern, o museu de arte moderna e a roda-gigante do milênio", diz Ken Kelling. "E não só isso. Londres, hoje em dia, tem uma grande variedade de coisas." "Por exemplo, o visitante encontra aqui 70 tipos diferentes de culinária e os restaurantes em Londres atualmente têm mais estrelas do famoso guia Michelin do que Paris", acrescenta Kelling. Potência cultural e econômica Londres tem uma população de sete milhões e duzentas mil pessoas: é a capital mais cosmopolita da Europa. Vinte e cinco porcento da população pertencem a alguma minoria étnica e nada menos que 200 línguas são faladas em Londres. Mais do que em qualquer outro país do mundo, segundo dados oficiais. Este aspecto multicultural é uma das principais características da cidade, como registrou o escritor londrino Peter Ackroyd, no livro ‘Londres: a Biografia’: “Londres sempre foi uma cidade de imigrantes. Ela chegou a ser conhecida como ‘a cidade de nações’, e, em meados do século dezoito, Addison observou que ‘quando eu contemplo esta cidade notável, em seus inúmeros bairros ou divisões, eu a vejo como um agrupamento de várias nações, distintas umas das outras por seus respectivos costumes, hábitos, e interesses’." "A mesma observação se aplicaria a qualquer período dos últimos 250 anos”. O poder econômico da cidade é tamanho que, se fosse um país, Londres seria a oitava economia da Europa. Mas não é isso que atrai os 30 milhões de turistas por ano. Eleita, apesar dos problemas Os turistas costumam buscar o patrimônio histórico, os prédios ligados à realeza, os teatros, museus e parques. Além disso, Londres vem passando por uma transformação, nos últimos anos, e está visivelmente mais animada, como constatou o capixaba de Cachoeiro de Itapemirim, Tiago Brito, de 24 anos, que visita a cidade pela primeira vez. "Eu fui a vários clubes aqui, a umas festas rave e é muito diferente do Brasil. Numa festa, tinha gente de toda idade, desde crianças até pessoas com mais de 60 anos", conta ele. "No final, eles soltavam um pára-quedas sobre a pista de dança e as pessoas dançavam debaixo desse pára-quedas. É realmente muito legal para quem está buscando novas experiências", diz Tiago. A cultura jovem – com sua moda, modismos e tendências -- é um dos grandes trunfos de Londres. Como se não bastasse, projetos arquitetônicos arrojados vêm aos poucos mudando a paisagem londrina. Mas nem tudo na cidade é motivo de orgulho. Muitos turistas se surpreendem, por exemplo, com um transporte público caro e ineficiente, e com o número de mendigos e drogados nas ruas da capital. Isso, no entanto, não impediu que Londres fosse escolhida a melhor destinação turística da Europa.
Febre amarela pode acelerar extinção de macacos ameaçados
O maior surto de febre amarela silvestre já enfrentado pelo Brasil não chegou ao coração das grandes cidades, como muitos temiam, mas vem atingindo regiões onde vivem alguns dos primatas mais ameaçadas do país - e especialistas temem que sua expansão possa acelerar a extinção de espécies vulneráveis.
A febre amarela chegou à única região do país onde o mico-leão-dourado ainda vive na natureza Até agora, de acordo com o Ministério da Saúde, quase 5,5 mil macacos morreram por suspeita de febre amarela desde o início do surto - números considerados muito aquém da realidade, já que muitos animais morrem no interior das matas, distante de qualquer contato com humanos. Além de provocar a maior epidemia humana da doença em décadas no Brasil, causando 426 mortes, o vírus teve uma expansão geográfica sem precedentes em florestas e matas, definida por especialistas como uma tragédia humana e ambiental. A comunidade de primatólogos está apreensiva com o impacto da mortandade sobre espécies ameaçadas de extinção, como o muriqui-do-norte, o mico-leão-dourado e os bugios, que vivem em reservas e matas nas regiões alcançadas. "Já tínhamos 70% dos primatas da Mata Atlântica ameaçados de extinção", afirma Leandro Jerusalinsky, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). "Junte-se a esse cenário um surto de febre amarela, e a coisa complica. Para várias populações, isso pode ser o tiro de misericórdia, que leve de fato a extinções locais", diz ele, considerando que ainda vai levar um tempo para avaliar o impacto do surto atual. Mortes em segundo plano No auge do surto, entre janeiro e março, Jerusalinsky diz que seu WhatsApp não parava. Fotos de animais encontrados mortos chegavam toda hora pelo aplicativo, acompanhando trocas de mensagens constantes de primatólogos de todo o país - que formaram grupos para tentar acompanhar o avanço do surto. O vírus se disseminou rapidamente por Minas Gerais e Espírito Santo. Chegou ao sul da Bahia e a áreas dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde segue avançando: nesta semana (24/05), a sétima morte humana por febre amarela foi confirmada no Rio, em Porciúncula, no noroeste do Estado. Nas epidemias de febre amarela, os primatas servem como sentinelas involuntários. Quando começam a morrer, é dado o sinal de que o vírus está na área, um alarme fundamental para guiar políticas de saúde pública e alertar para a necessidade de se vacinar as populações nas cercanias. O muriqui-do-norte é uma das espécies de primatas mais ameaçadas do mundo. O vírus chegou à reserva ambiental em Caratinga, MG, onde ainda há populações da espécie Segundo especialistas, o sauá é uma das espécies mais atingidas até agora pelo surto de febre amarela Por causa dos riscos à saúde humana, o governo, através do Ministério da Saúde, concentra seus esforços no monitoramento e prevenção. O ponto de vista ambiental fica em segundo plano. "Nosso objetivo é detectar a circulação do vírus e evitar casos humanos", diz Renato Vieira Alves, diretor adjunto do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. "Não há, do ponto de vista da vigilância, o objetivo de quantificar ou acompanhar individualmente todas as ocorrências entre primatas." Com isso, casos entre primatas muitas vezes não são investigados, diz Jerusalinsky, e é difícil precisar quais espécies estão sendo afetadas, não havendo sempre exames laboratoriais confirmando a causa da morte - ou mesmo detalhes sobre as espécies ou gênero dos animais encontrados mortos. "Às vezes na ficha consta apenas 'macaco'", lamenta ele. Desequilíbrio nas florestas Além da ameaça à biodiversidade, a mortandade impacta também a ecologia das florestas, já que os primatas têm importante papel no equilíbrio das matas. Dependendo dos hábitos alimentares de cada espécie, desempenham funções diferentes, ajudando a propagar sementes das frutas que comem, a reciclar nutrientes do solo ou atuando como predadores, influindo no controle da população de insetos e aracnídeos. "Quando você reduz drasticamente uma população, isso gera vários desequilíbrios, e não sabemos ainda como a mata vai responder a isso", diz o primatólogo Sérgio Lucena. Professor de zoologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Lucena vem acompanhando com assombro o avanço do vírus e os números de mortandade no Espírito Santo desde o início do ano. Dos mais de 5 mil primatas mortos notificados no Ministério da Saúde, pelo menos 1,2 mil seriam do Estado, afirma - um número muito alto considerando-se o tamanho do território do Espírito Santo. O bugio ruivo é uma das espécies mais suscetíveis ao vírus da febre amarela Além de caírem vítimas do vírus, muita vezes os primatas são penalizados duplamente, encarados pela população, por ignorância, como uma ameaça. Diante de relatos de que pessoas estariam matando macacos por medo de que espalhassem o vírus, órgãos de saúde e meio ambiente vêm fazendo campanhas ressaltando sua "utilidade pública" como sentinelas - e esclarecendo que eles não são transmissores do vírus. O vetor é sempre o mosquito - na forma silvestre da doença, dos gêneros Haemagogus e Sabethes. "Os primatas são as principais presas dos mosquitos na febre amarela silvestre", explica Lucena. "Se você mata os macacos, os mosquitos adaptados a picá-los vão procurar o ser humano", afirma. Espécies ameaçadas Lucena estima que sete espécies de primatas tenham sido mais afetadas pela virose, das quais cinco são ameaçadas de extinção. "A febre amarela sozinha vai levá-las à extinção? Não, não vai. Mas é mais um impacto que as empurra em direção à extinção", considera. "São espécies que já estão com população reduzida, vulnerável, lidando com fatores como desmatamento, caça ilegal, captura para comércio clandestino, que a gente vem tentando contornar", explica. "Aí chega a epidemia de febre amarela e derruba populações que estamos há décadas trabalhando para proteger." Lucena iniciou em fevereiro um trabalho de pesquisa com um grupo de cerca de 15 pessoas para mapear os primatas mortos, as espécies afetadas e tentar entender como o vírus avança tão rapidamente por regiões diferentes. Além de o número conhecido de mortes ser considerado abaixo da realidade, os registros não permitem saber de que espécie cada caso se trata. Pelo que os estudos até agora sugerem, Lucena diz que as espécies mais atingidas são os bugios, o sauá ou guigó, e o sagui-de-cara-branca. Os dois primeiros estão na lista de animais ameaçados atualizada em 2014 pelo ICMBio (conforme a portaria 444 publicada pelo Ministério do Meio Ambiente). Bugio ruivo encontrado morto: a espécie é uma das mais suscetíveis ao vírus Porém, o primatólogo teme também por outras três espécies ameaçadas, que ainda não tiveram mortes pelo vírus confirmadas em laboratório. São elas o sagui-da-serra, ("encontramos animais mortos com características típicas de febre amarela"); o muriqui-do-norte, espécie criticamente ameaçada de extinção e cuja população apresentou uma redução de 10% nos últimos seis meses ("tamanha redução em tão pouco tempo não é normal e sugere que foram atingidos pela virose"); e o mico-leão-dourado, um dos símbolos da luta para preservar a biodiversidade brasileira. Florestas 'silenciosas' Embora ainda não haja confirmação de óbitos por febre amarela em animais dessas espécies, o vírus chegou à região onde suas populações vivem. Isso significa uma ameaça também para os próximos anos, mesmo que a epidemia não afete as populações de imediato. Os primatas têm diferentes níveis de suscetibilidade ao vírus. O drama mais evidente é o dos bugios, gênero extremamente sensível à febre amarela. Lucena estima que entre 80% e 90% dos bugios de uma dada população sejam dizimados quando o vírus chega à floresta. Conhecidos pelo sonoro "ronco" que vocalizam, sua falta reverbera pelas florestas. "As matas ficaram silenciosas", diz Lucena. "É o que a gente mais ouve quando falamos com pessoas que trabalham ou moram na região." No Parque Nacional de Itatiaia, o bugio esbranquiçado é uma fêmea com falta de pigmentação causada por uma anomalia genética. Segundo o biólogo Izar Aximoff, a causa provável é a baixa variabilidade genética dos bugios no parque, dizimados por um surto de febre amarela em 1939 Mas em março, a chegada da febre amarela ao município de Casimiro de Abreu, no Rio, acendeu um alerta sobre uma espécie que quase foi extinta da face da Terra há poucas décadas, e sobrevive apenas na região. A área no entorno é a única de ocorrência natural do mico-leão-dourado, sobretudo na reserva ecológica de Poço das Antas. "Estamos acompanhando o avanço do vírus com muita preocupação e atenção, diz Luis Paulo Ferraz, secretário-executivo da Associação Mico-Leão-Dourado - cuja equipe está em estágio de "alerta total". Os micos quase foram à extinção entre os anos 1970 e 1980. De lá para cá, um minucioso trabalho de recuperação fez com que a população saísse dos apenas 200 que sobreviviam lá atrás para a população atual de cerca de 3,2 mil micos. "Não tivemos registro ainda de nenhum mico infectado. O que é uma boa notícia por enquanto, mas isso vai ser uma preocupação permanente para os próximos anos", diz Ferraz, afirmando que é a primeira vez que o vírus chega à região. "A febre amarela chegou. Uma doença como essa poderia levar a consequências muito sérias." Estrago que dura décadas Dois outros surtos de febre amarela silvestre antecederam o atual, em 2001 e em 2008-9, matando milhares de primatas nas florestas. O último espalhou-se pelo Rio Grande do Sul, dizimando famílias de bugios-ruivos-do-sul. O impacto foi tamanho que levou a espécie para a lista de ameaçadas - passando a ser listada, em 2014, como vulnerável. Os bugios são também símbolo do estrago que a febre amarela pode representar no longo prazo. O biólogo Izar Aximoff estudou um surto epizoótico que ocorreu em 1939 e praticamente acabou com a população de bugios no Parque Nacional do Itatiaia (MG e RJ). Hoje, apenas cinco indivíduos sobrevivem no parque. Uma das fêmeas têm a coloração alterada, uma falta de pigmentação conhecida como leucismo. De cordo com Aximoff, a anomalia é consequência provável do intercruzamento entre parentes e da baixa variabilidade genética do grupo. "Mesmo depois de mais de 70 anos, essa população nunca conseguiu se recuperar", afirma ele, ressaltando que, mesmo quando a população não é extinta completamente, o baixo número de indivíduos pode gerar problemas para sua viabilidade a longo prazo, levando-se em conta pressões como a caça e a falta de parceiros para reprodução. "O cruzamento entre indivíduos de pequenas populações pode resultar em problemas genéticos para as futuras gerações, como observamos no Parque Nacional do Itatiaia", aponta Aximoff, aluno de doutorado do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Primatólogos temem que o vírus venha a atingir também o bugio-ruivo-do-norte, outra subespécie que vive na Mata Atlântica - um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo. Leandro Jerusalinsky, do ICMBio, afirma não haverem, ainda, mortes confirmadas desta subespécie. Sagui-da-serra escuro também corre riscos de contrair febre amarela Porém, dada a suscetibilidade dos bugios e o fato de o vírus ter chegado à região onde vivem, "um sinal vermelho se acendeu". É possível vacinar macacos? Para primatólogos, o surto atual desperta tanta ansiedade quanto impotência, já que nada pode ser feito para conter o avanço do vírus entre os primatas. O surto atual levantou um debate: poderia ser desenvolvida uma vacina segura também para os primatas? Com mais de 25 anos de experiência com vacina de febre amarela de uso humano, o virologista Marcos Freire de dispôs a debruçar-se sobre o assunto e encontrar respostas, com apoio de estudiosos do ramo e da Sociedade Brasileira de Primatologia. Vice-diretor de desenvolvimento tecnológico de Biomanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, ele conta que os primeiros passos estão sendo dados para o desenvolvimento de uma vacina em primatas não-humanos - um processo longo que ainda precisa passar por algumas etapas para ser aprovado. "Estamos elaborando um protocolo para pedir a autorização para testar algumas formulações vacinais em primatas não-humanos", explica. "Esse protocolo precisa passar, primeiro, por um comitê de ética de experimentação animal; e depois ser aprovado pelo ICMBio. Passado todo esse trâmite regulatório, é um experimento que queremos fazer, e deve durar um ano. Eu acredito que é viável", diz. A tarefa de aplicar vacinas em populações de primatas vivendo em topos de árvores pode parecer loucura. Mais do que pensar em imunizar populações de macacos de uma maneira geral, porém, a ideia é vislumbrada como uma ferramenta para situações de emergência - para salvar populações em alto risco de extinção, em vez de assistir enquanto são dizimadas. "Vacina injetável não é praxe para animal silvestre, já que envolveria capturar os animais para aplicar a vacina", admite Freire. "Porém, em populações de alto risco, você poderia desenvolver uma força-tarefa para imunizar os primatas e assim protegê-los de um desfecho dramático."
As histórias das brasileiras com calvície que enfrentaram os próprios medos e passaram a se aceitar
Na manhã de 11 de junho de 2017, Fernanda de Freitas, de 26 anos, colocou um ponto final em uma luta que travava desde a infância. Ela pediu ao marido que raspasse os fios que restavam em sua cabeça. Ao ficar totalmente calva, olhou-se no espelho e sorriu.
'Foi uma libertação para mim. Não apenas do cabelo, mas de todo o peso que carreguei ao longo da vida', diz Freitas "Foi uma libertação para mim. Não apenas do cabelo, mas de todo o peso que carreguei ao longo da vida", diz. Na infância, aos três anos, Fernanda foi diagnosticada com alopecia areata, doença que causa queda de cabelo e de pelos do corpo. A partir de então, passou a consumir remédios e produtos para cuidar dos fios. Durante um período, chegou a tomar, diariamente, seis cápsulas de medicamentos com corticoide. Os fármacos apenas reduziam a intensidade da queda capilar, mas não evitavam que o cabelo continuasse caindo. "Quando notava, eles (fios) tinham desaparecido. De repente, havia uma nova falha no meu couro cabeludo", relata. Seu cabelo era uma das primeiras coisas em que pensava ao acordar. "Sempre ia para o espelho olhar se ainda tinha cabelo em minha cabeça." O fator emocional intensificava o problema. "Se eu estava muito feliz, caía. A situação se repetia quando eu estava muito triste. Não tinha o que fazer." A alopecia é um dos motivos mais associados a problemas capilares. Ela atinge homens e mulheres e representa a perda de pelo em qualquer parte do corpo. O problema pode ser causado por influências genéticas, processos inflamatórios locais ou doenças sistêmicas. Um dos tipos mais comuns de alopécia é a areata, que é uma doença autoimune - quando as células atacam o próprio organismo. Ela atinge aproximadamente 2% da população mundial, em diferentes níveis - pode afetar desde pequenas áreas do couro cabeludo até causar a completa ausência dos fios em todo o corpo. Fernanda de Freitas foi diagnosticada com alopecia areata e por anos recorreu a tratamentos para manter os fios Outro tipo comum da alopecia é a androgenética, que também é autoimune e causa o afinamento progressivo dos fios. Mais recorrente entre os homens, estima-se que atinja 5% das mulheres. Conforme especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, há outros motivos que também causam a perda dos fios, como estresse, uso exagerado de processos químicos no cabelo, dietas, consumo de medicamentos e doenças que afetam outras áreas do corpo, como o hipotireoidismo. Segundo a Sociedade Brasileira do Cabelo, 50% das mulheres têm alguma queixa sobre queda capilar. De acordo com o médico tricologista Ademir Carvalho Leite, presidente da Academia Brasileira de Tricologia - área que se dedica a estudos do cabelo -, o número de mulheres com problemas capilares tem aumentado. "Hoje, ao menos 70% dos pacientes que atendo são mulheres. Não era assim quando comecei. Elas estão perdendo mais cabelo." Leite orienta que as mulheres procurem ajuda médica logo que perceberem os primeiros sinais de falhas no couro cabeludo. No Sistema Único de Saúde (SUS) não há nenhum tipo de tratamento para pacientes que sofrem com a perda de cabelo. Batalha de décadas Desde a infância, Fernanda preferia esconder a doença de colegas e conhecidos. "Somente a minha família e amigos muito próximos sabiam. Para mim era inadmissível comentar sobre isso com outras pessoas", relata. Ela teve dificuldades para contar sobre a alopecia ao marido, com quem está há dez anos. "Nós estávamos no início do namoro e eu relutei, mas falei sobre o assunto. Ele me perguntou se a alopecia matava ou prejudicava algum órgão e respondi que não. Então, ele disse que eu não deveria dar tanta importância." Antes de decidir tornar-se calva, Fernanda tinha de lidar diariamente com a baixa autoestima ocasionada pela dificuldade em aceitar a perda de cabelo. "Para mim, era inadmissível uma mulher careca", conta. Ela costumava passar horas em frente ao espelho antes de sair, para disfarçar as falhas no couro cabeludo. "Apesar disso, nunca me privei de pintá-lo ou deixá-lo maior. Eu tinha uma vida normal nesse aspecto." Freitas diz que pensava ser 'inadmissível' uma mulher assumir a calvície | Foto: Arquivo pessoal A psicóloga Rosane Granzotto explica que a dificuldade em aceitar a perda dos fios acontece em razão da relevância que as mulheres costumam atribuir ao cabelo. "Ele faz parte da imagem, do modelo estético que a cultura perpetua para a mulher. A perda dos fios é como a ausência de uma parte do corpo feminino e esse fato requer uma reconfiguração da autoimagem." Há três anos, Fernanda mudou os hábitos e passou a adotar uma rotina que considera mais saudável. Aprofundou-se em estudos sobre alimentação e começou a publicar vídeos no YouTube. "Fui lendo sobre o assunto e percebi como os remédios eram prejudiciais para o meu organismo. Eu não comia alimentos industrializados, mas me entupia de medicamentos e decidi, há pouco mais de um ano, parar de consumi-los", relata. Mas, sem os remédios e com o estresse das provas da faculdade - ela cursa Nutrição -, os fios passaram a cair ainda mais e novas falhas apareceram. O cabelo ficou cada vez mais escasso. "Eu já não conseguia mais disfarçar, mas tinha que gravar vídeos e atender meus clientes", comenta Fernanda, que trabalha como life coach. Ela comprou uma peruca sob medida, com fios humanos. "O problema é que demoraria três meses para chegar, porque viria da China. Então não me restavam muitas opções, mas eu não cogitava voltar aos medicamentos." Diante da falta de opções, raspar os fios virou a melhor alternativa. "Eu chorei muito, mas não havia outra saída", diz. O marido apoiou a decisão da mulher. "Ele viu o meu sofrimento e me incentivou a ficar careca." Liberdade Mas, ao se olhar no espelho, depois de raspar os fios, Fernanda teve a maior sensação de liberdade de sua vida. "Eu me enxerguei de verdade pela primeira vez. Parece que o cabelo me escondia", conta. No mesmo dia, a jovem publicou uma foto mostrando o novo visual em suas redes sociais. "Contei toda a minha história com a alopecia areata. Muitas pessoas me elogiaram e me apoiaram. Foi muito lindo", diz. A jovem nunca chegou a utilizar a peruca comprada na China. "Quando ela chegou, usei algumas vezes por brincadeira, mas nunca para sair nas ruas ou algo do tipo. Hoje em dia me sinto mais bonita careca." Já para a publicitária Carla Lambert, de 36 anos, as perucas foram constantes companheiras durante parte de sua vida. "Não queria que as pessoas vissem que eu não tinha cabelo, porque isso para mim era o fim. Eu me achava um extraterrestre e preferia esconder isso", comenta à BBC News Brasil. Carla sofre com problemas capilares desde os 15 anos, quando notou uma pequena falha em sua nuca. Aos 22 anos, pouco após o nascimento de seu filho, ela se separou, enfrentou um período de depressão e a queda dos fios passou a ser intensa, embora contida com um tratamento com medicamentos que fez até os 31 anos. Antes de aceitar ficar calva, Carla usava apliques e fazia penteados para ocultar falhas nos fios "Mas chegou uma fase em que caía mais do que crescia e isso foi me preocupando e deixando a minha autoestima cada vez pior. Essa situação estava me consumindo e me deixava insegura em todos os aspectos da vida", relembra. Aos 32 anos, foi diagnosticada com alopecia areata universal. "Os tratamentos não faziam mais efeito, a queda era muito intensa e decidi raspar", diz a publicitária. Ela passou a usar perucas o dia inteiro, mas perdeu a vontade de sair de casa. "Eu morria de vergonha, nunca estava bem e nada era motivo para comemorar." Com terapia, ela passou a lidar melhor com a doença e a se sentir bonita mesmo sem cabelo. Mas ainda não saía sem peruca. Até o dia em que precisou ir buscar o jantar na portaria do prédio e não tinha como pegar a peruca, trancada no banheiro. "Meu noivo estava tomando banho, com a porta trancada. Por uns instantes, não soube o que fazer", narra. Diante do impasse, decidiu sair calva pela primeira vez. "Depois que peguei a comida, enquanto subia para o meu apartamento, tive uma sensação incrível de liberdade. No dia seguinte, saí de casa careca." As perucas passaram a ser apenas acessórios e deixaram de ser obrigação para a publicitária. "Hoje, uso quando tenho vontade. Eu nunca pensei que fosse me sentir linda careca, mas consegui." Nas ruas, Carla diz nunca ter ouvido comentários ofensivos. "As pessoas normalmente me perguntam sobre a minha careca e acreditam que sou assim por questão de estilo." Superando os comentários negativos 'Hoje, me acostumei a chamar a atenção. Se vou a um lugar e ninguém me olha, acho estranho', conta ilustradora | Foto: Arquivo pessoal Certa vez, a ilustradora Lolla Angellucci, de 38 anos, andava pela rua quando um carro com vários homens passou perto dela e um dos rapazes a ofendeu. "Ele perguntou se eu tinha sido pega pela Febem (fundação que cuidava de menores reeducandos)", relembra. A ilustradora, que possui alopecia areata, conta que os comentários negativos fazem parte de sua rotina. "É o que mais escuto em minha vida. As pessoas sempre apontam. Uma vez passei em frente à casa de uma senhorinha e ela disse que eu tinha ficado bem feia de cabelo raspado", diz. Outra situação que a incomoda são os constantes abraços de desconhecidos. "Eles acham que eu tenho câncer e vêm me abraçar. A última coisa que quero é ser abraçada por alguém que não conheço." Os contratempos, no entanto, não costumam afetar Lolla atualmente. Ela afirma ter aprendido a lidar com a situação. "Eu demorei muito para me aceitar. Foi um processo difícil e longo. Não sei direito quanto tempo demorou, foram anos. Atualmente lido bem com o fato de ser careca", diz. "Hoje, me acostumei a chamar a atenção. Se vou a um lugar e ninguém me olha, acho estranho." Lolla é divorciada e criou um perfil no Tinder, no qual costuma avaliar possíveis pretendentes pelo modo como eles encaram o fato de ela ser calva. "Recebo abordagens do tipo: 'gostei de você, apesar desse defeito'. Eu acho isso ótimo, porque descarto o rapaz logo de cara." "Há homens também que dizem: 'olha, aprovei'. Eu sempre agradeço e respondo que a aprovação deles era tudo o que eu estava esperando para a minha vida", ironiza. A confiança da ilustradora foi conquistada após muitas dificuldades que enfrentou em razão da alopecia, diagnosticada quando ela tinha poucos meses de vida. "A minha mãe conta que eu tinha muitos redemoinhos no cabelo desde que era recém-nascida. Por isso, ela procurou um médico e descobriu a doença." Na infância, ela sofria com as diversas falhas que possuía no cabelo. "Isso chamava a atenção das pessoas. Lembro que minha mãe andava com um atestado médico quando a gente saía, para provar aos outros que não era nada contagioso", conta. Lolla aponta para a autoaceitação como fator crucial em seu processo para lidar com a alopecia Durante toda a infância e até o início da vida adulta, Lolla fez tratamentos para tentar reverter a queda capilar. "O meu cabelo crescia por um tempo, mas depois voltava a ficar ralo", diz. No período da faculdade, metade do cabelo dela havia caído. "Eu chorei no banheiro muito mais do que gostaria de admitir. Não havia mais jeito de eu disfarçar a minha falta de cabelo", relembra. Por anos, ela usou peruca para disfarçar os problemas capilares. Com o passar do tempo, Lolla raspou o cabelo e decidiu assumir a calvície. "Foi como uma saída do armário. Hoje, enxergo que sair de casa careca é uma forma de inspirar outras mulheres que também passam por isso." A vida depois da perda de cabelo Para Fernanda de Freitas, a autoaceitação foi o passo mais importante após ficar calva. "Eu mudei meu modo de enxergar as coisas quando me aceitei. Percebi que o mundo muda quando me vê bem comigo mesma", afirma. O tricologista Ademir Leite diz que existem diversos tratamentos capilares que podem auxiliar em doenças que causam a perda do cabelo. "Mas isso depende de um conjunto de fatores. É importante, primeiro, eliminar a causa dessa perda capilar. Depois, o paciente precisa ter disciplina para seguir o tratamento", explica. Leite destaca que casos de mulheres que passaram a aceitar a calvície e desistiram de tratamentos têm se tornado comuns. "Muitas entendem que é preciso seguir em frente e que o cabelo é parte da identidade, mas não representa tudo o que ela é." Para Fernanda, é preciso ponderar se vale a pena procurar algumas alternativas para manter os fios. "Hoje existem muitos tratamentos e é sempre importante as pessoas procurarem especialistas no assunto. Mas também é fundamental analisar até que ponto é necessário usar muitos remédios por conta disso. Cabelos são apenas fios, não definem quem cada um é." Lolla acredita que é importante que as mulheres falem sobre questões relacionadas à queda capilar. "Hoje, enxergo que a minha função é contar a minha história, para que as mulheres carecas, seja por conta de câncer, alopecia ou outro motivo, possam reconstruir a autoestima perdida", afirma.
