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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2757/23.1YRLSB.S1 Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS (RELATORA DE TURNO) Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL EXTRADIÇÃO RECUSA FACULTATIVA CUMPRIMENTO DE PENA PENA DE PRISÃO Data do Acordão: 03/01/2024 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Sumário : I. A extradição foi pedida pelo Brasil ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP), a qual tem primazia e prevalece sobre as normas da legislação ordinária interna, como acontece, nomeadamente com a Lei n.º 144/99 (cf. art. 8.º, n.º 2, da CRP). II. A obrigação de extraditar que resulta do art. 1.º para os Estados contratantes da referida Convenção (CEEMCPLP) apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu art. 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art. 4.º, os quais são taxativos, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não há que recorrer às normas da Lei n.° 144/99. III. A invocação pelo recorrente do art. 3.º do Tratado de Extradição de 7.05.1991, não tem razão de ser, nem aplicação no caso dos autos, uma vez que deixou de vigorar desde a entrada em vigência da CEEMCPLP, como resulta do seu art. 25.º, n.º 1. IV. No processo de extradição aqui em causa prevalece o princípio do reconhecimento mútuo, assente na confiança mútua entre Estados e, por isso, havia que viabilizar a entrega para prossecução da ação penal, neste caso na vertente do cumprimento de pena, ao Estado emitente, desde que não houvesse razões formais ou materiais que obstassem ao seu deferimento, como sucede neste caso. V. O que o recorrente invocou genericamente sobre a situação prisional no Brasil não permite deduzir que, ele próprio será em concreto, submetido a tratamentos desumanos e/ou a situações degradantes. VI. Visando a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 4.10.2023 a adoção de medidas concretas tendo em vista introduzir melhorias no sistema prisional brasileiro e obviar à violação de Direitos Humanos, daí não resulta, que se pode entender que a Convenção (CEEMCPLP) deixou de ser aplicável em casos concretos como o aqui em apreciação, nem tão pouco se extrai do alegado na Oposição que com a extradição do recorrente para o Brasil esteja, em concreto, colocada em risco a sua própria integridade física ou vida. Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.11.2023 foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, ali melhor identificado, para cumprimento da pena de 8 anos e 2 meses de prisão, em que se mostra condenado no processo n.º .....83-55.2013.........0023, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ..., Tribunal de Justiça de ..., Brasil. II. Inconformado com esse acórdão recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, AA, alegando, em resumo: - ter sido cerceado a sua defesa, na fase do julgamento do processo de extradição, por terem sido indeferidas todas as diligências requeridas na oposição que apresentou, sem qualquer notificação para explicar as razões porque pretendia que as mesmas fossem efetuadas/cumpridas e, apesar de ter apresentado posteriormente novo requerimento a explicar as razões pelas quais pretendia que aquelas diligências fossem realizadas, mesmo assim foram indeferidas, as quais eram essenciais para dirimir as questões e dúvidas que norteavam a violação dos direitos humanos constatada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, requerendo, assim, que seja anulado o julgamento efetuado pela Relação e, realizadas as diligências por si pedidas, devendo depois ser submetido a novo julgamento e, também, restituído de imediato à liberdade, nos termos do art. 52.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, por excesso do prazo de detenção (65 dias); - conforme alegou na oposição que apresentou, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em julgamento de 4.10.2023, por decisão unânime na ADPF n.º 347, reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho, tendo sido ainda estabelecido que, a atual situação das prisões no Brasil compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos, pelo que não deve ser determinada a sua extradição para aquele país, com base no art. 3.º, n.º 1, do Tratado de Extradição entre o Brasil e Portugal, não devendo ser ignorado aquele acórdão de 4.10.2023, que declara que o sistema prisional do seu país “viola massivamente os direitos humanos”, sob pena de se estar a ser conivente com a violação dos direitos humanos, devendo ter-se em atenção o disposto nos arts. 2.º e 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU), 7.ºe 10.º, n.º 1 e n.º 3, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e 16.º, n.º 1, da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes, não sendo aplicáveis primacialmente (como alegado no acórdão recorrido) as normas da Convenção CPLP, por haver uma lacuna e, assim serem aplicáveis as normas dos arts. 3.º e 18.º, n.º 2, da Lei 144/99, além do art. 3, n.º 1, al. e), da Convenção CPLP, havendo uma contradição no acórdão recorrido. Termina realçando que se OPÕE veementemente à sua extradição, uma vez que se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes, pedindo: a) Seja acolhida a preliminar suscitada, para anular o d. Acórdão por cerceamento de defesa, determinando que sejam efetuadas as diligências e produzidas as provas requeridas pelo recorrente em sede de Oposição, para que então seja submetido a novo julgamento, bem como seja imediatamente restituído à liberdade em razão de excesso de prazo, nos termos do art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto; b) Não sendo acolhida a preliminar, seja o presente recurso recebido e processado, para ao final ser julgado TOTALMENTE PROCEDENTE, reformando, assim, a decisão proferida pelo E. Tribunal da Relação de Lisboa, recusar a extradição do recorrente pela comprovada violação dos direitos humanos pelo Estado requerente, com fulcro nos arts. 3.º, n.º 1, alínea e) da Convenção CPLP e do art. 18.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. c) Provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente a junção de documentos; Por fim, pede deferimento. III. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido mostra-se corretamente fundamentado de facto e direito, tendo o Tribunal recorrido realizado todas as diligências úteis e necessárias. 2. Não se vê que a extradição para o Brasil tenha como segura consequência a colocação em risco da integridade física ou da vida do extraditando. 3. A ser assim, a argumentação apresentada pelo Recorrente não tem qualquer fundamento e como tal o douto Acórdão recorrido não merece nenhum reparo ou censura. Termina que seja mantido o acórdão recorrido e negado provimento ao recurso. IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, no exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais. V. Um dia antes da data designada para a conferência, sendo hoje junto a estes autos de recurso, veio o recorrente apresentar requerimento e juntar diversos documentos, pedindo a suspensão do conhecimento do presente Recurso até que as autoridades brasileiras se manifestem acerca da manutenção do interesse na sua extradição e, consequentemente, seja o presente processo excluído da tabela de 03.01.2024. Para tanto invoca que, “como consta do processo de extradição, o processo de execução da pena do extraditando foi suspenso no Brasil até manifestação do departamento responsável quanto ao preenchimento dos requisitos para o cumprimento da pena em Portugal”, acontecendo que “o Brasil está em recesso forense, o que, pese embora não interrompa a tramitação do presente processo, acaba por atrasar pela redução de efetivos.” Acrescenta que, é possível confirmar a veracidade do acórdão brasileiro junto a estes autos pelo certificado de autenticidade do documento, que “Assim sendo, não faz sentido que este processo de extradição seja julgado agora, se o próprio processo de execução de sentença que deu origem ao presente processo se encontra suspenso. E mais, não faz sentido que este processo seja julgado se perderá o seu objeto com a confirmação do preenchimento dos requisitos para cumprimento da pena em Portugal. As autoridades brasileiras foram notificadas por determinação do Tribunal a quo (Tribunal da Relação de Lisboa) para que se manifestem acerca da manutenção ou não do interesse na extradição, sendo que até a presente data não se manifestaram.” Finalmente, adianta que “O condenado, inclusive, já requereu a transferência do seu processo para Portugal, entretanto ainda aguarda os trâmites legais (anexo).” Vejamos então. A esfera de cognição deste STJ limita-se ao conhecimento do recurso interposto do acórdão proferido pela Relação de Lisboa em 28.11.2023. Uma vez que o recorrente não desistiu do conhecimento do recurso, não há motivo para o STJ deixar de conhecer do mesmo. Daí que o alegado no requerimento em análise não constitua motivo para suspender ou impedir o conhecimento do recurso por este STJ ou para o retirar da tabela. As demais questões que o recorrente adianta no requerimento, relativas ao processo de extradição, para fundamentar o seu pedido, não são da competência do STJ, mas antes da Relação de Lisboa. Indefere-se, pois, o requerido. VI. Assim, passando a conhecer do recurso. Fundamentação Factos Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes: Com interesse para a decisão a proferir, encontram-se provados os seguintes factos: 1. AA, no âmbito do Processo nº .....83-55.2013.........0023, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ..., Tribunal de Justiça de ..., Brasil, foi condenado, por sentença datada de 07 de junho de 2017, transitada em julgado em 04 de março de 2020, na pena única de oito anos e dois meses de prisão, em regime inicial fechado, e no pagamento de treze dias-multa, pela prática do crime de roubo agravado1, previsto e punido pelo artigo 157º §2º incisos I, II, V, c/c artigo 61, inciso I e do crime de associação criminosa2 previsto e punido pelo artigo 288, parágrafo único, c/c artigo 61, inciso I, c/c artigo 69 todos do Código Penal Brasileiro. 2. Os factos por que foi condenado são, em síntese, os seguintes: “FATO 1 – DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA A partir do dia 14 de abril de 2012, os denunciados BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, AA, II, JJ, KK e LL, todos agindo livremente, decidiram associar-se, de maneira estável e permanente, para praticar diversos delitos de roubo no município de ..., com a participação efetiva do adolescente à época MM. Dentro da estrutura criminosa, pode-se concluir que os denunciados BB, CC, e DD bem como o adolescente MM, tinham como função precípua o aparelhamento da organização, sendo responsáveis pela compra dos produtos necessários para as práticas delitivas, tal como maçaricos, lona, botijões de gás, barras de ferro, dentre outros, prestando apoio logístico e material, comandando o controle geral do agrupamento, enquanto EE, FF, GG, HH, AA, II, JJ, KK, LL participavam de todo o planejamento e, também, executavam diretamente os crimes por todos engendrados. FATO 4 – B..., S.A. No dia 19 de julho de 2012, por volta das 23h30min, os denunciados JJ e HH, já antes combinados, se dirigiram até ao B..., S.A., e renderam, mediante grave ameaça decorrente do uso de armas de fogo (uma 9mm de uso restrito e uma outra Calibre .45), os dois vigias do local, NN e OO, obrigando-os a abrir o portão de entrada do estabelecimento, por onde entrou um veículo do qual saíram os outros 4 (quatro) denunciados, quais sejam AA, KK, II e um ainda não identificado. Com todos já dentro do B..., S.A., as vítimas foram mantidas sob controle do grupo e amarradas com fitas nas mãos e nos pés, enquanto os denunciados AA, KK, II e um quarto não identificado se dirigiram até os terminais de auto atendimento e arrombaram (Laudo Pericial n. .....52/2012 fls. 88-94 dos autos n. .....71-44.2012.........0023), com o uso de maçaricos, o caixa eletrônico do Banco do Brasil, retirando de seu interior todo o numerário armazenado e saíram de lá com a posse mansa e pacífica do dinheiro. Com este proceder, os denunciados JJ e HH, AA, KK, II, todos previamente ajustados, além de utilizarem armas de fogo, restringiram a liberdade dos vigilantes locomover-se, por tempo juridicamente relevante. (…) Por estarem os réus ao desabrigo de quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no nosso ordenamento legal e por possuírem capacidade de reconhecer o caráter ilícito de sua conduta, de modo que poderiam ter agido de forma diversa, logo imputáveis, merecem a reprimenda legal que lhes será imposta na exata medida de suas responsabilidades.” 3. AA tem ainda por cumprir a pena remanescente de sete anos, sete meses e dezoito dias de prisão. 4. As autoridades brasileiras pretendem que AA seja extraditado para a República Federativa do Brasil para cumprimento da referida pena de prisão. 5. AA tem nacionalidade brasileira. 6. Foi detido com fundamento no mandado de detenção internacional emitido em .... de agosto de 2022 pela República Federativa do Brasil, inserido no sistema de informação oficial da Interpol sob notícia vermelha. 7. Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho nº .09/MJ/2023, no Processo nº ..67/2023, assinado em 31 de outubro de 2023, declarou admissível o pedido de extradição. 8. O pedido formal de extradição foi recebido neste Tribunal, mostra-se junto aos autos e encontra-se devidamente instruído, pela forma legalmente exigida pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 9. Inexiste conhecimento de que se encontre pendente em Portugal qualquer processo com o mesmo objeto. Dos autos resulta, ainda, que: 10. AA apresentou, em 09.10.2018, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, «declaração de início de atividade» como «prestador de serviços», e é detentor de título de residência temporário com o nº .......98. 11. Em procedimento de “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347”, desencadeado perante o Supremo Tribunal Federal do Brasil foi proferida decisão, em 04.10.20233, que concluiu: “1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória. 2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos. 3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos.” Inexistem quaisquer outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão. * A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados, formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos emanados das autoridades brasileiras e bem assim do teor do despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, cuja veracidade não está colocada em causa. Foram também considerados os documentos juntos pelo requerido (que traduzem a factualidade referida em 10.) e consultado o sítio oficial do Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil, alojado em www.portal.stf.jus.br. *** Direito VII. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP). Ora, analisado o recurso apresentado pelo requerido para o STJ, verifica-se que foram colocadas as seguintes questões: 1. pedido de anulação de julgamento e, bem assim, de restituição imediata à liberdade (assente no indeferimento da produção de prova requerida na oposição ao pedido de extradição); 2. pedido de recusa da extradição (por alegada violação dos direitos humanos, caso seja extraditado para o Brasil, devido ao sistema prisional brasileiro). VIII. Antes de mais, vejamos então o que consta do acórdão sob recurso, quando se pronunciou sobre a oposição apresentada pelo extraditando ao pedido de extradição: II.2. Fundamentos de direito: Tendo em conta a oposição deduzida pelo extraditando, as questões a decidir são as seguintes: 1. Se deve ser negada a extradição, face ao enquadramento familiar e profissional do requerido em Portugal, o qual quedará posto em causa pela sua transferência para o Brasil; 2. Se deve recusar-se a extradição com fundamento na falta de condições no sistema prisional brasileiro, suscetível de por em causa direitos fundamentais do condenado. Apreciemos. O MINISTÉRIO PÚBLICO promove o cumprimento do pedido de extradição com origem na República Federativa do Brasil, para cumprimento de pena. De acordo com o artigo 3º, com referência ao artigo 1º, ambos da Lei nº 144/99, de 31 de agosto – que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal - a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da lei da cooperação na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência, e a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23.11.2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008, de 18 de julho, publicada no DR nº 178, de 15.09.2008, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 67/2008, de 15 de setembro, com entrada em vigor em 01.03.2010, no seu artigo 25º, nº 1, estabelece que “substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.” A República Federativa do Brasil invoca precisamente as normas desta Convenção para alicerçar a sua pretensão. Tal pedido, que foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, refere-se a factos subsumíveis ao artigo 157 §2º incisos I, II, V, c/c artigo 61, inciso I (roubo agravado) e ao artigo 288, parágrafo único, c/c artigo 61, inciso I, c/c artigo 69 (associação criminosa), todos do Código Penal Brasileiro. O extraditando é o próprio e foi informado da matéria do pedido de extradição. O pedido extradicional contém cópia dos documentos pertinentes, atesta a existência de ordem de detenção do extraditando e foi regularmente transmitido, obedecendo aos requisitos de forma e de conteúdo previstos no artigo 10º da Convenção CPLP. Os crimes por que o extraditando se encontra condenado têm correspondência no disposto no artigo 210º, nº 2, alínea b), com referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f), ambos do Código Penal Português, quanto ao crime de roubo, punível com pena de prisão de 3 a 15 anos, e no artigo 299º, nos 1 e 2 do Código Penal Português, quanto ao crime de associação criminosa, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos. Ou seja, qualquer dos crimes é punível com pena de duração máxima não inferior a um ano. A pena por cumprir não é inferior a 6 meses, sendo que também não se mostra extinta por efeito de prescrição, conforme resulta do estabelecido nos artigos 122º, nos 1, alínea b) e 2, 125º e 126º, do Código Penal Português – não estando igualmente prescrita face ao ordenamento do Estado requerente, como decorre dos artigos 109º, inciso II, 110º e 112º, inciso I, todos do Código Penal Brasileiro. Analisemos então os motivos apresentados pelo extraditando para a sua oposição ao pedido. Como acima se referiu, no caso em apreço, importa ter em atenção as normas da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (doravante Convenção CPLP), que são aplicáveis primacialmente, pois as da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, só o serão em caso de falta ou insuficiência daquelas. Assim, prevê-se no artigo 1º da Convenção CPLP, sob a epígrafe «obrigação de extraditar», que “Os Estados Contratantes obrigam-se a entregar, reciprocamente, segundo as regras e as condições estabelecidas na presente Convenção, as pessoas que se encontrem nos seus respetivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou para cumprimento de pena privativa da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.” Já o artigo 2º da Convenção CPLP estabelece, sob o título «factos determinantes da extradição», que: “1 - Dão causa à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, independentemente da denominação dada ao crime, os quais sejam puníveis em ambos os Estados com pena privativa de liberdade de duração máxima não inferior a um ano. 2 - Se a extradição for requerida para o cumprimento de uma pena privativa da liberdade exige-se, ainda, que a parte da pena por cumprir não seja inferior a seis meses. 3 - Se a extradição requerida por um dos Estados Contratantes se referir a diversos crimes, respeitado o princípio da dupla incriminação para cada um deles, basta que apenas um satisfaça as exigências previstas no presente artigo para que a extradição possa ser concedida, inclusive com respeito a todos eles.” No artigo 3º da mesma Convenção consagram-se as circunstâncias em que é inadmissível a extradição, aí se dispondo que: “1 - Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física; b) Quando se tratar de crime que o Estado requerido considere ser político ou com ele conexo. A mera alegação de um fim ou motivo político não implicará que o crime deva necessariamente ser qualificado como tal; c) Quando se tratar de crime militar que não constitua simultaneamente uma infração de direito comum; d) Quando a pessoa reclamada tiver sido definitivamente julgada, indultada, beneficiada por amnistia ou objeto de perdão no Estado requerido com respeito ao facto ou aos factos que fundamentam o pedido de extradição; e) Quando a pessoa reclamada tiver sido condenada ou dever ser julgada no Estado requerente por um tribunal de exceção; f) Quando se encontrarem prescritos o procedimento criminal ou a pena em conformidade com a legislação do Estado requerente ou do Estado requerido. 2 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 não se consideram crimes de natureza política ou com eles conexos: a) Os crimes contra a vida de titulares de órgãos de soberania ou de altos cargos públicos ou de pessoas a quem for devida especial proteção segundo o direito internacional; b) Os atos de pirataria aérea e marítima; c) Os atos a que seja retirada natureza de infração política por convenções internacionais de que seja parte o Estado requerido; d) O genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infrações graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; e) Os atos referidos na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1984.” Finalmente, no artigo 4º da Convenção CPLP, dispõe-se que: “A extradição poderá ser recusada se: a) A pessoa reclamada for nacional do Estado requerido; b) O crime que deu lugar ao pedido de extradição for punível com pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida; c) A pessoa reclamada estiver a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido; d) A pessoa reclamada não puder ser objeto de procedimento criminal em razão da idade; e) A pessoa reclamada tiver sido condenada à revelia pela infração que deu lugar ao pedido de extradição, exceto se as leis do Estado requerente lhe assegurarem a possibilidade de interposição de recurso, a realização de novo julgamento ou outra garantia de natureza equivalente.” Relativamente ao pedido de extradição não compete ao tribunal do Estado requerido apreciar o mérito da decisão condenatória do Estado requerente, mormente em caso de cumprimento de uma pena, quanto aos factos que sustentam a respetiva condenação, apenas cumprindo verificar se é, ou não, o detido a pessoa reclamada, e se se verificam, ou não, os requisitos legais da pretensão de extradição. Aliás, só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente consta do artigo 55º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto. É manifesto que a oposição deduzida pelo extraditando não se funda em nenhuma daquelas circunstâncias, nem elas se verificam no caso presente, tal como resulta do que já se deixou exposto acima. Importa, então, apreciar a atendibilidade dos argumentos expostos pelo extraditando. (Consequências graves da extradição para o extraditando e sua família) Invoca o extraditando que “refez toda a sua vida em Portugal, não tendo mais vínculos com o Brasil, razão pela qual se fosse transferido para cumprir a pena no sistema penitenciário brasileiro estaria gravemente prejudicado em relação aos direitos que a liberdade, em princípio, não lhe afetaria”, mais aditando que “a prestação do auxílio por parte de Portugal agravará o risco da situação do processo de execução da pena – tanto na parte legal quanto prática – do Extraditando, pois estará sozinho, sem apoio da sua família, em um País que não lhe favoreceu a educação e tão pouco condições sociais e econômicas, levando-se em consideração que os processos de execução da pena são pautados por disciplina, ressocialização e reinserção social, apoio da família, entre outros”, sendo que “com a crescente de denúncias no que se refere ao sistema prisional brasileiro, revelando círculo vicioso entre aprisionamento, violação de direitos e violência sobrepostas, em um contexto em que os números são alarmantes e as violações imensas, principalmente as praticadas pelo Estado, a pena é tida como promotora de afrouxamento quando não do desfazimento dos laços familiares dos presos”. Convoca, a propósito, o disposto no o artigo 6º, nº 1, alíneas a) e c) da Lei nº 144/99, de 31 de agosto1. A propósito de tal invocação, há a dizer, liminarmente, que – tal como já acima se fez notar – não se verifica nenhuma das circunstâncias suscetíveis de determinar a recusa do pedido de cooperação, v.g., a pessoa reclamada não tem nacionalidade portuguesa, não se trata de crime de natureza política ou de crime militar, não há, na condução do processo, violação da Convenção dos Direitos do Homem, não há qualquer motivo para suspeitar que a extradição tenha sido solicitada para perseguir o extraditando, em virtude da sua raça, sexo, nacionalidade, língua, convicções políticas ou ideológicas ou por pertencer a determinado grupo social, o julgamento teve lugar no tribunal comum legalmente competente (e não por tribunal de exceção), os crimes imputados ao extraditando são puníveis quer pela lei brasileira, quer pela lei portuguesa, em qualquer dos casos com pena de prisão superior a um ano, não sendo puníveis com pena de morte ou de prisão perpétua, e não foi instaurado em Portugal procedimento criminal pelos mesmos factos. Assim, e sem prejuízo de a Convenção CPLP conter norma específica relativa aos pressupostos negativos do pedido de cooperação (o artigo 3º, já citado), que, face à hierarquia de normas traçada no artigo 3º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto (e no artigo 25º da Convenção CPLP), sempre afastaria a aplicabilidade direta daquele artigo 6º da Lei nº 144/99, a verdade é que também não se mostram verificados os respetivos requisitos negativos. De igual sorte, importa referir que não é, igualmente, aplicável ao caso o artigo 18º, nº 2 da Lei nº 144/992, já que, como se disse, a Convenção CPLP rege de forma cabal e taxativa sobre os motivos de inadmissibilidade da extradição ou sua recusa facultativa e a problemática familiar não consta do elenco, nem de uns, nem de outros. Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.202136, “dispõe o artº 25º, nº 1, da referida Convenção que «A presente Convenção substitui, no que respeita aos Estados aos quais se aplica, as disposições de tratados, convenções ou acordos bilaterais que, entre dois Estados Contratantes, regulem a matéria da extradição.» Significa isto que não tem aplicação do artº 18º, nº 2, da L. 144/99 de 31/8, como bem se refere no ac. do S.T.J. de 30/10/2013: «da hermenêutica do preceito do artigo 4.º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa resulta que ali se indicam taxativamente as situações de recusa facultativa da extradição»”. Mas, mesmo que assim se não entendesse, tem vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça o entendimento, a que aderimos, de que “não se enquadra como motivo de recusa de extradição prevista no artigo 18º, nº 2, da LCJ “circunstâncias graves para a pessoa visada em razão de outros motivos de carácter pessoal”, o facto do extraditando ter família (filhos) a residir no nosso País. Tem-se decidido no sentido que o afastamento da família é uma consequência “inevitável” da extradição (…) e que não se sobrepõe ao superior interesse da cooperação internacional no prosseguimento da boa administração da justiça”, como elucida cabalmente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.04.20204. E, como resulta do mesmo raciocínio, também não integrarão esse motivo as eventuais consequências que da extradição resultem para os seus familiares (v.g., a sua companheira), ou ainda para o próprio no âmbito do benefício de medidas de flexibilização da pena. Como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.20235, “O facto de o recorrente, cidadão brasileiro, ir para o Brasil para fins de procedimento criminal e, ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e está integrado familiarmente, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem é extraditado para esse efeito, não se vendo que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado (que foi deferido, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito)” – tal é, também, o caso dos presentes autos. Finalmente, importa dar nota de que na Convenção CPLP não está prevista a possibilidade de substituição da extradição pelo cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional português – o que poderá, eventualmente, ser peticionado perante o Estado requerente, não produzindo, porém, qualquer impacto na marcha do processo de extradição passiva em curso6. (Condições no sistema prisional brasileiro) Aduz ainda o recorrente que “se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes que nem o pior dos criminosos merece”. Convoca, a propósito, a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 04.102.2023, na ADPF nº 347 (referenciada no ponto 11. da fundamentação de facto), que diz ter reconhecido “a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Ainda, foi estabelecido que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos”. Pese embora a referida decisão proferida na ADPF nº 347 seja muito recente, a questão em si mesma não é original e tem sido apreciada e decidida de forma consistente pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, no mencionado acórdão de 21.04.2021, podemos ler: “(…) Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando. Como, aliás, se refere no Ac. STJ de 7/9/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, «Tendo cada país um regime político-criminal próprio os países subscritores da Convenção da CPLP não deixaram de ter em conta uma comum identidade de princípios e valores de defesa dos direitos humanos quando reciprocamente se obrigaram à extradição enquanto forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, de forma a combater de forma eficaz a criminalidade. E no que respeita ao Brasil, que é hoje indiscutivelmente um país democrático, é desde logo a Constituição da República que no seu art.º 1.º garante a dignidade da pessoa humana, a independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) (art.º 2.º), a regência das suas relações internacionais com prevalência dos direitos humanos (…) e a concessão de asilo político (art.º 4.º). (…) Para além disso, o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável»”. Porque assim é, efetivamente, este argumento expendido pelo requerido não pode proceder. Acresce que, de qualquer modo, da Convenção CPLP também não consta a admissibilidade de recusa da extradição com motivo nas alegadas más condições do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação, sendo certo que, como se pode ainda ler no mesmo aresto (citando o acórdão do mesmo Tribunal de 30.10.20137), “à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas””. Daí que não se vê que que a extradição para o Brasil tenha como segura consequência a colocação em risco da integridade física ou da vida do requerido, sendo que cabe notar que a decisão proferida na mencionada ADPF nº 347 prevê a adoção de medidas concretas tendo em vista introduzir melhorias no sistema prisional brasileiro e obviar à violação de Direitos Humanos constatada pelo Supremo Tribunal. Destarte, não ocorrendo causa alguma de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3º e 4º da Convenção CPLP, não sendo aplicável in casu o estabelecido no artigo 18º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e bem assim porque o cumprimento do pedido de extradição não se mostra contrário à segurança, à ordem pública ou a outros interesses fundamentais do Estado Português, cumpre deferir o pedido de extradição. Analisemos então o recurso. 1.ª Questão Começa o recorrente por pedir a anulação de julgamento e, bem assim, a sua restituição imediata à liberdade, por lhe ter sido indeferida a produção de prova requerida na oposição apresentada ao pedido de extradição. Alega, em resumo, ter sido cerceado na sua defesa, na fase do julgamento do processo de extradição, por terem sido indeferidas todas as diligências requeridas na oposição que apresentou, sem qualquer notificação para explicar as razões porque pretendia que as mesmas fossem efetuadas/cumpridas e, apesar de ter apresentado posteriormente novo requerimento a explicar as razões pelas quais pretendia que aquelas diligências fossem realizadas, foram indeferidas, as quais eram essenciais para dirimir as questões e dúvidas que norteavam a violação dos direitos humanos constatada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil em 4.10.2023, requerendo que seja anulado o julgamento efetuado pela Relação e, realizadas as diligências por si pedidas, devendo depois ser submetido a novo julgamento e, também, restituído de imediato à liberdade, nos termos do art. 52.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, por excesso do prazo de detenção (65 dias). Pois bem. i) Na oposição ao pedido de extradição, o extraditando requereu as seguintes diligências de prova: a) Provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial documental e testemunhal; b) A junção de 15 (quinze) documentos; c) A audição do Extraditando (depoimento pessoal); d) A inquirição de testemunhas (rol de testemunhas); e) Seja oficiada a PGR sobre o que aqui foi DENUNCIADO pelo Extraditando, para que sejam adotadas as providências contra o Estado requerente pela inobservância dos Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos; f) Seja oficiado o Estado requerente para que se manifeste sobre a ADPF n.º 347 e do do sistema carcerário brasileiro; g) Sejam oficiados o Exmo. Sr. Presidente da República e os Srs. Dr.s Ministros da República Federativa do Brasil indicados a seguir, para se manifestarem acerca do sistema carcerário brasileiro e da ADPF n.º 347: g.I) Exmo. Sr. Dr. PP, Min. Da Justiça da República Federativa do Brasil, ..., ... Brasil, ................br ; ........................br; g.II) Exmo. Sr. Min QQ, Min. e presidente do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., ..., Brasil, ......................br; g.III) Exmo. Sr. Min. RR, Ex-Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., DF, ..., Brasil, .....................br; g.IV) Exmo. Sr. Min. SS, Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., ..., Brasil, ...............................br; g.V) Exmo. Sr. Min. TT, Min. dos Direitos Humanos e Cidadania, ..., DF, ... Brasil, .......................br; g.VI) Exmo. Sr. Pres. UU, Presidente da República do Brasil, ..., ..., Brasil, ..........................br , ..........................br; PROVA TESTEMUNHAL (ROL): a) Sra. VV, Passaporte n.º ......Y3, emitido por ..., válido até 06/Abril/2026, residente e domiciliado(a) em ..., ... ...; b) Sr. Dr. WW, Doc. de Identidade Brasileiro n.º .....48, emitido por SSP/SC, residente e domiciliado na Rua ..., ap. 801, bairro ..., na cidade de ..., Brasil, ......................om, ... .. ...02-0130 (por meios eletrônicos/videoconferência). ii) Na resposta à oposição o MP pronunciou-se no sentido de que “o pedido de extradição respeita os requisitos gerais da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, bem como os requisitos estabelecidos nos artigos 2.º e 10.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa” e que apesar de “ser público e notório o estado do sistema penitenciário brasileiro, o pedido de extradição pedido foi julgado admissível por parecer de Sua Ex.ª a Conselheira Procuradora-Geral da República e por despacho de Sua Ex.ª a Senhora Ministra da Justiça”, sendo que “Os fundamentos apresentados na oposição à extradição mostram-se insuficientes e carecem de suporte legal de modo a impedirem a extradição”, pelo que “no caso em apreço, não se verificam quaisquer motivos, de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição”, além de que “as diligências de prova requeridas, a nosso ver, não se mostram úteis e necessárias para a questão que cumpre decidir”, devendo ser indeferidas. iii) Em 22.11.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial: Dê-se conhecimento ao extraditando da resposta à oposição apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. * Na oposição deduzida requereu o extraditando AA: “b) A junção de 15 (quinze) documentos; c) A audição do Extraditando (depoimento pessoal); d) A inquirição de testemunhas (rol de testemunhas); e) Seja oficiada a PGR sobre o que aqui foi DENUNCIADO pelo Extraditando, para que sejam adotadas as providências contra o Estado requerente pela inobservância dos Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos; f) Seja oficiado o Estado requerente para que se manifeste sobre a ADPF n.º 347 e do do sistema carcerário brasileiro; g) Sejam oficiados o Exmo. Sr. Presidente da República e os Srs. Dr.s Ministros da República Federativa do Brasil indicados a seguir, para se manifestarem acerca do sistema carcerário brasileiro e da ADPF n.º 347: g.I) Exmo. Sr. Dr. PP, Min. Da Justiça da República Federativa do Brasil, ..., ... Brasil, ................br; ........................br; g.II) Exmo. Sr. Min QQ, Min. e presidente do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., ..., Brasil, ......................br; g.III) Exmo. Sr. Min. RR, Ex-Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., ..., Brasil, .....................br; g.IV) Exmo. Sr. Min. SS, Min. do STF da República Federativa do Brasil, Palácio do Supremo Tribunal Federal, ..., ..., Brasil, ...............................br; g.V) Exmo. Sr. Min. TT, Min. dos Direitos Humanos e Cidadania, Esplanada dos Ministérios ..., ..., ... Brasil, .......................br; g.VI) Exmo. Sr. Pres. UU, Presidente da República do Brasil, ..., ..., Brasil, ..........................br, ..........................br; PROVA TESTEMUNHAL (ROL): a) Sra. VV, Passaporte n.º ......Y3, emitido por ..., válido até 06/Abril/2026, residente e domiciliado(a) em Rua ..., ... ...; b) Sr. Dr. WW, Doc. de Identidade Brasileiro n.º .....48, emitido por SSP/SC, residente e domiciliado na Rua ..., ap. 801, bairro ..., na cidade de ..., Brasil, ......................om, ... .. ...02-0130 (por meios eletrônicos/videoconferência).” Na sua resposta, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento de tais diligências. Cumpre tomar posição quanto à admissibilidade das diligências requeridas. No que se refere aos documentos cuja junção foi requerida, pese embora parte deles constituam «notícias de jornal», outros há que reportam a situação pessoal do extraditando e, nesse sentido, é de admitir a sua manutenção nos autos. No que se refere às diligências envolvendo responsáveis governamentais brasileiros, mesmo sem se tomar, por ora, posição quanto aos factos a propósito referidos na oposição, é manifesta a sua inutilidade face ao objeto do processo. A opinião que aqueles responsáveis possam ter sobre o sistema prisional brasileiro nenhum relevo apresenta no âmbito dos presentes autos. Outro tanto se dirá da pretendida interpelação da Procuradoria-Geral da República e do Estado requerente. Note-se que não foi pelo extraditando invocada qualquer circunstância pessoal que pudesse justificar que fossem solicitadas ao Estado requerente garantias adicionais quanto ao cumprimento do pedido de extradição, do que se trata é da formulação de um juízo genérico sobre as condições prisionais existentes na República Federativa do Brasil. Tal indagação não cabe no âmbito das convenções internacionais de cooperação judiciária, cuja aplicação pressupõe, de resto, o respeito e confiança mútua entre os Estados contratantes. Não são, pois, de admitir tais diligências. Quanto à audição pessoal do extraditando, dá-se nota de que o mesmo já foi ouvido presencialmente por este Tribunal da Relação, por duas vezes. A lei não prevê que seja ouvido uma terceira vez, sendo certo que teve oportunidade de apresentar a respetiva oposição, na qual expôs todos os fundamentos que entendeu submeter à apreciação deste Tribunal, e que serão tidos em devida conta na decisão a proferir. Assim, por inadmissibilidade legal, não se determinará uma terceira audição presencial do extraditando. Finalmente, no que se refere à inquirição de testemunhas – que, face ao alegado, terão conhecimento das condições de vida do extraditando – há a dizer que os documentos já juntos, bem como as declarações prestadas pelo extraditando se mostram bastantes para o efeito, não se justificando, em consequência a produção de prova adicional quanto a tais aspetos. Nestes termos, admite-se a requerida junção de documentos, mas indeferem-se todas as demais diligências requeridas, por inúteis e/ou inadmissíveis, nos termos que acima se deixam expostos. Notifique. * Não havendo prova adicional a produzir, não há que determinar a vista do processo para alegações a que se refere o artigo 56º, nº 2, da Lei nº 144/991, devendo o processo ser julgado em conferência. * Aos vistos, e em seguida à conferência (dia 28 de novembro de 2023). D.N. * iv)- Notificado desse despacho, em 23.11.2023 o extraditando apresentou novo requerimento pedindo a RECONSIDERAÇÃO dessa decisão que indeferiu o requerimento anterior, nomeadamente no tocante à expedição de ofícios dirigidos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, ao Ministro da Justiça do Brasil, ao Presidente da República do Brasil e à Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal, pelas razões que passa a expor: I. DA JUSTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE DAS DILIGÊNCIAS (EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS) 1.º É possível extrair da d. Decisão prolatada o entendimento de que é as diligências requeridas são manifestamente inúteis, senão vejamos: “No que se refere às diligências envolvendo responsáveis governamentais brasileiros, mesmo sem se tomar, por ora, posição quanto aos factos a propósito referidos na oposição, é manifesta a sua inutilidade face ao objeto do processo. A opinião que aqueles responsáveis possam ter sobre o sistema prisional brasileiro nenhum relevo apresenta no âmbito dos presentes autos.” 2.º Data máxima vénia, a defesa não pode concordar com tal posição. 3.º Primeiramente, ao contrário do que se observa da d. Decisão, pese embora parte dos documentos que foram juntos à Oposição serem “partes de jornal”, os documentos 1, 2 e 3 são documentos extraídos de fontes oficiais do Governo Brasileiro, nomeadamente do Supremo Tribunal Federal (órgão máximo) e do Conselho Nacional de Justiça e, portanto, não são “notícias de jornais” como se afirmou. 4.º Para além disso, os ofícios requeridos não são para pessoas inúteis para o caso, uma vez que aqui se discute uma situação GRAVE de VIOLAÇÃO MASSIVA DOS DIREITOS HUMANOS e, portanto, passíveis de impedir uma extradição. 5.º As pessoas cujas quais se requer sejam oficiadas são, principalmente, pessoas que participaram do julgamento da ADPF n.º 347, inclusive o próprio Min. Relator e o Min. Presidente da sessão de julgamento. 6.º Isto posto, não são pessoas inúteis que emitiram pareceres inúteis, como se fez parecer na respeitável Decisão. 7.º É DEVER do Estado Português proteger e fiscalizar que os DIREITO HUMANOS são rigorosamente observados e, por essa razão, também deverá ser oficiada a PGR para que tenha conhecimento e se posicione sobre o assunto, inclusive oficiando as Autoridades Brasileiras para que se manifestem. 8.º Não podemos nos basear em “presunção de respeito e confiança mútua”, quando estamos diante de uma clara violação dos DIREITOS HUMANOS, declarada pelo órgão máximo (STF) do próprio país Requerente. II. DO CERCEAMENTO DE DEFESA E PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA 9.º Com todo respeito, ao negar a produção das provas requeridas pelo Extraditando, estaremos diante de CERCEAMENTO DE DEFESA, principalmente pela gravidade do que foi DENUNCIADO a respeito da VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. 10.º Isto posto, caso V. Ex.ªs mantenham o mesmo posicionamento, serve a presente petição para prequestionar a matéria a fim de ser discutida futuramente nos Tribunais Superiores, como o STJ e, até mesmo do TEDH. III. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS FINAIS Ex positis, requer seja RECONSIDERADA a d. Decisão retro, para: a) Deferir as diligências requeridas pelo Extraditando a fim de permitir que tenha uma defesa adequada e plena; b) Em havendo o deferimento das diligências requeridas, seja o processo retirado da pauta da conferência datada para 28.11.2023, para que aguarde até que todas as provas estejam produzidas e, só então, seja novamente incluído em pauta para julgamento do mérito (Extradição). Termos em que requer a V. Exa. se digne a deferir as diligências requeridas pelo Extraditando AA. v)- Sobre esse requerimento recaiu, em 27.11.2023, o seguinte despacho judicial: Refª Citius ....50: Visto. Respeitamos os argumentos expostos pela defesa – que, de resto, reitera o que já havia feito constar da oposição – mas cremos ter deixado claro, no despacho proferido em 22.11.2023 (refª Citius ......06), por que razão não se considera relevante a audição das pessoas indicadas, sendo certo que a ADPF a que faz referência o extraditando se acha disponível no sítio oficial do Supremo Tribunal Federal do Brasil (em www.portal.stf.jus.br), onde pode ser consultada na íntegra por este Tribunal da Relação. Inexiste, pois, fundamento para «reponderar» o indeferimento das diligências requeridas, mantendo-se o já decidido a este respeito. Notifique. * Vejamos então. Perante as diligências requeridas na Oposição apresentada pelo extraditando, foi proferido despacho em 22.11.2023, no qual se decidiu admitir a prova documental que havia sido junta, assim como a prova pelo mesmo (extraditando) pessoalmente produzida, quando foi ouvido, por duas vezes, em declarações. Foram indeferidas as demais provas apresentadas, a saber, a relativa à prova testemunhal relacionada com governantes brasileiros que identificou no ponto g.I) a g.VI) (nos quais fora pedido “para se manifestarem acerca do sistema carcerário brasileiro e da ADPF n.º 347”), com a inquirição de 2 testemunhas que identificou nos pontos a) e b), bem como com a sua terceira audição, com a solicitação de informação ao Estado requerente (para “que se manifeste sobre a ADPF n.º 347 e do sistema carcerário brasileiro”), além do pedido que se oficiasse à PGR (sobre o que foi denunciado na oposição, “para que sejam adotadas as providências contra o Estado requerente pela inobservância dos Tratados Internacionais sobre os Direitos Humanos”). Tais diligências foram indeferidas pelos motivos indicados no referido despacho de 22.11.2023, que são claros, cabem dentro dos poderes de decisão do juiz e não merecem censura. Com efeito, tendo em atenção o alegado na Oposição apresentada pelo extraditando e visto o teor da decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 4.10.2023, proferida na ADPF n.º 347 (que se mostra acessível, via internet, no sítio oficial do Supremo Tribunal Federal do Brasil), era evidente a inutilidade da inquirição dos governantes brasileiros arrolados como testemunhas, dado ser irrelevante a sua opinião para a decisão destes autos, como foi salientado no referido despacho de 22.11.2023. De esclarecer que, nos processos em geral, incluindo nos de extradição, decide-se sobre factos concretos e não sobre apreciações genéricas ou generalidades e, muito menos, no que aqui interessa, sobre opiniões de responsáveis governamentais, relativas à situação dos estabelecimentos prisionais de determinado país, as quais não tem qualquer natureza pericial e são desprovidas de cariz científico. Pelos mesmos motivos se compreende que tivessem sido indeferidas as demais provas requeridas relacionadas com esse pedido. Com efeito, igualmente não fazia sentido pedir a opinião do Estado requerente (Brasil) sobre a situação dos seus estabelecimentos prisionais, nem sobre aquela decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 4.10.2023, uma vez que essa opinião do governo era irrelevante para a decisão, como acima foi explicado. O que releva para a decisão neste tipo de processo é saber se, no caso concreto em apreço, se verificam ou não quaisquer motivos, de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição do requerido. As opiniões do governo/Estado requerente ou dos responsáveis pelo governo não fazem parte dos motivos de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição, em casos como o aqui em avaliação. Daí a manifesta irrelevância dos referidos pedidos de diligências, que foram bem indeferidos. Também o pedido relativo à PGR não faz sentido, como referido no mesmo despacho de 22.11.2023, uma vez que, como ali se diz, nem sequer foi “pelo extraditando invocada qualquer circunstância pessoal que pudesse justificar que fossem solicitadas ao Estado requerente garantias adicionais quanto ao cumprimento do pedido de extradição, do que se trata é da formulação de um juízo genérico sobre as condições prisionais existentes na República Federativa do Brasil. Tal indagação não cabe no âmbito das convenções internacionais de cooperação judiciária, cuja aplicação pressupõe, de resto, o respeito e confiança mútua entre os Estados contratantes. “ E, é isso mesmo que resulta dos autos, inclusivamente pelo que se viu quer do requerimento apresentado em 23.11.2023 pelo extraditando, quer do próprio teor do recurso ora em análise, tanto mais que, o próprio extraditando não peticiona sequer, para si, garantias adicionais, no caso de ser autorizado o pedido de extradição, antes se limita a formular considerações genéricas sobre as condições prisionais existentes na República Federativa do Brasil. A indagação pretendida não cabe no âmbito deste processo, que foi instaurado ao abrigo de convenção internacional de cooperação judiciária, tendo subjacente o respeito e a confiança mútua entre os Estados contratantes, neste caso entre o Estado requerente (Brasil) e Estado requerido (Portugal), sendo proibido por lei praticar nos autos atos inúteis (o que, de todo o modo, não impede o recorrente de, por si, apresentar as queixas que entender às entidades competentes para o efeito). Igualmente o indeferimento da audição, pela 3ª vez, do extraditando não merece censura (tanto mais que, para além de ter sido ouvido duas vezes, também teve a oportunidade de se pronunciar na própria Oposição apresentada, expondo todos os fundamentos que pretendeu que fossem analisados pelo Tribunal), assim como, quanto à requerida inquirição das duas restantes testemunhas (identificadas nas alíneas a) e b) da parte final da Oposição), estamos de acordo com a posição do tribunal a quo, uma vez que, como este bem refere, não se justifica a sua inquirição, por ser desnecessária, face à demais prova produzida, concretamente, documentos já juntos, bem como declarações prestadas pelo extraditando, sobre as suas condições de vida. De resto, como se pode ver do requerimento que o extraditando apresentou em 23.11.2023, pedindo que fosse reconsiderada a decisão de 22.11.2023 (decisão esta da qual foi notificado em 22.11.2022, referência Citius n.º ......54, apesar de referir o contrário no recurso), nada de novo foi acrescentado, para além de ter feita uma interpretação não consentida pelo texto daquela decisão (não merecendo igualmente qualquer censura a decisão proferida em 27.11.2023). Além disso, ao contrário do que é alegado no recurso, como ficou demonstrado acima, é manifesto que as diligências acima indicadas não eram essenciais para a decisão deste processo e, muito menos, para a apreciação da oposição. Como igualmente se defende no ac. do STJ de 9.07.2015, proferido no processo n.º 65/14.8YREVR.S1 (relator João Silva Miguel), “De facto, a letra da lei, apelando às diligências que tiverem sido requeridas, consente uma interpretação que exclua a realização de diligências que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.” E o cumprimento desse princípio, no contexto em que foi proferida a decisão de indeferimento daquelas diligências inúteis e desnecessárias, não significam, como pretende o recorrente de forma gratuita, “falta de prazo para cumprir as diligências, produzir as provas requeridas e designar uma audiência de julgamento para ouvir as testemunhas”, por se estarem a esgotar os 65 dias de detenção provisória do recorrente, o que levaria a que tivesse de ser colocado em liberdade. Improcede, pois, essa argumentação genérica e abstrata do recorrente. Finalmente, a inutilidade da colocação desta questão no recurso é evidente uma vez que tendo em atenção o teor da Oposição, os factos concretos relacionados com condições de vida do extraditando e com as conclusões da decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil de 4.10.2023, proferida na ADPF n.º 347, até foram dados como provados. Daí que seja manifesta a falta de razão do recorrente, não havendo motivo para ordenar a realização das diligências pedidas, não tendo sido minimamente atingidos os seus direitos de defesa neste processo, nada justificando a pedida anulação do julgamento. A questão que coloca, quando pede que seja colocado de imediato em liberdade, não faz sentido, uma vez que ainda não decorreu o prazo de detenção provisória a que está sujeito, “conforme art. 52.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99 (a detenção não pode manter-se, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste) – no caso: 29.02.2024” (ver despacho do TRL de 16.12.2023). Improcede, pois, toda a argumentação apresentada sobre a matéria em apreciação. 2ª Questão O extraditando alegou, em resumo, que na oposição que apresentou, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em decisão de 4.10.2023, por decisão unânime na ADPF n.º 347, reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho, tendo sido ainda estabelecido que, a atual situação das prisões no Brasil compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos, pelo que não deve ser determinada a sua extradição para aquele país, com base no art. 3.º, n.º 1, do Tratado de Extradição entre o Brasil e Portugal, não devendo ser ignorado aquele acórdão de 4.10.2023, que declara que o sistema prisional do seu país “viola massivamente os direitos humanos”, sob pena de se estar a ser conivente com a violação dos direitos humanos, devendo ter-se em atenção o disposto nos arts. 2.º e 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU), 7.ºe 10.º, n.º 1 e n.º 3, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e 16.º, n.º 1, da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes, não sendo aplicáveis primacialmente (como alegado no acórdão recorrido) as normas da Convenção CPLP, por haver uma lacuna e, assim serem aplicáveis as normas dos arts. 3.º e 18.º, n.º 2, da Lei 144/99, além do art. 3, n.º 1, al. e), da Convenção CPLP, havendo uma contradição no acórdão recorrido. Termina realçando que se OPÕE veementemente à sua extradição, uma vez que se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes, pedindo que seja recusada a extradição pela comprovada violação dos direitos humanos pelo Estado requerente, com fulcro no art. 3.º, n.º 1, alínea e) da Convenção CPLP e do art. 18.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. Pois bem. Como resulta claro destes autos, a extradição foi pedida pelo Brasil ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP), a qual tem primazia e prevalece sobre as normas da legislação ordinária interna, como acontece, nomeadamente com a Lei n.º 144/99 (cf. art. 8.º, n.º 2, da CRP). A obrigação de extraditar que resulta do art. 1.º para os Estados contratantes da referida Convenção (CEEMCPLP) apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu art. 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art. 4.º. Trata-se, pois, de um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que delimita em conformidade a soberania dos Estados Contratantes, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não faz sentido recorrer às normas da Lei n.° 144/998. A invocação pelo recorrente do art. 3.º do Tratado de Extradição de 7.05.1991, não tem razão de ser, nem aplicação no caso dos autos, uma vez que deixou de vigorar desde a entrada em vigência da CEEMCPLP, como resulta do seu art. 25.º, n.º 1. Quanto à demais argumentação relativa ao sistema prisional brasileiro, onde invocou a referida decisão do Supremo Tribunal Federal de 4.10.2023, já acima vimos que o próprio extraditando não peticionou sequer, para si, garantias adicionais, no caso de ser autorizado o pedido de extradição, antes se limitou a formular considerações genéricas sobre as condições prisionais existentes na República Federativa do Brasil. E, compreende-se porque, como bem se esclarece no acórdão recorrido, com tal decisão de 4.10.2023 pretende-se melhorar o sistema prisional brasileiro, o que é positivo, mas não ficou inviabilizado que o sistema prisional continue a funcionar. De recordar que o art. 1.º da Constituição do Brasil estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio basilar do Estado Democrático de Direito, e o art. 5.º garante que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, enquanto a Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984 (Lei de Execuções Penais) regula, além do mais, os direitos que são assegurados aos condenados/detidos. Considerando a legislação nacional e internacional a que o Brasil está vinculado, pode-se concluir que está garantida a proteção do recorrente em estabelecimento prisional (tanto mais que o próprio Brasil também está vinculado, entre outras, à Convenção Universal dos Direitos do Homem e à própria Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis). Ora, na própria notícia vermelha relativa ao seu pedido de detenção, consta no que se refere à “Localização e prisão com vista à extradição”: Garante-se que a extradição será solicitada após detenção da pessoa em causa, em conformidade com a legislação nacional e/ou com os tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. Portanto, foi garantido pelo Brasil o cumprimento dos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis. Daí que o Estado requerido (Portugal) deva dar crédito às garantias dadas pelo Estado requerente (Brasil), sendo certo que, ainda que não fosse esse o caso, o recorrente teria no Brasil meios judiciais de exigir o cumprimento que aquele Estado se vinculou para com Portugal, no âmbito do pedido de extradição. O que não se compreende é que o extraditando, que invoca ter interesse e condições na sua ressocialização, junte na Oposição que apresentou neste processo de extradição que corre em Portugal, certidão relativo a Antecedentes Criminais no Brasil, emitida por autoridade Brasileira, datado de 21.09.2023, pelas 19:56, onde se menciona que “Não consta decisão judicial condenatória com trânsito em julgado”, bem sabendo que essa declaração não correspondia à verdade e, mesmo assim, não se inibiu que fosse junta aos autos, deixando de informar a autoridade brasileira da verdade e da sua situação (particularmente de se ter ausentado para Portugal em 2018, onde se encontrava após trânsito da sua condenação no Brasil, não tendo cumprido a totalidade da pena de 8 anos e 2 meses de prisão em que fora condenado por sentença de 7.06.2017, transitada em julgado em 4.03.2020, sendo detido precisamente em 21.09.2023, pelas 11 horas, em Portugal). Ora, o recorrente/condenado, como aqui sucede por crimes de roubo e de associação criminosa, que em Portugal correspondem a “criminalidade especialmente violenta” e a “criminalidade altamente organizada” (art. 1.º, alíneas l) e m), do CPP), que efetivamente pretende ressocializar-se, tem de começar por agir com verdade e com responsabilidade, colaborando com as autoridades, designadamente, quando estas desconhecem o seu paradeiro, fornecendo-lhes os elementos necessários, para não ser necessário emitir mandados de detenção internacional (não é ausentando-se do seu país, nele não se apresentar, ficar sem cumprir a pena e imputar responsabilidades às instituições que demonstra que está a integrar-se noutra sociedade e a mudar de vida). O que o recorrente invocou genericamente sobre a situação prisional no Brasil não permite deduzir que, ele próprio será em concreto, submetido a tratamentos desumanos e a situações degradantes. A CEEMCPLP, nos seus arts. 2.º a 4º não tinha de contemplar sequer qualquer referência à CEDH e/ou a outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados pelo Brasil, como o faz o art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, pois os Estados contratantes daquela Convenção, como se esclarece ao ac. do STJ de 7.09.2017, processo n.º 483/16.7YRLSB.S1 (Francisco M. Caetano), são em princípio Estados democráticos, vinculados à defesa e garantia dos direitos humanos, sendo o Brasil “um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção.” No mesmo sentido defende-se no ac. do STJ de 23.03.2023, processo n.º 110/23.6YRLSB.S1 (Sénio Alves), que “A verdade é que o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes 9 e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP 10, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando e, nomeadamente, a sua própria integridade física.” Acrescenta-se, neste acórdão de 23.03.202311 que, como se refere no acórdão do STJ, de 30.10.2013, Proc. 86/13.8YREVR.S1, “A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação”. E isto porque à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas”. Aliás, apoiando-se no Ac. STJ de 22.04.2020, Proc. 499/18.9YRLSB.S1, refere-se que “O princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores”. 12 Por isso, não assiste qualquer razão ao recorrente quando faz afirmações em sentido contrário ao supra exposto, invocando que existe uma lacuna na Convenção ou que existe uma contradição no acórdão recorrido. E, sendo certo que a decisão do Supremo Federal é muito recente, de 4.10.2023, a verdade é que não foi ignorada (até as suas conclusões constam dos factos provados no acórdão recorrido), mas, daí não resulta, que se pode entender que a referida Convenção (CEEMCPLP) deixou de ser aplicável em casos concretos como o aqui em apreciação. Tal como foi salientado no acórdão sob recurso e é notado pelo MP na resposta ao recurso, “não se vê que a extradição para o Brasil tenha como segura consequência a colocação em risco da integridade física ou da vida do extraditando, sendo que cabe notar que a decisão proferida na mencionada ADPF nº 347 prevê a adoção de medidas concretas tendo em vista introduzir melhorias no sistema prisional brasileiro e obviar à violação de Direitos Humanos constatada pelo Supremo Tribunal”, tratando-se de questão recorrente, que tem vindo ser tratada por variada jurisprudência portuguesa há vários anos. De todo o modo reitera-se que, prevalece o princípio do reconhecimento mútuo, assente na confiança mútua entre Estados e, por isso, havia que viabilizar a entrega para prossecução da ação penal ao Estado emitente, desde que não houvesse razões formais ou materiais que obstassem ao seu deferimento, como sucede neste caso. Concorda-se, assim, com a decisão recorrida, quando concluiu, que “não ocorrendo causa alguma de inadmissibilidade ou de recusa facultativa da extradição, constante dos artigos 3º e 4º da Convenção CPLP, não sendo aplicável in casu o estabelecido no artigo 18º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto, e bem assim porque o cumprimento do pedido de extradição não se mostra contrário à segurança, à ordem pública ou a outros interesses fundamentais do Estado Português, cumpre deferir o pedido de extradição.” Improcede, pois, a mencionada argumentação do recorrente. Em face do exposto, impõe-se negar provimento ao recurso, sendo certo que não foram violados os princípios e normas invocados pelo recorrente. * Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se integralmente o acórdão impugnado. Sem custas (art. 73º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08), sem prejuízo do disposto no art. 26.º n.º 2 als. b) a d) e n.º 4 do mesmo diploma legal. * Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos. * Supremo Tribunal de Justiça, 03.01.2024 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Teresa Almeida (Adjunta) Vasques Osório (Adjunto) _____ 1. Que estabelece que: “O pedido de cooperação é recusado quando:   a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal;   b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado;   c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior;   (…)” 2. Que, a propósito da recusa facultativa de cooperação, estabelece: “Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal.” 3. No processo nº 5/21.8YREVR.S1, Relator: Conselheiro Sénio Alves, disponível em www.dgsi.pt. 4. No processo nº 498/18.0YRLSB.S1, Relatora: Conselheira Margarida Blasco, consultável no mesmo endereço eletrónico, e que também é acompanhado, entre outros, pelo referenciado acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 21.04.2021. 5. No processo nº 1669/23.3YRLSB.S1, Relatora: Conselheira Maria do Carmo Silva Dias, também em www.dgsi.pt. 6. Vd., a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2022, no processo nº 16/22.6YRPRT-A.S1, Relatora: Conselheira Maria do Carmo Silva Dias, ainda em www.dgsi.pt. 7. No processo nº 86/13.8YREVR.S1, Relator: Conselheiro Oliveira Mendes, também acessível em www.dgsi.pt. 8. Nesse sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 30.10.2013, Proc. 86/13.8YRREVR.S1 (relatado por Oliveira Mendes); de 22.04.2021, Proc. 4.21.0YREVR.S1 (relatado por Eduardo Loureiro); de 1.08.2022, Proc. 1113/22.3YRLSB.S1 (relatado por Ana Barata Brito). 9. Aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 4, de 23 de Maio de 1989, ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 40, de 15 de Fevereiro de 1991. 10. Tal Convenção foi igualmente ratificada pelo Decreto da Presidente da República Federativa do Brasil nº 7.935, de 19/2/2013, sendo certo que o Congresso Nacional havia já aprovado tal Convenção através do Decreto Legislativo nº 45 de 30/3/2009. 11. Ver, também, no mesmo sentido, Ac. STJ de 11.10.2023, Proc. 1669/23.3YRLSB.S1 (relatora M. Carmo Silva Dias). 12. Ainda no mesmo sentido é indicado o Ac. STJ de 21.04.2021, Proc. 5/21.8YREVR.S1 (relator Sénio Alves).
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 426/19.6TXEVR-K.S1 Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS Descritores: HABEAS CORPUS LIBERDADE CONDICIONAL PRESSUPOSTOS CUMPRIMENTO SUCESSIVO TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS JUÍZO DE PROGNOSE INDEFERIMENTO Data do Acordão: 20/12/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: HABEAS CORPUS Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO Sumário : I. A providência de Habeas corpus tem natureza excecional e é independente do sistema de recursos penais. II. Em consonância com a sua matriz histórica, destina-se a pôr cobro a situações graves de detenção ou prisão ilegais e mais carecidas de tutela urgente. III. No caso sub judice, o condenado, ora requerente, encontra-se preso desde 30/07/2019, tendo sido elaborado e homologado o cômputo de penas, em execução sucessiva, nestes termos: o meio do somatório de penas ocorreu em 27/05/2022, os 2/3 ocorreram em 07/05/2023 e o termo está previsto para 27/03/2025, com o desconto de 3 dias de privação de liberdade, de acordo com as liquidações de pena dos dois processos em causa. IV. Atingiu metade da pena aplicada no processo n.º…, no dia 28/11/2020, tendo nessa data sido desligado do processo n.º …e ligado ao processo n.º … (o que foi feito nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Cód. Penal). Entretanto, atingiu o termo da pena aplicada no processo n.º … no dia 28.11.2023, apesar de ainda não ter sido declara extinta, sendo determinado o seu desligamento do mesmo processo e, de novo, o ligamento ao primeiro processo, com referência ao dia 28/11/2023, a fim de cumprir o que resta da pena aplicada nestes autos. V. Acontece que, por se tratar de um cômputo de execução sucessiva de penas, defende o requerente que a pena aplicada no processo n.º … se encontra já cumprida, na íntegra, por ter sido atingida a sua metade. VI. Contudo, há que ter em consideração que a concessão da liberdade condicional está dependente da verificação, pelo Tribunal de Execução de Penas, dos pressupostos (de natureza formal e material) enumerados no artigo 61.º, do Cód. Penal, que podem ser assim sintetizados: Para ser concedida a meio da pena: se o juiz de execução se convencer que, analisado o caso concreto e a personalidade do preso, é de esperar que este retomará a sua vida sem cometer crimes e que a libertação do preso não vai perturbar a ordem e a paz social; para ser concedida aos 2/3 da pena: já só é necessária a verificação do primeiro requisito anterior, ou seja, a previsão de que não vai cometer crimes; nas condenações de penas superiores a seis anos, além das possibilidades de saída em liberdade condicional – a meio ou aos 2/3 da pena – o preso é sempre posto em liberdade condicional quando atingir 5/6 da pena. Em todos os casos, nunca ocorre a liberdade condicional antes de cumprido seis meses de prisão efetiva e nunca é decretada a liberdade condicional contra a vontade ou sem o consentimento do condenado. VII. Por outro lado, o art. 63.º, do mesmo diploma legal, estabelece os procedimentos a ter em conta em caso de execução sucessiva de várias penas. VIII. Assim, em resumo, a concessão da liberdade condicional, a meio da pena, não é automática ou obrigatória, exigindo-se um juízo de prognose favorável - embora não tão exigente como no caso da suspensão da execução da pena de prisão - sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade, nisto residindo o pressuposto material da liberdade condicional. IX. Ora, na situação concreta, o termo das penas está previsto para 27/03/2025, tendo já sido apreciados pelo TEP os pressupostos da liberdade condicional, ao meio e aos dois terços da soma das penas, não tendo a mesma sido concedida e voltará, novamente, a ser objeto de apreciação, em renovação da instância, no prazo de um ano após a prolação da última decisão que apreciou os pressupostos da liberdade condicional, prevista para 19/04/2024. X. Nestes termos, consideramos que não se verifica, in casu, qualquer excesso de prisão para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial, como foi invocado, nem qualquer outra situação prevista no art. 222.º n.º 2, do C.P.P., que, aliás, nem sequer foi alegada, pelo que se acorda em indeferir, por falta de fundamento, a providência requerida. Decisão Texto Integral: Acordam, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. O arguido condenado AA, detido no Estabelecimento Prisional Regional de ..., veio, por intermédio do seu ilustre advogado, em 10/12/2023, requerer a presente providência de Habeas corpus, nos termos do disposto nos arts. 31.º, da C.R.P., e 222.º e 223.º, do C.P.P., em virtude da sua prisão se manter para além dos prazos fixados pela lei, com os seguintes fundamentos (Transcrição): 1. O Recluso foi condenado no processo nº 834/17.7..., que correu termos no Juiz- 3 do Juízo local Criminal ... em 2 anos e 8 meses de prisão e no processo nº 779/15.5... que correu termos no Juiz -1 do mesmo Juízo Local Criminal em 3 anos de prisão, a cumprir as referidas condenações no estabelecimento prisional de ... à ordem do processo 426/19.6TXEVR do Juízo de Execução de Penas de Évora – J-.... 2. Havendo assim lugar à execução de duas penas de prisão, sucessivas por parte do Recluso. 3. O Recluso está assim detido no estabelecimento prisional de ... desde 31.07.2019. 4. E no dia 28.11.2020 o Recluso atingiu o cumprimento de metade da pena no processo nº 834/17.7... conforme despacho assinado em 2.01.2021, que ordenou assim a interrupção da execução neste processo, ao abrigo do disposto no art.º 63º nº 1 do CP e ordenou o desligamento do Recluso a este processo nº 834/17.7... 5. Passando o Recluso a cumprir a pena de prisão no processo seguinte, de 3 anos, à ordem do processo seguinte com o nº 779/15.5..., a que foi ordenado o seu ligamento. Despacho que se anexa e que aqui se dá por integralmente reproduzido como doc. 1. 6. No dia 27.11.2023, o Recluso terminou o cumprimento da pena, de 3 anos, no Processo nº 779/15.5..., conforme despacho de 27.09.2023 que se anexa como doc. 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 7. E no mesmo despacho de 27.09.2023, que ordenou o termo da execução no processo 779/15.5... no dia 27.11.2023, foi também ordenado no mesmo despacho a interrupção da mesma execução no processo 779/15.5... ao abrigo do disposto no mesmo art.º 63º nº 1 e 2 do CP, e ordenado o ligamento, de novo, ao processo 834/17.7... a fim do Recluso cumprir o remanescente. 8. O que não se compreende. 9. Pois no nosso humilde entendimento, no caso de sucessão do cumprimento de várias penas, dispõe o art.º 63º nº 1 do CP que o cumprimento da pena a cumprir em primeiro lugar se interrompe ao atingir metade da execução. 10. In casu, a execução da primeira pena, à ordem do processo nº 834/17.7..., ficou cumprida ao atingir metade da sua execução, ou seja, para todos os efeitos legais o cumprimento da primeira pena, no caso de cumprimento sucessivo de panas, que é o caso, fica limitado ao cumprimento de metade, conforme dispõe o art.º 63º nº 1 do CP. E foi cumprida. 11. A Este propósito, sobre o nº 1 do art.º 63º do CP, escreve também Victor de Sá Pereira, Juiz Conselheiro Jubilado do STJ no seu Código Penal Anotado e Comentado da Quid Juris na Pag. 225, no ponto 4 das anotações, “Em todo o caso a execução da primeira pena não vai além da respetiva metade por força daquela interrupção “Cópia que anexa como doc.3. 12. E conforme dispõe o art.º 2º do CPP, “A aplicação das penas e das medidas de segurança criminais só podem ter lugar em conformidade com as disposições deste código. “ 13. E o nº 1 do art.º 9º do CPP dispõe que: Os Tribunais judiciais administram a justiça penal de acordo com a lei e o direito. 14. E o nº 3 do art.º 9º do CC expressa que: Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento nos termos adequados”. 15. E na interpretação da lei o interprete não pode fazer uma interpretação que contrarie a letra da lei, conforme dispõem o nº 2 do art.º 9º do CC. 16. Além de que conforme dispõe o art.º 97º do CPP, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas. O que no caso do referido despacho, não o foi, o despacho de 27.09.2023, ordena primeiro o termo da execução e depois ordena a interrupção da execução no mesmo processo, ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 63º do CP. O que não se compreende. Porquê? 17. E depois ordena o desligamento do Segundo processo e novo ligamento ao processo anterior para cumprir o remanescente. Porquê? 18. Pelo que, no nosso entendimento, após o dia 27.11.2023 o recluso deve ser colocado em liberdade de forma imediata, por ter cumprido todo o tempo legalmente exigido. 19. Pois o Recluso cumpriu a metade da pena legalmente exigida no primeiro processo, processo nº 834/17.G..., conforme estipula o art.º 63º nº 1 do CP e onde foi ordenada a interrupção da sua execução, pelo que para todos os efeitos legais se deve considerar como legalmente cumprida e foi ordenado o cumprimento da execução da pena à ordem do segundo processo, processo nº 779/15.5..., que também foi legalmente cumprida. Nestes Termos e nos mais de Direito, que V.ª Ex.ª muí doutamente suprirá, deve ser declarada a liberdade do recluso e ser ordenada a sua libertação imediata para que seja feita Justiça. 2. A Senhora Juíza do TEP de Évora -J... prestou, em 11/12/2023, a informação a que se refere o art. 223.º n.º 1, do C.P.P, que passamos, igualmente, a transcrever: 1. O recluso AA, afecto ao Estabelecimento Prisional de ..., cumpre um somatório de penas no total de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, nos seguintes termos: a) Pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, aplicada no âmbito dos autos de Processo n.º 834/17.7... do J3 do Juízo Local Criminal de ..., pela prática dos crimes de violência doméstica e violação de proibições; b) Pena de 3 (três) anos de prisão, aplicada no âmbito dos autos de Processo n.º 779/15.5... do J1 do Juízo Local Criminal de ..., pela prática de um crime de violência doméstica; 2. O recluso está preso desde 30.07.2019; 3. As penas são de cumprimento sucessivo, tendo sido elaborado e homologado o cômputo de penas em execução sucessiva nos seguintes termos: o meio do somatório de penas ocorreu em 27.05.2022, os 2/3 ocorreram em 07.05.2023 e o termo está previsto para 27.03.2025 (foram descontados 3 dias de privação de liberdade de acordo com as liquidações de pena de ambos os processos); 4. O recluso atingiu metade da pena aplicada no processo n.º 834/17.7... no dia 28.11.2020; 5. Nessa data (28.11.2020) foi desligado do processo n.º 834/17.7... e ligado ao processo n.º 779/15.5... (o que se fez nos termos do disposto no artigo 63.º, n.o 1 do Código Penal; 6. O recluso atingiu o termo da pena aplicada no processo n.º 779/15.5... no dia 28.11.2023 (pena cumprida mas que ainda não foi declarada extinta); 7. Por essa razão, determinou-se o seu desligamento do processo n.º 779/15.5... e ligamento ao processo n.º 834/17.7... com referência ao dia 28.11.2023 (primeiramente, por lapso, com referência ao dia 27.11.2023); 8. Por se tratar de um cômputo de execução sucessiva de penas, entende o recluso que a pena aplicada no processo n.º 834/17.7... encontra-se cumprida na íntegra por ter sido atingida a sua metade; é este o fundamento da petição da providência de habeas corpus; 9. O termo das penas está previsto para 27.03.2025, foram já apreciados os pressupostos da liberdade condicional por referência ao meio e aos dois terços da soma das penas, não tendo a mesma sido concedida; 10. Será apreciada novamente a liberdade condicional, em renovação da instância, no prazo de um ano após a prolação da última sentença que apreciou os pressupostos da liberdade condicional, prevista para 19.04.2024. 3. Neste Supremo Tribunal, convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o defensor do arguido, teve lugar a audiência (art. 223.º n.º 3, do C.P.P.), com todas as formalidades legais, pelo que cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 1. Começamos por referir que a providência de Habeas corpus1, ao contrário do que a designação parece sugerir, não teve origem na Roma antiga, mas na Inglaterra, em 1215, quando a nobreza impôs ao Rei João Sem Terra a Magna Carta Libertatum, com o objetivo de limitar os poderes reais2. Com o tempo foi-se aperfeiçoando e a sua versão moderna surge, em 1679, com o famoso Habeas Corpus Amendment Act, que veio regulamentar o procedimento na área criminal, constituindo um eficaz instrumento no controlo da legalidade dos atos restritivos da liberdade individual. Entre nós, a medida tem, como é sabido, desde há muito, dignidade constitucional, tendo sido introduzida pela Constituição de 19113. Presentemente o art. 31.º, da nossa Constituição, reza assim: «1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. 2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória». No que concerne ao direito ordinário, o Código de Processo Penal vigente prevê, nos seus arts. 220.º e ss., o habeas corpus em virtude de detenção ilegal, em virtude prisão ilegal, os respetivos procedimentos processuais – assentes em grande informalidade e celeridade – e ainda o incumprimento da decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a petição, que é punido com as penas do crime de denegação de justiça e prevaricação. Ora, do cotejo de todos estes preceitos, podemos extrair que esta providência, de cariz expedito, tem em vista salvaguardar a liberdade física, reagindo contra uma situação de abuso de poder4, por virtude de uma prisão ou detenção ilegal. Contudo, não constitui um recurso. Como bem acentua Eduardo Maia Costa5, trata-se de uma providência, independente dos sistemas de recursos penais. Uma providência urgente, conforme resulta da brevidade do prazo estipulado para a sua decisão. Naturalmente, o modo de impugnação por excelência das decisões judiciais é o recurso para um tribunal superior. O Habeas corpus, para ter razão de ser, deverá ter uma função diferente da dos recursos, servindo como instrumento da proteção da liberdade, quando os meios ordinários não sejam suficientemente expeditos para assegurar essa proteção urgente. Deve servir, por conseguinte, para as situações mais graves, as mais carecidas de tutela urgente. Porém, não tem uma natureza meramente residual, conforme observa Rodrigues Maximiano6, mas sim a natureza de uma providência extraordinária, abrangendo as situações de abuso, que são distintas das situações de decisão discutível. Cingindo-nos mais concretamente ao Habeas corpus por virtude de prisão ilegal (art. 222.º), por ser o mais comum e ser também o caso da situação em apreço, podemos dizer que os seus fundamentos se reconduzem todos, ao fim e ao cabo, à ilegalidade da prisão: incompetência da entidade que a efetuou ou a determinou, ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite e excesso de prazos. O n.º 2 do citado normativo consagra, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira7, uma espécie de ação popular, uma vez que a petição pode ser formulada pelo interessado ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, conquanto dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e apresentada à autoridade à ordem da qual se encontra preso o mesmo. A limitação do gozo dos direitos políticos não diz, obviamente, respeito ao próprio, mas sim ao(s) terceiro(s) que decida(m) intervir. Na esteira também da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça8, quando se aprecia a providência do Habeas corpus não se analisa o mérito da decisão que determinou a prisão, nem tão pouco os erros procedimentais (eventualmente, cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais), uma vez que esses devem ser apreciados em sede própria, através dos recursos, mas tão só incumbe decidir se ocorrem qualquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do C.P.P. 2. Feito este breve enquadramento histórico-legal da medida em questão e regressando à situação sub judice, podemos constatar, com base na certidão junta e nos demais elementos carreados aos autos, que o arguido, ora requerente, foi condenado numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão, aplicada no âmbito do processo n.º 834/17.7..., do Juízo Local Criminal de ... (J3), pela prática dos crimes de violência doméstica e violação de proibições, e numa pena de 3 anos de prisão, no âmbito do processo n.º 779/15.5..., do Juízo Local Criminal de ... (J1), pela prática de um crime de violência doméstica. Encontra-se o mesmo preso desde 30/07/2019, tendo sido elaborado e homologado o cômputo de penas, em execução sucessiva, nestes termos: o meio do somatório de penas ocorreu em 27/05/2022, os 2/3 ocorreram em 07/05/2023 e o termo está previsto para 27/03/2025, com o desconto de 3 dias de privação de liberdade, de acordo com as liquidações de pena de ambos os processos. Atingiu metade da pena aplicada no referido processo n.º 834/17.7..., no dia 28/11/2020, tendo nessa data sido desligado do processo n.º 834/17.7... e ligado ao processo n.º 779/15.5... (o que foi feito nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Cód. Penal). Entretanto, atingiu o termo da pena aplicada no processo n.º 779/15.5... no dia 28.11.2023, apesar de ainda não ter sido declara extinta, sendo determinado o seu desligamento do processo n.º 779/15.5... e, de novo, o ligamento ao processo n.º 834/17.7..., com referência ao dia 28/11/2023, a fim de cumprir o que resta da pena aplicada nestes autos. Resulta ainda dos autos que o termo das penas está previsto para 27/03/2025, tendo já sido apreciados os pressupostos da liberdade condicional, por referência ao meio e aos dois terços da soma das penas, não tendo a mesma sido concedida, devendo ser objeto de nova apreciação, em renovação da instância, no prazo de um ano após a prolação da última decisão que apreciou os pressupostos da liberdade condicional, que está prevista para 19/04/2024. Acontece que, por se tratar de um cômputo de execução sucessiva de penas, defende o requerente que a pena aplicada no processo n.º 834/17.7... se encontra já cumprida, na íntegra, por ter sido atingida a sua metade. Todavia, há que ter em consideração que a concessão da liberdade condicional9 está dependente da verificação, pelo Tribunal de Execução de Penas, dos pressupostos (de natureza formal e material) enumerados no artigo 61.º, do Cód. Penal, que podem ser assim sintetizados: - Para ser concedida a meio da pena: se o juiz de execução se convencer que, analisado o caso concreto e a personalidade do preso, é de esperar que este retomará a sua vida sem cometer crimes e que a libertação do preso não vai perturbar a ordem e a paz social; - Para ser concedida aos 2/3 da pena: já só é necessária a verificação do primeiro requisito anterior, ou seja, a previsão de que não vai cometer crimes. - Nas condenações de penas superiores a seis anos, além das possibilidades de saída em liberdade condicional – a meio ou aos 2/3 da pena – o preso é sempre posto em liberdade condicional quando atingir 5/6 da pena. - Em todos os casos: nunca ocorre a liberdade condicional antes de cumprido seis meses de prisão efetiva e nunca é decretada a liberdade condicional contra a vontade ou sem o consentimento do condenado. Por outro lado, o art. 63.º, do mesmo diploma legal, estabelece os procedimentos a ter em conta em caso de execução sucessiva de várias penas. Significa tal que a concessão da liberdade condicional, a meio da pena, não é automática ou obrigatória10, exigindo-se um juízo de prognose favorável - embora não tão exigente como no caso da suspensão da execução da pena de prisão - sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade, nisto residindo o pressuposto material da liberdade condicional. Por outras palavras, a liberdade condicional poderá ser concedida, quando estiver cumprida metade da pena, no mínimo de 6 meses, se houver razões para crer que o condenado não praticará crimes e a libertação não ameaçará a paz social. Como refere, a este propósito, o Professor Figueiredo Dias11, a concessão da liberdade condicional, uma vez cumprida metade da pena, constitui um poder para o tribunal, não sendo, contudo, um poder discricionário, mas um poder-dever, um poder vinculado à verificação da totalidade dos pressupostos, formais e substanciais, de que a lei faz depender a concessão. Ora, na situação concreta, como vimos, o termo das penas está previsto para 27/03/2025, tendo já sido apreciados pelo TEP os pressupostos da liberdade condicional, ao meio e aos dois terços da soma das penas, não tendo a mesma sido concedida e voltará, novamente, a ser objeto de apreciação, em renovação da instância, no prazo de um ano após a prolação da última decisão que apreciou os pressupostos da liberdade condicional, prevista para 19/04/2024. Nesta conformidade, tudo ponderado, consideramos que não se verifica, in casu, qualquer excesso de prisão para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial nem qualquer outra situação prevista no art. 222.º n.º 2, do C.P.P., que, aliás, nem sequer foi alegada, pelo que não pode, deste modo, a providência requerida proceder, por falta de sustentação legal. III. Decisão Em face do exposto, acorda-se em a. indeferir, por falta de fundamento, a providência de Habeas corpus requerida pelo arguido AA (art. 223.º n.º 4 a), do C.P.P.); e b. condenar o mesmo nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos da Tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 20 de dezembro de 2023 (Processado e revisto pelo Relator) Pedro Branquinho Dias (Relator) Ernesto Vaz Pereira (Adjunto) Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta) Nuno Gonçalves (Presidente da Secção) _____ 1. Forma abreviada da expressão latina Habeas corpus ad subjiciendum – Que tenhas o teu corpo para apresentar ao tribunal. 2. Para uma visão mais desenvolvida sobre a sua origem histórica, vejam-se, com interesse, Eduardo Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente, futuro, Revista Julgar n.º 29, Maio-Agosto de 2016, pg. 219 e ss., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, pg. 260 e ss., e Pedro Branquinho Ferreira Dias, Comentário a um acórdão, Revista do Ministério Público, Ano 28, n.º 110, pg. 216 e ss. 3. Em termos de lei ordinária, viria a ser instituída pelo DL n.º 35 043, de 20/10/1945. 4. Garantia privilegiada do direito à liberdade, na expressão feliz de Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. revista, pg. 508. 5. Loc. cit., pgs. 236 e 237. 6. In Direito e Justiça, Vol. XI, T. 1, pg. 197. 7. Ob. cit., pg. 509. 8. Cfr., entre muitos, os acórdãos de 27/9/2023, no Proc. n.º 2390/06.2PBBRG-G.S1, de 20/9/2023, Proc. n.º 344/14.4GBSSB-A.S1, de 9/3/2022, Proc. n.º 816/13.8PBCLD-A.S1, de 28/4/2021, Proc. n.º 72/18.1T9RGR-A.S1, e de 18/11/2020, Proc. n.º 300/18.3JDLSB-E.S1, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Ernesto Vaz Pereira, Maria do Carmo Silva Dias, Lopes da Mota, Ana Barata Brito e Nuno Gonçalves, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 9. Saliente-se que o instituto da liberdade condicional não constitui uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas, antes, um incidente da execução da pena de prisão, visando um período de transição entre a prisão e a liberdade, que permita ao condenado uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente fragilizada pelo período de reclusão a que esteve sujeito. Pode ser aplicada em 3 modalidades: simples, subordinada ao cumprimento de regras de conduta ou com regime de prova. Sobre a evolução histórica e politico-criminal do instituto, veja-se, com interesse, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do Crime, AEQUITAS EDITORIAL NOTÍCIAS, 1993, pg. 527 e ss., e os estudos A Liberdade Condicional Obrigatória, sua existência e fundamentação, de Cássia Gomes da Silva, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 2.º Ciclo de Estudos em Direito, Coimbra 2013, pg. 24 e ss., e Considerações sobre o regime da Liberdade Condicional, de Inês Sá Rodrigues, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, 2020, pg. 10 e ss. 10. Só se a pena aplicada for superior a 6 anos é que o condenado é colocado em liberdade condicional logo que tiver cumprido 5/6 da mesma. 11. Ob. cit., pg. 538 e ss.