Paquistão nega presença de líder do Talebã no país
As autoridades do Paquistão negaram alegações de um porta-voz do movimento Talebã de que o seu líder, mulá Omar, está escondido na cidade de Quetta, sob proteção da principal agência de segurança paquistanesa, o ISI.
O ministro do Interior do Paquistão, Aftab Khan Sherpao, afirmou que a alegação não tem fundamento. O porta-voz do Talebã, Mohammed Hanif, foi capturado pelas autoridades afegãs em meados desta semana. Elas divulgaram trechos de um vídeo que mostra parte do interrogatório do prisioneiro. No vídeo, Hanif diz que o ex-diretor de inteligência do Paquistão, Hamid Gul, apoiou militantes do Talebã em sua luta contra as autoridades afegãs e forças da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Afeganistão. O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, fez acusações semelhantes, no passado, contra o Paquistão. O mulá Omar não é visto publicamente desde 2001.
O acordo entre EUA e Rússia pode levar esperança à Síria?
Os últimos dias tem sido memoráveis às margens do lago Genebra.
Acordo às pressas pode trazer uma nova esperança de resolução da crise síria. Um encontro apressado que muitos viam como destinado a falhar produziu – depois de muitas horas de idas e vindas – um plano detalhado para livrar a Síria das armas químicas. Sabemos agora que uma ideia vinha cozinhando no forno internacional por mais de um ano. Depois de descartá-la em Londres na última segunda-feira – como se fosse algo que nunca funcionaria – o secretário de Estado americano John Kerry é agora um vencedor. Desde a tarde de quinta-feira temos assistido a Kerry e o chanceler russo Sergei Lavrov delinearem os detalhes, com apoio de suas grandes equipes de especialistas. De nosso vantajoso local de observação, no telhado de um posto de gasolina em frente ao hotel Intercontinental de Genebra, temos visto Lavrov, sem a jaqueta do terno, sentado próximo à piscina e com o telefone celular na orelha. Sirenes foram tocadas quando as duas autoridades apareceram para fazer uma visita ao enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi e dar um telefonema de cortesia para o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan. No saguão do hotel, jornalistas se amontoavam à procura de informações. Uma colega até conseguiu entrar na sala onde acontecia o encontro e tirar fotos com seu telefone celular até ser expulsa. Mas depois de dois dias e meio nos quais a Rússia e os Estados Unidos estiveram na maior parte do tempo em desacordo sobre o que fazer com a Síria – e três dias depois do presidente Vladimir Putin verter desprezo pela política externa americana – os dois lados finalmente colaboraram em um assunto repleto de perigos políticos e técnicos. Ameaça ou força? Tudo isso deve acontecer de uma forma memoravelmente rápida. A Síria só tem uma semana para entregar uma lista detalhada de tudo o que tem. E todas as armas químicas sírias devem ser destruídas até o meio do ano que vem. Mas e se a Síria não concordar? Nesse caso caberá ao Conselho de Segurança da ONU impor medidas sob o capítulo VII da Carta da ONU. Isso possibilita – não necessariamente significa – o uso da força. Kerry disse que as medidas da ONU devem ser "de acordo" com a violação. Mas ele também deixou claro que o presidente Barack Obama não determinou o uso unilateral da força. Os dois diplomatas se agradeceram mutuamente de forma efusiva – Lavrov disse que Kerry tornou possível deixar a "retórica irrelevante" para trás. Como o americano, Lavrov disse que esta corajosa porém restrita iniciativa pode se transformar em algo grande – uma conferência de paz internacional para colocar um fim aos tormentos da Síria. Então, depois de 36 hora de significativa diplomacia, o acordo foi feito e John Kerry foi dar uma corrida no lago. Com a ajuda de Vladimir Putin, Barack Obama deu um passo para longe do precipício. Uma virada improvável nos eventos e, talvez, um pequeno vislumbre de esperança para a Síria.
'A fome mudou minha visão': o ex-encarregado de propaganda da Coreia do Norte que hoje satiriza o país
"O ponto de inflexão foi a fome", diz o artista norte-coreano Song Byeok, explicando como começou sua desilusão com o governo para o qual fazia desenhos de propaganda que lhe enchiam de orgulho. Em 1994, após enfrentar um difícil período de escassez de comida, que matou alguns membros de sua família, decidiu deixar o país. Ele fugiu para a China, e, de lá, foi para a Coreia do Sul, onde hoje vive e trabalha, fazendo charges satíricas que criticam o regime norte-coreano. Mas antes de conseguir sair do país, ele viu seu pai ser arrastado por um rio, foi preso por traição à pátria e tratado "como um animal" em um campo de concentração.
Song Byeok fazia cartazes de propaganda para o regime norte-coreano, até que a fome atingiu sua região Ele contou sua história ao programa de rádio Outlook, da BBC: "Quando era encarregado da propaganda da Coreia do Norte, o objetivo era glorificar o líder com minhas ilustrações, e também criticar o capitalismo e o imperialismo. Eu desenhava, por exemplo, um lobo representando os Estados Unidos, e escrevia slogans que incitavam o confronto com o que o país representava. Também pintava cartazes estimulando o aumento da produtividade dos agricultores e dos trabalhadores em geral, para que eles mostrassem lealdade ao Partido Trabalhista da Coreia - cujo poder se baseia na doutrina Juche, que mistura marxismo-leninismo com nacionalismo coreano. Eu era feliz com o meu trabalho, porque era minha oportunidade de demonstrar minha lealdade a Kim Jong-il, que foi líder da Coreia do Norte até sua morte, em 2011. Eu fazia ilustrações especiais para o dia de seu aniversário, 15 de abril, e no dia do aniversário de seu filho e sucessor, Kim Jong-un, 16 de fevereiro. Nesses dias, eu passava a noite toda acordado, emocionado, e com toda a energia concentrada em glorificar ambos os líderes. Ficava muito feliz. Para alimentar a mãe e a irmã, Byeok e seu pai tentaram fugir para a China; ele foi preso Mas o motivo pelo qual comecei a me desiludir com o governo foi a fome. Na década de 1990, quando Kim Jong-il tornou-se líder, o sistema de distribuição de alimentos foi bloqueado. Não recebemos comida durante um mês, dois meses... e as pessoas começaram a morrer de fome, incluindo alguns membros da minha família. Esse foi o ponto de inflexão. É algo difícil de descrever com palavras. Era um desespero absoluto. Após a desilusão com o governo, Byeok passou a debochar do status de divindade dos líderes norte-coreanos Imagine. É tarde da noite, mas você tem tanta fome que não consegue dormir, mas também não tem nenhuma esperança de que a situação melhore no dia seguinte. E é pior quando sua família depende de você - no meu caso, eram minha irmã menor e minha mãe. Para conseguir sustentar minha família, decidi cruzar a fronteira com a China junto com meu pai. Mas precisamos cruzar um rio e a correnteza o levou. Foi uma experiência terrível, porque eu não pude salvá-lo e nem ajudar de alguma maneira. Em seguida, fui preso por tentar sair e me colocaram em um campo (de concentração). Nesse período, eu me perguntava constantemente o que tinha feito de errado, o que havia de errado em tentar ajudar minha família. Foi aí que minha raiva do regime chegou a seu ponto máximo. Assim que cheguei ao campo, um diretor me disse que, como eu havia traído meu país, eu já não seria tratado como um ser humano. E realmente fui tratado como um animal. Durante o tempo que passou no campo de concentração, Byeok teve que cortar parte do próprio dedo por falta de assistência médica Fui submetido a uma carga incrível de trabalhos forçados e de surras. Tanto que, ao abrir os olhos pela manhã, me perguntava se sobreviveria outro dia. Durante um dia de inverno, por exemplo, estava cortando lenha quando farpas entraram no meu dedo. Como não tive atendimento médico, meu dedo foi apodrecendo e, em determinado momento, tive que cortá-lo. Ainda sofro com o trauma que aquilo me causou. Quando finalmente me libertaram, decidi que tinha que fugir da Coreia do Norte. Ficou claro para mim que eu não tinha futuro num país no qual milhares de pessoas continuavam morrendo. Fui embora em junho de 2001. Levei comigo um frasco de veneno, porque sabia que, se me pegassem, eu passaria de novo por aquele inferno. E preferia morrer. Quadros do artista querem mostrar que Coreia 'tenta esconder muitas coisas do resto do mundo' A travessia foi muito difícil, porque naquele momento eu tinha acabado de ser libertado e só pesava 30 quilos. Estava esquelético. Tinha tanta vergonha do meu aspecto que não queria nem ver minha mãe, mas sabia que aquela poderia ser a última vez que a veria. Por isso, fui encontrá-la. Depois, quando consegui cruzar a fronteira (para a China), tive a sorte de encontrar pessoas que entenderam minha situação e me ajudaram. Com a ajuda delas, entrei na Coreia do Sul, no início de 2002. Quando cheguei, fiquei sabendo que minha mãe também havia morrido de fome. Foi aí que pensei que precisava fazer algo para que minha vida valesse a pena e recomecei a desenhar. Em 2003, comecei a estudar arte na universidade. Como eu tinha perdido o segundo dedo da mão direita, no começo era difícil desenhar. Mas já me acostumei. Agora, uso minha arte para atacar e satirizar a Coreia do Norte e outros regimes autoritários. Uso a propaganda como arma contra os que me perseguiram. Ver minha família morrer de fome mudou minha mentalidade, mas a arte também pode fazer isso. Não importa o quanto a Coreia do Norte tente se isolar e o quanto se esforce para fechar as bocas e os ouvidos de seus cidadãos. Há norte-coreanos em todo o mundo que veem meu trabalho em revistas e percebem que Kim Jong-un não é uma divindade suprema e, sim, um ser humano como eles. É isso o que quero transmitir com desenhos como o de Marilyn Monroe segurando a saia, mas com a cabeça de Kim Jong-un, que fiz em 2011, quando ele ainda estava vivo. Quis mostrar como a Coreia do Norte tenta constantemente esconder as coisas do resto do mundo. Na parte de baixo dessa obra, aparecem pequenos peixes, que representam os norte-coreanos, presos em seu aquário. Mas eles devem ser libertados para que possam nadar pelos rios e mares. Essa é minha mensagem."
A igreja que atraiu Justin Bieber e outros astros usando shows de rock e Instagram
Enquanto igrejas cristãs nos EUA assistem a uma queda no número de fiéis, uma igreja em especial contraria essa tendência. Mas fica a pergunta: seria a Hillsong o triunfo do marketing ou da fé?
Uma imagem criada por computador de Jesus Cristo na cruz ilumina o palco da banda Hillsong United, a face mais visível e bem sucedida da igreja Hillsong Se alguém fosse coreografar a plateia ideal de um show, seria algo assim: todo mundo joga as mãos para o alto e as agita. Os primeiros acordes de cada música são recebidos com gritos frenéticos. Para os poucos que ainda não sabem de cor, as letras das músicas aparecem em telas gigantescas nas laterais do palco. As canções parecem ser projetadas para provocar uma reação emocional. As melodias vêm, vão e, depois, ressurgem como se fossem uma versão mais dramática das músicas da banda londrina Mumford and Sons. A responsável por esse espetáculo é a banda Hillsong United, que lotou o Anthem, uma das principais casas de show de Washington D.C., capital dos EUA. O grupo tem shows previstos para o Brasil. Fim do Talvez também te interesse O estilo das 10 pessoas que estão no palco é reproduzido pelo público: jeans apertado, camisetas largas e tatuagens. Essa uniformidade, contudo, faz com que os fãs se pareçam menos com uma multidão e mais com uma congregação. Há ainda outros sinais que mostram que os integrantes da Hillsong United não são estrelas do rock convencionais. São bem diferentes, por exemplo, da cantora Billie Eilish, que esteve no mesmo palco dias antes. Show sóbrio No show da banda, não são vendidas bebidas alcoólicas. Há voluntários de roupas azuis circulando devagar na pista do show, pedindo doações para um grupo cristão. E há ainda a recriação de uma imagem de Jesus na cruz, gerada por computador, iluminada em cima do palco. Mas não é só um show, é também uma igreja. Hillsong United lotou uma tradicional casa de shows em Washington A banda, Hillsong United, é parte fundamental da Igreja Hillsong. Fundada pelo casal Brian e Bobbie Houston em Sydney, na Austrália, em 1983, a igreja tornou-se um fenômeno evangélico global. Já está em seis continentes e tem templos em 23 cidades. Todos os domingos, cerca de 130 mil fiéis assistem a seus cultos. A congregação tem fiéis famosos como Justin Bieber e a esposa, Hailey Baldwin Bieber. Os jogadores da NBA Kevin Durant e Kyrie Irving seguem os ensinamentos do pastor Carl Lentz, da Hillsong de Nova York. O ator Chris Pratt e as celebridades Kylie Jenner e Kourtney Kardashian também estão ligados à igreja. A Igreja Hillsong recusou pedidos de entrevista. Marca em expansão "Eles têm um impacto enorme no momento", diz Mack Brock, músico que abriu os shows da Hillsong United, durante a turnê nos EUA neste ano, depois de passar mais de uma década como líder de louvor na Elevation, uma megaigreja sediada na Carolina do Norte. A Hillsong se define como uma igreja cristã "contemporânea", "numa missão para ver o reino de Deus estabelecido na terra". Esse objetivo está presente nos cultos e na própria marca, que está em plena expansão. A igreja já tem duas faculdades, uma em Sidney e outra em Phoenix, nos EUA, organiza conferências anuais, é dona de um canal de televisão 24 horas e de uma gravadora de música, além de oferecer serviços comunitários. Só a banda tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram. Os seguidores de cada um dos integrantes do grupo, juntos, somam mais de 1,5 milhão. Suas músicas são tocadas 3,5 milhões de vezes por semana no Spotify. A igreja Hillsong atrai atletas, celebridades e atores A música mais popular, Oceans, já foi executada mais de 155 milhões de vezes no Spotify. É mais que o dobro do alcance da música Bad Guy, uma parceria entre Billie Eilish e Justin Bieber. A ligação entre o cristianismo e o rock não é algo novo, mas a extensão do alcance da banda Hillsong United pode ser. Na América do Norte, a banda fez show em mais de 30 cidades dos EUA e Canadá, como parte da turnê internacional chamada People. Em novembro, o grupo estará na América Latina, com shows programados para Brasil, Argentina e Peru. Hillsong está "na vanguarda da música de igreja", diz o músico Mack Brock. "Eles são, eu acho, os que fazem melhor." Contra a maré A ascensão meteórica da Igreja Hillsong é particularmente notável diante da persistente queda da religiosidade em todo o mundo. Durante anos, a parcela cristã da população dos EUA caiu ao mesmo tempo em que foi registrado aumento dos que dizem não se identificar com nenhuma religião. Como a maioria das bandas, Hillsong United vende souvenirs nos shows Num período de sete anos, entre 2007 e 2014, a percentagem de adultos que se definem como cristãos caiu mais de 8 pontos nos EUA. A queda é maior entre os jovens - e é justamente esse segmento que a Hillsong United mais atrai. Na porta da Anthem, uma fila se formou uma hora antes da abertura dos portões e mais de duas horas antes de a primeira atração subir ao palco. "A gente esperou a vida toda por eles", disse Danielle Caputo, de 27 anos, enquanto esperava para ver a banda em julho. "Na terra, é o jeito mais fácil de ver Deus em pessoa", emendou. A amiga dela, Kristin Maghamez, diz que "os shows da Hillsong United são um lugar onde você pode verdadeiramente adorar (a Deus)." A maioria das pessoas entrevistadas pela BBC News deu respostas semelhantes. Disseram que a banda é uma "personificação da fé", e os shows "são uma chance de compartilhar a fé com os outros". O músico Mack Brock abriu para a Hillsong United nos mais de 30 shows da turnê da América do Norte Muitos insinuaram uma conexão visceral com a Hillsong. Antes do show, Danielle Caputo já previa: "Vou chorar demais". E houve muitas lágrimas, especialmente quando Hillsong, a banda, se inclinou mais para Hillsong, a igreja. "Deus está fazendo alguma coisa", disse o vocalista Joel Houston - filho dos criadores da igreja Bobbie e Brian - para a plateia, enquanto descansava as mãos no violão. "Eu acredito que ninguém está aqui por acaso." "Eu acredito que Deus vai encontrar você onde você estiver." Essa noção - de encontrar seguidores onde eles estão - é fundamental para os objetivos da igreja. A Hillsong aparece no caminho dos jovens e descolados. A banda Hillsong United lota arenas, os cultos na igreja enchem o Hammerstein Ballroom, em Manhattan, e seus pastores aparecem na quadra de jogos da NBA. Brock e outros seguidores entrevistados rejeitam a ideia de que a estética de designer da Hillsong seja uma escolha deliberada por parte de seus líderes ou uma estratégia de marketing calculada. Mas, para alguém de fora, o apelo inicial de Hillsong está no visual. "Eles são relevantes", diz Joe Adevai, que estudou no Hillsong College em Sidney antes de se transformar num líder de adoração em Nova Jersey. "Eles estão acompanhando a cultura. Como ser cristão e descolado ao mesmo tempo?" 'Não endossamos um estilo de vida gay' Mesmo com uma roupagem mais moderna, a Hillsong continua sendo, fundamentalmente, uma instituição religiosa. Mais especificamente, é uma igreja evangélica que vê a Bíblia como "precisa, dominante e aplicável à nossa vida cotidiana". Para alguns, isso traz uma contradição inerente: uma igreja amplamente comercial, com marcas contemporâneas, mas que permanece deliberadamente conservadora. Josh Canfield conhece essa tensão intimamente. Ele se juntou à Hillsong em 2008, logo depois se tornou um vocalista em sua equipe de louvor. Comparada à igreja que Canfield frequentou quando jovem, Hillsong parecia ser mais moderna. Jonathon Douglass, Matt Crocker, Taya Smith e Joel Houston, integrantes da Hillsong United, fazem sucesso nas redes sociais Quando Canfield, que é gay, se juntou à Hillsong, ele ainda estava lutando com sua sexualidade no contexto da fé. Enquanto na igreja de seus pais a homossexualidade é um pecado, Hillsong era menos transparente em relação a isso. "Parecia ser algo do tipo 'não pergunte, não fale' sobre a situação", diz Canfield. "Ninguém perguntava porque ninguém queria perguntar." Os sermões eram sempre positivos, diz Canfield, nos quais os fiéis eram chamados a amar os marginalizados, os imigrantes e os pobres. "Mas parece que eles simplesmente se esquecem do grupo LGBT", diz ele. Em 2014, Canfield apareceu no reality show Survivor falando abertamente sobre sua sexualidade e o papel dele na Hillsong. Ele havia falado dos próprios planos, à liderança da Hillsong em Nova York, que lhe "deu o sinal verde". Mas, depois que o programa foi ao ar e a história de Canfield atraiu a atenção da imprensa, o pastor Brian Houston publicamente "esclareceu" a posição de Hillsong sobre a homossexualidade. Em um post no site da igreja com o título 'Do I Love Gay People (Eu amo pessoas gays?)', Houston escreveu que "a palavra de Deus é clara" sobre a homossexualidade. "A Igreja Hillsong acolhe TODAS as pessoas, mas não endossa todos os estilos de vida", disse ele. "De forma clara, não endossamos um estilo de vida gay e, por isso, não temos pessoas ativamente gays em posições de liderança, remuneradas ou não." Forçado a sair A igreja pediu para Canfield deixar suas funções. Depois de uma série de encontros privados com o pastor chefe em Nova York, Carl Lentz, ele decidiu deixar a igreja. "Meu problema não é se a Hillsong acredita que a homossexualidade é um pecado", diz ele. "O problema é que eles não estão sendo completamente abertos sobre suas crenças porque eles não querem que essas pessoas saiam. Isso é uma mentira? Em termos religiosos, isso é o pecado de omissão?" A igreja diz receber de braços abertos todas as pessoas, mas não tolera todos os "estilos de vida" A declaração de Houston é um argumento comum entre os seguidores da Hillsong: a igreja recebe todas as pessoas, mas não tolera todos os "estilos de vida". Eles preferem falar sobre o que são a favor e não sobre o que eles são contra, explorando, de certa forma, uma versão do conceito "amar o pecador, não o pecado". "Acho que a Bíblia chama isso de pecado", diz Danielle Caputo sobre o casamento gay, algumas semanas depois de ter assistido ao show da banda. "Eu não acho errado dizer isso, mas precisa ser seguido. Deus vai amar você de qualquer maneira", afirma. Steven Paulikas, um padre da Igreja Episcopal de Todos os Santos no Brooklyn e doutorando de teologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, argumenta que há um custo para esse tipo de nuance. Para ele, são "coisas irreconciliáveis" dizer que acolhe algo, mas sem defender explicitamente. Paulikas não comentou especificamente o caso da Igreja Hillsong, mas falou de forma geral sobre as igrejas que dizem incluir todas as pessoas, mas não acolhem todas as partes dessas pessoas. "Essa forma de propaganda enganosa é um tipo de violência espiritual", diz Paulikas. "Para um gay, é profundamente perturbador." 'Evangelização ou marketing?' À primeira vista, a igreja de Paulikas não tem o mesmo prestígio desfrutado por Hillsong. E, embora ele diga que sua própria congregação cresceu nos últimos anos, reconhece que há um declínio institucional prejudicando pessoas como ele. A combinação de música, luzes e estilo atraei, principalmente, os mais jovens "Nós vemos nossos números caindo e isso é muito angustiante", diz ele. Olhando para igrejas como Hillsong, "há sentimentos de inveja porque nossas instituições estão em geral perdendo pessoas". Paulikas e seus colegas conversam sobre maneiras de expandir seus círculos de fé - algo que Hillsong dominou "de forma obsessiva". Mas ele se opõe ao "sucesso" de uma igreja que está sendo medida em relação à quantidade de fãs. O brilho associado à Hillsong não lhe interessa. "Vejo isso como distração", diz ele. "É evangelização ou marketing?" "O ensinamento moral é mais forte quando é removido dos indicadores terrestres de sucesso, como riqueza e popularidade", acredita Paulikas. Joel Houston, da banda Hillsong United, ganhou prêmio da música cristã Depois de deixar Hillsong, Canfield se voltou para uma congregação menor. "Quando as câmeras não estão lá e ninguém está te entrevistando, é onde o verdadeiro cristão reside", diz o ex-integrante da Hillsong. Mas ele ainda fica na defensiva em relação à igreja. "Você entra na Hillsong e é legal, há luzes acesas, há todas essas pessoas ao seu redor que são da sua idade, que estão sorrindo e conversando", diz Canfield. "E então a música começa e isso passa por você... o barulho do lado de fora é anulado." "A música é tão bonita e edificante que faz você se sentir melhor", continuou ele. "Eu não acho que haja algo na Bíblia que diga que não podemos nos sentir bem." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
A trajetória que levou Lula de Garanhuns ao mundo e pode terminar em Curitiba
O iminente encarceramento em Curitiba do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a pena de 12 anos por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do tríplex do Guarujá, põe em dúvida o futuro político do homem que liderou o país sob índices recordes de popularidade - teve mais de 80% de aprovação quando deixou o governo.
Lula foi condenado em julho passado e teve pena aumentada quando o caso foi revisado em segunda instância Seu governo, entre 2003 e 2010, conquistou elogios no exterior pelas políticas de combate à pobreza e à desigualdade - não à toa, a notícia de que seria preso teve destaque na imprensa internacional. Nos "anos Lula", o Brasil se destacava pela robustez econômica - e era apontado como exemplo de país que conseguiu sair incólume da crise global de 2007-2008. Mas durante os seus dois mandatos, o governo teria, segundo investigadores da Operação Lava Jato, permitido o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras e de conluio entre agentes públicos e grandes empreiteiras. Lula nega ter tido conhecimento deste esquema, de ser dono do tríplex no Guarujá - que teria recebido de uma construtora em troca de favorecimento em contratos da Petrobras - e diz que é vítima de perseguição política. Aos 72 anos, ele era o candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência neste ano - ainda não se sabe o que o partido fará, se Lula desistirá da corrida ou como o Tribunal Superior Eleitoral decidirá sobre sua candidatura. Mas muitos veem sua iminente prisão como o fim da carreira política do homem de origem humilde que não completou a escola, foi engraxate, operário, líder sindicalista e um dos políticos mais famosos e populares da América do Sul nas últimas três décadas. Origem e raízes políticas Lula nasceu em 27 de outubro de 1945 na localidade de Caetés, no município de Garanhuns, em Pernambuco. Aos sete anos de idade, migrou com a família liderada por sua mãe, Dona Lindu, para o Guarujá, no litoral paulista. A viagem de quase duas semanas foi feita em um caminhão "pau de arara", como era comum aos migrantes nordestinos na época. Chegou a São Paulo apenas em 1956. Estabeleceu-se com a família nos fundos de um bar no bairro do Ipiranga, bairro operário onde fincaria seu instituto anos mais tarde. Aos 12 anos, encontrou seu primeiro emprego em uma tinturaria. Nos dois anos seguintes, Lula ajudava em casa como engraxate e office-boy. Seu primeiro emprego com carteira assinada foi aos 14 anos, nos Armazéns Gerais Colúmbia. Em 1962, formou-se torneiro mecânico em um curso do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Um ano depois, perderia o dedo mínimo da mão esquerda - quando uma prensa se fechou sobre sua mão, decepando o dedo -, o que se tornaria uma de suas principais marcas, ao lado da barba farta e da voz rouca de tanto gritar em protestos. Lula após comício de sindicalistas em 1979; no Sindicato dos Metalúrgicos, ele lançou as greves de operários que contribuíram para o enfraquecimento da ditadura militar Casou-se duas vezes. A primeira mulher, Maria de Lourdes, morreu em 1970 por conta de uma gravidez de risco, assim como seu primeiro filho. Em 1974, Lula conheceu a também viúva Marisa Letícia (1950-2017) e se casou com ela. Tiveram quatro filhos. Marisa esteve ao lado de Lula em toda sua carreira política, mas o ex-presidente sempre elogiou em particular o grande apoio que recebeu de Marisa nos primeiros anos, desde sua primeira eleição como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 1975. A partir dali, ele comandou as greves de operários que contribuíram para o enfraquecimento da ditadura militar (1964-1985). Mas mesmo entre os maiores inimigos cravou algumas amizades. Era o caso do ex-chefe da Polícia Federal Romeu Tuma, que o liberou da prisão para acompanhar o velório da mãe, em 1980. Partido dos Trabalhadores Foi o mesmo ano em que sua carreira político-partidária começou, com a fundação do PT. Em 1982, com uma plataforma radical defendida por intelectuais do partido, Lula disputou o governo de São Paulo e terminou em quarto lugar, com menos de 10% dos votos. Logo depois fundaria a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e participaria do movimento Diretas Já, pela volta da democracia. O movimento fracassou, mas a possibilidade de os brasileiros voltarem a votar para presidente reapareceu em 1985, em uma votação no Congresso. Lula, por sua vez, defendeu a abstenção dos deputados petistas na eleição de Tancredo Neves à Presidência da República. Os revoltosos acabaram expulsos do partido, contra a vontade do moderado Lula. Tancredo morreu antes de entrar no Palácio do Planalto como presidente. Quando José Sarney assumiu, o PT migrou à oposição. Em 1986, Lula se tornou o deputado federal mais votado do país, para participar da Assembleia Constituinte. O papel discreto não o afastou da candidatura à Presidência da República pela primeira vez. Lula construiu sua carreira política como conciliador, garantem muitos dos seus aliados de primeira hora. Mesmo quando exibia uma retórica mais radical à esquerda, construía acordos com seus adversários. Lula com FHC, Marisa e José de Alencar em sua primeira cerimônia de posse, em 2003; petista chorou na titulação dizendo que o diploma de presidente da República era o primeiro de sua vida Em entrevista à BBC Brasil, o ex-ministro Luiz Dulci, que trabalhou ao lado de Lula por quase 40 anos, diz que o petista deu mostras disso nas eleições presidenciais de 1989. "No início da campanha do segundo turno ele temia que o PT não fosse gostar das primeiras decisões dele se eleito. Ele queria um ministério moderado com Leonel Brizola, Miguel Arraes e até Ulysses Guimaraes. Quem visse muitos eleitores falando pensaria que o socialismo ia chegar, mas não era nada disso. Tinha compromisso, mas era para ser moderado", diz Dulci. Mas Lula perdeu no segundo turno para Fernando Collor de Mello. Dois anos depois, o petista estaria nas ruas para pedir o impeachment de Collor, acusado de corrupção. Quando Itamar Franco tomou o lugar de Collor, Lula recusou cargos no governo. Acabou derrotado em 1994 por Fernando Henrique Cardoso, que foi ministro de Itamar e um dos idealizadores do Plano Real, chamado por Lula de "estelionato eleitoral". Foi um choque para o petista, que meses antes chegara a cogitar a formação de uma chapa moderada ao lado do tucano Tasso Jereissatti como vice. Os planos foram barrados por radicais no PT. Quatro anos depois, surpreendido pela emenda da reeleição, perdeu novamente para FHC no primeiro turno. A impopularidade de Cardoso em seu segundo mandato tornava a vitória de Lula mais provável em 2002. Além das mudanças políticas e econômicas, Lula abraçou o marketing político como centralizador das mensagens eleitorais. Um dos pontos cruciais foi a chamada "Carta ao povo brasileiro", em que Lula acalmava o mercado com promessas de manter os pilares macroeconômicos do antecessor e governar com responsabilidade fiscal. Um empresário, José Alencar, se tornou seu confidente e vice-presidente por oito anos. O sucesso lhe garantiu a vitória, contra José Serra. Lula chorou na cerimônia de titulação no Tribunal Superior Eleitoral dizendo que o diploma de presidente da República era o primeiro que tinha ganhado na vida. A antiga assessora Clara Ant, que coordenava iniciativas de Lula nos últimos 30 anos, define o ex-presidente como "um notório pragmático." "Lula só rompia com os radicais. Mas não dizia nada, esperava até os radicais romperem com ele primeiro. Foi assim como sindicalista e foi assim como político também. Ele só quer saber do que pode dar certo." No poder, da popularidade ao mensalão Modelo econômico começou a dar sinais de cansaço no segundo mandato de Lula Em seu governo, iniciativas difusas até então se transformaram no unificado Bolsa Família, um programa de transferência de renda voltado aos mais pobres que hoje abarca 13,8 milhões de famílias. Popular internamente, Lula ganhou fama internacional, sobretudo pelas medidas de combate à pobreza. Ficou famoso, em 2009, em reunião do G20, o momento em que o então presidente americano Barack Obama chama Lula de "o cara". O boom das commodities, o avanço de políticas de crédito e a emergência de uma nova classe média geraram anos de crescimento econômico e aumento do consumo, mas no fim do governo Lula esse modelo econômico já dava mostras de esgotamento. Na política, veio o escândalo do mensalão, em 2005, em que ministros centrais do governo Lula foram condenados por compra de apoio político no Congresso. Depois de perder para denúncias o seu ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e de ver seu amigo Delúbio Soares, tesoureiro do PT, apontado como artífice do esquema, Lula se disse "traído", mas evitou apontar os aliados como responsáveis. Sua popularidade afundou até a faixa dos 30% e ele respondeu com acenos para os dois lados. Primeiro ele instituiu a política de valorização do salário mínimo e o ProUni, programa de concessão de bolsas universitárias a jovens carentes. Depois, ofereceu mais ortodoxia na economia, sob o comando do presidente do Banco Central e ex-deputado do PSDB, Henrique Meirelles. Acabou reeleito em 2006, vencendo Geraldo Alckmin. Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa durante julgamento do mensalão; escândalo marcou governo Lula Seu segundo mandato foi mais moderado que o primeiro, principalmente por conta da aliança com o centrista PMDB. Em 2007, Lula privatizou estradas federais, deixando para trás um antigo dogma petista contrário à venda de patrimônio público. Lançou também o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), coordenado por Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil. A ex-petista Marta Suplicy acredita que já nessa época Lula pensava em ter uma mulher como sua sucessora. "Mas é curioso que ele tenha escolhido para isso uma pessoa (Dilma) que não era moderada como ele nem gosta de falar com políticos", diz a senadora. Quando veio a crise econômica internacional, em 2008, Lula disse se tratar de uma "marolinha". Foi à TV para pedir aos brasileiros que continuassem impulsionando o consumo. Pouco depois, veio o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", também a ser coordenado por Dilma. Lula fez sua sucessora e deixou o cargo com quase 90% de aprovação popular. Mas isso nem de longe significava a aposentadoria do ex-presidente. Lula com Dilma em 2013; em campanha acirrada com menor presença do ex-presidente, a petista venceu Aécio Neves Fora do Planalto Em 2011, nos primeiros meses longe de Brasília, Lula foi diagnosticado com câncer na laringe e iniciou um longo tratamento. Só retornou à cena política para intervir no PT de São Paulo e fazer do ex-ministro Fernando Haddad seu candidato (bem-sucedido) a prefeito. O ano de 2013 parecia começar bem para Lula, mas os protestos populares do meio daquele ano transformaram Haddad e Dilma em dois grandes alvos dos manifestantes. Por ter mais traquejo político do que os dois tecnocratas que indicou, Lula interveio nas duas gestões. Não faltaram relatos de insatisfação com a autonomia que o ex-presidente exibia para mandar nos governos de outros. Um antigo aliado que prefere não se identificar define essa liberdade assim: "Parecia aquelas reuniões de ministério quando um assessor dizia ao Lula que ele precisava fazer uma coisa diferente do que planejava. Ele respondia: 'Você tem quantos votos? Eu tenho 50 milhões.' No governo desses (aliados), os votos ainda eram dele." Muitos petistas esperavam que Lula voltasse a ser candidato a presidente em 2014, mas a vontade de Dilma se reeleger prevaleceu. Em uma campanha acirrada com menor presença do ex-presidente, a petista venceu Aécio Neves por estreita margem. O ex-porta-voz e cientista político André Singer já via o esgotamento do modelo de conciliação de Lula no início do segundo mandato de Dilma. "Hoje o PT gira em torno do lulismo. Não é mais o PT com a alma da sua fundação. Mas o lulismo é sobre reforma gradual e pacto conservador, ele vai além do PT e da esquerda. Funcionou para muita gente por muitos anos. Gente que nunca tinha votado em partido de esquerda e que votou por Lula ser dessa forma", disse. Palocci (acima à dir.) afirmou, em depoimento, que Lula tinha 'pacto de sangue' com Odebrecht; acima, os dois com José Dirceu em 2004 Lava Jato Até que, em 2015, a operação Lava Jato inicia investigações sobre figuras-chave de sua administração. As acusações de corrupção na estatal fizeram com que Lula fosse ouvido, pela primeira vez, como testemunha em uma série de investigações sobre integrantes do seu governo. No ano seguinte, eclodiu uma nova onda de protestos populares pelo impeachment de Dilma Rousseff, e polêmicos bonecos de Lula vestidos como presidiário (os "pixulecos") se tornam presença constante nas manifestações. A Lava Jato resultou na prisão e condenação de antigos aliados de Lula, como o ex-governador do Rio Sergio Cabral (cujas penas chegam a 100 anos, em cinco processos) e o ex-ministro Antonio Palocci, condenado em 2017 a 12 anos por lavagem de dinheiro e corrupção. Veio de Palocci, por sinal, o testemunho mais danoso a Lula até agora. Em depoimento a Sergio Moro em setembro, Palocci afirmou que a relação entre o ex-presidente e a empreiteira Odebrecht envolvia um "pacto de sangue" que consistia em presentes pessoais ao líder petista, como um sítio em Atibaia (SP), a doação de um terreno que seria usado para um museu dedicado a seu legado e a contratação por palestras no valor de R$ 200 mil. Em resposta, Lula afirmou que as declarações de Palocci eram uma tentativa de incriminá-lo para conseguir os benefícios de uma eventual delação premiada. Passagem de caravana do ex-presidente pela região Sul teve momentos tensos, sobretudo quando tiros foram disparados contra ônibus da comitiva Até agora, Lula mantinha-se como líder em intenções de votos na corrida presidencial para 2018 - ainda que também possua significativa taxa de rejeição -, segundo pesquisas eleitorais recentes. O ex-presidente havia encerrado, há poucos dias, uma caravana pelo Sul do país, que teve momentos de tensão sobretudo durante a passagem pelo Paraná, quando dois dos ônibus da comitiva foram alvejados com tiros. Ao mesmo tempo, Lula é ainda réu em outras seis ações penais: duas a cargo de Sergio Moro, em Curitiba - nas quais Lula é acusado de ganhar imóveis da Odebrecht e uma reforma no sítio de Atibaia como propina -, e outras quatro na Justiça Federal de Brasília. As acusações são de tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras; favorecer a Odebrecht com contratos financiados pelo BNDES; vender Medida Provisória a montadoras de veículos; e comprar caças suecos e dar benefícios fiscais em troca de dinheiro a uma empresa de seu filho. A defesa do ex-presidente nega as acusações e afirma que elas são parte de uma "perseguição judicial" contra Lula. *Com reportagem de Mauricio Savarese, de São Paulo para a BBC Brasil
Climas extremos impactam preço de alimentos ao redor do mundo
Os picos e alterações sazonais do clima em diferentes países vêm impactando o preço de alimentos ao redor do mundo, informam as Nações Unidas.
De acordo com a entidade os preços subiram 6% em julho. A ONU teme uma crise semelhante à de 2007-2008, que acabou atingindo de forma mais severa os países mais pobres do mundo. Entre os picos climáticos estão chuvas em excesso e fora de época no Brasil, seca nos Estados Unidos e dificuldades de produção na Rússia. A demora da chegada das monções, como é conhecida a época de chuvas na Índia, e a escassez de chuvas na Austrália também contribuíram para a alta. Os preços de cereais aumentaram em 17% e do açúcar 12%. As dificuldades no Brasil, maior produtor de cana de açúcar do mundo, são o principal fator por trás da alta do preço da commodity.
4 dicas do empreendedor que se aposentou aos 30 anos
Um dos expoentes mais conhecidos do movimento FIRE nos Estados Unidos, que defende a conquista da independência financeira para se aposentar cedo, atingiu seu objetivo aos 30 anos.
Grant Sabatier conseguiu se aposentar aos 30 anos "Posso viver de renda pelo resto da minha vida", diz Grant Sabatier. Em apenas cinco anos, ele juntou US$ 1,25 milhão depois de economizar e investir cerca de 80% de sua renda. Como ele conseguiu? Fez alguns cursos online de marketing digital, arrumou um emprego, abriu seu próprio negócio, economizou, investiu seu dinheiro na bolsa de valores e comprou alguns imóveis. "Eu morava em um apartamento miserável, tinha um carro miserável e passava a maior parte do tempo trabalhando e economizando dinheiro", conta o autor do livro Financial Freedom ("Liberdade Financeira", em tradução literal) e fundador do site BankBonus. "Desde o início, meu objetivo era juntar dinheiro para comprar minha liberdade", diz ele em entrevista à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC. Fim do Talvez também te interesse "Nunca me interessei por dinheiro pelo dinheiro em si. Minha ideia era conseguir (dinheiro) justamente para ter independência financeira", explica o empreendedor, que hoje está com 36 anos. E embora ele tenha conseguido levantar os fundos que precisava para se aposentar em um piscar de olhos, também cometeu erros ao longo do caminho. A partir dessa experiência, Sabatier apresenta quatro perguntas que considera essenciais para viver sem ter que trabalhar. 1. Como o dinheiro me ajudará a alcançar minhas metas? "Muita gente pensa que o dinheiro vai permitir a elas conseguirem o que desejam. Mas o importante é que você se pergunte primeiro o que você realmente quer na vida e se o dinheiro pode te ajudar a conseguir isso", diz Sabatier. A pergunta é fundamental, segundo ele, porque algumas pessoas vão atrás do dinheiro e o usam como desculpa para não levar a vida que desejam. Elas transformam o dinheiro em meta, quando é a ferramenta, explica. Sabatier faz parte do movimento FIRE, sigla em inglês para 'independência financeira, aposente-se cedo' Outras deixam suas aspirações para depois, pensando que vão fazer o que gostam quando forem mais velhas em algum momento indeterminado no futuro. Sabatier recomenda começar antes. Para isso, sugere um exercício simples: escrever as cinco ou dez coisas que te fazem feliz. A lista pode incluir coisas simples como jogar futebol com os amigos, assistir a filmes, passear com o cachorro... "Muitas dessas coisas são gratuitas ou custam muito pouco", observa. "Às vezes, tendemos a pensar que precisamos de US$ 1 milhão ou US$ 10 milhões para ser feliz, quando o que te faz feliz está na sua frente." Feita a lista, é hora de calcular quanto dinheiro você vai precisar para fazer as coisas de que gosta ou que acha que serão importantes nos próximos anos. Neste ponto, Sabatier recomenda não definir metas muito altas. "Se você não tem nada, comece com US$ 1 mil ou US$ 5 mil, em vez de pensar na meta final e, depois, avance por etapas aos poucos." A cada novo nível que você atingir, diz ele, é bom se perguntar como o esforço para conseguir aquela quantia de dinheiro está afetando sua vida e quanta liberdade isso permite que você tenha. 2. O que estou disposto a sacrificar? "Tudo na vida é uma troca no sentido de sacrificar uma coisa para obter outra", argumenta Sabatier. "Você sempre pode ter cada vez mais dinheiro, mas não pode ter seu tempo de volta." Visto dessa perspectiva, ele acrescenta, "o tempo é o recurso mais valioso que temos". 'O tempo é o recurso mais valioso que temos', diz o empresário aposentado de 36 anos A questão essencial, diz ele, é quanto do seu tempo você está disposto a sacrificar por dinheiro e quanta energia está disposto a investir. Em poucas palavras, o segredo é saber quanto vale uma hora da sua vida. A outra parte da história tem a ver com poupança. Nesse caso, a pergunta é quanto você está disposto a reduzir seus gastos para economizar. "É importante deixar claro que toda vez que você tem a oportunidade de economizar e não faz isso, você está sacrificando uma parte da sua futura liberdade", diz ele. Mas, como se trata de um equilíbrio, você também pode fazer a pergunta no sentido contrário. O dilema entre economizar ou gastar é uma das decisões mais importantes nos primeiros anos da vida profissional Você está disposto a sacrificar a felicidade do presente pela potencial riqueza futura, se privando das coisas que te trazem alegria? É claro que não há uma resposta certa. O dilema entre a liberdade presente e o dinheiro futuro é algo que costuma rondar aqueles que optam por sacrificar coisas para obter uma recompensa mais tarde. Se o objetivo é economizar, acrescenta Sabatier, não vale a pena abrir mão de pequenas coisas, como um café, uma cerveja ou uma assinatura mensal para ver filmes. É melhor reduzir os grandes gastos, como moradia, sugere. 3. Como posso aumentar meus investimentos? "A maior parte do seu dinheiro deve ser investido em um índice na bolsa", recomenda Sabatier. "É verdade que muitas pessoas preferem investir em ações de empresas de sua escolha", diz ele. "Tenho visto investidores que colocam metade de seu dinheiro em uma única companhia." "Mas quando você faz isso, mesmo que a empresa tenha sucesso, é muito arriscado porque sempre há a chance de ela fracassar ou se tornar menos competitiva", explica. Sabatier recomenda seguir o caminho menos arriscado na bolsa: investir em índices de ações, ao invés de colocar dinheiro em empresas específicas "Mesmo em companhias como a Amazon, onde tenho investido, há risco. A Amazon é uma das maiores e mais lucrativas empresas do mundo e você não imagina que algo poderia acontecer com ela, mas pode ser afetada por novas regulamentações ou perder competitividade." Sabatier argumenta que não é aconselhável depender de uma única empresa, por mais bem-sucedida que seja. "Quando você olha que ações têm o melhor desempenho na bolsa hoje, muitas delas nem existiam há 20 anos. E vice-versa, há empresas que eram as mais lucrativas 20 ou 30 anos atrás e nem sequer existem mais", adverte. O mais seguro, segundo ele, é investir em um fundo que siga um índice da bolsa, como o S&P 500 ou outros. Se uma empresa vai mal, ela sai do índice e as que estão se saindo melhor, entram no índice. Como se trata de um investimento mais seguro do que os outros, a rentabilidade não é tão grande, mas Sabatier afirma que de qualquer maneira é uma boa alternativa. "Nos últimos 100 anos, descontando o pagamento de dividendos e a inflação, investir em um desses índices de ações, como o S&P 500, gera um retorno médio de 7% ao ano." O americano conta que chegou a poupar até 82% de sua renda "Um ano pode ser 20% e, no seguinte, cair 10%, mas o importante é investir no longo prazo porque no final o que importa é a média", explica. "Esses 7% de rentabilidade são reinvestidos e é assim que os juros geram mais juros. Esse é o poder dos juros compostos. É quando o dinheiro gera mais dinheiro, e isso aumenta exponencialmente com o passar do tempo." Mas o mercado de ações não é o único caminho. Outra alternativa é investir em imóveis. De fato, diz Sabatier, "a forma mais popular de obter independência financeira é possuir um imóvel". "A grande maioria dos investidores mais jovens que conquistaram a independência financeira fizeram isso por meio do setor imobiliário", acrescenta. Ele recomenda estudar a ideia de "house hacking", que é uma expressão relativamente nova usada para uma prática muito antiga: alugar um ou mais quartos da sua casa para pagar mais rápido o financiamento. 'House hacking' é um conceito em inglês que se refere a alugar quartos da casa para reduzir gastos Como o custo da moradia é tão alto, economizar com isso, te permite dar um grande passo, diz Sabatier. E a terceira maneira de aumentar sua riqueza, segundo o empresário, é abrir seu próprio negócio. "Se você é dono de um negócio, você controla seu próprio tempo. E se der certo, você pode vender e abrir outro", afirma. Ao longo do caminho, você pode fracassar e perder todo o seu dinheiro, ele reconhece, mas "isso faz parte do aprendizado". Em suma, Sabatier recomenda investir suas economias em ações, imóveis e abertura de empresas. 4. Como estou desenvolvendo minhas habilidades? "Suas habilidades são sua moeda do futuro. Quanto mais habilidades você desenvolver, mais oportunidades terá de ganhar dinheiro", argumenta. "As habilidades que você possui são a melhor maneira de prever quanto dinheiro poderá ganhar no futuro." Há muitas habilidades que podem ser desenvolvidas por meio de cursos gratuitos na internet Todavia, há habilidades mais demandadas do que outras e são essas que devem ser desenvolvidas, destaca Sabatier. "São essas que vão permitir que você ganhe mais dinheiro." Para desenvolver novas habilidades, ele acrescenta, não é necessário voltar à universidade para obter mais diplomas. "Vivemos em uma época incrível em que muitas das habilidades mais rentáveis podem ser aprendidas online gratuitamente", diz ele. "Você pode aprender de tudo no YouTube." Há certos conhecimentos básicos que podem ser úteis em diferentes áreas de trabalho, afirma Sabatier, como criar sites, fazer campanhas publicitárias no Google, desenvolver uma marca ou aprender design. Outra forma de melhorar suas habilidades é conseguir trabalhos paralelos para complementar sua atividade principal ou abrir um negócio. "Começar seu próprio negócio é uma excelente maneira de aprender novas habilidades. Muitas das pessoas mais ricas do mundo têm uma coisa em comum: todas são empreendedoras." E cada vez que fracassaram em um negócio, aprenderam com seus erros, diz ele. 'Meus fracassos' "Fracassei muito no início. Cometi um montão de erros. Abri duas empresas antes de fundar uma que deu certo." "A primeira era um aplicativo para celulares. Gastei dinheiro em coisas e pessoas que não eram realmente importantes." Os empreendedores bem-sucedidos em geral também já tiveram fracassos financeiros "Também tentei comprar e vender ações de empresas quando comecei a investir, e a primeira ação em que coloquei muito dinheiro acabou perdendo cerca de 80% do valor em apenas três meses." "Eu tinha 20 e poucos anos, tentei ficar rico rápido e fracassei. Eu tinha cerca de US$ 5 mil para investir e coloquei US$ 3 mil nessa ação. Lembro que não conseguia nem dormir... Aprendi muito com essa experiência." "Isso me deixou obcecado com a ideia de tentar entender como você pode ganhar dinheiro. E desde então tenho seguido uma jornada financeira em que aprendo algo novo a cada dia." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Líder opositor defende saída 'constitucional' de Maduro na Venezuela
Líder opositor venezuelano e governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles usa o mesmo boné que muitos manifestantes tem usado nos recentes protestos realizados contra o governo de Nicolás Maduro.