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:01645/03 Data do Acordão:26/01/2005 Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT Relator:BAETA DE QUEIROZ Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS. ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS. TAXA. Sumário:Na vigência do Código de Processo Tributário, os juros indemnizatórios devidos na sequência de impugnação judicial que anulou o acto de liquidação, no qual ocorreu erro imputável aos serviços, devem ser contados à taxa do artigo 559º do Código Civil, já que o artigo 24º do Código de Processo Tributário nem estabelece essa taxa, nem, quanto a ela, remete para as leis tributárias. Nº Convencional:JSTA00062163 Nº do Documento:SAP2005012601645 Data de Entrada:22/10/2003 Recorrente:DIRGER DOS REGISTOS E NOTARIADO Recorrido 1:A... Votação:UNANIMIDADE Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC STA DE 2004/03/24. Decisão:PROVIDO. Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO. Legislação Nacional:CPTRIB91 ART24. CCIV66 ART559. Aditamento: Texto Integral
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:01237/04 Data do Acordão:13/01/2005 Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA Relator:ADÉRITO SANTOS Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO. ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO. PROCESSAMENTO DE ABONOS Sumário:I - Constitui acto administrativo, passível de impugnação na via hierárquica, o processamento de abonos, correspondentes ao novo valor do diferencial de integração de determinado funcionário da Direcção Geral das Contribuições e Impostos no novo sistema retributivo, em aplicação do Despacho Conjunto nº 943/99, de 9.3.99, dos Secretários de Estado do Orçamento, dos Assuntos Fiscais e da Administração Pública e Modernização Administrativa, constitui acto administrativo, passível de impugnação na via hierárquica. II – O despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que indeferiu recurso hierárquico, interposto de um tal acto de processamento de abonos, por entender que tinha por objecto aquele Despacho Conjunto, incorreu em erro nos pressupostos, que implica a respectiva anulação. Nº Convencional:JSTA00061519 Nº do Documento:SA12005011301237 Data de Entrada:19/11/2004 Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS Recorrido 1:A... Votação:UNANIMIDADE Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC TCA. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO. Legislação Nacional:LPTA85 ART28 ART29. CPA91 ART9. Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC43299 DE 2000/11/23. Aditamento: Texto Integral
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:033942A Data do Acordão:27/05/2004 Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA Relator:CÂNDIDO DE PINHO Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA. OFENSA DE CASO JULGADO. NULIDADE. CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO. Sumário:I - No processo de execução o tribunal administrativo apenas aprecia a actuação administrativa posterior à sentença exequenda quanto aos aspectos referentes à execução, isto é, quanto à observância do caso julgado. II - Assim, se em execução de sentença vierem a ser praticados actos em ofensa do caso julgado, a sua nulidade pode ser declarada, tanto em sede de execução (art. 9º, nº2, do DL nº 256-A/77, de 17/06), como em sede de recurso contencioso autónomo (art. 9º, nº3, cit. dip.). III - Porém, se vier a ser praticado um acto renovador eivado de novas causas de invalidade que não faziam parte do anulado, então a sua sindicância já só poderá ser feita em recurso contencioso autónomo. IV - Em execução de julgado anulatório de um acto de adjudicação de empreitada, não se imporá nova adjudicação se, entretanto, a empreitada tiver sido concluída. Nesse caso, há "causa legítima de inexecução", somente geradora de indemnização em acção própria ou a reclamar nos termos do art. 7º do citado diploma. V - Mas, se a Administração, para além do que seria esperado e lógico, mesmo assim, vier a proceder a nova apreciação das propostas e praticar um novo acto de adjudicação, não se poderá falar mais em "causa legítima de inexecução", mas sim em execução do julgado. Em tal hipótese, o pedido executivo terá que ser indeferido. Nº Convencional:JSTA00060562 Nº do Documento:SA12004052733942A Data de Entrada:16/03/2000 Recorrente:A... Recorrido 1:SE DAS OBRAS PÚBLICAS Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC Meio Processual:EXECUÇÃO DE JULGADO. Objecto:AC SUBSECÇÃO DO CA. Decisão:INDEFERIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM CONT - EXECUÇÃO DE JULGADO. Legislação Nacional:DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART7 ART9 N2 N3 ART10 N4. DL 104/97 DE 1997/04/28 ART2 ART23. Jurisprudência Nacional:AC STA PROC39205 DE 1997/10/01.; AC STA PROC38470 DE 1999/01/20.; AC STA PROC45381-A DE 2001/01/18.; AC STAPLENO PROC44140-A DE 2003/03/13. Aditamento: Texto Integral
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045375 Data do Acordão:15/09/1999 Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA Relator:GOUVEIA E MELO Descritores:COMPANHIA DOS CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES. CONCURSO PÚBLICO. EMPRESA PÚBLICA. ACTO DE GESTÃO PRIVADA. FORNECIMENTO DE BENS. Sumário:I - Na ausência de preceito legal expresso de alcance geral ou do respectivo estatuto em contrário, as empresas públicas encontram-se sujeitas, no que aos actos da respectiva gestão diz respeito, ao direito privado, comungando da correspondente natureza os actos jurídicos por elas praticados no aludido circunstancialismo. II - Encontra-se nessas condições o concurso público aberto pelos Caminhos de Ferro Portugueses - CP - destinado ao fornecimento à mesma de material circulante. III - Consequentemente assume natureza jurídico-privada a deliberação do conselho de gerência da CP que no âmbito do aludido concurso decidiu excluir a proposta nele apresentada por certo concorrente. IV - Daí que os tribunais administrativos sejam incompetentes em razão da matéria para conhecer do recurso contencioso que tenha por objecto aquele acto (art. 4º, nº 1, al. f), do ETAF). Nº Convencional:JSTA00053019 Nº do Documento:SA119990915045375 Data de Entrada:07/09/1999 Recorrente:CAF-CONSTRUCCIONES Y AUXILIARES DE FERROCARRILES SA Recorrido 1:CONSELHO DE GERÊNCIA DE CP EP Recorrido 2:OUTROS Votação:UNANIMIDADE Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:DESP TAC LISBOA. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM ECON - EMPR PUBL. Legislação Nacional:DL 134/98 DE 1998/05/15 ART2 ART3. DL 109/97 DE 1997/03/25 ART1 ART2 ART3 N1. ETAF84 ART4 N1 F. LPTA85 ART4 N1 ART4 N4. Jurisprudência Nacional:AC STA PROC10112 DE 1977/02/24 IN AP-DR DE 1980/06/30 PAG413. Aditamento: Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130057 Nº Convencional: JTRP00030199 Relator: PINTO DE ALMEIDA Descritores: VALOR DA CAUSA EFEITOS RECONVENÇÃO ALTERAÇÃO FORMA DE PROCESSO PRAZO RÉPLICA Nº do Documento: RP200102080130057 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS Processo no Tribunal Recorrido: 173/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART305 N1 N2 ART502 N3. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1962/11/13 IN BMJ N121 PAG216. Sumário: I - Os efeitos da elevação do valor na forma do processo verificam-se automaticamente, logo após a formulação da reconvenção, não dependendo da prolação do despacho sobre a admissibilidade desse pedido do réu. II - Assim, se a acção inicialmente sumária passa a ordinária por virtude daquele aumento de valor, o prazo de apresentação da réplica é de 30 dias. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2808/19.4T8PTM.E1.S1 Nº Convencional: 1. ª SECÇÃO Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR Descritores: RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DUPLA CONFORME PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MODIFICAÇÃO REJEIÇÃO DE RECURSO EXONERAÇÃO ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO JUSTA CAUSA DIREITO À INDEMNIZAÇÃO INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA Data do Acordão: 19/12/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: INDEFERIDA, CONFIRMANDO-SE O DESPACHO DO RELATOR Sumário : I – O aditamento de um ponto à factualidade provada, que não teve reflexo na decisão final, com o objetivo de explicitar o conteúdo de um documento junto aos autos que não foi impugnado, não é apto a descaraterizar a dupla conformidade. II – Não basta para afastar o obstáculo da dupla conforme impeditivo do recurso de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, que a sentença e o acórdão apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial. III – A diferença de fundamentação entre o tribunal de 1.ª instância e o acórdão recorrido não é essencial, se o acórdão recorrido decidiu negar a indemnização à autora, por ter entendido que da matéria de facto decorre que houve justa causa de exoneração da administradora de condomínio, nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, e a sentença, prescindindo de qualquer consideração de direito acerca da noção de justa causa (mas tendo fixado os factos integradores do conceito de justa causa), entendeu, com base no n.º 1 do artigo 1435.º do Código Civil, que a exoneração exercida através de deliberação da assembleia geral de condóminos, desde que não impugnada, não faz nascer na esfera jurídica da autora o direito de indemnização. IV – Para apreender o sentido da fundamentação, é necessário proceder a uma interpretação dos fundamentos da sentença e do acórdão recorrido. Decisão Texto Integral: Acordam na Conferência do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. QUESTÕES & SUGESTÕES, LDA., intentou ação declarativa de condenação contra CONDOMÍNIO DO CLUBE PRAIA ... - BLOCO I, representado em juízo pela sua administradora A..., Lda., pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €119.925,00, acrescida de juros calculados desde o dia em que for efetuada a citação, contados à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, por o réu ser uma pessoa equiparada a uma pessoa coletiva, e contados até ao dia em que o pagamento da dívida for integralmente efetuado. 2. Regularmente citado, o Réu contestou, impugnando a factualidade alegada, invocando que apesar de existir justa causa, a destituição não carecia sequer dessa invocação, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora/reconvinda «a pagar ao réu a quantia global de 221.486,95€ pelos danos patrimoniais que lhe foram causados pela autora; e pelos prejuízos que vierem a resultar da improcedência dos processos executivos devido à prescrição verificada pelo não cumprimento da sua função de cobrar as receitas, cujo apuramento do valor concreto dos danos será feita em sede de liquidação de sentença». 3. A sentença do tribunal de 1.ª instância decidiu o seguinte: «Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e o pedido reconvencional parcialmente procedente, e, em consequência, decido: a) Absolver o réu CONDOMÍNIO DO CLUBE PRAIA ... - BLOCO I, do pedido formulado pela autora QUESTÕES & SUGESTÕES, LDA.; b) Condenar a autora/reconvinda a restituir ao réu/reconvinte a quantia correspondente à retribuição dos meses de julho a setembro de 2019, num total de € 9225 (nove mil duzentos e vinte cinco euros); c) Absolver a autora /reconvinda do restante pedido reconvencional. Custas a cargo das partes, na proporção do decaimento». 4. Inconformada, a Autora apelou, tendo o Tribunal da Relação decidido, sem qualquer voto de vencido, o seguinte: «Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida». 5. QUESTÕES & SUGESTÕES, LD.ª, na qualidade de Recorrente, tendo sido notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância, e com ele não se conformando, veio interpor recurso de revista ordinária, nos termos dos artigos 671.º, n.ºs 1 e 3, e 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC, em que peticiona a revogação do acórdão recorrido. 6. Tendo o réu nas suas contra-alegações de recurso suscitado a questão prévia da não admissibilidade da revista, a Relatora proferiu despacho a notificar a autora para se pronunciar sobre esta questão prévia, ao abrigo do artigo 655.º, n.º 2, do CPC, vindo, após ouvir a autora, a proferir despacho de não admissibilidade, por entender verificada a dupla conformidade impeditiva da admissão do recurso de revista. 7. Questões e Sugestões, Lda.ª, notificada da decisão singular de não admissibilidade do recurso de revista, por si interposto, veio apresentar reclamação para a Conferência, que aqui se considera integralmente transcrita, entendendo que as decisões das instâncias se basearam em fundamentação essencialmente diferente, peticionando que seja procedente a reclamação e substituída a decisão impugnada por outra que admita o recurso de revista ordinária. Cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação 1. O teor do despacho de não admissibilidade do recurso foi o seguinte: «O objeto da presente decisão é a resolução da questão de saber se a sentença do tribunal de 1.ª instância e o Acórdão da Relação adotaram uma fundamentação essencialmente distinta, ficando quebrada a dupla conformidade para o efeito de admissibilidade do recurso de revista geral. Vejamos: Entende a autora que o Tribunal da Relação entendeu que o ónus da prova dos requisitos de destituição da empresa de administração de condomínios cabia aos réus, enquanto a sentença do tribunal de 1.ª instância entendeu que essa destituição podia ser unilateral e sem necessidade de demonstração das motivações. O Tribunal da Relação desenvolveu o tema do ónus da prova, distinguindo o regime do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, sustentando que quando a administrador de condomínio é uma empresa especializada é sempre necessário alegar e provar que houve justa causa de destituição. Concluiu confirmando integralmente a sentença de 1.ª instância, ainda que com uma fundamentação parcialmente diferente. Já a sentença de 1.ª instância não abordou a questão do ónus da prova da justa causa para a destituição e aplicou apenas o n.º 1 do artigo 1435.º do Código Civil, sem o conjugar com o n.º 3 do mesmo preceito e sem distinguir consoante a exoneração se reporta a uma empresa ou a um dos condóminos, como fez o Tribunal da Relação. Todavia, a decisão foi exatamente a mesma, os factos que a sustentam também, o enquadramento jurídico foi idêntico: a interpretação do artigo 1435.º do Código Civil. As diferenças de fundamentação assinaladas pela recorrente não foram relevantes para a decisão de direito, têm o mesmo enquadramento jurídico-legal, e não se revestem de essencialidade, pois, na verdade, a sentença do tribunal de 1.ª instância foi muito sintética nos seus fundamentos, não se podendo afirmar que a sua posição de direito seja distinta, em aspetos essenciais, da posição assumida pelo Tribunal da Relação, que desenvolveu mais o tratamento a dar à questão de direito em causa. O que releva, para o efeito, é que os factos do caso demostram inequivocamente que ficou provada a existência de justa causa para a destituição (na questão essencial a decisão das instâncias foi igual), e que este Supremo não tem poderes para os modificar. Assim, qualquer que seja a posição adotada na querela desenvolvida pelo Tribunal da Relação sobre a diferença entre o alcance do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 1435.º, sempre se consideraria lícita a destituição da autora sem direito de indemnização, tal como decidiram as instâncias, não sendo claro, nem inequívoco que o fundamento tenha sido diferente, muito menos essencialmente diferente como exige a lei para considerar quebrada a dupla conformidade. Uma vez que a recorrente não interpôs, em via subsidiária, recurso de revista excecional, não se envia o processo para a Formação e decide-se não admitir o recurso de revista como revista geral ou ordinária». 2. Sustenta a reclamante que o despacho impugnado é contraditório nos seus termos na medida em que, por um lado, reconhece que o Tribunal da Relação apresenta uma fundamentação parcialmente distinta da aduzida na sentença, e, por outro, afirma que o enquadramento jurídico é idêntico. 3. Vejamos: Verifica-se uma dupla conforme nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, nos casos em que o acórdão da Relação confirma integralmente, sem voto de vencido, a decisão do tribunal de 1.º instância. O artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC dispõe o seguinte: «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.» 4. Não há dúvida nem carece de especial labor demonstrativo que o dispositivo do acórdão da Relação confirmou, integralmente e sem voto de vencido, a sentença apelada. Todavia, para apreciar acerca da existência ou não de dupla conformidade importa analisar se a sentença e o acórdão da Relação apresentam uma fundamentação idêntica ou essencialmente diferente, sendo que nesta última hipótese considera-se que fica quebrada a dupla conformidade e o recurso de revista é admissível. 5. Assim, para analisar a questão suscitada na presente reclamação – saber se a revista é inadmissível por dupla conformidade – importa indagar se a sentença do tribunal de 1.ª instância e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou integralmente a condenação do ora reclamante nos termos decididos pela sentença, utilizam para chegar à mesma decisão uma fundamentação essencialmente diferente (artigo 671.º, n.º 3, do CPC), de acordo como entendimento que a jurisprudência tem feito destes conceitos indeterminados. Ou seja, só estamos perante uma quebra dessa dupla conformidade se a sentença e o acórdão recorrido trilharam percursos jurídicos diversos, sendo irrelevantes as diferenças de pormenor ou a mera densidade ou desenvolvimento do discurso fundamentador. Assim, «Há fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada» (cfr. Acórdão de 31-05-2016 - Revista n.º 109/14.3T8CMN.G1.S1). «Para efeitos de verificação da dupla conformidade a que alude o art. 671.º, n.º 3, do CPC, deve considerar-se que as fundamentações são essencialmente diversas quando seguem percursos distintos, acolhendo raciocínios jurídicos diferentes, não quando divergem em pormenores ou em aspetos secundários, sem que se possa afirmar que seguiram linhas de pensamento autónomas» (cfr. Acórdão de 29-04-2021, Revista n.º 115/16.3T8PRG.G1.S1). A jurisprudência também destaca que a desconformidade entre as decisões tem de circunscrever-se à matéria de direito, não implicando a divergência no julgamento da matéria de facto, se não teve repercussão na análise das questões de direito, a discrepância decisória geradora da admissibilidade da revista ordinária (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2018, proc. n.º 2639/13.5TBVCT.G1.S1). 6. Regressando ao caso, comparemos então os fundamentos da sentença e do Acórdão do Tribunal da Relação. A questão central do processo residiu numa deliberação da assembleia de condóminos, que exonerou a administradora do condomínio das funções que vinha exercendo. O cerne da divergência que opõe as partes diz respeito ao pedido indemnizatório da administradora de condomínios, aqui recorrente, e ao cumprimento ou não do ónus da prova pelo réu da existência de justa causa para a exoneração da autora da administração do condomínio réu. 6.1. Quanto aos fundamentos de facto, o acórdão da Relação aditou à factualidade dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância o seguinte facto: «10-a5. Na ata dessa assembleia geral extraordinária de condóminos consta «no ponto Um, destituição com efeitos imediatos da administração de condomínio, o presidente da mesa fez uma exposição sobre as causas que levaram à convocação da assembleia extraordinária. Na assembleia foram enunciadas várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada». 6.2. O facto aditado não introduziu nada de inovatório na fundamentação, nem teve qualquer consequência relevante na análise da questão de direito, pois que se limitou a transcrever o que constava numa ata junto ao processo que se reportava à necessidade sentida pelos condóminos de destituir ou exonerar a empresa que administrava o condomínio, por incumprimento de deveres. Como esclareceu o próprio acórdão recorrido, tratou apenas de verter para a matéria de facto o que constava da ata, por se tratar de prova documental, que não tendo sido validamente impugnada, o tribunal sempre poderia considerar ao abrigo do disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC. 6.3. Em conclusão, o aditamento de um ponto à factualidade provada, que não teve reflexo na decisão final, com o objetivo de explicitar o conteúdo de um documento junto aos autos, que não foi impugnado, não é apto a descaraterizar a dupla conformidade. 6.4. Relativamente à matéria de direito, a decisão do acórdão recorrido baseou-se na aplicação do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, relativo à exoneração do administrador de condomínio, concluindo que o réu logrou demonstrar que houve justa causa para a exoneração, não tendo por isso de pagar qualquer indemnização: « (…) Nesse caso, mercê do n.º 3 do artigo 1435.º do CC, é claro que ao condómino incumbe o ónus de alegar e provar factualidade que integre qualquer um dos dois fundamentos que podem servir de base à possibilidade excecionalmente conferida pelo mencionado preceito, de exoneração contenciosa do administrador: a prática de irregularidades ou a atuação com negligência no exercício das funções que lhe foram cometidas, conforme previsto no segmento final do referido artigo legal A questão que os autos convocam, está em saber se, por não constar no n.º 1 do preceito idêntica exigência, a exoneração do administrador pela assembleia de condóminos é ou não livre. Na sentença recorrida, acolheu-se a posição expressa pelo réu condomínio de que, competindo aos condóminos, reunidos em assembleia, decidir a eleição e exoneração do administrador, “sem que a norma exija a necessidade de apresentação de qualquer fundamento”, já que só nas situações do n.º 3, “é que deve ser demonstrado fundamento para a exoneração, a justa causa, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções”. Nesse pressuposto, concluiu que no “caso dos autos, a assembleia deliberou, a deliberação não veio a ser impugnada e, por isso, tem-se como assente, sem que tenha surgido na esfera jurídica do réu a obrigação de indemnizar a autora”. Sendo certo que, aparentemente, a lei distingue ambas as situações, referindo a necessidade de invocação de justa causa para a destituição do administrador apenas nas situações em que a mesma não seja deliberada pela assembleia, e seja peticionada ao tribunal, a verdade é que, casos existem em que outros princípios do ordenamento jurídico, designadamente da liberdade contratual, eficácia dos contratos e boa fé, interpelam a uma interpretação que não se contenha dentro da literalidade do preceito e se adeque às distintas situações em presença, tratando de forma diversa o que é efetivamente diferente. Assim, a afirmação de que o administrador pode ser exonerado pela assembleia a qualquer tempo, sem necessidade de invocação de justa causa, não significa sempre que a exoneração sem justa causa não possa dar lugar a indemnização. Por outras palavras, uma coisa é a assembleia dos condóminos poder fazer cessar unilateralmente o mandato conferido ao administrador antes do seu termo, outra é que esse seja uma espécie de poder discricionário que nunca confere à contraparte, independentemente da sua qualidade, o direito a indemnização. (…) Com efeito, por exemplo, se o órgão executivo que decide da vida do condomínio, entender exonerar o administrador-condómino, que gratuitamente exerce essas funções, tomando validamente tal deliberação, considerando os seus poderes legalmente conferidos pelo n.º 1 do artigo 1435.º do CC, não se vislumbra que o não possa fazer, quando o entender, sem necessidade de invocar qualquer causa para essa manifestação de vontade e sem que incorra em qualquer obrigação de o indemnizar. Porém, se o administrador não for um condómino, mas antes, como ocorre na espécie, um terceiro ao condomínio, que exerça tais funções por lhe ter sido conferido esse mandato também no seu interesse, então já não cremos que tal princípio se aplique. Este é, aliás, o ensinamento que colhemos de ARAGÃO SEIA27, quando distingue os casos, enfatizando que “a assembleia pode deliberar livremente a exoneração do administrador-condómino, sem que tenha necessidade de alegar razões para o fazer, o que, convenhamos, não será muito normal. E pode fazê-lo na assembleia convocada para discussão e apreciação das contas como sanção para a má administração efectuada, sem que haja necessidade de a exoneração constar da ordem de trabalho; trata-se de uma sequência da prestação e aprovação ou não das contas. Quanto ao terceiro, se o mandato tiver sido conferido também no seu interesse – e é-o se se tratar de uma entidade especializada em administração de condomínios que, por isso, aufere remuneração, não pode ser revogado sem o seu acordo, salvo ocorrendo justa causa.” (o itálico de destaque é nosso) Trata-se precisamente da situação que ocorre no caso que nos ocupa, donde não sufragamos o entendimento acolhido na decisão recorrida, a este respeito, tornando-se, por isso, inútil a apreciação da questão da inconstitucionalidade do preceito interpretado no sentido de que a exoneração da administração do condomínio pela assembleia de condóminos, é sempre livre a todo o tempo e não dá lugar a indemnização, ainda que não ocorra justa causa. In casu, configurando a eleição da empresa autora, que leva a cabo a administração de condomínios profissionalmente, a concomitante celebração de um contrato de prestação de serviços, ao qual se aplicam, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o contrato de mandato, na modalidade de mandato oneroso, com representação (artigos 1154.º a 1156.º, 1158.º, n.º 2, todos do CC), contrato que estava vigente à data em que, por carta de 17.06.2019, o condomínio ora recorrido, comunicou à empresa ora recorrente, que por deliberação da assembleia extraordinária de condóminos, reunida no dia 18 de maio de 2019, havia deliberado a exoneração da autora da qualidade de administradora do condomínio, para a qual havia sido eleita pela assembleia de condóminos que teve lugar no dia 14 de dezembro de 2017, para exercer as referidas funções pelo período de cinco anos, com início no dia 1 de janeiro de 2018 e termo a 31 de dezembro de 2021, dúvidas não existem que com aquela exoneração fez cessar o contrato que vinculava ambas as partes unilateralmente antes do respetivo termo28. Consequentemente, tal como precisa o Conselheiro ARAGÃO SEIA nestas circunstâncias, “a exoneração pode ditar a obrigação de indemnização por parte do condomínio, pelo prejuízo que o terceiro vier a sofrer, nos termos do artigo 1172.º”, mais concretamente da sua alínea d), aplicável se a revogação proceder do mandante, e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que seja revogado sem a antecedência conveniente, salvo ocorrendo justa causa, conforme decorre do n.º 2 do artigo 1170.º, ambos do CC. Na espécie, a autora deduziu a pretensão de lhe serem satisfeitas pelo condomínio réu todas as retribuições que a mesma receberia se continuasse a exercer as suas funções até ao final do mandato, invocando apenas que a sua destituição foi deliberada sem justa causa ou fundamento. Por seu turno, na contestação, a Ré alegou um conjunto de factos que, a verificarem-se, integrariam a existência da justa causa, que afasta a obrigação de indemnizar a autora. Sabendo que não é pacífica a questão da distribuição do ónus da alegação e prova da factualidade atinente à existência de justa causa, cremos ser correta a distribuição efetuada pelas partes. Entende a autora que da ata não consta a factualidade da qual se extraia a existência de justa causa para a destituição. Porém, não cremos que, na perspetiva que temos da correta distribuição do ónus da prova, nos termos assinalados, tal tenha qualquer relevância. Com efeito, na ata da assembleia em que destituiu a autora, o condomínio fez constar a referência a que ali foram enunciadas «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada». Cremos ser bastante, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato. Não se conformando com a imputação genérica efetuada, a Autora, sem qualquer prejuízo para a sua posição jurídica, instaurou a ação com a simples menção acima reproduzida, devolvendo à ré, o ónus de alegação e prova da factualidade integrante da invocada justa causa. Vejamos, pois, se o réu logrou demonstrar factos que integrem o conceito de justa causa que, sendo um conceito indeterminado exige a aplicação valorativa do caso concreto, encontrando lugar paralelo que aponta o sentido da sua densificação no n.º 3 do artigo 1435.º, devendo, pois, o condomínio aduzir factualidade que demonstre que a administração exonerada praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções. (…) In casu, os comportamentos que podem fundar a existência de justa causa dão obviamente anteriores à deliberação, pelo que, com maior relevância, o condomínio réu alegou e provou os factos constantes dos pontos 26, 27, 29 e 30, dos quais decorre que, para além de não ter providenciado pela jardinagem, manutenção e segurança das partes comuns de forma considerada aceitável por parte dos condóminos, ocorrendo a entrada de estranhos do prédio, sem controlo, ainda mais impressivamente, a autora não providenciou pela existência de seguro do prédio, obrigação que, como já vimos sobre si impendia, e que assume a maior relevância, nomeadamente em caso de sinistro (veja-se o que dispõe o artigo 1428.º do CC). Acresce que, durante o período em que administrou o condomínio, a autora calculou as prestações isentando a condómina proprietária das frações designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, e “F” que representam 30,325, e celebrou contratos de trabalho sem termo que não foram aprovados pela assembleia de condóminos, nomeadamente assumindo a antiguidade de empregados, pelo menos, desde 2012, sendo que os mesmos exerciam funções também para os Blocos desde essa data. Significa esta factualidade, não apenas que a autora não cumpriu obrigações que sobre si impendiam (vg. a que decorre da alínea c) do artigo 1436.º, respeitante à verificação da existência do seguro), como extravasou as respetivas funções (cfr. artigos 1430.º e 1436.º do CC), isentando, sem deliberação da assembleia, o pagamento dos encargos de conservação e fruição (artigo 1424.º do CC), devidos por um dos condóminos, que detém mais de 30% da proporção do valor das frações, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 1424.º do CC, e assumindo encargos com a celebração de contratos de trabalho, que igualmente também não foram aprovados pela assembleia de condóminos. Ora, ao administrador do condomínio estão cometidas as funções elencadas no artigo 1436.º do CC e outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia. Não lhe tendo esta cometido à administradora assunção dos encargos em causa, que obrigam o condomínio futuramente, nem tendo deliberado a redução da receita, tal como decidida pela administração ao isentar de quotas condómino com tão elevada proporção nas partes comuns, violou de forma grave os deveres legais e contratuais que sobre si impendiam atenta a específica função exercida, de tal forma que não tornou inexigível ao condomínio a manutenção da relação contratual. Conclui-se, portanto, pela existência de justa causa de exoneração, que constitui facto impeditivo do direito de indemnização invocado pela autora, tornando consequentemente inútil apreciar se a sua alegação era ou não bastante à procedência da pretensão formulada. (…)» 6.5. Já a sentença do tribunal de 1.ª instância, como esclarece o acórdão recorrido, não se pronunciou sobre a existência ou não de justa causa para a exoneração, pois entendeu que este ato não carece de se basear em justa causa para ser lícito praticá-lo, não tendo por isso surgido na esfera jurídica da administradora de condomínio qualquer direito de indemnização: «Daqui resulta que compete aos condóminos, reunidos em assembleia (cuja regulação, incluindo quanto ao tempo, está prevista nos arts. 1431.º e 1432.º do Código Civil), decidir a eleição do administrador (neste caso, pelo período de cinco anos), mas também exonerá-lo, sem que a norma exija a necessidade de apresentação de qualquer fundamento. Considerando que existem regras para a aprovação de uma proposta e convertê-la em deliberação, pode suceder que, não sendo aprovada, qualquer um dos condóminos possa requerer a exoneração do administrador por outra via e aí, em minoria, qualquer condómino pode vir a Tribunal requerer a exoneração judicial do administrador. Só nesta situação é que deve ser demonstrado fundamento para a exoneração, a justa causa, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções – art. 1433.º, n.º 3. No caso dos autos, a assembleia deliberou, a deliberação não veio a ser impugnada e, por isso, tem-se como assente, sem que tenha surgido na esfera jurídica do réu a obrigação de indemnizar a autora». 6.6. Para apreender o sentido da fundamentação, é necessário proceder a uma interpretação dos fundamentos da sentença e do acórdão recorrido. Ora, confrontadas as fundamentações de direito das instâncias, verifica-se que ambas se reportam às consequências indemnizatórias do ato de exoneração da administradora de condomínio, tendo ambas decidido pela inexistência de qualquer indemnização. O tribunal de 1.ª instância baseou essa decisão no n.º 1 do artigo 1435.º do Código Civil e na circunstância de ninguém ter impugnado a deliberação de exoneração. Já o Tribunal da Relação, analisando com mais profundidade a questão, entendeu que a exoneração sem invocação de justa causa não significa sempre que a exoneração não possa dar lugar a indemnização, tendo optado por fundamentar a não concessão de qualquer direito de indemnização à autora na existência de justa causa para a exoneração nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, porque os factos integradores do conceito se encontram provados (pontos 26, 27, 29 e 30 da matéria de facto provada). Como se admitiu no despacho reclamado a fundamentação das instâncias é parcialmente distinta, pois que a sentença do tribunal de 1.ª instância bastou-se com a não impugnação da deliberação da assembleia de condóminos para que não tenha surgido qualquer indemnização na esfera jurídica da administradora de condomínio, enquanto o Tribunal da Relação exigiu justa causa e considerou que a matéria de facto dada como provada pela sentença integrava este conceito indeterminado. Mas não basta para afastar o obstáculo da dupla conforme impeditivo do recurso de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, que a sentença e o acórdão apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16-06-2016, proc. n.º 551/13.7TVPRT.P1.S1). A lei exige para considerar quebrada a dupla conformidade que essa diferença de fundamentação seja essencial, isto é, que se reporte a institutos jurídicos distintos ou a doutrinas inovatórias. Ora, no caso concreto, não estão em causa institutos jurídicos autónomos, nem normas ou interpretações normativas totalmente diversas. O que sucedeu foi que o acórdão recorrido desenvolveu, em termos doutrinários, a questão da exoneração da administração de condomínio, elencando várias hipóteses de solução e caminhos argumentativos distintos, enquanto a sentença, porque analisou de forma mais sumária a questão doutrinal, prescindiu de qualquer consideração de direito acerca da noção de justa causa, a qual, contudo, como afirmou o acórdão recorrido, resultava da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância. A diferença de fundamentação entre o tribunal de 1.ª instância e o acórdão recorrido não é essencial, se o acórdão recorrido decidiu negar a indemnização à autora, por ter entendido que da matéria de facto decorre que houve justa causa de exoneração da administradora de condomínio, nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, e a sentença, prescindindo de qualquer consideração de direito acerca da noção de justa causa (mas tendo fixado os factos integradores do conceito de justa causa), entendeu, com base no n.º 1 do artigo 1435.º do Código Civil, que a exoneração exercida através de deliberação da assembleia geral de condóminos, desde que não impugnada, não faz nascer na esfera jurídica da autora o direito de indemnização. 6.7. Assim, não pode afirmar-se que estamos perante um acórdão da Relação que «(…)se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância» (cfr. Acórdão 28-05-2015, proc. n.º 1340/08.6TBFIG.C1.S1). A esta luz, conclui-se que as diferenças assinaladas entre os fundamentos aduzidos pelas instâncias não se consideram essenciais. Não se justifica, pois, a quebra da dupla conformidade. 7. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC: I – O aditamento de um ponto à factualidade provada, que não teve reflexo na decisão final, com o objetivo de explicitar o conteúdo de um documento junto aos autos que não foi impugnado, não é apto a descaraterizar a dupla conformidade. II – Não basta para afastar o obstáculo da dupla conforme impeditivo do recurso de revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, que a sentença e o acórdão apresentem fundamentação diferente; exige-se que essa diferença seja essencial. III – A diferença de fundamentação entre o tribunal de 1.ª instância e o acórdão recorrido não é essencial, se o acórdão recorrido decidiu negar a indemnização à autora, por ter entendido que da matéria de facto decorre que houve justa causa de exoneração da administradora de condomínio, nos termos do n.º 3 do artigo 1435.º do Código Civil, e a sentença, prescindindo de qualquer consideração de direito acerca da noção de justa causa (mas tendo fixado os factos integradores do conceito de justa causa), entendeu, com base no n.º 1 do artigo 1435.º do Código Civil, que a exoneração exercida através de deliberação da assembleia geral de condóminos, desde que não impugnada, não faz nascer na esfera jurídica da autora o direito de indemnização. IV – Para apreender o sentido da fundamentação, é necessário proceder a uma interpretação dos fundamentos da sentença e do acórdão recorrido. III – Decisão Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado. Custas pela reclamante. Lisboa, 19 de dezembro de 2023 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Jorge Leal (1.º Adjunto) Manuel Aguiar Pereira (2.º Adjunto)
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 8782/19.0T8PRT.P1.S1 Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO Relator: ANA PAULA LOBO Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA HERDEIRO HERANÇA INDIVISA CESSÃO QUINHÃO HEREDITÁRIO FALECIMENTO DE PARTE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DECISÃO-SURPRESA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DIREITO DE DEFESA NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA OMISSÃO DE PRONÚNCIA Apenso: Data do Acordão: 16/11/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A DA RÉ; CONCEDIDA A REVISTA DOS AUTORES Sumário : I – Os herdeiros de um co-herdeiro falecido antes da partilha da primeira herança também gozam do direito de preferência na cessão de quinhão hereditário dessa 1.ª herança. II - O exercício do direito ao contraditório em processo civil, diferentemente do que ocorre em sede de procedimento administrativo não exige que seja enviado ao interessado um projecto de decisão que, posteriormente depois de rebatidos os argumentos da defesa possa ser convertido em decisão definitiva bastando a concreta referência à sua possível condenação como litigante de má fé porque tal lhe permite exercer o seu direito de defesa. Decisão Texto Integral: I – Relatório A. recurso de revista dos autores AA, BB, e CC apresentaram recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que consideram enfermar de erro de direito tendo, para o efeito, apresentado alegações que terminam com as seguintes conclusões: I – Da Nulidade do Acórdão A - Por omissão de pronúncia 1. O Tribunal a quo apreciou a questão de litigância de má-fé por parte dos 1º, 2º e 3º Réus. 2. O Tribunal a quo considerou reprovável o comportamento processual deste Réus, tanto em Primeira Instância, como na Segunda Instância. 3. Contudo, olvidou-se de pronunciar-se e decidir sobre o pedido de indemnização formulados pelos Autores num valor nunca inferior a 10.000,00€, com vista ao reembolso parcial das despesas tidas, incluindo honorários de advogados. 4. Os AA pediram tal condenação em sede de Réplica, em tempo e lugar oportuno. 5. Certamente, por equívoco, o Tribunal a quo não se apercebeu de tal pedido formulado; não se pronunciando e decidindo, assim, sobre tal pedido. 6. Verifica-se haver uma omissão de pronúncia do Tribunal de Relação quanto a este pedido de indemnização peticionado pelos Autores; omissão essa que conduz à nulidade do Acórdão; nulidade essa que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, conforme art. 615º, nº 1, al. d), do CPC. B - Por excesso de pronúncia 7. O Tribunal a quo apreciou uma questão que não foi suscitada pelo Tribunal de Primeira Instância, não foi suscitada pelos Réus, tão pouco foi suscitada em sede de alegações de recurso apresentadas pelos Réus. 8. O Tribunal a quo ao pronunciar-se sobre a questão da qualidade ou não de herdeiros dos Autores AA e BB, por via de representação ou não, levantou uma questão não suscitada pelas partes e não objeto de recurso. 9. Nos presentes autos, encontram-se, ora na qualidade de Autores, ora na qualidade de Réus, todos os herdeiros, sucessores dos inventariados. 10. Por confissão dos Réus, foi aceite e reconhecido por todos os herdeiros das referidas heranças e Ré VJET que o AA, a BB e a DD estão em representação do pai EE nas heranças abertas por óbito da Exma. Sra. D. FF e do GG. 11. Perante tal confissão, não poderia, agora, o Tribunal da Relação colocar e decidir tal questão de qualidade de herdeiros dos Autores AA e BB, por via de representação do pai. 12. Verifica-se que o Tribunal a quo conheceu de questão que não poderia tomar conhecimento. 13. Verifica-se haver um excesso de pronúncia do Tribunal de Relação. 14. Tal excesso de pronúncia conduz à nulidade do Acórdão; nulidade essa que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, conforme art. 615º n 1 al d) do CPC II – Do Reconhecimento do direito de ação de direito de preferência dos Autores AA e BB 15. O Tribunal de Primeira Instância reconheceu integralmente o direito dos Autores, incluindo os Autores AA e BB, no exercício de direito de preferência sobre os quinhões cedidos objetos da presente demanda. Acontece que, 16. O Acórdão do Tribunal da Relação do ..., objeto do presente recurso, revogou em parte tal decisão no que concerne ao exercício de direito de preferência do AA e BB, não reconhecendo o direito por eles exercido. 17. Só que, ao decidir desta forma, o Tribunal a quo não fez o correto enquadramento jurídico, decidindo, erroneamente, de direito. 18. Num processo de inventário, quem sucede ao inventariado são herdeiros ou legatários. 19. No caso dos autos, os Autores AA e BB não são legatários; pelo que, são, na verdade, herdeiros. 20. E, são herdeiros, independentemente, da forma como foram chamados à sucessão. 21. Tendo a qualidade herdeiros, os Autores AA e BB podem exercer o direito de preferência sobre os quinhões vendidos a terceiros estranho a herança. De referir ainda que, 22. É consabido que o objetivo de tal direito de preferência fundamenta-se no propósito de evitar a dispersão dos bens que constituam a herança e de impedir que o património hereditário vá para outras pessoas que não os próprios herdeiros. 23. Tal propósito e direito é, de resto, um princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico. 24. Tal propósito e direito têm razões ou condicionalismos de ordem cultural, social e política lhe foram assegurando uma vida longa nas legislações de inspiração romanista, e entre as quais se encontra a nossa. 25. E, quem pode exercer tal direito são os herdeiros e não herança indivisa. 26. Ou seja, tal direito pode ser exercido individualmente pelos Autores AA e BB ou em conjunto, não podendo é ser exercido pela herança indivisa do pai deles. 27. E, foi isso que foi feito nos presentes autos. Sem prescindir, 28. Ao não ser assim entendido, seria negar um direito e uma possibilidade destes herdeiros, netos do inventariado, a hipótese de conservar o património na família, o que contraria a essência e o espírito vertido no art. 2130º do CC. 29. Pelo que, a haver dúvidas, deverá ser feito uma interpretação extensiva do referido normativo por forma a ser respeito a vontade do legislador. 30. Interpretação extensiva já feita pelo STJ em questão semelhante quando reconhece o direito dos co-herdeiros em exercer o direito de preferência da meação do cônjuge sobrevivo. 31. Neste caso concreto, a meação do cônjuge não é património da herança; contudo, no Espírito de conservar o património na família, é reconhecido aos herdeiros direito de preferência desta meação própria do cônjuge sobrevivo quando a mesma é vendida à estranho. 32. Ou seja, e por outras palavras, o direito de preferência dos co-herdeiros estende-se, também, à alienação que o cônjuge sobrevivo faça (a estranhos) do seu direito à meação. 33. Ora, de tudo o que ficou exposto, resulta claro que o Acórdão de fls. apreciou mal esta questão de direito que se lhe deparou. 34. O Tribunal a quo violou os ditames da lei insertos 615º n1al d) do CPC, não se pronunciando sobre um pedido formulando pelos Autores e pronunciando em excesso; o que conduz a nulidade do Acórdão. 35. O Tribunal a quo violou os ditames da lei insertos nos arts. 2130º, 1409º, 2030º, 2039º, 2042º e 9º todos do CC. 36. Da leitura e interpretação conjunta destes normativos, resulta clara que podem os Autores AA e BB, netos da inventariada FF, exercer tal direito de preferência na venda de quinhão dos tios (1º e 2º RR) a terceiro estranho à herança (3º R); e, ao exercer tal direito, fazem-no para conservar o património na família, evitando a entrada de estranho como Ré VJET. Nestes termos, Requer-se a Vossas Excelências se dignem: 1 - Julgar nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo ao abrigo do disposto no art. 615.º n.º 1 al. d) do CPC por omissão e excesso de pronúncia; E, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, 2 - Julgar procedente o presente recurso, substituindo a decisão proferida pelo Tribunal a quo por outra que reconheça o efetivo direito de preferência aos Autores AA e BB na cessão dos seguintes quinhões hereditários: - Quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua avó FF, cedido pelo 1º Réu à 3ª Ré, pelo preço de 62.500,00€, por escritura pública no dia 28 de Novembro de 2018, no Cartório Notarial da Dra. HH, sito na ...; - Quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua avó FF, cedido pela 2ª Ré à 3ª Ré, pelo preço de 62.500,00€, por escritura pública no dia 28 de Novembro de 2018, no Cartório Notarial da Dra. HH, sito na ..., – Condenando os Réus a isso ver ser decretado; - Condenando a 3ª Ré a ver-se substituída pelos 2ºe 3º Autores nas versadas cessões de quinhões hereditários, devendo ser adjudicados, atribuídos e reconhecidos o direito de propriedade a favor dos 2º e 3ª Autores sobre os respetivos quinhões hereditários, nos termos supra exercidos, com as suas legais consequências. A ré VJET - Invest, S.A., apresentou contra-alegações ao recurso de revista apresentado pelos autores que encerram com as seguintes conclusões: 1. Deve ser declarado procedente o incidente de valor e atribuído ao recurso o valor de € 125.000,00. 2. Não existe qualquer omissão de pronúncia, já que o pedido de indemnização formulado pelos Autores/Recorrentes, referente a alegada má-fé da Recorrida, não foi declarado procedente em 1.ª Instância e os Autores não arguiram a nulidade nem recorreram de tal decisão; 3. E tampouco requereram a condenação da Recorrida como litigante de má-fé, na sequência do recurso que esta ofereceu para o Tribunal da Relação. 4. E o Tribunal da Relação condenou a Recorrida como litigante de má-fé na sequência de tal recurso, e não pelo alegado na 1.ª Instância. 5. Por conseguinte, não pode aproveitar aos Recorrentes o pedido de condenação como litigante de má fé da Ré/Recorrida por eles formulado em 1.ª instância, pois que a condenação em que a Ré/Recorrida veio a incorrer ocorreu a título oficioso e apenas em 2.ª instância. 6. Verifica-se a autoridade de caso julgado em relação ao pedido que os Recorrentes formularam de condenação da Ré/Recorrida como litigante de má-fé, não podendo os Recorrentes aproveitar a condenação oficiosa que o venerando Tribunal da Relação decidiu promover, em relação ao articulado de recurso, para repristinar ou fazer retroagir o seu pedido a tal condenação. 7. Mas se não se verificar a autoridade de caso julgado, pelo menos em relação a tal pedido que os Recorrentes formularam existe o trânsito em julgado desse segmento decisório. Sem prescindir, 8. Tampouco se verifica qualquer excesso de pronuncia, quando o Tribunal da Relação decide de direito pela ausência de verificação da qualidade de herdeiros nos Recorrentes. 9. Perante uma questão de conhecimento oficioso, o tribunal terá de a conhecer mesmo que ela não tenha sido abordada na decisão recorrida (certo é que se o não foi, devia ter sido, a menos que se trate de questão superveniente) nem tenha sido alegada na impugnação. 10. A falta de verificação da qualidade de herdeiro e, por isso, da legitimidade dos Recorrentes para o exercício do direito que se arrogam, enquadra-se em tais questões do conhecimento oficioso. Sem prescindir, 11. Os Recorrentes pretendem que lhes deve ser reconhecido o direito, por alegadamente a Recorrida ter confessado o que eles alegaram. 12. Tal afirmação é falsa, pois que a Recorrida aceitou a relação familiar das partes, mas desde o início impugnou que a herdeira DD pudesse figurar na ação como Ré, já que mantinha, ou poderia manter, um interesse paralelo ao dos Autores. 13. De resto, nunca compreendeu a Ré/Recorrida que a ação e o correspondente pedido tivessem sido formulados contra aquela herdeira, pois que nenhum pedido podia ser dirigido, ou foi dirigido, contra a mesma. 14. E o acórdão da Relação do Porto veio conceder razão, ainda que com diversos fundamentos jurídicos, à Ré/Recorrida. 15. Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha. 16. E, por tal motivo, não são titulares do direito de preferência. 17. Não existe, por isso, qualquer violação do direito na decisão recorrida. *** B - recurso de revista da ré – VJET - Invest, Empreendimentos Imobiliários, S.A. Vjet – Invest, Empreendimentos Imobiliários, S.A., apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que a condenou como litigante de má-fé tendo, para o efeito, apresentado alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1. A condenação da Ré como litigante de má-fé em 2.ª Instância ocorre com fundamentos confusos e inexistentes e que estava vedado ao Tribunal de recurso conhecer. 2. O Acórdão recorrido violou o disposto ao artigo 615.°, n.°l, alínea d), por remissão do artigo 666.°, ambos do C.P.C. 3. O Acórdão recorrido violou ainda, na sua interpretação e aplicação, o disposto ao artigo 609.°, n.°l do C.P.C., excedendo os limites da condenação ao seu alcance. 4. O Tribunal de l.ª Instância, ao qual havia sido submetida a questão da eventual condenação da Ré como litigante de má-fé, com fundamento em atuação substantiva relacionada com a dedução de oposição infundada, assim não a julgou. 5. Tendo tal questão sido definitivamente julgada na l.ª Instância, e não tendo sido objeto de recurso por banda da contraparte, estava vedado à 2.ª Instância "ressuscitar" tal questão. E muito menos interpretá-la como se de uma "reincidência" se tratasse. 6. Acresce que a Ré foi notificada para se pronunciar sobre a questão de uma eventual litigância de má-fé no recurso, mas tal não configura o cumprimento do contraditório, já que tendo a questão sido suscitada pela primeira vez na referida instância, após uma decisão que não havia conhecido de tal má-fé, havia necessidade de ter sido esclarecido à Ré qual a pretensão subjacente, e em que assentava, para que ela pudesse ter oferecido defesa conveniente. 7. Estava a Ré longe de imaginar que os Venerandos Desembargadores iriam - sem que tal tivesse sido colocado à sua apreciação - contornar o segmento decisório que não condenou a Ré em 1.ª Instância, e cominar-lhe tal sanção criminal em 2.ª Instância, desrespeitando tal princípio do contraditório ou acusação. 8. A Ré foi condenada por uma atuação, depois de ter sido absolvida por essa mesma atuação, o que se traduz na violação da garantia do processo equitativo e conduz à inexistência jurídica do Acórdão recorrido, nessa parte da condenação da Ré como litigante de má-fé, tendo-se verificado a violação do disposto ao artigo 20.º, n.º4 da CRP.. Sem prescindir, 9. Existe caso julgado parcial do segmento decisório que não condenou a Ré como litigante de má-fé pela sua atuação substantiva e processual em 1.ª Instância. 10. Se a Ré já tinha sido absolvida, ou pelo menos não tinha sido condenada, com fundamento nos factos e argumentação que ofereceu na sua defesa em Primeira Instância, não podia em Segunda Instância ser alterada tal decisão, já transitada, e condenar-se a mesma com o fundamento que estava a repetir tal defesa; defesa essa que não lhe havia gerado qualquer condenação ou cominação em 1.ª Instância. 11. Quando assim não se entenda, sempre deverá julgar-se prejudicado o direito de a 2.ª Instância alterar a decisão da 1.ª instância, relativamente a factualidade e atuação que não tinha sido censurada naquela 1.ª instância e que não tinha sido colocada à reapreciação da 2.ª Instância. 12. Estes mesmos factos, essa mesma putativa intenção e motivação, que não foram suficientes ou adequados a alcançar a condenação da Ré como litigante de má-fé na primeira instância, conduziram a que os Venerandos Desembargadores a condenassem em Segunda Instância. 13. A sanção aplicada pela 2.ª Instância à Ré pretende condená-la por uma atuação substantiva que em 1.ª Instância foi julgada definitivamente como inexistente. 14. Foram assim violadas as seguintes normas jurídicas: Artigo 542.º do C.P.C. Artigo 615.º, n.º1, do C.P.C., por e remissão do artigo 666.º do C.P.C. Artigo 609.º do C.P.C. Artigo 3.º, n.º3 do C.P.C. Artigo 20.º, n.º4 da C.R.P. TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, na procedência do recurso, deve o douto Acórdão recorrido ser revogado, na parte em que condenou a Ré como litigante de má-fé. Os autores não apresentaram contra-alegações. * I.2 – Questões prévias 1.2.1 - Admissibilidade do recurso O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, do Código de Processo Civil quanto ao recurso interposto pelos autores e ao abrigo do disposto no art.º 542.º, n.º 3, também do Código de Processo Civil quanto ao recurso interposto pela ré. * 1.2.2 – Valor do recurso de revista Nos termos do disposto no art.º 12, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso. A ré recorrente indicou, nas suas alegações, como valor do recurso: € 2.550,00 (Dois mil, quinhentos e cinquenta euros). Nas contra-alegações a mesma ré indicou que “apesar de os autores atribuírem ao recurso o valor da acção este impende sobre a parte da sentença que absolveu a Recorrida do pedido formulado pelos aqui Recorrentes, que ascende a metade do valor total da ação, ou seja, que ascende a € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), já que na outra metade a Autora CC obteve procedência de causa. Por conseguinte, ao recurso deve ser atribuído o valor de € 125.000,00 e não o valor de € 250.000,00.” No despacho saneador, proferido em 15 de Junho de 2021 decidiu-se que: “Fixo à presente acção o valor de [250 000,00 + 300 000,00 =] € 550 000,00 - artigos 297º, 299º, 301º e 306º, todos do Código de Processo Civil.“ O primeiro valor 250 000,00€ correspondia ao valor indicado pelos AA, e o valor de 300 000,00€ ao valor indicado para a reconvenção. O pedido reconvencional foi julgado improcedente, não sendo objecto de revista. A sucumbência, no que ao direito de preferência diz respeito corresponde a 125 000,00€ - cessão de dois quinhão hereditários da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua avó FF, pelo preço unitário de 62.500,00€ - por o Tribunal da Relação ter julgado o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogado a sentença recorrida na parte em que reconheceu e condenou nos efeitos do direito de preferência dos autores AA e BB na cessão dos quinhões na herança aberta por óbito da avó FF, absolvendo os réus do pedido nesta parte. Tendo sido confirmada a sentença, no mais, isso significa que se mantém reconhecido e operante o direito de preferência da 1ª Autora CC na cessão dos seguintes quinhões hereditários: - Quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu avô GG, cedido pelo 1º Réu, II, à 3ª Ré, Vjet – Invest – Empreendimentos Imobiliários, S. A., pelo preço de Euros 62.500,00, por escritura pública no dia 28 de Novembro de 2018, no Cartório Notarial da Dra. HH, sito na ...; - Quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu avô GG, cedido pela 2ª Ré, JJ, à 3ª Ré, Vjet – Invest – Empreendimentos Imobiliários, S. A, pelo preço de Euros 62.500,00, por escritura pública no dia 28 de Novembro de 2018, no Cartório Notarial da Dra. HH, sito na .... Quanto ao recurso apresentado pela ré que tem por objecto a sua condenação como litigante de má fé, como o valor da unidade de conta processual, prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, para o ano de 2023 corresponde a 102,00€ e a multa aplicada são 25 UC’s. {25 UC’s X 102,00€ = 2 550,00€}, tal corresponde ao valor de 2 550,00€. Pelo exposto fixa-se o valor do recurso de revista apresentado pelos autores em 125 000,00€ e o valor do recurso de revista apresentado pela ré em 2 550,00€. * I.3 – O objecto do recurso Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões: 1. Nulidade por omissão de pronúncia 2. Nulidade por excesso de pronúncia. 3. Direito de preferência dos autores. 4. Condenação da ré como litigante de má-fé * I.4 - Os factos O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos: 1. No dia ... de Janeiro de 2005 faleceu FF, casada com GG, sob o regime de comunhão geral de bens, em primeiras e únicas núpcias de ambos, com última residência na .... 2. No dia ... de Agosto de 2016 faleceu GG, no estado de viúvo de FF, com última residência na Rua ..., .... 3. Do matrimónio de ambos resultou três filhos, a saber: II, aqui 1º réu; JJ, aqui 2º ré; EE. 4. A falecida FF não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, 5. Tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seus filhos II, JJ, EE e seu marido GG. 6. O falecido GG deixou testamento, lavrado no Cartório Notarial do Dr. KK, sito no ..., no dia ... de Abril de 2011, nos termos do qual institui herdeira da quota disponível da sua herança, a sua neta, CC, aqui 1ª autora, 7. Tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seus filhos II, JJ, EE e a sua neta CC, tudo conforme certidão de habilitação de herdeiros e certidão de testamento juntos cfr. doc. 1 e 2. 8. No dia ... de Setembro de 2018, faleceu EE, no estado de divorciado, com última residência na Rua Padre ..., .... 9. Do matrimónio tido, resultaram três filhos, a saber: EE, aqui 2º autor; BB, aqui 3ª autora; DD, aqui 4ª ré. 10. O falecido EE não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seus filhos EE, BB, DD, conforme certidão de habilitação de herdeiros junta sob doc. 3. 11. Sucedendo, desse modo, o EE, a BB e a DD em representação do pai EE nas heranças abertas por óbito da FF e do GG. 12. As heranças abertas por óbito da FF e do GG encontram-se por partilhar e, assim, indivisas. 13. A herança dos falecidos é composta pelos seguintes imóveis: a) urbano inscrito na matriz sob o artigo 5951 da freguesia de ..., ..., concelho de ...; b) rústico inscrito na matriz sob o artigo 108 da freguesia de ..., concelho de ...; c) quotas sociais na sociedade R..., Lda.., pessoa colectiva n.º ... ... .20, da qual faz parte o urbano inscrito na matriz sob o artigo 3051 da freguesia de ..., ..., ..., ..., ..., concelho do .... 14. Por escritura pública, celebrada no dia 28 de Novembro de 2018, no Cartório Notarial da Dra. HH, sito na ..., o 1º réu II e a 2ª ré JJ venderam à 3ª ré VJET quatro quinhões hereditários das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF e de GG, de que eram titulares. 15. Mais concretamente, o 1º réu vendeu à 3ª ré o quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua mãe FF. 16. O 1º réu vendeu à 3ª ré o quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai GG. 17. A 2ª ré vendeu à 3ª ré o quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da sua mãe FF. 18. A 2ª ré vendeu à 3ª ré o quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai GG. 19. A venda de cada quinhão foi pelo preço de Euros 62.500,00, que foram pagos pela 3º ré aos 1º e 2ª réus, por transferência bancária no dia da celebração da escritura pública, tudo conforme escritura pública de cessão de quinhões hereditários junta como doc 4. 20. Os 1º, 2º e 3º réus não deram conhecimento aos restantes herdeiros, aqui autores, dessa intenção e visada cessão, designadamente do preço de venda, da identificação do adquirente, das condições de venda, da data prevista para escritura, por forma a que os co-herdeiros, entre eles a 1ª e o 2º e 3º autores, pudessem, oportunamente, exercer o seu direito de preferência. 21. Somente, no dia 11 de Dezembro de 2018, após a recepção de carta remetida pela 3ª ré ao 2º autor, este tomou conhecimento das referidas cessões de quinhões hereditários, à qual foi anexa a escritura pública, cfr. doc. 5. 22. E, posteriormente, deu conhecimento às suas irmãs e à 1ª autora, co-herdeiras dessas heranças abertas. 23. O autor AA, em 20 de Fevereiro de 2019, prometeu ceder o seu quinhão hereditário à empresa “P..., Unipessoal, Lda”, com o número de pessoa colectiva nº .......28, com sede na ..., sendo gerente da referida empresa LL, residente na Rua das ..., .... 24. Tendo estabelecido que o preço de compra e venda a pagar pela promitente compradora seria de €70.000,00, sendo pago na data do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de €10.000,00 e a parte remanescente de €60.000,00 será paga no acto da escritura pública de compra e venda, vide contrato promessa junto aos autos a fls. 418. 25. Em 7 de Dezembro 2020 as aludidas partes declararam revogar o aludido contrato promessa, vide Revogação de Contrato Promessa de Compra e Venda de Quinhão Hereditário de fls. 427. 25-A Após isso, em 29 de Janeiro de 2021, os autores AA e CC outorgaram escritura pública intitulada «cessão de quinhão hereditário» na qual aquele declarou vender e esta declarou comprar os quinhões hereditários de que aquele era titular nas heranças abertas por óbito dos avós, pelo preço de €70.000. 26. Os réus procederam à rectificação do preço, através de escritura pública de 5 de Junho de 2019, e ao pagamento dos competentes impostos devidos ao Estado pela transmissão pelo correspondente preço de €550.000,00, conforme doc. 1 e 2 da contestação. 27. Consta do doc. 3 da contestação que: No dia 28 de Novembro de 2018 o 1º réu, por si e em representação da 2.ª ré, celebram um acordo com a 3.ª ré, denominado “contrato sob condição”, subordinado às seguintes cláusulas: «Contrato sob condição Outorgantes: Primeiro: II, divorciado, natural da freguesia de ..., concelho do ..., com residência habitual na Rua ..., nº 144, R/C, na ..., contribuinte n.º .......10, CC n.º ......55 0ZY0 válido até 16/06/2021; Intervém por si e na qualidade de procurador de: JJ, divorciada, natural da freguesia de ..., concelho do ..., com residência habitual na Rua Padre ..., nº ..., ..., contribuinte nº .......08, no uso de poderes conferidos por procuração que é anexa a este contrato Segunda: VJET- INVEST- Empreendimentos Imobiliários, SA, pessoa colectiva nº .......70, com sede na Rua ..., sala 2, ..., aqui representada por MM, solteiro, maior, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente no lugar de ..., em ..., concelho de ..., portador do CC n.º ......74 3ZY8, válido até 24/10/2027, e com poderes para o acto; Primeira O primeiro outorgante, e a sua representada, são donos dos quinhões hereditários que compõem as heranças ilíquidas e indivisas aberta por óbito de seus pais, FF, que também usava FF e FF, e marido GG, que eram residentes na Rua ..., habitação 03, na cidade do ...; faleceram, respectivamente, em ... de Janeiro de dois mil e cinco e em ... de Agosto de dois mil e dezasseis; foram casados um com o outro em únicas núpcias e no regime de comunhão geral de bens. O autor da herança, GG, deixou testamento público, outorgado em quatro de Abril de dois mil e onze, exarado a folhas cento e sete, do livro quatro-T, do notário NN, com cartório na cidade do ..., no qual institui herdeira da quota disponível da sua herança a sua neta, CC, que também usa CC. Segunda As heranças, com os números de identificação fiscal 745.377.262 e 743.547.373, são compostas actualmente pelos seguintes imóveis: a) Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 5951, da freguesia de ..., concelho de ...; b) Prédio Rústico inscrito na matriz sob o artigo 108 da freguesia de ..., concelho de ...; c) Quotas sociais na sociedade R..., Lda., pessoa colectiva nº 503.607.720, já dissolvida, mas ainda não liquidada, da qual faz parte o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3051, da freguesia ... Nicolau e Vitória, concelho do ...; Terceira Nesta data, de vinte e oito de Novembro de dois mil e dezoito, o primeiro outorgante irá celebrar com a segunda outorgante escritura de cessão dos referidos quinhões hereditários, atribuindo a cada um de tais quinhões o preço de sessenta e dois mil e quinhentos euros. Quarta 1.- Os outorgantes acordam que é condição essencial do preço atribuído à cessão de quinhões, que nesta data irão celebrar, a condicionante construtiva imposta pela Câmara Municipal ..., desde Julho de dois mil e dezoito, para o prédio que compõe as quotas da sociedade dissolvida, mas ainda não liquidada, da herança, inscrito na matriz sob o artigo 3051, da freguesia de ... Nicolau e Vitória, do concelho do ..., sito à ..., que determina que fracções com área inferior a cinquenta e dois metros quadrados apenas sejam autorizadas e licenciadas na construção, desde que sejam criados e associados às mesmas lugares de estacionamento. 2.- Em virtude de tal condicionante camarária, e porque a mesma restringe a capacidade construtiva do dito edifício, não podem ser projectadas e/ou desenvolvidas mais do que uma fracção de tipologia T-2 ou T-1+1, em cada piso, e com a necessidade de remodelar completamente o edifício, relocalizando e reestruturando a caixa de escadas e criando uma caixa de elevadores. Quinta Os outorgantes aceitam, e acordam reciprocamente entre si, que caso venha a ser alterada esta condicionante construtiva, ou confirmado que a mesma não é imposta pela Câmara Municipal ...; ou ainda, caso a segunda outorgante venha a obter o licenciamento e autorização de construção de mais do que uma fracção por piso, e com as dimensões mínimas necessárias, de forma a não ser obrigatória a criação de aparcamentos, o preço de cada quinhão hereditário será alterado de sessenta e dois mil e quinhentos euros para cento e trinta e sete mil e quinhentos euros, cuja diferença, no montante de setenta e cinco mil euros por cada quinhão, a segunda outorgante se obriga a pagar ao primeiro outorgante. Sexta 1.- No caso de se verificar a condição prevista na cláusula anterior, o primeiro outorgante poderá exigir da segunda outorgante o pagamento do remanescente do preço. 2.- Caso não acordem na forma e prazo de pagamento do referido remanescente do preço, assiste o direito à segunda outorgante de proceder ao seu pagamento ao primeiro outorgante no prazo máximo de dois anos a contar da data em que vier a confirmar-se que não existe a condicionante construtiva camarária que à presente data consideram verificar- se, ou a partir da data em que vier a ser licenciado ou autorizado um qualquer instrumento administrativo camarário para realização de obras no referido prédio que consagre tais alterações construtivas, de criação de mais do que uma fracção em cada piso, ou a inexistência de imposição camarária de criação de lugares de estacionamento para fracções com menos de cinquenta e dois metros quadrados. 3.- Caso por qualquer motivo a segunda outorgante não vier a proceder a tal pagamento ao primeiro outorgante, ou não alcançarem acordo sobre a forma e modo do mesmo, assiste ao primeiro outorgante o direito a resolver o contrato de cessão de quinhões hereditários que nesta data irá celebrar, reavendo o primeiro outorgante para si os quinhões cedidos, contra a devolução, à segunda outorgante, do preço de sessenta e dois mil e quinhentos euros que ele irá receber por cada um deles. Sétima Este contrato, assim como a escritura de cessão de quinhões hereditários, que hoje será celebrada, é feito por preço global, sendo que em caso de anulação ou resolução da venda de um dos quinhões, todos os demais serão anulados e/ou resolvidos. Por corresponder à sua vontade, assim o declararam. Feito na P.... .. ......, ao 28 de Novembro de 2018. Os primeiros outorgantes: A 3.ª ré, conforme acima declarado, comprometeu-se a pagar aos 1.º e 2.º réus o remanescente do preço, no montante de €75.000,00 (…) para cada quinhão, e por forma a perfazer o total de €550.000,00 (…), caso viesse a confirmar a capacidade construtiva do prédio que compõe as quotas da sociedade dissolvida, mas ainda não liquidada, da herança, inscrito na matriz sob o artigo 3051, da freguesia de ..., ..., ..., ..., ..., do concelho do ..., sito à Praça ... ....» 28. Entretanto, a 3ª ré ajustou com os 1.º e 2.º réus que tal remanescente de preço, corrigido em relação ao preço originário, seria pago da seguinte forma: - €85.000,00 (…) através da assunção da dívida que o primeiro outorgante, II contraiu perante OO e mulher PP, garantida por hipoteca celebrada no cartório notarial da Dra. HH em 18 de Dezembro de 2018, divida essa assumida em 9 de Abril de 2019; - €215.000,00 (…) através da entrega de 10 cheques, com os seguintes montantes e datas de pagamento: - €25.000,00 (…) cheque nº ........34 com data de vencimento o dia 05/06/2019 - €25.000,00 (…) cheque nº ........31 com data de vencimento o dia 05/07/2019 - €25.000,00 (…) cheque nº ........28 com data de vencimento o dia 05/08/2019 - €25.000,00 (…) cheque nº ........25 com data de vencimento o dia 05/09/2019 - €25.000,00 (…) cheque n.º ........22 com data de vencimento o dia 05/10/2019 - €30.000,00 (…) cheque n.º ........19 com data de vencimento o dia 05/11/2019 - €30.000,00 (…) cheque n.º ........16 com data de vencimento o dia 05/12/2019 - €30.000,00 (…) cheque n.º ........13 com data de vencimento o dia 05/01/2020. 29. Tendo a 3ª ré iniciado o seu pagamento, através de prestações mensais de €15.000,00 cada, que realizou em 30 de Abril de 2019, 29 de Maio de 2019 e 01 de Julho de 2019, e entregou aos 1.º e 2.º réus os cheques, de que já foi liquidado o primeiro, com o nº ........34, em 05 de Junho de 2019, debitado em 14 de Junho de 2019, conforme DOC.4, 5, 6, 7 e 8 da contestação. 30. O réu II comunicou ao Município ... se pretendia exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel sita na Praça ..., no ..., em virtude de este imóvel se situar em local classificado como de “Interesse Público”, 31. Tendo esta entidade por carta datada do dia 23/10/2018 referido que não estava interessada na aquisição do imóvel, conforme carta junto sob doc. 2 da contestação. 32. Em 12/11/2018, através de carta, o réu II, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FF de GG, notificou a autora- CC, para enviar cópia do contrato de arrendamento que havia celebrado com a empresa “R..., Lda.”, a fim de verificar a legitimidade daquela ocupar a fracção, conforme doc. 3. 33. A autora CC não enviou o contrato solicitado. 34. Os autores só tomaram conhecimento dos “acordos” com a notificação das contestações, nos presentes autos. 35. Quando os autores tomaram conhecimento da escritura pública de compra e venda do dia 28 de Novembro de 2018, em nenhum momento foi comunicado pelos réus II, JJ e Vjet a existência da agora “condição”, comunicando somente a concretização da compra e venda dos quinhões pelo valor global de Euros 250.000,00 e qual tal valor já tinha sido pago. 36. A primeira comunicação foi feita pelo réu II aos AA, verbalmente, nos dias seguintes à realização da escritura pública de compra e venda dos quinhões, em que comunicou a venda pelo preço global de Euros 250.000,00, nada falando sobre o “contrato sob condição”, tão pouco sobre a possibilidade do preço da venda acrescer mais do dobro. 37. Só mais tarde, com o recebimento da carta com data de 10 de Dezembro de 2018, enviada pela ré Vjet, é que os autores tomaram conhecimento efectivo de todas as condições do negócio. 38. E nessa comunicação, agora escrita, nada foi falado sobre o alegado “contrato sob condição”, sobre a possibilidade de o preço da venda acrescer mais do dobro, tão pouco, foi junto o tal “contrato sob condição” à referida carta, em que tinha sido junto a escritura pública de compra e venda do dia 28 de Novembro de 2018. 39. Do texto desta carta lê-se o seguinte: “Vimos, por este meio informar que, no passado dia 28/11/2018 adquirimos o quinhão hereditário que o II e JJ detinham na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF e de GG, falecidos em .../01/2005 e .../08/2016, respectivamente, conforme cópia da escritura que anexamos.” 40. Em 03 de Fevereiro de 2019, a autora CC cruzou-se, no prédio sito na Praça ..., pela primeira vez, com pessoas que se apresentaram como representantes da Vjet. 41. Surpreendida com essa presença, uma vez que, inicialmente, não sabia de quem se tratava, foi lhe comunicado os termos do negócio realizado com os réus II e JJ – pagamento dos quinhões pelo preço global de Euros 250.000,00, sem qualquer menção do alegado “contrato sob condição” e possibilidade do preço subir. 42. E nos contactos que a ré Vjet teve com o autor AA, no sentido de lhe comprar o seu quinhão, não mencionou nada sobre o alegado “contrato sob condição”. 43. Só com a entrada da presente acção, em 12 de Abril de 2019, após a Vjet ter sido citada, é que os réus II, JJ e Vjet engendraram esse plano, fabricando o documento, apondo-lhe um conteúdo e uma data falsa. 44. O documento denominado “contrato sob condição” e a escritura pública de rectificação não correspondem à vontade dos declarantes, foi celebrado com o intuito de enganar os autores. 45. Com data de 20 de Fevereiro de 2019 a autora BB e a P..., Unipessoal, Lda outorgaram documento particular intitulado «contrato-promessa de compra e venda de quinhão hereditário» no qual aquela declarou vender e esta declarou comprar os quinhões hereditários de que aquela era titular nas heranças abertas por óbito dos avós, pelo preço de €65.000, do qual seria pago de imediato a quantia de €10.000 a título de sinal e o remanescente aquando da outorga da escritura de compra e venda. 46. Com data de 19 de Fevereiro de 2021 a P..., Unipessoal, Lda e as autoras CC e BB e outorgaram documento particular intitulado «contrato de cedência da posição contratual de promessa de compra e venda de quinhão hereditário» no qual a primeira declarou ceder à segunda a posição contratual assumida pela terceira no documento referido no ponto anterior, sendo o preço da cedência de €10.000, que seria pago de imediato por transferência bancária. *** II – Fundamentação A. Recurso de revista apresentado pelos autores 1. Nulidade por omissão de pronúncia Os recorrentes consideram que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia por não ter decidido o pedido que os autores formularam, na réplica, de condenação da ré como litigante de má-fé em multa e indemnização. Sobre esta nulidade pronunciou-se o acórdão recorrido nos seguintes termos: “(…) Cumpre decidir: O artigo 666.º do Código de Processo Civil dispõe sobre os vícios e reforma do acórdão, estabelecendo que é aplicável à decisão da 2.ª instância sobre o recurso o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º do mesmo diploma, sendo que a rectificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência. O artigo 615.º do Código de Processo Civil fixa as causas de nulidade da sentença, prescrevendo o seguinte: «1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)». Pergunta: os autores pediram a condenação da ré como litigante de má fé, designadamente no pagamento de uma indemnização a seu favor? A resposta exige que se tenham em atenção os pormenores do caso. Consta do Acórdão: «As partes acusaram-se mutuamente de litigância de má-fé. Na sentença recorrida apenas se conheceu da litigância de má-fé dos autores; não se conheceu da mesma questão quanto aos réus, apesar de suscitada pelos autores. Essa deficiência, que consubstancia uma nulidade por omissão de pronúncia, não foi acusada no recurso ou na resposta ao mesmo. Esta circunstância não impede, todavia, esta Relação de se pronunciar sobre a litigância de má-fé da recorrente com fundamento em que a mesma se estende ou se manifesta também ou apenas neste recurso.» O que está qui afirmado é o que resulta da acção. É certo que nos articulados da acção os autores sustentaram que os réus litigavam de má fé e pediram a sua condenação no pagamento de multa a favor do Estado e indemnização a seu favor. Todavia, certamente por lapso, o tribunal de 1.ª instância não apreciou essa questão, tendo-se limitado a apreciar somente a questão similar, mas distinta, da litigância de má-fé dos próprios autores também arguida pelos réus. Essa falha determinava a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Sucede que os autores não arguiram autonomamente a nulidade da decisão da 1.ª instância com tal fundamento, e na resposta às alegações de recurso também não usaram da faculdade prevista no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Em resultado disso, a Relação ficou impedida de conhecer da litigância de má fé da ré no decurso da tramitação da acção em 1.ª instância, até à prolação da sentença. À Relação só estava consentido pronunciar-se como a litigância de má fé no recurso, ou seja, por referência aos actos praticados após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz de 1.ª instância, nas alegações de recurso e actos subsequentes. Foi sobre isso que a Relação se pronunciou e proferiu decisão, não sobre a litigância de má fé na tramitação em 1.ª instância. Como se tratava de uma questão diferente e atinente apenas à tramitação nessa fase, naturalmente que ela tinha de ser suscitada nas alegações de recurso e/ou na resposta às alegações de recurso. Os autores em momento algum da sua resposta às alegações de recurso defendem que as alegações de recurso da ré constituem forma de litigância de má fé e/ou pedem a sua condenação a esse título, designadamente em indemnização à parte contrária. Logo, é correcta a firmação do Acórdão de que «não se fixa indemnização a favor da autora porque esta, em devido tempo e no lugar oportuno, não a pediu». Pode perguntar-se se podia aproveitar-se o pedido formulado na réplica, considerando-o extensivo a toda e qualquer fase do processo. Cremos que a resposta deve ser negativa. Em primeiro lugar, porque como já se assinalou os autores se conformaram com a não condenação da ré a esse título em 1.ª instância, razão pela qual seria contraditório considerar o pedido implicitamente estendido a uma fase posterior quando o comportamento dos autores é de aceitação da não procedência do mesmo na fase em que foi expressamente deduzido. Em segundo lugar, porque isso constituiria uma violação do caso julgado formado pela decisão de 1.ª instância na parte em que não condena a ré como litigante de má fé na fase processual sob a sua jurisdição, na medida em que a consolidação jurídica desse segmento da decisão preclude a possibilidade de os fundamentos da acção ou da defesa poderem mais tarde ser reapreciados. Finalmente, porque a parte pode litigar de má fé na tramitação em 1.ª instância e não litigar de má fé na tramitação do recurso, ou vice-versa, ou em ambos os casos, pelo que só após a dedução das alegações de recurso ou a resposta às mesmas uma das partes pode concluir e defender que a outra litiga de má fé. Não há, pois, cremos, omissão de pronúncia.” Tal como foi esclarecido no acórdão proferido em conferência na 2.ª instância, o tribunal de recurso apenas pode pronunciar-se sobre as questões que, não sendo de conhecimento oficioso, lhe sejam colocadas pelas partes interessadas, ao abrigo do disposto no art.º 635.º do Código de Processo Civil. Apesar de os AA terem requerido na réplica a condenação dos três primeiros réus como litigantes de má fé em multa e indemnização a pagar aos AA nunca inferior a 10 000,00€, a sentença de 1.ª instância não se pronunciou sobre esse pedido. Todavia, os autores não arguiram a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia, nem sobre a referida questão apresentaram recurso de apelação tendo que se considerar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 632.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil, que aceitaram tacitamente a não condenação das rés como litigantes de má-fé. Improcede, pois, a revista com este fundamento. 2. Nulidade por excesso de pronúncia Consideram os autores que a decisão recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia por se ter pronunciado sobre a questão da qualidade/não qualidade de herdeiros dos Autores AA e BB, por via de representação ou não do pai falecido, dado tratar-se de questão não suscitada pelas partes, e fora do objecto de recurso. Não há dúvida de que nenhum dos recursos de apelação pretende ver discutida a questão da qualidade ou não de herdeiros dos Autores AA e BB, por via de representação do seu pai falecido. Todavia, tal como abordada a questão pelo Tribunal Recorrido a verificação da qualidade de herdeiro das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF e GG estava pressuposta para definição do direito dos AA de exercerem o seu direito de preferência relativamente ao contrato de venda do quinhão hereditário que outros herdeiros tinham nessas mesmas heranças a terceiros, não herdeiros. No recurso de apelação interposto pela sociedade ré, foi pedida a revogação da sentença proferida em 1.ª instância que reconhecera o direito de preferência dos autores e a sua substituição por outra que absolva a ré do pedido ou, em alternativa, que condicione a preferência dos autores ao depósito do preço de € 137.500,00, devido por cada quinhão e, por isso, no valor de mais € 75.000,00 por cada quinhão que lhes venha a ser reconhecido o direito a preferirem, num total de mais € 300.000,00. Para decidir do pedido principal formulado na apelação importava verificar a qualidade de herdeiros dos A.A. pelo que o seu conhecimento não excede aquilo que o tribunal podia e, devia até conhecer, não se encontrando, nessa medida o acórdão ferido de vício de nulidade por excesso de pronúncia. 