Para Capriles, a Constituição e os direitos humanos têm sido constantemente violados na Venezuela É um símbolo que os une num momento em que parece haver rupturas entre os manifestantes, que exige entre outras coisas o combate à criminalidade, à escassez de produtos básicos e à inflação, além da saída do presidente. Depois de várias derrotas eleitorais, ele passou a dividir essa liderança com outras vozes mais combativas e radicais, como o político e economista Leopoldo López, atualmente preso sob a acusação de "promover" a violência nos protestos contra o governo. Mesmo assim, Capriles continua a ser a bússola de uma parte da oposição que se considera de "centro" e demonstrou isso no último sábado em uma grande passeata em Caracas. Ele não exclui a possibilidade de dialogar com o governo, que considera corrupto e ditatorial, e sua posição tem peso entre muitos venezuelanos. Mas diz que não quer assistir a uma "explosão social" no país. Capriles deu entrevista à BBC Mundo na antiga sede de sua campanha eleitoral, um dia depois de ter recusado um convite de Maduro para ir ao palácio presidencial Miraflores. Ele alegou que não compareceu ao encontro por acreditar que, na reunião, "não se buscava o diálogo". Confira os principais momentos da entrevista: BBC Mundo: O senhor se refere ao governo como moribundo. O que quer dizer com isso? Henrique Capriles: Este governo está em processo de extinção, está se consumindo. A crise econômica pode levar a uma explosão social na Venezuela. E não queremos isso. Eu não quero isso para o país, porque os ganhos que teríamos seriam muito mais prejudiciais do que a situação estamos vivendo agora. BBC Mundo: O senhor quer que Maduro perca seu mandato? Capriles: Ganhei de Maduro nas eleições de 14 de abril (nota da redação: Capriles foi derrotado por uma margem apertada, de 1,5%, mas alega que houve fraude na contagem), mas as instituições vigentes permitiram que Maduro esteja na sua posição atual. Não empunharei armas para derrubá-lo. Não sou assim. Quero uma mudança constitucional no país. BBC Mundo: Isso implica que Maduro deixe o poder? Capriles: Sim, claro, mas constitucionalmente. Qual é o objetivo? Mudar a Venezuela. Para mim, Maduro é um erro na história do país. Capriles em grande protesto da oposição em Caracas BBC Mundo: Há alguns dias, em entrevista coletiva, se falava na possibilidade de um autogolpe, de Maduro ser substituído por Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. Há mesmo uma divisão dentro do chavismo? Capriles: Bem, não estou lá dentro. Mas, daqui de fora e pelo que sabemos de pessoas que estão dentro do chavismo, há claramente três divisões de poder dentro do partido governista. Um representa Maduro, outro representa Cabello e outro que é, como dizem, a ala econômica, que representa o presidente da empresa estatal de petróleo PDVSA, Rafael Ramírez. Nicolás fala em golpe, mas em que país do mundo os civis dão um golpe de estado? Quem faz isso são os militares. Então, quem são os militares por trás do golpe? BBC Mundo: Chamou minha atenção uma mensagem enviada outro dia pelo senhor aos soldados. O senhor quer quer os militares deem um golpe? Capriles: Não quero que os militares apoiem um certo partido ou outro. Minha mensagem não dizia para eles fazerem isso, mas para defender a Constituição. Nestes dias de protestos no país, não somente nossas leis têm sido violadas, como também os direitos humanos universais. BBC Mundo: Neste sentido, espera que eles apoiem uma mudança? Capriles: Espero que não violem os direitos humanos nem a Constituição. Se critico que eles têm uma participação no governo, também criticarei se tiverem uma participação política a favor da oposição. Caminhamos rumo a um desastre econômico. Se o governo não age, o que isso provoca? Uma profunda crise política. É preciso ter uma saída para essa crise para resolver o problema econômico, o que fará com que as Forças Armadas respeitem a Constituição. Aí você me pergunta: qual é a mudança? Essa pode ser a mudança. BBC Mundo: A ideia de que o governo está instável é correta? Capriles: Quem é o responsável pela crise econômica? Maduro. Vamos isentá-lo da culpa por atos tolos cometidos na busca de uma saída para essa crise? Vamos isentá-lo da responsabilidade pela crise econômica? Seria um equívoco histórico. Nicolás tem que responder pela crise econômica. Se não há uma resposta a essa crise, gera-se uma crise política e, se não há uma resposta à crise política, o regime cai. Os protestos na Venezuela já duram duas semanas BBC Mundo: O que vem acontecendo nos últimos dias é que a grave crise econômica vem abrindo espaço para os radicais. Parece que não há espaço para este seu discurso... Capriles: A maioria é de centro. É preciso passar uma mensagem a todos, mas a maioria do país tem problemas maiores que o problema que Maduro representa. BBC Mundo: Se o centro é maioria, então, Leopoldo López não representa a maioria, mas sim a parte mais radical da direita... Capriles: Bem, López e María Corina Machado fizeram algumas propostas e estão em seu direito. Mesmo que discordemos sobre como realizar uma mudança, isso não significa que o que estão propondo é crime. Eles têm o direito de se converterem nos porta-vozes daqueles que propõem uma renúncia presidencial. Isso é legítimo e legal. Alguns pensam que não deveriam falar nisso, mas sim falar com os pobres da Venezuela, que querem escutar sobre como resolver sua falta de comida, a questão da moradia... BBC Mundo: E López não fala com os pobres? Capriles: Esse não é o debate da maioria. É errado acreditar que o problema são as diferenças entre os lados que querem uma mudança no país. Temos algo maior diante de nós. O que me liga aos meus companheiros da Unidade é algo muito maior. López está preso. Temos que lutar para que ele saia da prisão. Temos que fazer tudo que é humanamente possível, tudo que esteja em nosso alcance para que ele seja libertado, para que Iván Simonovis (comissário condenado pelas mortes ocorridas no golpe de 2002 contra Hugo Chávez) seja libertado, para que os demais jovens presos sejam libertados, para que os exilados possam voltar à Venezuela, para que acabem com a perseguição e a repressão. Essa é a nossa agenda. BBC Mundo: Mas essa é uma das preocupações dos opositores. Eles veem no senhor um líder e, de um ano para cá, tem enxergado no senhor uma posição ambivalente, que numa hora os convoca para sair às ruas e na outra, para o diálogo. Capriles: Acredito que preciso mandar um recado a esses setores que exigem que eu vá às ruas, para que nas ruas explique melhor tudo a eles. Não tenho meios de fazer isso porque sobre mim pesa uma das maiores censuras que provavelmente existe neste país. Há canais de televisão que não veiculam nada do que eu disser. BBC Mundo: Então porque o senhor não foi ao Palácio Miraflores? Capriles: Porque ontem (segunda-feira) não se buscava o diálogo. A intenção era fazer uma foto comigo para mostrar ao mundo. Não iam me deixar falar. Capriles recusou um encontro com o presidente Maduro BBC Mundo: Mas era uma oportunidade de dizer as coisas diretamente. Capriles: Dizer a quem? Ao presidente? Você acredita que me deixariam fazer isso? Eu já estava avisado que não. BBC Mundo: O senhor vê esta luta como algo de longo prazo? Capriles: É uma luta do dia a dia, não tem um prazo...E muitos venezuelanos não têm deixado de lutar. Trabalha-se para obter um resultado nas eleições, mas não significa que se renuncie a essa luta caso esse resultado seja obtido ou não. Existe um objetivo maior: a mudança do país. BBC Mundo: Isso quer dizer a saída de Maduro do poder? Capriles: Isso quer dizer mudar esse desastre, sem dúvida alguma. Desastre que tem nome e sobrenome, mas não é apenas Nicolás Maduro. É um pequeno grupo que sequestrou o poder. BBC Mundo: O senhor condenou as barricadas que alguns setores da oposição colocam nas ruas. Capriles: Não as condenei. Disse que as pessoas que fazem isso acabam isolando a si mesmas. Quem ganha com isso? Ninguém. BBC Mundo: Então a mensagem é "parem de fechar as ruas"... Capriles: A mensagem é que aquilo que gera anarquia só fortalece o governo e enfraquece a alternativa democrática ao colocá-la como anárquica. BBC Mundo: Isso quer dizer então que sim, que o senhor quer que parem com isso? Capriles: Eu acho que eles deveriam parar, sim. A menos que toda a comunidade esteja de acordo! Mas, se dois ou três impedirem que milhares passem (na rua) – isso acrescenta alguma coisa? Eu acho que não.
Prosopagnosia: como é viver sem reconhecer a própria mãe
Quando você encontra uma pessoa conhecida, a maneira mais fácil de reconhecê-la é pelo rosto - mas nem todo mundo consegue fazer isso. Estima-se que uma em cada 50 pessoas tenha prosopagnosia, ou "cegueira para feições", uma condição que pode afetar até 5 milhões de pessoas no Brasil, por exemplo. A britânica Evie Prichard, de 24 anos, tem essa desordem e conta como é a vida quando você luta para reconhecer amigos e família:
Evie Prichard (à esq.) às vezes tem dificuldade para reconhecer a mãe, Mary Ann Sieghart (à dir.), e até a si própria "Eu tinha 19 anos quando esbarrei com um desconhecido em uma festa e perguntei se ele conhecia um ex-namorado com quem havia rompido meses antes. Aquela camisa floral e o aroma do perfume CK One deveriam ter sido suficientes para me alertar sobre quem estava ali, mas por alguma razão esses sinais me fizeram pensar que aquele estranho era um amigo do meu ex, que talvez tivesse pegado emprestado sua camisa e seu perfume. Fim do Talvez também te interesse Infelizmente, como em várias outras ocasiões, o instinto de detetive que me acompanha nas interações sociais tinha me deixado na mão - o sujeito era meu ex. Tudo o que ele tinha feito era cortado o cabelo e raspado a barba rala, mas como eu estava de salto alto nossa diferença de altura também não aparecia. Minha cegueira para feições significa que aposto em sinais como estilo de cabelo e altura para diferenciar as pessoas, e sem essas coisas eu fico totalmente à deriva. Nesse sentido foi até um triunfo: certamente o ego dele deu uma desinflada. Mas também foi uma das várias ocasiões em que minha cegueira para feições me fez passar por idiota. Para mim, um rosto é como um sonho. É incrivelmente vívido no momento, mas se esvai segundos depois, até restarem apenas características desconectadas e uma vaga memória de como aquela face me fez sentir na hora. Viver com um cérebro que não conta com essa função crucial pode ser muito desgastante, mas na maior parte do tempo é algo apenas inconveniente e - muito - constrangedor. O que é prosopagnosia? Fonte: NHS Choices: Prosopagnosia Houve até uma vez em que me vi no espelho em um bar e realmente não me reconheci. Cheguei a ter alguns pensamentos bem críticos sobre minha própria cara suada antes de perceber que o alvo da minha crítica era eu mesma. Outro dia, minha mãe, que tem cabelos enrolados, fez uma escova e eu passei direto por ela na rua. Estudos mostraram que até 2% da população pode estar vivendo com prosopagnosia. Muitos nem percebem que possuem essa condição. A gravidade da desordem vai da relativamente gerenciável até o 'desculpe, pensei que estava beijando meu marido'. A maior parte dos diagnósticos fica entre esses dois polos. Minha prosopagnosia é severa, mas consigo reconhecer amigos próximos em circunstâncias normais, e tenho uma chance de 50% de manter o reconhecimento após um corte de cabelo ou troca de óculos. Embora a mãe e a avó de Evie também tenham a condição, a irmã dela, Rosa (à esq.) não tem A situação é pior para muitas pessoas. Ouvi histórias de gente que foi roubada por estranhos que se passaram por parentes e de crianças andando com homens desconhecidos. Por sorte, nada disso aconteceu comigo quando era criança - sei do meu problema por toda a vida, então sempre fui cautelosa. Para mim era quase impossível reconhecer meus colegas na escola, o que fazia do ato de fazer e manter amigos uma luta. Ainda lembro de vagar chorando pelos corredores no primeiro dia do ginásio: tinha ido ao banheiro e não sabia para qual sala voltar porque não reconhecia a professora nem os alunos. As pessoas costumam ficar perplexas quando conto sobre minha prosopagnosia. Na verdade já vi todo tipo de reação, de descrença à fascinação e riso histérico. Um homem até me acusou - pelas minhas costas - de inventar a história para paquerá-lo. Até recentemente pensava-se que a prosopagnosia era uma condição muito rara que resultava de dano cerebral, mas ela é mais comum como desordem genética. E está na minha família - afetou minha mãe, minha avó e minha bisavó, embora minha irmã Rosa tenha aparentemente escapado da maldição. Evie (segunda à dir.) em uma festa com amigos, dos quais apenas reconhece um Foi apenas neste século que pesquisadores começaram a perceber exatamente quantas pessoas estavam vivendo em silêncio com essa condição. Pessoas que, como eu, tiveram prosopagnosia por todas suas vidas, e acabaram aprendendo a esconder muito bem suas deficiências. Como uma pessoa cega que reconhece parentes pelos passos, portadores de prosopagnosia são forçados a desenvolver maneiras incomuns de descobrir com quem estão conversando. De sinais óbvios como cabelo e voz até postura, jeito de andar e sobrancelhas, confiamos em dezenas de táticas para enfrentar o cotidiano. E se tudo isso falhar, somos ótimos blefadores. Quando encontro alguém que possa conhecer, eu geralmente projeto o nível de amizade que seria aceitável para amigos de infância ou estranhos completos. É uma linha bem tênue. Mas ainda tenho uma vocação especial para me fazer de idiota. Uma vez estava sendo filmada para um documentário e duas meninas que conhecia bem do colégio ficaram por quase 20 minutos ao lado de minha mesa em um bar quase vazio sem que eu tivesse a menor ideia de quem eram. Uma delas me vendeu uma cerveja, e embora eu tenha a olhado nos olhos e sorrido enquanto pegava o troco, eu ainda não consegui reconhecê-la. No mês passado, no festival de música de Glastonbury, eu estava acampando com amigos e um monte de amigos deles, a maioria desconhecida para mim. Durante o festival, pessoas se juntaram a nós e eu não tinha a menor ideia se eram as mesmas pessoas com quem havia passado os dias anteriores bebendo e conversando. Pior foi quando eu e minha irmã entramos na área VIP numa tarde - aparentemente havia todo tipo de celebridade por ali, mas eu não fazia ideia quem eram. Embora eu possa - e faço isso - brincar com minha condição, é sempre cansativo ficar batalhando para descobrir a identidade de alguém a cada encontro. Como universitária em uma cidade pequena, eu deveria reconhecer dezenas de pessoas por dia, mas acabo ofendendo muitas delas também. Sou uma pessoa sociável por natureza. Mas depois de alguns dos meus melhores amigos reconhecerem que me achavam fria no começo porque eu os ignorava sempre, ficou mais e mais difícil para mim querer conhecer pessoas novas. Evie Prichard ea mãe, Mary Ann Sieghart, de quem herdou a "cegueira peara feições" No final, o jornalismo estudantil me salvou. Falar sobre prosopagnosia em uma coluna me permitiu ser 'aquela menina com cegueira para feições'. Embora não seja o nicho dos sonhos de muitas pessoas, foi a maneira mais eficiente de explicar às pessoas que eventualmente magoava a razão de tratá-las como estranhos. Ironicamente, à medida que passei a ser um rosto reconhecido no campus, ficou mais aceitável para mim falhar em reconhecer os outros. Rostos são parte importante da identidade. Não ser reconhecido pode ser terrível - é como ser ignorado e alguém dizer que você não importa. Mas nada se compara à dor de saber que está magoando as pessoas constantemente, fazendo com que se sintam subestimadas e ignoradas, mesmo não tendo ideia de que está fazendo isso naquele momento. Alienar-se de um mundo de rostos é estranho, mas me conforto ao pensar que artigos como esse podem contribuir para que as pessoas perdoem a mim e a outros como eu. Faça o teste Os pesquisadores Richard Cook e Punit Shah e as universidades City University London e King's College London criaram um questionário de 20 perguntas para ajudar a medir a gravidade da "cegueira para feições". Cada pergunta vale 5 pontos e a pontuação máxima do teste é de 100 pontos. Mas a versão resumida que publicamos abaixo tem um total de 50 pontos. O teste serve apenas de guia e não pode dizer de forma segura se você tem a desordem.
'Passei 28 horas nadando em mar aberto para salvar minha vida'
Brett Archibald é um empresário sul-africano na faixa dos 50 anos e uma paixão: surfar. Todos os anos ele sai de férias com seus amigos para se divertir com pranchas e ondas. Há três anos, eles escolheram as remotas ilhas Mentawai, perto da costa da Indonésia, no Oceano Índico.
Brett saiu para surfar mas acabou perdido por mais de um dia no mar E ele teve sorte de voltar com vida. Mas ele se lembra todos os dias do pesadelo que viveu - e contou o que aconteceu ao programa de rádio Outlook, da BBC. Fim do Talvez também te interesse "Quando chegamos ao porto de onde íamos zarpar, éramos um grupo de velhos rabugentos, porque havíamos viajado por muito tempo: 54 horas. As coisas começaram a ir mal, porque nosso barco deveria sair imediatamente, mas não foi possível partir até a noite. Pedimos umas pizzas horríveis, comi só um pedaço. Por fim pudemos sair. Navegamos pelo rio e assim que chegamos ao mar, começou uma tempestade. Nos esperava uma viagem de 200 quilômetros. O flagelo das ondas Acordei à 1h30 e nosso barco balançava com força. Eu precisava ir ao banheiro vomitar e não era o único. Depois senti que precisava tomar ar. Subi para a parte de cima do barco e encontrei um dos meus amigos jogado no chão. Ele não havia conseguido chegar ao banheiro e rogou que perguntasse ao capitão quanto tempo de viagem faltava. 'Oito horas', respondi após visitar a cabine do capitão e confirmar no GPS que estávamos apenas na metade do caminho. Ele voltou a vomitar, o que me deu náuseas. Fui para o convés. O barco balançava de tal maneira que me agarrei ao parapeito. A terceira vez que vomitei pensei: 'Se vomitar de novo, vou desmaiar'. Esse foi meu último pensamento consciente. Perdi a consciência A queda foi de 6 metros, não senti nada. A sucção me empurrou para embaixo da embarcação, enquanto eu sonhava que estava em uma máquina de lavar e que dava voltas entre as bolhas e a hélice. Quando abri os olhos vi o barco a uns 80 metros de distância, desaparecendo na escuridão. Eram 2h30 e chovia intensamente. Neste momento achei que fosse morrer, ainda que não soubesse quando. Brett conta ter ficado à mercê do vento e da chuva Estava no meio de uma tempestade, no meio da noite, exatamente no meio do caminho entre onde sai e onde deveria chegar. Não era uma rota de navegação, por ali só passavam embarcações de carga ou com surfistas. De repente ouvi uma espécie de cacarejo e procurei saber de onde vinha. Me dei conta de que saía de minha própria boca. Soava como uma hiena. Estava histérico, rindo às gargalhadas. Todos os meus pensamentos iniciais foram negativos. Pedi desculpas e me despedi da minha mulher. Gritei para Deus 'Você não pode fazer isso: meu filho mais novo só tem seis anos e quase o perdemos quando ele tinha 10 dias de vida, tenho minha filha..." Rezando para ver lixo No fim das contas comecei a contar. O capitão havia dito que faltavam oito horas de viagem, então chegariam por volta das 11h. No pior dos casos só então se dariam conta de que eu não estava no barco e voltariam imediatamente: outras oito horas. Logo lembrei que uma das características do mar indonésio é ser relativamente sujo. De fato, na viagem anterior quase batemos em uma geladeira que passou boiando. Brett sabia que o mar da Indonésia é tido como 'sujo' e mantinha esperança de encontrar um tronco para se agarrar nele Me senti otimista porque tinha certeza que encontraria um tronco. Quando uma pessoa navega muito ela tem que ter cuidado com troncos, com palmeiras que caíram... Fiquei boiando de barriga pra cima por um tempo, até que caiu outra tempestade tropical, ainda mais forte, tão forte que as gotas me feriam e decidi colocar a camiseta na minha cabeça. Inesperado talismã Chegou um momento em que senti que já não tinha energia e, com a fivela do meu cinto, quis escrever uma mensagem na minha barriga. Não só a dor foi terrível como me dei conta que o sangue atrairia tubarões que comeriam meu corpo e, com ele, a mensagem. Coloquei a mão no bolso da bermuda para ver o que eu tinha: o cartão para abrir a porta do quarto do hotel dentro de um envelope plástico. Pensei que, quando o sol saísse, o cartão serviria para refletir a luz e mandar mensagens em código morse para barcos que passassem. Mas o envelope não servia para nada, então joguei fora. Mas ele voltou e ficou em frente ao meu nariz. Graças a isso entendi que estava lutando contra a corrente, de forma que virei para economizar energia. E o envelope de plásticos virou meu talismã. Nuvens e tormentas O sol não saiu naquele dia. Chovia e estiava. Eu cantava, lembrava dos meus entes queridos, amigos, conversava com eles. Não estava passando mal, só estava exausto mas cada vez que começava a afundar me animava pensando que o barco já estava chegando. E, de repente, ali estava ele. Parou. Vi um dos meus amigos me olhando enquanto eu gritava. Mas a corrente me levou para longe do barco. No entanto, vi que tinham um bote amarrado e entendi que, por causa dos motores, preferiam parar e vir me buscar com ele. Então vi duas baforadas de diesel e eles se foram. Foi o pior momento da minha vida. Peças de jogo Meccano estiveram em 'visão' de Brett da Virgem Maria A virgem Queria me deixar ir para o fundo do mar. E comecei a ter alucinações. Absolutamente estranho. Vi uma nuvem de água que se levantava e a Virgem Maria feita com peças do jogo Meccano (jogo educativo com sistemas de construção). Lembrei que as pessoas dizem ver coisas estranhas antes de morrer. Afundei minha cabeça e, para minha surpresa, vi uma boia na base da nuvem, tão real! Era vermelho brilhante, com uma luz amarela e uma campainha soando. Como estava ficando sem energia, fiz um esforço para nadar até a boia até que cheguei... e não havia nada. Veneno de caravela-portuguesa é tóxico e produz dor intensa Pedi que a tortura acabasse Me deixei levar pela corrente, que me arrastou até um grupo de caravelas-portuguesas (um tipo de água-viva) que se enrolaram em mim e me queimaram por toda parte. Achei que morreria assim: minha garganta vai fechar, não vou conseguir respirar e vou me afogar. E quase gostei da ideia. Mas quase todos foram embora, tirei as que restaram e disse: 'Vocês não vão me vencer'. Me animei de novo. Voltei a nadar até que senti um golpe nas costas. Supus que era uma barracuda, mas quando ele me atingiu de novo percebi que era um tubarão-de-pontas-negras-do-recife. De novo, um pensamento negativo: ele vai me engolir de uma vez só. Na hora, virei meu pescoço para ele para que me mordesse ali. Mas logo depois lembrei que esses tubarões não gostam muito de estar em alto-mar, então se me agarrasse nele, talvez me levasse para perto da terra. Era uma loucura. Por sorte, enquanto eu terminava de pensar isso, ele deu a volta e foi embora. 'Devo ter dormindo até que de repente senti uma batida forte na minha cabeça. Quando fui ver o que era, já vinha outra gaivota em direção a meu nariz. Ataque aéreo Devo ter dormindo até que de repente senti uma batida forte na minha cabeça. Quando fui ver o que era, já vinha outra gaivota em direção a meu nariz. Espantei-as a princípio mas depois tentei pegar uma porque estava com tanta sede que queria beber seu sangue. Mas elas acabaram indo embora. Então vi o entardecer, e me petrificou a ideia de passar outra noite à deriva. Por sorte, o mar estava calmo. Na manhã seguinte, ainda que odeie confessar isso, decidir acabar com minha vida. Afundei e respirei água uma, duas, três vezes, até que minha mente me disse: 'O que você está fazendo? Está um dia perfeito. Vai haver muitos barcos de pesca'. Primeira coisa que Brett viu do barco que o resgatou foi 'cruz preta no horizonte', que era o mastro Encontro à distância Tirei a cabeça da água e vi uma cruz preta no horizonte. Estava tão longe que não me dei conta que era a parte de cima do mastro de um iate. Mas continuava me aproximando mais e mais até que pude ver a proa. Mais tarde soube que o nome do capitão era Tony Eltherington, que soube que havia um homem perdido no mar. O governo indonésio acreditava que eu estava morto e, por isso, não mandaram nem aviões nem helicópteros para me procurar. Tony Eltherington, entretanto, reuniu sua tripulação e disse que a eles que eu tinha dois filhos e que eles tinham que me encontrar. Estavam me procurando desde o dia anterior. Se propôs a me encontrar e conseguiu." 'Tony Eltherington, entretanto, reuniu sua tripulação e disse que a eles que eu tinha dois filhos e que eles tinham que me encontrar. Estavam me procurando desde o dia anterior' Neste ponto do depoimento, a BBC perguntou a Brett o que ele diria a Tony se pudesse. Brett: Diria a ele tantas vezes quanto possível: te agradeço todos os dias da minha vida. BBC: Então você acaba de dizer isso a ele, porque Tony está te ouvindo de Sumatra. Brett: Não acredito! Oi, penso em você todos os dias e sou tão agradecido... você simplesmente é um ser humano incrível. BBC: Tony, por que você estava tão convencido de que ele havia sobrevivido a 28 horas em alto-mar? Tony: Ele é pai de duas crianças, é saudável, é um triatleta. Tinha certeza de que estava vivo. BBC: E como você soube onde procurá-lo? Tony: Havia cocos na água e os segui.