3. Direito de preferência dos autores Cremos que a errada indicação na petição inicial e ao longo de todo o processo, mesmo vertida erradamente na matéria de facto, pese embora seja uma questão de direito de que: “Sucedendo, desse modo, o EE, a BB e a DD em representação do pai EE nas heranças abertas por óbito da FF e do GG”, acabou por conduzir a um erro de direito. Os autores AA e BB não têm qualquer intervenção nesta acção na qualidade de representantes do seu pai falecido EE. Intervêm nesta acção na qualidade de herdeiros nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seu pai que integra o quinhão hereditário deste nas heranças abertas e indivisas por morte dos avós dos autores. Nos termos do disposto no art.º 2039.º e segs do Código Civil o direito de representação verifica-se quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário que não pode ou não quis aceitar a herança, sendo que esses descendentes vão ocupar o lugar deixado vago por esse sucessível. O art.º 2130 do Código Civil permite que os co-herdeiros possam exercer o seu direito de preferência nos termos que assistem ao comproprietário quando ocorre cessão dos quinhões hereditários a um terceiro, neste caso, na cessão dos quinhões hereditários que o II e JJ detinham na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF e de GG. Quanto aos herdeiros, a matéria de facto permite-nos sintetizar as diversas sucessões e a qualidade dos intervenientes nesta acção segundo o diagrama que se segue: FF casada com GG ǁ ǁ Faleceu em .../01/2005 ǁ Faleceu em .../08/2016 Sucedem-lhe: 1. Cônjuge GG 2. Filhos: II, (1.º réu) JJ, (2.ª ré) EE Sucedem-lhe: 1 - Neta: CC, (1.ª autora) 2- Filhos: II, (1.º réu) JJ, (2.ª ré) EE (divorciado) Faleceu em .../09/2018 Sucedem-lhe: 1 - Filhos: EE, (2.º autor) BB, (3.ª autora) DD, (4.ª ré) Tendo em conta que em 28 de Novembro de 2018, o 1º réu II e a 2ª ré JJ venderam à 3ª ré VJET quatro quinhões hereditários das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF e de GG, de que eram titulares, nesta data, como analisado pelo tribunal recorrido, já tinha falecido o EE. Assim, os herdeiros que poderiam exercer o direito de preferência aqui em discussão seriam a 1.ª autora e neta dos falecidos, CC e os herdeiros de EE, por serem seus herdeiros e não por intervirem na vocação sucessória em sua representação. Os herdeiros de EE, cuja herança se mantém ilíquida e indivisa são os autores EE, (2.º autor), BB, (3.ª autora) e DD, (4.ª ré) conforme escritura pública de habilitação de herdeiros junta com a petição inicial, não impugnada e levada ao probatório. Bem certo que quanto ao quinhão hereditário de EE nas heranças ilíquidas e indivisas dos seus pais, mantendo-se igualmente indivisa a herança aberta por seu próprio óbito, só podem ser exercidos certos direitos, como este relativo ao direito de preferência na alienação a terceiros de quinhão hereditário, conjuntamente por todos os herdeiros, nos termos do disposto no art.º 2091.º do Código Civil. Mas isso mesmo se verifica nesta acção, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal recorrido. Menos habitual do que é costume, os herdeiros de EE estão dois na parte activa e outro na parte passiva da acção. A 4.ª ré, DD, como se explica na réplica foi chamada à acção por ser herdeira de EE, ter interesse decisivo na acção, mas não ter querido, ou podido demandar os réus, na qualidade de autora. Foi citada, mas não apresentou contestação ou qualquer outro elemento nos autos, ao que conseguimos verificar. Porém a sua presença, mesmo na parte passiva assegura que na acção têm intervenção todos os herdeiros de EE como titulares do direito que os autores pretendem exercer. A circunstância de um herdeiro não querer exercer o direito de preferência não pode impedir que os demais o possam exercer, desde que estejam presentes na acção todos os herdeiros, mesmo que em posições aparentemente divergentes. Nada obsta, face à matéria provada, ao reconhecimento do direito de preferência dos autores EE, (2.º autor) e BB, (3.ª autora), nos termos do disposto nos artigos 2091.º e 2130.º do Código Civil, impondo-se a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância sobre esta questão. Concede-se, pois, a revista com este fundamento. B - Recurso de revista apresentado pela ré Alega a ré que a sua condenação como litigante de má-fé em 2.ª Instância ocorre com fundamentos confusos e inexistentes e excesso de pronúncia, com violação do disposto nos artigos 542.º, 615.°, n.° l, alínea d), 609.°, n.°l, todos do Código de Processo Civil, por exceder os limites da condenação ao seu alcance e o princípio do contraditório e ainda o art.º 20, nº.4 da Constituição da República Portuguesa. Por último invoca a violação de caso julgado por não ter sido condenada como litigante de má fé e vir invocada uma conduta repetida em ambas as instâncias. Os autores formularam na réplica o pedido de condenação das 3 primeiras rés como litigantes de má-fé em multa e indemnização quando após a contestação ficaram a saber da celebração de mais um contrato entre estas rés que entenderam ter como único propósito tornar mais difícil o exercício do direito de preferência que pretendiam fazer valer em juízo. O Tribunal de 1.ª instância não analisou este pedido e não proferiu qualquer decisão fosse a condenar, fosse a absolver as rés de tal pedido de condenação como litigantes de má-fé. Os autores não apelaram da sentença, tendo apenas sido interposto recurso de apelação por parte da ré, sem qualquer formulação de pedido recursivo por parte dos autores seja a título principal seja a título subordinado. O relator no Tribunal da Relação fez notificar as partes do seguinte despacho: “Feita a análise do processo e a audição inicial da prova e apuradas as questões a decidir, antevemos a possibilidade/necessidade de no Acórdão a proferir esta Relação se pronunciar sobre as seguintes questões que não vêm suscitadas/tratadas pelas partes: - a questão de definir se face ao disposto no artigo 2039.º do Código Civil os autores AA e BB são mesmo, como afirmam, herdeiros dos avós por direito de representação do pai e titulares do direito que querem exercer. - a questão da litigância de má fé da recorrente no recurso. Por conseguinte, ao abrigo do princípio do contraditório convido as partes a tomarem posição, querendo, sobre tais questões, no prazo de 10 dias.”. A recorrente apresentou em resposta um requerimento do seguinte teor: “1.º Tendo EE falecido em .../09/2018 e, por isso, em data posterior ao óbito dos seus pais, .../01/2005 e .../08/2016, respectivamente, e não se achando demonstrado nos autos a recusa daquele em aceitar a herança, não se verifica o invocado direito de representação alegado pelos Autores. 2.º A recorrente ofereceu recurso na convicção do exercício de um direito conforme à teleologia subjacente, não violando os deveres de verdade e cooperação. 3.º De qualquer modo, existindo a intenção da sua condenação nesse sentido, que não é invocado pela Recorrida, sempre deverá a mesma ser notificada sobre a sua concretização, para se defender em conformidade, e não ser objeto de decisão surpresa.” A recorrente refere que foi objecto de uma decisão surpresa quanto à sua condenação como litigante de má fé em 2.ª instância não só porque ofereceu recurso na convicção do exercício de um direito conforme à teleologia subjacente, não violando os deveres de verdade e cooperação, como por, como refere, haver sido absolvida, ou pelo menos não condenada como litigante de má fé pelo Tribunal de 1.ª instância, pese embora os AA. haverem formulado pedido nesse sentido, sem que estes hajam recorrido dessa decisão omissiva. A recorrente não foi absolvida do pedido de condenação como litigante de má fé formulado pelos autores. Tal pedido não foi objecto de decisão e, com isso se conformaram os autores na medida em que não alegaram omissão de pronúncia a este propósito, nem, por qualquer outro modo suscitaram junto do tribunal de apelação a condenação das rés como litigantes de má fé. Pode acontecer que uma parte adopte um comportamento em 1.ª instância que este tribunal não avalie como integrando a litigância de má fé, seja porque o comportamento processual foi exemplar, seja porque por qualquer outra razão o tribunal de 1.ª instância o não haja avaliado como suficiente para integrar o conceito de litigância de má fé, e, a parte adopte um diverso e mais pernicioso comportamento em fase de apelação que possa integrar o conceito de litigante de má fé. A condenação como litigante de má fé pode ocorrer sem pedido da parte contrária por decorrer também dos poderes oficiosos do tribunal de recurso. Uma decisão que não é proferida não goza de qualquer força de caso julgado, pela própria natureza das coisas e pelas funções do caso julgado. O que não foi decidido não é susceptível, em caso algum, de colocar o tribunal perante a prolação de decisões contraditórias ou, por qualquer modo, em desrespeito de uma anterior decisão judicial que não foi proferida. A presente situação não goza pois de força de caso julgado total ou parcial, e nem mesmo fere qualquer legítima expectativa da recorrente, nomeadamente de que por não haver sido condenada em 1.ª instância, não o seria igualmente nas instâncias de recurso. O exercício do direito ao contraditório em processo civil, diferentemente do que ocorre em sede de procedimento administrativo não exige que seja enviado ao interessado um projecto de decisão que, posteriormente depois de rebatidos os argumentos da defesa possa ser convertido em decisão definitiva. Tratando-se de uma questão bastante concreta – condenação por litigância de má fé – com consequências tão limitadas como a condenação em multa, no uso de poderes oficiosos do tribunal e não já uma indemnização à parte contrária, entende-se que o despacho que acima transcrevemos permite à parte apresentar a defesa adequada à sanção que é passível de ser-lhe aplicada. De resto, a recorrente apresentou a defesa contra essa possível condenação indicando que ofereceu recurso na convicção do exercício de um direito conforme à teleologia subjacente, não violando os deveres de verdade e cooperação, não se vislumbrando como pode o acórdão recorrido ter violado o disposto no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. A decisão recorrida condenou a recorrente como litigante de má fé estribada: 1. Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, na qual se assinala a absoluta inverosimilhança e improbabilidade dos factos alegados; 2. Na inaudita tentativa de convencer o tribunal daquilo que a todos os títulos se mostra falso e inventado com intenção fraudulenta; 3. Na apresentação do recurso da sentença da 1.ª instância, insistindo despudoradamente na demonstração dos factos que bem sabe serem falsos e com intenção de impedir a descoberta da verdade e o exercício de legítimos direitos; 4. Na reincidência na dedução com dolo directo de uma pretensão que sabia não ter fundamento. Quando o acórdão diz que a recorrente reincidiu na dedução com dolo directo de uma pretensão que sabia não ter fundamento refere-se, como aliás concorda a recorrente, que esta deduziu a defesa na contestação, e repetiu-a na apelação. No recurso de apelação tentou que fosse alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente quanto ao preço pelo qual os réus II e JJ cederam os respectivos quinhões nas heranças abertas por óbito dos pais à ré sociedade recorrente: se o preço foi o de €62.500 por cada quinhão, num total de €250.000, que veio a ser julgada improcedente reafirmando o que já havia sido decidido pelo tribunal de 1.ª instância - 44. O documento denominado “contrato sob condição” e a escritura pública de rectificação não correspondem à vontade dos declarantes, foi celebrado com o intuito de enganar os autores.-. Reincidiu na conduta, na medida em que a repetiu e tentou convencer o Tribunal de recurso de factos que não eram verdadeiros. Para tal não é necessário que tenha existido uma primeira condenação, basta a repetição da conduta. Analisadas as questões de ordem formal colocadas pela recorrente a propósito da sua condenação em 2.ª instância como litigante de má fé, manifestamente improcedentes, e não tendo sido apesentada qualquer questão de natureza substantiva que possa conduzir à alteração ou revogação de tal decisão, confirma-se integralmente a decisão condenatória em apreço. *** III – Deliberação Pelo exposto acorda-se em: 1. Negar a revista apresentada pela ré e confirmar o acórdão recorrido quanto à sua condenação como litigante de má fé; 2. Conceder a revista apresentada pelos autores, revogar parcialmente o acórdão recorrido na parte em que não reconheceu e não condenou nos efeitos do direito de preferência dos autores AA e BB na cessão dos quinhões na herança aberta por óbito da avó FF, repristinando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância quanto a esta questão constante dos seus pontos b) e c). Custas do recurso pela recorrente VJET - Invest, S.A., atento o seu decaimento. * Lisboa, 16 de Novembro de 2023 Ana Paula Lobo (relatora) Emídio Francisco Santos Fernando Baptista de Oliveira
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 262/22.2JELSB-C.S1 Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO Relator: LOPES DA MOTA Descritores: HABEAS CORPUS PRISÃO PREVENTIVA PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA ACUSAÇÃO EXCECIONAL COMPLEXIDADE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA Data do Acordão: 10/01/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: HABEAS CORPUS Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO Sumário : I. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível ordenada por entidade competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto pelo qual a lei a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. II. A prisão preventiva, enquanto medida de coação de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue. III. Encontrando-se o requerente indiciado pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de associação criminosa [artigos 21.º, n.º 1, 24.º, al. c), e 28.º do DL 15/93, de 22 de janeiro], que também se inscrevem na definição de “criminalidade altamente organizada” [al. m) do artigo 1.º do CPP], e tendo o processo sido declarado de excecional complexidade, a prisão preventiva extingue-se decorrido um ano sem que seja deduzida acusação (artigo 215.º, n.º 1, al. a), 2, al. c), e 3, do CPP. IV. A elevação do prazo depende da simples declaração de excecional complexidade, que produz efeitos imediatos, estando o fundamento e o mérito desta declaração subtraídos ao conhecimento do objeto da providência de habeas corpus. V. A privação da liberdade foi ordenada por um juiz, que é a entidade competente, foi motivada por facto pelo qual a lei a permite e não se mantém para além do prazo fixado na lei, pelo que o pedido de habeas corpus carece de fundamento bastante, devendo ser indeferido. Decisão Texto Integral: Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido com identificação nos autos, preso preventivamente, indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e de um crime de associação criminosa p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, 24.º, al. c), e 28.º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, alegando encontrar-se atualmente em prisão ilegal, por considerar ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, apresenta petição de habeas corpus, nos termos e com os seguintes fundamentos: «O arguido AA encontra-se respondendo inquérito policial por conta de ter se envolvido em ocorrência de tráfico de estupefacientes e sob acusação de organização criminosa. O arguido (…) foi conduzido, conjuntamente com BB, também arguido, a interrogatório perante o juízo de primeiro grau sob indiciamento pela prática do crime de tráfico e outras atividades ilícitas de substâncias estupefacientes, previsto e punido nos termos do artigo 21.º, n.º.1 e 24.º c do Decreto-Lei 15/93 de 22/01 e de um crime em concurso real de associação criminosa p.p 28.º n.º 2 do Decreto-Lei 15/932 de 22/1. Em termo de identidade e Residência firmado junto a Polícia Judiciária foi dado conhecimento ao arguido das restrições determinadas, dentre elas a obrigação de comparecer perante a autoridade competente, se manter a disposição dela sempre que convocado, não mudar de residência, nem ausentar-se por mais de cinco dias sem comunicação. Ao ser encaminhado a audiência de interrogatório, após ouvir os arguidos, foi determinado a prisão preventiva de ambos arguidos a fim de aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva enquanto tramita o processo. Ao contrário do afirmado pela autoridade, o arguido não tinha nenhum conhecimento dos produtos ilícitos aos quais lhe foram imputados a propriedade, muito menos fazia parte de organização criminosa voltada ao tráfico como irá ser demonstrado no decorrer da investigação junto ao inquérito policial instaurado e caso venha a ser indiciado por eventual acusação, apresentará sua defesa aos factos acusatórios. A prisão preventiva do arguido, ora paciente, foi determinada pelo juiz de instrução na data de 25/06/2022, encontrando-se em cárcere privado até o presente momento, sendo a presente situação atual passível de ser analisada através deste remédio processual. O arguido por meio de sua defesa solicitou o acesso aos autos, tendo-lhe sido negado por conta do segredo de justiça imposto, contudo, a míngua de conhecer os elementos de prova no qual o pedido feito pelo Ministério Publico foi balizado a ser aplicado severa restrição de direitos, tempestivamente a defesa do arguido ingressou com pedido de reconsideração ao juízo competente, infelizmente sem êxito, na sequência seguiu-se recurso ao Tribunal de Relação, mantendo-se o entendimento a quo. Decorridos três meses da imposição da medida coativa, em despacho saneador o juízo de instrução manteve a severa coação. Em 05 de dezembro do corrente ano, o arguido foi intimado a manifestar-se sobre pedido advindo do Ministério Publico requerendo a declaração de grande complexidade ao inquérito em tela, o que se acolhido promoveria o elastecimento do prazo das medidas restritivas anteriormente impostas. O arguido AA, por meio de seu defensor, ao ser intimado, buscou tomar ciência do teor dos factos e fundamentos aos quais o Ministério Publico fulcrou o pedido de declaração de grande complexidade, o que foi indeferido. A Justiça está sendo ferida, o cerceamento da defesa restou estampado quando vedado o acesso aos autos para conhecimentos dos factos alegados pelo Ministério Público acerca da complexidade. Afora o evidente cerceamento imposto a defesa, tal abuso cometido nega o direito da parte ao contraditório sobre o que sustenta o MP para requerer uma extensão do inquérito, haja vistos que a questão já restou delimitada no princípio do inquérito com as apreensões ocorridas, de nada adianta o juízo intimar a parte sobre o pedido de sem dar a defesa acesso aos argumentos e factos utilizados pelo ministério publico a requerer ao juízo dilação probatória. Contudo, em que pese o indeferimento do juízo ao pedido de acesso ao teor do parecer ministerial, a defesa do arguido em manifestação apresentada impugnou o pedido demonstrando já repousarem no inquérito a investigação feita e diligências, escutas, apreensões e testemunhas ouvidas, sendo desnecessário uma dilação processual. Expõem-se desde logo a questão quanto a suspensão dos prazos pois não restou promovido a apreciação do pedido de declaração de complexidade feita pelo ministério publico e nem a impugnação feita pela defesa antes do último dia de expediente forense, restando assim suspensos eventuais prazos a serem apreciados. Vale mencionar que o recesso forense de férias veio a iniciar-se em 22 de dezembro de 2022, segunda-feira, assim eventual decisão a ser proferida no interregno entre 19 de dezembro após o termino do expediente forense até o retorno do recesso estaria suspensa por força dos artigos 137 e ss do CPC. Outras questões posteriores ao pedido feito pelo Ministério Público acerca de ser declarado complexo o processo em voga tiveram a devida apreciação, tais como a proferida em 16 de dezembro com intimação das partes por correio eletrônico, na qual o juízo promoveu a intimação da defesa dos arguidos para tomarem conhecimento do despacho mantendo inalteradas as sanções impostas quando do interrogatório, fazendo constar expressamente no despacho: (…) As necessidades cautelares que determinaram a submissão dos arguidos a tal estatuto coativo não se alteraram, antes tendo aumentando, em virtude dos novos elementos recolhidos com a investigação realizada até à presente data. Assim, resulta manifesto que apenas a prisão preventiva satisfará de forma adequada e proporcional as necessidades cautelares verificadas aquando do seu interrogatório judicial, que se mantêm. O prazo de duração máxima desta medida de coação privativa da liberdade não se encontra ultrapassado (cfr. n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal), atingindo-se, sem acusação, em 25-12-2022, relativamente aos arguidos BB e AA, e em 01-01- 2023, relativamente ao arguido CC (…) (* despacho proferido em 16/12/2022, com a intimação a ser validada as partes a partir de 19/12/2022). O despacho em voga nada mencionou quanto ao pedido ministerial, reportou-se exclusivamente aos prazos inerentes as medidas de coação adotadas, apontando não terem ocorrido nos autos mudanças ou novas evidências a possibilitar a reanálise das condições anteriormente apreciadas a alterar as medidas de coação a que foram sujeitados os arguidos. Destarte a isto, o próprio despacho estabelece as datas máximas a findarem medidas coativas impostas caso não apresentado a acusação, segundo o próprio juízo findaria em 25/12/2022, somente podendo vir a ser alterada por ocasião da acusação eventualmente elaborado pelo Ministério Publico. A intimação das partes a manifestarem-se sobre o despacho judicial foi enviada, como dito alhures, de forma eletrônica as partes em 17/12/2022, começando a fluir o prazo de recurso, três dias após, precisamente em 20/12/2022 (sábado), restando postergado ao primeiro dia útil subsequente em 22/12/2022. Com o recesso forense de férias iniciado em 22/12/2022, todos os prazos processuais restaram suspensos durante esse, ou seja, a intimação somente vigorara a partir do retorno forense. Inclusive a decisão ora mencionada e anexada ao presente pedido. Consabido vigorar, no processo penal português, o princípio da improrrogabilidade dos prazos, pelo que os actos processuais normais devem ser realizados dentro do prazo, sob pena de caducidade dos mesmos, O arguido desde que lhe foi imposta a severa restritiva de prisão preventiva em 25 de junho de 2022, vem cumprindo corretamente as medidas que lhe foram impostas, não trazendo consigo nenhum dos riscos elencados pelo Tribunal a lhe manter preso. Como dito acima, o arguido desde o interrogatório ocorrido em 25/06/2022 restou aplicada a prisão preventiva, mantendo-se tal situação até a presente data, face ao juízo entender não terem ocorrido factos novos a possibilitarem a revisão da severa coação, todavia como alias foi ressaltado pelo ilustre Magistrado em despacho proferido nos presentes autos, o prazo decadencial para ser mantido a restritiva de direitos imposta ao arguido findaria segundo o juízo em 25/12 2022, caso não fosse proposto a Acusação pelo crime imputado ao arguido AA. O PRAZO para eventual propositura da ACUSAÇÃO a manter ou alterar a medida restritiva em vigor encerrou em 25/12/2022, segundo cálculos do juízo o que ousamos discordar, matéria a ser tratada adiante, todavia, de qualquer forma, a denúncia em desfavor do arguido AA não foi feita dentro do prazo legal de validade da restrição cautelar anteriormente imposta de 180 dias, cujos dias são corridos e já findados. Assim temos que o ora paciente deste writ encontra-se mantido em cárcere privado de forma injusta, posto que o prazo máximo da decorreu não tendo sido determinado pelo juízo e primeiro grau a sua soltura. Nem se diga que o pedido a liberdade deveria ser feito pela defesa, posto que essa ordem é oficiosa e deveria ser imediatamente ao final do prazo concedida a liberdade ao arguido, outrossim, que o eventual requerimento feito pela defesa ao juízo de instrução teria sua apreciação postergada ao retorno das atividades normais forenses, recebida como ato processual normal, ficando suspensa. A defesa do arguido mesmo assim fez o pedido de soltura, face ao esgotamento do prazo de se mentida a restritiva, porém sequer foi comunicado até o presente momento do recebimento da peça, não havendo outra solução a impedir a continuidade de ser mantido a prisão de forma ilegal do que socorrer-se com o presente habeas corpus, pois sendo medida urgente e causadora de danos irreparáveis, não estaria sujeita a ter sua apreciação suspensa, ocorrendo isso, vem com a presente peça, rogar o conhecimento imediato e concessão da providencia cautelar. Diante da prisão injusta a que vem sendo submetido se fez necessário ao ingresso do presente remedio processual visando ser obtido um salvo-conduto em favor do arguido AA, frente a ter sido esgotado o prazo para apresentar Acusação ou ser, em últimos casos, declarado a complexidade ao caso o que estenderia as medidas coativas já aplicadas. Vale ser ressaltado que o último despacho válido antes do recesso de férias, ou seja, em 19 de dezembro de 2022 não faz qualquer alusão ou menciona acerca da complexidade do caso, muito ao contrario!!! Informa as partes que as medidas preventivas impostas estavam prestes a encerrar. Estando com seu mais lídimo direito de sua liberdade tolhido, estando mantido injustamente em prisão preventiva cujo prazo já transcorreu. O arguido vem sendo mantendo alem do derradeiro prazo de validade citado inclusive no despacho ao qual a defesa promoveu sua manifestação. O prazo para findar as medidas coativas impostas pelo judiciário é contado em dias corridos e não suspendem-se durante recessos ou período de férias forense, ao caso de ser ultrapassado o prazo limite estabelecido como sendo o máximo deveria o magistrado imediatamente emitir um mandado de salvo-conduto ao arguido, deferindo sua reinserção a sociedade, respondendo ao processo em liberdade. Como não foi apresentado pelo Ministério Público nenhuma petição de Acusação em desfavor do arguido AA, também ressalte-se ter a defesa de forma diligente acessar sua página de advogado mantido junto ao CITIUS, consultando eventuais despachos ou deliberação junto ao processo até o termino do expediente forense, esperando a acusação ser protocolada ou ainda por ventura ser recebido intimação acerca da declaração de complexidade requerida pelo Ministério Publico, nenhuma destas hipóteses ocorreram até as 23h.59min59seg da sexta-feira - 19/12/2022. Não havendo expediente forense aos sábados e domingos, em especial aos dias subsequentes a sexta-feira 19/12/22, tem-se que em tese os prazos para actos normais seriam cumpridos na segunda-feira dia 22/12/2022, contudo nesta data iniciou-se o recesso forense de férias, vigorando até 03 de janeiro de 2023, restando por suspensos todos os actos normais de um processo, sejam despachos, intimações, sentenças entre outros vindo a transcorrer e contarem somente após o dia 03 de janeiro de 2023. Porém sendo prazo urgente, com danos irreparáveis a parte, estes atos não estão sujeitos a suspensão! Nada mais urgente do que a liberdade e sendo esta tolhida não há o que ser discutido sobre os danos que causam cada minuto que vem a permanecer de forma injusta recluso sem fundamento que ampare esta prisão. TENDO SIDO APLICADO A MEDIDAS RESTRITIVA DE PRISÃO PREVENTIVA AO ARGUIDO EM 25/06/2022, DE ACORDO COM O ARTIGO 215 DO CPP, O TEMPO MÁXIMO DESTA SEVERA RESTRIÇÃO É DE 180 DIAS A CONTAR DO MOMENTO EM QUE É DECRETADO PELO JUÍZO A PENALIDADE E PASSA O ARGUIDO A CUMPRIR O REGIME FECHADO. Os 180 dias estabelecidos como o tempo máximo de validade da medida restritiva é computado em dias corridos não sendo aplicado nenhum tipo de suspenso, sendo que ao final deste período não tendo ocorrido a ACUSAÇÃO e nem declarado a complexidade ao processo, ao final dos 180 dias ser imediatamente restituído o direito a LIBERDADE do arguido, determinando a soltura e final das restrições anteriormente impostas as quais era mantido em prisão preventiva. Tal prazo, segundo o juízo de primeiro grau em despacho proferido alertou que irá expirar em 25 de dezembro de 2022, e assim aconteceu sem ter sido posto em liberdade o arguido ao final do prazo. O ora paciente encontra-se ainda trancafiado junto ao Estabelecimento Prisional ... de forma injusta, motivo este que se fez necessário a presente medida de Habeas Corpus ora apresentada a este Tribunal de Relação para restabelecer o direito suprimido ao arguido imediatamente. Não há dúvidas de que o prazo de vigência da severa medida restritiva já encerrou sem qualquer facto a impedir a soltura do arguido ora pleiteada a este Tribunal, devido ao recesso de férias encontrar-se em vigência, bem como não ter ocorrido por parte do juízo a quo em determinar a soltura do arguido face a ter expirado o prazo. E nem se diga ou se avente que eventual decisão durante o recesso afetaria o direito do arguido em ser restabelecido a liberdade, posto que tendo plena ciência deu final do prazo comunicado as partes pelo próprio juízo e ainda ter sido publicado e intimado as partes e suas defesas em 19 de dezembro acerca do despacho saneador pelo juiz de instrução sem qualquer deliberação quanto a declaração de eventual complexidade ao processo e muito menos ter sido noticiada ou ter o arguido recebido acusação pelo crime que lhe imputado antes do recesso, não há valia decisões e intimações durante o recesso que venham a afastar o direito do arguido, ao qual ora se postula e espera ser deferido por este inclino Tribunal! Fundamentos e motivação: O presente habeas corpus consiste numa providência constitucionalmente consagrada no art. 31 e que se destina a fazer cessar no mais curto espaço de tempo, situações de ilegal privação da liberdade. Traduz-se num direito subjetivo que tutela outro direito fundamental “o direito à liberdade pessoal”. Tem como pressuposto de facto a prisão efetiva e como fundamento jurídico a ilegalidade da mesma ou, no âmbito das medidas de segurança, o internamento ilegal. Como referia o Cons. Maia Gonçalves, “a providência de habeas corpus é um modo de impugnação de detenções ou de prisões ilegais que funciona quando por virtude do afastamento de qualquer autoridade da ordem jurídica os meios legais ordinários deixam de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos; Não se busca com o presente remédio substituir os meios ordinários de apreciação da legalidade” contudo se fez necessário o uso, frente a ilegalidade a qual vem suportando o requerente, imposta ao arrepio da lei, posto não havia necessidade da extrema sanção porém ao ser esgotado o prazo, deveria ter sido restabelecido sua liberdade pelo juízo competente, magistrado este que inclusive no despacho proferido em 16/12/2022 deixou de forma cristalina o momento ao qual esgotaria-se o prazo de vigência da restrições de direito impostas ao arguido. Ao que se encontra exposto acima deixou o juízo delineado o prazo máximo da prisão preventiva a que poderia estar sujeito o arguido, todavia conforme se percebe até esta data ainda encontra-se albergado injustamente junto ao Estabelecimento Prisional. Em que pese o final da medida coativa ter expirado durante o recesso de férias forense imperioso seria ser determinado a expedição do mandado de salvo-conduto ao arguido, colocando o mesmo de imediato em liberdade, posto ser razão suficiente a ser cumprido durante o recesso, face ao grave prejuízo a que fica sujeito o penalizado em permanecer além do previsto em lei detido injustamente. Segundo previsto no artigo 137, do CPC, não são praticados atos processuais durante o recesso do Tribunal, todavia como exceção a esse regramento temos que no numero 2, do citado artigo em comento tem-se que são praticados atos processuais que se destinem a evitar dano irreparável. O dano a que esta sujeito o arguido é atual, imediato e de extrema irreparabilidade sendo mantido em cárcere além do prazo previsto que lhe foi imposto, cabendo com isso a insurgência do paciente a esta abusividade a qual encontra-se exposto por meio do presente remedio processual. Em consonância a necessidade ao deferimento e cumprimento imediato da ordem de habeas corpus em favor do arguido, a regra do artigo 138 do CPC, é conclusiva no sentido de que o prazo processual é contínuo, somente sendo suspenso durante as férias judiciais, salvo se sua duração for maior do que seis meses!!! Não há dúvidas de que o prazo em que encontra-se em prisão já decorreu mais de seis meses, portanto roga-se a este Tribunal a urgência na analise e decisão, acolhendo-se o presente pedido "inaudita altera parts” estando presentes todos os elementos necessários a provar a ilegalidade na prisão preventiva a qual vem sendo mantido o arguido, desde o final do prazo da medida coativa, encerrado em 25 de dezembro de 2022. De ressalvar que, como decorre do que acima se referiu a propósito do artigo 138.º do Código de Processo Civil, os processos urgentes correm termos durante as férias judiciais, não se aplicando quanto a estes, por conseguinte, a suspensão de prazos mencionada. Se faz uso deste habeas em especial ao excesso de prazo fixado na lei da medida aplicada, posto que extrapolado o prazo previsto máximo cabível a sanção imposta, e levando-se em conta que sequer foi concluído o inquérito, o qual pudesse gerar uma acusação contra o arguido e nem foi levado a instrução, muito menos houve a denúncia contra o arguido, factos estes suficientes ao pedido de salvo conduto, pois a ordem deve ser feita quando houver a presença de direitos sonegados pela justiça. Sendo extrapolados prazos legais, a utilização do instituto do habeas corpus é a “providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido(...). O seu fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais” (Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, 1999, I vol., págs. 1063 e 1064). Os fundamentos previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal e, assim, a ilegalidade da prisão deve provir de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial. Afora o fundamento acima que iremos demonstrar ter sido violado, temos ainda ser cabível a providencia ora adotada segundo o art.º 31.º da CRP o qual delimita: 1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. 2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória. O art. 27.º, da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei – arts. 27.º, n.º 2 e 28.º, da CRP, e art. 5.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos. O art. 31.º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Habeas Corpus”, consagra no seu n.º 1 que: Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. Conforme entendimento do próprio STJ acerca do uso do habeas corpus, temos que a ela somente poderá fazer uso em situações graves, senão vejamos: “É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508). Verifica-se dos autos que foi aplicada ao requerente a medida coactiva de prisão preventiva por despacho de 25 de junho de 2022 e que essa prisão ainda se mantém inalterada, mesmo ultrapassado o prazo máximo previsto no artigo 215 do CPP. Segundo o previsto na decisão judicial restou aplicada a medida de coação privativa da liberdade cfr. n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do artigo 215º do Código de Processo Penal, atingindo-se, sem acusação, em 25-12-2022 , o prazo máximo a que estaria sujeito o arguido, que seria de 180 dias iniciar-se na data a qual iniciou o cumprimento da medida. Em que pese o ilustre julgador ter mencionado em despachos anteriores que o prazo máximo a manter o arguido sujeito a medida restritiva findava em 25 de dezembro de 2022, temos neste ponto o equívoco na contagem do prazo final pois ao contar-se os 180 dias a que estava sujeito o arguido a cumprir a sanção preventiva iniciando-se em 25/06/2022 o prazo final decorreu em 21 de dezembro de 2022. A título de argumentação e para não restar dúvida acerca da totalização de dias a que estava sujeito o arguido a permanecer em cárcere, mesmo iniciando-se em 26/06/2022, ou seja o dia subsequente ao despacho encerraria em 22/12/2022. Não restam dúvidas de qualquer forma quanto ao prazo ter já esgotado, seja no dia 21, 22 ou mesmo 25 de dezembro, todos já expirados e o arguido encontra-se injustamente tolhido de sua liberdade. Como se denota acima, o arguido, ora requerente da providência, estaria com sua prisão preventiva estipulada de acordo com n.ºs 1, als. a) e b) e 2 do artigo 215º do Código de Processo Penal com o prazo ultrapassado e a penalidade imposta já encontra-se viciada. Nem se diga que pode vir a ser mantida a prisão preventiva do rosa paciente por conta de estar sendo apurado um crime complexo, ou por elevado número de arguidos, ou ainda ter sido declarado a complexidade pelo juízo, fato que até ter findando o último dia de expediente forense em 19/12/2022 não foi decretado pelo juízo Apenas ad argumentandum tantum se porventura vir a ser decretado em despacho durante o recesso eventual decisão passaria a ter efeitos após o retorno das férias e com a intimação dos interessados, conforme previsto nos supracitados artigos 137, 138 do CPC. Destarte a isto, público e notório que os atos processuais não urgentes, cujo inicio da sua valia caiam em finais de semana ou feriados passam a vigorar no primeiro dia subsequente valido, o que no caso em voga se por ventura venha a ser acolhido o pedido do Ministério Público quanto a declarar a complexidade do caso, o que não espera-se pois inexistente fundamentos e motivos para isto, o prazo passaria a vigir somente no retorno do recesso e com as devidas partes interessadas neste processo devidamente intimadas. Não há motivos a apontar eventual decretação de complexidade ao feito como sendo de extrema urgência, posto que poderia o representante do Ministério Público durante todo o transcurso dos seis meses já ultrapassados no inquérito o ter feito, como não houve apreciação e nem decisão do juízo de instrução antes do expediente forense ter-se encerrado em 19 de dezembro de dezembro de 2022, restou eventual decisão a ter valia somente após o retorno dos prazos com o fim do recesso de ferias, por ser um ato processual normal, sem urgência. De outro norte, demonstrado ter decorrido os 180 dias da sujeição a medida de prisão preventiva imposta ao arguido AA, é de forma urgente a apreciação do pedido ora feito, pois não restam duvidas quanto ao esgotamento do prazo a que estava sujeito o arguido em ser mantido preso. Mesmo tendo se encerrado durante o recesso de férias, trata-se de medida urgente e deve ser imediatamente apreciada, esperando acolhimento por este respeitável Tribunal de Relação ao pedido a providência liminar do habeas corpus, cuja urgência se releva pelo dano irreparável em ser mantido em como recluso junto ao Presidio sem fundamento legal que ampare essa medida extrema, haja visto o esgotamento dos prazos legais. O excesso dos prazos do inquérito não faz precludir o exercício da acção penal e apenas têm por consequência última a aceleração processual determinada pelo Procurador-Geral da República (n.º 6, do art.º 276.º). Para além de ter consequências no segredo de justiça, de acordo com o art.º 89.º, n.º 6, do CPP. Por isso, ainda que nos autos já tenha sido excedido o prazo de conclusão do inquérito, o que não cabe averiguar no âmbito desta providência, a prisão preventiva mantém-se de acordo com os prazos máximos previstos no art.º 215.º do CPP. O prazo máximo da prisão preventiva está, assim, esgotado. Não foi dada ordem de libertação ao requerente, conforme impõe o n.º 1, do artigo 217 do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, Aprova o Código de Processo Penal. A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais contidas nos artigos 191 a 195, do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, Aprova o Código de Processo Penal, em que avultam os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, como aos requisitos gerais previstos no artigo 204. Deve tal regramento pautar-se pelo princípio constitucional da presunção de inocência, devem respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade. CONCLUSÕES: I. O arguido encontra-se ilegalmente preso nos termos da alínea c), do n.º 2 do artigo 222 do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, Aprova o Código de Processo Penal, com violação do disposto nos artigos 27 e 28.4 da CRP e nos artigos 215.1 b) e 217.1 do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, Aprovado Código de Processo Penal. II. Conforme preconiza o artigo 215 do CPP, o prazo máximo da prisão preventiva sem que fosse o arguido devidamente denunciado já restou ultrapassado de todas as formas, sendo injusta e ilegal a prisão mantida. III. O remédio processual adotado pela parte requerente – habeas corpus possui todos os requisitos mencionados na lei penal portuguesa a ser apreciado por este Colegiado superior e fundamento a ser acolhido face a ilegalidade decorrente da usurpação dos direitos e presunção de inocência do requerente. IV. O pedido ora feito por meio do habeas corpus, acompanhado de elementos suficientes a amparar o pleito de salvo-conduto postulado em favor do arguido, ora paciente, inclusive com despacho judicial a demonstrar ter transcorrido o prazo máximo da prisão preventiva, são provas suficientes a inaudita altera parts, sem a necessidade de ser ouvido ou requerido novas informações, conceder de imediato a ordem de liberdade ao arguido AA, enviado ofício por meio de correspondência eletrônica ao Diretor(a) do Estabelecimento Prisional ... para determinar a soltura do detento, concedendo a liberdade. V. Concedendo o pedido de habeas corpus ora feito, em acto continuo postula-seja comunicado ao juízo de instrução a decisão de acolhimento. VI. Assim, deve ser declarada ilegal a prisão preventiva e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do artigo 31.3 da CRP e dos artigos 222 e 223.4 d) do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, Aprova o Código de Processo Penal. Nestes termos e nos mais de Direito deve ser declarada a ilegalidade da prisão preventiva e ordenada a libertação imediata do requerente para que seja feita justiça. Requer-se o recebimento do presente com as peças e documentos ora juntados obtidos junto ao inquérito policial que ainda transcorre perante o juízo de instrução, as quais julga-se suficientes como elementos de prova a constituir o direito e os pedidos ora feitos. Caso seja entendido como imprescindível o acesso total aos autos do inquérito, postula-se seja determinado ao juízo de instrução o envio imediato do processo relativo ao inquérito policial duplicado ao ilustre Presidente do STJ, posto que vem sendo negado ao defensor o acesso aos autos em decorrência da fase investigativa, cabendo assim ao juízo de instrução acolher este pedido e encaminhar todos documentos e provas até este momento apensos ao caderno processual a instância superior e assim poderá o juízo ad quem apreciar por completo os atos processuais e julgar de acordo com o entendimento legal. Junta ao presente pedido alem de peças processuais e cópias do inquérito policial em tramite, os despachos proferidos pelo juízo aos quais de imediato poderá ser observado ter sido exaurido o prazo valido da medida restritiva a amparar o presente pedido.» 2. A Senhora Juíza de instrução criminal prestou a informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, dela constando o seguinte (transcrição): «O arguido AA veio interpor a presente providência de habeas corpus, requerendo a sua libertação imediata, ao abrigo do disposto no art.º 31.º da CRP e dos art.ºs 222.º e 223.º, ambos do CPP. Para tanto alega, em síntese, que se encontra privado da liberdade, em situação de prisão preventiva, há mais de 180 dias, não tendo ainda sido deduzida acusação pelo Ministério Público. Consequentemente, entende o arguido que, volvidos que se encontram os seis meses previstos no art.º 215.º, n.º 2 do CPP, deveria o Tribunal ter ordenado a sua libertação, pelo que a manutenção do seu estatuto coativo desde 25-12-2022 constitui uma prisão ilegal. * 1.     O arguido encontra-se na situação de prisão preventiva desde o dia 25-06-2022, medida de coação que lhe foi aplicada por despacho judicial proferido na mesma data, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, junto aos autos. 2.    Encontra-se indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, em concurso com um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma. 3.    Por despachos de 15-09-2022 e 15-12-2022, foi revisto o estatuto coativo do arguido, mantendo-se a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva. 4.    Por despacho de 20-12-2022 foi declarada a excecional complexidade do processo, a qual foi notificada por correio eletrónico ao ilustre mandatário do arguido, em 21-12-2022, presumindo-se realizada em 26-12-2022. * Nos termos do disposto no art.º 31.º da CRP, há lugar a pedido de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar, consoante os casos e a apresentar pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. Nos termos do disposto no art.º 222.º do CPP “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”. Ora, a providência de Habeas Corpus é o meio processual adequado a uma reação expedita contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, e não um meio processual para reexame ou avaliação da verificação dos pressupostos de facto e de direito que em concreto determinaram a aplicação de uma medida de privação de liberdade, no caso da prisão preventiva. A petição é dirigida em duplicado ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual o requerente se mantenha preso e deve fundamentar-se em ilegalidade da prisão por um dos seguintes motivos: a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou decisão judicial; Assenta o requerente a sua pretensão na alínea c) atrás referida, por entender que se encontra esgotado o prazo máximo da prisão preventiva, nos termos do disposto no art.º 215.º, n.º 2, do CPP. Com efeito, resulta dos autos que a prisão preventiva do arguido foi ordenada pela Mma. Juíza de Instrução competente, pelos factos e incriminações suprarreferidos, tendo posteriormente sido revista em 15-09-2022 e 15-12-2022, não se mantendo a mesma para além dos prazos fixados na lei, nomeadamente no art.º 213.º, n.º 1, alínea a) e art.º 215.º, n.ºs 1 e 2 do CPP. Ora, pese embora o prazo máximo de prisão preventiva do arguido terminasse em 25-12-2022, como aliás se consignou no despacho que procedeu à revisão do seu estatuto coativo (fls. 972), por despacho de 20-12-2022 (fls. 1002 e 1002v.º), em data anterior àquela, foi declarada a especial complexidade do processo, nos termos do disposto no art.º 215.º, n.ºs 2, alínea a), 3 e 4 do CPP. Tal declaração implica, de acordo com previsto em tal artigo, o alargamento do prazo máximo de medida de coação de prisão preventiva de seis meses para um ano, mostrando-se evidente que tal prazo ainda não decorreu, atingindo-se em 25-06-2023. Efetivamente, não é exigível, para alargamento de tal prazo, que o despacho que procedeu à declaração de excecional complexidade do processo transite em julgado, conforme aliás se decidiu no Ac. do STJ, de 20-01-2022 [Processo n.º 856/19.3T9SNT-A.S1, relator António Gama, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário se lê: III - O alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva depende apenas da «declaração» de excecional complexidade e não está dependente do trânsito em julgado do pertinente despacho, pois, para a declaração de excecional complexidade produzir efeito útil o CPP não exige, e por boas razões, o trânsito em julgado; ao fim e ao cabo o que está em causa é a manutenção de uma medida de coação. V - O que a lei exige, para a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva nos termos do n.º 3 do art. 215.º, do CPP, é somente decisão de 1.ª instância declarando a excecional complexidade, independentemente de dela ter ou não sido interposto recurso, de ter ou não transitado em julgado. Como é próprio das decisões sobre a aplicação de medidas destinadas a satisfazer exigências cautelares do processo penal elas operam de imediato. De outro modo, perderiam o seu efeito útil, deixando de acautelar os interesses que visavam acautelar. É assim com a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento como é com as demais decisões previstas no art. 215.º que determinam prazos máximos de prisão preventiva. Todas produzem efeitos desde a sua prolação, v.g. decisão instrutória, decisão condenatória. Com a declaração de excecional complexidade não se passa nada de diferente do que ocorre com a decisão que aplica medidas de coação, designadamente a prisão preventiva: É de execução. Por outro lado, e à semelhança do que sucede com o despacho de acusação, não impõem os art.ºs 213.º e 215.º do CPP que o despacho de declaração de especial complexidade do processo seja notificado ao arguido dentro dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, apenas se referindo o legislador à sua declaração, como decorre expressamente da leitura do n.º 4 do art.º 215.º do CPP. No caso em apreço, porém, sempre se dirá que, tratando-se de processo urgente, por ter arguidos presos à sua ordem, os prazos para notificações não se suspendem em férias judiciais (cfr. art.º 103.º, n.º 2, alínea a) e 104.º, ambos do CPP), como alega o requerente, tendo este sido regularmente notificado no dia 26-12-2022. Assim, tendo tal declaração de excecional complexidade ocorrido em momento anterior à data de 25-12-2022, verificou-se a partir desse momento o alargamento do prazo máximo de prisão preventiva, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 215.º do CPP, porquanto tal decisão tem efeito imediato. Em face do exposto, somos do entendimento que a presente providência de habeas corpus não tem fundamento legal, devendo ser indeferida, uma vez que ainda não se mostra esgotado tal prazo de um ano, razão pela qual não estamos diante de uma situação de prisão ilegal.» 3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente, nomeadamente a referente aos seguintes atos processuais, proferidos em fase de inquérito: auto de interrogatório do arguido detido, de 25.06.2022, e despacho de aplicação da medida de prisão preventiva, da mesma data; despachos de reexame e manutenção da prisão preventiva de 15.09.2022 e de 15.12.2022, e despacho de 20.12.2022, que declarou a especial complexidade do processo, nos termos dos artigos 215.º, n.º s 2, al. a), 3 e 4 do Código de Processo Penal (CPP). 4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP. Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem. II. Fundamentação 5. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais, privativas do direito à liberdade. O habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344). O artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, garante o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar (assim, por todos, o acórdão de 29.12.2021, Proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt). Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade (n.ºs 1 e 2), excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [n.º 3, al. b)]. Como tem sido repetidamente afirmado, a prisão é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos neste preceito constitucional (por todos, o acórdão de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt). De acordo com o disposto no artigo 28.º, a detenção é submetida, no prazo máximo de 48 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação, em que se inclui a prisão preventiva, a qual tem natureza excecional e está sujeita aos prazos previstos na lei. A prisão preventiva só pode ser aplicada por um juiz, que, em despacho fundamentado, verifica a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, que a justificam (artigos 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 5, e 202.º do CPP). 6. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue (n.º 1). Nos termos das alíneas a) do n.º 1 deste preceito, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação. Estabelecendo o respetivo n.º 2 que este prazo é elevado para seis meses, em casos, como o presente, de criminalidade altamente organizada – categoria em que se incluem as condutas que integram os crimes tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas e de associação criminosa, na definição da al. m) do artigo 1.º do Código de Processo Penal –, ou quando se proceder por crime punível com pena de máximo superior a 8 anos, como nos casos de crimes de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º e de associação criminosa p. e p. pelo artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, por qualquer destes crimes (n.º 2), aquele prazo é elevado para um ano, devendo a complexidade ser declarada por despacho fundamentado do juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvido o arguido e o assistente (n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 215.º). 7. As decisões relativas à aplicação e reexame dos pressupostos da prisão preventiva – reexame que deve ter lugar no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, e quando no processo for proferido despacho de acusação [artigo 213.º, n.º 1, al. a) e b), do CPP] –, podem ser impugnadas por via de recurso ordinário, nos termos gerais (artigos 219.º, n.º 1, e 399.º e segs. do CPP), sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus contra abuso de poder por virtude de prisão ilegal (artigos 31.º da Constituição e 222.º a 224.º do CPP), com os fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP. Dispõe este preceito que: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.” 8. Em jurisprudência constante, tem este Supremo Tribunal de Justiça reiteradamente afirmado que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, ou seja, sem lei ou contra a lei que admita a privação da liberdade, referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP (assim e quanto ao que se segue, por todos, de entre os mais recentes, o citado acórdão de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt). A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto a validade ou o mérito de atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida ou que fundamentem a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs. do CPP). A diversidade do âmbito de proteção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, em que aquela providência permite preencher um espaço de proteção imediata perante a inadmissibilidade legal da prisão. 9. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa. Como se tem afirmado em jurisprudência uniforme e reiterada (acórdão de 2.2.2022 cit.), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante actualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (assim, de entre os mais recentes, por todos, os acórdãos de 16.11.2022, Proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 06.09.2022, Proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1, de 9.3.2022, proc. 816/13.8PBCLD-A.S1, e de 29.12.2021, proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt). 10. O habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada, como também tem sido repetidamente sublinhado (assim, os acórdãos anteriormente citados bem como, de entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt). 11. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e dos documentos juntos, resulta esclarecido, em síntese, que: - O arguido, agora requerente, foi apresentado, detido, para interrogatório judicial que teve lugar no dia 25 de junho de 2022, e, nesse mesmo dia, pelo juiz de instrução, foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, por ser considerada fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-lei 15/93, de 22 de janeiro, e de um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma. - Os pressupostos de que depende a aplicação e manutenção da prisão preventiva foram objeto de apreciação no despacho de 25 de junho de 2022 e de reexame por despachos judiciais de 15 de setembro de 2022 e de 15 de dezembro de 2022. - Em 20 de dezembro de 2022, mediante promoção do Ministério Público, foi proferido despacho do juiz de instrução declarando a especial complexidade do processo. 12. Na longa petição da presente providência de habeas corpus, o arguido alega, em síntese, no que releva para a decisão, que se encontra em prisão preventiva, sem que tenha sido deduzida acusação, desde o dia 25 de junho de 2022, isto é, há mais de seis meses, que é o prazo máximo de prisão preventiva fixado no n.º 2 do artigo 215.º do CPP, que, a seu ver, deve ser observado. Se bem se apreende o sentido da sua argumentação, o despacho de 15.12.2022 (e não de 16.12.2022, como refere) “estabeleceu” que o termo do prazo ocorreria em 25.12.2022 – ao referir que, nas circunstâncias em que foi proferido, sem mencionar a declaração de complexidade (que ainda não havia sido declarada), o termo do prazo de prisão preventiva ocorreria nessa data –, pelo que, tendo em conta o prazo processual para se pronunciar sobre a requerida declaração de complexidade do processo e o início das férias judiciais de Natal, com o qual se suspenderiam os prazos, a declaração de complexidade, em 20 de dezembro de 2022, notificada por via postal no dia seguinte, seria ineficaz. 13. É manifesta a improcedência deste argumento. Para além de convocar e assentar num dado errado – o de que o dia 19 de dezembro de 2022 foi uma sexta-feira, quando foi uma segunda-feira, dia normal de funcionamento dos tribunais, tal como o dia 20, antes de férias, que se iniciaram no dia 22 –, tratando-se de ato relativo a arguido preso, tal ato sempre deveria ser praticado em férias, se fosse caso disso, para garantia da liberdade [artigo 103.º, n.º 2, al. a), do CPP]. A declaração de excecional complexidade foi, pois, proferida em tempo, antes do termo do prazo máximo da prisão preventiva fixado na lei (6 meses – artigo 215.º n.º 2), pelo juiz de instrução, por se tratar de ato da sua competência, e tal declaração tem por efeito a elevação do prazo da prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação, de 6 meses para um ano, nos termos do n.º 3 do artigo 215.º do CPP. O alargamento do prazo depende da simples declaração, estando o fundamento e o mérito desta declaração subtraídos, como se viu, ao conhecimento do objeto da providência de habeas corpus. Tal declaração, como refere a Mma. Juíza de instrução, citando jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, produz efeitos imediatos. Como se afirmou no mencionado acórdão de 20.01.2022, Proc. 856/19.3T9SNT-A.S1 (https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ ECLI:PT:STJ:2022:856.19.3T9SNT.A.S1.3C/), seguindo os acórdãos de 16.10.2014, Proc. 2210/12.9TASTB-A.S1, e de 18.09.2014, Proc. 70/14.4YFLSB (no mesmo sentido, o acórdão de 28.03.2019, Proc. 257/18.0GCMTJ-BA.S1), todos em www.dgsi.pt, “o que a lei exige, para a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva nos termos do n.º 3, é somente decisão de 1ª instância declarando a excecional complexidade, independentemente de dela ter ou não sido interposto recurso, de ter ou não transitado em julgado. Como é próprio das decisões sobre a aplicação de medidas destinadas a satisfazer exigências cautelares do processo penal elas operam de imediato. De outro modo, perderiam o seu efeito útil, deixando de acautelar os interesses que visavam acautelar. O caso presente, seria um exemplo eloquente. É assim com a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento como é com as demais decisões previstas no art.º 215.º que determinam prazos máximos de prisão preventiva. Todas produzem efeitos desde a sua prolação, v.g. decisão instrutória, decisão condenatória. Com a declaração de excecional complexidade não se passa nada de diferente do que ocorre com a decisão que aplica medidas de coação, designadamente a prisão preventiva. É de execução imediata”. 14. Como se verificou, a prisão preventiva iniciou-se com a sua aplicação, no dia 25 de junho de 2022. Tendo em consideração que o requerente se encontra indiciado da prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de associação criminosa (supra, 11), que também se inscrevem na definição de “criminalidade altamente organizada”, e que o processo foi declarado de excecional complexidade, estando este na fase de inquérito, a prisão preventiva só se extingue decorrido um ano sem que tenha sido deduzida acusação (artigo 215.º, n.º 1, al. a), 2 e 3, do CPP – supra, 6). Assim, impõe-se concluir que a prisão não se mantém atualmente para além dos prazos fixados por lei. Pelo que não se verifica o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP. 15. A privação da liberdade, por aplicação da medida de prisão preventiva, foi ordenada por um juiz, que é a entidade competente, e foi motivada por facto pelo qual a lei a permite, não ocorrendo também, assim, qualquer dos motivos de ilegalidade da prisão previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito. 16. Em consequência do exposto se conclui ainda que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 4, al. a), e 6 do CPP]. III. Decisão 17. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3, 4, alínea a), e 6 do artigo 223.º do Código de Processo Penal (CPP), acordam os juízes da Secção Criminal em indeferir o pedido, julgando a petição de habeas corpus manifestamente infundada. Nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, vai o peticionante condenado na soma de 6 (seis) UC. Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais. Supremo Tribunal de Justiça, 10 de janeiro de 2023. José Luís Lopes da Mota (relator) Maria da Conceição Simão Gomes Paulo Ferreira da Cunha Nuno António Gonçalves
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 08P213 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: MAIA COSTA Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO FALSIFICAÇÃO CHEQUE ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO ANTECEDENTES CRIMINAIS MATÉRIA DE FACTO FUNDAMENTAÇÃO Nº do Documento: SJ2008021302133 Data do Acordão: 13/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Sumário : I - Na al. f) do art. 1.º do CPP classifica-se como alteração substancial dos factos, em contraste com a alteração não substancial, aquela que envolva a imputação de crime diverso ou o agravamento da moldura penal. Ponto é, no entanto, que se verifique uma alteração de factos, pois quando os factos se mantêm intocados, e apenas se procede a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, essa alteração é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos – n.º 3 do art. 358.º do CPP. II - Se o tribunal não procedeu a nenhuma alteração dos factos que já constavam da acusação, tendo apenas divergido da acusação quanto à qualificação dos mesmos – por a falsificação de cheque ser punível pelo n.º 3 do art. 256.º do CP, e não pelo n.º 1 do mesmo artigo –, foi correcto o recurso ao mecanismo do art. 358.º, n.º 3, do CPP, bem como a notificação realizada na pessoa da defensora do arguido, pois que apenas os actos indicados no n.º 9 do art. 113.º do CPP, em que não se inclui o cumprimento do art. 358.º, n.º 3 (nem, aliás, o do art. 359.º), devem ser notificados pessoalmente ao arguido. III - O CPP consagra um sistema (mitigado) de cisão («césure») na fase decisória do processo, que se desdobra em duas fases: a da «questão da culpabilidade» (art. 368.º do CPP), em que se fixam os factos; e a da «questão da determinação da pena» (art. 369.º do CPP), em que se procede a tal operação, se for caso disso. É nesta segunda fase que devem ser conhecidos e valorados os elementos referentes à pessoa do arguido, nomeadamente o CRC, a perícia de personalidade e o relatório social. IV - Contudo, estas duas fases, embora lógica e normativamente ordenadas em sequência, consubstanciam-se numa única decisão: a sentença. Não há, contrariamente ao que acontece no processo civil, nas acções ordinárias, ou ao que acontecia no CPP29, nos julgamentos realizados pelo júri, uma decisão inicial quanto à matéria de facto, devidamente publicitada, seguida da decisão de direito. A cisão operada pelo legislador não separou de facto aqueles dois momentos (as duas “questões”) em duas fases processuais distintas, cada uma com a sua decisão, aberta à publicidade. Na realidade, a «césure» separou apenas logicamente, mas não materialmente, as duas «questões», tornando ténues as possibilidades de controlo efectivo pelas partes da sua efectivação. V - Assim, como de todo o processo decisório o único «testemunho» é a sentença, pois a acta de julgamento nada pode referir sobre a discussão e a deliberação, por força do art. 367.º do CPP, ela deve obedecer aos cânones estabelecidos no art. 374.º do mesmo diploma, que define uma sistematização da sentença em termos de fundamentação de facto e de direito, a qual remete necessariamente as informações sobre a pessoa do arguido, nomeadamente as constantes do CRC, para a matéria de facto, como factos que são (isto é, circunstâncias da vida real), a par dos factos inerentes à infracção imputada. VI - Estando embora incluídas na matéria de facto, tal não significa que essas informações tenham sido tidas em conta juntamente com as provas atinentes aos factos referentes ao crime imputado, mas tão-só que, na sistematização da sentença, elas aparecem enquadradas na matéria de facto, a que normativamente pertencem. VII - Poderá dizer-se que assim se torna insindicável, ou quase, o cumprimento dos arts. 368.º e 369.º do CPP, mas essa limitação resulta, como se referiu atrás, da opção do legislador, ao adoptar uma versão mitigada do princípio da «césure» da decisão em processo penal. Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO No Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira foi o arguido AA acusado de um crime de receptação, p. e p., pelo art. 231º, nº 1 do CP, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 255°, a) e 256°, nº l, a) do CP e de um crime de burla, p. e p, pelo art. 217°, nº 1 do CP, sendo, após julgamento, durante o qual o arguido foi notificado nos termos do art. 358º, nº 3 do CPP, absolvido do crime de receptação e condenado por um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256°, nºs l, c) e 3 do CP, na pena de l ano de prisão, por um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1 do CP, na pena de l ano e 3 meses de prisão e, em cúmulo jurídico destas duas penas, na pena única de 2 anos de prisão. Desta decisão recorre o arguido para este STJ, concluindo assim a sua motivação: A) O Tribunal a quo decidiu alterar a acusação ao arguido, retirando a acusação pela prática de um crime p. p. pelo art. 256.°, n.° l alínea a) do CP, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 256.°, n.° l alínea a) e n.° 3 do citado Código; B) O que consubstancia uma agravação da moldura penal aplicável ao arguido, uma vez que a sanção prevista para a prática do crime p. p. pelo art. 256.°, n.° 1 alínea a) e 3 é de pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, quando a sanção prevista para o crime p. p. para o art. 256.°, n.° l alínea a) do CP é de prisão até 3 anos ou pena de multa; C) Esta alteração constitui uma modificação da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido???????????; ou Esta alteração não constitui uma mera modificação da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, mas antes uma alteração substancial dos factos tal qual se prevê no art. 1º n.° l al. f) do CPP ???????????; D) A alteração operada pelo Tribunal a quo porque consubstancia um agravamento da moldura pena aplicável, designadamente nos seus limites máximos, fica, assim, sujeita ao regime previsto no artigo 359.° do C.P.P. e não ao n.° 3 do art. 358 ° do mesmo Código, como erradamente fez o Tribunal recorrido; E) Nos termos do referido art. 359.° do C P.P. esta alteração tem de ser comunicada ao próprio arguido; F) Ao ordenar a notificação da alteração operada apenas à Ilustre oficiosa, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 359.° do C.P.P. e bem assim o disposto no n.° l e 5 do art. 32.° da C.R.P.; G) Ao indeferir o pedido de audição do arguido bem como das testemunhas indicadas no requerimento apresentado no dia da audiência, violou o Tribunal a quo as já citadas disposições do art. 32.° da CRP., concretamente os n.° l e 5. e bem assim os arts. 333º e 340º do C.P.P.; H) Subsidiariamente, sempre se dirá que os n.os 2 e 3 do art. 368.° do C.P.P., conjugados com o art. 369.° do C.P.P., facultam a asserção de que o Tribunal não pode proceder à leitura e análise do CRC dos arguidos, sem que estejam totalmente concluídas as operações de subsunção previstas nas alíneas citadas do art. 368.° n.° 2 do CPP, sob pena de violação de lei. I) Porém, o Tribunal quer na matéria de facto provada (fls. 220) quer na motivação da decisão de facto referiu-se à informação constante do CRC do Recorrente, sendo que da mesma constam outras condenações do ora Recorrente, o que constitui uma violação de lei (citados arts. 368.º e 369.° CPP) e das garantias constitucionais de defesa dos arguidos, maxime, da sua presunção de inocência até ao trânsito em julgado, prevista no art.32.º n.º 2 da CRP; J) Porquanto, ao ter acesso ao CRC do arguido, em momento em que a convicção sobre os factos em apreço estava ainda em formação, o Tribunal K) Ficou impedido de manter a necessária objectividade e neutralidade exigível a quem aprecia condutas humanas susceptíveis de configurar (ou não) factos criminosos; L) Tais informações constantes do registo assumem, por vezes, o papel de fundamentação ou compensação da culpa do arguido, precisamente em virtude de todo o passado criminal do arguido ser prematuramente conhecido pelo julgador, jogando os antecedentes criminais do arguido, indistintamente, um papel de primeiro plano na determinação da culpa do arguido, o que se está em crer que pode ter contribuído, in casu, para a formação de preconceitos ou até facilitação de prova, ainda que de modo involuntário pelo Tribunal a quo. M) Deve, por todo o exposto, o acórdão recorrido ser declarado nulo, ordenando-se a repetição do julgamento. O MP respondeu, sustentando a confirmação da decisão recorrida. Neste STJ, o sr. Procurador-Geral Adjunto considerou nada obstar ao conhecimento do recurso. Realizou-se a audiência de julgamento, nos termos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto fixada: 1. Em data não determinada, mas compreendida entre os dias 12 e 23 de Julho de 2005, o arguido AF entrou, por forma não apurada, na posse do impresso para cheque n° 7000000 da conta bancáría n° 6000000, do Banco ...., e de que era titular ET; 2. Esse impresso de cheque havia sido retirado, durante a noite de 11 para 12 de Julho de 2005, juntamente com outros, do interior do veículo automóvel pertença da referida ET, quando o mesmo se encontrava estacionado na Rua ....em Vila Franca de Xira; 3. Alguns dias antes de 23 de Julho de 2005, o arguido contactou telefonicamente JG, um dos legais representantes da empresa “M... – Componentes Auto, Lda.”, com sede no Sobralinho, e encomendou-lhe mercadorias diversas do comércio daquela, designadamente chapas reflectoras, filtro de ar, filtro de óleo, porcas, pernes, farolins, óleos, guarda-lamas e bomba de cabine, tudo no valor global de € 1.058,08 (mil e cinquenta e oito euros e oito cêntimos); 4. Na tarde do dia 23 de Julho de 2005, o arguido deslocou-se ao estabelecimento da ofendida “M... – Componentes Auto, Lda.” a fim de levantar as mercadorias, sendo atendido por JG e por HS, actualmente esposa do primeiro e também ela legal representante da ofendida; 5. Para pagamento das mercadorias encomendadas, o arguido entregou então à HS o impresso de cheque supra mencionado, no qual já havia sido previamente manuscrito, com o conhecimento e a concordância do arguido, e por pessoa cuja identidade não foi possível apurar mas que não a sua legítima titular ET, no espaço reservado à assinatura, o nome de “ET”; 6. Acto seguido, o arguido pediu à HS que preenchesse os demais espaços do cheque, alegando para o efeito que era o único cheque que trazia consigo e que tinha medo de se enganar, pedido este a que a HS acedeu, na convicção de que o arguido era legítimo possuidor do cheque em causa; 7. Assim, e em execução do que lhe havia sido solicitado, a HS inscreveu no cheque, pela sua própria mão, os dizeres “Alverca” no espaço destinado ao local de emissão, “M.., Lda.” no espaço destinado ao destinatário, “2005-07-23” no espaço destinado à data de emissão, e ainda “1.058,08” e “mil oitocentos e cinquenta e oito euros e oito cêntimos” nos respectivos espaços destinados ao valor; 8. Após esse preenchimento, a HS ficou na posse do cheque, entregando ao arguido todas as mercadorias “encomendadas”; 9. Nessa mesma ocasião, e igualmente a pedido do arguido, a HS emitiu, em nome de LR, com o n° de contribuinte 5000000, o documento de venda a dinheiro n° 269; 10. Bem sabia o arguido que os elementos por si fornecidos, nome e n° de contribuinte, não tinham qualquer correspondência com a realidade; 11. Apresentado a pagamento o referido cheque, no dia 25 de Julho de 2005, na agência de Alverca da Caixa Geral de Depósitos, para crédito em conta bancária da “M......, Lda.”, veio o mesmo a ser devolvido por motivo de “furto”, conforme carimbo aposto no seu verso no dia 27/05/2005 – e uma vez que no dia 12 de Julho de 2005 a ET solicitara por escrito ao BCP a revogação de todos os cheques que lhe haviam sido ilicitamente subtraídos, entre os quais se encontrava este utilizado pelo arguido; 12. Ao agir da forma descrita, fê-lo o arguido com o propósito de integrar no seu património, e fazer coisas suas sem qualquer tipo de contrapartida, aquelas mercadorias, como na realidade aconteceu, não ignorando que actuava contra a vontade e sem autorizarão da sua legítima dona, a “M....., Lda”; 13. Ao exibir aquele cheque preenchido com o nome correspondente ao da sua legitima titular como o fez, pretendeu e conseguiu o arguido fazer crer aos legais representantes da “M...., Lda.” que era o seu legítimo portador e que tinha poderes para através daquele cheque movimentar a conta bancária a que o mesmo correspondia; 14. Ao lançar mão de semelhantes estratagemas, mais pretendeu e conseguiu o arguido que a HS preenchesse o cheque conforme lhe solicitou, que emitisse aquele documento de venda a dinheiro, e que lhe entregasse as mercadorias, o que só fez na convicção de que aquele cheque era adequado meio de pagamento e que, assim, a entrega das mercadorias ao arguido era devida; 15. Como consequência desta conduta sofreu a “M...., Lda.” uma diminuição do seu património em € 1.058,08; 16. Resultados estes que o arguido previu e quis; 17. O arguido agiu assim com intenção de, através da utilização daquele cheque, obter um aumento indevido do seu património, como aconteceu; 18. Sabia ainda o arguido que o cheque é um meio de pagamento que goza nas transacções comerciais de confiança e segurança, e que ao utilizar como o fez aquele cheque punha em perigo a credibilidade de que tal título de crédito é merecedor, afectando ainda a genuinidade e a veracidade dos factos que o cheque visa atestar perante as pessoas em geral e as instituições bancárias em particular; 19. Agiu sempre o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e merecedora de censura criminal; 20. No pagamento de taxa de justiça e de honorários ao seu advogado, a demandante “M...., Lda.” despendeu quantia não inferior a € 1.000 (mil euros); 21. O arguido AF já foi condenado criminalmente nas seguintes ocasiões: i. em Julho de 1997, pela prática em Novembro de 1995, de crime de passagem de moeda falsa, em pena de prisão suspensa na sua execução, ii. em Maio de 1999, pela prática em Março de 1998, de crime de furto de uso de veículo, em pena de prisão suspensa na sua execução, iii. em Março de 2000, pela prática em Janeiro de 2000, de crime de condução automóvel sem habilitação, em pena de multa, iv. em Abril de 2001, pela prática em Setembro de 2000, de crimes de condução automóvel sem habilitação e de desobediência, em pena de prisão suspensa na sua execução, v. em Novembro de 2001, pela prática em Janeiro de 2000, de crime de ofensas à integridade física, em pena de multa, vi. em Maio de 2003, pela prática em Novembro de 2001, de crime de burla qualificada, em pena de multa, vii. em Junho de 2004, pela prática em Fevereiro de 2004, de crimes de condução sem habilitação e de desobediência, em pena de prisão suspensa na execução por 4 anos (processo n° 6/04.0GBARL do Tribunal de Arraiolos), viii. em Dezembro de 2004, pela prática em Abril de 2004, de crime de condução automóvel sem habilitação, em pena de prisão suspensa na sua execução por 3 anos (processo nº 276/04.4GTSTR do Tribunal de Almeirim), ix. em Outubro de 2005, pela prática em Novembro de 2002, de crime de emissão de cheque sem provisão, em pena de prisão suspensa na sua execução por 3 anos (processo n° 28/03.9GBGDL do Tribunal de Grândola), x. e em Dezembro de 2006, pela prática em Julho de 2005, de crimes de condução automóvel sem habilitação e de desobediência, em pena de multa. As questões que o recorrente coloca são as seguintes: violação do art. 359º do CPP, por ter sido alterada a qualificação jurídica dos factos do nº 1, a) do art. 256º do CP para o nº 3 do mesmo artigo, o que envolveu um agravamento dos limites máximo e mínimo da pena, sem que o arguido tivesse sido notificado pessoalmente do facto; violação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP e dos arts. 33º e 340º do CPP, por ter sido indeferido o requerimento em que era solicitada a audição do arguido e das testemunhas nele indicadas; violação dos arts. 368º e 369º do CPP, por ter sido referida na matéria de facto e na sua motivação a informação constante do CRC. Violação do art. 359º do CPP O arguido foi acusado, além do mais, de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256º, nº 1, a) do CP. Contudo, no decurso da audiência, o tribunal considerou que os factos, sendo referentes à falsificação de um cheque, integrariam o nº 3 do art. 256º do CP, ordenando a notificação da defensora do arguido, na ausência deste, dessa alteração de imputação, ao abrigo do art. 358º, nº 3 do CPP. Entende o recorrente que, impondo a alteração o agravamento dos limites máximo e mínimo da moldura penal, se trata de uma alteração substancial dos factos, por força do art. 1º, f) do CPP, à qual é aplicável o art. 359º do mesmo diploma, sendo obrigatória a intervenção pessoal do arguido para que a alteração seja válida. Não tem manifestamente razão. Na verdade, na al. f) do art. 1º do CPP classifica-se como alteração substancial dos factos, em contraste com a alteração não substancial, aquela que envolva a imputação de crime diverso ou o agravamento da moldura penal. Ponto é, no entanto, que se verifique uma alteração de factos. Pois, quando os factos se mantiverem intocados e apenas se proceda a uma qualificação jurídica diversa da que constava da acusação, essa alteração é equiparada pelo legislador à alteração não substancial dos factos – nº 3 do art. 358º do CPP. No caso dos autos, o tribunal não procedeu a nenhuma alteração dos factos que já constavam da acusação. Apenas divergiu da acusação (e bem, diga-se) quanto à qualificação dos mesmos, pois a falsificação de cheque é punível pelo nº 3 do art. 256º do CP, e não pelo nº 1 do mesmo artigo. Consequentemente, foi correcto o recurso ao mecanismo do art. 358º, nº 3 do CPP. Assim como foi correcta a notificação realizada na pessoa da defensora do arguido. Com efeito, apenas os actos indicados no nº 9 do art. 113º do CPP, em que não se inclui o cumprimento do art. 358º, nº 3 (nem aliás o do art. 359º), devem ser notificados pessoalmente ao arguido. Carece, pois, de fundamento a primeira questão suscitada pelo recorrente. Violação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP e dos arts. 333º e 340º do CPP Entende o recorrente que foram infringidas estas disposições pelo presidente do tribunal, ao indeferir o requerimento apresentado no dia de julgamento, em seu nome (mas assinado pela sua mulher), no qual dizia estar impossibilitado por doença de comparecer, mas requeria a sua audição noutra data, bem como a audição de testemunhas que nesse mesmo requerimento identificava. Há que recordar previamente que o julgamento esteve inicialmente marcado para 6.2.2007, tendo o arguido faltado, alegadamente por doença, falta essa que não foi justificada. Adiado para 10.4.2007, o julgamento também não se realizou nessa data, com fundamento em ausência do MP, mas o arguido voltou a não estar presente, mais uma vez por alegado motivo de doença, transmitido pelo telefone. Foi então designado o dia 4.6.2007 para a audiência, sendo o arguido notificado com a advertência de que poderia ser julgado na sua ausência, e representado para todos os efeitos pelo seu defensor. No dia marcado, mais uma vez o arguido faltou, tendo a sua mulher dado entrada no tribunal, via fax, a um requerimento, por ela assinado, em que o arguido dizia estar impossibilitado de comparecer, por estar no hospital, e pedia a sua audição noutra data, assim como a de duas testemunhas que no mesmo requerimento identificava. Esse requerimento foi indeferido por despacho do presidente do tribunal colectivo, exarado na acta de julgamento, por ser intempestivo quanto à apresentação da defesa, e por não alegar qualquer motivo de adiamento da audiência, tendo assim sido efectivada a audiência de julgamento. Independentemente da correcção do despacho em causa (e parece que ele é inatacável, pois há muito tinha passado o prazo de apresentação da defesa e o requerimento não juntava qualquer documento que atestasse a impossibilidade de comparência do arguido, estando este notificado de que a audiência se poderia realizar na sua ausência), certo é que ele transitou em julgado, pois não foi impugnado pelo arguido dentro do prazo legal de 15 dias, que se contava a partir da data em que o despacho foi proferido, já que o arguido estava representado por uma defensora oficiosa (art. 411º, nº 1, 2ª parte, do CPP). Improcede, pois, também esta questão. Violação dos arts. 368º e 369º do CPP Considera o recorrente que foram violados os preceitos citados porque da matéria de facto, e da sua motivação, consta a referência aos dados contidos no CRC, nomeadamente as condenações anteriormente por ele sofridas. Em seu entender, aqueles preceitos impõem que só depois de fixada a matéria de facto pode o tribunal ter acesso ao CRC do arguido, sob pena de a formação da convicção sobre os factos imputados ser afectada, na sua objectividade, pelo conhecimento do passado criminal do arguido. Mas também aqui carece da razão. É um facto que o CPP consagra um sistema (mitigado) de cisão (“césure”) na fase decisória do processo, que se processa em duas fases: a da “questão da culpabilidade” (art. 368º do CPP), em que se fixam os factos; e a da “questão da determinação da pena” (art. 369º do CPP), em que se procede à determinação da pena, se for caso disso. É nesta segunda fase que devem ser conhecidos e valorados os elementos referentes à pessoa do arguido, nomeadamente o CRC, a perícia de personalidade e o relatório social. Contudo, estas duas fases, embora logicamente, e também normativamente, ordenadas em sequência, consubstanciam-se numa única decisão: a sentença. Não há, contrariamente ao que acontece, no processo civil, nas acções ordinárias, ou, como acontecia no CPP de 1929, nos julgamentos realizados pelo júri, uma decisão inicial quanto à matéria de facto, devidamente publicitada, seguida da decisão de direito. A cisão operada pelo legislador não separou de facto aqueles dois momentos (as duas “questões”) em duas fases processuais distintas, cada uma com a sua decisão, aberta à publicidade. Na realidade, a “césure” separou apenas logicamente, mas não materialmente, as duas “questões”, tornando ténues as possibilidades de controlo efectivo pelas partes da sua efectivação. Assim, como de todo o processo decisório o único “testemunho” é a sentença, pois a acta de julgamento nada pode referir sobre a discussão e a deliberação, por força do art. 367º do CPP, ela deve obedecer aos cânones estabelecidos no art. 374º do mesmo diploma, que estabelece uma sistematização da sentença em termos de fundamentação de facto e de direito, a qual remete necessariamente as informações sobre a pessoa do arguido, nomeadamente as constantes do CRC, para a matéria de facto, como factos que são (isto é, circunstâncias da vida real), a par dos factos inerentes à infracção imputada. Estando embora incluídas na matéria de facto, tal não significa que essas informações tenham sido tidas em conta juntamente com as provas atinentes aos factos referentes ao crime imputado; tal significa apenas que, na sistematização da sentença, elas aparecem enquadradas na matéria de facto, a que normativamente pertencem. Poderá dizer-se que assim se torna insindicável ou quase o cumprimento dos arts. 368º e 369º do CPP. Tal limitação resulta, porém, como se referiu atrás, da opção do legislador, ao adoptar uma versão mitigada do princípio da “césure” da decisão em processo penal. Deste modo, também nesta parte o recurso não merece provimento. III. DECISÃO Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso. Vai o recorrente condenado em 8 UC de taxa de justiça. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008 Maia Costa (relator) Pires da Graça Raul Borges Henriques Gaspar
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031776 Nº Convencional: JTRP00030240 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: PARTILHA DA HERANÇA INVENTÁRIO LEGITIMIDADE ACTIVA CUMULAÇÃO DE INVENTÁRIOS Nº do Documento: RP200102080031776 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV PENAFIEL Processo no Tribunal Recorrido: 102/99 Data Dec. Recorrida: 09/11/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Indicações Eventuais: LIVRO 445 - FLS. 73 A 76 Área Temática: DIR PROC CIV - PROC INVENT. DIR CIV - DIR SUC. Legislação Nacional: CPC95 ART1337 ART1404. CCIV66 ART2133. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1995/04/06 IN CJ T3 ANOXX PAG107. AC RL DE 1980/06/20 IN CJ T3 ANOV PAG198. AC RL DE 1976/02/18 IN CJ T1 ANOI PAG234. Sumário: I - Não é possível cumular o inventário para partilha da herança de pessoa falecida, com o inventário para partilha dos bens do seu casal, dissolvido por divórcio cuja sentença transitou em julgado antes da morte daquele "de cuis". II - A divorciada, ex-cônjuge do falecido, não tem legitimidade para promover inventário destinado a partilhar a herança dele. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130039 Nº Convencional: JTRP00030304 Relator: COELHO DA ROCHA Descritores: DEFESA DO AMBIENTE PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA Nº do Documento: RP200102080130039 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V N CERVEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 132-A/00 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR AMB. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CONST97 ART9 ART20 ART66 N1 N2. L 11/87 DE 1987/04/07 ART10 ART21 N1 N2 ART26 N1. DL 74/90 DE 1990/03/07 ART47. CPC95 ART381 N1 ART383 N1 ART384 N1 N4 ART387 N1. Sumário: I - Na defesa da natureza e do ambiente é fundamental o princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos. II - Uma providência cautelar não especificada será meio particularmente adequado para obter a cessação da actividade lesiva do meio ambiente. III - Estará nessa situação, justificando-se o encerramento preventivo da unidade poluidora, o depósito de sucata e transformação de entulho indiscriminados, sem cumprimento de directivas e imposições legais, uma vez que os riscos para o meio ambiente circundante são potenciados pela sua manutenção. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Em 11.7.2000, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, o Ministério Público, ao abrigo do disposto, nos artigos 26-A, CPrC, 45º-3, da Lei nº 11/87, de 7.4 e 5º-1, e), da Lei nº 60/98, de 27.8 (Estatuto do Mº Pº), na defesa dos interesses difusos que lhe incumbe proteger, veio requerer providência cautelar não especificada, nos termos do art. 381º, ss, CPrC, contra R...., cidadão espanhol, com domicílio profissional na ............, Vila Nova de Cerveira, pedindo, se ordene que o requerido R..... cesse de imediato a actividade que desenvolve no depósito de sucata, sito no seu lote de terreno, com 2400 m2, no estremo do arruamento principal do ............. de V N Cerveira; fixando-se-lhe uma sanção pecuniária compulsória, em montante adequado e suficiente, para assegurar o cumprimento da requerida providência que vier a ser decretada, nos termos dos art.s 383º-2, CPrC e 829º-A, CC, porquanto, na exploração do referido lote de terreno, o requerido, desde 1994, vai ali acumulando sucata variada, com depósito e transformação de entulhos (ferro velho, automóveis, baterias, frigoríficos, pneus e resíduos sólidos), como em terrenos adjacentes que entretanto comprara, sem qualquer critério. Não curou de vedar tal depósito da sucata, que é visível do exterior, nem tem uma zona de protecção circundante (art. 4º, nº 1 e 3, do Dec Lei nº268/98, de 28.8), estendendo-se até à via pública. Aí, não tem área de desmonte de peças, de armazenagem de produtos perigosos, nem a sucata que recebe, é submetida a descontaminação (art. 5º, nº 2 e 3, ib); o solo não foi objecto de impermeabilização, e próximo há cursos de água que desaguam no Rio Minho. Óleos e substâncias derramadas no solo, poluem e afectam os subterrâneos de água. Da queima, a céu aberto, de resíduos sólidos, há a libertação de fumos , poeiras e cheiros; do que resulta afectação da qualidade do ar e incómodos e mal-estar para os moradores próximos. A indiscriminação do depósito da sucata, alberga roedores, propagadores de doenças. Nela se contêm resíduos perigosos (tabelas 3-B e 4, do Dec Lei nº 121/90, de 9.4 e anexos B e II da Directiva 91/689/CEE, de 12.12, CEE), que fazem perigar a saúde dos habitantes próximos e poluem o ambiente. O local confronta com a linha férrea, que liga o Porto à Galiza, que tal qual está afecta o equilíbrio paisagístico. A sua instalação, ao presente, não se encontra licenciada (art. 7º, Dec Lei nº 268/98) e tem de obedecer a condicionamento de implantação legais. Posto em causa pelo requerido está o direito à saúde e à qualidade de vida (art.s 70º, CC e 24º, CRP), bem como a lesão do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66º, CRP). A manter-se a situação e actividade, há uma lesão contínua ao ambiente, como valor em si mesmo (art. 5º, 2 a), Lei 11/87, de 7.4), dado dela advir consequências nefastas para alguns dos seus componentes: ar, água e solo; como agravamento e sua degradação; e continuada violação dos direitos à saúde, bem estar e qualidade de vida da população residente na zona. Importará, por isso, prevenir e evitar a ocorrência de novas e contínuas lesões de tais valores, ordinária e fundamentalmente protegidos. Deduzindo oposição, o requerido R..... -excepcionou a incompetência em razão da matéria deste Tribunal Cível, atribuindo-a ao foro administrativo; -e impugnando, historia as suas divergências de âmbito juridico-administrativo com a Câmara local, quanto ao desenvolvimento da sua actividade de depósito de sucata no local ora em causa, que por não ser deste foro cível ora não importa referir; bem ainda rejeita os moldes desenhados pelo requerente da providência; no entanto, aceitando a exploração do depósito da sucata, que diz acondicionada e protegida com muros de blocos de 2 x 3 m, rede e pano verde que a torna invisível do exterior; possuindo barracão de corte, de desmontagem de peças usadas. No mais, enjeita a violação de quais dos invocados direitos legalmente protegidos; considerando a requerida providência destituída de fundamento legal e material e inadequada processualmente à resolução de tal litígio. Conclui pela procedência da excepção e/ou improcedência da providência requerida. Indica prova testemunhal, requerendo a notificação da Câmara para juntar documentos e a solicitação à DRAN de análise da qualidade das águas subterrâneas das proximidades do local questionado, como da medição da qualidade do ar ambiente Produziu-se despacho, admitindo os róis de testemunhas, ordenando-se a notificação à Câmara; mas, quanto à perícia requerida e referida, entendeu-se que não era necessária de momento, "atento o carácter sumário da prova neste tipo de processo", assim se indeferindo. Havendo notificação ordenada, do assim decidido não foi interposto qualquer recurso. O Tribunal deslocou-se ao local; e perante a prova produzida e apresentada, teve por assente a seguinte matéria: 1.-O requerido é proprietário de um lote de terreno, com 2 400 m2, sito no estremo do arruamento principal do ............ de Vila Nova de Cerveira, e, em 19.4.1994, obteve a licença de utilização de tal local, como armazém. 2.-Todavia, desde o ano de 1994, vai ali acumulando sucata variada, e, actualmente, possui e explora uma indústria de depósito e transformação de entulhos, onde se amontoa ferro velho, carcaças de veículos automóveis em fim de vida, baterias, pneus e outros resíduos sólidos, abreviadamente designada por depósito de sucata. 3.-O requerido tem vindo a adquirir os terrenos adjacentes, a norte do lote onde se situa tal depósito de sucata, e aí tem vindo a espalhar toneladas de resíduos ferrosos e demais entulho, sem qualquer critério. 4.-O depósito da sucata não é envolvido por qualquer sebe vegetal, existindo apenas um muro de blocos e uma rede e um pano verde, que não impedem a visibilidade do exterior da sucata e entulho ali sobrepostos em altura, em área não coberta, nem por uma zona de protecção circundante. 5.-Nos terrenos confinantes, posteriormente adquiridos pelo requerido, nem sequer estão assinalados os respectivos limites, estendendo-se o amontoado da sucata, detritos e entulho, até junto do asfalto da via pública. 6.-Não existe em tal depósito de sucata, área especialmente prevista para operações de desmonte de sucata e armazenagem de produtos perigosos; nem a sucata recebida é imediatamente submetida à respectiva contaminação, por via da remoção e separação dos resíduos perigosos. 7.-O solo do depósito da sucata não foi objecto de impermeabilização; sendo que, próximo do local, correm cursos de água, que desaguam no Rio Minho. 8.-No depósito da sucata, há vestígios de óleos e de outra substâncias derramadas no solo. 9.-A existência do depósito da sucata, pelo modo como está instalado e é gerido, afecta o ambiente, poluindo-o 10.-O lote de terreno propriedade do requerido, onde se amontoa, sem qualquer vedação efectiva, a sucata, entulho e demais detritos, confronta a poente com a linha férrea, que liga o Porto à Galiza, o que afecta o equilíbrio paisagístico, já que os passageiros dos comboios assistem ao modo desordenado, como o depósito da sucata está instalado. Com base no que se decidiu, julgar procedente a providência cautelar inominada, condenando-se o requerido a a).-encerrar imediatamente e a manter encerrado, sem qualquer actividade, o depósito da sucata a que se referem os presentes autos, -até que proceda à impermeabilização do solo do mencionado depósito, envolva o mesmo por uma cortina arbórea, que impeça a sua visibilidade do exterior, com pelo menos 3 m da altura, construa no seu interior uma zona de protecção circundante, com a largura de 5 m, contados desde a linha limite da cortina arbórea e uma zona especialmente destinada a armazenagem temporária de resíduos perigosos, e, por último, remova todo o espólio da sucata dos terrenos adjacentes, para dentro do mencionado depósito. b).-pagar a quantia de 7.000$00 por dia de atraso no cumprimento ou infracção da obrigação de encerrar e manter encerrado o dito depósito. Inconformado, o requerido interpôs recurso; que foi admitido, como de agravo, com subida de imediato, em separado, e efeito meramente devolutivo. Alegando, concluiu: 1.-Os factos apurados demonstram que, ao contrário do sustentado pelo Mº Pº, nenhuma das componentes naturais do ambiente sofreu ou corre risco de sofrer dano com o funcionamento deste depósito da sucata. Com efeito, 2.-"in casu", não se demonstrou qualquer poluição do ar ou contaminação das águas, nomeadamente dos seus mananciais subterrâneos. Por outro lado, 3.-apenas se deu como provado que no depósito da sucata há vestígios de óleos e outras substâncias derramadas no solo, e se concluiu, sem mais, que a existência no local do depósito da sucata afecta o ambiente, poluindo-o. Ora, 4.-nenhum facto concreto existe apurado nos autos que indique que este depósito de sucata polui o ambiente, nomeadamente o seu componente natural solo. Com efeito, 5.-a indicação da existência de vestígios de óleo e de outras substâncias derramadas indeterminadas não permitem por si, despida de qualquer facto concreto e sem qualquer prova pericial ou científica adequada, que se extraia legitimamente a conclusão da poluição do ambiente e da sua componente natural solo. Também, 6.-e não obstante os esforços louváveis do Mº Pº em alegar factos exaustivos, para demonstrar a afectação da saúde pública com o funcionamento deste depósito da sucata, não logrou provar, como não podia, um sequer que fosse. Por sua vez, 7.-a afectação paisagística está circunscrita aos passageiros dos comboios, que utilizam o caminho de ferro Porto- Valença, quando por ali passam, esporadicamente, em reduzidos segundos. Sendo que 8.-a mesma é imputável à Câmara Municipal de V N Cerveira, que depois de autorizar a implantação de coberto vegetal, que eliminasse esse impacto, revogou ilegalmente essa deliberação, impedindo a sua colocação. De igual forma, 9.-os vestígios de óleo e de outras substâncias indeterminadas derramadas no solo, também só se verificam, porque a Câmara Municipal, após ter autorizado a execução de obras de impermeabilização do solo e a construção de um local isolado e dotado de uma fossa com dispositivo que garante a separação dos óleos e previne todo e qualquer risco de contaminação do solo, revogou ilegalmente o licenciamento dessas obras e impediu, consequentemente, a respectiva execução. Ora, 10.-se é dever dos cidadãos contribuir para um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, tal é também tarefa do Estado, em harmonização com as autarquias locais e aqueles - art. 9º, CRP. Também, 11.-é tarefa do Estado e das autarquias locais prevenir e controlar a poluição, ordenar e promover um correcto ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades. Sucede que 12.-neste caso, é exactamente o Estado quem impediu ilegalmente o recorrente de adaptar o funcionamento da sua sucata às prescrições constantes do Dec Lei nº 267/98, de 28.8, e não lhe facultou outra alternativa, a que se encontra obrigado constitucionalmente. Assim, 13.-a decisão recorrida, ao impor obras que a Câmara Municipal não consente, proferiu decisão inconstitucional e ilegal, nomeadamente por ser ofensiva dos bons costumes e da moral pública. De facto, 14.-o Tribunal ao impor ao recorrente as obras que a Câmara Municipal agora não autoriza, depois de as ter autorizado, está a proferir sentença sancionatório definitiva do encerramento deste depósito de sucata. Ora, 15.-competindo ao Estado e à Câmara Municipal solucionar em conjunto com o recorrente esta situação, que lhe foi criada pela entrada em vigor do Dec Lei nº 267/98, de 28.8, é ilegítimo, abusivo, ilegal e inconstitucional sancionar o recorrido a cumprir uma decisão da qual depende de terceiros para a conseguir. De todo o modo, 16.-os autos não oferecem elementos de prova científicos ou qualquer outro credível, que demonstrem a verificação a contaminação do solo ou risco da sua ocorrência. Pelo exposto, 17.-a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 9º d), 66º-1 e 2, a), b) e f), CRP; 1º-1, 21º-1, 2 e 3, do Dec Lei 627/98, de 28.8; 280º, 281º, 295º, 334º e 342º-,CC; 387º-1 e 2, 668º,1 b) e d), CPrC, 20-1 e 6º, do Dec-Lei nº 11/87, de 7.4. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra -que autorize o recorrente à manutenção do funcionamento do estabelecimento do depósito da sucata em causa, condicionado à execução das obras nele impostas, no prazo de 6 meses, após o seu licenciamento municipal. Ou subsidiariamente, -proceder-se à anulação do julgamento e ordenar-se "ex officio" a realização de diligências de prova pericial e científica, com vista ao apuramento da natureza dos líquidos derramados no solo e ao apuramento da existência de risco de continuação. Não foram apresentadas contraalegações. Arguta e tenazmente, se sustentou a manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. A matéria tida por apurada na 1ª instância está inquestionada, à excepção que dela se possa extrair a ilação de que, em si, ela seja poluente do ambiente, o que o requerido/agravante não aceita. Vejamos. Será que de tais factos demonstrados se poderá concluir pela inexistência de fundamento para o receio da lesão do meio ambiente, como consequência da manutenção do exercício da actividade do depósito de sucata, no local em causa, pelo requerido R........? O Tribunal Julgador, perante tal matéria já enunciada e provada, adveniente das provas produzidas e de uma inspecção judicial ao local, respondeu a tal pergunta negativamente, afirmando e concluindo que, perante o quadro circunstancial desenhado, o fundado receio de que o depósito de sucata em exercício constitua um prejuízo efectivo e grave para o ambiente, não pode deixar de fazer vingar a presente providência cautelar. Como relatámos já, nesta se pretende a cessação imediata da actividade que o requerido desenvolve no identificado depósito de sucata, acrescida de sanção pecuniária compulsória, para o caso de este não acatar o cumprimento de tal providência, assim, decretada. Bem se afirmou "a quo" que aqui (foro judicial cível) apenas está em causa a violação, ou não, do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado por parte de um particular (o requerido); o prejuízo que o depósito da sucata deste em actividade possa acarretar ao ambiente e à qualidade de vida das pessoas que residem nas redondezas. O pedido formulado na providência "sub judice" incide directamente sobre a abstenção de actividade alegadamente lesiva do ambiente e do exercício do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Aqui, importará tão-só averiguar se, na perspectiva do pedido e da causa de pedir da requerida providência cautelar, a disciplina do art. 66º-2, da Constituição da República Portuguesa, foi respeitada ou infringida. E sempre aqui teremos de ter presente que estamos no domínio de providência meramente cautelar, que abarca a medida que, em concreto, é requerida ou é julgada adequada, para acautelar o direito substantivo sumariamente invocado e corresponde aproximadamente ao pedido que será formulado na acção declarativa (art.467º-1 d), CPrC) e que deve ser objecto de apreciação na decisão final (art. 661º-1, ibidem). Isto porque, como regra, a todo o direito corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou requerer a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias, para acautelar o efeito útil da acção (art. 2º-2 ib). Importará, pois, a concessão de tutela cautelar, nos casos em que a falta de uma decisão imediata, ainda que provisória, seja susceptível de causar prejuízos graves. Como a sua própria designação evidencia, o procedimento cautelar não se destina a investir contra uma lesão consumada, mas a prevenir "o receio de lesão" (art.s 381º-1 e 387º-1). A natureza e a finalidade dos procedimentos cautelares não se compadecem com delongas excessivas, ainda que porventura destas possa emergir uma decisão mais segura; sem que no entanto isso possa e deva conduzir a uma decisão precipitada, decretando a providência em casos em que não estejam reunidas as condições, para a concessão da tutela provisória. Ao decidir sobre a providência a decretar, deve adquirir-se da prova já produzida com intervenção de ambas as partes, um certo grau de certeza e/ou verosimilhança, que lhe confira segurança. No juízo de prognose a fazer-se perante a decisão a proferir, deve compatibilizar-se a celeridade admissível e desejável com a certeza jurídica possível e previsível, no quadro circunstancial em tais parâmetros legais apurado. Bastará, assim, para que possa decretar-se a providência cautelar um "fumus boni iuris" decorrente de uma "summaria cognitio". Deste modo, se evitará o prejuízo da demora inevitável do processo declarativo, de que a providencia depende, evitando que uma decisão favorável e procedente se torne puramente platónica - A Varela...in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 23. Perante a existência da matéria de facto recolhida, de indícios suficientes da verosimilhança do direito invocado, caberá ao aplicador do Direito o juízo positivo da aparência da existência desse direito. Cumprido está o ónus geral da alegação da matéria de facto, consubstanciadora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida pelo requerente (art. 3º-1 e 264º-1), como o oferecimento da prova sumária do direito ameaçado (art. 384º-1); que produzida, imporá a "summaria cognitio" da matéria apontada perante os comandos legais efectivamente invocados. Ainda que e porque assim, sempre a decisão cautelar terá o significado jurídico de "provisória" - art. 383º-4. Diz-nos a matéria tida por provada "a quo" que o requerido, desde 1994, tem uma licença de utilização do seu lote de terreno de 2 400 m2, sito no estremo do arruamento principal do ............. de V N Cerveira, para armazém. Porém, desde então, ali tem vindo a acumular sucata variada, onde presentemente explora uma indústria de depósito de sucata e transformação de entulhos, amontoando ferro velho, carcaças de automóveis, baterias, pneus e demais resíduos sólidos. Adquirindo terrenos adjacentes ao lote, neles tem vindo a amontoar toneladas de resíduos ferrosos e demais entulho, sem qualquer critério, estendendo-se até à via pública. Não envolve o depósito da sucata qualquer sebe vegetal, nem tem zona de protecção circundante, que é visível do exterior, sobrepondo-se a sucata e entulho em altura, e não coberta. Recebida é a sucata aí, sem que se proceda à sua descontaminação imediata, por remoção e separação dos resíduos perigosos. Aí, não há área prevista de desmontagem da sucata e armazenagem dos produtos perigosos. O seu solo não foi objecto de impermeabilização; aí há vestígios de óleos e outras substâncias derramadas. Próximo daí, há cursos de água, que desaguam no Rio Minho. Confronta o depósito da sucata com a linha férrea internacional Porto-Galiza, permitindo a visualização do desordenado da sucata, entulho e demais detritos aos passageiros dos comboios; e afectando o equilíbrio paisagístico. Assim se diz, este "modus operandi" da sucata instalada afecta e polui o ambiente. Bem se diz, que na realidade que é a vida, o Direito é um todo, pelo que a Ordem Jurídica é integrada por institutos que se avizinham e, muitas vezes se interpenetram nas respectivas disciplinas. Cientes temos de estar porém, que ora e aqui, já atrás o fixámos, nos limitaremos à área da competência do foro da jurisdição cível (pedido e causa de pedir formulados); ficando, por isso, postergada a sindicabilidade judicial da deliberações camarárias autárquicas sobre os licenciamentos exigíveis para o local, que são do âmbito do foro administrativo, por tangerem a apreciação da legalidade e validade de actos administrativos. Assim, no nosso âmbito de cognição, não contende dizer-se, perante a matéria provada, que se evidencia a existência do direito ao ambiente que se pretende ver tutelado e que se corporiza nas diferentes componentes naturais que integram o local, onde se exercita a actividade industrial de depósito e transformação de sucata e entulhos vários, nomeadamente água, ar, solo, subsolo e paisagem. Aqui, questiona-se essencialmente o facto de, a manter-se o exercício de tal actividade industrial, nas mesmas circunstâncias descritas, haver susceptibilidade de causar lesão no ambiente, ou mais concretamente se pode fundadamente recear-se que da manutenção de tal "statu quo" poderá resultar aquela lesão. A realidade factual provada traduz-se no bastante e suficiente para sobre a requerida providência cautelar se poder ajuizar e decidir. Se é exacto que esta se não destina, como a sua própria designação evidencia, a investir contra uma lesão já consumada, mas a prevenir o "receio de uma lesão", esse receio estava perfeitamente justificado, por ser de admitir, num juízo de razoabilidade, que o requerido continuasse a sua acção prejudicial. E nada permite o diagnóstico de que "o prejuízo resultante da providência" seja superior ao "dano que com ela se quer evitar" (art 387º-2). Dentre o mais, é tarefa fundamental do Estado "defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar o correcto ordenamento do território" art. 9º, CRP; porque os cidadãos, cada um e todos, têm direito a "um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado" e "o dever de o defender"- art. 66º-1, ibidem.; para garantia e salvaguarda dos quais se instituiu a acção popular (art 52º-3, ib) civil; que pode revestir qualquer das formas previstas no CPrC (art.s 1º-1,12º-2, Lei 83/95, de 31.8). Assim, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a apoio a iniciativas populares prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão (a); "ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento socio-económico e de paisagens biologicamente equilibradas " (b).... (art 66º, 2, CRP). Fundamental é, pois, além doutros, o princípio da prevenção - segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem, e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la "a posteriori" - sendo a forma de procedimento cautelar ajuizada a particularmente vocacionada para o concretizar. A cada cidadão, pois, é imposto constitucionalmente não só a obrigação de não atentar contra o ambiente (v. g. não poluir); como o dever de impedir os atentados de outrem contra o ambiente. A todos e a cada um de nós é reconhecido o direito de usufruir um ambiente humano, sadio e equilibrado, mas também nos incumbe o dever de preservar o ambiente e a qualidade de vida e de reagir contra os factores de degradação ambiental (art. 20º, CRP). Pelo referido princípio específico da prevenção, se estabelece que as actuações com efeitos imediatos ou a prazo, no ambiente, devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as suas causas prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente. Essencial é criar condições que permitam evitar as perturbações do ambiente, em vez de se limitar a combater posteriormente os seus efeitos (cfr preâmbulo do Dec Lei nº 186/90, de 6.6 e Directiva nº 85/337/CEE, de 27.6.1985). Daí, a imposição de, à aprovação de projectos com incidência significativa no ambiente, haver sujeição a processo prévio de audição de impacto ambiental. Enfrentando estas regras constitucionais e ordinárias, perante o quadro factual apurado, não é despiciendo concluir-se que a continuação em actividade da indústria de depósito de sucata e transformação de entulho, nas condições em que vem sendo feita, é desrespeitadora de tais ditames do legislador, e atentatória de grave impacto negativo no ambiente. Na verdade, o simples depósito dos resíduos e entulho, na qualidade, quantidade e modo se fazem no local, perante a proximidade de cursos de água, ar, solo, subsolo e paisagem, não podem deixar de interferir na sua normal conservação ou evolução, contribuindo, com razoável e forte probabilidade na degradação do ambiente, desvalorizando-o (art.s 21º-2 e 26º-1, Lei nº 11/87, de 7.4). Há na grandeza e volumetria, a céu aberto, de tais descritos resíduos a susceptibilidade de causarem impacto visual e contaminante das componentes ambientais presentes e locais, podendo causar-lhes, por isso, danos irreparáveis, ou de difícil reparação. Há que prevenir, por isso, antecipativamente, acautelando os bens da saúde, o bem estar e a forma de vida, o equilíbrio e a perenidade dos ecossistemas naturais e transformados, com a estabilidade física e biológica do território, referenciados nos art.s 21º-1 , da Lei 11/87 referida. É que a situação vertente, colocada à nossa análise, é susceptível de pôr tais bens em risco; sendo que "a tempo e a horas" o requerido, seu dono, não curou de acautelar o cumprimento das directivas e imposições legais, que condicionam o exercício no local de tal nociva e negativa actividade, nos moldes em que está a ser desenvolvida. De imediato, o encerramento preventivo de tal unidade poluidora - como se pede - é medida profilática que se impõe (art. 10º, LBA e 47º-1, do Dec Lei nº 74/90, de 7.3); e que a 1ª instância adequada e prudentemente, decretou. A manutenção do "statu quo" com a actividade implementadora e constante do requerido, implica riscos para o meio ambiente circundante, e nomeadamente possibilidade de lesões das suas componentes naturais água, ar, solo, subsolo e paisagem. No contexto dos factos provados, que temos no "quantum satis" para ajuizar e decidir da providência requerida, balizados pelo seu pedido e causa de pedir, se situa a nossa cognição e decisão. O que isto excede e está para além, nomeadamente a sindicância da legalidade, validade de actos administrativos da autarquia respectiva, repete-se, estão fora do nosso poder jurisdicional cível; que disso ora e aqui não importa conhecer. Dada a indicação e prova sumária do direito ameaçado ser o bastante para o legislador, para se decretar a providência cautelar (art. 384º-1, CPrC), que não terão qualquer influência no julgamento da acção principal (art. 383º-4), não se impunha aqui "cautelarmente" só a produção de prova alguma rigorosa ou científica como alega o recorrente (antes, esta a exigir no julgamento da acção principal). Factos não considerados na matéria provada "a quo" e referenciando-os a provar na acção principal, são irrelevantes no momento presente cautelar. De forma alguma se pode imputar a terceiro o amontoar de resíduos sólidos a que o requerido procede no seu lote de terreno e destina a depósito de sucata, sobre que exerce indústria de transformação, nas condições que os factos apurados evidenciam, que só ao requerido se ficam a dever, e que só a si cabe ultrapassar e resolver, dentro do condicionalismo legal existente. Por isso, a aplicação na decisão recorrida da sanção pecuniária compulsória ao requerido mostra-se adequada a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada.. Mantemos e temos por questão incontroversa, a de que a simples deposição de resíduos num determinado local, pelo menos com a dimensão da presente, é susceptível de gerar consequências que podem causar danos sobre determinados bens ambientais, v. g. depósitos de sucata, entulho e lixeiras a céu aberto, que desagradável e poluidoramente infestam a nossa natureza paisagística; donde necessariamente pela influência erosiva do tempo e temperatura ambientais, e de uma forma notória, se libertam maus cheiros e biogás, lixiviados contaminados que, em contacto com as componentes ambientais lhes provocam lesões, tantas vezes irreparáveis. Em tal apontado contexto, os riscos para o meio ambiente circundante do depósito da sucata e entulhos indiscriminados são potenciados pela sua manutenção. Só o encerramento de tal apurado "statu quo" minimizará os previsíveis efeitos danosos no futuro. As obras impostas "a quo" são propiciadoras da diminuição dos riscos ambientais, que apenas traduzem meras referências a imposições legais que, a serem cumpridas pelo requerido/recorrente, prevenirão o aumento do risco da continuação da poluição do valor ambiente, que, sem elas, ao presente, já existe. Do condicionamento e modo de realização de tais obras só a área administrativa local diz respeito. Está, nisso, fora da nossa jurisdição cível, pelo que sobre isso não nos compete debruçar. Mas caso as obras prescritas, necessárias e legalmente exigíveis, para a situação concreta desenhada, que dependam de licenciamento administrativo, não venham aí a serem autorizadas, nem por isso a situação de risco do ambiente persistirá evolutiva e degradante, dado o encerramento do depósito da sucata já ordenado. A verificação do condicionalismo para a reabertura do depósito da sucata só depende do recorrente/requerido, satisfazendo os requisitos legais exigíveis para o caso. Deste modo, neste domínio cível em que nos movemos, e pelo exposto, não há ofensa de quaisquer regras ou princípios quer da Lei Fundamental quer da ordinária. A prova sumária exigível e imposta como indispensável e bastante para o julgamento célere da providência cautelar "sub judice", não se compadece com a morosidade das perícias científicas (sugeridas e não admitidas, em tempo próprio, sem reacção) adequadas ao rigor, certeza e segurança da lesão efectiva, próprios da acção principal, de que a cautelar é dependência e na qual não tem efeitos repercutórios quer pelo julgamento da matéria de facto quer pela decisão final proferida nesta última. Na medida do exposto, tendo-se por prejudicado o mais, improcedem as conclusões da alegação do recurso. Termos em que se decide, -negar provimento ao agravo -e se mantém a decisão recorrida. Custas pelo requerido/agravante. Porto, 8 de Fevereiro de 2001 António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha Estevão Vaz Saleiro de Abreu Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130042 Nº Convencional: JTRP00030139 Relator: VIRIATO BERNARDO Descritores: COMPETÊNCIA CONVENCIONAL COMUNICAÇÃO CLÁUSULA CONTRATUAL ÓNUS DA PROVA Nº do Documento: RP200102080130042 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J STO TIRSO Processo no Tribunal Recorrido: 536-A/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART774 ART342 N3. CPC95 ART100 N1 N2 N3 N4 ART74. DL 446/95 DE 1995/08/31 ART5 N1 N2 N3. Jurisprudência Nacional: AC RC DE 1999/01/26 IN CJ T1 ANOXXIV PAG9. Sumário: I - As cláusulas contratuais respeitantes à fixação do foro competente em razão do território devem ser, pela pessoa que delas se prevaleça, comunicadas ao aderente de modo adequado e com a antecedência necessária para que se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo - sem o que não pode considerar-se validamente estabelecida entre as partes a competência do foro escolhido. II - O ónus da prova dessa comunicação cabe ao contratante que submeteu a outrem as cláusulas contratuais finais. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130109 Nº Convencional: JTRP00030308 Relator: CAMILO CAMILO Descritores: EMPREITADA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO ÓNUS DA PROVA Nº do Documento: RP200102080130109 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PAÇOS FERREIRA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 247/98 Data Dec. Recorrida: 30/10/1998 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N2 ART1221 N1. Sumário: Havendo cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, cabe ao empreiteiro que realizou a obra o ónus da prova de que a eliminação dos defeitos não é possível. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031755 Nº Convencional: JTRP00030244 Relator: JOÃO VAZ Descritores: DOAÇÃO ONEROSA NULIDADE DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO CUMPRIMENTO DONATÁRIO Nº do Documento: RP200102080031755 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ESTARREJA 1J Processo no Tribunal Recorrido: 9/99 Data Dec. Recorrida: 15/09/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART966 ART963 ART940 ART405. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/02/09 IN CJSTJ T1 ANOVII PAG94. AC STJ DE 1998/06/19 IN CJSTJ T2 ANOVI PAG116. Sumário: I - Na doação onerosa o encargo funciona como simples limitação ou restrição à prestação do disponente, e não como seu correspectivo. II - Se a doação veio a ser anulada por erro, por não constar da respectiva escritura apesar do acordado o ónus por parte da donatária de prestar assistência à doadora enquanto vivesse, a donatária não pode exigir da doadora indemnização pelos serviços que lhe prestou enquanto cumpriu o encargo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045016 Data do Acordão:08/09/1999 Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA Relator:PAMPLONA DE OLIVEIRA Descritores:REFORMA DE SENTENÇA ERRO MANIFESTO Sumário:I - A possibilidade de reforma de decisão jurisdicional, operada nos termos do n. 2 do art. 669 do CPC, é uma limitação da regra contida no n. 1 do art. 666 do mesmo Código que impõe a extinção do poder jurisdicional do juiz depois de proferida a decisão. II - Tal faculdade excepcional apenas permite ao juiz que proferiu a sentença alterar posteriormente o sentido da decisão mediante a correcção de um erro evidente que inadvertidamente cometeu quanto à qualificação jurídica ou na determinação da norma aplicável ou ainda por não haver considerado elementos constantes dos autos que por si só e inequivocamente impliquem decisão em sentido diverso. III - Fora destes casos, e em regra, o meio adequado para obter a alteração de decisões que enfermem de erro de julgamento é o recurso jurisdicional. Nº Convencional:JSTA00052237 Nº do Documento:SA119990908045016 Data de Entrada:19/05/1999 Recorrente:CM DE GONDOMAR Recorrido 1:EMP DE CONSTRUÇÕES E OBRAS PUBLICAS ARNALDO DE OLIVEIRA SA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:RECLAMAÇÃO. Objecto:AC STA PROC45016. Decisão:INDEFERIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL. Área Temática 2:DIR PROC CIV. Legislação Nacional:CPC96 ART669 N2. Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130112 Nº Convencional: JTRP00030802 Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL DANOS MORAIS DIREITO À VIDA CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102080130112 Data do Acordão: 08/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ESPOSENDE 2J Processo no Tribunal Recorrido: 176/98 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / DIR OBG. Legislação Nacional: DL 522/85 DE 1985/12/31 ART21. CCIV66 ART483 ART496. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/11/11 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG87. Sumário: I - A responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel pelo pagamento da indemnização de danos resultantes de acidente de viação depende da prova dos pressupostos da responsabilidade civil do lesante. II - No cálculo da indemnização pelo dano moral da perda do direito à vida deve ter-se em conta um "valor de natureza" ou valor em abstracto, que é igual para toda a gente, e um "valor social", pelo qual se encara a vida que se perde na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011041 Nº Convencional: JTRP00031365 Relator: MARQUES PEREIRA Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA PEÃO CULPA EXCESSO DE VELOCIDADE Nº do Documento: RP200102070011041 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J FELGUEIRAS 2J Processo no Tribunal Recorrido: 15/00 Data Dec. Recorrida: 15/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS / DIR ESTRADAL. Legislação Nacional: CE98 ART24 N1 ART27 N1. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1980/06/17 IN BMJ N293 PAG297. Sumário: Provado que o arguido conduzia um veículo ligeiro misto, por estrada nacional, fora de localidade, de noite, com os médios ligados, pela direita da sua faixa de rodagem, a cerca de 80 Km/h, invadindo a hemi-faixa do lado oposto, para o que transpôs a linha longitudinal contínua que separava as duas faixas, por, no seu lado direito, se encontrar estacionado um veículo automóvel, tendo vindo a embater com a frente do lado esquerdo do seu veículo, próximo do eixo da via, num peão que nessa altura atravessava a estrada da esquerda para a direita, atento o sentido do arguido, o qual parou face à aparição do veículo; provado ainda que o arguido, ao avistar o peão, travou, só conseguindo imobilizar a sua viatura depois de uma travagem de 30 metros, e que no local do acidente a estrada configura uma recta, com 6,90 metros de largura, havendo iluminação pública, há que concluir, face a esta factualidade, que o arguido cometeu o crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo artigo 137 n.1 do Código Penal (do embate resultou a morte do peão), pois evidencia-se que o arguido circulava com falta de atenção e a velocidade inadequada por não permitir que parasse o veículo no espaço livre visível à sua frente. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011191 Nº Convencional: JTRP00031270 Relator: FRANCISCO MARCOLINO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102070011191 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V CONDE Processo no Tribunal Recorrido: 319/99 Data Dec. Recorrida: 26/05/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART483 ART494 ART496 ART554 N2 ART564 N1. Sumário: I - No cálculo da indemnização em acidente de viação será de atender ao tempo provável de vida activa de forma a que ela represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período (de vida activa) segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 6%. II - O juro de 6% justifica-se face à taxa paga actualmente pelas instituições financeiras, nenhuma pagando mais e sendo a tendência para se manter. III - Resultando do acidente uma incapacidade permanente geral permanente para o trabalho de 40%, mas provado que deixou de poder exercer a sua profissão, na indemnização a fixar não há que atender àquela percentagem. IV - Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem e ainda as "regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida". Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No Tribunal da Comarca de ....., o Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra Jorge..., solteiro, nascido em ../../.., natural da freguesia de ..... e concelho de Vila ....., filho de Manuel... e de Maria..., residente na Rua..., n.º..., ....., Vila ......, imputando-lhe a prática de um crime de ofensas corporais por negligência p. e p. no art. 148º n.º 1 e 3 do Código Penal (versão de 1982). A lesada Maria de Fátima... deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros “...-..., S.A.”, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de 17.665.897$00, e ainda nas despesas médicas, de fisioterapia ou medicamentosas não determinadas a liquidar em execução de sentença. Por despacho proferido a fls. 229 foi declarado amnistiado o crime de ofensas corporais por negligência, tendo os autos prosseguido para apreciação do pedido de indemnização civil. A final foi proferida douta sentença que decidiu pela forma seguinte: Condenou a Requerida a pagar à Requerente a quantia de 5.828.000$00, a que acrescem os juros de mora a contar da data da notificação da demandada em 1999-07-07, à taxa legal, sendo 3.000.000$00 de danos patrimoniais, 2.000.000$00 pela incapacidade absoluta com que a vitima ficou afectada de forma permanente na sua vida quotidiana, 1.000.000$00 pelas dores sofridas pela demandante durante o acidente, intervenções cirúrgicas e dores permanentes em virtude das lesões permanentes; e 1.000.000$00 pelas cicatrizes na face e pernas que de forma permanente desfiguram a vítima, tudo reduzido a 70% por se haver entendido ser de 30% a responsabilidade da demandante na produção do acidente. E condenou a Demandada nas despesas médicas, fisioterepáticas ou medicamentosas ainda não determinadas, a liquidar em execução de sentença. Inconformadas, interpuseram recurso a Requerente e Requerida. Aquela conclui da forma seguinte: 1. A sentença em crise não fez a mais correcta apreciação dos factos provados ao apreciar a culpa na eclosão do sinistro. 2. Não são aplicáveis ao caso as regras da cedência de passagem dispostas nos art.ºs 29º e 30º do C. Estrada em virtude de estar dado como provado que o motociclo estava distante do entroncamento quando a ofendida, na sua embocadura, o avistou. 3. Da matéria provada resulta que o sinistro se ficou a dever apenas e tão só ao condutor do Kawasaki que, apesar de ter avistado antes o velocípede a mais de meio km de distância, apenas travou a 10 metros dele e não conseguiu imobilizar o veículo e evitar o embate, atenta a velocidade excessiva a que circulava. 4. Dai que, não atribuindo em exclusivo a culpa ao arguido, a sentença violou o disposto nos art.ºs 483º, e 487º, n.º 2 , ambos do Cód. Civil. 5. Houve lapso do Julgador no cálculo do valor indemnizatório quanto a lucros cessantes que deve ser fixado em montante não inferior a 6.465.592$00. 6. A titulo de indemnização por danos morais pelas dores sofridas, deverá ser fixada a quantia de 4.000.000$00, atenta a matéria dada como provada e nos termos do disposto no art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil. 7. A titulo de danos não patrimoniais e dano patrimonial autónomo, deverá ser ainda fixada uma indemnização não inferior a 6.000.000$00. 8. A título de dano estético, deve manter-se o valor de 1.000.000$00 atribuído, bem como os valores de 15.000$00 e 25.000$00 atribuídos a título de danos patrimoniais. 9. O M.º Juiz a quo violou o disposto nos artºs 495º e 496º, n.º 1 e 3, ambos do Cód. Civil, devendo atribuir-se à ofendida, da indicada proveniência, uma indemnização global de 17.505.592$00. Respondeu a Demandada, tendo concluído pela forma seguinte: 1. A douta sentença recorrida é primorosa no que toca ao rigor do seu conteúdo, designadamente, em sede de fundamentação jurídica, ao considerar que a Recorrente contribuiu com 30% de culpa pela produção do acidente; 2. A Recorrente provinha de velocípede de uma Rua situada do lado esquerdo atento o sentido de marcha do motociclo na EN 13 - Póvoa - Porto; 3. Era noite e o local publicamente mal iluminado; 4. A Recorrente viu as luzes dos faróis da moto; 5. Nas circunstâncias em que se encontrava a Recorrente, não tinha a mesma condições para calcular se podia ou não efectuar sem perigo a manobra de mudança de direcção à esquerda no seu velocípede, ao avistar a luz do motociclo; 6. A Recorrente não acatou a regra de prioridade de passagem do motociclo, como dispõem os art.ºs 29º e 30º, n.º 1 ambos do Cód. da Estrada; 7. Nesta conformidade, o Meritíssimo Juiz “a quo” não podia ter decidido de modo diferente do que fez, “tornando-a, também, responsável, pelo acidente, numa percentagem que computamos em 30%”; 8. A douta sentença recorrida não violou, assim, qualquer preceito legal, pelo que a Recorrente nela se louva inteiramente; 9. Relativamente aos danos patrimoniais, afigura-se à Recorrida que aplicação, no caso “sub – judice” da fórmula prevista no, aliás, douto Acórdão da Rel. de Coimbra , de 4.4.95, in CJXX, Tomo II, pág. 23, é irrealista; 10. Para cálculo da indemnização resultante da diminuição da força de trabalho, ou capacidade de ganho da Recorrente, o critério mais razoável vem consistindo no recurso às tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda perpétua, correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no final da vida activa do lesado, o próprio capital se tenha esgotado; 11. Sendo de prever que a Recorrente viesse a ter uma vida activa que se prolongasse até aos 65 anos de idade, considerando o salário anual da mesma de 758.260$00, atingir-se-ia a indemnização de 3.983.564$00, tendo por base a taxa de juro de 4% - taxa esta indicada pela Recorrente -, a título de lucro cessante; 12. Considerando que o grau de culpa da Recorrente foi de 30% pela produção do acidente, teremos a indemnização de 2.788.495$00, a qual deve ser fixada à mesma; 13. Relativamente aos danos não patrimoniais dir-se-á que, nos presentes autos assistiu-se a uma hipervalorização dos danos morais da Recorrente; 14. Com efeito, não se afigura razoável atribuir a quantia total de 4.000.000$00, reduzidos a 2.800.000$00, atento o grau de 30% de culpa da lesada na produção do acidente, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente; 15. A indemnização arbitrada à Recorrente a tal título afigura-se manifestamente desajustada e fixada em violação dos preceitos legais e dos critérios jurisprudenciais em vigor, pelo que a Recorrida entende que a mesma deverá ser reduzida para montante justo, adequado e razoável, designadamente 2.500.000$00, deduzidos em 30%, atento o grau de culpa da lesada pela produção do acidente; 16. Neste âmbito, a douta sentença recorrida violou o disposto no art.º. 496º. do Cód. Civil. A Demandada, por seu turno, concluiu a sua motivação pela forma seguinte: 1. A douta sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso, não pode manter-se: 2. As verbas arbitradas à Recorrida relativas aos danos patrimoniais e não patrimoniais, são manifestamente exageradas; 3. Relativamente aos danos patrimoniais, afigura-se à Recorrente que aplicação, no caso “sub – judice” da fórmula prevista no, aliás, douto Acórdão da Rel. de Coimbra , de 4.4.95, in CJXX, Tomo II, pág. 23, é irrealista; 4. Para cálculo da indemnização resultante da diminuição da força de trabalho, ou capacidade de ganho da Recorrida, o critério mais razoável vem consistindo no recurso às tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda perpétua, correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no final da vida activa do lesado, o próprio capital se tenha esgotado; 5. Sendo de prever que a Recorrida viesse a ter uma vida activa que se prolongasse até aos 65 anos de idade, considerando o salário anual da mesma de 758.260$00, atingir-se-ia a indemnização de 3.983.564$00, tendo por base a taxa de juro de 4% - taxa esta indicada pela Recorrente -, a título de lucro cessante; 6. Considerando que o grau de culpa da Recorrida foi de 30% pela produção do acidente, teremos a indemnização de 2.788.495$00, a qual deve ser fixada à mesma; 7. Relativamente aos danos não patrimoniais dir-se-á que, nos presentes autos assistiu-se a uma hipervalorização dos danos morais da Recorrida; 8. Com efeito, não se afigura razoável atribuir a quantia total de 4.000.000$00, reduzidos a 2.800.000$00, atento o grau de 30% de culpa da lesada na produção do acidente e os seus antecedentes pessoais, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrida; 9. A indemnização arbitrada à Recorrente a tal título afigura-se manifestamente desajustada e fixada em violação dos preceitos legais e dos critérios jurisprudenciais em vigor, pelo que a Recorrida entende que a mesma deverá ser reduzida para montante justo, adequado e razoável, designadamente 2.500.000$00, deduzidos em 30%, atento o grau de culpa da lesada pela produção do acidente; 10. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 562º, 563º e 564º, 494º e 496º do Cód. Civil. Respondeu a Recorrida dizendo dever ser negado provimento ao recurso da Demandada. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência de discussão e julgamento, cumpre apreciar e decidir. Está assente a seguinte matéria de facto: 1. No dia 13 de Janeiro de 1995, cerca das 7 horas e 45 minutos, no Lugar da Varziela, na freguesia de Arvore, concelho de Vila do Conde ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o velocípede sem motor de matrícula 2...-..-.., pertencente à ofendida, e por esta conduzido e o motociclo de marca Kawasaki com a matricula ..-..-CL, pertencente à “... - Aluguer de Longa Duração, S.A” e conduzido por Jorge.... 2. A Maria de Fátima... conduzia o seu velocípede com luzes numa rua que vem entroncar do lado esquerdo, atento o sentido Póvoa - Porto, junto ao KM 19 na EN 13, pela qual pretendia passar a circular. 3. Quando chegou ao entroncamento a demandante parou e viu do seu lado direito (sentido Póvoa - Porto) a luz do farol do motociclo. 4. O qual estava distante do entroncamento pelo que entrou na EN 13. 5. E passou a circular pela faixa de rodagem direita no sentido do Porto. 6. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar o motociclo conduzido pelo Jorge... circulava pela EN n.º 13, no sentido Póvoa - Porto dentro da faixa direita de rodagem. 7. Com as luzes ligadas do motociclo. 8. Circulava a uma velocidade não inferior a 80 Kms/hora. 9. Quando o velocípede já havia percorrido 28 metros na EN 13 foi embatido na parte traseira pela parte da frente do motociclo. 10. O condutor do motociclo não obstante se ter apercebido da presença do velocípede só começou a travar a 10 metros de distância deste. 11. Mas devido à velocidade a que circulava não conseguiu imobilizar o motociclo e acabou por embater no ciclomotor. 12. No momento da ocorrência do acidente era de noite. 13. O local do embate tinha uma má iluminação pública. 14. No local do acidente não era permitido circular a mais de 50 KM/hora. 15. O tempo estava bom. 16. A faixa de rodagem tinha 7,30 m de largura. 17. E o local do acidente é uma recta com boa visibilidade. 18. Na altura do acidente não circulavam outros veículos no local do embate. 19. Após o embate o velocípede derrapou cerca de 26 metros. 20. E ficou imobilizado na berma do lado direito atento o sentido Póvoa - Porto. 21. O motociclo ficou imobilizado na mesma berma a uma distância de 35 metros do velocípede. 22. O embate ocorreu na faixa de rodagem direita a cerca de 1,10 m da berma direita atento o sentido em que seguiam ambos os veículos. 23. Em consequência do acidente o velocípede da demandante ficou totalmente destruído. 24. E tinha à data do acidente um valor comercial de 15.000$00. 25. As roupas que a demandante vestia ficaram igualmente danificadas. 26. No valor total de 25.000$00. 27. Como consequência directa do descrito embate, resultaram para a demandante os ferimentos descritos nos exames médicos de fls. 98 a 100, 214 a 218 dos autos, dados como integralmente reproduzidos, designadamente - politraumatismo, ferida corto-contusa na região supraciliar esquerda, escoriações no abdómen e cotovelo esquerdos, feridas corto-contusas na perna esquerda, fractura da omoplata esquerda, arrancamento da cabeça do perónio da perna direita, fractura do côndilo externo do fémur direito, fractura multicominutiva do calcâneo do pé direito, fractura do astrólago do pé esquerdo, fractura do maléolo externo do tornozelo esquerdo. 28. Após o acidente a demandante foi transportada para o Hospital de Vila do Conde e no mesmo dia foi transferida para o Hospital de S. João, do Porto. 29. A demandante esteve hospitalizada durante o período de 13/01/95 a 8/3/95. 30. Após alta hospitalar foi seguida por consulta externa de ortopedia no hospital de Vila do Conde. 31. E durante três meses esteve com ambas as pernas engessadas. 32. A demandante esteve durante esses três meses totalmente imobilizada e sem se poder movimentar. 33. Foi auxiliada pela filha e marido que tratavam da sua higiene pessoal. 34. Decorrido o período de 3 meses começou a andar de cadeira de rodas durante seis meses. 35. A partir daí passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas. 36. Em Maio de 1996 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica ao pé direito no hospital de Vila do Conde, consistente em tríplice astrose na convalescença da qual voltou a estar engessada e imobilizada durante mais três meses. 37. Em 23 de Abril de 1998 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital de Santo Tirso, consistente em artroscopia do joelho esquerdo. 38. Desde a primeira alta hospitalar que a demandante fez fisioterapia regularmente na Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, sob prescrição médica consecutiva de módulos de 20 tratamentos. 39. A demandante apresenta por via do acidente as seguintes sequelas lesionais: na face ficou com uma cicatriz linear de 5 cm de comprimento, entre as sobrancelhas, visível. 40. Ficou ainda com uma depressão na região frontal direita com cerca de 2 cm de diâmetro, na perna direita ficou com uma cicatriz de 7 cm no maléolo interno e outra, de igual comprimento na face lateral do pé. 41. Apresenta ainda na perna direita mobilidade do joelho conservada com abundantes crepitações palpáveis, rigidez do tornozelo com um arco de movimento para a flexão dorsal e plantarde 10%, encurtamento aparente e rela de 2 cm do pé, diminuição da força de grau 4 na escala de 5, reflexo aquiliano diminuído. 42. No joelho esquerdo ficou com uma cicatriz visível de 3 cm na face externa, uma de 2 cm na sua face anterior e outra também de 2 cm na sua face antero interna. 43. Na perna esquerda ficou com uma cicatriz linear de 9 cm de comprimento na face externa do terço superior da perna (coxa) e duas cicatrizes uma de 8 cm e outra de 4 cm, ambas na face posterior do terço superior da perna. 44. A demandante sofreu uma Incapacidade permanente geral e profissional de 40%, desde 13-01-98. 45. À data do acidente a demandante trabalhava na empresa “... Portuguesa, Lda.”, como empacotadora. 46. E auferia uma retribuição mensal no valor de 56.000$00, 14 vezes por ano, acrescido de 395$00 de subsídio de alimentação 11 vezes por ano e de 7.481$00 de prémio de produção e subsídio de transporte 11 meses por ano. 47. O salário anual era de 870.636$00. 48. A requerente nasceu em 04-03-48. 49. Antes do acidente era uma pessoa activa. 50. A demandante recebeu da companhia de seguros da entidade patronal a indemnização correspondente à sua ITA 51. A demandante auferiu uma pensão anual e vitalícia de 724.468$00, desde o dia 24 de Setembro de 1997. 52. A qual foi alterada para a pensão anual no valor de 112.376$00 a partir de 2 de Dezembro de 1999. 53. Apesar de as lesões sofridas terem atingido estabilidade médico-legal, a demandante para que o seu estado de saúde não regrida vai ter de continuar com acompanhamento médico e fisioterapia. 54. E terá de submeter-se a novas intervenções cirúrgicas. 55. Em consequência das lesões sofridas a demandante deixou de poder exercer a sua profissão e de conseguir fazer com facilidade as próprias lides domésticas. 56. A requerente sofre dores ao movimentar-se. 57. Sente dores nos joelhos e nos pés. 58. Dores essas que frequentemente a impedem de dormir e perturbam o sono. 59. Tem dificuldade em permanecer muito tempo de pé, assim como deitada. 60. Claudica ao andar. 61. Não pode acarretar pesos. 62. Não pode fazer movimentos repentinos. 63.A requerente tinha a seu cargo as lides domésticas. 64. Desde que sofreu o acidente tem de ser auxiliada em todas as lides domésticas. 65. A demandante vai precisar, para sempre do auxílio de uma canadiana para se deslocar com firmeza ao andar na rua. 66. No acidente, internamentos, intervenções cirúrgicas, durante os períodos de imobilização e convalescença a que se teve de submeter, a demandante sofreu dores. 67. A demandante sente desgosto pelas cicatrizes que tem na face e rosto. 68. A proprietária do veículo ..-..-CI havia transferido para a companhia de seguros “... Seguros S.A.” a responsabilidade pela circulação do motociclo, através da apólice n.º.... A sentença considerou ainda não provada a seguinte matéria de facto: 1. O motociclo era conduzido na altura do acidente pelo Jorge... por conta e no interesse da “... - Aluguer de Longa Duração, S.A.”. 2. O velocípede circulava a 10 km/hora. 3. O embate ocorreu a 100 metros após o entroncamento por onde a demandante saiu. 4. A demandante mudou de direcção para a EN 13, manobra que efectuou em diagonal e sem luzes. 5. O condutor do motociclo foi surpreendido pela demandante quando se encontrava a cerca de 3 metros de distância do ciclomotor. 6. O motociclo embateu no ciclomotor quando este encontrava-se junto ao eixo da via. Sendo as conclusões das alegações quem fixa o objecto do recurso (art.º 684º/3 e 690º/1 do CPC), delas se vê que a Demandante pretende que este Tribunal decida quem foi o culpado do acidente; e ambas as partes querem ver alterados os montantes atribuídos a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Consequentemente, fica apenas de fora do âmbito do presente recurso a condenação da Demandada no pagamento das despesas médicas, fisoterepáticas e medicamentosas, cuja liquidação se relegou para execução de sentença. Importa, por isso, surpreender a dinâmica do acidente para se apurar quem foi o responsável, ou se essa responsabilidade deve ser repartida por ambos os condutores. Salvo nos casos de presunção de culpa, para que um condutor possa ser responsabilizado pelo acidente é necessário que se prove que infringiu as regras gerais ou normas do direito estradal, de tal forma que se estabeleça uma conexão entre a condução e a produção do acidente de forma culposa. Dito de outra forma, o condutor só é responsável pelo acidente se tiver agido com imperícia, negligência ou falta de destreza (culpa), nos termos gerais da responsabilidade civil prevista no art.º 483º do C. Civil; ou se tiver violado uma norma do direito estradal, que seja causal do acidente, isto é, concluindo-se que, não fora essa infracção, e o acidente não teria ocorrido. Fixemos a matéria de facto relevante para este efeito: A Demandante Maria de Fátima conduzia o seu velocípede, no dia 13 de Janeiro de 1995, cerca das 7, 45 horas, no lugar de Varziela, sendo ainda noite, mas trazendo as luzes acesas, numa rua que vem entroncar do lado esquerdo, atento o sentido Póvoa – Porto, na EN 13, ao Km 19. Ao chegar ao entroncamento parou, certamente para dar prioridade aos veículos que se lhe apresentassem pela direita, como lho impõe a regra do art.º 30º do C. Estrada, então em vigor. O local configura-se como uma recta de boa visibilidade. A Maria de Fátima viu do seu lado direito a luz do farol de um motociclo. Porque este estava ainda “distante” do entroncamento, entrou na EN 13, passando a circular pela faixa de rodagem direito, no sentido do Porto. Quando já tinha percorrido 28 metros na EN 13 foi embatida pela parte traseira pela parte da frente do motociclo. O condutor do motociclo, Jorge..., apesar de se ter apercebido da presença do velocípede, só começou a travar a 10 metros de distância deste. Todavia, devido à velocidade a que circulava, não inferior a 80 Kms/hora, quando no local é proibido circular a mais de 50 Kms/hora, não conseguiu imobilizar o motociclo e acabou por embater. O embate deu-se a 1,10 metros da berma direita, atento o sentido em que seguiam ambos os veículos, tendo a faixa de rodagem a largura de 7,30 metros. Neste circunstancialismo não se nos oferece qualquer dúvida que a culpa exclusiva do acidente é do condutor do motociclo, nenhuma responsabilidade podendo ser assacada à condutora do velocípede. É certo que esta tinha de ceder o direito de passagem ao motociclo, como lho impunha o citado art.º 30º do C. Estrada. Mas não menos certo é que parou e entrou no entroncamento porque o motociclo ainda estava distante. E não menos certo é ainda que já havia percorrido 28 metros na estrada do Porto, aquela em que circulava o motociclo, quando foi embatida por trás, o que equivale a dizer que o entroncamento já estava 28 metros para trás. E fazia-o a 1,10 metros da berma, quando a hemifaixa de rodagem tem 3,65 metros, isto é, deixando livre à sua esquerda mais de 2 metros (2, 55 metros, menos a largura do velocípede), largura mais que suficiente para o motociclo a poder ultrapassar, sem ter necessidade de ocupar a faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, o que de resto não seria proibido, face à matéria de facto apurada, e até porque no local não circulavam outros veículos. Daqui se conclui com segurança que a “transgressão” causal do acidente não é a violação de uma regra de prioridade, mas antes a condução com excesso de velocidade por parte do Jorge (violação do disposto no art.º 24º, n.º 1 do C. Estrada), aliada ou à sua falta de atenção ou à imperícia e falta de destreza. O circunstancialismo descrito revela que o acidente teria ocorrido da mesma forma se a Maria de Fátima, em vez de vir do entroncamento, tivesse seguido sempre na estrada do Porto. Com efeito, o Jorge apercebeu-se do velocípede, iniciou a travagem quando a Maria de Fátima já tinha percorrido cerca de 18 metros na EN, num velocípede, com velocidade obviamente reduzida, o que equivale a dizer que já havia cerca de 25 a 30 segundos que estava a circular naquela estrada. O Jorge, ao aperceber-se do velocípede, não conseguiu manobrar no sentido de fazer a ultrapassagem – tinha, repita-se, mais de 2 metros da faixa de rodagem em que seguia à sua disposição para tal efeito, para além de toda a outra faixa de rodagem – por falta de atenção ou imperícia; e não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente (o que até nem era necessário), apesar de se tratar de uma recta com boa visibilidade, porque conduzia com excesso de velocidade, e certamente porque se perturbou o que, à falta de melhores elementos, tem de lhe ser imputado a título de imperícia e falta de destreza. Ora, se o velocípede viesse da estrada do Porto, teria ocorrido da mesma forma o acidente: O Jorge continuaria a só travar 18 metros após o entroncamento, sem tentar a ultrapassagem, não conseguiria desviar o motociclo e continuaria a embater no velocípede, por trás. De resto, a prioridade de passagem não dá o direito ao condutor de se aproximar de um entroncamento com excesso de velocidade. Deve, isso sim, observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito – n.º 2 do art.º 29º do C. Estrada. O que significa que o direito de prioridade não é absoluto. Mas, reafirme-se, o acidente não ocorreu no entroncamento, mas antes 28 metros depois dele, quando a Maria de Fátima já circulava na EN há cerca de 25/30 segundos, tempo mais que suficiente para se paralisar um veículo à velocidade de 50 Kms/hora. E não resultou provado que a Maria de Fátima tivesse entrado no entroncamento em diagonal, como alegou a Demandada, o que, aí sim, poderia perturbar o Jorge. Não pode, pois, neste caso, falar-se em violação do direito de prioridade, mas antes em circulação de veículos na mesma direcção e na mesma faixa de rodagem de uma EN, em que o condutor do veículo à retaguarda embate na traseira do que está a circular à sua frente, sem que este faça qualquer manobra que tenha influência naquele embate.. Assim, a responsabilidade total pela ocorrência do acidente é do Jorge. E, por força do contrato de seguro celebrado com a Demandada, assumiu esta a responsabilidade pelos prejuízos causados à Demandante, reunidos como estão os pressupostos da responsabilidade civil referidos no art.º 483º do C. Civil, como de resto as partes aceitam. Essa responsabilidade é pela totalidade, como se demonstrou, e não na proporção de 70% e 30% como se decidiu na sentença em recurso. Assim, a demandada está obrigada a pagar à Demandante todos os danos, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial. Quanto aos danos patrimoniais. O dano patrimonial compreende o dano emergente (prejuízo causado) e o lucro cessante (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) - art. 564º, nº 1 do C. Civil. Os danos emergentes resultantes do acidente dos autos, e de que foi vítima a Demandante, são apenas de: 40.000$00 referentes à destruição do velocípede (15.000$00) e das roupas danificadas (25.000$00). Tudo o resto se prende com os vencimentos que a demandante deixou e deixará de receber. Sabemos dos autos que a Demandante tinha o salário anual de 870.636$00, que lhe foi paga a quantia de 1.560.076$00 a título de indemnização por ITA desde o dia a seguir ao acidente, 14/1/95 a 23/9/97 (cfr. certidão de fls. 126), que auferiu uma pensão anual e vitalícia, de 724.468$00 desde o dia 24 de Setembro de 1997 a 2 de Dezembro de 1999, e de 112.376$00 a partir desta data, por força do acidente dos autos, que também foi considerado de trabalho. E que em 13 de Janeiro de 1998 lhe foi atribuída uma incapacidade permanente geral e profissional de 40%. Como se faz o cálculo dos danos? “O dos danos emergentes obedece em principio a uma pura operação aritmética. Assim acontece por ex. com os danos materiais sofridos com o acidente, como por ex. a roupa que ficou inutilizada, com as despesas hospitalares e de transporte em ambulância, despesas médicas e medicamentosas, despesas de funeral, etc. .... Quanto ao lucro cessante, como nele se incluem benefícios que o lesado deveria ter obtido e não obteve, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. Devemos notar ainda que os “lucros cessantes” compreendem perda de ganhos futuros, em vias de concretização, de natureza eventual ou sem carácter de regularidade, que o lesado não consegue obter em consequência do acto ilícito” (Ac. do STJ de 28/10/92 CJ- Acs. do STJ, tomo 4, pg. 29). E chegamos aos danos futuros, cujo exemplo de escola é o da situação do lesado que perde (por morte ou por incapacidade total permanente) ou vê diminuída a sua capacidade laboral em consequência do facto lesivo. Este facto origina a perda de um rendimento que se repercute em prejuízos sofridos e a sofrer pelo lesado ou por aqueles que viviam na sua dependência económica. Para resolver estes casos há duas formas de estabelecer a indemnização: ou pela entrega de um capital ao lesado ou, total ou parcialmente, sob a forma de renda vitalícia ou temporá-ria. O art. 554º n.º 2 do CC estabelece que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”, ou seja, para liquidar em execução de sentença. Descodificando este preceito legal, ele significa, logo à partida, que os danos futuros para serem passíveis de indemnização, é forçoso que sejam previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles. Foi para casos destes que, a partir do Ac. do STJ de 9/1/79 (BMJ 283º, pg. 260), a nossa jurisprudência acolheu, de forma unânime, a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve, no que concerne aos danos futuros, “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes á sua perda de ganho”. Ainda mais recentemente o nosso mais alto tribunal decidiu que “de entre os diversos critérios de determinação dos danos futuros correspondentes à perda de capacidade de ganho, deve ser adoptado aquele que permita conjugar as regras respeitantes á determinação de uma indemnização susceptível de ser fixada em renda (de acordo com as bases técnicas aprovadas para o seguro de rendas vitalícias imediatas do ramo «vida») com as que regem a determinação do valor das pensões sociais (fixação a partir do nível dos rendimentos reais ou presumidos do trabalho, corrigida, consoante os casos, pelo período de contribuições para a previdência que tenha existido, pelo valor dos recursos do lesado ou do seu agregado familiar, pelo grau de incapaci-dade e pelos encargos familiares), por concatenação dos art.ºs. 567º do CC, 17º do DL 522/85, de 22/12 (que disciplina o seguro obrigatório) e 26º da Lei 28/84 de 14/8 (que disciplina a Segurança Social). Quanto à determinação dos “danos futuros” de carácter vincadamente não patrimonial, mas previsíveis (doenças psicossomáticas ou não, consequências de natureza disfuncional, de desambien-tação ou desinserção social ou emocional, etc.) quando eles se verifiquem, deve tal determinação ser objecto de um processo de avaliação idêntico ao usado para a determinação dos chamados “danos morais ou de natureza não patrimonial” (o já cit. Ac. do STJ de 28/10/92). Como se vê, há uma tendência por parte dos nossos tribunais - legitima, diga-se desde já - para falar de critérios e para tentar lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais, e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte ou de incapacidade total ou quase total. Um dos critérios usados, logo desde o início, foi o recurso, puro e simples, às tabelas ou regras financeiras usadas no foro laboral para a determinação de pensões de vida por incapacidades permanentes. Mas depressa este critério foi posto em causa, porque tais tabelas não são garantia segura da justa medida do ressarcimento, uma vez que “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”, conforme se escreveu no Ac. do STJ de 4/2/93 (CJ –Acs. do STJ, Ano 1, tomo 1, p. 129). Mas isto não significa que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização. Daí o terem aparecido outros critérios, todos tendo como bússola procurar atribuir ao lesado uma quantia em dinheiro que produza o rendimento mensal fixo perdido, mas que, ao mesmo tempo, não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante, ou seja, é necessário que, na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída. E um desses critérios, sem ainda ter rompido totalmente com o recurso às tabelas financeiras, foi o preconizado no Ac. do STJ de 18/1/79 (BMJ 283º, pg. 275 e logo seguido pelos do mesmo Tribunal de 19/5/81 e de 8/5/86 (BMJ 307º e 357º, pg. 242 e 396 respectivamente), segundo os quais “em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%". E aproveito para chamar a atenção para duas notas: uma, é que, hoje em dia, passados mais de 10 anos sobre o último acórdão citado, já estará possivelmente desactualizada esta taxa de juro que, na minha opinião, deve ser substituída pela de 7%, com tendência para baixar. No entanto, não se justifica, para já, o uso de uma taxa inferior a esta, porque o juiz tem de trabalhar com verbas ilíquidas, abstraindo dos impostos que o lesado eventualmente teria de pagar. E, como veremos adiante, quanto mais baixa for a taxa, maior será o capital encontrado. O próprio STJ já decidiu que “face à actual tendência de descida das taxas de juro, é mais prudente a utilização de uma taxa de referência de 7%, em vez da que se vem utilizando (9%)” - Ac. de 5/5/94, CJ - Acs. STJ, 1994, tomo 2, pg. 86. Parece-me ser este o caminho certo, apesar de o mesmo Tribunal, um ano antes, ter aplicado ainda aquela taxa de 9% (cfr. Acs. de 4/2/93 e de 31/3/93, in CJ - Acs. do STJ, 1993, tomo 1, p.128 e BMJ 425º, p. 544 e segs., respectivamente). Ora é precisamente a taxa de juro que vai funcionar como constante nas operações a efectuar, porque, em princípio, se mantém por razoável período de tempo. ..... Mas o cálculo referido ..., em caso de morte, vai sofrer três ajustamentos. Um, resultante da idade da vítima; outro, porque ao rendimento anual bruto haverá que descontar 1/3 (v. por todos o Ac. do STJ de 2/2/93, CJ-Acs. do STJ, 1993, tomo 1, pg. 131), corres-pondente àquilo que, em princípio, a vítima gastaria consigo mesma. Este desconto baseia-se, de acordo com estudos feitos, numa média dos resultados obtidos no universo analisado. Mas se, em princípio, aquela fracção pode ser uma constante, não deve ser encarada de forma absoluta, uma vez que já não terá sentido nos casos de pequenas economias domésticas, “em que há grande peso das despesas fixas que não se reduzem com a morte do consorte”, conforme já decidiu o Ac. RC de 15/1/80 (CJ, 1980, tomo 1, p. 110). Finalmente, o terceiro ajustamento que se traduz num desconto (a ser encontrado recorrendo à equidade) sobre a indemnização calculada para evitar o acima referido enriquecimento injustificado, pois o lesado ou os familiares da vítima vão receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveriam receber em fracções anuais....Entre nós, por ex., o Ac. da RP de 20/5/982 (CJ, 1982, tomo 3, pg. 212) fixou tal desconto em 20%.” – Estudo do Juiz Desembargador Dr. Joaquim José de Sousa Dinis, in CJ-Acs. do STJ, ano V, tomo 2, pg. 14 e 15. Pela nossa parte, concordamos inteiramente com o critério proposto, pelas razões supra referidas. O recurso às tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica é o único critério científico que nos dá, de forma exacta, essa renda periódica. Temos, no entanto, de fazer referência que, hoje, nenhuma instituição financeira paga mais de 6% sobre o capital que alguém lhe entregue por depósito. E a tendência será a de manter-se ou subir ligeiramente (vide as taxas de referência do B.C.E.). Nestes termos, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 6%. Assim definido o critério, temos apenas de o aplicar. A Demandante tem um prejuízo anual de 758.260$00 (870.636$00 – 112.376$00). Nascida em 4 de Março de 1948, tinha à data do acidente 46 anos, completando os 47 dentro de mês e meio. Aos 65 anos reformar-se-ia. Faltavam-lhe, pois, para a reforma 18 anos.. Importa encontrar o factor a aplicar, segundo as tabelas financeiras, e para uma taxa de juro de 6%. E esse factor é 10,827603. A indemnização é o equivalente à multiplicação do prejuízo anual pelo factor referido: 758.260$00 x 10,827603, que dá 8.210.138$30. Todavia, a demandante, desde 14/1/95 e até 2 de Dezembro de 1999 recebeu a pensão anual de 724.468$00, em vez dos 112.376$00 por que se fez o cálculo. Assim, há que deduzir a diferença das importâncias recebidas pelos 714.468$00, e não pelos 112.376$00. Durante os 3 anos e 11 meses, essa diferença é de (3 x 612.096$00 + 612.096$00 : 12 x 11) 2.397.360$00. Logo, a indemnização por danos patrimoniais será fixada em 5.812.778$30. E isto porque, apesar de a Demandante haver ficado com uma incapacidade permanente geral de 40%, a verdade é que foi dado como provado que “deixou de poder exercer a sua profissão”. Consequentemente, não há que entrar em linha de conta com a IPP de 40%. Quanto aos danos não patrimoniais. Dispõe o art.º 496º do C. Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.” Na perspectiva da responsabilidade civil, pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica. Como refere Galvão Teles in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 570, “o prejuízo ou dano consiste em se sofrer um sacrifício, tenha ou não um conteúdo económico. A pessoa é afectada num bem, que deixa de poder gozar de todo ou de que passa a ter um gozo mais reduzido ou precário”. Ou, como se diz no Ac. da RP de 7.4.97 in CJ, ano XII, tomo 2, pg. 206, “Esse prejuízo é o prejuízo concreto, ou seja, o dano real, o dano como se apresenta in natura, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens, materiais ou espirituais. Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuária. Os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos não patrimoniais são prejuízos «(como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Antunes Varela, das Obrigações, 5ª ed., Vol. 1º, pág. 561). Por sua vez, observa Almeida Costa (Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 478, nota 1) que, no direito inglês, se faz a seguinte especificação, dentro do âmbito da matéria dos danos não patrimoniais resultantes de invalidez ou incapacidade: a) dores físicas e sofrimentos psíquicos, ou seja, o pretium doloris; b) perda de capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida; c) afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética; d) perda de expectativas de duração da vida. Mas o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies: patrimoniais e não patrimoniais. Na personalidade humana há uma organização somático - psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de «personalidade física» do art.º 70º do C. Civil, «organização essa que é composta não só por elementos constitutivos (v. g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v. g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex. a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.), como escreve Rabindranath Capelo de Sousa (O Direito Geral de Personalidade, pág. 200). A personalidade humana, geralmente protegida no referido art.º 70º, constitui um objecto jurídico autónomo e directamente tutelado. E acrescenta o mesmo autor (obra citada, pág. 458): «Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente»”. A dificuldade em quantificar os danos de natureza não patrimonial anda sempre ligada à sua dimensão imaterial, por atingirem valores de carácter espiritual ou moral e se traduzirem em sofrimento de dor (física e moral ou psicológica), desgosto e angústia. A sua ressarcibilidade baseia-se, actualmente, diz o Prof. Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 376, na generosa formulação do art.º 496º do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas antes o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada. Também o STJ, em Ac. de 23.3.95, in CJ, ano III, tomo 1, pg. 233, se refere nos mesmos moldes, em sugestiva passagem: “Considerando a natureza e função da indemnização por danos não patrimoniais, estes não podem sujeitar-se a uma medição, mas tão só a valoração”. Ninguém pode, em rigor, compensar as dores e os incómodos por que passou o A, bem como o desgosto que continuará a ter, mas pode e deve atenuar-se tudo isso dando-lhe a possibilidade de, por via da indemnização, conseguir outros prazeres que, de alguma forma, o façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão. Na fixação da indemnização, diz a lei – citado art.º 496º, n.º 3 do C. Civil - , que se devem ter em conta as circunstâncias referidas no art.