Presidente do Uruguai pede desculpas a Cristina Kirchner por declarações
O presidente do Uruguai, José Mujica, pediu nesta quinta-feira suas "sinceras desculpas" a sua colega argentina Cristina Kirchner, por suas polêmicas declarações nas quais supostamente se referia à líder e seu falecido marido, Néstor Kirchner.
"Devo pedir desculpas sinceras a quem pude ofender com minhas declarações nos últimos dias", disse o presidente em entrevista à rádio M24. A retratação de Mujica ocorre após a polêmica criada na semana passada, depois de declarações que tinham a intenção de serem privadas mas foram divulgadas por um microfone aberto. "Esta velha é pior do que o vesgo", ouviu-se nos microfones durante uma conversa entre o presidente e Carlos Enciso, um representante do Departamento (Estado) da Flórida, na qual, segundo a imprensa local, estariam discutindo as relações entre a Argentina e o Brasil.
Os jovens que encontram nas redes sociais 'válvula de escape' para luta contra o câncer
Em agosto passado, Guilherme Pagnoncelli, de 28 anos, descobriu que o câncer , iniciado no estômago, havia avançado e atingido outros órgãos. O jovem foi informado de que teria pouco tempo de vida. Logo que deixou o hospital, publicou, em seu Instagram, vídeos desabafando a respeito do diagnóstico. Pouco mais de 4 mil pessoas o acompanhavam na rede social. Em menos de 24 horas após o relato, seu perfil ultrapassou a marca de 100 mil seguidores.
Guilherme Pagnoncelli informa seus seguidores sobre seu tratamento contra o câncer nas redes sociais Gui, como é conhecido nas redes sociais, descobriu a doença em julho de 2012, aos 22 anos. Ele foi diagnosticado com câncer no estômago, do tipo adenocarcinoma, uma das formas mais raras e agressivas. O jovem passou por cirurgias e sessões de quimioterapia. Meses após encerrar os procedimentos, descobriu que o câncer havia atingido também o pulmão. Em 2016, ainda em tratamento, os médicos informaram que o esôfago do jovem também havia sido atacado pela doença. Em agosto de 2017, Gui recebeu a notícia de que os tratamentos não davam mais os resultados esperados. "Disseram que eu teria apenas mais alguns meses de vida", diz. O rapaz, que até então costumava ser discreto em relação à doença, falou abertamente sobre o tema. "Quando saí da consulta médica, no calor do momento, gravei alguns Stories (ferramenta de vídeos curtos e fotos do Instagram) contando o que havia acabado de saber." A repercussão do relato fez com que o rapaz passasse a fazer diversas postagens sobre a doença, seu tratamento e o seu cotidiano. "Eu acredito que seja preciso divulgar a doença para que as pessoas se cuidem. O câncer é silencioso e é necessário falar mais a respeito. Imagino que mostrando o meu tratamento, a pessoa vai se interessar em saber como anda a própria saúde. A minha maior intenção é alertar", conta à BBC News Brasil. Fim do Talvez também te interesse O rapaz é um dos diversos jovens que enfrentam o câncer e compartilham a luta contra a doença nas redes sociais. Os relatos sobre os diagnósticos e tratamentos têm se tornado comum na internet. Para a chefe da seção de psicologia do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Monica Marchese, a interação nas redes sociais faz com que os jovens que enfrentam a doença se sintam menos solitários. "Eles sentem que estão fazendo alguma coisa com esse momento da vida. Saem de uma posição passiva diante da doença e das perdas que ela traz. Por isso, tornou-se comum os jovens criarem redes, blogs, publicarem vídeos etc. Assim, não ficam simplesmente reféns da doença e do tratamento." Segundo o Inca, não há dados sobre jovens que enfrentam o câncer no Brasil, apenas uma expectativa de quantos brasileiros em geral devem ser diagnosticados com a doença neste ano: 600 mil, sendo cerca de 170 mil casos relacionados ao câncer de pele. A análise não especifica as idades dos pacientes. Redes sociais como 'válvula de escape' O caso mais famoso entre os jovens que compartilharam a luta contra o câncer nas redes é o da modelo Nara Almeida, de 24 anos. Durante nove meses, ela travou uma dura batalha contra um câncer no estômago. Antes, publicava dicas de beleza, registrava treinos na academia e falava sobre dietas. A jovem tinha cerca de 400 mil seguidores no Instagram. Após o diagnóstico e os relatos sobre a luta contra a doença, o número de pessoas que a acompanhavam cresceu para 4,4 milhões, registrados em maio. Para a jovem, as redes sociais eram a forma que havia encontrado para lidar melhor com a doença e os tratamentos. Em seu perfil, ela comemorava cada melhora em seu quadro clínico e lamentava quando seu estado de saúde piorava. "Deus, mais uma vez segura em minha mão, minha alma aflita pede tua atenção. Cheguei ao nível mais difícil até aqui. Me ajude a concluir", escreveu Nara, em uma de suas últimas publicações, feita pouco antes de iniciar tratamento com imunoterapia. O caso mais famoso entre os jovens que compartilharam a luta contra o câncer nas redes é o da modelo Nara Almeida, de 24 anos Nara morreu em 21 de maio. Ela não resistiu às complicações da doença e os tratamentos disponíveis não surtiam mais efeitos. O engenheiro Pedro Rocha, seu marido, diz que as redes sociais foram fundamentais durante a luta dela contra o câncer. "A Nara usava as redes como válvula de escape. Ela podia desabafar, conhecer gente que passava pelo mesmo problema, pedir ajuda e auxiliar outras pessoas. Ela também usava esse meio de comunicação para não se sentir sozinha, quando não podia sair nem receber visitas", conta. Por meio das redes sociais, o jogador de futebol Alexandre Pato, atualmente no Tianjin Quanjian, conheceu o caso de Nara. No fim de abril, ele se ofereceu para pagar seis meses de tratamento de imunoterapia para a jovem. Antes da ajuda do jogador, a modelo chegou a gravar um vídeo pedindo que fosse contratada para trabalhos como influenciadora digital, para que pudesse arcar com os remédios - que custam R$ 18 mil a dose, a ser tomada a cada 21 dias. "Ela teve tempo de tomar somente duas doses (pagas por Pato)", comenta Rocha. Além das mensagens de apoio, Nara também recebia críticas por expor a doença. "Todos que optam por abrir suas vidas em uma rede social precisam saber lidar com a rejeição e com as opiniões diferentes. Mas é importante saber a hora de se reservar um pouco", diz o marido de Nara. O engenheiro acredita que a modelo conseguiu ajudar outras pessoas. "A Nara mostrou que não é preciso ter vergonha de passar por uma situação assim, porque essa doença é mais comum do que gostaríamos. Conheci muita gente que foi procurar saber mais sobre a própria saúde depois de conhecer a história dela." Invasão de privacidade As redes sociais são consideradas ferramentas importantes para Gui Pagnoncelli. Por meio de uma "vaquinha virtual", ele arrecadou R$ 350 mil para realizar futuramente, nos Estados Unidos, um transplante múltiplo de órgãos - estômago, intestino, pâncreas e fígado. Enquanto lidava com a doença e compartilhava o cotidiano nas redes, ele batalhava para manter os planos que tinha para si. Um dos sonhos foi realizado no fim do ano passado: a conclusão da faculdade de Fisioterapia. Gui iniciou o curso pouco após terminar a primeira fase do tratamento contra o câncer. "Em certos momentos, não me imaginava concluindo minha graduação. Meu TCC foi preparado entre uma quimioterapia e outra." Nara recebeu críticas de quem considerou que ela fazia exposição excessiva de sua rotina hospitalar O jovem mostra-se grato com o apoio que recebe nas redes. Porém, afirma que a exposição tem deixado de ser tão positiva como no início. "Hoje, as pessoas pensam que a minha vida é uma novela, em que eu preciso colocar mais um capítulo todos os dias. Se eu resolvo me desligar e ficar um pouco sozinho, logo recebo inúmeras mensagens questionando onde estou e até ofensas de amigos e familiares por não ter dado notícias. Me sinto um pouco invadido." Ele, que atualmente tem mais de 260 mil seguidores no Instagram, relata que uma das situações que mais o incomodaram aconteceu quando estava internado em razão da quimioterapia. "Duas pessoas entraram no leito em que eu estava e pediram para tirar uma selfie comigo. Aquilo foi muito estranho e novo para mim. Começaram a me tratar como se eu fosse famoso. Isso me assustou", conta. Apesar de lamentar a falta de privacidade, Gui mantém as publicações diárias nas redes sociais. Compartilha o tratamento e detalha cada dificuldade. O jovem comenta com frequência sobre as constantes dores, em razão de os remédios não surtirem mais efeitos como antes. Em muitos momentos, Gui precisa ser sedado com anestésicos. Recentemente, o rapaz iniciou novo tratamento com quimioterapia por tempo indeterminado, em razão do estágio avançado da doença. "Mesmo com tudo o tenho passado, sempre tive o emocional bastante centrado. Dificilmente choro ou passo o dia triste, busco sempre sorrir e levar a vida como posso, dentro de minhas limitações", diz. Câncer de mama aos 20 A vontade de levar a vida da melhor maneira possível em meio ao tratamento contra o câncer também é um dos objetivos da universitária Isabel Costa, 21. Em julho do ano passado, ela descobriu um nódulo no seio esquerdo, que viria a ser um câncer de mama em estágio intermediário. "Ninguém espera ouvir uma notícia dessas aos 20 anos. Não foi nada fácil." Ela demorou a aceitar o diagnóstico: "Todos os dias acordava e pensava que tinha sido um pesadelo". Só depois de iniciar o tratamento com quimioterapia, duas semanas depois, Isabel entendeu que sua vida estava passando por mudanças. "Foi um susto muito grande." "Ninguém espera ouvir uma notícia dessas aos 20 anos. Não foi nada fácil", diz Isabel Costa, que retratou online a batalha contra o câncer de mama Ao todo, foram 16 sessões de quimioterapia. Ela estava no quinto semestre de Direito, mas trancou a faculdade temporariamente e retomou os estudos no início deste ano. A jovem planejava um intercâmbio para Portugal, em janeiro, porém teve de desistir. "A minha vida mudou completamente. Tive que parar com todas as atividades que fazia." Um mês após iniciar a luta contra o câncer, Isabel decidiu falar sobre o assunto em suas redes sociais e criou um blog sobre o tema. "Os meus amigos já sabiam, porque eu tinha avisado para eles pouco depois de descobrir. Mas decidi criar o blog porque queria que todos soubessem da minha história por mim, não por boatos. Não queria que ficassem pensando que eu estava morrendo ou coisa assim", explica. Sua primeira publicação repercutiu entre amigos e desconhecidos. Ela, que atualmente possui pouco mais de 6 mil seguidores no Instagram, passou a receber diversas mensagens. "Nunca recebi nenhum tipo de crítica, apenas mensagens de pessoas, conhecidas ou desconhecidas, que queriam demonstrar apoio ou dizer que minhas publicações as inspiravam", comenta. Nas redes, ela compartilhou publicações motivacionais e também os momentos mais complicados do tratamento. Para a jovem, as partes mais difíceis foram o inchaço causado pelos medicamentos - ela chegou a engordar 18 quilos -, a queda do cabelo e a cirurgia de retirada das mamas. "A mastectomia foi o que mais me afetou, porque meus seios foram retirados totalmente. Ficou um esvaziamento. Fiz reconstrução imediata, mas ficaram cicatrizes, mesmo com as próteses. Isso foi muito duro", lamenta. Atualmente, Isabel faz quimioterapia oral, na qual toma seis comprimidos diariamente durante 14 dias. Posteriormente, por sete dias, pausa os remédios e depois volta. A parte inicial do tratamento da universitária deve ser finalizada em agosto. Depois, por cinco anos, ela estará em fase de remissão - período em que não há sinais do câncer, mas ainda não se pode dizer que ele não regressará. Por meio de consultas mensais, o médico avaliará a saúde da jovem. Para Isabel, apesar das dificuldades, a luta contra o câncer teve um lado positivo. "Conheci muita gente bacana e aprendi muito, principalmente por meio das redes sociais. Tenho participado de vários eventos, para conhecer mais sobre o tema. Além disso, eu criei, junto com uma amiga que também teve a doença, um grupo de apoio a pacientes com câncer." Período de remissão Nas redes sociais, há também histórias de jovens que lutaram contra o câncer, finalizaram o tratamento e agora estão em fase de remissão. É o caso da analista de comunicação Anna Narita, de 25 anos. Em dezembro de 2011, descobriu um câncer no timo, glândula localizada entre os pulmões. Na época, ela fez tratamento com quimioterapia, passou por cirurgias, ficou careca e teve depressão. "A minha maior batalha foi a aceitação da doença." Na primeira vez em que teve o câncer, ela chegou a fazer publicações sobre o assunto nas redes sociais, porém não deu continuidade aos relatos. "Eu não estava psicologicamente bem. Foi muito complicado. Eu publiquei e me senti mais exposta do que aliviada e acabei desistindo", revela. Anna Narita concluiu o tratamento e está em fase de remissão da doença Anna terminou a primeira fase do tratamento e passou a fazer acompanhamentos mensais. No ano passado, quatro anos depois de finalizar as sessões de quimioterapia, a doença retornou, agora na cavidade abdominal. "Foi um susto, porque eu não tinha mais nenhum sinal do câncer e ele se refez, ainda mais agressivo. Desta vez, eu estava mais forte, apesar do medo ainda existir." A jovem retomou o tratamento em julho de 2017. Ela conta que o amadurecimento fez com que conseguisse comentar sobre a doença nas redes sociais. "Comecei a fazer anotações nos momentos em que estava mais introspectiva. Essas notas viraram texto e alguns deles, como alternativa de alívio, foram postados nas minhas redes sociais. Neles, eu falava sobre os sentimentos que me agoniavam", diz Anna, que possui pouco mais de 1,7 mil seguidores no Instagram. Ela preferiu não retratar o cotidiano do tratamento e só fazer publicações sobre as crises que tinha após superá-las. "Isso ajudou a diminuir a minha própria cobrança em estar bem o tempo todo. Isso também reduziu a cobrança das pessoas que estavam de fora, que passaram a lidar melhor comigo e com a minha doença." Em dezembro passado, Anna encerrou o segundo tratamento. Ela está, novamente, em período de remissão e faz exames para assegurar que o câncer não retornou. "Não gosto de romantizar a minha doença dizendo que tudo deu certo no final. Eu me lembro de todos os meus sofrimentos e não seria justo comigo esquecê-los, mas saio dessas experiências sendo a melhor versão de mim mesma. Creio que tudo isso foi necessário", afirma. Anna Narita comemorando o fim do tratamento contra o câncer A universitária Lívia Oliveira, de 19 anos, também superou o câncer. Durante o tratamento, ela detalhou, nas redes sociais, a luta contra a doença. A jovem teve um linfoma não-Hodgkin, que surge no sistema linfático e atinge as células de defesa do corpo. Recebeu o diagnóstico aos 18 anos, em novembro passado. "Foi chocante, porque eu estava iniciando a vida, tinha acabado de começar a cursar Direito e não esperava uma notícia dessas." No dia seguinte à descoberta da doença, ela iniciou o tratamento, pois o câncer foi considerado em estágio avançado. "Foi tudo muito pesado. Eu fazia 100 horas de quimioterapia sem parar, a cada 21 dias", detalha. Ela passou por quatro cirurgias, ficou internada na UTI, teve uma parada cardiorrespiratória de 12 minutos e chegou a ficar três dias em coma induzido. Lívia se recuperou e em dezembro teve a primeira alta hospitalar. Ela raspou o pouco cabelo que lhe restava, após grande parte ter caído durante o tratamento. Em seguida, fez uma publicação no Instagram. "Eu senti que precisava compartilhar com todo mundo sobre o milagre que Deus faria em minha vida", afirma. Lívia possui, atualmente, 10,4 mil seguidores no Instagram, sendo que grande parte deles veio após ela começar a falar sobre a doença. Um dos momentos mais especiais para ela foi uma publicação feita em 13 de abril, quando anunciou o fim do tratamento. "Hoje eu só sinto vontade de gritar para todo mundo que Deus é maravilhoso e me curou", escreveu na postagem. Nos comentários, diversos seguidores comemoraram junto com a jovem. Atualmente, Lívia está em remissão e faz acompanhamento mensal para garantir que não há mais sinais da doença em seu organismo. "Eu não deixo que o medo do câncer voltar me impeça de viver." O apoio durante a luta contra a doença Para a psicóloga Monica Marchese, ainda há bastante desinformação sobre como lidar com pessoas com câncer, o que leva muita gente a ter pena daqueles que enfrentam a doença. "As informações pelas redes devem contribuir para minimizar o estigma em torno disso", opina. De acordo com Marchese, um dos motivos para que os relatos dos jovens atraiam as pessoas é o fato de a situação fazer com que muitos reflitam sobre o tema. "Esse interesse acontece pela história de vida do paciente. Pode ter um efeito do tipo 'poderia ser comigo ou com meu filho'", diz. Por meio da experiência adquirida nas duas vezes em que enfrentou a doença, Anna Narita orienta que parentes, amigos e pessoas que acompanham pacientes nas redes exerçam a empatia. "Não existe dor maior ou menor que a de ninguém nessa luta. Cada paciente sabe o que vem passando. Respeitar isso é legitimar a luta do outro. É importante oferecer um abraço, companhia no tratamento ou, até mesmo, enviar uma música. A parte principal é não cobrar nada daquela pessoa."
Efeitos colaterais do coronavírus: as mortes 'ocultas' causadas pela covid-19
Emile Ouamouno, de dois anos, gostava de brincar dentro de uma grande árvore oca, perto de sua casa em Meliandou — um vilarejo no coração da selva da Guiné, no oeste da África.