º 494º. Isto é, deve ter-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, e ainda as “regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida” – Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, vol. I, pg. 501. O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré. É notório que as Companhias de Seguros têm boa capacidade económica. A lesada tinha à data do acidente 46 anos As lesões são graves. Com efeito, em consequência do embate resultaram para a demandante os ferimentos descritos nos exames médicos de fls. 98 a 100, 214 a 218 dos autos, dados como integralmente reproduzidos, designadamente - politraumatismo, ferida corto-contusa na região supraciliar esquerda, escoriações no abdómen e cotovelo esquerdos, feridas corto-contusas na perna esquerda, fractura da omoplata esquerda, arrancamento da cabeça do perónio da perna direita, fractura do côndilo externo do fémur direito, fractura multicominutiva do calcâneo do pé direito, fractura do astrólago do pé esquerdo, fractura do maléolo externo do tornozelo esquerdo. Após o acidente a demandante foi transportada para o Hospital de Vila do Conde e no mesmo dia foi transferida para o Hospital de S. João, do Porto. A demandante esteve hospitalizada durante o período de 13/01/95 a 8/3/95. Após alta hospitalar foi seguida por consulta externa de ortopedia no hospital de Vila do Conde. E durante três meses esteve com ambas as pernas engessadas. A demandante esteve durante esses três meses totalmente imobilizada e sem se poder movimentar. Foi auxiliada pela filha e marido que tratavam da sua higiene pessoal. Decorrido o período de 3 meses começou a andar de cadeira de rodas durante seis meses. A partir daí passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas. Em Maio de 1996 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica ao pé direito no hospital de Vila do Conde, consistente em tríplice astrose na convalescença da qual voltou a estar engessada e imobilizada durante mais três meses. Em 23 de Abril de 1998 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital de Santo Tirso, consistente em artroscopia do joelho esquerdo. Desde a primeira alta hospitalar que a demandante fez fisioterapia regularmente na Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, sob prescrição médica consecutiva de módulos de 20 tratamentos. A demandante apresenta por via do acidente as seguintes sequelas lesionais: na face ficou com uma cicatriz linear de 5 cm de comprimento, entre as sobrancelhas, visível. Ficou ainda com uma depressão na região frontal direita com cerca de 2 cm de diâmetro, na perna direita ficou com uma cicatriz de 7 cm no maléolo interno e outra, de igual comprimento na face lateral do pé. Apresenta ainda na perna direita mobilidade do joelho conservada com abundantes crepitações palpáveis, rigidez do tornozelo com um arco de movimento para a flexão dorsal e plantarde 10%, encurtamento aparente e rela de 2 cm do pé, diminuição da força de grau 4 na escala de 5, reflexo aquiliano diminuído. No joelho esquerdo ficou com uma cicatriz visível de 3 cm na face externa, uma de 2 cm na sua face anterior e outra também de 2 cm na sua face antero interna. Na perna esquerda ficou com uma cicatriz linear de 9 cm de comprimento na face externa do terço superior da perna (coxa) e duas cicatrizes uma de 8 cm e outra de 4 cm, ambas na face posterior do terço superior da perna. A demandante sofreu uma Incapacidade permanente geral e profissional de 40%, desde 13-01-98. Apesar de as lesões sofridas terem atingido estabilidade médico-legal, a demandante para que o seu estado de saúde não regrida vai ter de continuar com acompanhamento médico e fisioterapia. E terá de submeter-se a novas intervenções cirúrgicas. Em consequência das lesões sofridas a demandante deixou de poder exercer a sua profissão e de conseguir fazer com facilidade as próprias lides domésticas. A requerente sofre dores ao movimentar-se. Sente dores nos joelhos e nos pés. Dores essas que frequentemente a impedem de dormir e perturbam o sono. Tem dificuldade em permanecer muito tempo de pé, assim como deitada. Claudica ao andar. Não pode acarretar pesos. Não pode fazer movimentos repentinos. A demandante vai precisar, para sempre do auxílio de uma canadiana para se deslocar com firmeza ao andar na rua. No acidente, internamentos, intervenções cirúrgicas, durante os períodos de imobilização e convalescença a que se teve de submeter, a demandante sofreu dores. A demandante sente desgosto pelas cicatrizes que tem na face e rosto. Com facilidade se conclui da multiplicidade das lesões, da sua gravidade, das sequelas, dos inúmeros tratamentos, bem como das dores sofridas. A tutela do direito impõe-se, devendo fazer-se uma valoração em termos equitativos, segundo o critério definido. Tudo visto e ponderado, atendendo ainda à mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal (cfr., entre outros os Acs. de 11.09.94 e de 18.03.97 in CJ, Acs. do STJ, ano II, tomo 3, pg. 91, e ano V, tomo 5, pg. 25, respectivamente), entende-se dever fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 5.000.000$00, correspondente à soma das parcelas de 2.000.000$00 pelas dores físicas, 2.000.000$00 pela perda da capacidade de ganho, e dependência criada, e 1.000.000$00 pela afectação da integridade estética. Decisão: Neste termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso da Demandante, e improcedente o da Demandada e, em consequência, alteram a sentença recorrida no que toca à culpa e danos, entendendo-se que a culpa na produção do acidente é exclusiva do condutor do motociclo, e condenam a Demandada a pagar-lhe as seguintes importâncias, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais: - 40.000$00 pelos prejuízos resultantes da destruição do velocípede e das roupas que trazia vestidas; - 5.812.778$30, referente a lucros cessantes; - 5.000.000$00 de danos não patrimoniais, - Tudo no total de 10.852.778$00 (dez milhões, oitocentos e cinquenta e dois mil, setecentos e setenta e oito escudos). - No mais confirmam a sentença recorrida. Custas na 1ª Instância e nesta Relação na proporção do vencido. Porto, 7 de Dezembro de 2000 Francisco Marcolino de Jesus Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva Joaquim Manuel Esteves Marques Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011191 Nº Convencional: JTRP00031270 Relator: FRANCISCO MARCOLINO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102070011191 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V CONDE Processo no Tribunal Recorrido: 319/99 Data Dec. Recorrida: 26/05/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART483 ART494 ART496 ART554 N2 ART564 N1. Sumário: I - No cálculo da indemnização em acidente de viação será de atender ao tempo provável de vida activa de forma a que ela represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período (de vida activa) segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 6%. II - O juro de 6% justifica-se face à taxa paga actualmente pelas instituições financeiras, nenhuma pagando mais e sendo a tendência para se manter. III - Resultando do acidente uma incapacidade permanente geral permanente para o trabalho de 40%, mas provado que deixou de poder exercer a sua profissão, na indemnização a fixar não há que atender àquela percentagem. IV - Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem e ainda as "regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida". Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No Tribunal da Comarca de ....., o Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra Jorge..., solteiro, nascido em ../../.., natural da freguesia de ..... e concelho de Vila ....., filho de Manuel... e de Maria..., residente na Rua..., n.º..., ....., Vila ......, imputando-lhe a prática de um crime de ofensas corporais por negligência p. e p. no art. 148º n.º 1 e 3 do Código Penal (versão de 1982). A lesada Maria de Fátima... deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros “...-..., S.A.”, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de 17.665.897$00, e ainda nas despesas médicas, de fisioterapia ou medicamentosas não determinadas a liquidar em execução de sentença. Por despacho proferido a fls. 229 foi declarado amnistiado o crime de ofensas corporais por negligência, tendo os autos prosseguido para apreciação do pedido de indemnização civil. A final foi proferida douta sentença que decidiu pela forma seguinte: Condenou a Requerida a pagar à Requerente a quantia de 5.828.000$00, a que acrescem os juros de mora a contar da data da notificação da demandada em 1999-07-07, à taxa legal, sendo 3.000.000$00 de danos patrimoniais, 2.000.000$00 pela incapacidade absoluta com que a vitima ficou afectada de forma permanente na sua vida quotidiana, 1.000.000$00 pelas dores sofridas pela demandante durante o acidente, intervenções cirúrgicas e dores permanentes em virtude das lesões permanentes; e 1.000.000$00 pelas cicatrizes na face e pernas que de forma permanente desfiguram a vítima, tudo reduzido a 70% por se haver entendido ser de 30% a responsabilidade da demandante na produção do acidente. E condenou a Demandada nas despesas médicas, fisioterepáticas ou medicamentosas ainda não determinadas, a liquidar em execução de sentença. Inconformadas, interpuseram recurso a Requerente e Requerida. Aquela conclui da forma seguinte: 1. A sentença em crise não fez a mais correcta apreciação dos factos provados ao apreciar a culpa na eclosão do sinistro. 2. Não são aplicáveis ao caso as regras da cedência de passagem dispostas nos art.ºs 29º e 30º do C. Estrada em virtude de estar dado como provado que o motociclo estava distante do entroncamento quando a ofendida, na sua embocadura, o avistou. 3. Da matéria provada resulta que o sinistro se ficou a dever apenas e tão só ao condutor do Kawasaki que, apesar de ter avistado antes o velocípede a mais de meio km de distância, apenas travou a 10 metros dele e não conseguiu imobilizar o veículo e evitar o embate, atenta a velocidade excessiva a que circulava. 4. Dai que, não atribuindo em exclusivo a culpa ao arguido, a sentença violou o disposto nos art.ºs 483º, e 487º, n.º 2 , ambos do Cód. Civil. 5. Houve lapso do Julgador no cálculo do valor indemnizatório quanto a lucros cessantes que deve ser fixado em montante não inferior a 6.465.592$00. 6. A titulo de indemnização por danos morais pelas dores sofridas, deverá ser fixada a quantia de 4.000.000$00, atenta a matéria dada como provada e nos termos do disposto no art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil. 7. A titulo de danos não patrimoniais e dano patrimonial autónomo, deverá ser ainda fixada uma indemnização não inferior a 6.000.000$00. 8. A título de dano estético, deve manter-se o valor de 1.000.000$00 atribuído, bem como os valores de 15.000$00 e 25.000$00 atribuídos a título de danos patrimoniais. 9. O M.º Juiz a quo violou o disposto nos artºs 495º e 496º, n.º 1 e 3, ambos do Cód. Civil, devendo atribuir-se à ofendida, da indicada proveniência, uma indemnização global de 17.505.592$00. Respondeu a Demandada, tendo concluído pela forma seguinte: 1. A douta sentença recorrida é primorosa no que toca ao rigor do seu conteúdo, designadamente, em sede de fundamentação jurídica, ao considerar que a Recorrente contribuiu com 30% de culpa pela produção do acidente; 2. A Recorrente provinha de velocípede de uma Rua situada do lado esquerdo atento o sentido de marcha do motociclo na EN 13 - Póvoa - Porto; 3. Era noite e o local publicamente mal iluminado; 4. A Recorrente viu as luzes dos faróis da moto; 5. Nas circunstâncias em que se encontrava a Recorrente, não tinha a mesma condições para calcular se podia ou não efectuar sem perigo a manobra de mudança de direcção à esquerda no seu velocípede, ao avistar a luz do motociclo; 6. A Recorrente não acatou a regra de prioridade de passagem do motociclo, como dispõem os art.ºs 29º e 30º, n.º 1 ambos do Cód. da Estrada; 7. Nesta conformidade, o Meritíssimo Juiz “a quo” não podia ter decidido de modo diferente do que fez, “tornando-a, também, responsável, pelo acidente, numa percentagem que computamos em 30%”; 8. A douta sentença recorrida não violou, assim, qualquer preceito legal, pelo que a Recorrente nela se louva inteiramente; 9. Relativamente aos danos patrimoniais, afigura-se à Recorrida que aplicação, no caso “sub – judice” da fórmula prevista no, aliás, douto Acórdão da Rel. de Coimbra , de 4.4.95, in CJXX, Tomo II, pág. 23, é irrealista; 10. Para cálculo da indemnização resultante da diminuição da força de trabalho, ou capacidade de ganho da Recorrente, o critério mais razoável vem consistindo no recurso às tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda perpétua, correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no final da vida activa do lesado, o próprio capital se tenha esgotado; 11. Sendo de prever que a Recorrente viesse a ter uma vida activa que se prolongasse até aos 65 anos de idade, considerando o salário anual da mesma de 758.260$00, atingir-se-ia a indemnização de 3.983.564$00, tendo por base a taxa de juro de 4% - taxa esta indicada pela Recorrente -, a título de lucro cessante; 12. Considerando que o grau de culpa da Recorrente foi de 30% pela produção do acidente, teremos a indemnização de 2.788.495$00, a qual deve ser fixada à mesma; 13. Relativamente aos danos não patrimoniais dir-se-á que, nos presentes autos assistiu-se a uma hipervalorização dos danos morais da Recorrente; 14. Com efeito, não se afigura razoável atribuir a quantia total de 4.000.000$00, reduzidos a 2.800.000$00, atento o grau de 30% de culpa da lesada na produção do acidente, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente; 15. A indemnização arbitrada à Recorrente a tal título afigura-se manifestamente desajustada e fixada em violação dos preceitos legais e dos critérios jurisprudenciais em vigor, pelo que a Recorrida entende que a mesma deverá ser reduzida para montante justo, adequado e razoável, designadamente 2.500.000$00, deduzidos em 30%, atento o grau de culpa da lesada pela produção do acidente; 16. Neste âmbito, a douta sentença recorrida violou o disposto no art.º. 496º. do Cód. Civil. A Demandada, por seu turno, concluiu a sua motivação pela forma seguinte: 1. A douta sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso, não pode manter-se: 2. As verbas arbitradas à Recorrida relativas aos danos patrimoniais e não patrimoniais, são manifestamente exageradas; 3. Relativamente aos danos patrimoniais, afigura-se à Recorrente que aplicação, no caso “sub – judice” da fórmula prevista no, aliás, douto Acórdão da Rel. de Coimbra , de 4.4.95, in CJXX, Tomo II, pág. 23, é irrealista; 4. Para cálculo da indemnização resultante da diminuição da força de trabalho, ou capacidade de ganho da Recorrida, o critério mais razoável vem consistindo no recurso às tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda perpétua, correspondente à perda de ganho, de tal modo que, no final da vida activa do lesado, o próprio capital se tenha esgotado; 5. Sendo de prever que a Recorrida viesse a ter uma vida activa que se prolongasse até aos 65 anos de idade, considerando o salário anual da mesma de 758.260$00, atingir-se-ia a indemnização de 3.983.564$00, tendo por base a taxa de juro de 4% - taxa esta indicada pela Recorrente -, a título de lucro cessante; 6. Considerando que o grau de culpa da Recorrida foi de 30% pela produção do acidente, teremos a indemnização de 2.788.495$00, a qual deve ser fixada à mesma; 7. Relativamente aos danos não patrimoniais dir-se-á que, nos presentes autos assistiu-se a uma hipervalorização dos danos morais da Recorrida; 8. Com efeito, não se afigura razoável atribuir a quantia total de 4.000.000$00, reduzidos a 2.800.000$00, atento o grau de 30% de culpa da lesada na produção do acidente e os seus antecedentes pessoais, para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela Recorrida; 9. A indemnização arbitrada à Recorrente a tal título afigura-se manifestamente desajustada e fixada em violação dos preceitos legais e dos critérios jurisprudenciais em vigor, pelo que a Recorrida entende que a mesma deverá ser reduzida para montante justo, adequado e razoável, designadamente 2.500.000$00, deduzidos em 30%, atento o grau de culpa da lesada pela produção do acidente; 10. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 562º, 563º e 564º, 494º e 496º do Cód. Civil. Respondeu a Recorrida dizendo dever ser negado provimento ao recurso da Demandada. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência de discussão e julgamento, cumpre apreciar e decidir. Está assente a seguinte matéria de facto: 1. No dia 13 de Janeiro de 1995, cerca das 7 horas e 45 minutos, no Lugar da Varziela, na freguesia de Arvore, concelho de Vila do Conde ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o velocípede sem motor de matrícula 2...-..-.., pertencente à ofendida, e por esta conduzido e o motociclo de marca Kawasaki com a matricula ..-..-CL, pertencente à “... - Aluguer de Longa Duração, S.A” e conduzido por Jorge.... 2. A Maria de Fátima... conduzia o seu velocípede com luzes numa rua que vem entroncar do lado esquerdo, atento o sentido Póvoa - Porto, junto ao KM 19 na EN 13, pela qual pretendia passar a circular. 3. Quando chegou ao entroncamento a demandante parou e viu do seu lado direito (sentido Póvoa - Porto) a luz do farol do motociclo. 4. O qual estava distante do entroncamento pelo que entrou na EN 13. 5. E passou a circular pela faixa de rodagem direita no sentido do Porto. 6. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar o motociclo conduzido pelo Jorge... circulava pela EN n.º 13, no sentido Póvoa - Porto dentro da faixa direita de rodagem. 7. Com as luzes ligadas do motociclo. 8. Circulava a uma velocidade não inferior a 80 Kms/hora. 9. Quando o velocípede já havia percorrido 28 metros na EN 13 foi embatido na parte traseira pela parte da frente do motociclo. 10. O condutor do motociclo não obstante se ter apercebido da presença do velocípede só começou a travar a 10 metros de distância deste. 11. Mas devido à velocidade a que circulava não conseguiu imobilizar o motociclo e acabou por embater no ciclomotor. 12. No momento da ocorrência do acidente era de noite. 13. O local do embate tinha uma má iluminação pública. 14. No local do acidente não era permitido circular a mais de 50 KM/hora. 15. O tempo estava bom. 16. A faixa de rodagem tinha 7,30 m de largura. 17. E o local do acidente é uma recta com boa visibilidade. 18. Na altura do acidente não circulavam outros veículos no local do embate. 19. Após o embate o velocípede derrapou cerca de 26 metros. 20. E ficou imobilizado na berma do lado direito atento o sentido Póvoa - Porto. 21. O motociclo ficou imobilizado na mesma berma a uma distância de 35 metros do velocípede. 22. O embate ocorreu na faixa de rodagem direita a cerca de 1,10 m da berma direita atento o sentido em que seguiam ambos os veículos. 23. Em consequência do acidente o velocípede da demandante ficou totalmente destruído. 24. E tinha à data do acidente um valor comercial de 15.000$00. 25. As roupas que a demandante vestia ficaram igualmente danificadas. 26. No valor total de 25.000$00. 27. Como consequência directa do descrito embate, resultaram para a demandante os ferimentos descritos nos exames médicos de fls. 98 a 100, 214 a 218 dos autos, dados como integralmente reproduzidos, designadamente - politraumatismo, ferida corto-contusa na região supraciliar esquerda, escoriações no abdómen e cotovelo esquerdos, feridas corto-contusas na perna esquerda, fractura da omoplata esquerda, arrancamento da cabeça do perónio da perna direita, fractura do côndilo externo do fémur direito, fractura multicominutiva do calcâneo do pé direito, fractura do astrólago do pé esquerdo, fractura do maléolo externo do tornozelo esquerdo. 28. Após o acidente a demandante foi transportada para o Hospital de Vila do Conde e no mesmo dia foi transferida para o Hospital de S. João, do Porto. 29. A demandante esteve hospitalizada durante o período de 13/01/95 a 8/3/95. 30. Após alta hospitalar foi seguida por consulta externa de ortopedia no hospital de Vila do Conde. 31. E durante três meses esteve com ambas as pernas engessadas. 32. A demandante esteve durante esses três meses totalmente imobilizada e sem se poder movimentar. 33. Foi auxiliada pela filha e marido que tratavam da sua higiene pessoal. 34. Decorrido o período de 3 meses começou a andar de cadeira de rodas durante seis meses. 35. A partir daí passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas. 36. Em Maio de 1996 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica ao pé direito no hospital de Vila do Conde, consistente em tríplice astrose na convalescença da qual voltou a estar engessada e imobilizada durante mais três meses. 37. Em 23 de Abril de 1998 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital de Santo Tirso, consistente em artroscopia do joelho esquerdo. 38. Desde a primeira alta hospitalar que a demandante fez fisioterapia regularmente na Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, sob prescrição médica consecutiva de módulos de 20 tratamentos. 39. A demandante apresenta por via do acidente as seguintes sequelas lesionais: na face ficou com uma cicatriz linear de 5 cm de comprimento, entre as sobrancelhas, visível. 40. Ficou ainda com uma depressão na região frontal direita com cerca de 2 cm de diâmetro, na perna direita ficou com uma cicatriz de 7 cm no maléolo interno e outra, de igual comprimento na face lateral do pé. 41. Apresenta ainda na perna direita mobilidade do joelho conservada com abundantes crepitações palpáveis, rigidez do tornozelo com um arco de movimento para a flexão dorsal e plantarde 10%, encurtamento aparente e rela de 2 cm do pé, diminuição da força de grau 4 na escala de 5, reflexo aquiliano diminuído. 42. No joelho esquerdo ficou com uma cicatriz visível de 3 cm na face externa, uma de 2 cm na sua face anterior e outra também de 2 cm na sua face antero interna. 43. Na perna esquerda ficou com uma cicatriz linear de 9 cm de comprimento na face externa do terço superior da perna (coxa) e duas cicatrizes uma de 8 cm e outra de 4 cm, ambas na face posterior do terço superior da perna. 44. A demandante sofreu uma Incapacidade permanente geral e profissional de 40%, desde 13-01-98. 45. À data do acidente a demandante trabalhava na empresa “... Portuguesa, Lda.”, como empacotadora. 46. E auferia uma retribuição mensal no valor de 56.000$00, 14 vezes por ano, acrescido de 395$00 de subsídio de alimentação 11 vezes por ano e de 7.481$00 de prémio de produção e subsídio de transporte 11 meses por ano. 47. O salário anual era de 870.636$00. 48. A requerente nasceu em 04-03-48. 49. Antes do acidente era uma pessoa activa. 50. A demandante recebeu da companhia de seguros da entidade patronal a indemnização correspondente à sua ITA 51. A demandante auferiu uma pensão anual e vitalícia de 724.468$00, desde o dia 24 de Setembro de 1997. 52. A qual foi alterada para a pensão anual no valor de 112.376$00 a partir de 2 de Dezembro de 1999. 53. Apesar de as lesões sofridas terem atingido estabilidade médico-legal, a demandante para que o seu estado de saúde não regrida vai ter de continuar com acompanhamento médico e fisioterapia. 54. E terá de submeter-se a novas intervenções cirúrgicas. 55. Em consequência das lesões sofridas a demandante deixou de poder exercer a sua profissão e de conseguir fazer com facilidade as próprias lides domésticas. 56. A requerente sofre dores ao movimentar-se. 57. Sente dores nos joelhos e nos pés. 58. Dores essas que frequentemente a impedem de dormir e perturbam o sono. 59. Tem dificuldade em permanecer muito tempo de pé, assim como deitada. 60. Claudica ao andar. 61. Não pode acarretar pesos. 62. Não pode fazer movimentos repentinos. 63.A requerente tinha a seu cargo as lides domésticas. 64. Desde que sofreu o acidente tem de ser auxiliada em todas as lides domésticas. 65. A demandante vai precisar, para sempre do auxílio de uma canadiana para se deslocar com firmeza ao andar na rua. 66. No acidente, internamentos, intervenções cirúrgicas, durante os períodos de imobilização e convalescença a que se teve de submeter, a demandante sofreu dores. 67. A demandante sente desgosto pelas cicatrizes que tem na face e rosto. 68. A proprietária do veículo ..-..-CI havia transferido para a companhia de seguros “... Seguros S.A.” a responsabilidade pela circulação do motociclo, através da apólice n.º.... A sentença considerou ainda não provada a seguinte matéria de facto: 1. O motociclo era conduzido na altura do acidente pelo Jorge... por conta e no interesse da “... - Aluguer de Longa Duração, S.A.”. 2. O velocípede circulava a 10 km/hora. 3. O embate ocorreu a 100 metros após o entroncamento por onde a demandante saiu. 4. A demandante mudou de direcção para a EN 13, manobra que efectuou em diagonal e sem luzes. 5. O condutor do motociclo foi surpreendido pela demandante quando se encontrava a cerca de 3 metros de distância do ciclomotor. 6. O motociclo embateu no ciclomotor quando este encontrava-se junto ao eixo da via. Sendo as conclusões das alegações quem fixa o objecto do recurso (art.º 684º/3 e 690º/1 do CPC), delas se vê que a Demandante pretende que este Tribunal decida quem foi o culpado do acidente; e ambas as partes querem ver alterados os montantes atribuídos a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Consequentemente, fica apenas de fora do âmbito do presente recurso a condenação da Demandada no pagamento das despesas médicas, fisoterepáticas e medicamentosas, cuja liquidação se relegou para execução de sentença. Importa, por isso, surpreender a dinâmica do acidente para se apurar quem foi o responsável, ou se essa responsabilidade deve ser repartida por ambos os condutores. Salvo nos casos de presunção de culpa, para que um condutor possa ser responsabilizado pelo acidente é necessário que se prove que infringiu as regras gerais ou normas do direito estradal, de tal forma que se estabeleça uma conexão entre a condução e a produção do acidente de forma culposa. Dito de outra forma, o condutor só é responsável pelo acidente se tiver agido com imperícia, negligência ou falta de destreza (culpa), nos termos gerais da responsabilidade civil prevista no art.º 483º do C. Civil; ou se tiver violado uma norma do direito estradal, que seja causal do acidente, isto é, concluindo-se que, não fora essa infracção, e o acidente não teria ocorrido. Fixemos a matéria de facto relevante para este efeito: A Demandante Maria de Fátima conduzia o seu velocípede, no dia 13 de Janeiro de 1995, cerca das 7, 45 horas, no lugar de Varziela, sendo ainda noite, mas trazendo as luzes acesas, numa rua que vem entroncar do lado esquerdo, atento o sentido Póvoa – Porto, na EN 13, ao Km 19. Ao chegar ao entroncamento parou, certamente para dar prioridade aos veículos que se lhe apresentassem pela direita, como lho impõe a regra do art.º 30º do C. Estrada, então em vigor. O local configura-se como uma recta de boa visibilidade. A Maria de Fátima viu do seu lado direito a luz do farol de um motociclo. Porque este estava ainda “distante” do entroncamento, entrou na EN 13, passando a circular pela faixa de rodagem direito, no sentido do Porto. Quando já tinha percorrido 28 metros na EN 13 foi embatida pela parte traseira pela parte da frente do motociclo. O condutor do motociclo, Jorge..., apesar de se ter apercebido da presença do velocípede, só começou a travar a 10 metros de distância deste. Todavia, devido à velocidade a que circulava, não inferior a 80 Kms/hora, quando no local é proibido circular a mais de 50 Kms/hora, não conseguiu imobilizar o motociclo e acabou por embater. O embate deu-se a 1,10 metros da berma direita, atento o sentido em que seguiam ambos os veículos, tendo a faixa de rodagem a largura de 7,30 metros. Neste circunstancialismo não se nos oferece qualquer dúvida que a culpa exclusiva do acidente é do condutor do motociclo, nenhuma responsabilidade podendo ser assacada à condutora do velocípede. É certo que esta tinha de ceder o direito de passagem ao motociclo, como lho impunha o citado art.º 30º do C. Estrada. Mas não menos certo é que parou e entrou no entroncamento porque o motociclo ainda estava distante. E não menos certo é ainda que já havia percorrido 28 metros na estrada do Porto, aquela em que circulava o motociclo, quando foi embatida por trás, o que equivale a dizer que o entroncamento já estava 28 metros para trás. E fazia-o a 1,10 metros da berma, quando a hemifaixa de rodagem tem 3,65 metros, isto é, deixando livre à sua esquerda mais de 2 metros (2, 55 metros, menos a largura do velocípede), largura mais que suficiente para o motociclo a poder ultrapassar, sem ter necessidade de ocupar a faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, o que de resto não seria proibido, face à matéria de facto apurada, e até porque no local não circulavam outros veículos. Daqui se conclui com segurança que a “transgressão” causal do acidente não é a violação de uma regra de prioridade, mas antes a condução com excesso de velocidade por parte do Jorge (violação do disposto no art.º 24º, n.º 1 do C. Estrada), aliada ou à sua falta de atenção ou à imperícia e falta de destreza. O circunstancialismo descrito revela que o acidente teria ocorrido da mesma forma se a Maria de Fátima, em vez de vir do entroncamento, tivesse seguido sempre na estrada do Porto. Com efeito, o Jorge apercebeu-se do velocípede, iniciou a travagem quando a Maria de Fátima já tinha percorrido cerca de 18 metros na EN, num velocípede, com velocidade obviamente reduzida, o que equivale a dizer que já havia cerca de 25 a 30 segundos que estava a circular naquela estrada. O Jorge, ao aperceber-se do velocípede, não conseguiu manobrar no sentido de fazer a ultrapassagem – tinha, repita-se, mais de 2 metros da faixa de rodagem em que seguia à sua disposição para tal efeito, para além de toda a outra faixa de rodagem – por falta de atenção ou imperícia; e não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente (o que até nem era necessário), apesar de se tratar de uma recta com boa visibilidade, porque conduzia com excesso de velocidade, e certamente porque se perturbou o que, à falta de melhores elementos, tem de lhe ser imputado a título de imperícia e falta de destreza. Ora, se o velocípede viesse da estrada do Porto, teria ocorrido da mesma forma o acidente: O Jorge continuaria a só travar 18 metros após o entroncamento, sem tentar a ultrapassagem, não conseguiria desviar o motociclo e continuaria a embater no velocípede, por trás. De resto, a prioridade de passagem não dá o direito ao condutor de se aproximar de um entroncamento com excesso de velocidade. Deve, isso sim, observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito – n.º 2 do art.º 29º do C. Estrada. O que significa que o direito de prioridade não é absoluto. Mas, reafirme-se, o acidente não ocorreu no entroncamento, mas antes 28 metros depois dele, quando a Maria de Fátima já circulava na EN há cerca de 25/30 segundos, tempo mais que suficiente para se paralisar um veículo à velocidade de 50 Kms/hora. E não resultou provado que a Maria de Fátima tivesse entrado no entroncamento em diagonal, como alegou a Demandada, o que, aí sim, poderia perturbar o Jorge. Não pode, pois, neste caso, falar-se em violação do direito de prioridade, mas antes em circulação de veículos na mesma direcção e na mesma faixa de rodagem de uma EN, em que o condutor do veículo à retaguarda embate na traseira do que está a circular à sua frente, sem que este faça qualquer manobra que tenha influência naquele embate.. Assim, a responsabilidade total pela ocorrência do acidente é do Jorge. E, por força do contrato de seguro celebrado com a Demandada, assumiu esta a responsabilidade pelos prejuízos causados à Demandante, reunidos como estão os pressupostos da responsabilidade civil referidos no art.º 483º do C. Civil, como de resto as partes aceitam. Essa responsabilidade é pela totalidade, como se demonstrou, e não na proporção de 70% e 30% como se decidiu na sentença em recurso. Assim, a demandada está obrigada a pagar à Demandante todos os danos, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial. Quanto aos danos patrimoniais. O dano patrimonial compreende o dano emergente (prejuízo causado) e o lucro cessante (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) - art. 564º, nº 1 do C. Civil. Os danos emergentes resultantes do acidente dos autos, e de que foi vítima a Demandante, são apenas de: 40.000$00 referentes à destruição do velocípede (15.000$00) e das roupas danificadas (25.000$00). Tudo o resto se prende com os vencimentos que a demandante deixou e deixará de receber. Sabemos dos autos que a Demandante tinha o salário anual de 870.636$00, que lhe foi paga a quantia de 1.560.076$00 a título de indemnização por ITA desde o dia a seguir ao acidente, 14/1/95 a 23/9/97 (cfr. certidão de fls. 126), que auferiu uma pensão anual e vitalícia, de 724.468$00 desde o dia 24 de Setembro de 1997 a 2 de Dezembro de 1999, e de 112.376$00 a partir desta data, por força do acidente dos autos, que também foi considerado de trabalho. E que em 13 de Janeiro de 1998 lhe foi atribuída uma incapacidade permanente geral e profissional de 40%. Como se faz o cálculo dos danos? “O dos danos emergentes obedece em principio a uma pura operação aritmética. Assim acontece por ex. com os danos materiais sofridos com o acidente, como por ex. a roupa que ficou inutilizada, com as despesas hospitalares e de transporte em ambulância, despesas médicas e medicamentosas, despesas de funeral, etc. .... Quanto ao lucro cessante, como nele se incluem benefícios que o lesado deveria ter obtido e não obteve, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. Devemos notar ainda que os “lucros cessantes” compreendem perda de ganhos futuros, em vias de concretização, de natureza eventual ou sem carácter de regularidade, que o lesado não consegue obter em consequência do acto ilícito” (Ac. do STJ de 28/10/92 CJ- Acs. do STJ, tomo 4, pg. 29). E chegamos aos danos futuros, cujo exemplo de escola é o da situação do lesado que perde (por morte ou por incapacidade total permanente) ou vê diminuída a sua capacidade laboral em consequência do facto lesivo. Este facto origina a perda de um rendimento que se repercute em prejuízos sofridos e a sofrer pelo lesado ou por aqueles que viviam na sua dependência económica. Para resolver estes casos há duas formas de estabelecer a indemnização: ou pela entrega de um capital ao lesado ou, total ou parcialmente, sob a forma de renda vitalícia ou temporá-ria. O art. 554º n.º 2 do CC estabelece que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”, ou seja, para liquidar em execução de sentença. Descodificando este preceito legal, ele significa, logo à partida, que os danos futuros para serem passíveis de indemnização, é forçoso que sejam previsíveis. Se, para além desta previsibilidade, forem ainda determináveis, o tribunal pode, desde logo, atender a eles. Foi para casos destes que, a partir do Ac. do STJ de 9/1/79 (BMJ 283º, pg. 260), a nossa jurisprudência acolheu, de forma unânime, a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve, no que concerne aos danos futuros, “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes á sua perda de ganho”. Ainda mais recentemente o nosso mais alto tribunal decidiu que “de entre os diversos critérios de determinação dos danos futuros correspondentes à perda de capacidade de ganho, deve ser adoptado aquele que permita conjugar as regras respeitantes á determinação de uma indemnização susceptível de ser fixada em renda (de acordo com as bases técnicas aprovadas para o seguro de rendas vitalícias imediatas do ramo «vida») com as que regem a determinação do valor das pensões sociais (fixação a partir do nível dos rendimentos reais ou presumidos do trabalho, corrigida, consoante os casos, pelo período de contribuições para a previdência que tenha existido, pelo valor dos recursos do lesado ou do seu agregado familiar, pelo grau de incapaci-dade e pelos encargos familiares), por concatenação dos art.ºs. 567º do CC, 17º do DL 522/85, de 22/12 (que disciplina o seguro obrigatório) e 26º da Lei 28/84 de 14/8 (que disciplina a Segurança Social). Quanto à determinação dos “danos futuros” de carácter vincadamente não patrimonial, mas previsíveis (doenças psicossomáticas ou não, consequências de natureza disfuncional, de desambien-tação ou desinserção social ou emocional, etc.) quando eles se verifiquem, deve tal determinação ser objecto de um processo de avaliação idêntico ao usado para a determinação dos chamados “danos morais ou de natureza não patrimonial” (o já cit. Ac. do STJ de 28/10/92). Como se vê, há uma tendência por parte dos nossos tribunais - legitima, diga-se desde já - para falar de critérios e para tentar lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais, e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte ou de incapacidade total ou quase total. Um dos critérios usados, logo desde o início, foi o recurso, puro e simples, às tabelas ou regras financeiras usadas no foro laboral para a determinação de pensões de vida por incapacidades permanentes. Mas depressa este critério foi posto em causa, porque tais tabelas não são garantia segura da justa medida do ressarcimento, uma vez que “na avaliação dos prejuízos verificados, o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”, conforme se escreveu no Ac. do STJ de 4/2/93 (CJ –Acs. do STJ, Ano 1, tomo 1, p. 129). Mas isto não significa que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, algum factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização. Daí o terem aparecido outros critérios, todos tendo como bússola procurar atribuir ao lesado uma quantia em dinheiro que produza o rendimento mensal fixo perdido, mas que, ao mesmo tempo, não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante, ou seja, é necessário que, na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída. E um desses critérios, sem ainda ter rompido totalmente com o recurso às tabelas financeiras, foi o preconizado no Ac. do STJ de 18/1/79 (BMJ 283º, pg. 275 e logo seguido pelos do mesmo Tribunal de 19/5/81 e de 8/5/86 (BMJ 307º e 357º, pg. 242 e 396 respectivamente), segundo os quais “em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%". E aproveito para chamar a atenção para duas notas: uma, é que, hoje em dia, passados mais de 10 anos sobre o último acórdão citado, já estará possivelmente desactualizada esta taxa de juro que, na minha opinião, deve ser substituída pela de 7%, com tendência para baixar. No entanto, não se justifica, para já, o uso de uma taxa inferior a esta, porque o juiz tem de trabalhar com verbas ilíquidas, abstraindo dos impostos que o lesado eventualmente teria de pagar. E, como veremos adiante, quanto mais baixa for a taxa, maior será o capital encontrado. O próprio STJ já decidiu que “face à actual tendência de descida das taxas de juro, é mais prudente a utilização de uma taxa de referência de 7%, em vez da que se vem utilizando (9%)” - Ac. de 5/5/94, CJ - Acs. STJ, 1994, tomo 2, pg. 86. Parece-me ser este o caminho certo, apesar de o mesmo Tribunal, um ano antes, ter aplicado ainda aquela taxa de 9% (cfr. Acs. de 4/2/93 e de 31/3/93, in CJ - Acs. do STJ, 1993, tomo 1, p.128 e BMJ 425º, p. 544 e segs., respectivamente). Ora é precisamente a taxa de juro que vai funcionar como constante nas operações a efectuar, porque, em princípio, se mantém por razoável período de tempo. ..... Mas o cálculo referido ..., em caso de morte, vai sofrer três ajustamentos. Um, resultante da idade da vítima; outro, porque ao rendimento anual bruto haverá que descontar 1/3 (v. por todos o Ac. do STJ de 2/2/93, CJ-Acs. do STJ, 1993, tomo 1, pg. 131), corres-pondente àquilo que, em princípio, a vítima gastaria consigo mesma. Este desconto baseia-se, de acordo com estudos feitos, numa média dos resultados obtidos no universo analisado. Mas se, em princípio, aquela fracção pode ser uma constante, não deve ser encarada de forma absoluta, uma vez que já não terá sentido nos casos de pequenas economias domésticas, “em que há grande peso das despesas fixas que não se reduzem com a morte do consorte”, conforme já decidiu o Ac. RC de 15/1/80 (CJ, 1980, tomo 1, p. 110). Finalmente, o terceiro ajustamento que se traduz num desconto (a ser encontrado recorrendo à equidade) sobre a indemnização calculada para evitar o acima referido enriquecimento injustificado, pois o lesado ou os familiares da vítima vão receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveriam receber em fracções anuais....Entre nós, por ex., o Ac. da RP de 20/5/982 (CJ, 1982, tomo 3, pg. 212) fixou tal desconto em 20%.” – Estudo do Juiz Desembargador Dr. Joaquim José de Sousa Dinis, in CJ-Acs. do STJ, ano V, tomo 2, pg. 14 e 15. Pela nossa parte, concordamos inteiramente com o critério proposto, pelas razões supra referidas. O recurso às tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica é o único critério científico que nos dá, de forma exacta, essa renda periódica. Temos, no entanto, de fazer referência que, hoje, nenhuma instituição financeira paga mais de 6% sobre o capital que alguém lhe entregue por depósito. E a tendência será a de manter-se ou subir ligeiramente (vide as taxas de referência do B.C.E.). Nestes termos, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 6%. Assim definido o critério, temos apenas de o aplicar. A Demandante tem um prejuízo anual de 758.260$00 (870.636$00 – 112.376$00). Nascida em 4 de Março de 1948, tinha à data do acidente 46 anos, completando os 47 dentro de mês e meio. Aos 65 anos reformar-se-ia. Faltavam-lhe, pois, para a reforma 18 anos.. Importa encontrar o factor a aplicar, segundo as tabelas financeiras, e para uma taxa de juro de 6%. E esse factor é 10,827603. A indemnização é o equivalente à multiplicação do prejuízo anual pelo factor referido: 758.260$00 x 10,827603, que dá 8.210.138$30. Todavia, a demandante, desde 14/1/95 e até 2 de Dezembro de 1999 recebeu a pensão anual de 724.468$00, em vez dos 112.376$00 por que se fez o cálculo. Assim, há que deduzir a diferença das importâncias recebidas pelos 714.468$00, e não pelos 112.376$00. Durante os 3 anos e 11 meses, essa diferença é de (3 x 612.096$00 + 612.096$00 : 12 x 11) 2.397.360$00. Logo, a indemnização por danos patrimoniais será fixada em 5.812.778$30. E isto porque, apesar de a Demandante haver ficado com uma incapacidade permanente geral de 40%, a verdade é que foi dado como provado que “deixou de poder exercer a sua profissão”. Consequentemente, não há que entrar em linha de conta com a IPP de 40%. Quanto aos danos não patrimoniais. Dispõe o art.º 496º do C. Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.” Na perspectiva da responsabilidade civil, pode afirmar-se que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica. Como refere Galvão Teles in “Direito das Obrigações”, 6ª ed., pág. 570, “o prejuízo ou dano consiste em se sofrer um sacrifício, tenha ou não um conteúdo económico. A pessoa é afectada num bem, que deixa de poder gozar de todo ou de que passa a ter um gozo mais reduzido ou precário”. Ou, como se diz no Ac. da RP de 7.4.97 in CJ, ano XII, tomo 2, pg. 206, “Esse prejuízo é o prejuízo concreto, ou seja, o dano real, o dano como se apresenta in natura, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens, materiais ou espirituais. Distingue-se entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuária. Os primeiros, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos não patrimoniais são prejuízos «(como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (Antunes Varela, das Obrigações, 5ª ed., Vol. 1º, pág. 561). Por sua vez, observa Almeida Costa (Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 478, nota 1) que, no direito inglês, se faz a seguinte especificação, dentro do âmbito da matéria dos danos não patrimoniais resultantes de invalidez ou incapacidade: a) dores físicas e sofrimentos psíquicos, ou seja, o pretium doloris; b) perda de capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida; c) afectação da integridade anatómica, fisiológica ou estética; d) perda de expectativas de duração da vida. Mas o mesmo facto pode provocar danos das duas espécies: patrimoniais e não patrimoniais. Na personalidade humana há uma organização somático - psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de «personalidade física» do art.º 70º do C. Civil, «organização essa que é composta não só por elementos constitutivos (v. g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v. g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex. a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.), como escreve Rabindranath Capelo de Sousa (O Direito Geral de Personalidade, pág. 200). A personalidade humana, geralmente protegida no referido art.º 70º, constitui um objecto jurídico autónomo e directamente tutelado. E acrescenta o mesmo autor (obra citada, pág. 458): «Dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente»”. A dificuldade em quantificar os danos de natureza não patrimonial anda sempre ligada à sua dimensão imaterial, por atingirem valores de carácter espiritual ou moral e se traduzirem em sofrimento de dor (física e moral ou psicológica), desgosto e angústia. A sua ressarcibilidade baseia-se, actualmente, diz o Prof. Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 376, na generosa formulação do art.º 496º do C. Civil, que confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece no cálculo da maior parte dos danos de natureza patrimonial), mas antes o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada. Também o STJ, em Ac. de 23.3.95, in CJ, ano III, tomo 1, pg. 233, se refere nos mesmos moldes, em sugestiva passagem: “Considerando a natureza e função da indemnização por danos não patrimoniais, estes não podem sujeitar-se a uma medição, mas tão só a valoração”. Ninguém pode, em rigor, compensar as dores e os incómodos por que passou o A, bem como o desgosto que continuará a ter, mas pode e deve atenuar-se tudo isso dando-lhe a possibilidade de, por via da indemnização, conseguir outros prazeres que, de alguma forma, o façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão. Na fixação da indemnização, diz a lei – citado art.º 496º, n.º 3 do C. Civil - , que se devem ter em conta as circunstâncias referidas no art.º 494º. Isto é, deve ter-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, e ainda as “regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida” – Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, vol. I, pg. 501. O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré. É notório que as Companhias de Seguros têm boa capacidade económica. A lesada tinha à data do acidente 46 anos As lesões são graves. Com efeito, em consequência do embate resultaram para a demandante os ferimentos descritos nos exames médicos de fls. 98 a 100, 214 a 218 dos autos, dados como integralmente reproduzidos, designadamente - politraumatismo, ferida corto-contusa na região supraciliar esquerda, escoriações no abdómen e cotovelo esquerdos, feridas corto-contusas na perna esquerda, fractura da omoplata esquerda, arrancamento da cabeça do perónio da perna direita, fractura do côndilo externo do fémur direito, fractura multicominutiva do calcâneo do pé direito, fractura do astrólago do pé esquerdo, fractura do maléolo externo do tornozelo esquerdo. Após o acidente a demandante foi transportada para o Hospital de Vila do Conde e no mesmo dia foi transferida para o Hospital de S. João, do Porto. A demandante esteve hospitalizada durante o período de 13/01/95 a 8/3/95. Após alta hospitalar foi seguida por consulta externa de ortopedia no hospital de Vila do Conde. E durante três meses esteve com ambas as pernas engessadas. A demandante esteve durante esses três meses totalmente imobilizada e sem se poder movimentar. Foi auxiliada pela filha e marido que tratavam da sua higiene pessoal. Decorrido o período de 3 meses começou a andar de cadeira de rodas durante seis meses. A partir daí passou a deslocar-se com o auxílio de canadianas. Em Maio de 1996 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica ao pé direito no hospital de Vila do Conde, consistente em tríplice astrose na convalescença da qual voltou a estar engessada e imobilizada durante mais três meses. Em 23 de Abril de 1998 a requerente foi submetida a nova intervenção cirúrgica no Hospital de Santo Tirso, consistente em artroscopia do joelho esquerdo. Desde a primeira alta hospitalar que a demandante fez fisioterapia regularmente na Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, sob prescrição médica consecutiva de módulos de 20 tratamentos. A demandante apresenta por via do acidente as seguintes sequelas lesionais: na face ficou com uma cicatriz linear de 5 cm de comprimento, entre as sobrancelhas, visível. Ficou ainda com uma depressão na região frontal direita com cerca de 2 cm de diâmetro, na perna direita ficou com uma cicatriz de 7 cm no maléolo interno e outra, de igual comprimento na face lateral do pé. Apresenta ainda na perna direita mobilidade do joelho conservada com abundantes crepitações palpáveis, rigidez do tornozelo com um arco de movimento para a flexão dorsal e plantarde 10%, encurtamento aparente e rela de 2 cm do pé, diminuição da força de grau 4 na escala de 5, reflexo aquiliano diminuído. No joelho esquerdo ficou com uma cicatriz visível de 3 cm na face externa, uma de 2 cm na sua face anterior e outra também de 2 cm na sua face antero interna. Na perna esquerda ficou com uma cicatriz linear de 9 cm de comprimento na face externa do terço superior da perna (coxa) e duas cicatrizes uma de 8 cm e outra de 4 cm, ambas na face posterior do terço superior da perna. A demandante sofreu uma Incapacidade permanente geral e profissional de 40%, desde 13-01-98. Apesar de as lesões sofridas terem atingido estabilidade médico-legal, a demandante para que o seu estado de saúde não regrida vai ter de continuar com acompanhamento médico e fisioterapia. E terá de submeter-se a novas intervenções cirúrgicas. Em consequência das lesões sofridas a demandante deixou de poder exercer a sua profissão e de conseguir fazer com facilidade as próprias lides domésticas. A requerente sofre dores ao movimentar-se. Sente dores nos joelhos e nos pés. Dores essas que frequentemente a impedem de dormir e perturbam o sono. Tem dificuldade em permanecer muito tempo de pé, assim como deitada. Claudica ao andar. Não pode acarretar pesos. Não pode fazer movimentos repentinos. A demandante vai precisar, para sempre do auxílio de uma canadiana para se deslocar com firmeza ao andar na rua. No acidente, internamentos, intervenções cirúrgicas, durante os períodos de imobilização e convalescença a que se teve de submeter, a demandante sofreu dores. A demandante sente desgosto pelas cicatrizes que tem na face e rosto. Com facilidade se conclui da multiplicidade das lesões, da sua gravidade, das sequelas, dos inúmeros tratamentos, bem como das dores sofridas. A tutela do direito impõe-se, devendo fazer-se uma valoração em termos equitativos, segundo o critério definido. Tudo visto e ponderado, atendendo ainda à mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal (cfr., entre outros os Acs. de 11.09.94 e de 18.03.97 in CJ, Acs. do STJ, ano II, tomo 3, pg. 91, e ano V, tomo 5, pg. 25, respectivamente), entende-se dever fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 5.000.000$00, correspondente à soma das parcelas de 2.000.000$00 pelas dores físicas, 2.000.000$00 pela perda da capacidade de ganho, e dependência criada, e 1.000.000$00 pela afectação da integridade estética. Decisão: Neste termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso da Demandante, e improcedente o da Demandada e, em consequência, alteram a sentença recorrida no que toca à culpa e danos, entendendo-se que a culpa na produção do acidente é exclusiva do condutor do motociclo, e condenam a Demandada a pagar-lhe as seguintes importâncias, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais: - 40.000$00 pelos prejuízos resultantes da destruição do velocípede e das roupas que trazia vestidas; - 5.812.778$30, referente a lucros cessantes; - 5.000.000$00 de danos não patrimoniais, - Tudo no total de 10.852.778$00 (dez milhões, oitocentos e cinquenta e dois mil, setecentos e setenta e oito escudos). - No mais confirmam a sentença recorrida. Custas na 1ª Instância e nesta Relação na proporção do vencido. Porto, 7 de Dezembro de 2000 Francisco Marcolino de Jesus Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva Joaquim Manuel Esteves Marques Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010144 Nº Convencional: JTRP00031363 Relator: MATOS MANSO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA CULPA CIRCULAÇÃO AUTOMÓVEL CINTO DE SEGURANÇA USO FALTA NEXO DE CAUSALIDADE RESPONSABILIDADE RESPONSABILIDADE CRIMINAL INDEMNIZAÇÃO REDUÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS MORAIS DIREITO À VIDA HERDEIRO SUCESSÃO SUCESSÃO DE ASCENDENTE MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200102070010144 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR V N GAIA Processo no Tribunal Recorrido: 192/98 Data Dec. Recorrida: 12/07/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CRIM - DIR ESTRADAL. DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART494 ART496 N2 N3 ART566 N2 ART570 N1 ART805 N2 B N3. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1972/12/22 IN BMJ N222 PAG392. AC STJ DE 1974/01/23 IN BMJ N233 PAG82. Sumário: I - O não uso do cinto de segurança pelo passageiro do veículo (em violação do dever imposto pelo artigo 83 n.1 do Código da Estrada de 1994) não pode ser considerado concausal para as lesões sofridas, nos termos do artigo 570 do Código Civil, por estar fora do processo causador das lesões. II - Mas o facto estatístico de o uso do cinto de segurança reduzir as lesões sofridas justifica que, por um juízo de equidade, se reduza a indemnização a atribuir ao lesado que não cumpriu o dever de usar o cinto. III - O responsável pela falta de uso do cinto de segurança é o passageiro e não o condutor do veículo. No caso de passageiros menores que não tenham a capacidade natural para compreenderem o dever de o usar, o condutor será o responsável pelo cumprimento desse dever se também for responsável pela sua vigilância. IV - A ofensa do direito à vida é indemnizável e transmissível, como é jurisprudência constante. V - Tendo a vítima 16 anos de idade, mostra-se correctamente fixada a quantia de 5000 contos atribuída aos seus pais pela perda do direito à vida (dano não patrimonial), e também ajustado o montante de 1500 contos a favor de cada progenitor pelo desgosto sofrido com a morte. VI - Relativamente aos danos não patrimoniais os juros de mora contam-se desde a data da notificação da demandada para contestar. VII - Provado que o arguido conduzia um veículo ligeiro, por um itinerário principal, a velocidade superior a 120 Km/h, de noite, com algum nevoeiro, que permitia uma visibilidade de cerca de 100 metros e que ao descrever uma curva à sua direita entrou em despiste, vindo a embater violentamente no separador lateral direito, é de lhe atribuir a culpa do acidente porque, não obstante não se ter apurado o motivo da perda do controlo do veículo ou que tivesse havido qualquer deficiência mecânica, o certo é que o despiste é-lhe imputável pois o condutor de um veículo deve conduzi-lo por forma a poder controlá-lo e ele, naquelas circunstâncias, não o dominou. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07P4558 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: MAIA COSTA Descritores: ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA COMUNICAÇÃO AO ARGUIDO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO REFORMATIO IN PEJUS ROUBO AGRAVADO COISA TRANSPORTADA EM VEÍCULO TRANSPORTE COLECTIVO Nº do Documento: SJ200802030045583 Data do Acordão: 13/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário : I - Se a pretensão do recorrente [MP] se cinge à qualificação jurídica dos factos, e não aos próprios factos, a alteração requerida é enquadrável no art. 358.º, n.º 3, do CPP. II - Neste caso, tendo o arguido tido oportunidade de contestar a pretensão do recorrente quando foi notificado da motivação de recurso e ainda quando foi notificado, já neste STJ, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, cumprido se mostra o princípio do contraditório e, consequentemente, assegurado ficou o exercício pleno dos direitos de defesa. III - E não existe qualquer limitação ao agravamento da pena, uma vez que o recurso foi interposto apenas pelo MP – mas não no interesse da defesa (art. 409.º do CPP) –, situação em que não funciona a proibição da reformatio in pejus. IV - Subjacente à previsão do art. 204.º, n.º 1, al. b), do CP [Quem furtar coisa móvel alheia: (…) b) Transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais; (…) é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias] existe uma clara intenção, por parte do legislador, de garantir uma confiança generalizada nos transportes e comunicações, por meio de um reforço da tutela penal da segurança na sua utilização, e que se funda numa ideia de maior exposição ou vulnerabilidade das coisas transportadas ou depositadas à apropriação ilícita, quer porque elas não estão sob a guarda do seu proprietário ou possuidor, quer porque este último, embora podendo vigiá-las, está submetido a circunstâncias em que o exercício dessa vigilância pode ser perturbado ou seriamente reduzido. V - Na primeira situação prevista no preceito, a tutela penal dirige-se às coisas transportadas em veículo, seja este público ou privado, e independentemente do lugar onde ele se encontre e do responsável pelo transporte. É o simples facto de a coisa ser transportada em veículo que o legislador considera merecedor de tutela reforçada, em homenagem à protecção da confiança das pessoas nos transportes. VI - Por sua vez, na segunda, a tutela incide sobre um âmbito espacial restrito (o dos transportes colectivos e das adjacentes estações, gares e cais) e sobre um âmbito material também limitado: coisas transportadas por passageiros desses transportes. VII - A expressão utilizada pelo legislador «coisa transportada por passageiros utentes de transporte colectivo» revela que pretende abranger todas as coisas que é o próprio passageiro que transporta, sob a sua responsabilidade e sob o seu domínio efectivo (ao seu alcance directo), não as que eventualmente confia à empresa transportadora ou que deposita nos locais próprios dos meios de transporte. VIII - Desse conjunto restrito de coisas que o passageiro normalmente traz consigo, que integram o seu “património inseparável” em qualquer deslocação, e que estão sob o seu directo domínio e alcance, fazem parte, desde logo, as coisas que leva dentro da roupa, nomeadamente nos bolsos (como as carteiras de homem, porta-cheques, porta-moedas, porta-chaves, telemóveis, transístores, mp3 e outros aparelhos electrónicos, etc.), mas também os objectos sobre os quais ele mantém uma ligação física ou corporal (como as pastas, as carteiras de senhora, os computadores portáteis), por serem levados à mão, pois todos esses objectos integram o mesmo núcleo restrito de objectos pessoais que tanto podem ser levados nos bolsos, como à mão, como metidos dentro de recipientes transportados à mão, ao ombro ou às costas (carteiras, mochilas, sacolas, etc.), mas sempre ao alcance imediato do domínio, da disponibilidade, da mão do passageiro. IX - A razão de ser desta previsão reside na circunstância de a utilização de transportes colectivos de há muito fazer parte da rotina quotidiana obrigatória da generalidade das pessoas, sobretudo nos meios urbanos e de, apesar do incremento constante dos meios preventivos de protecção pessoal de passageiros e mercadorias (reforço do policiamento, vigilância electrónica, etc.), os transportes colectivos e as suas áreas adjacentes continuarem a ser um lugar privilegiado para a prática de crimes contra o património: a normal aglomeração de gente e ambiente de confusão que tantas vezes se regista dentro dos meios de transporte ou nas estações, o desconhecimento e incerteza de muitos passageiros quanto à localização, o horário ou o concreto meio de transporte a escolher e, nas viagens longas, o cansaço inevitável que se apodera da generalidade dos passageiros são tudo factores que propiciam a delinquência contra as coisas transportadas pessoalmente pelos passageiros, nomeadamente por parte dos “carteiristas”, que se movem particularmente à vontade nestes ambientes. X - É claro que todas as situações de ajuntamento de pessoas (como os grandes espectáculos, as feiras, e até as manifestações e as procissões) de alguma forma facilitam essa prática criminosa. Mas a particular protecção concedida ao património dos passageiros de transportes colectivos assenta na já assinalada opção, razoável e fundamentada, de atribuir uma tutela penal reforçada aos transportes, pelo papel essencial e indispensável que eles desempenham na vida quotidiana das pessoas, sobretudo nos grandes centros urbanos, mas não só. XI - É, pois, de concluir que o preceito em análise – al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CP –, no seu último segmento, abrange todos os objectos transportados pessoalmente pelos passageiros de transportes colectivos, isto é, aqueles que se integram na esfera corporal do passageiro, que estão sob o seu domínio directo, ao alcance da sua mão. XII - Assim, numa situação em que: - o arguido se acercou de HM, que acabara de sair do comboio na Estação… e pediu-lhe dinheiro; - perante a resposta negativa do HM, o arguido, dirigindo-se-lhe, disse: “Deixa-me ver o telemóvel, se não vou ter de me chatear”, ao mesmo tempo que lhe exibia a mão fechada, como se estivesse a guardar algum objecto; - o HM, temendo pela sua integridade física, entregou ao arguido o seu telemóvel, de marca Nokia e modelo 3330, avaliado em € 160; - o arguido retirou o cartão do telemóvel, e devolveu-o ao HM, após o que, com o telemóvel em seu poder, abandonou o local em passo apressado, dirigindo-se para o interior da estação da CP; é de concluir, quer pelo espaço (estação ferroviária), quer pelas características do objecto apropriado (coisa transportada pessoalmente por um passageiro dos transportes colectivos), que os factos integram a previsão típica dos arts. 210.º, n.º 2, al. b), e 204.º, n.º 1, al. b), in fine, do CP. Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Na 9ª Vara Criminal de Lisboa foi o arguido AA julgado, acusado da autoria de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CP, sendo condenado, por esses crimes, na pena de 18 meses de prisão por cada um, e, em cúmulo, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão. Esta decisão foi tomada por maioria, já que um dos Juízes adjuntos, considerando que o arguido deveria ter sido condenado por um crime de roubo simples e outro de roubo qualificado, p. e p. pelos arts. 210º, nº 2, b) e 204º, nº 1, b) do CP (factos de 24.8.2004), propunha a condenação do arguido na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, correspondente às penas parcelares de 18 meses de prisão (crime de roubo simples) e de 3 anos e 10 meses de prisão (crime de roubo qualificado). O MP não se conformou com a decisão e interpôs recurso, concluindo assim a sua motivação: 1ª – O disposto no segmento final da alínea b) do n.° 1 do artigo 204° do CP, como circunstância agravante qualificativa dum crime de roubo, tutela a segurança de bens transportados por utente de transporte colectivo, como resulta da sua própria expressão literal. 2ª – Ali se visa, na linha da medieval “paz dos caminhos”, proteger os bens de passageiro de transporte colectivo, como refere José Faria Costa nas suas anotações a fls. 59 a 62 do Tomo II do Comentário Conimbricense do Código Penal. 3ª – Daí que, na interpretação daquele específico segmento, não tenha sentido a distinção operada no acórdão recorrido entre a subtracção de coisa móvel que está no domínio efectivo da vítima e a subtracção de coisa móvel que não está sujeita a esse domínio, restringindo a sua aplicação à subtracção de coisa que não está sujeita ao domínio efectivo da vítima, quando é certo que, para tanto, bastava a previsão que se contém no primeiro segmento da mesma a alínea. 4ª – Assim, a subtracção violenta do telemóvel Nokia de modelo 3330 que teve por cenário a estação de comboios da Damaia e por vítima BB, utente do transporte colectivo de comboios, configura um crime de roubo agravado previsto e punível nos termos dos artigos 210º n.°s 1 e 2 alínea b) do CP com referência ao requisito (circunstância) previsto no segmento final da alínea b) do n ° 1 do artigo 204° do mesmo CP. 5ª - Ora, desta qualificação jurídico-criminal decorre a alteração da moldura penal aplicável que implica uma nova determinação da medida concreta da pena que, observando os critérios legais fixados no artigo 71° do CP, deverá, a nosso ver, situar-se em torno de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. 6ª - Finalmente, operando-se o cúmulo jurídico desta pena com a pena de 18 (dezoito) meses de prisão aplicada ao crime de roubo simples pelo qual o arguido foi também condenado, entende-se que a pena única a aplicar deverá situar-se entre 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 4 (quatro) anos de prisão. 7ª – Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou as já citadas disposições legais. O arguido não respondeu. Neste STJ, o MP, no seu visto inicial, pronunciou-se pela procedência do recurso quanto à qualificação do roubo, mas acrescentou, depois de considerar que se verifica uma alteração substancial dos factos, que “não poderá ser alterada a correspondente pena (e a subsequente ao concurso) sem que se mostre cumprido o art. 359° do CPP”. Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2 do CPP, o arguido nada disse. Realizou-se a audiência de julgamento, nos termos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto fixada: 1. No dia 24 de Agosto de 2004, pelas 14h. 50m., o arguido acercou-se de BB que acabara de sair do comboio na Estação da Damaia, na Amadora, e pediu-lhe dinheiro; 2. Perante a resposta negativa do BB o arguido, dirigindo-se-lhe, disse “Deixa-me ver o telemóvel, se não vou ter de me chatear” ao mesmo tempo que lhe exibia a mão fechada, como se estivesse a guardar algum objecto; 3. O BB, temendo pela sua integridade física, entregou ao arguido o seu telemóvel de marca Nokia e modelo 3330, avaliado em 160 €; 4. O arguido retirou o cartão do telemóvel, e devolveu-o ao BB após o que, com o telemóvel em seu poder, abandonou o local em passo apressado, dirigindo-se para o interior da estação da CP; 5. No dia 25 de Agosto de 2004, pelas 11h. 30m., quando o CC caminhava na ponte pedonal à saída da estação da CP que dá acesso ao Bairro da Cova da Moura, na Damaia, o arguido AA aproximou-se dele e pediu-lhe dinheiro; 6. O CC respondeu negativamente e prosseguiu o seu caminho; 7. O arguido seguiu-o dizendo-lhe que lhe iria fazer mal; 8. Percorridos alguns metros agarrou um fio de ouro que o CC levava ao pescoço e puxou-o com força fazendo com que o fio se rompesse e ficasse na sua mão; 9. Com o fio em seu poder, abandonou o local em passo apressado; 10. O arguido bem sabia que o telemóvel e o fio em ouro não lhe pertenciam; 11. Sabia igualmente que só por meio da ameaça e da violência conseguiria, como conseguiu, retirar o fio ao CC e que o BB lhe entregasse o telemóvel; 12. Agiu livre e conscientemente; 13. Sabia que a sua conduta era proibida por lei; 14. Do seu CRC constam as seguintes condenações: em 6/2/2003 por um crime de roubo praticado em 27/9/1999 na pena de seis meses de prisão substituída por igual tempo de multa. Esta pena foi declarada extinta em 24/9/2004 (proc. n° 108/00 2SRLSB do 2° Juízo Criminal de Lisboa); em 4/6/2004 por um crime de abuso sexual de crianças agravado praticado em 5/6/2001, na pena de 18 meses de prisão suspensa por um período de três anos subordinada a regime de prova. Esta suspensão foi revogada em 21/10/2005, por incumprimento do regime de prova aguardando-se neste processo pelo cumprimento dos mandados de captura para cumprimento da pena (proc. n° 539/01.OSRLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa). A única questão colocada pelo recorrente é a da integração dos factos praticados pelo arguido em 24.8.2004 no crime de roubo qualificado nos termos dos arts. 210º, nº 2, b) e 204º, nº 1, b) do CP. Como vimos, o arguido foi acusado, por esses factos, da autoria de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CP, qualificação jurídica que obteve a concordância maioritária do tribunal colectivo, mas que mereceu a oposição de um dos Juízes adjuntos. O acórdão fundamentou assim a decisão, nessa parte: Acompanha-se a qualificação jurídica da acusação por se entender que o facto de o BB ter sido abordado pelo arguido AA à saída do comboio não permite qualificar este roubo ao abrigo da alínea b) do n° l do art° 204º do C.Penal. Dispõe-se nesta alínea que o crime é agravado, e consequentemente punível com pena mais grave, quando o bem furtado for transportado por passageiro utente de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais. As circunstâncias agravantes p. nesta alínea encontram a sua razão de ser na confiança que os transportes e os lugares destinados à guarda dos objectos merecem dos utentes em geral. Não haverá por isso agravação “(…) quando a coisa furtada, embora em transporte, é pessoalmente levada pela vítima que detém sobre ela um domínio efectivo” (Guilhermina Marreiros, Revista do Ministério Público, ano 6, vol. 21, pág. 101, citada em C. Penal anotado, Leal Henriques e Simas Santos, 2° volume pag. 438, e no mesmo sentido, acórdão do TRL de 14/12/1988, publicado no BMJ, n° 382, pág. 520, no qual se diz que “não se verifica, no crime de furto, a agravante qualificativa p. no art° 297º, n° l, al. g) do C. Penal (actual al. b) do n° l do art° 204º) se a coisa foi subtraída da carteira de um utente dos transportes colectivos)”. Com efeito, afigura-se-nos que a lei quis conferir especial protecção aos bens transportados por utentes dos transportes públicos, ou seja aos bens que tenham uma certa autonomia relativamente à pessoa que os transporta, ao passageiro utente e sobre os quais, como bem refere a autora acima citada, o passageiro não tenha domínio efectivo. Não estarão, por isso, incluídos nesta circunstância agravante os bens que se incorporem no próprio passageiro (cfr. ainda acórdão do STJ de 14/10/1993, proc. n° 44280). Por sua vez, do voto de vencido consta a seguinte fundamentação: Ficou provado, na sequência do que já constava da acusação, que o roubo ocorrido no dia 24 de Agosto de 2004 teve lugar na Estação da CP da Damaia, quando o ofendido saía do comboio relativamente a bens que o mesmo transportava. Dispõe o art. 204°, n.º1, b), do Código Penal a qualificação do furto para quem furtar coisa móvel alheia “… transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais” e, em articulação com essa incriminação, estabelece o art. 210.º, n.º 2, b), do Código Penal a qualificação do roubo se “se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 204º”, passando o roubo a ser punível com pena de 3 a 15 anos de prisão. Tal como decidido, mais recentemente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 4692/06-5 (recurso de Acórdão também proferido nesta 9ª Vara, 2ª Secção), seguindo, designadamente, para além de diversa jurisprudência ali citada, Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, p. 59, o passageiro de transporte colectivo está numa situação de menor atenção sobre os seus bens pela própria preocupação de viajar, cansaço, confusão e aumento da sujeição a acções contra o património, especificamente sujeitando-se ao conhecimento dos criminosos do percurso dos transportes públicos em que abundam oportunidades de consumação criminosa pela desprotecção das vítimas e dificuldade da fuga ou do pedido de socorro (e daí a criação, ainda que insuficiente, de uma brigada dentro das forças policiais destinada exclusivamente ao patrulhamento de transportes públicos). Face aos factos provados é, portanto, patente o preenchimento da qualificativa referida, devendo o arguido ser condenado pela prática de um roubo qualificado e de um roubo simples (mesmo na segunda situação – factos de 25 de Agosto – só a dúvida sobre a inclusão da área referida nos factos provados na zona da Estação da CP propriamente dita – por constituir um acesso – permite que não se sustente a qualificação do roubo). Conhecidos os argumentos das duas teses em presença, analisemos o caso. Previamente, consigna-se, porém, que a alteração pretendida pelo recorrente se cinge à qualificação jurídica dos factos, e não aos próprios factos, pelo que a situação não é enquadrável no art. 359º do CPP, mas sim no art. 358º, nº 3 do mesmo diploma. Tendo o arguido tido oportunidade de contestar a pretensão do recorrente quando foi notificado da motivação de recurso e ainda quando foi notificado, já neste STJ, nos termos do art. 417º, nº 2 do CPP, cumprido se mostra o princípio do contraditório e consequentemente assegurado ficou o exercício pleno dos direitos de defesa. E não existe qualquer limitação ao agravamento da pena, uma vez que, no caso, não funciona a proibição da reformatio in pejus, já que o recurso foi interposto apenas pelo MP e não no interesse da defesa (art. 409º do CPP). A questão suscitada no recurso não é nova e sobre ela existe alguma doutrina e diversa jurisprudência, que vêm citadas no acórdão e nas alegações do recorrente. Embora tenham sido defendidas as duas posições reflectidas nos autos, pode dizer-se maioritária a tese propugnada pelo recorrente. E é essa a posição que merece acolhimento, pelas razões que passam a ser expostas. O art. 204º, nº 1, b) do CP tinha, ao tempo da prática da infracção e da prolação da decisão condenatória, a seguinte redacção: 1. Quem furtar coisa móvel alheia: (…) b) Transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais; (…) é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. A Lei nº 59/2007, de 4-9, alterou a redacção, embora de forma irrelevante para o caso dos autos. (1). São três as situações típicas previstas no preceito: apropriação de coisa transportada (ou colocada) em veículo; apropriação de coisa depositada; e apropriação de coisa transportada por passageiros de transportes colectivos, alargando-se o âmbito espacial da incidência típica, neste último caso, às estações, gares ou cais dos respectivos transportes. Subjacente ao preceito existe uma clara intenção, por parte do legislador, de garantir uma confiança generalizada nos transportes e comunicações, por meio de um reforço da tutela penal da segurança na sua utilização, o que aliás é tradicional no direito penal, e que se funda numa ideia de maior exposição ou vulnerabilidade das coisas transportadas ou depositadas à apropriação ilícita, quer porque elas não estão sob a guarda do seu proprietário ou possuidor, quer porque este último, embora podendo vigiá-las, está submetido a uma situação em que o exercício dessa vigilância pode ser perturbado ou reduzido seriamente. Na primeira situação prevista, a tutela penal dirige-se às coisas transportadas em veículo, seja este público ou privado, e independentemente do lugar onde ele se encontre e do responsável pelo transporte. É o próprio e simples facto de a coisa ser transportada em veículo que o legislador considera merecedora de tutela reforçada, em homenagem à protecção da confiança das pessoas nos transportes. Por sua vez, na última situação prevista, a tutela incide sobre um âmbito espacial restrito (o dos transportes colectivos e as adjacentes estações, gares e cais) e sobre um âmbito material também limitado: coisas transportadas por passageiros desses transportes. Como interpretar esta descrição típica? Abrangerá ela apenas as coisas pertencentes ao passageiro transportadas no veículo de transportes colectivos, isto é, fisicamente separadas do passageiro ou fora do seu alcance directo (como decidiu o acórdão recorrido), ou também as coisas transportadas pessoalmente pelo passageiro (como entendeu o Juiz vencido e pretende o recorrente)? Relativamente às primeiras (coisas pertencentes ao passageiro transportadas no veículo), certo é que elas estariam sempre incluídas no primeiro segmento do preceito, que abarca no seu âmbito, como vimos, qualquer coisa transportada em todo e qualquer veículo. Na verdade, as malas e outras bagagens que o passageiro de transportes colectivos eventualmente traga consigo não são transportadas propriamente por ele, mas sim no veículo. Daí a desnecessidade de o legislador acrescentar a última situação típica se ele quisesse apenas proteger as coisas transportadas por passageiro mas dele fisicamente separadas e confiadas aos serviços de transportes, ou depositadas nos lugares destinados a esse fim nos meios de transporte, aquelas coisas sobre as quais ele não tem o domínio efectivo. Portanto, se o legislador aditou a previsão do último segmento do preceito em análise é porque quis dizer algo mais, que não está contido na sua parte inicial. A expressão utilizada pelo legislador (“coisa transportada por passageiros utentes de transportes colectivos”) revela que pretende abranger todas as coisas que é o próprio passageiro que transporta, sob a sua responsabilidade e sob o seu domínio efectivo (ao seu alcance directo), não as que eventualmente confia à empresa transportadora ou que deposita nos locais próprios dos meios de transporte. É esse conjunto restrito de coisas que o passageiro normalmente traz consigo, que integram o seu “património inseparável” em qualquer deslocação, e que estão sob o seu directo domínio e alcance, que a lei quer proteger. Desse conjunto fazem parte, desde logo, as coisas que leva dentro da roupa, nos bolsos nomeadamente (como as carteiras de homem, porta-cheques, porta-moedas, porta-chaves, telemóveis, transístores, mp3 e outros aparelhos electrónicos, etc.), mas também os objectos sobre os quais ele mantém uma ligação física ou corporal (como as pastas, as carteiras de senhora, os computadores portáteis), por serem levados à mão, pois todos esses objectos integram o mesmo núcleo restrito de objectos pessoais que tanto podem ser levados nos bolsos, como à mão, como metidos dentro de recipientes transportados à mão ou ao ombro ou às costas (carteiras, mochilas, sacolas, etc.), mas sempre ao alcance imediato do domínio, da disponibilidade, da mão do passageiro. É, pois, esse património pessoal inseparável, que acompanha necessariamente o passageiro dos transportes colectivos nas suas viagens, mesmo nas deslocações mais curtas do seu dia-a-dia, que o legislador quis proteger reforçadamente. E há razões para isso. Na verdade, a utilização de transportes colectivos de há muito faz parte da rotina quotidiana obrigatória da generalidade das pessoas, sobretudo nos meios urbanos. E apesar do incremento constante dos meios preventivos de protecção pessoal de passageiros e mercadorias (reforço do policiamento, vigilância electrónica, etc.), os transportes colectivos e as suas áreas adjacentes continuam a ser um lugar privilegiado para a prática de crimes contra o património. O que se deve a vários factores, como a normal aglomeração de gente e o ambiente de confusão que tantas vezes se regista, dentro dos meios de transporte ou nas estações, o desconhecimento e incerteza de muitos passageiros quanto à localização, o horário ou o concreto meio de transporte a escolher, e, nas viagens longas, o cansaço inevitável que se apodera da generalidade dos passageiros. Tudo isto propicia a delinquência contra as coisas transportadas pessoalmente pelos passageiros, nomeadamente por parte dos “carteiristas”, que se movem particularmente à vontade nestes ambientes. É claro que todas as situações de ajuntamento de pessoas (como os grandes espectáculos, as feiras, e até as manifestações e as procissões) de alguma facilitam essa prática criminosa. Mas a particular protecção concedida ao património dos passageiros de transportes colectivos assenta na já assinalada opção, razoável e fundamentada, de atribuir uma tutela penal reforçada aos transportes, pelo papel essencial e indispensável que eles desempenham na vida quotidiana das pessoas, sobretudo nos grandes centros urbanos, mas não só. Consequentemente, entende-se que o preceito em análise, a al. b) do nº 1 do art. 204º do CP, no seu último segmento, abrange todos os objectos transportados pessoalmente pelos passageiros de transportes colectivos, isto é aqueles que se integram na esfera corporal do passageiro, que estão sob o seu domínio directo, ao alcance da sua mão. Procede, pois, a tese do recorrente. Retornando agora ao caso dos autos, constatamos que os factos praticados em 24.8.2004 consistem na apropriação, pelo arguido, na Estação da CP da Damaia, por meio de ameaça, de um telemóvel que o ofendido BB, que acabara de sair de um comboio, trazia consigo. Quer pelo espaço (estação ferroviária), quer pelas características do objecto apropriado (coisa transportada pessoalmente por um passageiro dos transportes colectivos), os factos integram a previsão típica do preceito citado, no seu último segmento. Praticou, pois, o arguido (além de um crime de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º do CP, relativo aos factos de 25.8.2004) um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nº 2, b) e 204º, nº 1, b) do CP. Atentas as condenações já sofridas pelo arguido, e considerando nomeadamente que, sendo anteriormente condenado em prisão suspensa com regime de prova, viu essa suspensão revogada por incumprimento desse regime, entende-se adequada a condenação do arguido, pelo crime de roubo agravado, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, como pretende o recorrente. A pena correspondente ao cúmulo dessa pena com a pena de 18 meses de prisão, correspondente ao crime praticado no dia 25.8.2004, será fixada em 4 (quatro) anos de prisão, também conforme proposta do recorrente. III. DECISÃO Com base no exposto, concedendo-se provimento ao recurso, condena-se o arguido, pelos factos praticados no dia 24.8.2004, como autor material de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos arts. 210º, nº 2, b) e 204º, nº 1, b) do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo com a pena de 18 meses de prisão, correspondente ao crime praticado em 25.8.2004, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, no mais se mantendo a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008 Maia Costa (relator) Pires da Costa Raul Borges Henriques Gaspar _____________________________ (1)- É a seguinte a redacção actual: “b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais”.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011197 Nº Convencional: JTRP00031362 Relator: COSTA MORTÁGUA Descritores: FRAUDE FISCAL ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL IVA CONSUMAÇÃO Nº do Documento: RP200102070011197 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PENAFIEL 4J Processo no Tribunal Recorrido: 77/99 Data Dec. Recorrida: 13/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. JULGADO EXTINTO O PROCEDIMENTO CRIMINAL. Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL. DIR TRIB - DIR FISC. Legislação Nacional: RJIFNA ART15 N1 ART23 N1 N2 A B N3 A E N4 ART24 NA REDACÇÃO DO DL 343/93 DE 1993/11/24. Sumário: O crime de fraude fiscal previsto e punido pelo artigo 23 ns.1, 2 alíneas a) e b), 3 alíneas a) e e) e 4, 1ª parte, do Regime Jurídico das Infracções Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.343/93, de 24 de Novembro, consuma-se aquando da apresentação da declaração do modelo 2 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. O crime de abuso de confiança fiscal do artigo 24 do citado normativo legal consuma-se no termo do prazo para apresentação da declaração periódica do Imposto sobre o Valor Acrescentado, respeitante ao Imposto sobre o Valor Acrescentado que o arguido liquidou e recebeu do cliente e que não declarou nem entregou ao Estado. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040470 Nº Convencional: JTRP00031355 Relator: TEIXEIRA PINTO Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO PLURALIDADE DE CHEQUES PLURALIDADE DE INFRACÇÕES TRIBUNAL COMPETENTE Nº do Documento: RP200102070040470 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA. Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. Indicações Eventuais: O CONFLITO FOI SUSCITADO ENTRE O 1 J CR PORTO E O 3 J CR PORTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART28 A ART30 N1 ART77 N1 N2. Sumário: I - Pendendo vários processos contra os mesmos arguidos na comarca do Porto, em vários tribunais, por crimes de emissão de cheque sem provisão, o tribunal competente para conhecer de todos é aquele a que couber o julgamento do crime mais grave. II - Esse tribunal, no caso, é o 1º Juízo Criminal no qual pende o processo em que foi deduzido acusação pela prática de três crimes, resultando a maior gravidade, aqui, justamente do maior número de crimes. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011216 Nº Convencional: JTRP00031275 Relator: ESTEVES MARQUES Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS Nº do Documento: RP200102070011216 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MARCO CANAVESES Processo no Tribunal Recorrido: 105/97 Data Dec. Recorrida: 26/03/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART483 N1 ART487 N2 ART562 ART563 ART564 N1 N2 ART566 N3 ART496 N1 N3. Sumário: Em acidente de viação de que foi vítima um menor, de 7 anos de idade, sendo a culpa apenas do condutor do veículo -um motociclo- e resultando como consequência directa e imediata lesões que demandaram 640 dias de doença e 65% de incapacidade permanente para o trabalho, tem-se como equilibrado fixar a indemnização por danos patrimoniais em 20 mil contos e em 3 mil contos os danos não patrimoniais. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011287 Nº Convencional: JTRP00031367 Relator: MARQUES PEREIRA Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MOEDA EQUIVALÊNCIA FALSIFICAÇÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO LETRA BEM JURÍDICO PROTEGIDO ASSISTENTE ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL ADMISSIBILIDADE CASO JULGADO FORMAL ABERTURA DE INSTRUÇÃO REJEIÇÃO LEGITIMIDADE PARA RECORRER Nº do Documento: RP200102070011287 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 287/00 Data Dec. Recorrida: 04/07/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: REJEITADO O PROCESSO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE. Legislação Comunitária: CP95 ART256 N1 B N3 ART262 ART267 N1 A. CPP98 ART68 N1 A ART69 N2 C ART401 N2 ART414 N2 ART420. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 2000/04/26 IN CJ T2 ANOXXV PAG243. AC RP DE 1999/05/12 IN CJ T3 ANOXXIV PAG228. AC RL DE 2000/03/08 IN CJ T2 ANOXXV PAG138. Sumário: I - Constando do requerimento de abertura de instrução que o arguido ou alguém a seu mando e no seu interesse escreveu o nome do assistente, apondo a assinatura deste, em várias letras de câmbio, que apresentou a pagamento em instituições bancárias, tais factos poderiam integrar não um crime de contrafacção de títulos equiparados a moeda (artigos 262 e 267 n.1 alínea a) do Código Penal de 1995), como entendeu a assistente, mas sim de falsificação de documentos (artigo 256 ns.1 alínea b) e 3 desse diploma legal). II - Sendo o bem jurídico protegido por este crime a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, os interesses particulares só secundária ou indirectamente ali são considerados, não podendo por isso o queixoso ser considerado ofendido para efeitos de constituição de assistente. Apesar de ter sido admitida indevidamente como assistente, tal não determina caso julgado formal impeditivo da modificação dessa qualidade até à decisão final, pelo que há que rejeitar o recurso por aquele interposto, por falta de legitimidade para recorrer, do despacho que rejeitou o seu pedido de abertura de instrução. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 8882/20.3T8LSB.L1.S2 Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO Relator: RAMALHO PINTO Descritores: REVISTA EXCECIONAL OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS Data do Acordão: 06/12/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL. Sumário : Existe contradição de acórdãos, para efeitos da al. c) do nº 1 do artº 672º, do CPC, quando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento dão respostas opostas à questão de saber se, face ao Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabine da TAP, sendo os contratos de trabalho considerados sem termo desde o seu início, por ter sido declarado nulo o respectivo termo, os correspondentes Autores, desempenhando as funções de Comissários /Assistentes de bordo, deveriam ter sido colocados desde essa data na categoria de CAB 1. Decisão Texto Integral: Processo 8882/20.3T8LSB.L1.S2 Revista Excepcional 128/23 Acordam na Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: AA, BB, CC, DD e EE intentaram ação declarativa sob a forma de processo comum contra TAP- Transportes Aéreos Portugueses, S.A., formulando os seguintes pedidos (retificados por requerimento de 11.05.2020): “Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá deverá a presente ação ser julgada procedente e consequentemente: a. Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho; b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381º, c), do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, em consequência ser a Ré condenada a: I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT; II -A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, n.º 2, a) do CT; III- A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1ª e 4ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS; IV - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros). V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral. VI – Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos: a. Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré; b. À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar grávida e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.; c. À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré. Subsidiariamente, se não se entender que estamos perante um despedimento individual, mas sim um despedimento coletivo, a. Ser considerado nula a justificação aposta ao contrato de trabalho dos Autores, e serem os mesmos considerados como contratos de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147º/1, a), b) e c) do Código do Trabalho; b. Ser declarado ilícito o despedimento coletivo dos Autores por incumprimento das formalidades exigidas pela lei (359º e Ss.), conforme artigos 381, C) e 383º, do CT e, em consequência ser a Ré condenada a: I-Reintegrar os Autores no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a 19 de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT; II -A pagar aos Autores as retribuições, incluindo subsídios de natal e de férias, que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT; III- A pagar aos Autores a ajuda de custo complementar, que é parte integrante do seu salário base (Cl.1ª e 4ª, RRRGS), que estes deixaram de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação nos termos do artigo 393º, do CT, e que deverá ser calculada de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS; IV - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, que se estima no valor de € 7.400,00 (sete mil e quatrocentos euros). V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores a diferença no valor da ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, cujo valor deverá ser determinado individualmente, e que só será definível após a Ré fornecer os dados relativos ao número total de dias que cada um dos Autores prestou de serviço efetivo, ao longo do período em que mantiveram o vínculo laboral. VI – Seja a Ré condenada a pagar indemnização por danos não patrimoniais nos seguintes termos: d. Às Autoras AA, DD e BB em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €2.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.; e. À Autora EE, atendendo ao facto de esta se encontrar grávida e não ter sido efetuada atempadamente comunicação à CITE, nos termos do artigo 144º/3, do CT em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00 acrescidos de mora desde a data da citação da R.; f. À Autora CC, atendendo ao facto de a Ré ter incumprido com os seus deveres legais junto da CITE, nos termos do artigo 144º/3 do CT, e por ter despedido trabalhadora em gozo de licença parental, em valor a arbitrar pelo tribunal mas nunca inferior a €3.000,00, acrescidos de mora desde a data da citação da Ré.” Citada, a Ré contestou. Por despacho de 18.01.2021, o Tribunal de 1.ª Instância convidou as Autoras a aperfeiçoar a petição inicial. As Autoras responderam ao convite, tendo ainda eliminado os pedidos subsidiários e alterado o ponto b. IV e V nos seguintes termos: “b. Ser declarado ilícito o despedimento de cada um dos Autores, conforme artigo 381º, c) e ss. do CT, por não ter sido precedido de processo disciplinar, nem integrar qualquer uma das formas lícitas de resolução do contrato e, em consequência ser a Ré condenada a: (…) IV Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação: a) À Autora AA o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos; b) À Autora BB o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos; c) À Autora CC o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos; d) À Autora DD o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos; e) À Autora EE o valor de € 7.924,00 (sete mil novecentos e vinte e quatro euros) ilíquidos; V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação: a) À Autora AA o valor de € 11.346,36 (onze mil trezentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) ilíquidos; b) À Autora BB o valor de No montante de € 14.224,06 (catorze mil duzentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) ilíquidos; c) À Autora CC o valor de € 8.920,87 (nove mil novecentos e vinte euros e oitenta cêntimos) ilíquidos; d) À Autora DD o valor de € 14.347,39 (catorze mil trezentos e quarenta e sete euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos; e) À Autora EE o valor de € 10.236,39 (dez mil duzentos e trinta e seis euros e trinta e nove cêntimos) ilíquidos;” A Ré respondeu à matéria do aperfeiçoamento. Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) declaro a nulidade da cláusula de termo aposta nos contratos de trabalho celebrados entre as AA. e a R. e, por conseguinte, considero sem termo os respectivos contratos de trabalho; b) declaro ilícito o despedimento dos AA. promovido pela R., condenando-a: §.1. - a reintegrar as AA. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; §.2. - a pagar as AA., desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente sentença, o valor das retribuições e do vencimento de senioridade, em cada momento em vigor, acrescidos da retribuição especial PNC, nos termos sobreditos, sem prejuízo das deduções a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 390.º, do CT, e quanto à retribuição especial, da eventual superveniência de períodos de indisponibilidade da(s) trabalhador(as), sendo que a retribuição global, assim apurada, abrange a remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo conforme se vier a liquidar em incidente próprio, sendo que os juros de mora devidos, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento; c) absolvo a R. quanto ao demais pedido pelas AA. contra si.” A Autoras e a Ré interpuseram recursos de apelação. Por acórdão de 15.12.2022, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram em: “a) quanto à impugnação de decisão da matéria de facto de: i. na apelação das autoras: - não admitir a junção dos documentos com a apelação, determinar que o mesmo seja devolvido às apelantes e condená-las em multa, que se fixa em 1,5 (uma e meia) UC (art.os 443.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais). - eliminar o facto de julgar provado n.º 61; ii. na apelação da ré: - alterar o facto provado n.º 12, ficando assim: “12. As rotas de Wide Body são realizadas por aviões de 2 corredores - modelos de avião de maior dimensão, que na frota da R. correspondem a Airbus A330 LR, com exceção da rota Porto – JFK que é realizada um por Airbus A 321 desde o final de 2018/início de 2019”; - alterar, ex officio, o facto provado 15, ficando assim: “15. Faz este avião (A321LR) a rota transatlântica referida no facto 12”. - alterar o facto provado n.º 31, ficando assim: “31. Até porque dos A321 LR previstos entrar na frota da ré, o primeiro só chegou em Abril/Maio de 2019 e os restantes mais tarde”; - aditar este facto aos provados: “46-A A viabilidade económica de novas rotas é acurada pela ré num período de pelo menos 2 anos”; b) relativamente às questões jurídicas: i. na apelação das autoras: - negar provimento à apelação i manter a sentença recorrida; ii. na apelação da ré: - alterar a sentença no que concerne à condenação desta apagar às apeladas autoras a prestação retributiva especial de modo a que apenas abranja 6 dias de disponibilidade destas sem que fossem incluídas em escala em cada mês do ano de 2021, ficando depois suspenso o direito até ao dia 31-12-2024 ou, se anterior, na data de entrada em vigor da revisão integral do acordo de empresa, prevista na cláusula 8.ª, na sequência da sua publicação no Boletim de Trabalho e Emprego, apurando se o mesmo em liquidação de sentença mas excluindo a sua retribuição do subsídio de Natal; - no mais, manter a sentença recorrida.” As Autoras interpuseram recurso de revista excepcional. A Ré apresentou contra-alegações. Por requerimento de 22.02.2023, as Autoras vieram invocar o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil e requerer que o “recurso, além do fundamento na alínea c) do artigo 672º/1, seja também a subir nos termos das suas alíneas a) e b)” e que “a Revista, além de excecional, seja recebida para julgamento ampliado nos termos do artigo 686º/2 do Código de Processo Civil”. Neste STJ, o Relator proferiu o seguinte despacho: “AA, BB, CC, DD e EE, Autoras nos presentes autos em que é Ré Transportes Aéreos Portugueses, S.A., vieram interpor recurso de revista excecional. A Ré contra-alegou. Por requerimento de 22.02.2023, as Autoras vieram invocar o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil e requerer que o “recurso, além do fundamento na alínea c) do artigo 672º/1, seja também a subir nos termos das suas alíneas a) e b)” e que “a Revista, além de excecional, seja recebida para julgamento ampliado nos termos do artigo 686º/2 do Código de Processo Civil”. A Ré em resposta defendeu que estes dois pedidos eram intempestivos. Com efeito, o fundamento da revista excecional deve resultar das alegações, não podendo ser ampliado em resposta a um requerimento sobre o valor da causa. No caso vertente, as partes foram notificadas para se pronunciarem quanto ao facto de, estando em causa uma coligação ativa, o pressuposto do valor da causa ser aferido por cada Autora e não globalmente. Em suma, a alegação dos pressupostos da revista excecional (artigo 672.º, n.º 2 do CPC) tem de ser efetuada nas alegações de recurso e as únicas alterações admissíveis são as decorrentes da correção de lapsos de escrita, nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e o aperfeiçoamento das conclusões nos termos do artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sendo que nenhuma destas possibilidades permite o alargamento requerido. Assim, a ser admitido o presente recurso de revista excecional apenas o poderá ser com o fundamento indicado nas alegações (a contradição de acórdãos mencionada na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º). Já quanto ao pedido de julgamento ampliado de revista constante desse mesmo requerimento, o artigo 686.º, n.º 2 do Código de Processo Civil atribuiu legitimidade às partes para requererem o julgamento ampliado, mas não estabelece prazo para a apresentação do respetivo requerimento. O Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2006, proferido no processo n.º 2114/06 decidiu que “a parte deve apresentar o requerimento para julgamento ampliado de revista com a respetiva alegação, ou, quando muito, até ao exame preliminar do relator, após a distribuição”. Com efeito, e tanto mais que a decisão de Sua Ex.ª o Presidente deste Tribunal de admitir a revista ampliada pode ter lugar até à prolação do Acórdão, afigura-se que o pedido feito, como sucedeu no caso, até ao exame preliminar do relator em nada prejudica o normal andamento do processo pelo que deve ser admitido. No entanto e como a competência para decidir do julgamento ampliado da revista cabe exclusivamente ao Exmo. Conselheiro Presidente do STJ a questão só lhe será colocada se e quando a presente revista excecional for admitida pela Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC junto desta Secção Social. O recurso incide sobre Acórdão do Tribunal da Relação de 15.12.2022, que conheceu do mérito da causa – artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. As Recorrentes têm legitimidade, dado terem ficado parcialmente vencidas – artigo 631.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. As notificações do Acórdão foram remetidas em 16.12.2022, presumindo-se a respetiva notificação às partes no dia 19.12.2022, tendo o recurso sido apresentado em 10.01.2023. As contra-alegações foram apresentadas em 13.02.2023 O prazo é de 30 dias e suspendeu-se nas férias judiciais, pelo que o recurso e as contra-alegações são tempestivos – artigo 80.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. Por despacho de 29.05.2023, transitado em julgado, e com base na informação prestada pelas Autoras (requerimento de 4.05.2023), o Juiz de 1.ª Instância fixou o valor da causa nos seguintes termos: - AA: € 38.210,36, - BB: € 41.088,06, - CC: € 36.784,87, - DD: € 41.211,39. - EE: € 38.100,39. Sublinhe-se, também, que nas contra-alegações nada é invocado quanto ao valor da causa. Assim estão também preenchidos os requisitos quanto à alçada e sucumbência. Todavia o artigo 672.º n.º 1 alínea c) exige que quanto a cada uma das questões apenas se invoque um e um só Acórdão fundamento. Destarte, determina-se que os Recorrentes indiquem apenas um Acórdão fundamento e juntem a respetiva certidão de trânsito em julgado. Por requerimento de 18/07/2023, as Autoras vieram indicar como acórdão fundamento o proferido no processo nº 10317/20.2T8LSB-A. Por decisão do Tribunal da Relação, foi homologada a transacção celebrada entre a Autora – BB e a Ré, pelo que o recurso apenas prossegue em relação às restantes Autoras. O processo foi distribuído a esta Formação, para se indagar se estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade da revista excepcional referidos na alínea c) do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil. As Autoras formularam, com vista à respectiva admissibilidade, as seguintes conclusões: A) Os Autores/Recorridos/Recorrentes (AA.) vêm, ao abrigo do disposto dos artigos 80º/1, 81º/1 e 2, 83º/1 e 83º-A/1 do CPT e 672º/1, c) do CPT, aplicável ex vi artº 1º/2 do CPT, interpor Recurso de Revista Excecional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 8882/20.3T8LSB.L1, que correu inicialmente termos no J... do Juízo de Trabalho de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa . B) Os Acs. já transitados em julgado em contradição com aquele que aqui se recorre são os Acs. proferidos pela Relação de Lisboa nos Processos nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021 e Proc. Nº 15121/20.5T8LSB de 29/06/2022, e pelo STJ no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1, os quais verificaram que apenas os tripulantes contratados a termo poderiam ocupar a categoria de CAB Início e CAB 0, obrigando a R. a reintegrar os Autores desses processos como CAB 1 desde o início da relação laboral. E referiram no corpo da alegação: 1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Lisboa, em referência à douta Sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo do Trabalho de ..., Juiz ..., Proc. nº 8882/20.3T8LSB(L1), que julgou a ação parcialmente procedente, julgando nula a cláusula justificativa aposta aos contratos a termo dos Autores/Apelantes/Recorrentes (AA.), e condenando a Ré a reintegrar os mesmos nos seus postos de trabalho verificado o despedimento ilícito, com o pagamento das devidas retribuições intercalares, absolvendo a Ré/Recorrente/Recorrida (R.) nos demais pedidos. 2. Em suma, a ação intentada pelos Autores/Apelantes/Recorrentes tinha em vista o reconhecimento da ilicitude dos contratos a termo celebrados entre si e a Apelada, tendo em conta a falsidade do motivo da sua contratação, bem como o incumprimento das diversas formalidades legais da contratação a termo. 3. Ademais em consequência da ilegalidade de tais contratos e a sua conversão em contrato sem termo desde o início da relação laboral, reclamaram estes o pagamento retroativo de diferenças salariais que assim lhe seriam devidas pois, apenas os tripulantes contratos a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0, conforme Acordo de Empresa celebrado entre a Ré/Recorrente/Recorrida e o Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), publicado em BTE Nº 8 2006 (doravante Acordo de Empresa ou, simplesmente, AE). Do seu petitório constava, também, pedido de indemnização por danos não patrimoniais, bem como o reconhecimento de diversas componentes salariais como parte do seu vencimento base e devidas a título de retribuições intercalares. 4. Veio a Relação de Lisboa confirmar a nulidade dos seus contratos a termo, bem como concedeu parcialmente o recurso das AA. quanto ao reconhecimento de que a Ajuda Complementar Extra será devido a título de retribuições intercalares. 5. No entanto, o Tribunal a quo confirmou o entendimento firmado em 1ª instância relativamente à categoria a reintegrar, dando novamente as AA como vencidas em tal questão. 6. Acontece que a Relação de ..., nas decisões proferidas nos Processos nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021 e Proc. Nº 15121/20.5T8LSB de 29/06/2022, condenou a Ré/Apelada/Recorrida nesses mesmos pedidos que aqui se recorrem, em situações exatamente iguais à presente (um dos Autores do processo 10317/20.2T8LSB-A é colega de Turma das AA., tendo a mesma data de entrada e saída ao serviço da R. – Autora FF) dando cumprimento aos preceituados supramencionados, e considerando que apenas os tripulantes contratados a termo podem ocupar as categorias de CAB Início e CAB 0. Consequência de tal seria que, esses Autores, agora vendo os seus contratos convertidos em contratos por tempo indeterminado desde o início da relação laboral, teriam que ter ocupado a categoria de CAB 1 desde então. Ao mesmo passo, já havia o STJ condenado a R. pela mesma questão no processo 968/12.4TTLSB.L1.S1. Decisões todas juntas como Docs. 1 a 3, a do STJ ainda consultável em 1. 7. Dando-se nota que, no primeiro processo referido supra, os AA eram representados pelo mandatário aqui subscritor desde o início dos Autos e, no segundo dos casos, foram esses AA representados por este mesmo mandatário a partir do recurso de Apelação, sendo os pedidos iguais, e as decisões conformes. A ver, esses AA., tal como as aqui Recorrentes peticionaram, com as devidas adaptações “(…)I- Reintegrar as Autoras no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I e antiguidade nessa categoria reportada a de Abril de 2018, ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT;(…) IV Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação: (….) V - Seja a Ré condenada a pagar aos Autores as diferenças salariais devidas a título de ajuda de custo complementar, que os Autores deixaram de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início dos seus contratos de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, e por isso, sem prejuízo de eventual incidente de liquidação quanto aos montantes vincendos aos Autores que respeite, são as seguintes, acrescidas de juros desde a data de citação:” 8. Bem como, em ambos os Acórdãos supra, foi a R. condenada a: “D – a reintegrar cada um dos doze Autores no seu posto de trabalho com a antiguidade que lhes couber em face do início da sua relação laboral com a Ré assim como com a inerente antiguidade à data do trânsito da presente decisão conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina; F- a pagar a cada um dos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão. G - a pagar a cada um dos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças registadas a título de ajuda de custo complementar que auferiram como CAB início e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão.” [in Acórdão Proc. Nº 10317/20.2T8LSB-A de 24/11/2021] e no Ac. Proc. Nº 15121/20.5T8LSB: “Em face do exposto, acorda-se em: (…) – conceder provimento parcial ao recurso dos dois Autores e consequentemente nesse aspeto condenar a Ré a pagar a cada um deles os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão, sendo certo que esses valores devem ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do vencimento de cada um dos valores devidos até integral pagamento.” . 9. No 1º dos Acórdãos (que grandemente é reproduzido no texto do segundo Acórdão), a propósito desta matéria, vieram os Doutos desembargadores expor: “E nem se esgrima, tal como faz a apela, que a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vincula contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da Clª 5ª, nº 2 do RCPTC. Não é isso que resulta da clª5ª [Cláusula 5ª Evolução salarial 1- A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);). Das duas uma: ou se entende que da menção contratos a termo constante da cláusula 5ª decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito do estatuído no CT/2009), o que não se afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar – oque aqui se irá fazer – que a menção contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade. Assim, cumpre considerar que estes últimos iniciam a sua evolução não no nível CAN início ou CAB 0, mas em CAB 1 com os posteriores e eventuais desenvolvimentos. (…) Em resumo, o recurso procede nesta vertente. Cumpre, pois, condenar a Ré a pagar aos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão”. 10. Fica claro que a decisão que aqui se recorre esbarra diretamente nestas duas anteriores. 11. Não fosse bastante, esbarra esta também em decisão anterior deste Supremo Tribunal de Justiça. Com a devida referência que os contratos a termo em apreciação na decisão anterior do STJ tinham uma justificação ligeiramente diferente, não se deixa de transportar o aí decidido para a presente causa. A ver, a decisão proferido pelo STJ a 16-06-2016 no processo nº 968/12.4 TTLSB.L1.S1. que nos diz: “Como se vê dos nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª, apenas os tripulantes de cabine contratados a termo são classificados nas categorias CAB início e CAB 0, sendo os tripulantes com contrato por tempo indeterminados integrados na categoria CAB I. De acordo com os nºs 1, 2 e 4 da mesma cláusula 5ª a evolução salarial ([6]) é automática, ou seja, ocorre em função dos períodos de permanência, só assim não sendo nos casos em que se verifiquem as situações previstas no nº 4. Constituindo estas situações exceções à regra geral da progressão salarial automática, compete à empregadora alegar e provar a respetiva verificação. Por conseguinte, como bem se referiu no acórdão em análise, “tendo em conta as tabelas salariais insertas no mesmo instrumento de regulação coletiva, deveria [o A.] ter auferido desde a admissão a retribuição base mensal de € 905,00. Porque auferiu a retribuição base de € 570,00, correspondente à categoria de CAB início entre 14.05.2008, data da admissão, até Novembro de 2010 e a retribuição base de € 740,00, correspondente à categoria de CAB 0 até ao despedimento, em 14.5.2011, são-lhe devidas as respectivas diferenças salariais, que ao nível da remuneração base, quer ao nível das demais prestações calculadas por referência a essa retribuição. A partir de 15.5.2011, por ter atingido 3 anos de permanência na categoria CAB I, deveria o Autor ter progredido automaticamente para a categoria de CAB II, de acordo com a cl. 5ª do mesmo Regulamento, pelo que lhe é devida, a partir dessa data a retribuição base de € 1.213,00.””(sublinhado e negrito nossos). 12. Tudo isto a conflituar com a decisão exposta no Acórdão aqui recorrido que se limitou a recusar o recurso nesta parte dizendo: Concluem estes autores que todos os contratos a termo são ou CAB Início ou CAB 0, mas nem todos os CAB Início e CAB 0 são necessariamente contratados a teimo. E que ein caso de conversão do contrato em contrato sem termo o trabalhador mantém a categoria e a remuneração, alterando-se apenas a estabilidade do vínculo". Concorda-se com este modo de ver as coisas, pois que, como refere a Exm.a Sr." Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, se bem que "quanto à inserção das autoras/recorrentes na categoria profissional que pretendem, dir-se-á que a literalidade das cláusulas do AE aplicáveis favorece a sua posição. Resta saber se o «pensamento legislativo» a encontrar terá na letra da lei um «mínimo de correspondência verbal» {art.0 9.°, n." 2 do C. Civil). Considera-se que a interpretação feita pela sentença poderá colher na parte em que, buscando a ratio das normas em causa, refere não fazer sentido - como, de facto, não faz - que qualquer trabalhador (posto que o respectivo contrato seja sem termo) assuma desde o início da sua actividade a categoria de CAB 1, (ultrapassando as CAB início e CAB 0) sem que possua a mínima experiência para o efeito". De resto, bem vistas as coisas o próprio elemento histórico trazido à colação pelas apelantes autoras (conclusão L) é relevante mas reversível, encaminhando a leitura para uma colisão com a por elas pretendido: é que se o AE de 1994 "estipulava preto no branco que os tripulantes com a 'Efectivação' passavam à categoria CAB 1", se a coloração deixou de ser assim tão nítida no AE vigente seguramente terá sido porque as partes tiveram outra opção cromática. É certo que as apelantes autoras pretenderam que se aditasse um facto aos provados referindo que "a R. ao longo de, pelo menos, cerca de 14 anos sempre passou os tripulantes a CAB 1 quando os efectivou antes de decorrido o normal tempo como tripulante contratado a termo", com isso pretendendo ter sido estabelecido um uso na empresa sobre essa matéria. Todavia, tal pretensão não foi acolhida e o facto não foi julgado provado, pelo que, correndo o ónus da prova por sua conta (art° 342.°, n.° 1 do Código Civil), naturalmente que dal não pode resultar ganho de causa para as mesmas. Pelo que nesta parte se não pode conceder provimento à apelação das autoras. 13. A esta argumentação da Veneranda Relação, antecedem as considerações da 1ª instância nos presentes Autos. 14. No entanto, as considerações da 1ª instância baseiam-se em Acórdão algo diverso da presente situação. Sendo esse Ac. respeitante ao processo nº 2210/13.1TTLSB-A.L1, desde logo cabe dizer que tal Acórdão diz respeito a incidente de liquidação e não a processo declarativo. Ademais, esse Acórdão vem, de forma surpreendente, confirmar a decisão de 1ª instância nesse processo, pela qual o Tribunal recusou liquidar a decisão proferida em processo declarativo. 15. E, contrariamente ao aí dito, o STJ nesse processo não se pronunciou sobre a questão da categoria Cab 1, uma vez que considerou haver dupla conforme, juntando-se o mesmo para que dúvidas não hajam, como Doc. 4, deixando-se aqui a parte relevante de tal decisão (...) 16. Face ao exposto, verificando-se clara contradição entre decisões proferidas por Relação e STJ já transitadas em julgado, ao abrigo do disposto do artigo 80º/1, 81º/1 e 2, 83º/1 e 83º-A/1 do CPT e 672º/1 c) do CPT, aplicável ex vi artº 1º/2 do CPT, interpõe Recurso de Revista Excecional, juntando as decisões contraditórias supramencionadas como Doc. 1 em cumprimento do artigo 672º/2, c) do CPC e 81º/2 do CPT. x Cumpre apreciar e decidir: A revista excepcional é um verdadeiro recurso de revista concebido para as situações em que ocorra uma situação de dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil. A admissão do recurso de revista, pela via da revista excepcional, não tem por fim a resolução do litígio entre as partes, visando antes salvaguardar a estabilidade do sistema jurídico globalmente considerado e a normalidade do processo de aplicação do Direito. De outra banda, a revista excepcional, como o seu próprio nome indica, deve ser isso mesmo- excepcional . As Recorrentes invocam, com vista à admissão da revista excepcional, a al. c) do nº 1 do artº 672º do CPC, que estabelece: “1 - Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: (...) c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. Quanto a este fundamento, no Acórdão do STJ de 3/03/2016, proc. 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, entendeu-se, lapidarmente, que “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação. Por sua vez no Ac. deste STJ e Secção Social de 13/1/2021, proc. 512/18.0T8LSB.L1.S2, escreveu-se: “A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o acesso ao recurso de revista excecional, previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: - O acórdão recorrido e o acórdão-fundamento têm de incidir sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo ser idêntico o núcleo da situação de facto, atento o ratio da norma aplicável; - A existência de uma contradição ao nível da resposta dada em ambos os acórdãos a determinada questão, bastando que no acórdão recorrido se tenha dado uma resposta diversa e não, propriamente, contrária à resposta dada no acórdão-fundamento, devendo, no entanto, a oposição ser frontal e não implícita ou pressuposta; - A essencialidade da questão de direito conducente ao resultado numa e noutra das decisões, sendo irrelevante a argumentação sem valor decisivo; - A existência de um quadro normativo idêntico, independentemente de eventuais alterações que não tenham alterado a sua substância; - Não exista acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão jurídica em questão que o acórdão recorrido tenha seguido”. No caso que nos ocupa e analisando os dois acórdãos- recorrido e fundamento- constata-se que efectivamente existe a apontada contradição. Nos dois deu-se resposta à seguinte questão, em sentido contrário: - se, face ao Regulamento da Carreira Profissional de Tripulante de Cabine1, sendo os contratos de trabalho considerados sem termo desde o seu início (por ter sido declarado nulo o respetivo termo), os Autores deveriam ter sido colocados desde essa data na categoria de CAB 1; No acórdão fundamento considerou-se provado, com relevância, que foram aí Autores foram contratados, a termo, para exercer funções de Comissários /Assistentes de bordo. Concluindo-se que esses Autores, vendo os seus contratos convertidos em contratos por tempo indeterminado desde o início da relação laboral, teriam que ter ocupado a categoria de CAB 1 desde então. Com a seguinte argumentação: “E nem se esgrima, tal como faz a apelada, que a evolução nos níveis salariais não depende da natureza do vincula contratual (contratado a termo ou contratado sem termo), mas tem por base a experiência profissional, traduzida no tempo de permanência exigido em cada posição salarial, como resulta claro da Clª 5ª, nº 2 do RCPTC. Não é isso que resulta da clª5ª [Cláusula 5ª Evolução salarial 1- A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);). Das duas uma: ou se entende que da menção contratos a termo constante da cláusula 5ª decorre que todos os CAB têm de ser inicial e necessariamente contratados a termo (com ou sem motivo atendível para isso… em desrespeito do estatuído no CT/2009), o que não se afigura aceitável nem atendível, ou cumpre considerar – oque aqui se irá fazer – que a menção contratados a termo tem por natural contraposição os contratados sem termo aos quais aquela primeira evolução salarial não logra aplicabilidade. Assim, cumpre considerar que estes últimos iniciam a sua evolução não no nível CAN início ou CAB 0, mas em CAB 1 com os posteriores e eventuais desenvolvimentos. (…) Em resumo, o recurso procede nesta vertente. Cumpre, pois, condenar a Ré a pagar aos doze Autores os valores a apurar no incidente de liquidação respeitantes às diferenças salariais entre os montantes que os Apelantes auferiram como CAB início e CAB 0 e os valores que deviam ter auferido como CAB 1 com a posterior progressão”. No acórdão recorrido ficou provado, de relevante: - As AA. e a R. celebraram entre si um contrato de trabalho a termo certo com data de início a 20/04/2018, com a duração de 12 meses - Na cláusula 1ª de tal contrato constava: “A TAP admite o(a) Trabalhador(a), ao seu serviço e este obriga-se a prestar-lhe a sua actividade com a categoria profissional de (AB - Comissário/Assistente de Bordo, cuja caracterização é a seguinte: 'É o tripulante, devidamente qualificado pela entidade aeronáutica nacional ou pela empresa, que colabora directamente com o chefe de cabina, por forma que seja prestada assistência aos passageiros e à tripulação, assegurando o cumprimento das normas de segurança, a fim de lhes garantir conforto e segurança durante o voo, segundo as normas e rotinas estabelecidas e tendo em conta os meios disponíveis (...)”. E, após se considerar nula a justificação aposta nos contratos de trabalho das Autoras e declarar que esses contratos são contratos sem termo, decidiu-se dar resposta negativa à aludida questão de saber se, tendo sido reconhecido que os contratos de trabalho eram por tempo indeterminado desde o início, deveriam também ter ocupado a categoria de CAB 1 desde essa data, devendo a apelada Ré ser condenada ao pagamento de retroactivos a título de vencimento base e ajuda de custo complementar. Alinhando-se a seguinte argumentação: “Segundo as apelantes autoras a sua pretensão "resulta da leitura das Cl.ª 4.ª, n.º 3 do Anexo ao Acordo de Empresa - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) - que regeu a relação laboral dos AA. com a R., publicado em BTE 8/2006 - Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina (RCPTC) - estipula: '3 - Os tripulantes de cabina contratados a termo (CAB início e CAB 0), enquanto se mantiverem nesta situação, apenas serão afectos a equipamento NB.' Sublinhado e negritos nossos e Cl.ª 5.ª/1 desse anexo estipula que: '1 — A evolução salarial processa-se de acordo com os seguintes escalões: CAB início a CAB 0 (contratados a termo);' Sublinhado e negritos nossos, bem como da tabela constante a Cl.ª 5.º/2, a linha CAB 1, de onde esta é a única que usa o vocábulo 'Até'. Ainda, de acordo com a Cl.ª 5.º/4: '4 - A evolução salarial terá lugar, salvo verificação das seguintes situações: a) Existência de sanções disciplinares que não sejam repreensões no período de permanência no escalão possuído; b) Pendência de processos disciplinares; c) Ocorrência de motivo justificativo em contrário relacionado com exercício ou conduta profissional, desde que expresso e fundamentado por escrito'". Sobre isto a sentença considerou, em grande síntese, o seguinte: "(…) julgamos que o critério diferenciador entre os CAB Início, CAB 0 e CAB 1, não é a espécie de contrato de trabalho firmada entre o tripulante e a R. (contrato de trabalho a termo/contrato de trabalho sem termo), mas o período de permanência do trabalhador em cada um dos escalões (anteriores). Isto mesmo foi reconhecido pelo Ac. da Rel. de Lisboa, de 20/11/2019 (depois confirmado pelo Ac. do S.T.J., de 08/07/2020 – Proc. n.º 2210/13.1TTLSB-A.L1), junto pela R., que subscrevemos por merecer a nossa inteira concordância, «(…) a circunstância de o AE definir a posição salarial de CAB Iniciado e CAB 0 para trabalhadores contratados a termo não implica que aqueles tripulantes tenham que ser integrados automaticamente em CAB I quando e se passarem a trabalhadores por tempo indeterminado», posto que a evolução salarial pressupõe a verificação de outros requisitos que se não reconduzem à natureza do vínculo. E desenvolve, nos seguintes termos: Tal como argumenta a Apelada a circunstância de o AE definir a posição salarial de CAB Iniciado e CAB 0 para trabalhadores contratados a termo, não implica que aqueles tripulantes tenham que ser integrados automaticamente em CAB I quando e se passarem a trabalhadores a tempo indeterminado. Na verdade, independentemente do tipo de contratação, a Cl.ª 5.ª, n.os 1 e 2, estabelece vários requisitos para a evolução salarial em escalões previstos, maxime, o decurso do tempo em cada posição, não podendo estabelecer-se um regime diferente em função da contratação. A permanência de um certo período em cada escalão tem a sua razão de ser na aquisição de experiência, razão por que não se nos afigura que a natureza do vínculo contratual implique posicionamento num ou noutro escalão. Com o que subscrevemos a afirmação da Apelada, segundo a qual a circunstância de haver um reconhecimento do vínculo contratual sem termo decorridos três meses da sua admissão na empresa, não faz aumentar a experiência dos Recorrentes: a experiência profissional necessária e subjacente à progressão salarial não se adquire pelo tipo de vínculo laboral, mas sim pelo desempenho, sendo este o princípio em que assentam os sucessivos graus referidos, quer na tabela salarial, quer no RCPTC, para além da verificação da não existência de incidências disciplinares e outras. (…) Esta tese sustenta-se também em parecer junto aos autos, subscrito por Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva, parecer esse no qual se afirma que 'No caso de o contrato de trabalho do CAB, contratado a termo, se converter em contrato por tempo indeterminado, o trabalhador mantém a categoria e a remuneração; alterando-se tão só a estabilidade do vínculo' (pág. 30), e ainda que '...a referência a «contratados a termo» constante da cláusula 4.ª n.º 3 do AE, por imperativo legal tem de ser entendida como não impondo que os tripulantes integrados na categoria CAB Início ou CAB 0 sejam contratados a termo. Não tendo, assim, a conversão do contrato com duração indeterminada qualquer impacto na categoria ou remuneração do trabalhador' (pág. 31). Concluem estes autores que todos os contratos a termo são ou CAB Início ou CAB 0, mas nem todos os CAB Início e CAB 0 são necessariamente contratados a termo. E que em caso de conversão do contrato em contrato sem termo o trabalhador mantém a categoria e a remuneração, alterando-se apenas a estabilidade do vínculo". Concorda-se com este modo de ver as coisas, pois que, como refere a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, se bem que "quanto à inserção das autoras/recorrentes na categoria profissional que pretendem, dir-se-á que a literalidade das cláusulas do AE aplicáveis favorece a sua posição. Resta saber se o «pensamento legislativo» a encontrar terá na letra da lei um «mínimo de correspondência verbal» (art.º 9.º, n.º 2 do C. Civil). Considera-se que a interpretação feita pela sentença poderá colher na parte em que, buscando a ratio das normas em causa, refere não fazer sentido – como, de facto, não faz – que qualquer trabalhador (posto que o respectivo contrato seja sem termo) assuma desde o início da sua actividade a categoria de CAB 1, (ultrapassando as CAB início e CAB 0) sem que possua a mínima experiência para o efeito". De resto, bem vistas as coisas o próprio elemento histórico trazido à colação pelas apelantes autoras (conclusão L) é relevante mas reversível, encaminhando a leitura para uma colisão com a por elas pretendido: é que se o AE de 1994 "estipulava preto no branco que os tripulantes com a 'Efectivação' passavam à categoria CAB 1", se a coloração deixou de ser assim tão nítida no AE vigente seguramente terá sido porque as partes tiveram outra opção cromática”. x Decisão Pelo exposto, acorda-se em admitir a revista excepcional, interposta pelas Autoras / recorrentes, do acórdão do Tribunal da Relação. Custas a definir a final. Lisboa, 06/12/2023 Ramalho Pinto (Relator) Júlio Vieira Gomes Mário Belo Morgado Sumário (da responsabilidade do Relator). ___________________________________________________ 1. Anexo ao Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 8, de 28.06.2006.↩︎
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011325 Nº Convencional: JTRP00031277 Relator: CLEMENTE LIMA Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO VALOR CONSIDERAVELMENTE ELEVADO SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL INCRIMINAÇÃO ALTERAÇÃO Nº do Documento: RP200102070011325 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CR PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 595/96-3S Data Dec. Recorrida: 04/07/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART311 ART312 ART313. Sumário: Recebida a acusação, só em julgamento é possível alterar a qualificação jurídica dos factos, só em concreto podendo ser apreciado qual o regime mais favorável ao arguido quando há sucessão de leis no tempo. Não é, assim, admissível a alteração da qualificação do crime de emissão de cheque sem provisão prevista e punível pelo artigo 11 n.1 alínea a) do Decreto-Lei n.454/91 e artigo 314 alínea c) do Código Penal de 1982 em função da alteração do Código Penal de 1995, considerando que o quantitativo não é consideravelmente elevado. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040670 Nº Convencional: JTRP00031353 Relator: VEIGA REIS Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO DESCRIMINALIZAÇÃO PEDIDO CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL Nº do Documento: RP200102070040670 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CR MATOSINHOS Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: DL 454/91 DE 1991/12/28 ART11 N1 A. DL 316/97 DE 1997/11/19. CP95 ART129. CPP98 ART71. CCIV66 ART483 N1. Jurisprudência Nacional: AC RP IN PROC9941034 DE 2000/01/05. Sumário: Acusado o arguido pelo crime de emissão de cheque sem provisão, entretanto descriminalizado por lei posterior, impõe-se a sua condenação no pedido de indemnização civil porque a obrigação de indemnizar continua a ser por facto ilícito, não obstante a lei penal posterior ter eliminado o facto do número das infracções. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041151 Nº Convencional: JTRP00031290 Relator: TEIXEIRA MENDES Descritores: DIFAMAÇÃO ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA COMPARTICIPAÇÃO ENTREVISTA Nº do Documento: RP200102070041151 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: U Tribunal Recorrido: 1 J CR GUIMARÃES Processo no Tribunal Recorrido: 568-A/98 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR CRIM. Legislação Nacional: LIMP75 ART26 NA REDACÇÃO DA L 15/95 DE 1995/05/25. LIMP99 ART31 N4. Sumário: Uma conferência de imprensa, realizada após um desafio de futebol, em que os dirigentes e os treinadores analizam o comportamento das equipas bem como dos árbitros, estabelecendo-se diálogo com os jornalistas, que fazem perguntas, não é mais do que uma entrevista colectiva, não sendo caso de comparticipação necessária dos jornalistas que publicam afirmações ofensivas da honra e consideração social dos árbitros, visto que, tratando-se de pessoas devidamente identificadas, só estas podem responder. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021795 Nº Convencional: JTRP00029576 Relator: CÂNDIDO DE LEMOS Descritores: EXECUÇÃO EXTINÇÃO PAGAMENTO DO CRÉDITO DO EXEQUENTE TERCEIRO Nº do Documento: RP200102070021795 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ESPINHO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 155/00 Data Dec. Recorrida: 06/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART916 ART918 ART919. Sumário: Em execução para pagamento de quantia certa, o pagamento da quantia exequenda e das custas, mesmo por terceiro e ainda que estejam pendentes embargos de executado, implica a extinção da execução e dos embargos, sendo irrelevante a oposição deduzida pelo embargante. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011306 Nº Convencional: JTRP00031368 Relator: MARQUES PEREIRA Descritores: ACUSAÇÃO PARTICULAR CRIME PARTICULAR MINISTÉRIO PÚBLICO MATÉRIA DE FACTO QUALIFICAÇÃO OMISSÃO OMISSÃO DE FORMALIDADES REJEIÇÃO SUPRIMENTO DA NULIDADE Nº do Documento: RP200102070011306 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 327/00-1S Data Dec. Recorrida: 15/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART69 N2 B ART283 N3 C ART285 N2 N3 ART311 N2 N3 C. Sumário: I - Deduzida acusação particular por crime de natureza particular, sem indicação das disposições legais aplicáveis, e apesar de o Ministério Público ter acompanhado essa acusação e procedido à qualificação jurídica dos factos acusados, deve o juiz convidar o assistente a aperfeiçoar a sua acusação com indicação das respectivas disposições legais, não se justificando por isso a sua rejeição imediata. II - Na hipótese de acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, não há unidade entre as duas acusações, que são independentes uma da outra, embora se possa considerar a primeira como acusação dominante. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040743 Nº Convencional: JTRP00031350 Relator: VEIGA REIS Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL ABERTURA DE INSTRUÇÃO ASSISTENTE ADMISSIBILIDADE REQUISITOS IRREGULARIDADE SUPRIMENTO DA NULIDADE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL Nº do Documento: RP200102070040743 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T I CR PORTO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 2/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART283 N3 C ART287 N2 N3. CPC95 ART508. Sumário: É legalmente admissível a instrução requerida pelo assistente, não havendo fundamento para rejeitar o seu requerimento para a abertura da mesma, não obstante não ter aí indicado as "disposições legais aplicáveis". É que a referência feita em tal requerimento à prática de "um crime de burla agravada" individualiza e especifica suficientemente qual o crime que o assistente imputa ao arguido, tanto mais que na queixa se diz que o denunciado cometeu um crime de burla agravada previsto e punido pelo disposto no n.2 alíneas a) e c) do artigo 218 do Código Penal. Em processo penal, não é aplicável subsidiariamente o disposto no artigo 508 do Código de Processo Civil . convite às partes para aperfeiçoarem os articulados - pelo que não tem suporte legal a pretensão do assistente a que o juiz ordene a sua notificação para completar o requerimento para abertura da instrução. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07P4200 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: RODRIGUES DA COSTA Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO MEIO INSIDIOSO IN DUBIO PRO REO MATÉRIA DE FACTO EXAME CRÍTICO DAS PROVAS COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO Nº do Documento: SJ200802130042005 Data do Acordão: 13/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - Relativamente à circunstância qualificativa “meio insidioso”, a que alude a al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP, doutrinalmente expende-se que a possibilidade de qualificação deriva «de os meios utilizados tornarem especialmente «difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídicos» (Fernanda Palma). O que serve também para dar a compreender que «insidioso» será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto» – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal. II - «Na insídia o agente aproveita a distracção da vítima para actuar; age enganando-a, cria uma situação que a coloca em posição de não poder resistir como em circunstâncias normais sucederia» (Maria Margarida Pereira, Textos – Direito Penal II – Os Homicídios, Vol. II, AAFDL, 1998, pág. 42) e jurisprudencialmente, cf. Acs. deste Tribunal de 20-02-04, Proc. n.º 1127/04 - 5.ª e de 17-03-05, Proc. n.º 546/05 - 5.ª. III - A questão do princípio in dubio pro reo diz respeito à matéria de facto e, sendo um princípio basilar do direito processual penal, contendendo com as garantias do processo criminal tuteladas pela Constituição, não pode ser alheio aos poderes de controle do STJ, mas o referido controle tem de ser compatibilizado com aqueles poderes, que são os próprios de um tribunal de revista. IV - «A sindicância do princípio in dubio pro reo está limitada aos aspectos externos da formação da convicção das instâncias: há-de ficar-se pela exigência de que tal convicção seja objectivada e motivada na análise crítica das provas, dela sendo a expressão de um processo racional convincente que suporte a conclusão final do tribunal recorrido pela valoração feita deste ou daquele meio de prova» – Ac. de 20-10-05, Proc. n.º 2431/05. V - Por conseguinte, tendo a sindicação do STJ de exercer-se dentro dos seus limites de cognição, a violação do princípio deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO 1.1. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1/05.2GDMN, foi julgado o arguido AA, nascido em 21/12/935 e com os demais sinais de identificação nos autos, e condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado, previsto e punido pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), 22.º, n.ºs 1 e 2 b) e 23.º, todos do Código Penal (CP), na pena de 5 anos de prisão. 1.2. O Hospital do Espírito Santo de Évora deduziu pedido de indemnização cível demandando a condenação do arguido na quantia de 4.142,00 €, tendo acabado por desistir do pedido – desistência essa que foi homologada. 1.3. BB e CC, identificados nos autos, deduziram pedido cível demandando a condenação do arguido no pagamento de 25.450,00 €, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por estes sofridos, mas acabaram por transaccionar nesse pedido. 1.4. O arguido esteve preso preventivamente entre o dia 23/01/2005 e o dia 5/4/2005, data em que essa medida de coacção foi substituída pela obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, assim se mantendo ininterruptamente até ao dia 23/07/2007, data em que perfez trinta meses com sujeição às referidas medidas, tendo sido restituído à liberdade. Ficou, no entanto, sujeito à obrigação de apresentação semanal (todos os domingos de manhã) no posto policial da área da sua residência. 2. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que manteve o decidido. 3. Ainda inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 21/3/07, anulou o acórdão da Relação, para que, após prévio convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões nos termos dos números 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal (CPP), se pronunciasse sobre a matéria de facto. 4. O Tribunal da Relação, em novo acórdão, veio a conhecer da matéria de facto, tendo acrescentado alguns factos, que considerou provados, aos que vinham dados por assentes da 1.ª instância (Ver adiante no ponto 8.1.) . No entanto, manteve a condenação do arguido. 5. Recorre este agora, de novo, para o Supremo Tribunal de Justiça, mostrando a sua discordância da referida decisão e, embora referindo estar em causa o reexame da matéria de direito, a verdade é que, ao longo de extensas conclusões, mistura a matéria de facto com a matéria de direito, pondo em causa: - A qualificação dos factos, entendendo que não se fez prova da intenção de matar, nem da circunstância de a vítima ser uma pessoa particularmente indefesa e ainda de o arguido ter actuado à traição ou servindo-se de meio particularmente perigoso, para o que se socorre da prova produzida em audiência de julgamento. - O preenchimento dos pressupostos da tentativa, alegando que nunca decidiu cometer um crime e admitindo, por razões de defesa, que poderá ter cometido um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º do Código Penal, conforme se pode aferir das declarações do arguido (e transcreve um trecho dessas declarações, constante da cassete n.º 2, lado A). - Ofensa ao princípio in dubio pro reo, decorrente da alegada falta de prova, tendo esta assentado nas declarações do arguido e não havendo testemunhas presenciais. - Violação do art. 29.º da Constituição, para além do art. 32.º da mesma lei fundamental, já que o tribunal preferiu uma pena privativa de liberdade, devendo ao recorrente ser aplicada uma pena de multa. - De qualquer forma, a não se manifestar preferência por uma pena de multa, o arguido defende que lhe deve ser aplicada uma pena de prisão, no quadro do referido art. 148.º do CP, suspendendo-se a mesma na sua execução. Para tanto, invoca a sua idade, o seu escrupuloso cumprimento das medidas de coacção, comprovado pelos relatórios do IRS e o facto de o ofendido já ter falecido por força de uma doença de que padecia, o que afasta o perigo de continuação da actividade criminosa. 6. Respondeu o Ministério Público na Relação, sustentando que o recurso deve ser rejeitado por total ausência de motivação, já que o arguido mais não fez do que repetir a motivação apresentada para aquele Tribunal. 7. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se quanto aos pressupostos do recurso, não vendo obstáculo à prossecução do processo para julgamento. 8. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência de julgamento, tendo o Ministério Público defendido a qualificação do crime pela circunstância da alínea h) do n.º 2 do art. 132.º do CP e manifestado a sua posição no sentido de ser confirmada a pena aplicada, dada a frieza com que o recorrente agiu. Admitiu, no entanto, uma redução da pena para quantum que permita ao arguido cumprir o remanescente com obrigação de permanência na habitação. A defesa sustentou a suspensão da execução da pena aplicada, ou, para o caso de assim se não entender, a solução de diminuição admitida pelo Ministério Público. II. FUNDAMENTAÇÃO 9. Matéria de facto resultante das instâncias 9.1. Factos dados como provados: Em Janeiro de 2005, DD residia numa casa sita no ........., em Santiago do Escoural, área da comarca de Montemor-o-Novo, a qual pertencia ao arguidoAA. Por seu turno, este residia numa casa cuja entrada se faz pela Rua........., em Santiago do Escoural e que confina com a do arguido. Nas traseiras de tais habitações existe um espaço que serve de quintal comum e onde DD construiu um anexo. No dia 23 de Janeiro de 2005, em hora não concretamente determinada, mas certamente no período de tempo compreendido entre as 18 horas e as 19 horas, o DD encontrava-se no quintal da sua habitação, após ter estado a jantar sozinho naquele anexo . Sucedeu que nesse mesmo período de tempo e naquele local apareceu o arguido . Então, o arguido munido de um machado, próprio para tirar cortiça, em forma de meia-lua aberta, com o comprimento total de 52 cm, cabo em madeira, lâmina em metal, medindo o gume desta 15, 5 cm, aproximou-se pela retaguarda do DD e sem que este se apercebesse da sua presença, desferiu-lhe golpes com machado na parte de trás da cabeça, do pescoço e do ombro esquerdo, fazendo com que este caísse ao solo e aí ficasse prostrado e inconsciente. Tudo fez utilizando a sua força muscular, com vista a provocar-lhe a morte, atingindo-o no couro cabeludo e na região lateral direita do pescoço. Ao ver o DD no solo, sem reacção, acreditando que este se encontrava morto, o arguido abandonou o machado no local e dirigiu-se ao posto da GNR de Évora onde comunicou ao cabo de serviço, EE, que tinha morto uma pessoa com um machado, no Escoural. O DD ficou prostrado no solo, naquele local, até que, tendo sido encontrado por FF, a qual se havia deslocado à casa do arguido, seu pai, foi transportado, cerca das 19 horas, para o Centro de Saúde de Montemor-o-Novo e, posteriormente, para o Hospital do Espírito Santo, em Évora. Em resultado da actuação do arguido o DD sofreu ferida profunda da região lateral direita do pescoço com lesão muscular do esterno-c1eido-mastoideu e escoriações nas mãos e nos joelhos; ferida do couro cabeludo, lesão do ombro esquerdo e da respectiva articulação e feridas no nariz e lábio superior. Estas lesões determinaram um período de doença de quinze dias, sendo cinco com afectação da capacidade para o trabalho em geral e quinze com afectação da capacidade para o trabalho profissional. Os golpes desferidos em zona do corpo do DD onde se encontram órgãos essenciais à vida e, com o machado acima descrito, eram adequados a provocar-lhe a morte, só não tendo esta ocorrido por razões alheias à vontade do arguido, designadamente por aquele ter sido socorrido a tempo. Em resultado directo de tais actos o DD ficou com a capacidade funcional da articulação escapulo-humeral esquerda definitivamente diminuída. O arguido agiu da forma descrita porque o ofendido ía ocupando espaço no quintal junto à passagem para a sua residência, onde permanecia com frequência e onde tomava as suas refeições e ainda devido a várias outras condutas do ofendido, tais como ir à casa de banho próxima mantendo a porta aberta, fazer gestos de cariz sexual quando a mulher do arguido passava, afectando por esta forma a vida do arguido e da mulher deste . O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente. Com a sua actuação, munindo-se de um machado e desferindo com ele os golpes de forma inesperada e sem que o DD se apercebesse, o arguido agiu no intento de tirar a vida ao ofendido não o conseguindo porquanto este foi socorrido a tempo. O arguido agiu consciente de que a sua conduta era apta e adequada a produzir a morte do ofendido. Com efeito tinha perfeito conhecimento que nas zonas do corpo do DD que quis e conseguiu atingir se alojavam órgãos essenciais à vida cuja lesão era susceptível de lhe provocar como resultado a morte. Agiu consciente das características do machado que utilizava para desferir ttais golpes e bem assim do efeito surpresa da sua actuação. O arguido sabia que tal conduta era proibida e punida por lei. O arguido é trabalhador rural, reformado, auferindo a pensão de 250,00 € mensais. É primário, casado e com dois filhos maiores. Confessou, em parte, a sua conduta. E ainda, acrescentados pelo Tribunal da Relação, mais os seguintes factos: No dia 24 de Janeiro do ano em causa, o arguido ía proceder à matança do porco, hábito de sua casa à mais de quarenta anos. Na véspera da matança era hábito na casa do arguido preparar-se os utensílios necessários à matança do porco: facas, machado, banca, cordas para pendurar o porco, alguidares. O machado utilizado pelo arguido e descrito supra costumava ser usado na matança do porco. O arguido à data dos factos tinha armas de fogo na sua habitação. As relações entre o arguido e o ofendido DD que ao princípio eram boas começaram a deteriorar-se devido ao comportamento deste para com a mulher daquele. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas arguido e ofendido ter-se-ão confrontado. 10. Questões a decidir: - As enunciadas em 5. 10.1. As questões levantadas pelo recorrente são praticamente todas manifestamente improcedentes, devendo ter conduzido à rejeição do recurso, não fora a questão da medida da pena. Assim, o recorrente põe em causa a qualificação dos factos, mas numa base completamente destituída de fundamento, pois passa por cima de toda a factualidade assente para dar relevo à prova que se terá produzido em audiência de julgamento. Esquece totalmente a natureza deste Tribunal - um tribunal de revista -, que apenas julga matéria exclusivamente de direito. É que nem sequer se trata de colocar vícios da matéria de facto que inquinassem a decisão de forma patente, podendo, pois, surpreender-se da simples leitura da decisão, tomado o seu texto por si só, ou em conjugação com as regras gerais da experiência – os vícios a que se refere o art. 410.º, n.º 2 do CPP. Quanto a esses, ainda se poderia tentar buscar arrimo na ressalva inicial do art. 434.º do CPP, embora este Supremo Tribunal tenha vindo a entender, por jurisprudência largamente maioritária, senão mesmo uniforme e com apoio doutrinário em GERMANO MARQUES DA SILVA Curso de Processo Penal III, 2.ª Edição, Editorial Verbo 2000, p. 371 , que o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP (a chamada revista alargada) tem de ser interposto para a Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ Isto sem prejuízo de o STJ conhecer dos citados vícios oficiosamente, nos termos do disposto no referido art. 434.º do CPP e da jurisprudência fixada por este Tribunal no Acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR 1.ª S/A, de 28/12/95, mas nesse caso conhecendo deles, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis. (Cf., entre outros, os acórdãos de 1/6/2006, Proc. n.º 1427/06 – 5.ª e de 22/6/2006, Proc. n.º 1923-06 – 5.ª). Porém, não é sequer a esses vícios que o recorrente se refere, mas à prova produzida em audiência de julgamento, sobrepondo à interpretação e avaliação feitas pelas instâncias, o seu próprio julgamento dessa prova, o que é totalmente inadmissível, como dissemos. A verdade é que a qualificação da factualidade dada como provada não pode ser outra senão a que decorre do tipo legal de crime de homicídio, pois o arguido munido de um machado, próprio para tirar cortiça, em forma de meia-lua aberta, com o comprimento total de 52 cm, cabo em madeira, lâmina em metal, medindo o gume desta 15, 5 cm, aproximou-se pela retaguarda do DD e sem que este se apercebesse da sua presença, desferiu-lhe golpes com o machado na parte de trás da cabeça, do pescoço e do ombro esquerdo, fazendo com que este caísse ao solo e aí ficasse prostrado e inconsciente. Tudo fez utilizando a sua força muscular, com vista a provocar-lhe a morte, atingindo-o no couro cabeludo e na região lateral direita do pescoço; agiu de forma livre deliberada e consciente (…) no intento de tirar a vida ao ofendido, não o conseguindo porquanto este foi socorrido a tempo. 10.2. Pode questionar-se se este crime de homicídio é qualificado, nos termos do art. 132.º, n.º 1 e algum dos exemplos-padrão enumerados em qualquer das alíneas do n.º 2, ou circunstâncias análogas. E efectivamente o arguido contesta essa qualificação, mas fá-lo de forma completamente desajustada, pois, para além de referir circunstâncias que não serviram para tal qualificação (a única que foi considerada para tal efeito foi a da alínea h) – meio insidioso), volta a insistir, infelizmente, na questão da prova produzida em audiência, impugnando por essa via ter agido à traição, inesperadamente ou de forma insidiosa. Ora, trilhando esse caminho, não chega a parte nenhuma, dada a irrelevância de tal impugnação. Apesar disso, sempre nos deteremos brevemente na análise da questão. Doutrinalmente (Comentário Conimbricense do Código Penal - anotação do Prof. FIGUEIREDO DIAS), expende-se que a possibilidade de qualificação da circunstância deriva «de os meios utilizados tornarem especialmente «difícil a defesa da vítima ou arrastarem consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídicos» (FERNANDA PALMA). O que serve também para dar a compreender que «insidioso» será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto». Ou ainda: «Na insídia o agente aproveita a distracção da vítima para actuar; age enganando-a, cria uma situação que a coloca em posição de não poder resistir como em circunstâncias normais sucederia» (MARIA MARGARIDA SILVA PEREIRA, Textos – Direito Penal II – Os Homicídios, Vol. II, p. 42 – AAFDL, 1998). Jurisprudencialmente, coteje-se com esta fórmula condensada que se pode colher no Acórdão deste Tribunal de 20/2/04, Proc. n.º 1127/04 – 5ª, relatado pelo Conselheiro Costa Mortágua, tendo tido como adjunto o aqui relator: «O meio é insidioso quando corresponde a um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida». Ou ainda, como se diz no acórdão deste STJ de 17/3/2005, Proc. n.º 546/05 – 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, de que o presente relator também foi um dos adjuntos, «no conceito de meio insidioso cabem todos aqueles meios que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos. A traição constitui um meio insidioso e pode ser definida como um ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso.» (Sumários dos Acórdãos do STJ, Boletim n.º 89, p. 106). Ora, no caso sub judice, o arguido, munido do referido machado, aproximou-se pela retaguarda do DD e sem que este se apercebesse da sua presença, desferiu-lhe golpes com o machado na parte de trás da cabeça, do pescoço e do ombro esquerdo, fazendo com que este caísse ao solo e aí ficasse prostrado e inconsciente. Ou seja, o arguido agiu sorrateiramente, acercando-se do ofendido por detrás e sem que este, que se encontrava no quintal após ter jantado sozinho num anexo, se tivesse apercebido da sua presença, e com o machado que transportava, vibrou-lhe inesperadamente golpes na parte de trás da cabeça, do pescoço e do ombro esquerdo. Esta actuação não pode deixar de ser considerada como insidiosa, como tendo um sinal de perfídia e um efeito análogo ao do veneno, dado o seu carácter sub-reptício. Acresce que a actuação do arguido, por sobre ser coincidente com o exemplo-padrão da alínea h) do n.º 2, revela especial censurabilidade ou perversidade, assim se determinando, em última análise, a qualificação do crime através do critério generalizador do n.º 1 do art. 132.º do CP, ou seja, através da realização do tipo de culpa específico que define este tipo legal. Com efeito, o recorrente, usando esse tipo de comportamento naquelas circunstâncias, tornou-se digno de uma censura especial, não só por força do grande desvalor da acção, como também de uma atitude especialmente desvaliosa, em que revelou uma personalidade algo distanciada em relação aos valores, na maneira como executou o crime. Por conseguinte, o crime foi bem enquadrado no tipo de homicídio qualificado. 10.3. A questão da tentativa. A alegação do recorrente de que não se verifica a tentativa, porque nunca decidiu cometer nenhum crime raia o inadmissível. Como é que possível fazer uma tal afirmação a partir da factualidade provada? De tão evidente o caso, não perdemos tempo com a questão. 10.4. O princípio in dubio pro reo. Também não tem nenhuma razão de ser esta questão, dada a forma como o recorrente a coloca – na perspectiva de que não foi produzida prova na audiência de julgamento da prática dos factos e que uma tal ausência de prova teria que levar à absolvição do arguido por força do princípio apontado. Ora, já vimos que a questão da prova produzida, não dizendo respeito ao âmbito de apreciação deste Supremo Tribunal, é assunto encerrado. É verdade que a questão do princípio in dubio pro reo diz respeito à matéria de facto e que, sendo um principio basilar do direito processual penal, contendendo com as garantias do processo criminal tuteladas pela Constituição, não pode ser alheio aos poderes de controle do Supremo Tribunal e Justiça, mas o referido controle tem de ser compatibilizado com aqueles poderes, que são os próprios de um tribunal de revista. Assim, poder-se-á dizer com o acórdão de 20/10/05, Proc. n.º 2431/05: «A sindicância do princípio in dubio pro reo está limitada aos aspectos externos da formação da convicção das instâncias: há-de ficar-se pela exigência de que tal convicção seja objectivada e motivada na análise crítica das provas, dela sendo a expressão de um processo racional convincente que suporte a conclusão final do tribunal recorrido pela valoração feita deste ou daquele meio de prova». Por conseguinte, tendo a sindicação do STJ de exercer-se dentro dos seus limites de cognição, a violação do principio in dubio pro reo deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, ou seja: quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Ora, o recorrente ao levantar a questão da violação do princípio in dubio pro reo, o que pretende é opor à convicção a que chegaram as instâncias a sua própria visão das coisas. Neste sentido, as dúvidas quanto à prova estão na sua maneira de a verem e interpretarem, não na decisão recorrida. Daí que reiteremos a posição já assumida de que esta questão, na perspectiva em que foi levantada, não tem cabimento. Certo é que da fundamentação da decisão da 1.ª instância, inteiramente acolhida pela Relação, não resulta o mínimo traço de dúvida quanto à prova dos factos que se deram como assentes, assim como a conclusão a que se chegou em tal matéria é perfeitamente suportada pela forma como foi desenvolvido o raciocínio lógico em que assentou a opção decisória e pela perspectiva crítica que aí nos é dada da prova produzida. 10.5. Quanto à alegada violação do art. 29.º da Constituição, por o tribunal “a quo” ter preferido uma pena privativa de liberdade, para além de outros considerandos que o caso talvez merecesse, deve dizer-se que esta questão é totalmente incongruente. Para o tribunal “preferir” uma pena a outra em alternativa, como é evidente, é preciso que a lei que prevê e pune determinado facto, estabeleça essa alternativa. Ora, no caso de crime de homicídio, a lei só prevê pena de prisão, aliás, em consonância com a gravidade do crime. Tão simples como isto. Por consequência, o tribunal “a quo” não podia ter fixado uma pena que não fosse de prisão, a menos que, por atenuação especial, tivesse aplicado uma pena que pudesse ser substituída por uma pena alternativa. 10.6. Finalmente, vejamos a medida da pena. Visto toda a exposição desenrolado até aqui, a pena tem de ser fixada em concreto dentro da moldura penal do crime de homicídio qualificado tentado. A determinação da medida concreta ou judicial da pena, inscrevendo-se na moldura penal abstracta prevista no respectivo tipo legal, obedece a determinados parâmetros com dois vectores fundamentais: a culpa e a prevenção, consistindo as finalidades da pena na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades convergem para um mesmo resultado: a prevenção de comportamentos danosos, com vista à protecção de bens jurídicos comunitariamente relevantes, cuja violação constitui crime. À finalidade de prevenção, na sua vertente de prevenção geral positiva ou de integração, cabe fornecer a medida de tutela dos bens jurídicos entre um ponto considerado óptimo para a satisfação das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da norma jurídica violada e um ponto considerado mínimo, correspondente ao conteúdo mínimo de prevenção, sem a salvaguarda do qual periclita a defesa da ordem jurídica. À culpa compete, nos termos do art. 41.º, n.º 2 do CP, a função de limitar as exigências de prevenção geral, impondo um limite para além do qual a pena deixaria de ter um fundamento ético para passar a instrumentalizar o condenado em função de puros objectivos de prevenção. Entre o limite máximo e o limite mínimo traçado pela designada submoldura de prevenção, actuam as exigências de prevenção especial ou de socialização, as quais, devendo subordinar-se ao objectivo primordial de tutela dos bens jurídicos, constituem um elemento decisivo na fixação da pena. Como salienta, relativamente à vertente de prevenção geral, o penalista FIGUEIREDO DIAS, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida óptima (…) não tem de coincidir sempre com a medida da culpa – não é dada como um ponto exacto da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais». E, relativamente ao critério da prevenção especial: «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...). «A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena». (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244) Os parâmetros a que deve obedecer a fixação concreta da pena, segundo a sua relevância em termos de culpa e de prevenção, são os indicados de forma não taxativa no n.º 2 do art. 71.º do CP: grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos, condições pessoais do agente, conduta anterior e posterior ao facto, etc. No caso dos autos, a ilicitude da conduta conexiona-se imediatamente com a ofensa ao mais fundamental dos bens jurídicos, que é o valor “vida,” e à forma particularmente desvaliosa que revestiu. Todavia, há que ver vários outros aspectos que atenuam esta primeira abordagem. Assim, não obstante esta caracterização do acto ofensivo, a gravidade das consequências saldou-se por um resultado relativamente modesto. Na verdade, as lesões provocadas no ofendido produziram apenas 15 dias de doença, sendo 5 com afectação da capacidade para o trabalho em geral e 15 com afectação para o trabalho profissional. O mais grave ainda foi a afectação da capacidade funcional da articulação escapulo-humeral esquerda, que ficou definitivamente diminuída. Ora, estas consequências não se distinguem daquelas que, na maioria dos casos, são provocadas no âmbito da simples ofensa à integridade física, embora, é certo, com o aspecto de terem constituído um perigo para a vida do ofendido, como decorre dos autos de exame directo e de sanidade constantes dos autos. Por outro lado, o arguido e os familiares da vítima vieram a transaccionar no pedido cível, o que significa que se puseram de acordo no que respeita aos danos patrimoniais e não patrimoniais - acordo esse que foi devidamente homologado por sentença. E também o Hospital do Espírito Santo de Évora veio a desistir do pedido que havia deduzido, reclamando do arguido/demandado uma indemnização no valor de € 4.142,00. Ora, estes aspectos têm influência na ilicitude, minorando-a No que diz respeito à culpa, o arguido agiu com dolo, que é a forma mais intensa de culpa; todavia esse dolo é o correspondente ao tipo de homicídio qualificado. Neste capítulo, também há a salientar, em sentido atenuativo, que o arguido “agiu da forma descrita, porque o ofendido ia ocupando espaço no quintal junto à passagem para a sua residência, onde permanecia com frequência e onde tomava as suas refeições e ainda devido a várias outras condutas do ofendido, tais como ir à casa de banho próxima mantendo a porta aberta, fazer gestos de cariz sexual quando a mulher do arguido passava, afectando por esta forma a vida do arguido e da mulher deste”. E ainda que “as relações entre o arguido e o ofendido (…) que ao princípio eram boas, começaram a deteriorar-se, devido ao comportamento para com a mulher daquele”. A tudo isto acresce que o arguido não tem antecedentes criminais - facto que assume relevância na sua idade (actualmente com 72 anos), e cumpriu sempre rigorosamente as obrigações decorrentes das medidas coactivas que lhe foram aplicadas, principalmente a de obrigação de permanecer na habitação e, posteriormente, a de apresentação semanal no posto policial da área mais próxima da sua residência, como resulta dos relatórios elaborados pelo IRS e juntos aos autos. Ora, são as exigências de prevenção geral, como se disse, que traçam a submoldura dentro da qual há-de ser fixada a pena concreta, tendo como limite inultrapassável a culpa e como limite mínimo aquele quantum de pena imprescindível, abaixo do qual periclita a defesa do ordenamento jurídico. Quanto ao objectivo de ressocialização, ele tem de ser conseguido, tanto quanto possível, subordinadamente às exigências de prevenção geral positiva, visto que a tutela dos bens jurídicos é o objectivo primordial inscrito nas finalidades da punição, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, que, todavia, se não alheia também do objectivo de reinserção social do condenado. Esta reinserção, porém, não pode, de forma alguma, postergar ou pôr em segundo plano as exigências de prevenção geral. Por conseguinte, terá de ser dentro da submoldura traçada pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico e pelo ponto óptimo ou ideal de satisfação dessas exigências, limitado pela culpa, que têm de actuar todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, nomeadamente a função de socialização. O que se pode é dizer que, sendo pouco prementes essas funções (de socialização, de advertência individual ou de segurança ou inocuização), a medida concreta da pena há-de tender para o limite mínimo das exigências de prevenção geral – limite esse que não coincide ou poderá não coincidir com o limite mínimo da moldura penal abstracta. Ora, no caso sub judice, são pouco prementes as necessidades de prevenção especial. Trata-se de um homem com 72 anos de idade, bem inserido socialmente, não obstante o deslize em que caiu, praticando este crime grave. As circunstâncias acima descriminadas mostram que se tratou de um acto isolado na sua vida, que não traduz especiais cuidados do ponto de vista das finalidades da prevenção especial, sobretudo atenta a sua avançada idade. E, como se escreveu lucidamente no Acórdão de 20/10/99, deste Supremo Tribunal, relatado pelo Conselheiro OLIVEIRA GUIMARÃES (BMJ n.º 490, p. 48 e ss.), se a prevenção especial vai deixando progressivamente de relevar como condimento temperador da sanção ou do juízo de censura que através dela se exprime, não é menos certo que as exigências de prevenção geral também vão cedendo ante o avançar da idade do prevaricador, reduzindo o perigo que, para a ordem jurídica e para a estabilidade social, sempre representa a comissão de um crime. Esta realidade não deixará de estar subjacente ao consignado aditamento normativo da «necessidade da pena», ⌠acrescentado ao n.º 1 do art. 72.º do CP, na reforma de 1995⌡, pois que esta «necessidade» se afirma em consonância com a defesa da comunidade face ao que real e efectivamente a coloque ou possa colocar em causa, na segurança e integralidade dos seus bens e valores jurídicos» (Ver também o acórdão de 21/6/2007; proc. n.º 1414-07, de que de que foi relator o destes autos). Ora, tendo em vista as circunstâncias acima referidas com reflexo saliente na ilicitude e na culpa, dando-nos uma imagem do ilícito menos gravosa do que a resultante de um primeiro conspecto da situação e um relevo de culpa com atenuantes, considerando ainda as reduzidas necessidades de prevenção especial e o efeito destas sobre a determinação concreta da pena, e ainda o facto de o arguido se encontrar em liberdade com apresentações periódicas à entidade policial, desde 23 de Julho de 2007, a pena concreta pode ser fixada muito próximo do limite mínimo da moldura penal abstracta, num ponto situado no limite das exigências mínimas de prevenção geral. Deste modo, considerando que ao crime de homicídio qualificado tentado corresponde (por efeito do disposto no arts. 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP) a moldura penal atenuada de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, a pena adequada a este caso há-de quedar-se nos 2 anos e 6 meses de prisão. III. DECISÃO 11. Nestes termos, acordam na (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em desatender todas as questões colocadas no recurso interposto pelo arguido AA, com excepção da medida da pena, que, em revogação da decisão recorrida, fixam em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, que se dá por inteiramente expiada com o tempo de prisão preventiva e de prisão domiciliária sofridas, concedendo assim parcial provimento ao recurso. No mais, confirmam a decisão recorrida. 12. Custas pelo recorrente com 5 UC de taxa de justiça, por ter visto improceder a maior parte das questões colocadas. Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Fevereiro de 2008 Rodrigues da Costa (Relator) Arménio Sottomayor Souto de Moura Simas Santos