Coronavírus é prioridade número 1 dos serviços médicos Mas outros seres vivos também descobriram o ambiente aconchegante da árvore: os morcegos. As crianças às vezes os pegavam lá, antes de assá-los para o jantar. Então, Emile ficou doente. Em 28 de dezembro de 2013, ela morreu. Sua mãe, irmã e avó foram as próximas. Após os funerais, a doença violenta e misteriosa começou a se espalhar gradualmente. Até 23 de março de 2014, havia 49 casos e 29 mortes — e os cientistas confirmaram se tratar da temida ebola. Nos três anos e meio seguintes, o mundo ficou horrorizado quando a doença ceifou mais de 11.325 vidas. Mas enquanto isso acontecia, outra tragédia se desenrolava. Fim do Talvez também te interesse O surto afetou gravemente o sistema de saúde local — médicos e enfermeiros morreram, vários hospitais foram fechados e os que permaneceram abertos acabaram sobrecarregados com o vírus. Nos três países mais afetados — Serra Leoa, Libéria e Guiné — as pessoas começaram a deixar de procurar ajuda médica por medo. Há temores de que tratamentos para doenças como HIV possam ser interrompidos Todas estavam apavoradas com a possibilidade de ser infectadas pela nova doença, mas também tinham medo dos médicos. Com seus macacões brancos de proteção, os profissionais de saúde ficaram estigmatizados, como se fossem "mensageiros da morte". Dados mostram que, por causa disso, houve uma queda drástica no número de pessoas buscando auxílio médico. Mais de oito em cada dez mulheres grávidas deixaram de procurar ajuda para o parto, as taxas de vacinação caíram e houve 40% menos internações de crianças com malária. Ironicamente, após um intenso esforço internacional para combater a pandemia, esse dano colateral foi mais grave do que a própria doença. Em 2020, o mundo corre o risco de assistir a um cenário semelhante. Nenhum inimigo único Desde o início, muitos países fizeram questão de tranquilizar o público sobre a estratégia de combate à covid-19 — compraram leitos e respiradores, estocaram tratamentos não comprovados e remanejaram profissionais de saúde remanejados. Por outro lado, à medida que os países concentraram esforços em combater as crescentes taxas de infecção, outros serviços médicos foram deixados de lado. Cirurgias consideradas não urgentes foram adiadas ou canceladas, assim como foram temporariamente suspensos programas de apoio à saúde sexual, ao tabagismo, à saúde mental, tratamento dentário, vacinas, exames de câncer e de rotina. E os efeitos colaterais já estão sendo sentidos ao redor do mundo. Mais de 1 milhão de bebês e 56,7 mil mães estão sob risco por causa do coronavírus Pacientes relatam ter recebido negativas para tratar câncer, diálise renal e cirurgias de transplante urgentes, com resultados algumas vezes fatais. Nos Bálcãs, as mulheres foram levadas a recorrer a abortos experimentais perigosos, enquanto especialistas no Reino Unido relataram um aumento de pessoas fazendo seu próprio tratamento dentário sem ajuda de um profissional, alguma vezes envolvendo até supercola. E, como em todas as crises, a atual pandemia parece destinada a atingir os países mais pobres com mais força. Os cientistas alertaram que, em alguns locais, interromper programas de controle de doenças como HIV, tuberculose e malária pode causar mortes na mesma escala daquelas causadas diretamente pelo vírus. Da mesma forma, os especialistas temem que os óbitos por doenças como a cólera possam exceder em muito as por covid-19. As vacinas são uma preocupação particular. A Organização Mundial da Saúde calculou que pelo menos 80 milhões de crianças com menos de um ano de idade estão agora sob risco de difteria, poliomielite e sarampo, depois que a pandemia interrompeu a continuidade dos programas em pelo menos 68 países. Há um risco real de retorno da poliomielite, apesar de um esforço de bilhões de dólares que vem se estendendo por décadas. A doença era considerada praticamente extinta. Dano colateral Enquanto isso, David Beasley, diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PAM), alertou que o mundo está à beira de uma fome de proporções "bíblicas" — com 130 milhões de pessoas sob risco de morrer de fome, além do 135 milhões que já estão à beira da fome. Além disso, acredita-se que os confinamentos decretados pela maioria dos países do mundo e a subsequente turbulência econômica possam aumentar as chamadas "mortes de desespero", já que algumas pessoas vêm recorrendo ao alcoolismo ou ao suicídio. Pólio deve voltar, apesar de quase extinta, acreditam especialistas Para o epidemiologista Timothy Roberton , juntamente com colegas da Universidade Johns Hopkins, em Maryland (nos Estados Unidos), os efeitos colaterais da pandemia tornaram-se uma preocupação quase assim que ela começou. "Muitos de nós analisamos a resposta ao surto de ebola na África Ocidental em 2014, então sabíamos o que poderia acontecer", diz ele. Em particular, a equipe estava interessada em como a covid-19 poderia afetar mulheres e crianças em países de baixa renda. Eles usaram um modelo matemático para analisar o impacto de vários cenários de crescente gravidade e identificaram duas maneiras principais pelas quais a resposta ao covid-19 poderia aumentar o número de vítimas. Uma é através da interrupção dos serviços de saúde. "Isso pode acontecer porque as pessoas ficam com medo de buscar ajuda — ou seja, o lado da demanda", diz Roberton. Mas também há o lado da oferta: "os profissionais de saúde podem ficar doentes, podem ser deslocados para trabalhar na pandemia ou pode haver escassez de medicamentos". Outro problema iminente diz respeito às famílias que não têm acesso a alimentos suficientes, o que pode aumentar sua suscetibilidade a doenças infecciosas. Programas de vacinação foram afetados por coronavírus em pelo menos 68 países No total, os cientistas previram que, no pior cenário, em que o uso de serviços de saúde é reduzido em até 50% e a desnutrição é aumentada no mesmo porcentual, mais de 1 milhão de crianças e 56,7 mil mães podem morrer como resultado indireto da pandemia. A maioria das mortes de crianças seria por pneumonia ou desidratação devido a diarreia, enquanto que, para as mulheres, provavelmente ocorreriam devido a complicações da gravidez ou do parto. Quando essas mortes são adicionadas ao número das pessoas sob risco de fome, a tragédia se torna ainda maior. Atualmente, o PAM está fornecendo comida para quase 100 milhões de pessoas no mundo todos os dias — e desse número, cerca de 30 milhões dependem desse fornecimento para sua própria sobrevivência. Segundo seu próprio levantamento, 300 mil pessoas podem morrer de fome todos os dias nos próximos meses, se esse serviço for interrompido. A projeção não inclui as pessoas que foram empurradas para a pobreza devido ao coronavírus. A pandemia atual não apenas levará mais um número adicional de 130 milhões de pessoas à inanição, mas também ameaça as doações das quais o programa depende. "Se a economia mundial for atingida e os países não puderem fornecer o financiamento esperado, então teremos que lidar com um cenário bastante assustador", diz Jane Howard, chefe de comunicações do PMA. Exatamente como a covid-19 levará as pessoas à fome é um pouco mais complicado. oward explica que, ao contrário das imagens estereotipadas de pessoas famintas nas propagandas de pedido de doações na década de 90, que viviam nas partes mais remotas da África Subsaariana, hoje a desnutrição também é um grande problema nas cidades — e são nelas que a pandemia deverá atingir as pessoas com mais força. "Se você mora em uma zona rural, pode ter uma horta ou uma vaca", diz ela. "Você tem como minimizar os efeitos disso. Mas em uma cidade você está absolutamente à mercê dos preços no mercado." Especialistas estimam que até 60 mil pacientes com câncer podem morrer apenas no Reino Unido como efeito do coronavírus No momento, a principal preocupação é com operários de fábricas, motoristas de riquixás e trabalhadores da construção civil. O dilema da idade Claro, há outra razão pela qual muitos países podem sofrer mais mortes por danos colaterais, em vez do próprio vírus: a idade de sua população. É sabido que a covid-19 afeta mais os idosos — no Brasil, eles são cerca de 70% das vítimas, segundo dados do Ministério da Saúde. Por outro lado, os países de baixa renda tendem a ter mais populações jovens. No país mais jovem do mundo - Níger, na África Ocidental — a idade média é de apenas 15,2 anos. Até agora, 254 mortes foram registradas por causa do coronavírus ali. Em contraste, a Itália tem uma idade média que gira em torno de 45, bem como um dos maiores saldos de mortos por covid-19 — foram mais de 33 mil óbitos. O grau em que a pandemia é responsável por essas fatalidades ainda está sob debate — pode ser que haja menos anos de vida perdidos diretamente para o vírus do que parece. Por exemplo, enquanto os idosos têm maior risco de morte por covid-19, eles também correm risco maior de morte por outras doenças sazonais ou respiratórias, como norovírus ou pneumonia. No momento, ainda há significativamente mais mortes a cada mês do que o normal para esta época do ano. Mas se o total de mortos cair posteriormente para abaixo da média, é possível que o vírus tenha antecipado a morte de idosos por meses, e não anos. De fato, mesmo em países ricos, acredita-se que as mortes indiretas possam eventualmente eclipsar o número de mortes diretas a longo prazo. Tome-se o câncer por exemplo. Desde o início da pandemia, grande parte das ações destinadas a reduzir a carga da doença e torná-la menos fatal — do papanicolau à mamografia — foi afetado. Para algumas pessoas, isso inevitavelmente terá consequências fatais. "O câncer não pode esperar", diz Sara Hiom, diretora de diagnóstico precoce e inteligência em câncer da Cancer Research UK, uma ONG que financia pesquisas científicas sobre o câncer. "O câncer sempre será mais fácil de tratar e curar, quanto mais cedo for diagnosticado." Os programas de detecção precoce do câncer foram interrompidos em alguns países desde o início dos confinamentos. Para aqueles que já têm um diagnóstico, pode demorar muito tempo antes de poderem iniciar o tratamento — e Hiom explica que quando a pandemia começar a diminuir, recuperar o atraso pode ser um processo extremamente lento. Interrupção de programas de detecção precoce do câncer vai resultar em milhares de diagnósticos com atraso Economia Finalmente, há a questão da recessão iminente, que já começou oficialmente na Alemanha e deve ser a mais grave desde a Grande Depressão. E muitas organizações de saúde, grandes e pequenas, dependem de contribuições de doadores privados e do público em geral — e uma economia em recessão pode representar um revés nesse trabalho, bem como nos esforços de pesquisa acadêmica, por muitos anos. Então, o que pode ser feito para minimizar as consequências indiretas da covid-19? Howard aponta para uma lista de coisas que o PMA enumera, desde ajudar os governos a trazer redes de segurança para suas populações — como continuar a fornecer merendas gratuitas para as crianças, mesmo com as escolas estando fechadas, a manter as cadeias de suprimentos funcionando e evitar barreiras comerciais. "São pequenas coisas que realmente podem ter um grande impacto", diz ela. "Por exemplo, se você determinar que caminhoneiros internacionais tenham que entrar em quarentena, sua cadeia de suprimentos entrará em colapso. Então, no sul da África, temos convencido os governos a enviar cartas a certas transportadoras contratadas, garantindo os direitos à livre circulação dos motoristas."
Ex-presidente de Uganda Idi Amin estaria em coma
O ex-presidente de Uganda Idi Amin está em estado de coma e respira com ajuda de aparelhos em um hospital da Arábia Saudita, anunciou o jornal ugandense The Monitor.
A publicação cita fontes do governo de Uganda, que disseram que Amin teria dado entrada em um hospital de Jidá há três meses devido a uma crise de hipertensão. Na sexta-feira, seu quadro de saúde teria piorado, levando ao coma. Uma das esposas de Amin disse à agência de notícias France Presse que sua família já pediu ao governo ugandense permissão para que, no caso de morte, seu corpo seja levado ao país. Idi Amin tomou o poder de Uganda em 1971 e se engajou em um programa para "africanizar" a economia, confiscando bens e negócios de asiáticos que viviam no país. Na época, Amin deu aos asiáticos noventa dias para sair de Uganda. Em 1979, ele foi deposto por forças da Tanzânia e exilados ugandenses. Amin mora na Arábia Saudita desde então.
Quatro perguntas sobre a nova mansão de Flávio Bolsonaro e o caso da rachadinha
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher, a dentista Fernanda Antunes Bolsonaro, acabam de comprar uma mansão de quase R$ 6 milhões em Brasília, revelou o site Antagonista.
Mansão comprada por senador Flávio Bolsonaro tem valor três vezes maior do que o patrimônio declarado por ele em eleição de 2018 O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro pagou parte do imóvel com um empréstimo de R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), instituição pública sob autoridade do governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha, que mantém boa relação com o governo federal. O novo patrimônio é mais de três vezes o declarado pelo senador na eleição de 2018 (R$ 1,74 milhão). O Ministério Público do Rio de Janeiro acusa o senador de ter enriquecido ilicitamente desviando recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual, com um esquema de "rachadinha" em que parte do salário dos servidores era devolvido a Flávio. Ele nega as acusações e se diz perseguido por ser filho do presidente. "A casa adquirida pelo senador Flávio Bolsonaro em Brasília foi comprada com recursos próprios, em especial oriundos da venda de seu imóvel no Rio de Janeiro", diz nota do senador. Fim do Talvez também te interesse "Mais da metade do valor da operação ocorreu por intermédio de financiamento imobiliário. Tudo registrado em escritura pública. Qualquer coisa além disso é pura especulação ou desinformação por parte de alguns veículos de comunicação", afirma ainda o comunicado. Entenda melhor a seguir a nova operação imobiliária do parlamentar e como anda o caso da "rachadinha". 1. Quais as condições do empréstimo milionário? A escritura do imóvel obtida pelo site Antagonista indica que ele foi comprado por R$ 5,97 milhões, dos quais R$ 3,1 milhões foram financiados pelo BRB. O empréstimo foi parcelado em 360 meses, com "taxa de juros nominal reduzida de 3,65% ao ano", condições melhores do que o mercado costuma oferecer. Simulação de crédito no site do BRB realizada pela BBC News Brasil com os mesmos valores da operação de Flávio Bolsonaro e correção pelo IPCA indica que seria preciso uma renda líquida de ao menos R$ 46.436,18 para conseguir o financiamento, com a parcela inicial de R$ 18.574,47. Como senador, Flávio tem salário bruto de R$ de R$ 33.763,00. Já a renda líquida é de R$ 24,9 mil. O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, é um dos nomes que têm sido cotados para substituir André Brandão no comando do Banco do Brasil, segundo o portal Metrópoles. A BBC News Brasil questionou a assessoria de Flávio sobre qual a renda do casal, mas não obteve ainda retorno do parlamentar. O senador disse em vídeo no seu Instagram que o financiamento foi aprovado de acordo com o rendimento familiar, sem dar detalhes sobre a renda da sua mulher. "A maior parte do valor dessa casa está sendo financiada num banco, numa taxa que foi aprovada conforme o rendimento familiar, como qualquer pessoa no Brasil pode fazer", afirmou o senador. Na gravação, ele reclamou também da exposição do seu endereço pela imprensa e disse que solicitou segurança extra ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI). "Em função disso, já oficiei o GSI, que é o órgão responsável aqui no governo pela segurança da família do presidente, para que intensifique a segurança aqui no entorno da minha residência", contou. "Está tudo redondinho, dentro da lei, e sem problema nenhum", disse ainda, ao final do vídeo. 2. Como é a mansão? Mansão comprada por Flávio Bolsonaro em bairro nobre de Brasília custou quase R$ 6 milhões O imóvel fica no Setor de Mansões Dom Bosco, no Lago Sul, área nobre de Brasília, com 2,4 mil m², dois pavimentos, jardim e piscina, dentro de um condomínio com apenas três casas e "segurança armada 24 horas na guarita", segundo anúncio de uma imobiliária reproduzido pelo site Antagonista. O piso inferior tem "salas de estar e de jantar com pé direito duplo, escritório, lavabo, home-theater, cozinha, espaço gourmet com ampla varanda, despensa, lavanderias coberta e descoberta, duas dependências completas para empregadas e quarto de motorista". Já o piso superior oferece "sala e copas íntimas, uma brinquedoteca, quatro suítes amplas, sendo a máster com hidromassagem para o casal, closet e academia". "Na área externa, piscina e spa com aquecimento solar, iluminação em led e deck, banheiros do espaço gourmet, depósito, quatro vagas de garagem cobertas e mais quatro descobertas", dizia ainda o anúncio, desativado após a compra. 3. Qual era o patrimônio do senador até então? Flávio Bolsonaro declarou em 2018 à Justiça Eleitoral ter um patrimônio de de R$ 1,74 milhão. O montante incluía um apartamento na Barra da Tijuca no valor de R$ 917 mil, salas comerciais no mesmo bairro no valor de R$ 150 mil, além de aplicações e investimentos de R$ 558.200 e um carro Volvo XC 2014 de R$ 66.500. Havia ainda R$ 50 mil referentes a sua participação em uma loja de chocolates, recentemente vendida pelo senador. Segundo reportagem da revista Época que analisou a declaração de bens de Flávio ao longo de várias eleições, seu patrimônio "cresceu 397,1% entre 2006 e 2018, intervalo de 12 anos em que o filho do presidente Jair Bolsonaro exerceu três de seus quatro mandatos como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)". No período analisado, as posses do hoje senador passaram de R$ 385 mil para R$ 1,74 milhão. Denúncia sobre investigação que apontou movimentações suspeitas na conta de ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, está parada enquanto STF e STJ analisam recursos do senador 4. Como está o caso da rachadinha? A investigação contra o filho do presidente começou em 2018, quando um relatório do antigo Coaf, órgão rebatizado para Unidade de Inteligência Financeira (UIF), apontou movimentações suspeitas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e amigo pessoal de Jair Bolsonaro. Esse relatório deu origem a uma investigação do Ministério Público sobre um possível esquema de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj, operado por Queiroz, em que eram contratados com dinheiro público funcionários fantasmas que devolviam quase a totalidade de seus salários. Os promotores dizem ter levantado provas de que esse dinheiro era usado por Queiroz para pagar na boca do caixa contas da família de Flávio, como boletos do plano de saúde ou da mensalidade escolar das filhas. Além disso, afirmam que parte do recurso desviado era lavado através do investimento em imóveis e por meio de uma loja de chocolate que o senador possui em um shopping no Rio de Janeiro. Essa apuração culminou no início de novembro em uma denúncia criminal contra Flávio, Queiroz e mais 15 pessoas. O senador e seu antigo assessor são acusados dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita — a Justiça ainda decidirá se aceita a denúncia e os transforma em réus. Além disso, em junho Queiroz foi preso por decisão do juiz Itabaiana, que considerou que o investigado estava atuando para atrapalhar a apuração do Ministério Público. Ele depois passou para prisão domiciliar, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Queiroz nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia e nega ter sido beneficiado pelo esquema. Ele também se diz perseguido politicamente pelo Ministério Público. No momento, o andamento da denúncia está parado, enquanto recursos do senador são analisados no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No último dia 23 de fevereiro, a Quinta Turma do STJ anulou a quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio por considerar que a decisão não foi bem fundamentada pelo antigo juiz do caso em primeira instância, Flávio Itabaiana. Ainda cabe recurso do MP contra essa decisão, mas, se a anulação for mantida, os promotores também poderão pedir novamente a quebra. Outro recurso que o STJ ainda vai analisar pode ter consequência mais importante para o andamento do caso — a Quinta Turma vai decidir se houve alguma ilegalidade no compartilhamento de dados entre o antigo Coaf e o Ministério Público. Caso esse recurso do senador seja aceito, a investigação pode vir a ser integralmente anulada. Além disso, há um recurso no STF, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, para definir o foro de julgamento do senador. Seu caso começou tramitando em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu que a denúncia deve ser analisada em segunda instância, retirando o caso da vara do juiz Flávio Itabaiana. O MP recorreu contra a decisão do TJ-RJ, argumentando que ela contraria decisão de 2018 do STF que restringiu o foro privilegiado. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Assaltantes roubam 60 peças de museu arqueológico grego
Assaltantes armados roubaram nesta sexta-feira 60 artefatos do Museu Arqueológico de Olímpia – que fica no mais conhecido santuário da antiguidade – no sul da Grécia.
Dois ladrões usaram martelos para quebrar vitrines, depois de amarrarem e amordaçarem os guardas. A polícia colocou pontos de checagem nas estradas da região, na tentativa de interceptar os ladrões. A televisão estatal grega disse que o ministro da Cultura do país, Pavlos Geroulanos, entregou uma carta de demissão depois do assalto e está a caminho do local. O premiê Lucas Papademos não divulgou ainda se aceitou o pedido de renúncia. Este é o segundo assalto do tipo na Grécia neste ano.
Polícia indonésia foi alertada para atentado, diz premiê
O primeiro-ministro da Austrália, John Howard, disse que a polícia da Indonésia recebeu ameaças de um ataque "a uma embaixada ocidental" 45 minutos antes da explosão de quinta-feira diante da embaixada australiana na capital do país, Jacarta.
A explosão matou nove pessoas e deixou muitas outras feridas. Segundo Howard, a polícia recebeu uma mensagem por telefone exigindo a libertação do clérigo islâmico preso Abu Bakar Bashir. Bashir é supostamente o líder espiritual do grupo militante Jemaah Islamiyah. O primeiro-ministro australiano disse que a mensagem chegou tarde demais para impedir a ocorrência do ataque. A polícia indonésia, porém, nega ter recebido qualquer mensagem. A polícia disse que acredita que foi usado um furgão com explosivos no ataque, e o motorista pode ter morrido na explosão. A explosão aconteceu por volta das 10h30 (0h30 em Brasília), em Kuningan, um bairro residencial ao sul da cidade. A correspondente da BBC Rachel Harvey disse que recentemente as embaixadas elevaram seus alertas de segurança, dizendo ter informações confiáveis de que um ataque na capital indonésia estava sendo planejado. Em agosto de 2003, 12 pessoas morreram quando uma bomba explodiu na frente do hotel Marriott, perto do local da explosão da quinta-feira. Em outubro de 2002, 202 pessoas morreram em dois atentados a bomba na ilha de Bali. O grupo militante Jemaah Islamiah, responsabilizado por explosões anteriores, é o principal suspeito de ter realizado o atentado.
Brics: Quatro conquistas e um fracasso do grupo dos emergentes
O sétimo encontro de líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que tem início nesta quarta-feira na cidade russa de Ufá, ocorre em um momento econômico particularmente difícil para parte do clube dos emergentes.
Os líderes dos Brics (da esq): Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Dilma Rousseff, Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul) Rússia e Brasil devem ter recessão este ano. A China está desaquecendo e a economia sul-africana deve crescer cerca de 2%. Dos cinco Brics, o único que ainda empolga investidores é a Índia, com um crescimento esperado de quase 8% para 2015. Até o criador do termo Bric, o ex-economista-chefe do Goldman Sachs Jim O'Neill, disse recentemente que se sentiria tentado a reduzi-lo para "IC" - iniciais de Índia e China - se os outros países não retomarem sua trajetória de crescimento até o fim da década. Chama atenção, porém, que mesmo nesse cenário econômico desanimador parece haver menos ceticismo sobre a solidez do grupo do que há alguns anos, segundo analistas consultados pela BBC Brasil. "Os Brics parecem ter conseguido, em um espaço curto de tempo, criar uma dinâmica para assegurar sua existência mesmo em um ciclo econômico desfavorável", opina Oliver Stuenkel, especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas. Fim do Talvez também te interesse Leia mais: Entre ricos e Brics, Brasil 'teve maior aumento em produtividade agrícola' "De um lado, temos a institucionalização do grupo com a criação do banco dos Brics e de uma reserva emergencial para ajudar países em apuros financeiros. Do outro, há um fortalecimento dos canais de diálogo entre os líderes dessas nações emergentes, além de uma maior cooperação em áreas técnicas, científicas, acadêmicas e até culturais." Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia, concorda: "Basta comparar os Brics com o G7 (Grupo dos 7 países mais industrializados e desenvolvidos do mundo), por exemplo. O que foi que eles fizeram em termos de construção institucional? Nada. Até hoje se encontram apenas para trocar opiniões". Agenda comum O acrônimo Bric (que em um primeiro momento não incluía o "s", de África do Sul) foi criado por O'Neill como instrumento de análise financeira em 2001. Originalmente, se referia às nações emergentes que, em 2040, teriam o mesmo peso econômico dos países desenvolvidos. Por volta de 2007, autoridades desses países perceberam a possibilidade de explorar politicamente a ideia de que suas nações teriam uma "agenda" comum. Como resultado, a primeira reunião de cúpula dos Brics ocorreu em 2009, na Rússia, tendo como bandeira a luta pela reforma do sistema político e econômico internacional. A África do Sul foi "incorporada" ao grupo em 2010. É verdade que sempre houve questionamentos sobre o potencial de cooperação dos Brics em função de suas diferenças políticas e econômicas, de valores e interesses. Mas apesar dessas diferenças, analistas consultados pela BBC apontam quatro avanços que teriam marcado esses sete primeiros anos dos Brics, juntamente com os problemas econômicos de alguns de seus integrantes - considerados por eles seu grande "fracasso". Confira: Avanços 1) Banco dos Brics Os Brics já assinaram um acordo para a criação de um banco que financiará obras de infraestrutura em países pobres e em desenvolvimento, embora o projeto ainda precise ser ratificado pelo Legislativo de alguns países. O chamado Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, terá sede em Xangai, na China, e um capital inicial de US$ 50 bilhões, dividido igualmente entre os Brics. Do ponto de vista financeiro, o banco é interessante porque pode receber uma classificação de risco melhor que as economias do grupo, captando recursos no mercado a um custo mais baixo. Mas analistas também veem sua criação como parte de uma ação política que teria como objetivo criar alternativas à hegemonia americana e europeia no sistema financeiro internacional. Espera-se que, em Ufá, sejam anunciados detalhes sobre quem fará parte da cúpula do novo banco e quais suas regras de funcionamento. "Ainda sabemos pouco sobre como esse banco deve atuar. Ele poderá financiar uma empresa brasileira e uma chinesa em uma obra na Namíbia, por exemplo? Quem poderá pegar empréstimos e em que condições? Como ele se relacionará com outros bancos da Ásia, bancos de desenvolvimento nacionais e o Banco Mundial? Tudo isso ainda precisa ser esclarecido", diz Troyjo. Leia mais: OCDE põe Brasil e Rússia na lanterna de ranking de crescimento para 2015 2) Arranjo de Contingente de Reservas (ACR) Além da abertura do banco, os líderes também já acertaram a criação de uma espécie de fundo para socorrer membros dos Brics que tenham graves desequilíbrios em suas balanças de pagamentos ou estejam à beira de um calote. O esquema, batizado de Arranjo de Contingente de Reservas (ACR), contará com um total de US$ 100 bilhões para essas operações de resgate financeiro. A China se comprometeu com US$ 41 bilhões; Brasil, Rússia e Índia, com U$ 18 bilhões cada; e a África do Sul, com US$ 5 bilhões. "Trata-se de uma espécie de Fundo Monetário Internacional (FMI) dos emergentes, que não impõe tantas condicionalidades para a liberação dos recursos", diz Troyjo. "Pode ser um instrumento importante principalmente para dissipar especulações com relação ao impacto negativo de crises financeiras internacionais nos Brics". 3) Abertura de canais de diálogo Segundo Stuenkel, os líderes do Brics também perceberam ao longo desses sete anos que podem conseguir "benefícios mútuos" com uma maior coordenação e a abertura de mais canais de diálogos. "A Rússia, por exemplo, procurou o apoio do grupo quando tentava evitar o isolamento internacional em meio a crise na Ucrânia", diz ele. "Além disso, é claro que dificilmente alguém do Itamaraty vai admitir isso, mas um presidente brasileiro provavelmente não teria tantas oportunidades para se encontrar e falar com um líder chinês não fossem esses encontros de emergentes." Marcus Vinicius de Freitas professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) concorda: "Esses países perceberam que têm interesses comuns principalmente no que diz respeito às mudanças do sistema financeiro internacional - e que há muito espaço para uma coordenação nessa área." "Independentemente da capacidade financeira e impacto econômico do banco dos Brics, por exemplo, sua simples existência já institucionaliza um canal de diálogo constante entre esses cinco países e suas instituições financeiras, algo que não existiria não fosse esse projeto dos Brics", diz. 4) Cooperação em áreas diversas Além do banco e do ACR, integrantes do bloco também têm feito avanços na cooperação em outras áreas, como educação, políticas de inovação, turismo e desenvolvimento de infraestrutura, como enfatiza Paulo Wrobel, pesquisador do BRICS Policy Center, centro de pesquisas ligado à PUC do Rio de Janeiro. Em março por exemplo, ministros dos cinco países se reuniram em Brasília para assinar um memorando de entendimento para facilitar a cooperação nas áreas de ciência, tecnologia e inovação. Em fevereiro, os cinco ministros de educação se encontraram para discutir a criação de uma rede universitária dos Brics, a cooperação na área de educação técnica e profissional e a elaboração de metodologias de avaliação do ensino. Na área de comércio, um dos projetos sobre a mesa é o uso de moedas locais para as operações de exportação e importação entre países dos Brics. Segundo os analistas consultados pela BBC, porém, o avanço dessa proposta dependeria da iniciativa da China, que mantém uma relação comercial expressiva com os demais países do grupo. "Os encontros dos BRICS também criaram oportunidades para a reunião de empresários e acadêmicos, e até ONGs se mobilizaram, de modo que a sociedade civil acabou incluída nessa agenda de cooperação", diz Wrobel. Fracasso: 1. Crescimento econômico Ainda que a falta de crescimento em alguns países não pareça atrapalhar a institucionalização e consolidação dos Brics no curto prazo há certo consenso entre especialistas de que, no longo prazo, poderia ampliar desequilíbrios que ajudam a minar a base de coesão do grupo. Wrobel, do Brics Policy Center, lembra que o PIB da China já é maior que o de todas as outras economias do Brics juntas. E com as economias da Rússia e do Brasil se enfraquecendo, segundo ele, não é difícil imaginar que esse país possa acabar tendo uma presença dominante no grupo, transformando o Brics em um "C+4". "É péssimo para os Brics que o Brasil e a Rússia não cresçam", concorda Troyjo. O especialista do BRICLab opina que, apesar de o avanço da construção institucional do grupo ser uma boa notícia, "se todos estivessem crescendo de maneira vigorosa haveria um benefício também para esse processo". "Também é fácil imaginar que, diante da necessidade de promover um ajuste fiscal o Brasil possa ter dificuldades em financiar os mecanismos que lhe garantiriam uma 'voz ampliada' na agenda global", diz Troyjo. "Ou seja, não adianta o país pleitear um lugar privilegiado nas organizações internacionais com a ajuda dos Brics se não tem condições de arcar com os custos financeiros que essa mudança exige."