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011271 Nº Convencional: JTRP00031271 Relator: FRANCISCO MARCOLINO Descritores: ACUSAÇÃO FACTOS ALTERAÇÃO DOS FACTOS ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS Nº do Documento: RP200102070011271 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CR PENAFIEL Processo no Tribunal Recorrido: 164/99 Data Dec. Recorrida: 06/06/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART358 ART359. Jurisprudência Nacional: AC RC DE 2000/02/09 IN CJ T1 ANOXXV PAG54. AC STJ DE 1998/01/27 IN CPP LEAL HENRIQUES E SIMAS SANTOS 2ED PAG340. Sumário: I - O critério a seguir para se apurar se houve ou não alteração substancial dos factos " é a necessidade de, em cada caso, garantir e salvaguardar a hipótese de o arguido ser surpreendido por um imprevisto desenlace punitivo mais grave do que contava, sem ter tido, visível e inequivocamente, possibilidade de preparar ou adequar a sua defesa em ordem a prevenir ou evitar esse desenlace". II - Não constitui alteração, nem sequer não substancial, a divergência que se traduz apenas "em novos factos concretizadores da actividade criminosa do arguido sem repercussão agravativas ou na estratégia da defesa do arguido", como acontece no caso concreto em que vinha pronunciado por ter agredido a murro e a pontapé, causando ferimentos, sendo condenado por provocar os mesmos ferimentos arrastando de zorro o ofendido, puxando-lhe por um pulso. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No Tribunal Judicial de .... foi o arguido Manuel..., casado, aposentado, nascido a ..-...-19.., em ......., ......, filho de José... e de Ana..., residente na Rua..., ..., ......., pronunciado, na sequência de acusação deduzida pelo M.º P.º, como autor material, em concurso efectivo, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, do Código Penal, pela prática dos seguintes factos: “No dia 28 de Maio de 1998, cerca das 16 horas, no Lugar..., o arguido dirigiu-se até à residência da ofendida B......, sita no lugar de..., freguesia de ...., da Comarca de ......... . Aqui, após breve discussão, o arguido arremessou vários vasos de plástico e de barro contra a ofendida B......, tendo-a atingido no membro superior esquerdo e pé direito, causando-lhe as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 31 - que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos - que lhe determinaram dez dias de doença com incapacidade para o trabalho nos primeiros quatro dias. De seguida, o arguido abeirou-se do ofendido António..., que entretanto chegara àquele local, e desferiu-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, tendo-lhe causado as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 32 - que aqui se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos - que lhe determinaram quinze dias de doença com incapacidade para o trabalho nos primeiros doze dias. O arguido agiu voluntária e conscientemente, com intenção de atingir os ofendidos na sua integridade física, como efectivamente atingiu. Mais sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei”. Os ofendidos deduziram pedido cível, requerendo que o arguido fosse condenado no pagamento da quantia de 250.000$00, a cada um dos queixosos, a título de indemnização por danos não patrimoniais. Na sua contestação o arguido diz que os queixosos apresentaram duas queixas, sem que na segunda se tenham apresentado novos elementos de prova Nega a prática das agressões. A final foi proferida sentença, que decidiu pela forma seguinte: Julgou a acusação parcialmente procedente e em consequência: A) Condenou o arguido, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples (perpetrado na pessoa do queixoso António...), previsto e punido pelo art.º 143º, n.º 1, do Código Penal de 1995 na pena de 120 ( cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 800$00 (oitocentos escudos), perfazendo o montante global de 96.000$00 (noventa e seis mil escudos), absolvendo-o do outro crime que lhe foi imputado. C) Julgou o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e consequentemente condenou o arguido a pagar a quantia de 100.000$00 (cem mil escudos) a António..., absolvendo-o do demais. Inconformado, interpôs recurso o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Pelos factos constantes da acusação e pronúncia, os Ofendidos apresentaram duas queixas crime, sendo que a primeira deu lugar ao Inquérito n.º 606/98, e a segunda aos presentes autos, tendo sido proferido despacho de arquivamento no primeiro Inquérito. 2. No seu requerimento para abertura de Instrução, o Arguido recla-mou da violação ao disposto no artigo 279º do C.P.P, em virtude da apresen-tação de nova queixa e abertura de novo Inquérito, por factos já antes participados, sem que fossem indicados novos elementos de prova susceptíveis de invalidar os fundamentos invocados pelo M.P. no despacho de arquivamento. 3. O Arguido voltou a invocar tal irregularidade na sua contestação, mas o Tribunal “a quo” não se pronuncia sobre tal questão, que devia apreciar, razão pela qual a douta Sentença recorrida se encontra ferida de nulidade, conforme dispõe o artigo 379º, n.º 1, al. c), do C.P.P. Sem prescindir e para o caso de assim se não entender, o que apenas por cautela de patrocínio se concede, sempre se dirá que, 4. A factualidade constante da acusação e da pronúncia, que o Arguido “abeirou-se do ofendido António..., que entretanto chegara àquele local, e desferiu-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo...”, não resultou provada na Audiência de Julgamento. 5. Contudo, o Tribunal “a quo”, excedendo manifestamente os seus poderes de cognição, declara, na douta Sentença recorrida, provado que “o Arguido agarrou o António... pelo pulso e o arrastou de zorro”, embora tal factualidade não tenha sido participada criminalmente pelo ofendido, e não tenha sido alegada pela acusação ou pela defesa. 6. Assim, a douta Sentença recorrida condena por factos diversos dos descritos na acusação e na pronúncia, pelo que o Tribunal “a quo” excedeu os seus poderes de cognição, sem que se tenha verificado o circunstancialismo dos artigos 358º e 359º do C.P.P., o que atento o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. b), do C.P.P., a fere de nulidade. Sempre sem prescindir, 7. Na douta Sentença recorrida o Tribunal “a quo” limita-se a fazer o exame crítico do depoimento da testemunha Alexandre..., não cum-prindo tal dever relativamente à restante prova produzida, nomeadamente não referindo as razões de valorar o auto de exame directo que teve lugar no primeiro Inquérito de forma diferente daquele que ocorreu no segundo Inquérito. 8. A douta Sentença recorrida está, assim, ferida de nulidade, por violação do disposto no artigo 374º, n.º 2, do C.P.P, atento o artigo 379º n.º 1, al. a), do C.P.P.. Ainda sem prescindir, 9. A fixação dos dias de multa deve atender aos critérios gerais de determinação da pena, a culpa e a prevenção, e na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Contudo, 10. Embora o Arguido tivesse sido acusado e pronunciado por ter desferido vários murros e pontapés no Ofendido, o Tribunal “a quo” apenas declarou provado que o Arguido agarrou o Ofendido pelo pulso e o arrastou de zorro, o que constitui acção manifestamente menos grave. 11. O Tribunal “a quo” também não atendeu, na determinação da pena fixada ao Arguido, à conduta do Arguido anterior ao facto, e concretamente à não existência de antecedentes criminais. 12. Assim, o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 71º, do Códi-go Penal, pelo que deve ser parcialmente revogada a douta Sentença recorri-da e proferida nova decisão em que seja determinada nova pena ao Arguido que atenda às circunstâncias que depuseram a seu favor. 13. Assim visto, deve ser revogada a douta sentença recorrida e proferida decisão absolutória, ou, caso assim se não entenda, deve ser proferida decisão em que seja determinada nova pena ao Arguido que atenda às circunstâncias que depuseram a seu favor. Respondeu o M.º P.º concluindo a sua alegação pela forma seguinte: 1. Não existe, nos presentes autos, qualquer violação do art.º 279º do CPP. Este dispositivo trata dos casos em que é admissível reabrir um inquérito já encerrado, sendo que nos presentes autos a 2ª queixa visava confirmar a 1ª, cujo inquérito ainda decorria, não pretendendo, de forma nenhuma, conduzir à reabertura de um inquérito já encerrado. 2. A sentença recorrida não só indicou as provas que serviram de base à sua convicção, como fez um exame crítico das mesmas. 3. A pena aplicada ao Recorrente foi fixada em 120 dias dos 360 permitidos por lei. Para que assim tenha sido, ter-se-ão levado obrigatoriamente em conta todos os factores que, neste caso, depunham a favor do arguido. A Ex.ma PGA nesta Instância relegou a sua posição para alegações orais. Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência de discussão e julgamento com inteira observância do legal formalismo, cumpre apreciar e decidir. A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1. No dia 28 de Maio de 1998, cerca das 16 horas, no Lugar..., o arguido, após uma breve discussão com B........ e António..., agarrou este último pelo pulso tendo-o arrastado de zorro causando as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 32, dado por reproduzido, que lhe determinaram quinze dias de doença com incapacidade para o trabalho nos primeiros doze dias. 2. O arguido agiu voluntária e conscientemente com intenção de atingir o ofendido na sua integridade física, como efectivamente atingiu. 3. Mais sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei. 4. Os ofendidos foram socorridos no Hospital de Penafiel cerca das 21 horas e 30 minutos. 5. O ofendido António... em consequência das lesões sofreu dores. 6. O arguido é cunhado da ofendida e sobrinho do ofendido, os quais se encontram de relações cortadas por motivos relacionados com propriedades. 7. Pelos mesmos factos os ofendidos apresentaram duas queixas que deram lugar ao inquérito n.º ..../98 e o inquérito ....../98. 8. Nos autos de inquérito ..../98, foram os autos arquivados por falta de indícios. 9. O arguido não tem antecedentes criminais e aufere mensalmente a quantia de 190.000$00. E considerou-se não provada a seguinte matéria de facto: 1. Que os ofendidos tenham pago a quantia de 6.200$00 e 10.890$00, pelas taxas de urgências e tratamentos. 2. Que o arguido tivesse arremessado vários vasos de plástico e de barro contra B....... tendo-a atingido no membro superior esquerdo e pé direito, causando-lhe as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 31, dado como reproduzido, que lhe determinaram dez dias de doença com incapacidade para o trabalho nos primeiros quatro dias. 3. Que o arguido tivesse desferido vários murros e pontapés em diversas partes do corpo do ofendido António.... 4. Que o arguido tivesse agido com a intenção de atingir a ofendida na sua integridade física. O Tribunal alicerçou a sua convicção nos seguintes meios de prova: No que concerne aos factos referentes á ofendida fez jus ao princípio in dubio pro reo já que o arguido negou os factos que lhe são imputados; por sua vez a versão da ofendida corresponde aos factos da acusação e nenhuma das testemunhas presenciou tais factos. Acresce que a ofendida e o arguido, que são cunhados, encontram-se de relações cortadas por questões relacionadas com propriedades. No que concerne às agressões perpetradas no ofendido também se verifica que o arguido nega os factos que lhe são imputados enquanto o ofendido mantém a versão constante da acusação. No entanto existe o depoimento da testemunha Alexandre..., o qual se encontrava próximo do local onde ocorreram os factos, o qual apenas ouviu os berros do ofendido, o que motivou a deslocar-se ao local. Aí chegado viu o arguido a agarrar o ofendido pelo pulso arrastando-o de zorro. O depoimento desta testemunha foi claro, coerente e não foi infirmado pela demais prova produzida. No que concerne aos danos foi relevante o exame pericial e as declarações do ofendido. São diversas as questões submetidas à consideração deste Tribunal: A primeira é a da nulidade da sentença pelo facto de o tribunal não se haver pronunciado sobre a arguida irregularidade da apresentação de 2ª queixa. O tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre a questão e nem sobre ela podia tomar posição em obediência ao caso julgado formal que entretanto se formara no processo – art.º 672º do CPC. O ora Recorrente arguiu a irregularidade no requerimento de abertura da Instrução. O Sr. Juiz de Instrução, a fls. 71 referiu: “Compulsados os autos constata-se que efectivamente foi exercido por duas vezes o direito de queixa, no entanto tal facto não constitui ou faz caso julgado, apenas se tratando de uma irregularidade. Ora, tal irregularidade apenas tinha o condão de fazer com que os actos de inquérito passassem a ser todos efectuados num só inquérito. Assim sendo tal irregularidade não influi nos termos do outro inquérito”. Tal decisão, devidamente notificada, não foi objecto de impugnação judicial, como o poderia ter sido, nos termos do n.º 2 do art.º 310º do CPP – cfr. Ac. de uniformização de jurisprudência de 19.1.2000, DR, I série, de 7.03.2000. Assim, mesmo que irregularidade houvesse, a mesma estaria sanada. Consequentemente, o Tribunal “a quo” não poderia alterar a decisão do Tribunal de Instrução. Como o não pode agora este Tribunal, não sem que se diga que o inquérito não foi reaberto, como alega o recorrente - vide as datas da 2ª queixa (16.06.98) e do despacho final no primitivo inquérito (26.10.98) . Antes, no decurso do inquérito foi apresentada nova queixa, que tem de ser vista como apenas a confirmação da 1ª queixa. Claro que a 2ª não foi incorporada na 1ª, como o deveria ter sido. Mas daí não pode extrair-se a conclusão de que se tratou de reabertura de inquérito, que não foi. Assim, a omissão de pronúncia tem de ser entendida neste sentido: o tribunal não podia, por força do caso julgado que entretanto se formara, pronunciar-se sobre a dita irregularidade e, por isso, apesar de fazer constar as queixas da fundamentação, ignorou a alegada irregularidade. Nestes termos, a omissão de pronúncia é apenas aparente pelos motivos expostos. A segunda questão do recurso está ligada ao facto de constar da acusação e da pronúncia, que o Argui-do “abeirou-se do Ofendido António..., que entretanto chegara àquele local, e desferiu-lhe vários murros e pontapés em diversas partes do corpo...”, e que na sentença se deu como provado que “o Arguido agarrou o António... pelo pulso e o arrastou de zorro”, sem que se tenha verificado o circunstancialismo dos artigos 358º e 359º do C.P.P.. Da pronúncia tem de constar a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, tempo e motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada – al. b) do n.º 3 do art.º 283º do CPP, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 308º do mesmo diploma legal. São os factos constantes da pronúncia que fixam o thema decidendum, como claramente se vê do n.º 4 do art.º 339º do CPP: “Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência...”. Os factos que constituem objecto da acusação são os factos não só em sentido naturalístico, mas também em sentido normativo – no sentido do texto, cfr. Leal Henriques e Simas Santos “CPP anotado”, 2ª ed., pgs. 340 e 341. E podem ser definidos como “todo o acontecimento ou evento, toda a modificação produzida na ordem natural dos fenómenos, e susceptível de provocar efeitos jurídicos” – Ac. da RC de 9.2.2000, CJ, Ano XXV, tomo 1, pg. 54. Dentro desta linha, o CPP, na alínea a) do n.º 1 do art.º 1º, define crime como “o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais”. E define alteração substancial dos factos como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. Consequentemente, “alteração não substancial será aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” – Maia Gonçalves “ CPP”, 10ª ed., pg. 636. O critério a seguir para se apurar se houve ou não alteração substancial dos factos, “é a necessidade de em cada caso, e perante o circunstancialismo dele envolvente em sede de tratamento processual, garantir e salvaguardar a hipótese de o arguido ser surpreendido por um imprevisto desenlace punitivo mais grave do que contava, sem ter tido, visível e inequivocamente, possibilidade de preparar ou adequar a sua defesa em ordem a prevenir ou evitar esse desenlace” – Ac. do STJ de 27.01.98, proc. 490/97, citado por Leal Henriques e Simas Santos, ob. ref., pg. 442. Igualmente a jurisprudência do STJ, Ac. de 22.1.97, proc. 1002/96, cit. por estes AA, pg. 436, refere que “Não há alteração substancial ou não substancial dos factos da acusação ou da pronúncia, quando os factos referidos se traduzem em meros factos concretizantes da actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas ou na estratégia da defesa do arguido. Como no relatório se referiu, o arguido foi pronunciado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 143º do C. Penal, perpetrado na pessoa do ofendido António ......, no dia 28 de .... de 1998, cerca das 16 horas, porquanto lhe desferiu murros e pontapés em diversas partes do corpo, tendo-lhe causado as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 32, que lhe determinaram 15 dias de doença com incapacidade para o trabalho. E foi condenado, como autor material do referido crime, perpetrado na pessoa do ofendido António..., no dia 28 de ... de 1998, cerca das 16 horas, porquanto o arrastou pelo pulso, tendo-o arrastado de zorro, tendo-lhe causado as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 32, que lhe determinaram 15 dias de doença com incapacidade para o trabalho. Significa isto que o arguido foi condenado pela prática do mesmo crime por que fora pronunciado, perpetrado no mesmo dia, hora e local, na mesma pessoa, com as mesmas sequelas, divergindo, no entanto, quanto ao modo de execução. Dispõe o n.º 1 do art.º 143º do C. Penal: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. O preceito legal manda punir todo aquele que, através de mau trato, prejudique outrem (outra pessoa) no seu bem estar físico de forma não insignificante, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima – cfr. a Dra. Paula Faria in “Comentário Conimbricence do Código Penal”, tomo I, pgs. 205 e 207. Trata-se de um crime de resultado pelo que se exige que haja uma efectiva ofensa à integridade física ou psíquica do ofendido. E é um crime que só pode ser cometido a título de dolo, em qualquer das suas modalidades – cfr. art.º 13º do C. Penal – embora o possa ser por acção ou omissão. Elementos típicos do crime são: - A ofensa, consistente numa conduta voluntária do agente; - Que essa ofensa atinja o bem estar físico ou no normal funcionamento das funções corporais da vítima; - A vontade de ofender, consubstanciada na intenção, em qualquer das suas modalidades. Comparando a matéria da pronúncia com a da condenação, logo se vê que a divergência de factos não teve por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis pelo que não pode ser considerada como substancial. Mas também não pode ser considerada como alteração não substancial dos factos constantes da pronúncia. É que, como se referiu, aqui estamos em face de um conceito naturalístico – normativo dos factos, tal como se definiu. E o evento que tem relevância jurídico penal é a ofensa à integridade física do ofendido, num determinado condicionalismo, independentemente da forma porque foi feita, e da qual resultaram determinado tipo de lesões. A divergência traduziu-se, tão só, no dizer do acórdão citado, “em meros factos concretizadores da actividade criminosa do arguido sem repercussões agravativas ou na estratégia da defesa do arguido”. E assim, nenhuma alteração substancial ou não substancial existe dos factos constantes da pronúncia. O arguido tem de defender-se dos factos constantes da acusação, naquele circunstancialismo referido, integrantes de um crime de ofensa á integridade física, com determinadas sequelas.. É indiferente a forma de concretizar a ofensa, na qual o arguido participou e, por isso, não pode ter sido apanhado desprevenido na sua estratégia de defesa. Isto salvo se, obviamente, tal tiver efeito agravativo (agressão com mãos os com um instrumento perigoso, v. g.). Quanto ao exame crítico da prova que serviu para formar a convicção do Tribunal, ela obedece ao comando do n.º 2 do art.º 374º do CPP, como da sua simples leitura se enxerga, sendo certo que o Tribunal não pode socorrer-se de autos contidos em outro inquérito, salvo se aí estiverem por certidão admitida – cfr. art.ºs 355º e 356º do CPP. Isto é, o outro inquérito é para os autos como se inexistisse. E não tem de fazer-se referência a depoimentos circunstanciados. Antes, e como o Sr. Juiz refere, deve dizer-se que os outros depoimentos não infirmaram o depoimento da testemunha presencial. Finalmente, e quanto á medida da pena. Para a determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, há que atentar em que a medida da culpa do agente na prática dos factos é o seu limite máximo, dentro do qual devem funcionar as exigências de reiteração dos valores ofendidos pela prática dos factos na comunidade e de vigência da norma incriminadora que os tutela, bem como as necessidades de interiorização pelo agente do respeito de tais valores, de forma a não delinquir no futuro. “A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas - sejam de prevenção geral positiva, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, segurança ou de neutralização.” (Figueiredo Dias in “As consequências jurídicas do crime, p. 230). Por outro lado, as exigências de prevenção geral definem os parâmetros onde se irá determinar, de acordo com as exigências de socialização, a medida da pena a aplicar (obra e página citadas). A medida da pena deve ser dada, pois, pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso concreto, isto é, fundamentalmente por exigências de prevenção geral traduzidas na necessidade do reforço da consciência jurídica e do seu sentimento de segurança face à norma jurídica. É esta finalidade que indica o limiar mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr, irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Mas, por outro lado, a culpa constitui o limite de todas as considerações preventivas, seja qual for a sua natureza, sob pena se ser posta em causa a dignidade humana. Sem culpa não pode haver pena, embora se admita que a pena seja inferior ao marco da culpa – art.ºs 29º, 30º e 32º da CRP, bem como o art.º 71º do C. Penal -, mas nunca superior a ela. Além disso, não pode esquecer-se a necessidade de prevenção especial. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, pg. 215, através do requisito da culpa, liga-se a pena à exigência de que a vertente pessoal do crime - que tem a ver com o mandamento incondicional do respeito pela dignidade da pessoa do agente (art.ºs 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da CRP) - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção; e através da prevenção dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e consequentemente à realização, in casu, das finalidades da pena – art.º 40º do C. Penal. Tendo presente o exposto e atenta a factualidade considerada provada, entendemos que não assiste razão ao Recorrente, quando refere que o Sr. Juiz não atendeu às circunstâncias que depõem a seu favor. O arguido foi condenado em 120 dias de multa à razão de 800$00 por dia. A sentença teve em linha de conta a factualidade apurada e referiu expressamente: “A fixação da pena de multa processa-se fundamentalmente através de duas operações sucessivas e autonomizadas. Uma primeira através da qual se fixa em número de dias de multa em função dos critérios gerais da determinação da pena culpa e prevenção). Uma segunda, através da qual se fixa o quantitativo diário de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente (vd. Figueiredo Dias, in “Direito Penal” - 2, pág.116). Atento o disposto no art.º 71º, do Código Penal dentro da moldura penal abstracta cumpre determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente, tendo ainda em conta, as exigências de prevenção geral e especial e as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, a gravidade das consequências, as condições pessoais e a situação económica da arguida. Ponderadas as agravantes e as atenuantes, as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal tem-se por adequado fixar a pena concreta em 120 dias de multa à taxa diária de 800$00, o que perfaz a quantia de 96.000$00. Como se vê, a sentença levou em linha de conta os critérios impostos pelo art.º 71º do C. Penal. É que, como dela se vê: O arguido agiu com dolo directo (agiu com intenção de atingir o ofendido na sua integridade física, como efectivamente atingiu); O ofendido é tio do arguido, o que aumenta a intensidade do dolo; Da agressão resultaram 15 dias de doença, com incapacidade para o trabalho nos primeiros 12, e dores para o ofendido; Esta consumou-se por arrastamento de zorro; Arguido e ofendido andam de relações cortadas por motivos relacionados com propriedades; Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais o que, só por si, pode não ser atenuativo, e não o é no caso vertente; De resto, não confessou a prática dos factos, antes os nega; Aufere mensalmente 190.000$00. Sendo assim, aplicar a pena concreta de 120 dias de multa, retirada da moldura penal abstracta em causa (ao crime praticado pelo arguido corresponde, em abstracto, a pena de prisão até 3 anos ou multa de 10 a 360 dias) afigura-se-nos solução equilibrada, justa e adequada ao caso em apreço, que fica aquém de metade da referida moldura penal abstracta do crime em questão. Como não pode o arguido queixar-se, antes pelo contrário, da taxa de 800$00 diários, que lhe foi aplicada. Tendo em conta que a taxa diária da multa varia entre 200$00 e 100.000$00, nos termos do art.º 47º, n.º 2 do CP, taxa essa que deve ter em consideração a situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais ( cfr. o citado art.º 47º/2), haverá que concluir-se que a taxa aplicada (800$00) se revela exígua, embora este Tribunal a não possa elevar tendo em atenção a proibição de reformatio in peius. Tem de reconhecer-se que o mencionado vencimento de 190.000$00 mensais é suficiente para pagar a multa aplicada, que tem de representar um sacrifício para o condenado sob pena de, se assim não for, não constituir censura suficiente do facto praticado, desacreditando a pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade (cfr. Ac RC de 13/07/95 e de 05/10/97 in CJ 95, IV, pág. 48 e BMJ 468, pág. 489). DECISÃO: Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida. Fixa-se em 4 Ucs a taxa de justiça a pagar pelo Recorrente. Honorários 5 Ucs. Porto, 7 de Fevereiro de 2001 Francisco Marcolino de Jesus Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva Joaquim Manuel Esteves Marques Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041492 Nº Convencional: JTRP00030899 Relator: TEIXEIRA MENDES Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PRAZO PEREMPTÓRIO Nº do Documento: RP200102070041492 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T I CR PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 4812/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART68 N2 ART246 N4. Sumário: É peremptório o prazo para constituição de assistente a que se reporta o artigo 68 n.2 do Código de Processo Penal, conjugado com o disposto no artigo 246 n.4 do mesmo diploma. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041242 Nº Convencional: JTRP00031354 Relator: TEIXEIRA PINTO Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO FALTA DE MOTIVAÇÃO CONCLUSÕES SUPRIMENTO DA NULIDADE Nº do Documento: RP200102070041242 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR GONDOMAR Processo no Tribunal Recorrido: 252/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL. Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS. DIR ORDEN SOC. Legislação Nacional: DL 433/82 DE 1982/10/27 ART59 N3 ART63 N1. Jurisprudência Nacional: AC TC DE 1999/05/26 IN DR IIS 1999/10/22. Sumário: Em processo contraordenacional, o juiz não pode rejeitar o recurso de impugnação por falta de conclusões sem que previamente convide o recorrente ao aperfeiçoamento, isto é, a apresentar conclusões. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 3503/18.7T9CBR-A.S1 Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO Relator: ANA BARATA BRITO Descritores: RECURSO DE REVISÃO NOVOS MEIOS DE PROVA NOVOS FACTOS INDEFERIMENTO Data do Acordão: 17/05/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I -    Não constitui fundamento de revisão a apresentação de provas que o arguido conhecia ao tempo do julgamento, e podia então ter apresentado, ficando por explicar a apresentação tardia de provas necessariamente conhecidas. II -  Ocorre ainda ausência de novidade de “facto novo” quando as “provas novas” respeitam a factos que foram discutidos em julgamento; e, por outro lado, encontrando-se os factos provados solidamente justificados na sentença, sempre falharia o requisito “grave injustiça da condenação”. Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. No proc. n.º 3503/18.7T9CBR, do Juízo Local Criminal ..., foi proferida sentença a condenar os arguidos AA e L..., pela prática de um crime de falsificação de documento do art. 256.º, n.º 1, als. d) e e), do CP, respectivamente nas penas de 18 meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação e com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, e de 20 dias de multa à razão diária de 100 euros, perfazendo o montante global de 2.000 euros. A sentença foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de dezembro de 2022, transitado em julgado em 12 de janeiro de 2023, que assim julgou improcedentes os recursos dos arguidos, os quais abrangeram a matéria de facto e de direito. Interpõem agora os arguidos o presente recurso extraordinário de revisão, nos termos seguintes: “(…) 3º Ocorre que, já depois de proferida a sentença que condenou os arguidos em primeira instância, e já depois de ter dela interposto recurso, os recorrentes tiveram a acesso a novos meios de prova que confirmam o que havia sido dito pelo arguido AA em sede de audiência julgamento e, só por si, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação. Vejamos porquê: 4º Na douta sentença 1a instância foi dado como provado, no ponto 11 da sentença recorrida, que: "O arguido, por si e em representação e no interesse da sociedade arguida, por razões não concretamente apuradas, mas que se prenderam com a falta de cumprimento de negócios anteriores de venda de veículos celebrados entre ambos e entre o arguido e familiares do queixoso, em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima ao dia 05/04/2018, decidiu providenciar pela transferência do registo da propriedade do veículo de marca MAN com a matrícula ..-JN-.., que se encontrava registado a favor da sociedade M... desde 21/08/2017, o que o arguido bem sabia, pois havia estado presente no acto de registo, para a sociedade arguida, sem que nenhum acordo ou contrato entre o queixoso e o arguido houvesse que legitimasse tal transferência de propriedade." (sublinhado nosso) 5º Como se disse em sede de recurso para a Relação, existiam duas versões conflituantes: de um lado a versão do arguido que afirma que celebrou com a ofendida um contrato de aluguer do veículo pesado de mercadorias MAN, com a matrícula ..-JN-.., de outro, o legal representante da ofendida BB que asseverou que existiu um contrato de compra e venda dessa viatura. 6º A alicerçar a posição do arguido apontou-se a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente as suas próprias declarações, o testemunho de CC, seu filho, bem como as testemunhas DD e EE, cujos extratos relevantes das suas declarações e depoimentos foram transcritos. 7º Mais se disse que a sustentar a versão da ofendida encontra-se apenas e só o testemunho do seu legal representante e o do pai deste, FF, que teve conhecimento do negócio e dos seus putativos termos, de forma indireta, através do seu filho. 8º A douta sentença recorrida apenas reportou como plausível a versão do legal representante da ofendida - cfr. pp. 12 da sentença recorrida -inferindo que se tratou de um contrato de compra e venda dado que existiu a entrega, por parte da ofendida ao arguido, um conjunto de viaturas - um trator da marca Renault de matrícula ..-..-OM e um reboque VI-4...2 — a par da transferência de 2.000,00€ - cfr. fls. 24 dos autos - efetuada no ato da transmissão da propriedade do veículo ..-JN-.., ocorrida em ..., a 21/08/2017, conforme factos 9 e 10, dados como provados. 9º Ademais, este Tribunal considerou, de forma literal, os documentos juntos aos autos, especialmente os requerimentos de registo automóvel, datados de 21/09/2017, da Conservatória do Registo Automóvel ..., e de 05/04/2018, da Conservatória do Registo Automóvel ..., o documento supostamente falsificado, inferindo que se tratou de uma compra e venda pelo preenchimento desses requerimentos. 10° Estes meios de prova sustentaram o entendimento deste Tribunal quanto ao preenchimento dos tipos objetivo e subjetivo do crime em questão nos autos, tendo sido desconsiderada a demais prova por, no entender do Juízo Local Criminal ..., não se afigurar verosímil nem credível. 11° O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão que negou provimento ao recuso interposto pelos arguidos, considerou que "(...) os elementos probatórios trazidos pelos recorrentes não têm potencialidade para levar este tribunal de recurso a encontrar na sentença as deficiências que apontam. Com efeito, desprezando a fundamentação do tribunal "a quo" quanto aos factos em referência, os recorrentes apresentam como razão e fundamento da discordância pequenos extractos das declarações do arguido e dos depoimentos de algumas testemunhas, para além da prova pericial. Contudo, como acima ficou dito, após examinar a prova apresentada, não vislumbramos que dela resulte demonstrado qualquer erro do tribunal "a aquo" ao dar como provado a factualidade que asseveram ter sido mal julgada" - cfr. pg. 24 do douto acórdão proferido. 12° E, foi apoiado nessa fundamentação e nos ditames do princípio da livre apreciação da prova, que o tribunal ad quem julgou improcedente o recurso na vertente matéria de facto, considerando-a, por isso, definitivamente fixada. Ora, 13° Acontece que, como já se avançou, em momento posterior ao trânsito à prolação da douta sentença e interposição do referido recurso desta, surgiu um novo meio de prova que, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação dos arguidos, o que constitui fundamento legitimador da revisão da sentença, ao abrigo da alínea d) do n° 1 do art. 449° do CPP. 14° De facto, a tese sustentada pelo arguido desde início, de que o negócio que havia sido celebrado entre si e a ofendida consubstanciava um contrato de aluguer de veículo sem condutor - e que não mereceu acolhimento junto dos tribunais recorridos - é agora passível de ser definitivamente comprovada através de um novo meio de prova: o contrato de aluguer do veículo trator/camião da marca MAN, com a matrícula ..-JN-.., entre a L...., locadora, e a M... Unipessoal, Lda., locatária, celebrado a 25 de julho de 2017, cuja cópia aqui se junta e o original se entregará nesse tribunal. 15° Antes de nos debruçarmos sobre o teor de tal meio de prova, cumpre-nos perscrutar os pressupostos de admissão do recurso com fundamento na alínea d) do n° 1 do art. 449° do CPP. 16°  O fundamento de revisão de sentença em que assenta a alínea d) do n° 1 do art. 449° do CPP importa a cumulação de três pressupostos essenciais: 1) A descoberta de novos factos ou meios de prova; 2) Que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; 3) A revisão não vise unicamente corrigir a medida concreta da sanção aplicada, conforme prescreve o n° 3 do mesmo preceito, limitando o campo de aplicação da norma. 17° No que respeita ao primeiro pressuposto, relativamente à descoberta de novos meios de prova, o contrato ora junto não foi objeto de análise na audiência do julgamento, nem poderia ter sido uma vez que o arguido AA, nesse momento, não o detinha. 18° Apenas posteriormente tal documento foi encontrado, no gabinete do contabilista da sociedade arguida. 19° Neste conspecto, atente-se ao exposto no acórdão do STJ de 10-02-2021 que refere que "é necessário que não só o tribunal como, também, para o arguido, tais factos ou meios de prova fossem ignorados ao tempo do julgamento". Cfr. ainda os Acórdãos do STJ de 11-09-2019 (Proc. n° 355/14.0GBCHV-E.S1), de 16-05-2019 (Proc. n° 147/13.3JELSB-D.S1), de 21-03-2012 (Proc. n° 561/06.0PBMTS-A.S1), de 18-11-2019 (Proc. n° 569/15.5T9GMR-E.S1), de 17-03-2010 (Proc. n° 728/04.6SILSB-A.S1) e de 14-03-2013 (Proc. n° 693/09.3JABRG-A.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. 20° Mais recentemente, esse Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a expressão "novos factos ou meios de prova" deve interpretar-se "no sentido de serem tanto os que eram ignorados pelo tribunal e pelo recorrente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam ali ser apresentados e produzidos, como os que eram do conhecimento do requerente, mas não do tribunal, desde que justifique as razões por que não pode, ou por que entendeu, não os apresentar - cfr. Ac. de 24-06-2021 (Proc. n° 205/10.06TALRS-A.S1) e Ac. de 11-11-2021 (Proc. n° 769/17.3PBAMD-B.S1), in www.dgsi.pt. 21° E o que acontece no caso dos autos, uma vez que estamos perante um documento que, embora não fosse ignorado pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar, dele tendo conhecimento, apenas teve a ele acesso fáctico em data posterior. 22° Efetivamente, este é um documento que se encontrava perdido e que apenas após uma incessante procura por parte do arguido foi possível a ele chegar, razão pela qual só agora foi possível trazê-lo a estes autos. 23° Neste conspecto, importa clarificar que, no decurso do presente processo, a empresa M... Unipessoal, Lda., em que figura como representante legal o arguido, apresentava grandes dificuldades, estando já imobilizada, sem qualquer tipo de atividade, e essa inatividade determinou também uma grande instabilidade naquilo que é a gestão organizacional da empresa. 24° E, embora o arguido tenha empenhado vários esforços no sentido de alcançar este documento, - essencial para comprovar a sua tese -, tendo inclusivamente sido contactados os responsáveis pela contabilidade, só após uma longa investigação nos arquivos foi possível encontrá-lo. 25° Já que no concerne ao segundo pressuposto, também este Tribunal já teceu considerações no Acórdão de 25-01-2007, firmando que "(...) as dúvidas, porque graves, « (...) têm de ser de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido." 26° Examinando esta exigência no vertente caso, também inferimos que esta se encontra cumprida. Veja-se, 27° Da análise da sentença proferida pela 1a instância, e confirmado pelo Tribunal da Relação, resulta que a condenação do arguido assentou no juízo de que o negócio celebrado entre o arguido e a ofendida foi um contrato de compra e venda, cujo requerimento de registo automóvel entendeu ter sido forjado, tendo concluído inexistir um contrato de aluguer da viatura aí em questão: "(.. .) ficou este Tribunal convencido que não celebrado qualquer contrato de aluguer e que a transferência de propriedade não resultou por força do pretenso inadimplemento da alegada locatária "M... Unipessoal, Lda". Primeiro, porque tal esbarra desde logo com o requerimento de registo automóvel apresentado em 21-08-2017 na Conservatória de Registo Automóvel ... (a fls. 30 a 33) onde as partes, de forma livre, voluntária e consciente, ante um oficial de registos, declararam querer celebrar uma compra e venda sem sequer salvaguardar a reserva da propriedade e/ou estabelecer qualquer cláusula penal (...). Depois, porque não faz sentido à luz de qualquer racionalidade económica de um homem médio que se outorgue um contrato de aluguer com uma renda de 1.250,00€, estabelecendo na data do convénio - em finais de 2016 - enquanto contrapartida a entrega de 2 viaturas (reboque Leictrailer e tractor Renault) cujo valor, segundo o ofendido e a Polícia Judiciária ascende a pelo menos 8.000,00€ e ainda mais 2.500,00€ através de dois cheques, não tendo, como se vem dizendo, o arguido, conseguido explicar que negócios e dívidas passadas a seu favor estavam em causa. E mesmo que até se possa admitir que houvesse alguma conta a acertar na sequência do relatado por BB, certo é que, como também se frisou, as viaturas por si entregues não visavam, atento o seu valor venal não menosprezável, nenhum pagamento pretérito" 28° Posto isto, este novo documento, que agora se junta, permite esclarecer que o negócio celebrado entre os arguido e a sociedade ofendida nunca foi uma compra e venda, mas sim um contrato de aluguer, tendo os veículos e a quantia monetária entregues por BB sido feita a título de pagamento de rendas e de contrapartida por outros negócios já anteriormente celebrados e por inadimplementos passados. 29° De facto, deu-se como provado, no ponto 5 do acervo dado da douta sentença proferida, que o arguido e legal representante da ofendida BB conhecem-se há vários anos, tendo ambos já celebrado um com o outro vários negócios, na prossecução da atividade comercial das sociedades das quais são sócios-gerentes, tendo estas objetos sociais semelhantes. 30° Percebe-se que existiram várias transferências de propriedade de veículos automóveis entre essas duas sociedades, ao longo de vários anos, como o legal representante da ofendida BB, e o seu pai FF, admitiram, com problemas e incidentes nos negócios mais recentes, conforme denotou o próprio Tribunal a quo - cfr. pp. 10 da sentença. 31° Foi neste contexto de proximidade relacional que o negócio aqui em questão foi realizado. 32° Assim, e como tudo se tratou de uma locação, BB, na qualidade de legal representante da ofendida, assinou um documento de registo automóvel em branco a título de "garantia" para qualquer incumprimento. 33° Incumprimento esse que logrou vir a acontecer, conforme foi atestado pelo arguido AA. 34° De facto, e uma vez que as prestações mensais acordadas de 1.250,00€ não foram pagas, o arguido AA, munido daquele documento, deslocou-se à Conservatória de Registo Automóvel ..., assim transferindo o registo da propriedade do veículo marca MAN com a matrícula ..-JN-.. para a L... Unipessoal, Lda, tendo ainda ali pedido uma segunda via do certificado de matrícula com vista a contactar as autoridades e fazer apreender a viatura. 35° Note-se que, como bem evidenciou o arguido em sede de audiência de julgamento, apenas transferiu a propriedade para a ofendida para esta poder exercer a sua atividade de acordo com a legalidade, pois as transportadoras carecem de uma autorização a que tem de estar associado um dado veículo. 36° De referir que, tal como se esclareceu em sede de recurso, tal transferência de propriedade foi solicitada pelo legal representante da ofendida BB com vista a cumprir com os requisitos do licenciamento da sua atividade de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, de âmbito nacional ou internacional, mais concretamente o requisito da capacidade financeira, ínsito no artigo 9o do Decreto-Lei n.° 257/2007, de 16 de junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 136/2009, de 5 de Junho, tendo aquele assinado um segundo requerimento de registo automóvel com pleno conhecimento de que este poderia ser acionado se não cumprisse com as suas obrigações contratuais. 36° E embora as suas declarações, corroboradas pelos testemunhos de CC, seu filho, bem como das testemunhas DD e EE, não terem tido merecido qualquer credibilidade aos olhos do tribunal recorrido, convicção essa que, atentos os fundamentos apresentados, não pretendemos que seja apreciada, a verdade é que este documento reclama uma nova decisão porquanto altera a configuração do negócio e dos acontecimentos que serviram de base à condenação do arguido. 37° Por conseguinte, temos novamente, nesta sede, de convocar, com maior segurança, a possibilidade de o requerimento de registo automóvel, apresentado na Conservatória do Registo Automóvel ... em 05/04/2018, ter sido previamente assinado pelo legal representante da ofendida, no campo 8 desse requerimento, adstrito ao comprador/adquirente/requerente/locador. 38° Com efeito, hoje é seguro afirmarmos com convicção que, em face deste novo meio de prova, existe uma evidência, mais do que suficiente, para se inferir que o negócio ocorreu nos termos explicitados pela defesa, ou seja, através do aluguer do veículo ..-JN-.., o que, nessa eventualidade, torna a condenação dos arguidos injusta. 39° Há, de facto, um motivo de tal forma grave que deve prevalecer sobre a certeza e segurança jurídicas em que assenta o caso julgado. 40° Por ser assim, a revisão da sentença recorrida torna-se não só motivada com base naquela alínea d) do n° 1 do art. 449° do CPP, como também imperativa, permitindo reparar o erro judiciário e dar primazia à justiça e ao real apuramento da verdade material dos factos. 41° Analisando o referido contrato de aluguer de veículos sem condutor, a sua 2a cláusula, referente ao início, duração e valor do contrato, determina que "este contrato tem início a 25/07/2017 e termina a 26/07/2018, com uma duração de 365 dias, com um valor mensal de €1.250,00€ (mil duzentos e cinquenta euros)", e a sua 3a cláusula, referente à entrega e devolução do veículo, estipula que "o locatário expressamente declara que recebeu o veículo na data de início do presente contrato, na sede da Locadora, em boas condições de utilização e sem qualquer dano, obrigando-se o locatário a devolver o referido veículo a locadora no mesmo local e nas mesmas condições", confirmando os termos em que o negócio foi celebrado e que, de resto, foram referidos em sede de defesa. 42° O contrato foi assinado, em duplicado, por ambos os outorgantes, tendo cada um dos outorgantes ficado com um exemplar. Tudo visto, 43° Por imperativo constitucional "os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, á revisão da sentença e á indemnização pelos danos sofridos", conforme o artigo 29°, n° 6 da CRP. 44° Daí que, tendo transitado a decisão condenatória venha dele lançar mão os recorrentes de forma a ver já esta prova ponderada uma vez que a mesma atinge de forma letal os fundamentos da sua condenação e demonstra antes o bem fundado da sua contestação. 45° Atentas as graves dúvidas que esta situação lança sobre a justiça da condenação dos recorrentes - face à prova de que houve uma mentira contra si orquestrada - não admitir este recurso seria comprimir de forma insustentável o direito de defesa dos recorrentes e não reparar uma evidente injustiça. Nestes Termos, Deverá o presente recurso ser admitido e realizadas as diligências probatórias sugeridas, seguindo-se os demais termos até final. Autorizada a revisão, e nos termos do art. 457°/2 do CPP, deverá ser suspensa a execução da pena aplicada de prisão a executar em regime de permanência na sua habitação e sujeito à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e de multa aplicada à sociedade arguida. Prova: I -1 Documento. II - Declarações do arguido/recorrente AA; III - Testemunhas, cuja notificação se requer: 1ª - GG, Contabilista Certificado com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ... ..., que, atento o que disse quanto ao seu surgimento do contrato, o recorrente não podia ter indicado na altura do julgamento. 2ª - BB, legal representante da M... Unipessoal Lda., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... ... ... IV - Pericial, à assinatura do legal representante da M... Unipessoal Lda, BB, no contrato de aluguer ora junto aos autos, por se afigurar imprescindível ao apuramento da verdade material dos factos, nos termos do disposto nos artigos 151° do CPP.” O Ministério Público respondeu desenvolvidamente ao recurso, rebatendo pari passu a argumentação dos recorrentes, e concluindo: “É por demais manifesto que não se verificam os fundamentos do recurso de revisão, designadamente a previsão da alínea d) do artigo 449.º do Código de Processo Penal, invocada pelos condenados, ora recorrentes, impondo-se a denegação da revisão, com as demais consequências previstas no artigo 456.º do mesmo diploma legal.” 1.2. A Sra. Juíza prestou a informação a que alude o art. 454.º do CPP, do modo seguinte: “Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, foram condenados: - AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 05-04-2018, de 1 (um) crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelo disposto nos art.s 256.º, n.º 1, alíneas d) e e) ex vi do artigo 255.º, al. a) do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, a executar em regime de permanência na sua habitação, sita à Quinta ..., ..., ... em ..., e sujeito à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância; - a sociedade comercial “L... UNIPESSOAL, LDª”, pela prática, em autoria material e na forma consumada, em 05-04-2018, de 1 (um) crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelo disposto no art. 256.º, n.º 1, alíneas d) e e) ex vi do artigo 255.º, al. a) do Código Penal e por força do disposto no art. 11.º, n.º 2, a. a) e n.º 4 do Código Penal, na pena de 20 dias de multa com um quantitativo diário de 100,00€ (cem euros), o que perfaz o montante global de 2.000,00€ (dois mil euros). Pelos condenados foi interposto recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra, abrangendo matéria de facto e de direito, o qual veio a ser julgado totalmente improcedente por acórdão de 13.12.2022. Vieram agora os condenados interpor recurso (extraordinário) de revisão, invocando a alínea d) do artigo 449.º do Código de Processo Penal e o artigo 29.º/6 da Constituição da República Portuguesa, alegando, em síntese, que surgiu um novo meio de prova – “contrato de aluguer de veículos sem condutor” –, que, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação, referindo, relativamente a esse novo meio de prova, que embora não fosse ignorada a sua existência pelo condenado AA no momento do julgamento, apenas teve acesso fáctico ao documento em momento posterior, pois que só após busca incessante e longa investigação nos arquivos foi possível encontrá-lo. Para além da junção do documento, requer que seja determinada perícia à assinatura do legal representante da M... Unipessoal, Lda., BB, naquele contrato, bem como seja produzida prova declarativa (declarações ao arguido e inquirição das testemunhas GG e BB). O Ministério Publico, em resposta ao recurso de revisão interposto, concluiu pela manifesta falta de fundamento do mesmo - designadamente a previsão da alínea d), do artigo 449.º, do Código de Processo Penal -, com a consequente negação do pedido de revisão. Cumpre dar cumprimento ao disposto no artigo 454°, do Código de Processo Penal. Estabelece o artigo 29º, n.º6, da Constituição da República Portuguesa que "Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, a revisão da sentença e a indemnização ao pelos danos sofridos" (a chamada revisão pro re). O Código de Processo Penal alarga a possibilidade de revisão de sentença a favor da sociedade (pro societate), quando está em causa a própria genuinidade do sistema de justiça. Prevê o n.º1, do artigo 449º, do Código de Processo Penal que: (…) Como já mencionámos, os recorrentes invocaram o fundamento de revisão previsto na alínea d), da transcrita disposição legal (“Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”). Este fundamento de revisão de sentença importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: - a descoberta de novos factos ou elementos de prova; - que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica – assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-03-2018 (Relator Maia Costa, Processo n.º 558/12.1JELSB-I.S1) disponível em www.dgsi.pt. Seguindo de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/4/2012, processo n.º 614/09.3TDLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt: (…) Revertendo para o caso em apreço, entendemos que da alegação feita pelos recorrentes não resulta a descoberta de novos factos ou meios de prova. Desde logo, aquando do julgamento, foi invocada a celebração de um contrato de aluguer – o que, aliás, foi um dos fundamentos do recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra, abrangendo matéria de facto (aí os condenados AA e L... Unipessoal, Lda. defenderam não ter existido qualquer contrato de compra e venda do veículo de matrícula ..-JN-.., celebrado com a sociedade M..., Unipessoal, Lda., mas antes um contrato de aluguer – factos 6, 7, 8, 9 e 10 da matéria dada como provada na sentença). Significa, pois, que esta factualidade (celebração de um contrato de aluguer) foi ponderada pelo Tribunal, como aliás bem resulta da fundamentação, quer da sentença da primeira instância, quer do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. Além disso, no próprio requerimento de interposição de recurso afirma-se que o condenado AA não ignorava a existência do contrato no momento do julgamento – o que significa que o documento que se pretende seja agora considerado não era desconhecido pelo condenado. Tratando-se de um documento já conhecido pelo recorrente, não é dada uma explicação suficiente para a não apresentação aquando do julgamento: para além de ser genérica a justificação (apenas teve acesso fáctico ao documento em momento posterior, pois que se encontrava perdido e só após busca incessante e longa investigação nos arquivos da contabilidade foi possível encontrá-lo), a mesma não se afigura credível ou denuncia, no mínimo, inércia por parte dos condenados. Desde logo, trata-se de um documento datado de 25 de julho de 2017, que aparece vários anos após a sua outorga e o início dos presentes autos, com a participação feita em 20.06.2018 – o que significa que tempo não faltou para procurar o documento até ao encerramento da discussão da causa. Além disso, em momento algum ao longo do julgamento (sendo a acusação de 26.10.2020) os condenados referiram existir um contrato escrito de aluguer, sendo que o normal – a existir – seria que tivessem dado conta que se encontrava perdido e que se encontravam a efetuar diligências no sentido de o juntar aos autos – o que também não fizeram. Não é, pois, compreensível que a invocada “busca incessante” não tivesse sido feita no decurso do julgamento, e aí devidamente reportada – aliás, o local onde o documento foi alegadamente encontrado (no gabinete do contabilista da sociedade arguida) é óbvio, sendo que o normal seria começar por aí a busca. Não se encontra, assim, suficientemente justificado que o documento só agora tenha surgido. Ademais, lida a fundamentação do Juízo de Execução de Viseu, também ali nada se alevantou quanto à existência de tal contrato tendo a estratégia de defesa, num caso e noutro, sido, precisamente, a mesma como se infere das duas fundamentações da matéria de facto assente. Seguindo de perto o Ac. do STJ de 18-09-2018, Proc. n.º 1286/02.1TDPRT-D.S1, 3ª Secção in C.P.P. Comentado, Almedina, 3.ª edição revista, 2021, p. 1450, entendemos que “Se o arguido, por inércia ou negligência, não apresenta certos meios de prova em julgamento, ou se, por calculismo ou qualquer outra razão, opta por ocultá-los, no prosseguimento de uma certa estratégia de defesa, escamoteando-os deliberadamente ao tribunal, não deve obviamente poder valer-se, caso venha a sofrer uma condenação, de um recurso excecional, que se destinaria afinal, nesse caso, a permitir o suprimento de deficiências, a ele exclusivamente imputáveis, da sua defesa em julgamento”. Também não preenche o requisito da novidade previsto no artigo 453.º/2 do Código de Processo Penal, a indicação da testemunha GG, que não foi ouvida no julgamento. Para além de ser notório que os condenados não poderiam ignorar a existência desta pessoa, enquanto contabilista certificado da sociedade condenada, poderiam tê-lo indicado como testemunha – aliás, normal seria que tivesse conhecimento da existência do contrato e da sua localização ou da realização de diligências tendentes a tal –, não tendo invocado qualquer situação de impossibilidade de depor. Não é, pois, legalmente admissível, a indicação desta testemunha. Para além de não se reconhecer novidade na apresentação de factos ou meios de prova, de qualquer forma, os factos e meios de prova apontados pelos recorrentes – onde se inclui o documento agora apresentado - não têm a necessária aptidão para, de per si ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitar “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação. Refira-se que “não se trata de uma qualquer dúvida, tem que ser uma dúvida sólida, séria, consistente e verdadeiramente perturbadora para que se possa afirmar a sua “gravidade”. Trata-se de um grau de convicção mais exigente do que aquele que é exigido na fase de julgamento para levar à absolvição do arguido em audiência se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. Situa-se para além da dúvida ‘razoável’, pois, mais do que razoável, deve ser uma dúvida ‘grave’, pois só essa poderá justificar a revisão do julgado. “[…]. Dir-se-ia que se a condenação surge com a superação da dúvida razoável, o caminho de regresso à discussão da causa exige porventura uma dúvida de maior peso.” Desde logo, resulta da condenação (cfr. fundamentação de facto) que foram várias as circunstâncias apuradas que levaram à conclusão da inexistência do contrato de aluguer, designadamente: i) O depoimento da testemunha BB, que o Tribunal considerou objetivo e espontâneo; ii) As concordantes conclusões da Polícia Judiciária de 25-05-2020 (fls. 137), onde, após as devidas consultas a sites na internet de compra e venda, destacou-se que os valores de mercado da marca MAN e RENAULT rondam os preços atribuídos ao negócio, cerca de 8.000,00€ “e que são coincidentes com os valores de venda e não de um aluguer. A empresa “M..., Lda. terá entregue um trator da marca Renault de matrícula ..-..-OM e um reboque VI-4...2 ao que acrescentou a transferência de 2.000,00€ ao gerente da empresa L..., Lda., tendo recebido deste o trator de marca MAN de matrícula ..-JN-..”; iii) A sentença do Juízo de Execução ... - Juiz ... de 17-01-2020 no processo n.º 2224/19.... - a fls. 129 a 132 e 513 a 521- 13-02-2020 - onde a aqui sociedade arguida deu à execução os cheques melhor referidos no facto provado n.º 7 e onde se provou que o que foi acordado entre a “L... Unipessoal, Lda.” e a “M... Unipessoal Lda.” foi a compra e venda da viatura marca MAN, com a matrícula ..-JN-.. em 21-08-2017 e que nesse mesmo dia a ali executada e aqui ofendida transmitiram para a sociedade arguida a propriedade de dois veículos ..-..-OM e VI-4...2 e a quantia de 2.000,00€ para uma conta titulada pelo arguido AA; iv) O próprio requerimento de registo automóvel apresentado em 21-08-2017 na Conservatória de Registo Automóvel ... (a fls. 30 a 33) onde as partes, e como tal o arguido, de forma livre, voluntária e consciente, ante um oficial de registos, declararam querer celebrar uma compra e venda sem sequer salvaguardar a reserva da propriedade e/ou estabelecer qualquer cláusula penal. opções que surgem no formulário para efeitos de registo expressamente previstas. v) As regras da experiência comum e da racionalidade económica que, no caso vertente, como patente a fls. 15-17 da sentença, enviesam a hipótese de existência de um contrato de aluguer. Assim, mesmo que o documento fosse conhecido aquando do julgamento, sendo esse documento - particular - contrariado pelas declarações do outro outorgante - o legal representante da M..., Lda., testemunha BB -e não se apresentando o mesmo autenticado ou por qualquer modo reconhecido e, finalmente, porque é infirmado pelo teor do documento único automóvel - subscrito ante um oficial de registos - onde foi exarado como negócio uma compra e venda, temos que a condenação sempre se manteria assim quedando o requisito da dúvida grave sobre a sua justiça. Vistas as coisas de uma outra perspetiva, do teor do documento agora junto – contrato de aluguer de veículos sem condutor datado de 25 de julho de 2017 – não se extrai a transferência de propriedade do veículo com matrícula ..-JN-.., por compra da condenada “L..., Unipessoal, Lda.” à “M... Unipessoal Lda.” conforme o condenado AA fez constar do requerimento de registo automóvel de 05/04/2018 que entregou na Conservatória do Registo Automóvel ..., onde também fez constar que havia sido extraviado o certificado de matrícula (requerimento cuja falsificação foi assacada ao condenado AA). A este propósito, refira-se que o Tribunal ficou convencido que a “transferência da propriedade não resultou por força do pretenso inadimplemento da alegada locatária “M... Unipessoal, Lda.” – sendo, pois, indiferente a celebração do alegado contrato de aluguer. Para melhor elucidação deixa-se aqui um excerto da fundamentação de facto a propósito: “Primeiro, porque tal esbarra desde logo com o requerimento de registo automóvel apresentado em 21-08-2017 na Conservatória de Registo Automóvel ... (a fls. 30 a 33) onde as partes, de forma livre, voluntária e consciente, ante um oficial de registos, declararam querer celebrar uma compra e venda sem sequer salvaguardar a reserva da propriedade e/ou estabelecer qualquer cláusula penal, opções que surgem no formulário para efeitos de registo expressamente previstas. Depois, porque não faz sentido à luz de qualquer racionalidade económica de um homem médio que se outorgue um contrato de aluguer com uma renda de 1.250,00€, estabelecendo na data do convénio - em finais de 2016 - enquanto contrapartida a entrega de 2 viaturas (reboque Leictrailer e tractor Renault) cujo valor, segundo o ofendido e a Polícia Judiciária ascende a pelo menos 8.000,00€ e ainda mais 2.500,00€ através de dois cheques, não tendo, como se vem dizendo, o arguido, conseguido explicar que negócios e dívidas passadas a seu favor estavam em causa. E mesmo que até se possa admitir que houvesse alguma conta a acertar na sequência do relatado por BB, certo é que, como também este frisou, as viaturas por si entregues não visavam, atento o seu valor venal não menosprezável, nenhum pagamento pretérito.”. Para além de não se vislumbrar no contrato agora junto qualquer cláusula que fundamente as declarações constantes do requerimento de registo automóvel de 05/04/2018 (cuja falsificação é assacada ao condenado AA), também não se vislumbra que o teor do mesmo vá de encontro à pretensão dos condenados (pontos 29 a 38 do recurso). Pelo que a “aparição” deste documento não nos parece suscitar dúvidas sobre a justiça da condenação. Aliás, dúvidas se suscitam – e são graves -, tendo em conta toda a prova produzida, quanto à celebração, em 25 de julho de 2017, de um contrato de aluguer do veículo. Tal ocorreria meses após o ofendido estar na posse do veículo, pouco tempo antes de ser transferida a propriedade do mesmo – constando, inclusivamente, da cláusula 3.ª que o veículo com a matrícula ..-JN-.. tinha sido entregue naquela data: o que colide com a factualidade dada como provada (cfr. ponto 7). Assim, o texto do documento, conjugado com toda a prova produzida no julgamento, torna incompreensível a celebração deste contrato de aluguer de veículos sem motor, por não se vislumbrar qualquer racionalidade económica. As reservas sérias quanto à celebração do contrato são adensadas pelo surgimento “messiânico” (fórmula expressiva usada pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso) do suporte documental, sem que tenha existido anteriormente, no decurso do julgamento, qualquer referência à sua existência pelos condenados que agora dele lançam mão, invocando uma “incessante busca” que só terão feito depois de encerrada a discussão da causa. Aliás, os próprios condenados parecem reconhecer ser natural a desconfiança quanto à autenticidade do documento ao requerer que seja sujeito a uma perícia à letra. Nem esta perícia, nem a demais prova requerida (audição do condenado AA e do legal representante da ofendida BB, pessoas ouvidas em audiência de discussão e julgamento) se afiguram, à luz do supra exposto – tendo presente tudo o que se disse a propósito do contrato agora junto - indispensáveis à descoberta da verdade. Pelo que, por desnecessidade e/ou inutilidade, entendemos não dever ser produzida (artigo 453.º/1, do Código de Processo Penal) – juízo de indispensabilidade que, nesta sede, é particularmente exigente. Relativamente à a indicação da testemunha GG, que não foi ouvida no julgamento, como já vimos supra, não preenche o requisito da novidade previsto no artigo 453.º/2 do Código de Processo Penal, pelo que não existe fundamento legal para a sua inquirição. Venerandos Juízes Conselheiros: Em conformidade com o supra exposto, não se encontrando preenchido qualquer um dos fundamentos do recurso de revisão, nomeadamente a previsão da alínea d) do artigo 449º, do Código de Processo Penal invocada pelos recorrentes, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, que a revisão requerida não deve ser autorizada. Com vista a melhor elucidar o tribunal superior, instrua-se este translado com as peças processuais indicadas na sentença condenatória, em sede de fundamentação da matéria de facto, bem como com o requerimento de interposição de recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra, respetiva resposta e decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.” No Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu extenso e cuidado parecer, pronunciando-se igualmente no sentido da negação da revisão. Teve lugar a conferência. 2. Fundamentação O recurso de revisão consubstancia na lei ordinária a garantia constitucional assegurada pelo art. 29.º, n.º 6, da CRP. Preceitua a norma constitucional que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”. Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, art. 4.º, refere que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”. O Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, disciplina no art. 449.º os casos (taxativos) em que este recurso extraordinário (respeitante a decisões transitadas em julgado) é admissível. Fá-lo do modo seguinte: “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.” 2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo. 3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. 4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.” Trata-se, assim, de um modo de superação de “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir”, pois “não se pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar” (Pereira Madeira, CPP Comentado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, p. 1609). E constitui jurisprudência pacífica que o recurso de revisão, como meio de reacção processual excepcional, visa reagir contra manifestos e intoleráveis erros judiciários. Será esta evidência de erro que permitirá sacrificar os valores constitucionais da segurança do direito e do caso julgado, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material. A revisão surge como solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter. Assim o tem vindo, há muito, a reiterar o Supremo Tribunal de Justiça, indicando-se a título de exemplo recente o acórdão do STJ de 24.02.2021 (Rel. Nuno Gonçalves), em cujo sumário pode ler-se: “I - O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais, evitando a contradição de decisões. II - Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos (arts. 29.º, n.º 4 e 282.º, n.º 3) e é considerado um subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica. III - As exceções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco. IV - Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica. V - A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois. VI - A novidade dos factos e meios de prova afere-se pelo conhecimento do condenado. Omitindo o dever de contribuir, ativa e lealmente para a sua defesa não pode, depois de condenado por sentença firme, servir-se do recurso extraordinário de revisão para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes. VII - No recurso de revisão com fundamento em novos factos ou meios de prova deve estar em causa, fundamentalmente, a antinomia entre condenação e absolvição. Grave e intoleravelmente injusta é a decisão que condenou o arguido quando deveria ter sido absolvido. VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra:” No presente caso, o recorrente age inequivocamente (e exclusivamente) ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP - “d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Como se disse, e como resulta da lei na interpretação que pacificamente lhe vem sendo dada, no que respeita a este fundamento legal exige-se, por um lado, que haja novos factos ou novos meios de prova e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação. Assim, os factos e/ou as provas têm de ser novos. Novos no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. E quanto à necessidade e consistência desta justificação especial e acrescida – justificação, pelo recorrente, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão – reitera-se que o Supremo tem frisado que o recurso extraordinário de revisão não serve “para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes”. Por outro lado, a dúvida sobre a justiça da condenação tem de ser séria e consistente. Em suma, “o recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, não visa uma revisão do julgado, mas um julgado novo sobre novos elementos de facto” (acórdão do STJ de 19-11-2020, Rel. Francisco Caetano). Do cotejo da argumentação desenvolvida no recurso com o que se deixa dito sobre a natureza e a operância prática do recurso de revisão, na visão consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, resulta que a pretensão do arguido não é de atender. Desde logo, a existência, em concreto, de novas provas  (novas, no sentido que releva para o recurso extraordinário de revisão) que tenham ficado fora da discussão da audiência de julgamento por razões de desconhecimento ou de incapacidade do arguido para as apresentar,  exige sempre uma acrescida e sólida justificação para a invocação tardia. E no presente caso, como a Senhora Juíza elucida na informação que prestou,  e como o Ministério Público pertinentemente notou, tudo sempre em conformidade com os elementos que instruem a certidão, já em julgamento fora mencionada, pelo arguido, a celebração do contrato de aluguer (contrato a que o arguido também aludiu no recurso para a Relação). Assim, não se trata de um facto novo, já que a alegada “celebração de contrato de aluguer” foi discutida em audiência de julgamento. Tal resulta da fundamentação da sentença, também do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e o próprio recorrente refere-o na motivação da presente revisão. De tudo se retira também que o documento que pretende agora ver apreciado não era por si desconhecido ao tempo do julgamento. Tratando-se de um facto pessoal, de um documento relativo a contrato que alegadamente terá celebrado pessoalmente, não ocorre desconhecimento. E não foi apresentada justificação para a ausência de oportuna referência a esse documento, em julgamento. Já que não é justificação para a omissão de referência a alegada circunstância de só agora ter sido tal documento localizado. Como se refere na informação judicial, “trata-se de um documento datado de 25 de julho de 2017, que aparece vários anos após a sua outorga e o início dos presentes autos, com a participação feita em 20.06.2018 – o que significa que tempo não faltou para procurar o documento até ao encerramento da discussão da causa. Além disso, em momento algum ao longo do julgamento (sendo a acusação de 26.10.2020) os condenados referiram existir um contrato escrito de aluguer, sendo que o normal – a existir – seria que tivessem dado conta que se encontrava perdido e que se encontravam a efetuar diligências no sentido de o juntar aos autos – o que também não fizeram.” E é também de acompanhar a Senhora juíza, bem como o Ministério Público, quando refere(m) que também não preenche o requisito da novidade previsto no art. 453.º, n.º 2, do CPP a indicação da testemunha GG, que não foi ouvida no julgamento, ficando igualmente prejudicada a pertinência dos demais meios de prova pretensamente novos. Mais uma vez, os arguidos não podiam ignorar a existência dessa pessoa, contabilista certificado da sociedade condenada. Podiam tê-lo indicado como prova em julgamento, pois, de acordo com a versão que apresentam, normal seria que a testemunha tivesse conhecimento do contrato e da sua localização, não tendo sido invocada qualquer situação de impossibilidade de depor. A apresentação tardia destas provas, necessariamente já conhecidas, fica absolutamente por explicar. E como se diz no acórdão do STJ de 07/10/2009 (rel. Santos Cabral), “Se o requerente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto, ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo lhe é favorável deve informar o Tribunal. Se não o fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o requerente conhecia aqueles factos, ou meios de defesa, e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precluía a mesma invocação.” Em suma, nenhuma das provas alegadamente novas se encontra em condições de satisfazer o primeiro segmento da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP,  razão pela qual falece logo o fundamento invocado para a revisão. E ocorre também uma ausência de novidade de qualquer facto novo, já que as provas respeitam a factualidade  que o arguido já mencionara em julgamento em sua defesa, em versão ali escutada e apreciada, e depois sindicada no recurso ordinário. Mas da análise da sentença resulta também que todos os factos provados se encontram solidamente justificados, o que foi conhecido e amplamente reapreciado no recurso ordinário que os arguidos a seu tempo interpuseram.   Tudo para dizer que as provas agora apresentadas, não trazendo nenhum facto novo, no contexto geral de todas as provas examinadas em julgamento também não se apresentariam com o peso e a consistência que o recorrente lhes pretende ver atribuído. E é este o novo aspecto que cumpre referir, no que respeita ao requisito “grave injustiça da condenação”. Não cumprindo aqui proceder a um reexame de provas como se de (mais) um recurso ordinário se tratasse – a sindicância a esse nível já teve lugar -, não deixa de se lembrar o que a propósito se consignou na informação judicial, mais uma vez em conformidade com a sentença condenatória: “mesmo que o documento fosse conhecido aquando do julgamento, sendo esse documento - particular - contrariado pelas declarações do outro outorgante - o legal representante da M..., Lda., testemunha BB - e não se apresentando o mesmo autenticado ou por qualquer modo reconhecido e, finalmente, porque é infirmado pelo teor do documento único automóvel - subscrito ante um oficial de registos - onde foi exarado como negócio uma compra e venda, temos que a condenação sempre se manteria assim quedando o requisito da dúvida grave sobre a sua justiça. Vistas as coisas de uma outra perspetiva, do teor do documento agora junto – contrato de aluguer de veículos sem condutor datado de 25 de julho de 2017 – não se extrai a transferência de propriedade do veículo com matrícula ..-JN-.., por compra da condenada “L..., Unipessoal, Lda.” à “M... Unipessoal Lda.” conforme o condenado AA fez constar do requerimento de registo automóvel de 05/04/2018 que entregou na Conservatória do Registo Automóvel ..., onde também fez constar que havia sido extraviado o certificado de matrícula (requerimento cuja falsificação foi assacada ao condenado AA). A este propósito, refira-se que o Tribunal ficou convencido que a “transferência da propriedade não resultou por força do pretenso inadimplemento da alegada locatária “M... Unipessoal, Lda.” – sendo, pois, indiferente a celebração do alegado contrato de aluguer. Para melhor elucidação deixa-se aqui um excerto da fundamentação de facto a propósito: “Primeiro, porque tal esbarra desde logo com o requerimento de registo automóvel apresentado em 21-08-2017 na Conservatória de Registo Automóvel ... (a fls. 30 a 33) onde as partes, de forma livre, voluntária e consciente, ante um oficial de registos, declararam querer celebrar uma compra e venda sem sequer salvaguardar a reserva da propriedade e/ou estabelecer qualquer cláusula penal, opções que surgem no formulário para efeitos de registo expressamente previstas. Depois, porque não faz sentido à luz de qualquer racionalidade económica de um homem médio que se outorgue um contrato de aluguer com uma renda de 1.250,00€, estabelecendo na data do convénio - em finais de 2016 - enquanto contrapartida a entrega de 2 viaturas (reboque Leictrailer e tractor Renault) cujo valor, segundo o ofendido e a Polícia Judiciária ascende a pelo menos 8.000,00€ e ainda mais 2.500,00€ através de dois cheques, não tendo, como se vem dizendo, o arguido, conseguido explicar que negócios e dívidas passadas a seu favor estavam em causa. E mesmo que até se possa admitir que houvesse alguma conta a acertar na sequência do relatado por BB, certo é que, como também este frisou, as viaturas por si entregues não visavam, atento o seu valor venal não menosprezável, nenhum pagamento pretérito.” De tudo resulta que, por um lado, inexistem novos factos a ponderar; pelo outro, as provas pretensamente novas, nem de per si, nem quando combinadas com todas as restantes que foram apreciadas no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Apresenta-se, por tudo, infundado o pedido de revisão formulado.   3. Decisão Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Negar a revisão – art. 456.º do CPP; b) Condenar os dois recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC a cada um deles – arts. 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP. Lisboa, 17.05.2023 Ana Barata Brito, relatora Maria do Carmo Silva Dias, adjunta Pedro Branquinho Dias, adjunto Nuno Gonçalves, Presidente da Secção