Coma e enriqueça
O governo britânico se dispõe de qualquer forma a vencer a batalha contra a obesidade dos cidadãos destas ilhas. O governo britânico vê longe e registra os mínimos (querem acabar com a magreza também) detalhes. Direitinho feito com as lendárias “Armas de Destruição em Massa” do Iraque. Juntamente com os norte-americanos, os militares britânicos estão procurando. São persistentes. Acharão.
No momento, já que a batalha do Iraque, para todos os efeitos, foi há muito vencida, a grande preocupação, além do aquecimento global, é o número excessivo de adultos e crianças obesas. Eles vão acabar com isso. Ou pelo menos tentar. Uma vez que há o perigo, segundo os técnicos em gorduras e obesidades, de lá por volta do ano 2050, quando estivermos todos suando em bicas de tanto calor (e emagrecendo portanto, quero crer. Verdade?), o número de obesos chegar a ser por volta de 2/3 da população adulta, e 1/3 da petizada. O inglês magro acabou. Foi-se com o chá das cinco e os chapéus coco. Sempre em 2050, nutricionistas de escol calculam que nove em cada dez adultos pesarão mais do que deveriam. Fizeram o cálculo na ponta do lápis e com dois pés numa balança: a obesidade custa hoje ao sistema nacional de saúde pública perto de 2 bilhões de dólares por ano. Os gordos, além de contrariarem as convenções da nova estética, são chatos e saem caro. Embora divertidos para quem os vê. Isso, no entanto, não conta ponto com a burocracia. Que fazer? Sim, que fazer? Como na célebre pergunta (era retórica) feita por Lenin. Muito simples. Pagar para esses gulosos pararem com essa comilança toda. Há uma estratégia bolada pela secretaria de Saúde, liderada por Alan Johnson (1m74 de altura, 76 quilos), a que se deu o nome de “Peso saudável, vidas saudáveis”. Segundo essa bandeira, batalha e slogan, há provas, vindas dos Estados Unidos da América do Norte (é, aquele mesmo pessoal das “Armas de Destruição em Massa”), de que pequenas quantias adiantadas a um grande número de obesos produz resultados sensacionais. Não tem mais esse ou aquele outro regime ou dieta na lista dos livros mais vendidos. É tutu (no sentido figurado) batido na frente desses gordotes todos. Além de dinheiro como incentivo, haverá farta distribuição de tíquetes-refeição. Também se cogita em promover uma dieta saudável, já que o povão britânico, como é humano, só gosta de besteira, feito a gente. Eles aqui têm seu equivalente à nossa feijoada, vatapá, caruru (oi!) e goiabada com queijo. Só que chamam de bacon, beans e fried eggs. Por aí. Tem mais Não é para aqueles com mais de 100 quilos, ou cercanias, ficarem parados na fila para receber seus cobres. Absolutamente. Junto a uma verba anual por volta dos 750 milhões de dólares (moeda que pode ter perdido o peso mas nunca o charme), o governo vai encorajar a turma da pesada (aqueles que não passaram no exame da balança) a fazer mais exercício. Não se falou em ir servir no Iraque. Só iriam atrapalhar o trabalho de busca das “Armas de Destruição em Massa” (ói elas aí de novo). Cogita-se – e governo ama esse verbo – em incentivá-los levando-os à prática de outros exercícios físicos que não o empunhar de garfo, faca e copo de cerveja. Cidades inteiras, assim como acontecia com as “Misses”, ganharão a faixa de “Cidade Saudável”. Nelas, a atividade física, qualquer atividade física, será encorajada, além de, evidentemente, paga. Todo mundo pra cima e pra baixo, correndo, pulando, dizendo e fazendo besteira, mas nunca, nunca comendo besteira. Gudibái ovos, feijão branco de forno e bacon. Tem mais A secretaria, ou ministério, da Saúde prevê severas medidas contra as indústrias alimentícias que não forem claríssimas em seus rótulos. Terão de explicar o conteúdo tintim por tintim. Severas medidas, no caso, constituirão olhares de reprovação. Depois um aperto de mão, tal e qual sucede nas canções populares. E com todo mundo que paga imposto alto e, ora, gordo. Conclusão No Brasil, um esquema semelhante seria bem-vindo. Com uma diferença apenas: dar uma de Robin Hood, tirando gordura dos ricos e distribuindo entre os pobres. Os detalhes da operação (uma espécie de transplante de “lipos”) ainda estão em estudo nos meios da cirurgia plástica estetizante.
'Não vejo meus filhos há 3 anos': a saga de refugiados para trazer a família ao Brasil
Jeff Mokendju Bobolibanda, de 45 anos, foi preso minutos após denunciar a pessoa que matou sua irmã em um protesto contra o presidente do Congo, Joseph Kabila, no poder desde 2001. Uma vez trancafiado, ele conta que só lhe restaram duas opções: suportar a vida na cadeia, sem previsão para deixá-la, ou fugir.
Jeff Bobolibanda tem o dinheiro para trazer sua família para o Brasil, mas processo de vistos está parado há seis meses Ele diz ter escolhido a segunda. Após 13 semanas dividindo uma cela com outros presos, avisou aos guardas que estava passando mal e foi levado às pressas a um hospital, onde despistou os policiais e conseguiu escapar, segundo seu relato. Mas ele se deu conta de que precisava deixar o país o mais rápido possível para não ser recapturado e sofrer penas ainda mais duras. "Um amigo que tinha trabalhado na imigração falou que o Brasil facilitava o processo de refúgio. Eu não pensei duas vezes e voei para cá", conta. O congolês viajou sozinho, sem dinheiro e falando apenas francês. Diz que chegou ao aeroporto de Guarulhos (SP) em maio de 2015 "como se tivesse caído do céu". "Cheguei às 4h. Eu não sabia para onde eu deveria ir nem o que fazer. Ninguém sabia me explicar também. Seis horas depois, eu conheci um homem de uma ONG de refugiados, que me levou para o Cáritas, da Igreja, onde eu comi e morei até conseguir trabalho." Ele teve dificuldade para aprender português, fez trabalhos braçais – embora tenha dois diplomas universitários – e enfrentou dificuldades financeiras. Mas, na sua avaliação, é agora que vive seu maior desafio: trazer sua mulher e três de seus cincos filhos para lhe fazer companhia em terras brasileiras. Com dinheiro para as passagens, arrecadado em uma vaquinha por seus colegas de trabalho, Bobolibanda esbarrou na burocracia: solicitados há seis meses, os vistos ainda não foram expedidos pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), revelando um problema que afeta outras pessoas que, como ele, tentam reunir suas famílias. Após a publicação da reportagem, o MRE informou que a demora não é responsabilidade do órgão e que espera encaminhamento dos casos pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Segundo o Conare, órgão ligado à pasta responsável pela concessão desses vistos, a média de espera para a emissão do documento é de quatro meses, mas que alguns fatores podem causar atrasos, como falta de documentos exigidos, documentação em baixa resolução ou "outros trâmites relacionados aos processos internos do MRE, que são particulares à competência deles, a de expedição de visto". A ONG Adus oferece apoio jurídico, promove feiras e mutirões de saúde para ajudar refugiados em SP Questionado pela BBC Brasil sobre o status do caso do congolês, o Conare afirmou apenas "somente o interessado tem acesso a essa informação". Bobolibanda diz que o órgão nem sequer lhe avisou se os documentos enviados por ele para o processo estão corretos. Ele está preocupado: sua mulher, desempregada, depende do dinheiro que ele manda todos os meses para pagar o aluguel e as escolas dos filhos. "Lá, a situação é grave, não tem escola ou hospital públicos. Se você for ao Congo, você chora. Eu trabalhava em três empregos para colocar comida em casa. Só queria que eles viessem para perto de mim. Minha mulher era costureira lá e também poderia trabalhar aqui." O desafio de recomeçar Quando o refugiado chegou ao país, nem a formação em informática de gestão e contabilidade nem a experiência como professor universitário foram suficientes para lhe garantir um emprego. Nesses pouco mais de três anos no Brasil, ele já trabalhou carregando pedras de mármore, foi ajudante em um restaurante francês e operário em uma fábrica de plásticos. Há sete meses, finalmente conseguiu migrar para uma de suas áreas de atuação. Agora, trabalha como assistente contábil na consultoria Gradual Investimentos, em São Paulo. Entre suas funções está fazer o controle do dinheiro que entra na empresa e, neste mês, está aprendendo funções de outras áreas, como a de pagamentos. Sensibilizados pela trajetória do congolês, colegas de trabalho de Bobolibanda fizeram uma vaquinha e conseguiram juntar R$ 25 mil para pagar as passagens aéreas que trariam a família do refugiado ao Brasil. "Eu estou muito feliz com toda essa ajuda que eu tive para conseguir emprego e conseguir o dinheiro. Quero crescer na empresa e continuar estudando, mas trazer minha família (para o Brasil) é minha prioridade. Não vejo minha mulher e meus filhos há três anos. É duro, mas eu tenho paciência e sei que daqui a pouco eles vão chegar aqui", disse ele à BBC Brasil no escritório onde trabalha, na zona oeste de São Paulo. Após ouvir uma pergunta sobre as três ou quatro conversas semanais de áudio e vídeo que tem com a família por meio do WhatsApp, Bobolibanda faz uma pausa. E anuncia: "Vou chorar". O casal, junto há 30 anos, tem filhos de 9, 11, 13, 18 e 22 anos. "Durmo e acordo sozinho na quitinete onde eu moro. Não é fácil. Meu sonho é um dia poder viajar com meus filhos pelo Brasil. Os lugares que eu acho mais lindos são Curitiba e Porto Alegre", conta. Assessora jurídica diz que distância da família contribui para perpetuar a pobreza dos refugiados no Brasil De acordo com o Conare, há 280 pedidos de vistos como os de Bobolibanda "aguardando expedição", sem previsão para serem emitidos. Somente em 2017, 473 pessoas foram reconhecidas como refugiadas no Brasil - requisito para pedir a reunião familiar. A assessora jurídica da Missão Paz (comunidade de religiosos que auxilia migrantes em 34 países), Livia Lenci, diz que a presença da família é vital para a adaptação do refugiado em seu novo país. "O suporte familiar faz parte de uma necessidade humana básica. Sem ele, ocorre um impacto psicológico muito grande e essa pessoa com certeza não vai ter a mesma adaptação, no trabalho, sozinha", diz. Segundo ela, a distância ainda ajuda a perpetuar a pobreza dos refugiados, pois a maior parte deles precisa sustentar duas casas, como Bobolibanda. "Eles mandam dinheiro para o país de origem para ajudar a família e acabam pagando dois aluguéis e outras despesas. Sem contar que, para isso, precisam trabalhar exaustivamente", completa Lenci. Sem estrutura O diretor da ONG Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), Sidarta Martins, diz que o Brasil não tem estrutura para julgar os casos de reunião familiar pedidos pelos refugiados. "Muitas vezes, demora mais de dois anos. Isso é causado por vários fatores, mas um deles é a grande quantidade de pedidos. Há dez anos, o Brasil recebia 200 pessoas por ano pedindo refúgio. Hoje, esse número está em cerca de 20 mil", afirma. Martins diz ainda que outro impasse para a emissão do visto é a quantidade de documentos exigidos aos estrangeiros, como comprovante de vacinação e de residência de todos os familiares do refugiado. Segundo ele, o governo brasileiro também tem dificuldade para entender o conceito de família de outros países. "O Brasil trata o refugiado como se fosse um turista comum – e não alguém que deixou para trás uma situação de risco ou conflito. Muitos parentes, como sobrinhos, têm dificuldades para provar que fazem parte da família do refugiado, pois o governo brasileiro só reconhece como família pais e filhos. Na África, é diferente", explica. Esse é o caso da chefe de cozinha angolana Bernarda Brenda Kayembe, de 34 anos, que tenta há sete meses trazer a irmã, de 24 anos, e seu filho mais velho, de 14, para o Brasil. "É importante que minha irmã venha porque corre perigo. Ela está sendo ameaçada politicamente. E quero que o meu filho fique do meu lado. Lá ele não estuda, está passando fome, está sofrendo muito. Aqui, ele poderia estudar porque tudo é de graça", disse à BBC Brasil. Bernarda disse que seu filho de 14 anos está no Congo sem estudar porque não tem dinheiro para pagar escola De acordo com seu relato, em maio de 2014, seu marido foi preso após vender produtos de seu supermercado para tropas da Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda – uma guerrilha separatista que luta pela independência da cidade de Cabinda. Sozinha, a mulher vendeu o supermercado da família, pagou um advogado para defender o marido e fugiu com os três filhos para o Brasil. Dois meses depois, ele conseguiu a liberdade, vendeu a casa e foi ao encontro dos filhos e esposa em terras brasileiras. "Ele veio num navio. Quando ele chegou no Brasil, sabia que a gente estava aqui, mas não onde. Os voluntários do Cáritas nos ajudaram, nos identificaram e nos uniram", conta a mulher, que trabalha em uma loja em um shopping da zona sul de São Paulo. Hoje separada do marido, ela cuida sozinha dos quatro filhos. O dinheiro que ganha, conta, é suficiente apenas para comprar comida. Kayembe não sabe como vai pagar a passagem para trazer a irmã e o filho quando os vistos forem aprovados. "Não sei o que vou fazer. Eu vou pedir ajuda, tentar trabalhar mais. Mas sinto muito medo quando lembro das tropas que estão atrás da minha irmã. Eles matam, cortam a cabeça e as colocam em cima dos muros. Farei o que eu puder para trazê-la com meu filho para perto de mim", diz. Fernanda de Lima contratou três refugiados para trabalhar em sua empresa de investimentos Estrutura de acolhimento Em 2017, o presidente Michel Temer aprovou uma nova Lei de Migração, que entrou em vigor no dia 21 de novembro. A intenção da portaria é facilitar a regularização dos estrangeiros no Brasil. A lei evita a deportação imediata de migrantes na fronteira brasileira e cria o visto humanitário para pessoas vindas de países com conflitos armados ou vítimas de violações de direitos humanos. Ela também permite que o estrangeiro tenha os mesmos direitos trabalhistas de um brasileiro. Para o diretor da Adus, o governo brasileiro deveria montar uma estrutura que orientasse os refugiados em aeroportos internacionais. "Hoje, a Adus dá orientação jurídica aos refugiados. Enviamos para a Defensoria da União todos os documentos necessários para regularizá-los aqui. Quando é algo simples, a gente até ajuda a formular o pedido, mas falta estrutura para tanta gente", afirma Sidarta Martins. Refugiado chegou ao aeroporto de Guarulhos "como se tivesse caído do céu" e só conseguiu ajuda seis horas depois O projeto social Estou Refugiado também vem ajudando quem chega no Brasil nessas condições. A ONG os ajuda a montar o currículo e distribuí-los para as empresas. Foi dessa forma que a CEO da Gradual investimentos, Fernanda de Lima, contratou três refugiados, entre eles Bobolibanda. "O currículo deles me impressionou pela boa formação. Depois que entraram aqui, vi que, além de tudo, são muito dedicados e esforçados", conta ela. Mas a dificuldade de conseguir um emprego e o preconceito com alguns refugiados fazem com que eles aceitem trabalhar em ambientes insalubres e sem direitos trabalhistas. "Quando o Jeff chegou aqui, ele disse para mim que aprendeu nos empregos anteriores que não poderia receber salários todos os meses porque era refugiado. Eu fiquei indignada, disse que era uma mentira e ele ficou surpreso", conta Lima. Segundo a executiva, a trajetória dos refugiados inspira outros funcionários. "Eu diria a outros empresários que os refugiados são profissionais capacitados, com muita vontade de trabalhar. Pessoas que valem a pena contratar".
Eleições 2018: Quem são os candidatos a governador ainda na disputa em 13 estados e no DF?
Neste domingo, a maioria dos eleitores brasileiros terá de votar não apenas para eleger um novo presidente, mas também escolher seu governador .
Disputa ainda está indefinida em 13 Estados e no Distrito Federal A eleição para o cargo não foi definida no primeiro turno em 13 Estados e no Distrito Federal - entre eles, os três maiores colégios eleitorais do país: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro - e, agora, os dois candidatos com o melhor desempenho em 7 de outubro seguem na disputa. Ao todo, 92,4 milhões de eleitores, ou 62,75% do total, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidirão nas urnas o 2º turno dos governos estaduais. Saiba a seguir onde isso ocorrerá e quem são os candidatos. Amapá O atual governador, Waldez Góes (PDT), tenta se reeleger na disputa contra o ex-governador João Capiberibe (PSB). Góes chegou à frente no primeiro turno com 33,55% dos votos válidos. Capiberibe teve 30,10%. Fim do Talvez também te interesse Os votos recebidos por Capiberibe chegaram a ser considerados nulos no dia da eleição após o Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) indeferir os registros de todos os candidatos do PT no Estado por falta de prestação de contas de seu diretório regional em 2015. O PT fez uma coligação no Estado com o PSB de Capiberibe e havia indicado Marcos Roberto para vice na chapa. Após um recurso, o TSE validou a candidatura de Capiberibe, por entender que ele não havia cometido irregularidades, e condicionou sua participação no segundo turno à troca do vice - posto agora ocupado por Andreia Tolentino (PSB). Góes, de 57 anos, foi deputado estadual pelo Amapá entre 1995 e 1999. Em 1996, concorreu à Prefeitura de Macapá, mas foi derrotado por Annibal Barcellos (PFL, sigla que deu lugar ao DEM). Tornou-se governador em 2002 e conseguiu um segundo mandato na eleição seguinte. Ele deixou o cargo em 2010 para concorrer a uma vaga ao Senado, mas não se elegeu. Capiberibe, de 71 anos, foi prefeito de Macapá (1989-1992) e governador do Estado por dois mandatos seguidos (1995-2002). Renunciou ao cargo para concorrer ao Senado e se elegeu, mas teve o mandato cassado dois anos depois por compra de votos. Voltou ao Senado em 2011, cargo que ocupa até hoje. Esta não é a primeira vez que os dois se enfrentam em uma eleição para o governo do Estado. Em 1998, Capiberibe, então governador, se reelegeu. Em 2006, foi a vez de Góes se reeleger. Amazonas Wilson Lima (PSC) e o atual governador Amazonino Mendes (PDT) disputam o segundo turno no Estado. O resultado do primeiro turno foi bastante apertado: Lima teve 33,73% dos votos válidos, e Mendes, 32,74%. Lima, de 42 anos, é jornalista. Era apresentador da TV A Crítica, afiliada da Record, onde comandava o programa Alô Amazonas. Filiou-se ao PSC em março deste ano ano, após se desfiliar do PR em 2017, e concorre ao cargo de governador pela primeira vez. Nunca teve um mandato político. Mendes, de 78 anos, tenta sua reeleição. Ele governa o Estado desde o ano passado, quando foi realizada uma eleição suplementar por conta da cassação do governador eleito em 2014, José Melo (PROS), e do seu vice, Henrique Oliveira (SD), por compra de votos. Já foi senador pelo Amazonas (1991-1992), três vezes prefeito de Manaus (1983-1986, 1993-1994 e 2009-2012), e eleito governador do Estado três vezes (1987-1990, 1995-1998 e 1999-2002) antes do atual mandato. Distrito Federal O segundo turno é travado entre Ibaneis Rocha (MDB) e o atual governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Rocha terminou o primeiro turno com uma ampla vantagem sobre seu adversário ao obter 41,97% dos votos válidos, enquanto Rollemberg teve 13,94%. Ibaneis, de 47 anos, é advogado e foi, entre 2013 e 2015, presidente da OAB-DF, onde atualmente é diretor do conselho federal e corregedor-geral da entidade. Filiou-se ao MDB no ano passado e concorre pela primeira vez a um cargo público. Rollemberg, de 59 anos, é formado em História e foi deputado distrital por duas legislaturas (1995-1996 e 1999-2002), deputado federal (2007-2010) e senador (2011-2014). Em 2002, disputou o governo do Distrito Federal e ficou em quarto. Elegeu-se governador em 2014 no segundo turno, com 55,56% dos votos válidos. Mato Grosso do Sul O governador Reinaldo Azambuja (PSDB) tenta sua reeleição contra Odilon de Oliveira (PDT). Azambuja terminou o primeiro turno à frente, com 44,61% dos votos válidos, enquanto Oliveira teve 31,62%. Azambuja, de 55 anos, é agropecuarista. Foi prefeito de Maracaju por dois mandatos seguidos (1997-2004). Em 2006, foi eleito deputado estadual e, em 2010, deputado federal. Elegeu-se governador no segundo turno em 2014, com 55,34% dos votos - foi a primeira vez que o PSDB assumiu o governo do Estado. Oliveira, de 69 anos, é juiz federal aposentado e atuou na área criminal entre 1987 e 2017, ganhando fama por ter condenado integrantes do crime organizado e do narcotráfico, entre eles Fernandinho Beira-Mar. Filiou-se ao PDT no ano passado para disputar sua primeira eleição. Minas Gerais A disputa para governador do segundo maior colégio eleitoral do país será decidida entre Romeu Zema (Novo) e Antonio Anastasia (PSDB). Zema avançou em primeiro, com 42,73% dos votos válidos, enquanto Anastasia teve 29,06%. Zema, de 53 anos, é empresário, dono do Grupo Zema, que atua no varejo, distribuição de combustíveis, concessionárias, locadoras de veículos e no setor de autopeças. Ele foi o único candidato a governador do Novo a ter êxito nas urnas. Zema afastou-se das atividades de sua companhia para disputar sua primeira eleição. Anastasia, de 57 anos, é formado em Direito e fez carreira na administração pública. Foi eleito vice-governador de Minas Gerais na chapa com Aécio Neves (PSDB) em 2006 e tornou-se governador em 2010, quando o tucano renunciou para concorrer ao Senado. Foi reeleito e ficou no cargo até abril de 2014, quando se candidatou - com sucesso - ao Senado. Pará Helder Barbalho (MDB) e Marcio Miranda (DEM) disputam o segundo turno no Estado. Barbalho chegou perto de se eleger no primeiro turno, com 47,69% dos votos válidos, enquanto Miranda teve 30,21%. Barbalho, de 39 anos, é filho do senador Jader Barbalho. Formado em Administração, foi vereador em Ananindeua (2001-2002) e deputado estadual (2003-2004). Em 2005, tornou-se prefeito de Ananindeua aos 25 anos e foi reeleito. Foi ministro da Pesca e Aquicultura, ministro-chefe da Secretaria de Nacional dos Portos e ministro da Integração Nacional. É a segunda vez que disputa o governo do Estado - em 2014, foi derrotado no segundo turno pelo atual governador, Simão Jatene (PSDB). Miranda, de 61 anos, é médico e deputado estadual desde 2003, cargo que ocupa há quatro mandatos consecutivos - em 2012, ficou em segundo lugar na eleição para a Prefeitura de Castanhal, derrotado por Paulo Titan (MDB). É atualmente presidente da Assembleia Legislativa do Pará e tem o apoio de Jatene. Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) e Eduardo Paes (DEM) disputam o segundo turno no terceiro maior colégio eleitoral do país. Witzel ficou em primeiro em 7 de outubro, com 41,28% dos votos válidos. Paes teve a segunda maior votação, com 19,56%. Witzel, de 50 anos, nunca teve um mandato político. É fuzileiro naval reformado e foi juiz federal nas áreas criminal e civil por 17 anos, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Ele deixou a magistratura em março deste ano e se filiou ao PSC. Esta é a primeira eleição da qual participa. Paes, de 49 anos, é formado em Direito e começou cedo na política. Foi eleito vereador do Rio de Janeiro aos 27 anos e ficou cargo por só um ano. Foi eleito deputado federal por dois mandatos seguidos (1999-2006) e prefeito do Rio em 2008. Reelegeu-se no primeiro turno quatro anos depois, com 64,60% dos votos. Neste ano, migrou do MDB, do atual governador, Luiz Fernando Pezão, e do ex-governador Sérgio Cabral, hoje preso por crimes de corrupção, para o DEM para disputar pela segunda vez o cargo de governador - na primeira, em 2006, teve pouco mais de 5% dos votos. Rio Grande do Norte A senadora Fátima Bezerra (PT) avançou para o segundo turno em primeiro lugar, com 46,17% dos votos válidos, e terá como adversário Carlos Eduardo Alves (PDT), que obteve 32,45%. Bezerra, pedagoga de 63 anos, é a única petista e a única mulher ainda na disputa por um governo estadual. Filiada ao partido desde 1981, foi deputada estadual por dois mandatos seguidos (1995-1998 e 1999-2002). Tornou-se deputada federal em 2003 e se reelegeu por duas vezes, até assumir como senadora em 2015. Por quatro vezes, disputou a Prefeitura de Natal, sem vencer. Alves, de 59 anos, é formado em Direito. Elegeu-se deputado estadual em 1986 e permaneceu no cargo por quatro legislaturas. Em 2000, tornou-se vice-prefeito de Natal e assumiu a Prefeitura dois anos depois quando Wilma Faria (então filiada ao PSB, hoje no PTdoB) renunciou para disputar - e vencer - a eleição para governador. Reelegeu-se em 2004. Voltou à Prefeitura em 2013 e permaneceu por dois mandatos, até abril deste ano, quando renunciou para disputar o governo. Esta é segunda vez que se candidata ao cargo - a primeira foi em 2010, quando ficou em terceiro lugar, com 10,37% dos votos. Rio Grande do Sul Os resultados de 7 de outubro levaram Eduardo Leite (PSDB) e o atual governador, José Ivo Sartori (MDB), para o segundo turno. Leite avançou em primeiro, com 35,90% dos votos válidos, mas uma pequena margem em relação ao seu adversário - Sartori recebeu 31,11%. Formado em Direito, Leite, de 33 anos, é o mais jovem candidato a governador no segundo turno. Disputou sua primeira eleição aos 19 anos, quando se candidatou a vereador em Pelotas, e não se elegeu. Conquistaria o cargo na eleição seguinte. Em 2010, não se elegeu deputado federal. Dois anos depois, venceu a disputa para a Prefeitura de Pelotas e exerceu seu mandato até 2016. Não tentou a reeleição, apoiando sua vice, Paula Mascarenhas, hoje prefeita da cidade. Leite é desde o ano passado presidente estadual do seu partido. Sartori, de 70 anos, formou-se em Filosofia e foi professor antes de começar sua carreira política em 1977 como vereador em Caxias do Sul, já pelo MDB. Em 1983, tornou-se deputado estadual e se reelegeu quatro vezes consecutivas. Depois, tornou-se deputado federal (2003-2004). Em 2005, após duas tentativas de ser prefeito de Caxias do Sul, em 1992 e 2000, conseguiu se eleger - e foi reeleito em 2008. Tornou-se governador em 2014 ao derrotar Tarso Genro (PT), então ocupante do cargo, no segundo turno com 61,21% dos votos válidos. Rondônia Expedito Junior (PSDB) recebeu 31,59% dos votos válidos no primeiro turno e disputará o segundo com Coronel Marcos Rocha (PSL), que teve 23,99%. Junior, de 55 anos, é professor e começou na política ainda jovem, quando se elegeu vereador de Rolim de Moura (1984-1986) aos 21 anos. Foi deputado federal por três vezes (1987, 1995-1998 e 1999-2003). Em 2002, disputou uma vaga ao Senado, mas não se elegeu. Em 2006, tornou-se senador pelo PPS, mas migrou para o PR logo em seguida. Teve seu mandato cassado pelo Supremo Tribunal Federal em 2009 por compra de votos e abuso de poder econômico. No mesmo ano, refiliou-se ao PSDB. Em 2014, disputou o cargo de governador e foi derrotado pelo então governador Confúcio Moura (MDB). Há sete anos, é presidente estadual do PSDB em Rondônia. Rocha, de 50 anos, é formado em Administração e policial militar reformado. É o atual presidente estadual do PSL. Dirigiu uma escola militar na capital, Porto Velho, e foi secretário municipal de educação da cidade. Assumiu como secretário estadual de Justiça em 2014 e deixou o cargo para disputar sua primeira eleição. Ao todo, 92,4 milhões de eleitores, ou 62,75% do total, voltarão às urnas para o 2º turno dos governos estaduais Roraima O segundo turno no Estado, que é o menor colégio eleitoral do país, está sendo travado entre Antonio Denarium (PSL) e José de Anchieta (PSDB). Denarium chegou em primeiro lugar no primeiro turno com 42,27% dos votos válidos, enquanto Anchieta obteve 38,78%. Denarium, de 54 anos, é empresário, atuando principalmente no setor agropecuário. Nunca ocupou cargos públicos. Filiou-se ao PSL neste ano para disputar sua primeira eleição e assumiu a presidência estadual da legenda pouco depois. Anchieta, de 53 anos, é engenheiro. Foi eleito vice-governador do Estado em 2006 e assumiu no ano seguinte quando o governador Ottomar Pinto morreu. Reelegeu-se em 2010 e chegou a ter seu mandato cassado pelo TRE-RR no ano seguinte sob a acusação de ter usado uma rádio do governo para fazer campanha, mas reverteu a decisão no TSE, que concluiu que o então governador não foi responsável pelo que foi veiculado. Ainda em 2011, seu mandato foi cassado uma segunda vez pelo TRE-RR por gastos irregulares com despesas pessoais e pagamento de colaboradores de sua campanha, mas obteve uma liminar do TSE para permanecer no cargo. Renunciou ao governo estudual em 2014 para disputar uma vaga ao Senado, sem sucesso - seu sucessor, Chico Rodrigues (PSB), teve o mandato cassado pelo TRE-RR no mesmo ano, por arrecadação e gastos ilícitos na campanha. Anchieta foi excluído do processo por já ter renunciado ao cargo à época do julgamento. Santa Catarina Gelson Merisio (PSD) e Carlos Moisés da Silva (PSL) disputam o segundo turno. Merisio avançou em primeiro lugar, com 31,12% dos votos válidos, enquanto Silva teve 29,72%. Merisio, de 52 anos, é administrador de empresas. Aos 22, foi eleito vereador de Xanxerê. Tornou-se deputado estadual em 2006. Foi reeleito para as duas legislaturas seguintes - em ambas as ocasiões, como o mais votado. É o atual presidente estadual do PSD em Santa Catarina. Mais conhecido como Comandante Moisés, o candidato do PSL tem 51 anos e fez carreira como bombeiro militar - hoje, é coronel da reserva. Filiou-se ao PSL neste ano e disputa sua primeira eleição. São Paulo Esta será a primeira vez em 16 anos que haverá segundo turno para governador no maior colégio eleitoral do país, que tem 33 milhões de eleitores. O último foi em 2002, entre Geraldo Alckmin (PSDB) e José Genoíno (PT), com a vitória de Alckmin. João Doria (PSDB) teve 31,77% dos votos válidos no primeiro turno e disputa com o atual governador Márcio França (PSB), que obteve 21,53%. Doria, de 60 anos, era prefeito de São Paulo até abril deste ano, quando deixou o cargo após 15 meses de mandato para concorrer pela primeira vez ao Executivo paulista. A eleição na capital foi a primeira da sua carreira - ele havia atuado só como empresário e jornalista até então, e se licenciou do Grupo Doria para entrar na política. França, de 55 anos, foi eleito vice-governador em 2014 e assumiu o governo quando Geraldo Alckmin (PSDB) se afastou para disputar a Presidência. Ele fez sua carreira política em São Vicente, no litoral do Estado, onde se elegeu vereador (1989-1996) e prefeito (1997-2004), em ambos por dois mandatos seguidos. Também já foi deputado federal (2007-2010). Sergipe O atual governador, Belivaldo Chagas (PSD), e Antônio Carlos Valadares Filho (PSB) disputam o segundo turno no Estado. No primeiro, Chagas ficou à frente, com 40,84% dos votos válidos. Filho teve 21,49%. Chagas, de 58 anos, é defensor público aposentado. Foi deputado estadual por quatro legislaturas consecutivas (1990-2006). Foi eleito vice-governador em 2006, na chapa com Marcelo Déda (PT), e em 2014, na chapa de Jackson Barreto (MDB). Assumiu o governo em abril deste ano quando Barreto renunciou para se candidatar ao Senado - ele ficou em quarto e não se elegeu. Filho, de 38 anos, é formado em administração e presidente estadual do PSB. Elegeu-se deputado federal em 2006 e exerce o cargo há três mandatos consecutivos. Disputou a Prefeitura de Aracaju em 2012 - quando foi derrotado por João Alves Filho (DEM) no primeiro turno - e em 2016 - perdeu no segundo turno para Edvaldo Nogueira (PCdoB). Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Polícia investiga 120 pistas sobre estrela da TV britânica acusada de estupro
A polícia britânica diz estar investigando 120 pistas distintas sobre Jimmy Savile, um dos mais célebres apresentadores de TV da Grã-Bretanha, alvo de uma série de acusações de estupro de adolescentes nas décadas de 60 e 70.
As autoridades dizem ter registrado oito queixas contra Savile, incluindo duas de estupro. Savile, que trabalhou na BBC, foi uma importante estrela de TV e rádio nos anos 1970 e 80. Ele foi agraciado com o título de 'sir' pela realeza britânica por seu trabalho filantrópico. As acusações de pedofilia e estupro vieram à tona após a morte do apresentador, no ano passado, e constam de um documentário que será exibido na TV britânica, com depoimentos de mulheres que dizem ter sido violentadas pelo apresentador quando eram menores de idade. Em um comunicado oficial, a BBC se disse ''horrorizada'' com as denúncias contra Savile, entre elas uma de que ele teria violado algumas de suas vítimas dentro da própria BBC. A companhia disse que dará ''pleno apoio'' à polícia durante as investigações e negou rumores de que teria tentado acobertar denúncias. Tópicos relacionados
França sobe o tom contra radicais islâmicos
O Ministro do Interior da França, Manuel Valls, afirmou nesta quinta-feira que o governo está preparado para expulsar do país qualquer pessoa que ameace a ordem pública "em nome do Islã".
A declaração foi feita durante a cerimônia de inauguração de uma grande mesquita na cidade de Estrasburgo, no leste do país. Valls disse que a França não tolerará todos aqueles que "dizem ser seguidores do Islã, mas não respeitam as tradições seculares do país". Caso representem uma série ameaça à ordem pública, acrescentou o ministro, "serão expulsos". Tópicos relacionados
PMDB deve dominar a Câmara e oposição o Senado, dizem analistas
O PMDB deve sair fortalecido das eleições legislativas deste domingo, com a maior bancada na Câmara de Deputados, deslocando o PT para o segundo lugar. A previsão é de analistas políticos, que se baseiam nas listas de candidatos em cada Estado, conversas com líderes e imprensa local para estimar o tamanho da bancada de cada partido.
Já o Senado deve ganhar mais força política e eleger uma bancada maior de oposição, também na avaliação de analistas. Para o Senado, a avaliação é mais precisa, já que existem pesquisas de intenção de voto nos Estados, que este ano só vão eleger um senador. As projeções indicam que PMDB, PSDB e PFL devem ter bancadas parecidas no Senado, entre 14 e 18 senadores cada um, com o PT em quarto lugar, com 10 ou 11 senadores. Mas além do peso da bancada, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Diap, diz que a Câmara deve eleger uma bancada sem grandes nomes, enquanto o Senado deve eleger nomes de peso, mas na oposição. “Ao mesmo tempo o senador Aloizio Mercadante (candidato ao governo de São Paulo e ex-líder do governo no Senado que ainda tem quatro anos de mandato) não tem condições de retornar à liderança, pelo menos por enquanto”, diz Queiroz. Na Câmara, o ex-deputado federal e ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf e o estilista e apresentador de TV Clodovil Hernandez devem ser os campões de voto em São Paulo e possivelmente no Brasil. Maior bancada Um levantamento feito em conjunto pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) e pelo Congresso em Foco estima que o PMDB deverá eleger entre 91 e 114 deputados federais. Se esta previsão se confirmar, o PMDB pode ficar com mais de 20% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados. Hoje, o partido tem 78 deputados, um a menos do que o número que elegeu em 2002. Em outras análises os números variam, mas todos apontam o PMDB como o dono da maior bancada a partir de 2007. Além da eleição de um número maior de deputados, o PMDB deve ser incrementado com a migração de parlamentares eleitos por outros partidos, que tendem a desaparecer com as restrições impostas pela cláusula de barreira (os partidos que não tiverem pelo menos 5% dos votos perdem direito a verba partidária e a tempo no rádio e na TV). “Alguns partidos pequenos devem migrar para o PMDB”, diz a cientista política Fernanda Machiaveli, da equipe de análise política da Tendências Consultoria Integrada. “Para o parlamentar, não tem vantagem ficar na oposição, é muito melhor estar com o governo”, afirma. Ela avalia que dos 16 partidos com representação no Congresso atualmente, apenas sete vão continuar existindo na próxima legislatura. Além dos parlamentares que vão migrar para o PMDB, os analistas prevêem uma fusão entre partidos como PDT, PV e PPS, de oposição, e na base de apoio ao governo uma fusão entre PP e PL no espectro político de direita e PSB, PC do B e PDT mais à esquerda. O analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Diap, diz que o PMDB vai para o governo “quem quer que seja o vencedor da eleição presidencial”. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencer, como indicam as pesquisas, ele prevê um acirramento da oposição por parte de PSDB e PFL. Renovação pequena As previsões também apontam para uma renovação pequena no Congresso atual, marcado por escândalos como o do mensalão e das sanguessugas, ainda em investigação. O Diap estima que serão reeleitos 303 dos atuais 513 deputados federais, dos quais 433 são candidatos. No Congresso como um todo, 84% dos atuais congressistas disputam um novo mandato, e espera-se uma renovação entre 40% e 45%. “É uma renovação baixa diante da expectativa, no mesmo patamar de 1998 e abaixo da média das últimas eleições”, diz Queiroz, do Diap. Em 2002, 81% dos congressistas tentaram a reeleição, e a renovação foi de 46%. Em 1998, 86% saíram candidatos, e as urnas mostraram uma renovação de 46%.
Imagens inéditas mostram o Ártico do ponto de vista de ursos polares
Os hábitos de ursos polares em sua busca por alimento no Ártico foram revelados por câmeras em coleiras colocadas nestes animais.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Santa Cruz acompanharam nove fêmeas entre 2014 e 2016. O estudo revelou que a maioria delas não conseguiu apanhar presas o suficiente para atender suas necessidades calóricas, em meio ao crescente degelo nesta região do planeta. Os cientistas afirmam que a tecnologia de hoje permite compreender melhor os efeitos das mudanças climáticas sobre a vida no Ártico.
Coalizão xiita nomeia candidato a premiê do Iraque
A Aliança Iraquiana Unida, coalizão dominada pelos xiitas e que ganhou quase a metade dos votos nas eleições iraquianas, nomeou Ibrahim Jaafari como seu candidato para o cargo de primeiro-ministro.
A decisão veio depois que Ahmed Chalabi desistiu de disputar pela nomeação, cedendo a pressões internas da própria aliança. Na segunda-feira, o primeiro-ministro interino do Iraque, Ayad Allawi, anunciou que vai concorrer ao cargo de forma defintiva. A coalizão de Allawi ficou em terceiro lugar nas eleições do dia 30 de janeiro. A Aliança Iraquiana Unida conseguiu 140 das 275 cadeiras no novo Parlamento do Iraque. O partido de Allawi ficou com apenas 40 lugares. Ambas as coalizões terão de buscar aliança com os curdos, que têm 75 cadeiras, já que sozinhas não conseguem a maioria de dois terços necessária para assegurar o cargo de primeiro-ministro. Jaafari, médico de 58 anos, é porta-voz do Partido Islâmico Daawa, um dos movimentos islamistas xiitas mais antigos do Iraque e que lutou uma campanha sangrenta contra o regime de Saddam Hussein, na década de 70.
Obama faz juramento na posse oficial de seu segundo mandato
Em uma cerimônia privada na Casa Branca, o presidente Barack Obama fez neste domingo o juramento de seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos.
Cerimônia foi acompanhada pela família de Obama e por poucos jornalistas A Constituição americana prevê que o presidente seja empossado oficialmente em 20 de janeiro. No entanto, por essa data cair em um domingo este ano, Obama terá uma nova posse na segunda-feira, desta vez pública, que deve ser acompanhada por dezenas de milhares de pessoas no Capitólio, em Washington. Somente após essa posse pública é que Obama fará seu discurso sobre seus objetivos para os próximos quatro ano. Entre os desafios que esperam Obama em seu segundo mandato estão o controle da venda de armas e a reforma das leis da imigração, além de ter de lidar com o deficit do país. Tópicos relacionados
'Você não sabe se vai chegar vivo': a rotina de medo na favela onde soldado foi morto
Sob os holofotes da mídia após a morte do soldado da Força Nacional Hélio Andrade, de Roraima, baleado na cabeça ao entrar por engano na favela da Vila do João, no Rio de Janeiro, o Complexo da Maré vive "sob medo constante", com tiroteios e operações da polícia às vésperas e durante a Olimpíada, relatam moradores ouvidos pela BBC Brasil.
Cerca de 140 mil pessoas que moram no complexo de 16 favelas Segundo eles, a mídia colocou a Maré nas manchetes momentaneamente devido à repercussão do caso ocorrido durante o megaevento, mas para as cerca de 140 mil pessoas que moram no complexo de 16 favelas os últimos meses têm sido de violência praticamente cotidiana. Tida como uma das favelas mais complexas do Rio, a Maré abriga três facções criminosas rivais - Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos (ADA) - além de milícia. O complexo fica entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e o centro da cidade e próximo às três avenidas expressas mais importantes do Rio - avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela. Hélio Andrade não foi o primeiro a ser atacado ao entrar por engano na favela da Vila do João. Motoristas que seguem orientações de GPS já acessaram o local no passado. Pela proximidade com a Linha Amarela e a sinalização ruim, a entrada da favela pode ser confundida com um retorno à avenida expressa. Em junho deste ano, um casal teve o carro baleado cinco vezes ao seguir o GPS e entrar no local por engano, mas, apesar dos ferimentos, nenhum dos dois morreu. Em 2013, o engenheiro Gil Augusto Gomes Barbosa foi baleado e morto por ter errado o retorno e entrado na Vila do João quando dirigia para o aeroporto internacional para buscar sua mulher. Fim do Talvez também te interesse Vila do João 'As Forças Armadas atuam em cooperação e articulação com os órgãos de segurança pública durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos', diz Exército A BBC Brasil entrou em contato com a Secretaria de Estado de Segurança do RJ e o Comando Militar do Leste (CML), mas as notas enviadas não deixaram claro que tipo de presença as forças de segurança mantêm na entrada da Vila do João. Segundo nota enviada, a Polícia Militar atua em "16 pontos de baseamentos" na comunidade, "fazendo um cinturão de segurança que cobre os acessos às comunidades da Maré". Já o CML disse à reportagem que "as Forças Armadas atuam em cooperação e articulação com os órgãos de segurança pública durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos" em locais determinados. Entre os locais mais próximos à Maré listados pelo CML estão "desde o Hospital da Força Aérea do Galeão até o entroncamento com a Linha Vermelha e da Linha Amarela até o cruzamento com a Linha Vermelha com a Linha Amarela". Acessos à favela não foram listados como locais de operação das Forças Armadas. Na noite do dia 9, no entanto, a viatura da Força Nacional com três policiais que erraram o caminho entrou na Vila do João e foi recebida a tiros por traficantes. Edson Diniz, um dos diretores da ONG Redes da Maré, que morou 40 anos na comunidade, disse à BBC Brasil que falta sinalização e atenção ao local. "Deveria haver um trabalho mais intenso de sinalização de trânsito ali, indicando o caminho para evitar casos como esses", afirma. 'Medo constante' e violência apesar dos Jogos "Você se prepara para sair de casa e ouve que o caveirão do Bope está numa rua, depois em outra. Não tem como saber onde vai ter tiroteio. Não tem como saber se você vai chegar vivo. É um medo constante", diz Luiza Silva, de 22 anos, nascida e criada na Maré, que pediu para ter seu nome modificado. Para a estudante, houve uma intensificação das incursões da polícia na comunidade nos meses de junho e julho, às vésperas dos Jogos. Após a morte do soldado da Força Nacional, uma operação da polícia deixou um morto e ao menos três feridos na favela. Tida como uma das favelas mais complexas do Rio, a Maré abriga três facções criminosas rivais - Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos (ADA) - além de milícia "Como sempre a resposta foi uma operação truculenta, com quase 200 policiais, e não só na Vila do João, na Maré inteira. Tanto que uma pessoa morreu na Nova Holanda, muito longe de onde tudo aconteceu", diz Edson Diniz. Para o fotógrafo Bira Carvalho, que mora há 40 anos na comunidade, há uma aceitação dos tiroteios em favelas como algo "normal". "O Estado e a sociedade veem os territórios de favela como um problema, e a imprensa no Brasil virou as costas para essas vidas perdidas, tanto de policiais quanto de moradores de favela", diz. Para Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, há uma discrepância entre o "Rio da Olimpíada" e o "Rio que ninguém quer mostrar". "De um lado temos a tranquilidade trazida pela forte militarização nas áreas da Olimpíada, e do outro as cenas absolutamente dramáticas para quem mora nas favelas do Rio, que têm acordado com tiroteios todos os dias. De um lado a presença massiva de forças de segurança, e do outro essa higienização", avalia. 'Vácuo', UPP e Olimpíada Em seu ciclo de quase dez anos de megaeventos, o Rio acostumou-se a solicitar auxílio das Forças Armadas para garantir a segurança, e duas diferentes estratégias já foram utilizadas na Maré. Na Rio+20 houve o cerco, quando as entradas e saídas da comunidade são monitoradas de forma ostensiva, com tanques de guerra e montagem de "checkpoints" em que os moradores precisam mostrar documentos e podem ser revistados. Na Copa do Mundo, a favela foi ocupada por cerca de 3 mil membros de diferentes grupos das Forças Armadas. A ocupação durou pouco mais de um ano e a ideia era que fosse substituída por uma UPP. Já na Olimpíada, o diretor da ONG Redes da Maré, Edson Diniz, afirma que nenhuma das duas estratégias foi montada. "Não vimos o cerco ostensivo e nem a ocupação. O policiamento local continua como sempre é feito e o Exército está em alguns pontos das avenidas expressas", diz. Ainda no ano passado, quando as tropas militares deixaram a favela, a promessa do Governo do Estado do RJ era de que haveria a instalação da UPP da Maré. Um ano depois, no entanto, o secretário de segurança do Estado do RJ, José Mariano Beltrame, oficializou que o projeto não tinha data para se concretizar. Policial e engenheiro foram mortos a tiros ao entrar acidentalmente na favela Para Edson Diniz, da Redes da Maré, embora a ocupação das Forças Armadas tenha trazido problemas graves tanto para os soldados quanto para os moradores, incluindo confrontos e mortes, o vácuo de segurança deixado entre a saída dos militares e a não concretização da UPP elevou a instabilidade na favela. "Sem Exército nem UPP, houve um vácuo que significou o fortalecimento dos grupos que operam aqui dentro, a volta das incursões da polícia, que sempre podem gerar tiroteios e mortes dos dois lados, e a manutenção da lógica de guerra", diz. Com a crise no Estado, a avaliação de moradores e especialistas é de que a UPP da Maré dificilmente se concretize. "A situação na Maré não está excepcionalmente violenta agora. É uma área de violência constante, e toda a estratégia das UPPs faliu junto com o Estado, a ponto de ninguém acreditar muito na capacidade deste projeto ser recuperado", diz José Augusto Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da UERJ. Em março deste ano, José Mariano Beltrame anunciou cortes de R$ 2 bilhões do orçamento de segurança do RJ, o que equivale a 32%. "Por que a gente não foi para a Maré? Porque o Estado ficou de me dar determinadas obras físicas lá dentro e não fez por causa da crise. Não estou prometendo. Estou dizendo que ela (UPP da Maré) está planejada, e quando nós tivermos as condições para fazer, vamos executar o planejamento", disse à BBC Brasil. Diante deste cenário, Edson Diniz não vê solução para os confrontos na favela a curto nem médio prazos. "Não vejo perspectiva de melhora para os moradores da Maré com a manutenção da lógica de guerra, mortes, 14 mil crianças sem aula e ninguém se pronuncia a respeito, a falência das UPPs, a crise no Estado e a continuidade da forma como os mais pobres sempre foram tratados. Apesar da Olimpíada, para nós, nada mudou", diz.
Bomba da guerra do Vietnã mata seis no país
Pelo menos seis pessoas morreram na cidade de Quy Nhon, no Vietnã, após a explosão de uma mina terrestre datada da época da guerra contra os Estados Unidos.
A polícia disse que as pessoas estavam tentando desarmar a mina ao extrair a pólvora de dentro dela. Se calcula que 38 mil vietnamitas morreram e mais de 100 mil ficaram feridos desde o final da guerra, em 1975, por causa da explosão de munição americana que não explodiu durante o conflito. Os Estados Unidos entraram na guerra em 1965, e nos dez anos seguintes, o país chegou a ter cerca de 500 mil soldados envolvidos no combate. Contra o imenso poderio aéreo americano, os vietnamitas responderam empregando táticas de guerrilha e ataques surpresa. Três milhões de vietnamitas foram mortos na guerra, somando-se os mortos do norte e do sul. Cerca de 58 mil soldados americanos morreram no conflito.