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041300 Nº Convencional: JTRP00030897 Relator: DIAS CABRAL Descritores: DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO Nº do Documento: RP200102070041300 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VALE CAMBRA Processo no Tribunal Recorrido: 9/96 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CP82 ART119 N1 B ART120 N1 C. CPP87 ART311 ART312. Jurisprudência Nacional: AC STJ IN DR IS-A DE 1997/04/07. Sumário: O despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento, proferido na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crime cometido na previsão do Código Penal de 1982, interrompe e suspende a prescrição do procedimento criminal, devendo entender-se como despacho "equivalente" ao despacho de pronúncia. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041014 Nº Convencional: JTRP00031288 Relator: PINTO MONTEIRO Descritores: PARTE CIVIL LEGITIMIDADE PARA RECORRER Nº do Documento: RP200102070041014 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CR OLIVEIRA AZEMÉIS Processo no Tribunal Recorrido: 175/99 Data Dec. Recorrida: 03/03/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS. Legislação Nacional: CPP98 ART71 ART74 N2 ART403. Sumário: Dependendo a procedência do pedido cível, obrigatoriamente formulado no processo penal, da condenação pela prática de crime, sendo admissível a limitação do recurso à parte que se refere a matéria cível, impondo-se que da procedência se retirem consequências relativamente a toda a decisão, é de reconhecer que a parte civil, que não se constituiu assistente, tem legitimidade para recorrer relativamente a toda decisão. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da comarca de Oliveira de Azeméis, pelo Mº Pº foi deduzida acusação em processo comum singular contra os arguidos Maria... e Fernando..., ambos devidamente identificados nos autos a fls. 50, imputando-lhes a prática de factos integradores de um crime de furto qualificado p.p. nos termos dos arts. 26º, 28º, 29º, 203º e 204º, nº1, al. f) do Código Penal. Pelos ofendidos Alfredo... e Elvira... foi deduzido pedido cível contra os arguidos, com vista à condenação destes numa indemnização a seu favor por alegados danos patrimoniais. Efectuado o julgamento, sem a gravação da prova, por dela terem prescindido o Mº Pº, o mandatário dos requerentes cíveis e a defensora oficiosa nomeada aos arguidos, foi proferida sentença que absolveu os arguidos quer da acusação quer do pedido cível contra eles deduzidos. Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os requerentes cíveis, invocando a sua nulidade, por não se ter pronunciado sobre questões de que devia ter conhecido, e os vícios a que aludem as alíneas do nº2 do art. 410º do C. P. Penal. Concluíram a motivação do seguinte modo: 1 - A douta decisão recorrida deve ser declarada nula e o processo em causa deve ser reenviado para o Tribunal “a quo” para novo julgamento, porquanto, 2 - O tribunal “a quo” não se pronunciou sobre questões de que devia ter conhecido (art. 379/1 c) CPP. E, para além disso, 3 - Existiu erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410/2 C. P.P). Com efeito, 4 - Existe erro notório na apreciação da prova pois na audiência de julgamento foi discutida matéria de facto que, levada em linha de conta, conduziria por si só, ou complementada com outros factos dados como provados, à condenação dos ora recorridos, e que, por não ser tida em consideração, levou à absolvição dos mesmos, nomeadamente a seguinte matéria: a) o livrete e o registo de propriedade dos ciclomotores em causa estão na posse dos ofendidos; b) os ofendidos reclamaram algumas vezes junto dos arguidos a devolução de tais ciclomotores, facto que o Tribunal “a quo” nem sequer referiu na fundamentação da sua douta sentença; c) a arguida Elizabete não possuía licença nem na altura, nem agora, para conduzir ciclomotores; d) pelo menos o ciclomotor 1-...-..-.. está na posse de um terceiro, que não tem qualquer documentação válida e legal para circular com esse veículo; e) o arguido Fernando já tem antecedentes criminais pela prática deste tipo de crime, tendo já sido condenado na pena de prisão; f) os recorridos foram buscar os ciclomotores na companhia de um terceiro, tendo combinado os três o plano de acção na quinta-feira anterior à ocorrência do facto criminoso, e quando lá chegaram os recorrentes não estavam lá; g) a recorrida Elizabete trabalhava no restaurante dos recorrentes (ponto 4) e segundo alegou não recebeu o salário correspondente a dois meses que lá trabalhou. 5 - Logo, e em consequência, a análise destes pontos era fundamental para a decisão do mérito da causa. 6 - Por outro lado, a simples negação, pelos ora recorridos, de que tivessem levado os veículos em causa sem o consentimento e contra a vontade dos ofendidos, só por si não era idónea para criar dúvidas no espírito do julgador, pois era preciso saber porque é que eles negaram e aprofundar esta questão, que foi contraditória e imprecisa nas declarações dos arguidos na audiência de julgamento, mas que o tribunal “a quo” não tomou em linha de conta na fundamentação de facto. 7 - Ao contrário, pelo simples facto de as testemunhas de acusação terem provado o teor da acusação e terem confirmado que não prestaram qualquer consentimento, complementado nomeadamente com os factos constantes das alíneas a), b) e f) e até com as das outras alíneas do nº4 destas conclusões, que não foram tidos em conta, era suficientemente adequado a que a condenação dos ora recorridos se concretizasse, quer pela prática do crime, quer no pedido de indemnização civil requerido. 8 - De acordo com as regras do ónus da prova que, neste caso, não foram respeitadas pelo tribunal “a quo”. 9 - Diz o art. 374/2 “in fine”, do C.P.P. que na sentença deve constar ...a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. 10 - Ora, também aqui, ao não se cumprirem estes requisitos, o tribunal “a quo” proferiu uma decisão nula. 11 - Pelo que, ao ordenarem o reenvio do processo para novo julgamento, V. Exas. farão inteira justiça. Na 1ª instância respondeu o Mº Pº levantando a questão prévia da ilegitimidade dos requerentes cíveis para recorrer, por nunca se terem constituído assistentes no processo, sendo no mesmo sentido o parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação, no que se refere à parte penal. Cumprido o disposto no art. 417º, nº2, do C. P. Penal, responderam os recorrentes pugnando pela sua legitimidade para recorrer. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1 - Em dia não concretamente apurado do mês de Outubro de 1997, mas a um sábado, os arguidos agindo de comum acordo e em conjugação de esforços dirigiram-se à habitação dos ofendidos Elvira... e Alfredo..., ids. a fls. 47 e 3 verso, 2 - penetraram no interior do pátio adjacente à habitação e do seu interior pegaram e levaram consigo os ciclomotores de matrícula 1-...-..-.., Susuki, avaliado em 80.000$00, cujo registo de propriedade havia sido efectuado em 11 de Setembro de 1990 em nome de Elvira... e o de matrícula 1-...-..-.., avaliado em 50.000$00, cujo registo de propriedade se encontrava efectuado em 10 de Setembro de 1993 em nome de Alfredo.... 3 - O veículo ...-..-.. já foi vendido pelos arguidos, por quantia não concretamente apurada, para peças, a um sucateiro de Albergaria-a-Velha, e o ciclomotor 1-...-..-.. foi emprestado pelo arguido Fernando a um colega. 4 - Os ofendidos Alfredo e Elvira conheciam os arguidos porque a arguida, na altura dos factos, trabalhava num restaurante pertença dos ofendidos, fazendo limpezas, e o arguido Fernando tinha igualmente prestado uns serviços no restaurante. 5 - Os ofendidos viram os arguidos com os ciclomotores poucos dias após os arguidos os terem ido buscar e nessa altura não lhos pediram. 6 - Os arguidos negaram que tivessem levado os veículos sem o consentimento e contra a vontade dos ofendidos. 7 - A arguida Maria... não tem antecedentes criminais. 8 - O arguido Fernando tem antecedentes criminais por crime de furto qualificado, tendo sido condenado na pena de 15 meses de prisão por acórdão de 17-04-96 e por factos praticados em 20-09-93. 9 - A arguida Maria... vive com os pais, tem dois filhos menores respectivamente com 1 ano e outro com dois meses, encontrando-se desempregada, não tendo quaisquer rendimentos. 10 - O arguido Fernando é calceteiro, trabalhando seis dias por semana, 7 ou 8 horas por dia, 750$00 por hora. É casado e a esposa é doméstica. Têm um carro do ano de 1974. 11 - Os ofendidos são trabalhadores por conta de outrem e o Alfredo exerce a actividade de operador de máquinas de injecção e a segunda trabalha na linha de montagem, por conta de terceiros. Foram considerados não provados na audiência de julgamento quaisquer outros factos, nomeadamente: a) que tenha sido no momento em que os arguidos foram buscar os ciclomotores referidos em 2 que os fizeram seus; b) que os ciclomotores na altura em que os arguidos os foram buscar ainda fosse propriedade dos ofendidos; c) que os arguidos ao penetrarem no interior do pátio adjacente dos ofendidos o tenham feito sem a autorização destes; d) que o pátio se encontrasse fechado; e) que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente e que soubessem que os ciclomotores lhes não pertenciam e que estavam a cometer acto proibido e punido por lei; f) que os arguidos ao levarem os ciclomotores e ao fazê-los seus tenham agido contra a vontade dos ofendidos e sem o seu consentimento e se tenha apoderado dos mesmos sem o consentimento e contra a vontade dos ofendidos; g) que devido à conduta dos arguidos os ofendidos se tenham visto privados do único meio de transporte que tinham para o seu emprego; h) que tivessem de modificar toda a sua organização familiar a fim de poderem chegar atempadamente aos seus locais de trabalho; i) que no momento da introdução na sua casa, no facto de os arguidos terem levado os ciclomotores os requerentes tenham temido pela segurança da sua casa bem como do seu património; j) que o património dos ofendidos tenha ficado empobrecido no valor correspondente ao das motorizadas. Porque não se procedeu à gravação da prova, nos termos dos arts. 364º e 428º, ambos do C. P. Penal, o recurso é restrito à matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3 do mesmo código. São duas as questões a decidir no presente recurso, a saber: a questão prévia da ilegitimidade dos recorrentes para impugnar a parte penal da sentença, suscitada pelo Mº Pº, e a consequente manifesta improcedência do recurso quanto à parte cível da decisão, improcedência essa resultante também do facto de o recurso ser restrito à matéria de direito, questões que vamos analisar pela ordem indicada. A) Questão prévia da ilegitimidade dos recorrentes quanto à parte penal da sentença É ponto assente que os recorrentes são partes civis no processo, que a sentença recorrida, na parte referente ao pedido cível, ao julgá-lo improcedente, foi contra eles proferida, que não se constituíram assistentes nos autos e que interpuseram recurso da sentença na sua globalidade (quer quanto à parte penal, quer quanto à parte cível), porquanto na motivação, na parte intitulada “objecto do recurso” referem “Douta sentença de fls...., que absolveu os arguidos ... da prática, em co-autoria material, de um crime de furto qualificado perpetrado contra os ora recorrentes...”, não fazendo qualquer distinção entre a parte penal e à parte cível e requerendo apenas o reenvio do processo para novo julgamento. Nos termos do art. 401º, nº1, als. b) e c) do C. P. Penal, têm legitimidade para recorrer, respectivamente, o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas, e as partes civis, na parte das decisões contra cada um proferidas. Não se tendo os recorrentes constituído assistentes, apenas têm legitimidade para recorrer da sentença na parte referente ao pedido cível, não lhes assistindo razão quando referem, na resposta ao parecer do Mº Pº, que, a entender-se que a al. c) do art. 401º do C. P. Penal não lhes confere legitimidade para o presente recurso, sempre a mesma lhes adviria por força do disposto na al. d) da mesma disposição legal, uma vez que esta é residual, aplicando-se a outros casos não expressamente previstos, como por exemplo a quem for condenado em taxa de justiça ou custas ou veja um seu objecto declarado perdido a favor do Estado, não sendo parte no processo. No caso sub judice, tal como os recorrentes põem a questão, não é muito fácil dissociar a parte penal da parte cível. É que, atento o princípio da adesão estabelecido no art. 71º do C. P. Penal, os recorrentes tinham de deduzir o pedido cível no processo penal, como o fizeram, e a procedência do pedido cível depende da procedência da acusação e da consequente condenação dos arguidos pela prática do crime por que foram acusados, a menos que se verifique uma daquelas situações em que há lugar à condenação no pedido cível sem que haja condenação pela prática de qualquer crime, o que não é o caso. O nº2 do art. 74º do C. P. Penal estatui que a intervenção processual do lesado se restringe à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes. Para poderem sustentar o pedido de indemnização civil, no caso sub judice, os recorrentes têm necessariamente de sustentar a acusação. Deste modo, o recurso tem também necessariamente de incidir sobre a parte penal, uma vez que, ao fim e ao cabo, a matéria de facto, em parte, é a mesma. Nos termos do art. 403º do C. P. Penal, é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas, considerando-se nomeadamente autónoma a parte da decisão que se referir a matéria penal relativamente àquela que se referir a matéria cível. No caso ora em análise não é possível apreciar separadamente a parte da decisão de que os recorrentes têm legitimidade para recorrer daquela de que carecem de legitimidade para o fazer. De notar que, nos termos do nº3 da mesma disposição legal, a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. Deste modo, tem de ser julgada improcedente a questão prévia da ilegitimidade dos recorrentes suscitada pelo Mº Pº. B) Improcedência do recurso quanto à parte cível Como já acima foi referido, o recurso é restrito à matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410º, nºs 2 e 3, do C. P. Penal. Os recorrentes invocam a existência, nas sentença recorrida, dos vícios a que alude o nº2 daquela disposição legal, ou seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, bem como a nulidade a que alude o art. 379º, nº1, al. c) do mesmo código. No entanto, ao longo de toda a motivação e, nomeadamente, nas conclusões, o que acabam por fazer é pôr em causa a forma como o senhor juiz do tribunal recorrido apreciou a prova produzida em audiência. Na verdade, referem que na audiência de julgamento foi discutida matéria de facto que, levada em linha de conta, conduziria, por si só ou complementada com outros factos dados como provados, à condenação dos arguidos, fazendo um apanhado de prova produzida em audiência, a qual, segundo o seu entendimento, conduziria a uma decisão diversa, pondo assim em causa o princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127º do C. P. Penal. Ora, nos termos do nº2 do art. 410º daquele código, os vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Os recorrentes não apontam quaisquer vícios, nos termos em que eles têm de ser entendidos segundo aquela disposição legal, nem os mesmos resultam do texto da decisão recorrida. Não lhes assiste razão, também, quanto à invocada nulidade resultante do não cumprimento do disposto no nº2 do art. 374º do C. P. Penal. Com efeito, na motivação da decisão de facto da sentença recorrida é feita uma análise minuciosa de toda a prova produzida em audiência, de tal forma que, embora não se tenha procedido à sua gravação, se fica com uma ideia do que cada pessoa ouvida declarou, sendo aí feita também uma análise crítica da prova. Sendo, como é, definitiva a parte da sentença que decidiu que os arguidos não cometeram qualquer ilícito penal, é manifesto que o recurso, no que diz respeito ao pedido cível propriamente dito, tem necessariamente de improceder. Nesta conformidade, julga-se improcedente a questão prévia da ilegitimidade suscitada pelo Mº Pº e nega-se provimento ao recurso. Condena-se cada um dos recorrentes na taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) Ucs. Honorários à defensora oficiosa: 14.000$00. Porto, 7 de Fevereiro de 2001 David Pinto Monteiro Agostinho Tavares de Freitas Maria da Conceição Simão Gomes José Casimiro da Fonseca Guimarães
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010362 Nº Convencional: JTRP00031364 Relator: MATOS MANSO Descritores: INQUÉRITO ARQUIVAMENTO DOS AUTOS DISPENSA DE PENA JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL ABERTURA DE INSTRUÇÃO ADMISSIBILIDADE OFENDIDO ASSISTENTE LEGITIMIDADE LEGITIMIDADE PARA RECORRER INTERESSE EM AGIR DOCUMENTO FOTOCÓPIA DESENTRANHAMENTO Nº do Documento: RP200102070010362 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VIANA CASTELO Data Dec. Recorrida: 07/01/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART68 N1 A ART187 N1 B ART280 N1 N3 ART401 N1. Sumário: I - Não pode reagir-se contra a decisão de arquivamento do processo tomada pelo Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução nos termos do n.1 do artigo 280 do Código de Processo Penal, mediante requerimento de abertura de instrução. O ofendido terá, porém, legitimidade para impugnar essa decisão, constituindo-se assistente, se entender não se mostrarem verificados os pressupostos de facto ou de direito subsumíveis à previsão daquele preceito. II - Quando pede a sua intervenção como assistente com o fim de requerer a abertura da instrução para reagir contra aquela decisão de arquivamento, o ofendido não tem interesse em agir já que a abertura da instrução não é meio idóneo para aquele fim, ou seja, a constituição como assistente secundaria em acto inútil por a abertura da instrução não ser admissível. III - Porém, o ofendido tem legitimidade e interesse em agir quando requer a sua constituição como assistente para recorrer de uma decisão que lhe é desfavorável. IV - Apesar de ter sido desentranhado o original do requerimento, mas tendo ficado no processo, em seu lugar, fotocópia do mesmo, o juiz pode conhecer do requerido mediante exame dessa fotocópia. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011404 Nº Convencional: JTRP00031269 Relator: MARQUES PEREIRA Descritores: RECURSO MATÉRIA DE FACTO REGISTO DA PROVA TRANSCRIÇÃO Nº do Documento: RP200102070011404 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ESPOSENDE 1J Processo no Tribunal Recorrido: 189-A/98 Data Dec. Recorrida: 10/11/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS. Legislação Nacional: CPP98 ART412 N3 N4. CPC95 ART690-A. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 2000/01/26 IN CJSTJ T1 ANOVIII PAG194. AC RL DE 1999/08/31 IN CJ T4 ANOXXIV PAG145. Sumário: É aplicável em processo penal, com vista à integração de lacuna quanto à transcrição da prova gravada em fita magnética, quando se pretenda recorrer da matéria de facto, o disposto no artigo 690-A do Código de Processo Civil. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041277 Nº Convencional: JTRP00030152 Relator: CIPRIANO SILVA Descritores: DESPACHANTE OFICIAL EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO INDEMNIZAÇÃO TRIBUNAL DO TRABALHO COMPETÊNCIA Nº do Documento: RP200102070041277 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 70/00-3S Data Dec. Recorrida: 09/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: L 25/93 DE 1993/02/05 ART9. Sumário: É competente o tribunal do trabalho para conhecer do pedido de parte da indemnização pela cessação do contrato de trabalho dos trabalhadores aduaneiros (despachantes oficiais) a cargo da Segurança Social (CRSS). Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041072 Nº Convencional: JTRP00031356 Relator: NEVES MAGALHÃES Descritores: ACUSAÇÃO ARGUIDO FALTA DE NOTIFICAÇÃO TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO ABERTURA DE INSTRUÇÃO EXTEMPORANEIDADE REJEIÇÃO Nº do Documento: RP200102070041072 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V VERDE 1J Processo no Tribunal Recorrido: 11-B/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART196 ART283 N5 ART287 N1 ART336 N3. Sumário: Não tendo sido possível notificar o arguido da acusação - por não ter sido contactado - e prosseguindo o processo nos termos do artigo 283 n.5 do Código de Processo Penal, sendo recebida a acusação e ordenado o reforço da medida de coacção antes aplicada (termo de identidade e residência, por ele prestado), despacho de que o arguido veio a ser notificado, é extemporâneo o seu requerimento de abertura de instrução apresentado posteriormente à prolação desse despacho, pois a faculdade prevista no artigo 336 n.3 daquele Código, é privativa da caducidade da declaração de contumácia e o arguido não fora declarado contumaz. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040929 Nº Convencional: JTRP00031289 Relator: AGOSTINHO FREITAS Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL REQUERIMENTO REJEIÇÃO IRREGULARIDADE Nº do Documento: RP200102070040929 Data do Acordão: 07/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR VIANA CASTELO Processo no Tribunal Recorrido: 192/99 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART123 N2 ART287 N2 N3. Sumário: A falta de delimitação do objecto no requerimento de instrução não pode enquadrar-se nas causas de rejeição do mesmo requerimento, (taxativamente enumeradas no n.3 do artigo 287 do Código de Processo Penal) designadamente na figura da "inadmissibilidade legal" pelo que não pode, por tal motivo, ser indeferido devendo antes aplicar-se o regime das irregularidades, dando-se a oportunidade ao requerente de suprir o vício detectado. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No processo de INQUÉRITO N.º ......, que correu termos nos SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Judicial da Comarca de ............, para investigação dos factos com relevância criminal participados por AD.............. e D............, na qualidade de membros da assembleia de freguesia de F........... contra AR.............., presidente da junta de referida freguesia, todos devidamente identificado nos autos, o Digno magistrado do Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do CPP . Notificados os participantes, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 277.º, n.º 3, e 68.º, n.º 1, al. e) do CPP, AD....................veio requerer a sua constituição como assistente e também a abertura de instrução, dando origem ao PROCESSO N.º ....... do ....º JUÍZO CRIMINAL da Comarca de .......... . O M.mo Juiz de Instrução Criminal deferiu o pedido de constituição como assistente mas rejeitou o requerimento para abertura de instrução, ao abrigo do artigo 287.º, n.º 3 e n.º 2, do CPP, por considerar que o requerimento do assistente não contém os requisitos de uma acusação, ou seja, a delimitação do campo factual e jurídico, sendo a instrução inexequível, por inexistir objecto instrutório. Inconformado com o despacho na parte em que rejeitou o requerimento para abertura de instrução, dele interpôs recurso o assistente AD.................... que, da respectiva motivação, extrai as seguintes conclusões: 1.ª O requerimento do assistente de abertura de instrução indica factos que possibilitam a realização da mesma. 2.ª O Ex.mo Juiz poderia incluir na pronúncia factos dos autos, desde que não houvesse alteração substancial. 3.ª Peculato, abuso de poder e favorecimento pessoal são tipos legais de crime, imputados ao arguido. 4.ª Se assim não se entender, a nulidade prevista no artigo 283.º do Código Processo Penal não é uma nulidade insanável. 5.ª Podendo sempre o Ex.mo Juiz notificar o assistente para completar o requerimento, sob pena de não se proceder a instrução. 6.ª Ao indeferir o requerimento de abertura de instrução, violou o despacho os artigos 286.º e 287.º do Código Processo Penal. Termina pedindo que, na procedência o recurso, se revogue o despacho recorrido e seja admitido o requerimento de abertura de instrução. Respondeu o recorrido AR.................... defendendo a manutenção do despacho recorrido por inexistência de objecto instrutório, falta de imputação de um qualquer crime ao arguido e inadmissibilidade legal da instrução por falta dos requisitos das als. b) e c) do n.º 3, do artigo 283.º do CPP, devendo ser negado provimento ao recurso. A Ex.ma magistrada do Ministério Público também contra-alegou, parecendo-lhe não existir a irregularidade, cominada de nulidade, apontada pelo M.mo Juiz de Instrução Criminal mas, a não se atender assim, não seria motivo para indeferir o requerimento face ao disposto no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, não sendo de excluir um convite ao assistente no sentido de completar o seu requerimento de abertura de instrução. O M.mo Juiz sustentou o despacho recorrido, referindo-se à estrutura acusatória do processo penal, ao princípio da vinculação temática, voltando a afirmar, que para além da discordância e da indicação dos actos de prova, o assistente, no requerimento de abertura de instrução tem de descrever e delimitar os factos sobre os quais a instrução há-de versar, sob pena de a mesma ser inexequível, por carecer de objecto. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto exarou douto parecer no sentido do não provimento do recurso, devendo manter-se e confirmar-se o douto despacho recorrido. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrido Ar.................. em relação ao douto parecer emitido pelo Ex.mo PGA veio manifestar apenas a sua discordância quanto à possibilidade de o recorrente poder formular novo requerimento ao abrigo do disposto no artigo 476.º do C. P. Civ., subsidiariamente aplicável por força do artigo 4.º do CPP . Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir . Vejamos, antes de mais, o teor do requerimento de abertura de instrução formulado pelo recorrente: «AD............................, (-....) vem nos termos do artigo 287.º do CPP requerer a abertura de instrução nos termos e fundamentos que se seguem: 1- O Senhor Procurador-Adjunto relativamente a factos pelo ora requerente denunciados e após inquérito determinou o arquivamento dos autos conforme consta do processo. 2 - O ora requerente discorda das razões de facto e de direito aí apresentadas e daí a abertura da presente instrução. 3- Desde logo, e uma vez que na fase de inquérito, bastam indícios da prática de crime, em relação aos pontos A, E, C, F e G, deveria ter sido Ar................. acusado. 4 - Como é de Lei, o ora requerente limitar-se-á a mencionar os pontos para os quais tem provas e novos elementos. Ponto A, do douto despacho: 5 - Decorre do depoimento de H......., do próprio Ar...................... e das testemunhas ai indicadas que o referido H....... prestou serviços para empresa Frei................ de distribuição de mercadorias e de canalizador, em dia úteis e enquanto era funcionário da Junta de Freguesia. 6- O arguido admitiu que a sua filha pudesse ter encarregue ao Sábado, o H........ de acabar um serviço. 7- Ora, tal nunca poderia ter acontecido porque o H........ não tem carta de condução e como tal só o poderia fazer acompanhado de um motorista e nos dias úteis. Ponto F do douto despacho: 8- Do depoimento de Maria Alice ........... decorre que a planta corresponde mais ou menos à realidade e não à realidade. 9- O objectivo da planta não era, desde logo, alterar a área do terreno da sobrinha Maria ..............., mas sim incluir a existência da confrontação a Norte com Caminho Público conforme consta da própria planta e do documento de fls. 22, possibilitando, assim, a continuação de um caminho que, esse sim, existia a nascente, mas que acabava junto a uma cancela. 10- Sendo que quem confronta a Norte é o terreno de André D............., com o artigo rústico n.° ......º, tendo inclusivamente o Ar................ aposto a sua assinatura, enquanto Presidente da Junta, quando do Norte e Poente deveria ter sido o referido André a assinar (cfr. planta junta aos autos). 11- Tal afigurava-se com interesse, porque pretendia o arguido valorizar os terrenos, para além do caminho público e que estavam à venda, garantindo-lhes um bom acesso. 12- Tendo, conforme referiu Ar................, sido um empreiteiro que até fez a planta. 13- E também, tomar partido sobre a contenda que opunha André G................. e o seu vizinho, sobre a existência ou não de um direito de passagem no fundo do terreno do primeiro. 14- Fazendo circular na freguesia como decorre do documento junto a fls 22, que existiam documentos que justificavam a existência do caminho e criando a confusão entre as partes envolvidas. 15- O referido André D.................. é o proprietário de um dos terrenos da planta e é um dos prejudicados com a situação. Ponto G do douto Despacho: 16- Desde logo, nunca foi omitido, no sentido de ocultar tal facto, o alargamento do caminho, pelo ora requerente. O que se contesta é o mesmo não ter sido comunicado à Assembleia de Freguesia, e autorizado, como é costume em todos os casos de alargamento. 17- Não se contesta que seja costume, tendo como pressuposto o dito no artigo anterior que quando se cede terreno, para o efeito, se reconstrói o muro com os materiais e o pessoal da Junta. 18- Quando se refere a não necessidade, não é de autorização da Assembleia de Freguesia porque essa é sempre necessária, mas sim que não havia necessidade de concretamente alargar aquele caminho, uma vez que, para além de, largo por natureza, havia sido alargado há pouco tempo. 19- E, é por causa disto que se estabelece a autorização da Assembleia de Freguesia, para evitar que alguém que tenha muros parcialmente destruídos, se ofereça para ceder um bocado de terreno e assim, reconstruir o muro a expensas da Junta. 20- Há seguramente em todo o ........................, pelo menos 50 pessoas que gostariam de poder ceder terreno em troca da reconstrução do muro. 21- No caso em concreto, o alargamento do caminho decorre de, objectivamente, o caminho ter ficado efectivamente mais largo. 22- Mas não do interesse público e utilidade em ter ficado mais largo. 23- Ou seja não há qualquer justificação para o alargamento do caminho público. 24- Resulta, assim, que Ar.................. praticou actos de abuso de poder, peculato e favorecimento pessoal. 25- Pelo que se impõe que o mesmo seja pronunciado. TERMOS EM QUE, Se requer a V. Exa. Seja proferido despacho de pronúncia de Ar................. . DOS ACTOS DE INSTRUÇÃO: Inquirição de testemunhas: Quanto ao ponto A: (para prova do alegado em 4.º, 5.º e 6.º ) 1- Má..........., divorciada, residente na Rua .................., - Vila ................, 2- Isa................, solteiro, maior, motorista, residente no Lugar ..................., da freguesia de ....................... . Quanto ao ponto F: (para prova do alegado em 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º 1- A.......... E........., casado, residente no Lugar da ....................., ..................., 2- A............. R............., casado, 3- D................., casado, 4- Er................, casado, 5- Maria da Conceição ........, viúva, todos residentes no Lugar ............., ...................., Quanto ao ponto G: (para prova do alegado em 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º ) 1- Jorge ............, casado, residente no Lugar ................, 2- Marcelo ..........., casado, residente no Lugar .............., 3- Joaquim .............., casado, residente no Lugar ............., Todos da freguesia de ............................ . Junta 2 documentos, duplicado e cópia legal.» O que é referido como Pontos A, B, C, D, F, G, mais não é do que o seguinte: A. Há pessoas que viram ... que um trabalhador do quadro da Junta de Freguesia de ................... esteve ao serviço de uma empresa de distribuição de produtos alimentares, que pertencia na altura ao actual presidente da referida Junta de Freguesia, dentro do horário da mesma. B. Dá pareceres à Câmara Municipal de V................, acerca de pedido de licenciamento de obras, de acordo com as pessoas que os pedem, e não de acordo com as regras C. Passa atestados de pobreza a pessoas que se apresentam na freguesia com modos de vida acima da média e a determinadas pessoas que não passam desapercebidas na freguesia como pobres ... não lhes passa o dito atestado D. Admite pessoal para a Junta de Freguesia sem qualquer concurso público F. Há um documento assinado pelo presidente da Junta com pelo menos uma assinatura falsa para favorecimento de uma sua sobrinha. G. Presidente da Junta ... está a efectuar arranjos na sede da Junta, nomeadamente reconstrução do muro da sede para além do muro da Junta está a reconstruir o muro da sua propriedade que é o seguimento do da Junta, com os materiais e operários da mesma. A questão a resolver no âmbito deste recurso consiste em determinar se o requerimento de abertura de instrução acima transcrito, formulado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo Ministério Público, contém, ou não, os requisitos legais a que alude o artigo 287.º do CPP e se, a não dever ser rejeitado, como foi, por falta de requisitos legais, não deveria o assistente ter sido convidado a completar ou aperfeiçoar tal requerimento, como se pretende. Alega o recorrente terem sido violadas as disposições dos artigo 286.º e 287.º do CPP . vejamos o conteúdo destas normas. O artigo 286.º, n.º 1, do CPP estatui que "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Sobre o requerimento para a abertura de instrução, dispõe o n,º 2 do artigo 287.º do CPP que "o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c). Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas". Por sua vez, o n,º 3 do mesmo normativo dispõe que «o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução». O texto do artigo 287.º do CPP sofreu alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, resultando expressamente do seu n.º 2 (por referência às alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo Código), que o assistente deverá indicar no requerimento de abertura de instrução, para além das razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à não acusação do Ministério Público, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar , o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada», bem como «a indicação das disposições legais aplicáveis», (sublinhado nosso) . Como está consagrado no n,º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, "O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório". Esta estrutura do processo penal significa que o seu objecto é fixado pela acusação que delimita a actividade cognitiva e decisória do tribunal, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, protegendo-o contra a alteração ou alargamento do objecto do processo. Também a orientação da Comissão Europeia dos Direitos do Homem é no sentido de que o artigo 6.º, n.º 3, da Convenção impõe que o acusado seja informado de todos os elementos necessários para que possa preparar a sua defesa, isto é, não só os factos materiais que lhe são imputados ( causa da acusação ), mas também a sua qualificação jurídica (natureza da acusação ), o que implica que o acusado seja também informado de toda a alteração da qualificação jurídica ( cf. Germano Marques da Silva, CURSO DE PROCESSO PENAL, I, Editorial Verbo 2000,4.ª ed., nota de rodapé, pág. 367-368). O requerimento para a abertura da instrução, no caso de arquivamento do processo pelo Ministério Público - como é o caso dos autos - é que define e fixa o objecto do processo, estando a actividade do juiz de instrução estritamente limitada, como decorre do disposto nos artigos 303.º, n.º 1 e 309.º, n.º 1, do CPP. Ora, no caso em apreço, analisando o requerimento de abertura de instrução, verifica-se que o assistente (recorrente) discorda do despacho de arquivamento do Ministério Público, nomeadamente "por não ter acusado em relação aos pontos A, B, C, F e G" ( cf. n.º 3 do requerimento ). Poderia ter impugnado tal despacho pela via da reclamação hierárquica nos termos do artigo 278.º do CPP . Optou, porém, pela abertura de instrução, mas limita-se a mencionar "os pontos para os quais tem provas e novos elementos", e não formula uma acusação alternativa ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pois não descreve os factos que podem preencher os elementos objectivos e subjectivos susceptíveis de fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido nem a indicação das disposições legais incriminatórias. Inexiste acusação formal com o respectivo conteúdo fáctico e típico penal. A falta de tais elementos levou a que o M.mo Juiz "a quo", rejeitasse liminarmente o requerimento para a realização da instrução. Na verdade "não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes" ( cf. Ac. R.C. de 24-11-93, Col. Jur. XVIIl-5.061). Como observa Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 1998, pág. 541, "o requerimento para a abertura de instrução, seja do arguido seja do assistente, não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter os elementos indicados, conforme se explicita no n.º 2 do artigo 287.º do CPP ." " A lei não estabelece, porém, qualquer sanção para a omissão destes elementos." "Na realidade, como pondera Souto de Moura, «Inquérito e Instrução», in Jornadas de Direito Processual Penal, 120-121, se o assistente requerer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, fixando o juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados, O mesmo se poderá dizer, mutatis rnutandis, no que concerne a instrução requerida pelo arguido." "Cremos que nestes casos o juiz deverá proceder do seguinte modo: Quanto ao assistente notificá-lo-á para que complete o requerimento com os elementos que omitiu e que não devia ter omitido (art. 287.º, n.º 3) [n.º 2, após a Lei n.º 59/98]. Se o assistente não completar o requerimento, o juiz não procederá à instrução. Quanto ao arguido, procederá do mesmo modo; no entanto o facto de o arguido não completar o requerimento pode não ser caso de o juiz não proceder à instrução, sempre que se deduza que o único intuito do arguido e requerente é contrariar os factos constantes da acusação e tiver indicado os actos de instrução que para o efeito deseja que sejam levados a cabo. Neste último caso o juiz dispõe, apesar de todas as deficiências do requerimento, de um campo delimitado de factos ( os da acusação), que o arguido se propõe contrariar na instrução." A falta de delimitação do objecto que torne exequível a instrução também não poderá enquadrar-se nas causas de rejeição do requerimento de instrução taxativamente enumeradas no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, designadamente na figura da "inadmissibilidade legal". Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 1998, pág. 540, refere que a rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura de instrução, v. g. ilegitimidade do requerente(caso do MP), ou inadmissibilidade legal de instrução (v. g., casos dos crimes particulares e de alguns processos especiais. O sentido da locução "inadmissibilidade legal", com se entendeu no Ac. da R.L. de 12-07-95, C.J. XX, 4.0,140, "só pode ser o da falta de condições de procedibilidade ou de perseguibilidade criminal, caso em que o processo não devia ter sido instaurado ou não podia prosseguir por carência de pressuposto processual. A insuficiência de factos, suas consequências e seus autores não integra o conceito de inadmissibilidade legal a que se refere o n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e por isso a sua reapreciação está vedada ao juiz para justificar a recusa da instrução". Neste aresto também se decidiu que "não podendo o requerimento deficiente ser indeferido, por não se verificar qualquer das causas de rejeição elencadas no n.º 2 [n.º 3, após a Lei n.º 59/98, de 25/08] do artigo 287.º do Código de Processo Penal, deverá o mesmo ser objecto de um despacho de aperfeiçoamento. art. 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.» Parece-nos ser esta a jurisprudência mais seguida, como resulta dos seguintes Acórdãos: da RP de 5-5-93, in Col. Jur. XVIII, 3.º, p. 243; da RC de 17-11-93, in Col. Jur. XVIII, 5.º, p. 59; da RE de 16-12-97, in BMJ 472, p. 585, e da RL de 20-06-2000, in Col. Jur. XXV, 3.º, p. 153 (em sentido oposto, cf. Ac. da RL de 09-02-2000, in Col Jur. XXV, 1.º 154), sendo também essa a posição que seguiremos no caso em apreço. Perfilhamos, ainda, o entendimento de que uma interpretação do artigo 287.º, n.º 2 do CPP que fulmine com a imediata rejeição todo o requerimento de abertura de instrução, deduzido pelo assistente ou pelo arguido, por deficiente cumprimento dos ónus aí estabelecidos, sem que ao requerente seja facultada a oportunidade processual de suprir o vício detectado, não será conforme as normas do artigo 20.º e, antiteticamente, do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Saliente-se, por último, que a instrução, na definição legal prevista no n.º 1 do artigo 286.º do CPP, visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. A sua razão de ser é, fundamentalmente, obter o reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da acusação ou da abstenção, neste caso, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não haja deduzido acusação. Assim, julgamos que por força do preceituado no artigo 287.º, n.º 3 do CPP, estava vedado ao M.mo Juiz rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução por a sua deficiência não se enquadrar em qualquer das hipóteses taxativas de rejeição aí previstas, nomeadamente, na figura da inadmissibilidade legal, devendo aplicar-se o regime das irregularidades previsto no artigo 123.º, n.º 2, do CPP, dando-se a oportunidade ao requerente de suprir o vício detectado. DECISÃO Pelo quanto exposto fica, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido a fim de que o M.mo Juiz "a quo" o substitua por outro em que convide o recorrente/assistente a completar o seu requerimento de abertura de instrução. Sem tributação. Texto elaborado em computador pelo relator que rubrica as restantes folhas. PORTO, 2001-02-07 Agostinho Tavares de Freitas Maria da Conceição Simão Gomes José Inácio Manso Raínho
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S4007 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SOUSA GRANDÃO Descritores: CESSAÇÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO AVISO PRÉVIO Nº do Documento: SJ200802130040074 Data do Acordão: 13/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - A resolução do contrato de trabalho pressupõe a verificação de uma “justa causa” que frusta as legítimas expectativas da parte que a invoca para fundamentar a cessação do contrato de trabalho. II - Ao invés, a denúncia do contrato de trabalho, porque é livre, exige a necessária observância de um aviso prévio legal, diferindo os seus efeitos para o termo do prazo correspondente. III - Deve qualificar-se como denúncia do contrato de trabalho, o acto extintivo do trabalhador que, depois de comunicada pelo empregador a intenção de pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, nos termos do art. 246.º do CT e com a antecedência legal, vem “resolver o contrato com efeitos imediatos”, ainda na vigência da comissão de serviço, pondo fim imediato ao contrato de trabalho pré-existente (e destinado a retomar o seu pleno vigor após a cessação da comissão de serviço), e à própria comissão, que ainda não havia cessado. IV - À referida denúncia aplica-se a regra constante do n.º 2 do art. 247.º do CT, pelo que não assiste ao trabalhador o direito à indemnização prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito legal. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório 1.1 AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a “Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe, com os respectivos juros moratórios, a quantia de € 23.870,61 – a título de indemnização pela cessação do vínculo laboral existente entre as partes e que a Autora resolveu, com efeitos imediatos, na sequência da deliberação da Ré em fazer cessar a comissão de serviço que, ao tempo, também vigorava transitoriamente entre elas – bem como o montante de € 1.570,88 – que a Ré lhe deduziu no acerto de contas, com o fundamento de que a Autora incumprira, aquando da operada cessação, o prazo legal de aviso prévio. A demandada contraria a pretensão da Autora, dizendo, em suma, que esta, ao resolver o vínculo laboral originário sem aguardar pela cessação efectiva da comissão de serviço, perdeu o direito à indemnização reclamada, do mesmo passo que pôs termo, ela própria, a essa comissão, pois não observou o prazo de pré-aviso, cominado legalmente para o efeito. 1.2. Considerando-se habilitado, desde logo, a conhecer “de meritis”, o M.mo Juiz julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido. Para o efeito e em síntese, entendeu que “… a carta rescisória da Autora não integra a faculdade de resolução do contrato de trabalho prevista no artigo 247º n.º 1 alínea B) do C.T., mas uma situação de denúncia unilateral do contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço, prevista no artigo 447º do CT, pelo que a pretensão indemnizatória, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do citado artigo, não pode merecer acolhimento”. A Autora apelou da decisão, fazendo-o com pleno êxito, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença e, na procedência integral da acção, condenou a Ré no pedido. Para tal, coligiu a seguinte fundamentação: - “… a apelante, na sequência e com fundamento na decisão unilateral da apelada de fazer cessar a comissão de serviço, procedeu à resolução do seu contrato de trabalho, nos termos previstos na al. b) do n.º 1 do art.º 247º do CT, e não à denúncia de contrato, assistindo-lhe o direito à indemnização prevista na al. c) do mesmo preceito …”; - “além disso, a apelante não tinha que dar qualquer aviso prévio, uma vez que a resolução ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 247º do CT corresponde a um caso especial de resolução com justa causa, que tem efeitos imediatos, razão pela qual a apelada não tinha o direito de lhe descontar, como descontou, a quantia de € 1.570,88 a título de aviso prévio em falta …”. 1.3. Desta feita, o inconformismo provém da Ré, que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo: 1- a letra da lei, na al. b) do n.º 1 do art. 247º do CT, é omissa acerca dos efeitos imediatos ou mediatos a atribuir à aí prevista resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador; 2- pese embora tal omissão, a lei claramente pretende que essa resolução venha a diferir ou postergar os seus efeitos para quando, efectivamente, venha a ocorrer o fim da comissão de serviço, não sendo, pois, prejudicado o normal decurso da comissão até que ocorra o seu termo; 3- a lei não pretende como, in casu sucedeu, que, sob o pretexto desse direito à resolução do contrato de trabalho, previsto nessa al. b do n.º 1 do art. 247º do CT, o trabalhador faça também cessar de imediato o decurso duma comissão sem aguardar, sequer, pelo termo desta, deixando de cumprir com os seus deveres enquanto prestador de um trabalho em comissão de serviço, da qual, frise-se, defende e deriva em absoluto aquele direito à resolução. Senão e para tanto, repare-se: 4- sendo a epígrafe do art.º 247º “Efeitos da cessação da comissão de serviço”, assim, e desde logo, a letra da lei faz defender o direito à resolução do contrato de trabalho, por parte do trabalhador, (previsto na al. b) desse artigo) dos “Efeitos da cessação da comissão”; acresce que, 5- também a letra da lei, na al. c) do n.º 1 desse art. 247º, aí faz depender o recebimento dessa indemnização por parte do trabalhador “… sempre …” e tão só para o caso da “… extinção da comissão de serviço …” determinar “… a cessação do contrato de trabalho …”, que não, pelo contrário, “… sempre …” que a “… cessação do contrato de trabalho …” determine “… a extinção da comissão de serviço …”; 6- e tanto assim que, por isso mesmo, logo de seguida o legislador, no n.º 2 desse art.º 247º, vem sancionar o trabalhador como não tendo direito a essa indemnização, no caso dele fazer cessar “… o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço …”, o que significa que já não o sancionaria se ele denunciasse o contrato de trabalho para depois do fim da comissão de serviço; 7- por outro lado, a letra da lei, na al. b) do n.º 1 desse art. 247º, não prevê que o trabalhador possa fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho através dessa resolução, como já sucede no direito de resolução também facultado ao trabalhador no art. 441º do CT, aqui se estipulando sim, “ipsis verbis”, que “… pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato …”, 8- sendo, pois, bem significativo que, no caso específico da resolução no âmbito do regime da comissão de serviço, aí se não estipule que a resolução possa ser imediata, tal como já sucede na letra da lei – art. 441º n.º 1 – para todos os demais casos de resolução, independentemente desta ser subjectiva ou objectiva; 9- no caso presente, a comissão de serviço acabou por acto unilateral da A. e não por efeito da “… decisão de empregador que ponha termo à comissão de Serviço …”, conforme o estipulado na al. b) do n.º 1 do art. 247º; 10- sendo inquestionável que não existiu uma qualquer decisão da Ré a pôr termo à comissão em 4/04/06. Existiu, sim, uma decisão da A. em pôr termo à comissão em 4/04/06, tornando automaticamente inútil, e sem efeitos a anterior decisão da Ré; 11- independentemente de se considerar, como é o nosso caso, que essa faculdade de resolver o contrato de trabalho nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 247º é um “tertio genus” em relação aos “normais” dois casos de resolução previstos, respectivamente, nos n.ºs 2 e 3 do art. 447º, certo é que com este não se confunde, tanto assim que a lei ali não refere que constitua “justa causa de resolução”o facto do empregador fazer cessar a comissão como, no entanto, já sucede nos casos do art.º 441º, no qual se prevê que os comportamentos do empregador, aí elencados, constituem “… justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador …”, independentemente dessa justa causa ser subjectiva (n.º 2 do art. 441º) ou objectiva (n.º 3 desse artigo); 12- os “Efeitos” da resolução legal e facultativa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 247º, a ser operada por acto de vontade do trabalhador, só podem ocorrer após já se terem verificado os “Efeitos” da cessação da comissão de serviço, sob pena de violação, por erro de interpretação ou de aplicação do disposto, quer na epígrafe, quer no corpo do n.º 1, quer na al. c) desse n.º 1, quer ainda no n.º 2 do art.º 247º, como fez o Acórdão recorrido; 13- o direito de resolução a ser exercido nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 247º “… porque tem como fundamento a extinção da comissão de serviço, só opera após verificada esta e não na pendência da mesma …”, como decidiu a 1ª instância; 14- quer da letra, quer do ratio da lei, nenhuma razão válida se extrai para que se considere lícito o comportamento de um trabalhador que de imediato ponha fim ao contrato e à comissão que, entretanto, ainda decorra e sem que esta comissão tenha terminado, não cumprindo, pois e em virtude desse seu comportamento, por si também denominado de “resolução” (cfr. teor da Carta da A. de 4/04/06), com os seus deveres de prestador dum trabalho no âmbito duma comissão de serviço, a qual deveria ser pontual e reciprocamente cumprida até ao seu efectivo terminus; 15- considerar-se lícito que o trabalhador pusesse fim imediato ao contrato de trabalho e à comissão, perante o aviso prévio da sua empregadora de que a comissão terminaria dentro de 30, 60 ou mais dias, seria tornar inútil o estipulado, para mais imperativamente, no art.º 246º do CT, no qual se prevê o respeito dum período mínimo para se efectivar a cessação da comissão de serviço; 16- sem prejuízo do exposto, refira-se também que o prazo legal de 30 dias, fixado na al. b) de n.º 1 do art.º 247º para o exercício do direito de resolução, tem como sua razão de ser não se pretender que esse específico direito esteja sujeito, durante um superior ou maior número de dias, à incerteza a que advém da falta da declaração de resolução, não se confundindo, pois, esse prazo com os efeitos ou data de produção dos efeitos dessa resolução; 17- dito de outro modo, a finalidade desse prazo é a de que, findo o mesmo, o respectivo direito à resolução caduca, não se confundindo, assim, com a produção de efeitos da declaração de resolução do contrato de trabalho, feita pelo trabalhador à empregadora; 18- assim, e conforme dispõe a citada alínea, no caso do trabalhador pretender “… resolver o contrato de trabalho ..” por virtude “… da decisão do empregador que punha termo à Comissão de serviço …”, deverá fazê-lo “… nos 30 dias seguintes …” a essa decisão do empregador, sob pena de caducidade desse direito à resolução, e tudo com vista a não se sujeitar a empregadora, durante mais tempo que esse prazo de 30 dias, à incerteza que para ela adviria da falta dessa declaração; 19- imagine-se o que seria permitir-se ao trabalhador que, passados meses ou anos após a cessação da comissão de serviço, ainda pudesse, a qualquer momento, vir a resolver o contrato por motivo dessa anterior cessação, ocorrida, pois, vários meses ou anos antes; 20- a comunicação efectuada pela A., em 4/04/06, não integra a situação prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 247º, não tendo, contudo, deixado de produzir o efeito extintivo do vínculo laboral; 21- na sequência dessa comunicação, a A., a partir de 5/04/06, não mais compareceu nas instalações da R. para aí exercer as suas funções inerentes ao cargo que detinha em regime de comissão de serviço, o qual de Directora dos Serviços de Aprovisionamento do Hospital de Sant’ Ana, na Parede; 22- essa comunicação constitui uma denúncia unilateral do contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço, pelo que não tem a mesma direito, nos termos do art. 247º n.º 2, a receber a indemnização prevista na al. C) do n.º 1 desse artigo; 23- ao denunciar a A. o contrato de trabalho sem ter cumprido o respectivo aviso prévio, a R. tinha direito a receber a indemnização de € 1.570, 88, quantia que lhe foi deduzida nas contas finais e é inferior, inclusive, à retribuição base mensal da A., que era de € 1.659,73, como a mesma admitiu no art. 10º da P.I.; 24- mesmo a admitir-se, por mera hipótese, que a A. teria direito à indemnização prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 247º, nunca seria de considerar, para o cálculo da indemnização, um montante superior ao da sua retribuição base mensal, que era, ultimamente, de € 1.659,73, o que corresponde, atenta a sua antiguidade de 13 anos e 8 meses, a € 22.682,99 e não aos peticionados € 23.870,61, em que erradamente se incluiu o subsídio de refeição. Assim, também o Acórdão nunca poderia ter condenado a R. em quantia superior a € 24.253,87, correspondente à soma daquela quantia com os € 1.570,88 deduzidos. 1.4. A Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. 1.5. No mesmo sentido se pronunciou, sem reacção das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta. 1.6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2- FACTOS As instâncias fixaram pacificamente a seguinte factualidade: 1- a A. celebrou com a R. o acordo que consta do doc. junto a fls. 23, apelidado pelas partes de “Contrato de trabalho a termo certo”, datado de 9/7/92, através do qual foi admitida por esta para, ao serviço e sob a autoridade da mesma, exercer funções de 3º oficial administrativo, no Hospital Ortopédico de Sant’Ana (HOSA), pertencente e gerido por esta, pelo período de 9/7/92 a 31/1/93, com um período experimental de 15 dias, actividade que a A. iniciou, ao serviço e sob a autoridade da R., em 9/7/92; 2- a A. continuou a prestar serviço à R., sem qualquer interrupção, sob as ordens e orientação desta, até 9/1/94; 3- a A. celebrou com a R. o acordo que consta do doc. junto a fls. 24 e 25, apelidado pelas partes de “Contrato de Trabalho Sem termo”, datado de 9/1/94, com início em 9/1/94 e por tempo indeterminado, do qual consta que à A. é atribuída “… a categoria de Assistente Administrativa de Grau I, Escalão 1” – cl.ª 2ª; 4- em 1/1/05, foi celebrado o acordo que consta do doc. junto a fls. 26 a 29, apelidado de “Acordo para prestação de trabalho em regime de comissão de serviço entre Autora e Ré”, de cujo teor consta, entre outras, as seguintes cláusulas: “Cláusula Primeira: A Segunda outorgante aceita desempenhar, em regime de comissão de serviço, o cargo de Directora de Núcleo de Aprovisionamento do Hospital de Sant’Ana (HOSA) na Parede”. “Cláusula Segunda: A Segunda outorgante auferirá mensalmente a quantia total ilíquida de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), correspondente ao Nível 5 da estrutura remuneratória aprovada pela deliberação de Mesa n.º 754/2002, de 23 de Dezembro, e um subsídio de Refeição de montante e condições iguais às dos restantes trabalhadores da S.C.M.L.”. “Cláusula Quarta: 1- A presente comissão de serviço tem início em 1 de Janeiro de 2005, é feita pelo período de dois anos, cessando automaticamente no final do referido período, dependendo a sua eventual renovação de comunicação escrita e efectuada pela Primeira Outorgante com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente à data do seu termo. 2- Qualquer das partes poderá ainda fazer cessar a presente comissão de serviço, mediante comunicação escrita à outra, com antecedência mínima de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, consoante a prestação de trabalho neste regime tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior …”; 5- a partir de 1/1/05, a A. passou a desempenhar, na R., pelo período de 2 anos, o cargo de Directora do Núcleo de Aprovisionamento do Hospital de Sant’Ana (HOSA), na Parede, em regime de comissão de serviço, exercendo, na Ré, antes do início dessa comissão, as funções correspondentes à categoria de Assistente Administrativa, grau I, escalão I, na sequência de contrato de trabalho sem termo celebrado a 9/1/94; 6- o vencimento mensal referido em 4- foi aumentado para € 1.659,73, com início em 1/1/06; 7- o subsídio de refeição da A., a incluir no seu vencimento, foi aumentado, em Janeiro de 2006, para a quantia diária de € 3,95; 8- por deliberação n.º 449/2006, de 23 de Março, a R. decidiu fazer cessar o Acordo de comissão de serviço, mencionando que “… o acordo cessa em 30 de Abril de 2006”; 9- em 27/3/06, a A. foi notificada de que “… ao abrigo da deliberação n.º 449/2006, de 23 de Março (…) e nos termos do n.º 2 da cláusula 4ª do Acordo de Comissão de Serviço que celebrou em 1 de Janeiro de 2005 (…) o acordo cessa no próximo dia 30 de Abril de 2006 …”; 10- a A. entregou à R., que recebeu em 4/4/06, a carta datada da mesma data, que está junta a fls. 31 e de cujo teor consta, entre o mais, que: “… tendo sido notificada da comunicação dessa Misericórdia, vossa referência n.º 000393, datada de 27 de Março de 2006, da cessação unilateral, no próximo dia 30 de Abril de 2006, do acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, o qual foi celebrado com a Misericórdia em 1 de Janeiro de 2005, vem, para os devidos e legais efeitos e nos termos do disposto no Artigo 247º n.º 1, alíneas B) e C) do Código do Trabalho, informar que resolve o contrato de trabalho sem termo celebrado com a Misericórdia em 9 de Janeiro de 1994, com efeitos reportados a 1992, tudo com as devidas e necessárias consequências legalmente previstas na legislação aplicável, nomeadamente a indemnização prevista na referida alínea c). A presente resolução tem efeitos imediatos, nos termos do disposto no artigo 441º do Código do Trabalho …”; 11- por carta datada de 4/4/06, que está junta a fls. 30, a A. deu conhecimento à Administradora do Hospital de Sant’Ana, de que havia entregue à R. a carta referida no ponto anterior, constando da mesma, entre o mais, que: “…para conhecimento(…) anexo à presente um exemplar da carta de resolução do contrato de trabalho que nesta data enderecei ao Ex.mo Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa …”; 12- a partir de 5/4/06 e até à data da apresentação da contestação, a A. não compareceu nas instalações da R., para aí exercer as suas funções, inerentes ao cargo que detinha; 13- a A. sempre foi uma trabalhadora dedicada e o seu desempenho mereceu classificações muito satisfatórias; 14- a A. recebia, à data da resolução do contrato, a retribuição base mensal de € 1.746,63, acrescida da importância diária de € 3,95, a título de subsídio de refeição; 15- a R., em 19/5/06, pagou à A. os montantes correspondentes aos proporcionais de subsídio de férias e de Natal e férias não gozadas, deduzidos da quantia de € 1.570,88, a título de “aviso prévio (vencimento)”; 16- na 1ª declaração/modelo 346, emitida para a A. apresentar com vista à obtenção de subsídio de desemprego, a R. fez constar, quanto à causa de motivo de cessação: “Denúncia do contrato de trabalho por tempo indeterminado na pendência de comissão de serviço – n.º 2, art. 247º do Código do Trabalho”; 17- na sequência da carta da A. de 17/4/06, a R. emitiu nova declaração para aquela apresentar na Segurança Social, fazendo acompanhar, por anexo, a carta com Ref. ............., 21/4/96, com o seguinte teor: “Ex.ma Senhora Na sequência da s/carta de 17 de Abril p.p., junto se remete em anexo a V.ª Ex.ª novo impresso de modelo 346, referente à Declaração da Situação de Desemprego. Esclarece-se, no entanto, que é nosso entendimento que a posição adoptada por V.ª Ex.ª, quanto à decisão de colocar termo, com efeitos imediatos, ao respectivo contrato de trabalho celebrado com a SCML/HOSA, configura uma situação de denúncia unilateral do mesmo na pendência de Comissão de Serviço, com as consequências referidas no n.º 2 do art.º 247º do Código do Trabalho”. São estes os factos. 3- DIREITO 3.1. A questão nuclear, a dirimir na presente acção, consiste em saber se a “denúncia” patronal de uma comissão de serviço, envolvendo uma trabalhadora pré-vinculada à empresa por vínculo laboral de duração indeterminada, confere, ou não, a essa trabalhadora o direito de “resolver o contrato de trabalho com efeitos imediatos” – ainda, pois, na vigência da referida comissão – e de simultaneamente reclamar, nesse contexto, a indemnização prevista no art. 247º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho. Sabemos, pelas razões já sumariadas, que as instâncias divergiram na solução dessa controvérsia: - a 1ª instância considerou que a “resolução” imediata do vínculo laboral, operada pela Autora, configurava uma “denúncia” desse vínculo, a enquadrar na previsão do n.º 2 daquele art.º 247º, não lhe sendo devida, por via disso, a indemnização reclamada; - a Relação, pelo contrário, entendeu que a denúncia patronal da comissão de serviço habilitava a Autora a resolver o contrato de trabalho – com a inerente indemnização – nada obstando a que o fizesse de e com efeitos imediatos, uma vez que a faculdade resolutiva deve ser exercida “… nos 30 dias seguintes à decisão do empregador e não a partir da data do termo da comissão de serviço”. Em função das teses perfilhadas: A- a 1ª instância rejeitou na íntegra a pretensão da Autora, considerando ilegítima a falada indemnização e, a par disso, plenamente justificada a dedução salarial operada pela Ré, visto que a demandante incumpriu o pré-aviso legal de denúncia; - a 2ª instância conferiu inteiro ganho de causa à Autora, atribuindo-lhe a indemnização peticionada e o reembolso da quantia deduzida. Vencida na Relação, a Ré pretende agora ver repristinada a sentença da 1ª instância. Subsidiariamente – e para o caso de assim se não entender – questiona ainda o montante da indemnização fixada, considerando que o seu cálculo incluiu, erradamente, o subsídio de refeição. São estas, pois, as questões colocadas na revista. 3.2.1. A comissão de serviço é uma figura oriunda do direito administrativo, na vertente relativa ao funcionalismo público. Tendo sido inicialmente admitida no direito do trabalho com carácter meramente pontual, por virtude de alguns instrumentos de regulamentação colectiva no âmbito das empresas públicas – art.º 32º do D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril – acabou por ser consagrado no direito laboral privado, com carácter geral, através do D.L. n.º 404/91, de 16 de Outubro. Este diploma adoptou um regime excepcional de recrutamento para o desemprego de cargos que exigem uma relação especial de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador. E explicou, na sua parte preambular, a motivação que lhe subjaz: “… reconhece-se que a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais implica soluções adequados à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige”. Logo de seguida, conclui: “Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa”. Em consonância com essa motivação, o instituto em análise veio romper com alguns princípios basilares do direito laboral, designadamente os que se prendem com a tutela da categoria profissional e com o carácter duradouro do vínculo, para privilegiar a natureza transitória da função, a reversibilidade do respectivo título profissional e a facilidade da sua extinção. Bem se compreende a flexibilização da contratação laboral inerente às “Comissões de Serviço”: é que elas permitem, desde logo, que o empregador ocupe, através de nomeações transitórias, postos de trabalho que exigem uma relação especial de confiança, do mesmo passo que facultam ao trabalhador o exercício de funções a que, de outro modo, dificilmente lograria ascender. 3.2.2. O regime introduzido pelo D.L. n.º 404/91 não difere substancialmente daquele que o veio substituir – e aqui aplicável – enunciado nos arts. 244º a 248º do Código do Trabalho. Aqui, como ali: 1- exige-se a redução a escrito do respectivo acordo, com a necessária identificação dos contraentes, do cargo ou funções a desempenhar – com menção expressa do regime de comissão de serviço, sob pena, na eventual omissão dessa referência, de se entender que o vínculo fica submetido ao regime-regra da contratação laboral – e, bem assim, das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador ou, não estando este já vinculado à entidade empregadora, daquelas que o mesmo irá exercer, se for esse o caso, quando cessar a comissão de serviço – arts. 3º do D.L. n.º 404/91 e 245º do C.T.; 2- consigna-se que qualquer das partes pode fazer cessar, a todo o tempo, a Comissão de Serviço, mediante comunicação à outra, com a antecedência mínima de 30 ou de 60 dias, consoante a prestação de trabalho naquele regime tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior – arts. 4º n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 404/91 e 246º do C.T.; 3- cessando a comissão de serviço: A- faculta-se ao trabalhador interno que retome as funções anteriormente exercidas ou passe a exercer aquelas que correspondam à categoria profissional a que tenha sido entretanto promovido; B- se o trabalhador for externo, é-lhe conferido o direito de passar a exercer a actividade laboral que, sendo caso disso, tiver sido convencionada; C- se a comissão cessar por iniciativa do empregador, pode o trabalhador interno optar pela resolução do contrato de trabalho (falava-se anteriormente em “rescisão”), devendo fazê-lo nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão, assistindo-lhe, neste caso, o direito a uma indemnização, correspondente a um mês de retribuição base auferida no desempenho da dita comissão, por cada ano ou fracção de antiguidade na empresa; D- idêntica indemnização é conferida ao trabalhador externo, para quem a extinção da comissão de serviço determine a cessação simultânea do vínculo laboral ao empregador (cfr., para todas as situações enumeradas, os arts. 4º n.º 3 als. a), b) e c) do D.L. n.º 404/91 e 247º n.º 1 als. a), b) e c) do C.T.N. O regime de pretérito ressalvava que essa indemnização não seria devida se a cessação da comissão resultasse de despedimento justificado do trabalhador – al. c) daquele citado art. 4º n.º 3. O regime actual, para além de contemplar previsão idêntica – art. 247º n.º 3 – consigna ainda que, salvo acordo em contrário, o trabalhador também não terá direito à falada indemnização se denunciar o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço – art. 247º n.º 2. Como decorre da incursão legal que nos propusemos, o regime jurídico da “comissão de serviço” constitui uma verdadeira excepção à regra do despedimento causal, reintroduzindo o “despedimento ad nutum”. 3.2.3. É sabido que a “resolução” e a “denúncia” são conceitos civilistas com um significado preciso, aos quais correspondam regimes substantivos e adjectivos também diferenciados. Conforme refere Pedro Romano Martinez, “… uma das principais novidades do Código do Trabalho, em matéria de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, consistiu na alteração das designações utilizadas para referir as suas modalidades, uma clara aproximação ao direito civil e à respectiva elaboração dogmática: a rescisão com justa causa e com aviso prévio, que vinham da primitiva L.C.C.T. (Dec.-Lei 372-A/75, de 16/06), foram substituídas respectivamente, pela resolução (arts. 441º e ss.) e pela denúncia (arts. 447º e ss.)”. E acrescenta: “A resolução, ao contrário da denúncia, que é livre, é sempre vinculada, pois pressupõe a verificação de um facto superveniente, que frustra as legítimas expectativas da parte que a invoca para fundamentar a cessação do Contrato de trabalho” (in “Código do Trabalho”, 2ª ed., pág. 649). É dizer que a resolução pressupõe a verificação de uma “justa causa” e produz efeitos imediatos, enquanto a denúncia, porque não é motivada, exige a necessária observância de um pré-aviso legal, diferindo os seus efeitos para o termo do prazo correspondente. O aviso prévio, em clara ligação com o princípio da boa fé na execução dos contratos, destina-se a prevenir a parte contrária para a desvinculação iminente, garantindo-lhe um prazo que lhe permita adaptar-se à nova situação. Mas, conforme adverte Monteiro Fernandes, “… o aviso prévio – designação pela qual é também conhecida o prazo de antecipação a observar – é, por outro lado, um período em que a relação de trabalho se mantém de pé, agora como que sujeita a termo resolutivo, permanecendo, por conseguinte, de modo integral, os direitos e obrigações recíprocas das partes. Significa isto, basicamente, que o desenvolvimento das relações contratuais pode, no decorrer de tal lapso de tempo, gerar situações que (porventura) confiram a qualquer das partes justa causa para romper antecipadamente o vínculo” (in “Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 604 – sublinhado nosso). 3.2.4. No caso dos autos, estamos perante uma trabalhadora pré-vinculada à Ré por um contrato de trabalho com duração indeterminada. Ainda que coexistentes, trata-se de dois convénios negociais distintos. Para cada um deles, a lei prevê um único tipo de acto extintivo, não motivado, por banda do trabalhador, sempre subordinado à observância de um prazo de aviso prévio que, aliás, é idêntico nas duas situações: - quanto à comissão de serviço, a sua cessação, nos termos do art.º 246º; - quanto ao contrato de trabalho, a sua denúncia, nos termos dos arts. 447º e segs.. A resolução contratual, por outro lado, deve submeter-se, em qualquer dos contratos e por regra, ao regime geral enunciado nos arts. 441º e segs.: a cessação do vínculo por esta via pressupõe a existência de uma “justa causa” e produz efeitos imediatos. Porém, a lei contempla um caso especial de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, justamente aquele a que se reporta, nos termos já anteriormente descritos, o art. 247º n.º 1 al. b). Esta modalidade de cessação “… assenta numa motivação já valorada pelo legislador, é imediata e confere o direito a uma indemnização, traços característicos da resolução do contrato de trabalho com justa causa”: o trabalhador “… deve observar a forma escrita” (á semelhança do preceituado no art. 442º n.º 1 e, não lhe sendo exigível que descreva os factos motivadores da resolução, impõe-se-lhe contudo, referir “… que a cessação do contrato de trabalho ocorre por consequência da extinção da comissão de serviço por iniciativa do empregador” (Irene Gomes, no seu estudo “A Comissão de Serviço” in “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra, 2004, pags. 337 e 338 e nota 9). Como se vê, o acto extintivo do empregador, dirigido à comissão de serviço, integra, afinal, o facto constitutivo da resolução do contrato de trabalho por banda do trabalhador. Dito de outro modo, a cessação do contrato de trabalho é consequência da extinção da comissão de serviço por iniciativa do empregador. Este regime logo aponta para que a resolução do vínculo laboral, ainda que necessariamente accionada nos 30 dias seguintes àquela decisão do empregador – por isso se diz “imediata” – nunca deva produzir efeitos antes da efectiva cessação da comissão de serviço. De resto, não podemos ignorar que o descrito regime vem, todo ele, contemplado no art. 247º, cuja epígrafe, sintomaticamente, é a seguinte: “Efeitos da cessação da Comissão de Serviço”. Recordemos, por outro lado, que a relação laboral se mantém em pleno vigor durante o prazo do aviso prévio – dado aqui, pelo empregador – subsistindo integralmente no seu decurso, por via disso, os direitos e obrigações assumidos contratualmente pelas partes. É altura de conferir também a “ratio” da indemnização prevista no art. 247º n.º 1 alínea c). Em qualquer das circunstâncias – trabalhador interno ou trabalhador externo sem convénio de continuidade – essa indemnização destina-se a compensá-lo pela perda de emprego em decorrência da cessação da comissão de serviço. No caso de comissão de serviço com garantia de emprego, o legislador tutela a posição do trabalhador que, não querendo regressar às funções correspondentes à categoria profissional de base (do que resultaria uma espécie de “despromoção”), decide desvincular-se definitivamente, conferindo-lhe o direito de resolução do contrato de trabalho com a mencionada indemnização. No caso da comissão de serviço sem garantia de emprego, a indemnização compensa o trabalhador pela perda do seu posto de trabalho, que surge como consequência directa e imediata da cessação da comissão. Por isso, faz todo o sentido que o art. 247º n.º 2 prescreva, ressalvando acordo em contrário, que “o trabalhador que denuncie o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior”. Retornando ao concreto dos autos, parece-nos fora de dúvida que, não obstante a denúncia da Ré, a Autora mantinha-se vinculada a oferecer-lhe a sua prestação laboral até ao final da comissão de serviço. Perante essa denúncia, apenas lhe assistia a faculdade de resolver o contrato de trabalho, nos trinta dias subsequentes à comunicação mas com efeitos reportados no final da dita comissão. Em contrário deste entendimento, sustenta a Autora – com o apoio da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta – que, podendo o empregador denunciar o vínculo com uma antecedência superior à legal, sempre o trabalhador estaria sujeito a prosseguir a sua prestação “… durante largos meses (ou anos) …”, numa situação particularmente penosa, pois que se quebrara já a necessária confiança entre as partes. Mas, em contrário disso, apenas recordaremos que o trabalhador também possui a mesma faculdade de denúncia que, num cenário como o descrito, não deixaria certamente de exercer, antecipando, ela própria, o final da comissão. Deste modo, somos a concluir como segue: O acto extintivo do trabalhador que, depois de comunicada pela empregador a intenção de pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, nos termos do art.º 246º do Código do Trabalho, com a antecedência legal, vem “resolver o contrato de trabalho com efeitos imediatos”, ainda na vigência da comissão de serviço, pondo fim imediato ao contrato de trabalho pré-existente (e destinado a retomar o seu pleno vigor após a cessação da comissão de serviço) e à própria comissão, que ainda não havia cessado, deve qualificar-se como uma denúncia do contrato de trabalho, aplicando-se-lhe a regra constante do art. 247º n.º 2 do mesmo diploma, pelo que não assiste ao trabalhador o direito à indemnização prevista na al. c) do mesmo preceito. Procede, pois, a tese da recorrente quanto à questão em análise. Ademais, configurando-se o comportamento da Autora como uma denúncia sem cumprimento de pré-aviso legal (e convencional), tinha a Ré fundamento bastante para deduzir – como fez – a quantia correspondente a essa omissão. 3.3. Perante a solução dada à questão anterior, fica naturalmente prejudicada a emissão de qualquer pronúncia sobre o quantitativo da questionada indemnização 4- DECISÃO Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão da Relação e repristinando-se integralmente a sentença da 1ª instância.Custas pela Autora.Lisboa , 13 de Fevereiro de 2008 Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021730 Nº Convencional: JTRP00029544 Relator: CÂNDIDO DE LEMOS Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO MODIFICAÇÃO DO CONTRATO ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS REQUISITOS Nº do Documento: RP200102060021730 Data do Acordão: 06/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 4 J CIV MATOSINHOS Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART437. Sumário: O direito à resolução do contrato ou à sua modificação, por alteração anormal das circunstâncias, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: respeitar a alteração a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar; terem essas circunstâncias sofrido uma alteração anormal; envolver a estabilidade do contrato lesão para uma das partes; afectar a manutenção do contrato, gravemente, os princípios da boa fé; não se encontrar a situação abrangida pelos riscos próprios do contrato; e não haver mora do lesado. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021745 Nº Convencional: JTRP00029557 Relator: ARMINDO COSTA Descritores: COMPRA E VENDA COISA DEFEITUOSA REPARAÇÃO DO PREJUÍZO CADUCIDADE ACORDO Nº do Documento: RP200102060021745 Data do Acordão: 06/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J OVAR 3J Processo no Tribunal Recorrido: 638-B/99 Data Dec. Recorrida: 25/11/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART914. Sumário: Quanto à eliminação de defeitos de coisa vendida, não se coloca a questão de caducidade da respectiva obrigação se se provar que houve acordo entre vendedor e comprador pelo qual o primeiro se obrigou a reparar as deficiências e suas causas. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 11.991/04.2TDLSB-B.L2. S1 Nº Convencional: 3ª SECÇÃO Relator: ARMINDO MONTEIRO Descritores: RECURSO PENAL EXECUÇÃO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO CASO JULGADO ABUSO DO DIREITO BOA FÉ VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM Apenso: Data do Acordão: 16/12/2015 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO O RECURSO Área Temática: DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO. DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO. Doutrina: - Almeida Costa, in R.L.J., Ano 129, 61. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2, 161. - Baptista Machado, Obra Dispersa, Braga, 1991, I, 416. - Castanheira Neves, Questão de facto – Questão de direito, 514 e ss.. - Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 130, 135. - Dias Ferreira, Caso Julgado, in R.L.J., 1926, 35. - José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, V, 67; Processo de Execução, vol. 2.°, 28/29. - Manuel de Andrade, Teoria geral das Obrigações, 1966, 63. - Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2001, vol. 2.º, 222; Do Abuso de Direito: estado das questões e perspectivas e Tratado de Direito Civil Português, I, TI , 1999. - Menezes Leitão, Direito das Obrigações –Boa Fé no Direito Civil, 1997, 19 a 23. - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1996. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª ed., 1986, p. 145. - Revista dos Tribunais, Ano 6, n.º 24, ano 98, 27-28. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - 334.º, 847.º, 851.º, 853.º, N.º1, AL. C). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 4.º. CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC), NA REDACÇÃO DO D.L. N.º 303/2007, DE 24-8: - ARTIGOS 668.º, 669.º, 671.º, 672.º, 677.º, 721.º, 721.º-A. LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 6.º, N.º 4. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 9.6.89, BMJ 387-377,E DE 5.12.91, AJ, 15.º /16.º, 2, 7, DE 9.5.96, IN CJ, ACS. DO STJ, 1996, 2, 25. –DE 23.2.78, BMJ 274-191, DE 29.6.76, BMJ 255-280, DE 20.4.94, BMJ 436-300. -DE 5.2.98, BMJ 474-431, DE 25.5.99, CJ, STJ, 2, 116, 28.11.2000, BMJ 501-292, 1.3.2007, P.º 64571, EM WWW.DGSI.PT , E DE 1.7.2004, P.º N.º 04B4671. -DE 5.11.2008, P.º N.º 298/09.9TVPRT.P1.S1, 12.11.2009, P. N.º 688/08.04TPRT.P1.S1, DE 12.11.2009, P.º N.º 1837 /08 .TVLSB.L1.S1, DE 3.12.2009, P.º N.º 239/08.0TMAV.9.S1. - DE 18.11.2010, P.º N.º 643 /08.4TB.PTL.G1, DE 20/1/2011, 22.10.2009, P.º N.º 58/04.TBMSF.P1.S1, DE 9.1.2014, P.º N.º 605/08.1TB.FAF.G1.S1. -DE 11.1.2011, P.º N.º 2226/07.JVNF.P1.S1. -DE 22.6.2011, P.º N.º 444/06.4TASEL, DE 29.19.2010, P.º N.º 343/05.7TAVFN, 30.10.2013, P.º N.º 150/06.OTACDR.P1.S1, DE 30.4.2014, P.º N.º 168/11.OGBSVV.C1.S1, DE 10.4.2014, P.º N.º 378/08JFAR.E3. S1, DE 6.3.2014, P.º N.º 89/01.5 IDLSB.L1.S1 E DE 21.10.2014, P.º N.º 1857/ 06 7 JVNF.P1.A.S1. -DE 11.12.2012, P.º N.º 116/07.2TBM.CN.P1.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 535 /2001, DE 5.12.2001 E N.º 98/2002 , DE 27.2.2002, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT . -*- JURISPRUDÊNCIA DAS RELAÇÕES: -AC. RC, DE 10.12.85, BMJ 352, 436. -ACS. RC, DE 8.5.2007, P.º N.º 375 B/2002.C1, E DO PORTO, DE 14.2.2008, CJ, 2007, T-I, V, 2002. -AC. RL, DE 21.12.2000, P.º N.º 5851/2000. -AC. RL, DE 24.3.2009, P.º N.º 67/03.OTBOTR.B-C. -AC. RC DE 21.4.2015, P.º N.º 556/08 .TBRMS –A.C1. Sumário : I - Num circunstancialismo de conflitualidade dispersa por vários processo, de incompatibilização conjugal, culminando com o divórcio, é ilegítimo concluir que, alguém de boa fé, o homem médio, dotado de normal inteligência, mesmo sem formação jurídica, ao contrário da executada, confie e alimente consistente expectativa de que o exequente, pelo seu (inexistente) comportamento, renunciou ao direito a recuperar a quantia exequenda perdoando-lhe a quantia em que foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança, como que numa “datio pro solvendo”. II - Dos fundamentos decisórios, não se pode extrair, com a mínima segurança, que o exequente se haja desfeito de tal soma a favor, provisória ou definitivamente da executada, e muito menos que nas decisões proferidas os tribunais chamado a decidir hajam sentenciado com tal preciso e claro alcance. A executada tinha em seu poder o dinheiro e como tal dele podia dispor até que fosse convencida da não liceidade da sua posse e o restituísse ou fosse coercivamente forçada a largar mão de equivalente. III - O exequente não ofendeu o caso julgado e a sua conduta, ao executar a ex-cônjuge, não ofende a boa fé, os bons costumes, ou os fins para que é atribuído o direito, mantendo-se numa linha de conformidade ao mesmo, não exercitado de forma escandalosa, não repugnado ao sentimento jurídico reinante, à consciência jurídica, não se verificando pois qualquer manifestação abusiva de direito ou de venire contra factum proprium. Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : AA participou,   em  5.11.2004 , criminalmente ,  contra BB , sendo esta , em sequência ,  condenada no processo  crime n.º 11.991/042TDLSB, que correu seus termos pela ... Sec., do .... Juízo ... de Lisboa , por decisão já  transitada , pela prática , em autoria material ,  de um crime de abuso de confiança ,    na pena de multa de 360 dias à taxa diária de 9 € , bem como ao pagamento da indemnização ao queixoso,  da importância de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso. I .Em 19 de Novembro de 2004, AA ,  intentou acção de divórcio litigioso  contra   a aqui opoente BB , o qual foi decretado com fundamento na violação dos deveres conjugais de respeito por parte da cônjuge mulher  e  dos deveres de fidelidade, coabitação, respeito e cooperação por parte daquele ,  declarado como principal culpado pela dissolução do casamento, tendo a decisão transitada  em julgado em 05 de Janeiro de 2009 . Mais foi decidido arbitrar em tal  sentença ,  à aqui executada, ex-cônjuge mulher , BB ,  a quantia de € 5.000,00  a título de indemnização por danos morais, fundados na dissolução do casamento . A ex-cônjuge e  condenada  no supracitado processo crime , não pagou  a indemnização  ali  fixada  , de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso, movendo-lhe o ex-marido a presente   execução  para cobrança coerciva ,  à  qual  aquela deduziu oposição ,   alegando , no essencial ,  que : II . A matéria provada referente à quantia com que a aqui executada se locupletou é a que consta de factos PP), QQ) e RR) da referida Sentença de divórcio, os quais são precisa e exactamente os mesmos factos provados que constam com os números 8, 9 e 10 dos autos criminais que sustentam a  execução  movida .  Em articulado autónomo apresentado em 28 de Julho de 2005 nos supra referidos autos de divórcio, a aqui executada requereu a fixação de um regime provisório quanto a alimentos no valor de € 850,00 mensais . A tal pretensão opôs-se o aqui exequente invocando, entre outros motivos ,  que aquela lhe  “  sacou  “ abusivamente  a quantia total de € 79.001,50, durante o mês de Julho de 2004,  tendo  na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00, de que  se  apropriou indevidamente , sendo razões mais que suficientes para lhe ser recusada a prestação deduzida a  tal título . Seria pois , alegou ,  imoral, ilegítimo e um autêntico abuso de direito, se o exequente  se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita, consignando  o Tribunal de l.ª  instância,  na sentença  ao recusar os  alimentos   que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular,  não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispondo  dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível . Esta decisão sobre o pedido de alimentos provisórios transitou em julgado em 07 de Maio de 2007 . Em 26 de Outubro de 2004, a aqui executada requereu a Regulação do Poder Paternal da filha comum dos aqui exequente e executada e em 29 de Janeiro de 2007 foi fixada por acordo a quantia de € 600,00 mensais . Nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente não contribuiu com qualquer quantia a título de alimentos para a filha menor CC tendo a aqui executada utilizado, da quantia ora reclamada pelo aqui exequente, o montante de € 500,00 mensais, cada um dos supra referidos meses para suprir as necessidades da menor.  A sentença de divórcio não determinou que o aqui exequente entregasse à aqui executada a quantia  de 5.000 € , a título de indemnização por danos morais pelo divórcio , por esta já se haver locupletado de quantia superior e assim aumentado o seu património disponível.  Os mesmíssimos factos e quantia que o aqui exequente invocou em sua defesa e que determinaram decisão judicial que concluiu pela ausência de necessidade de alimentos a entregar pelo aqui exequente à aqui executada uma vez que esta tinha à sua disposição a quantia em causa nestes autos o que fazia aumentar significativamente o seu património redítício disponível; os mesmíssimos factos e quantia que possibilitaram à aqui Executada suprir a total ausência de contribuição do aqui exequente para o sustento da filha de ambos nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005. IV. A referida queixa-crime foi objecto de despacho de arquivamento proferido a 20.09.2006  por se  ter entendido que não estava em causa matéria penal. Requerida a abertura de instrução pelo aqui exequente, veio a ser proferido despacho de pronúncia da executada . Aconteceu, porém, que dois dias antes da data entretanto designada para leitura da sentença, dia 17.11.08, foi proferido despacho que declarou a incompetência do Tribunal para apreciação dos ilícitos em questão e determinou a remessa dos autos para as Varas Criminais de Lisboa para julgamento em processo colectivo. Ora, a acção de divórcio litigioso que arbitrou à aqui executada a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais transitou em julgado em 05 de Janeiro de 2009, ou seja, depois da realização das duas sessões da audiência de julgamento do processo criminal, pelo que a aqui executada não pôde opôr este seu crédito nos autos criminais . Por outro lado, nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente deixou de comparticipar com qualquer valor para o sustento da menor Inês, pelo que a aqui executada utilizou da quantia em causa nos presentes autos de execução, o montante mensal de € 500,00 precisamente para fazer face ao sustento da filha menor de ambos, tendo assim gasto o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). A aqui executada foi utilizando tal quantia para fazer face às suas necessidades. E fê-lo, como havia peticionado, dispondo de € 850,00 por mês desde Setembro de 2004 em diante, o que significa que há muito esgotou a referida quantia. Acontece que o aqui exequente não teve em consideração o teor das decisões judiciais supra referidas, ao invés do que devia e tinha obrigação de fazer, pois não podia desconhecê-las, nem ignorá-las (tanto mais quanto são todas subscritas pelo mesmo mandatário). No processo executivo  foi proferida sentença que concluiu pela incompetência material daquele  Tribunal e condenou o exequente no pagamento das custas, sentença essa que transitou em julgado em 12 de Março de 2013 . Bem assim, nos autos de oposição àquele apensos, foi proferida sentença que julgou extinta esta instância por impossibilidade superveniente da lide e condenou o exequente no pagamento das custas por a impossibilidade a si ser imputável, sentença essa que transitou em julgado em 07 de Maio de 2013 . A aqui executada apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que a Executada apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80 (Docs. 12 e 13), tudo acrescido de juros de mora contados quanto às custas de parte a partir de 24 de Março de 2013 e quanto às certidões a partir de 02 de Julho e 28 de Junho de 2013, respectivamente, acrescidos de taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra. V. Antes de intentar a presente execução, o aqui exequente tinha a obrigação de deduzir à quantia líquida proveniente dos autos criminais:          a)      o montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de indemnização por danos morais na acção de divórcio litigioso;          b)      o montante de € 850,00 mensais contados desde Setembro de 2004 que a defesa do aqui exequente e a decisão proferida nos autos de alimentos peticionados pela aqui Executada reconheceram estarem à disposição desta para sua utilização,   sendo certo que ainda que a Executada pudesse afectar a totalidade de tal quantia exclusivamente a tais alimentos tê-la-ia esgotado definitivamente em 2011;          c) o montante de € 2.500,00 respeitantes às quantias efectivamente despendidas pela aqui executada com a subsistência da menor Inês nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005,          d)      o montante de pelo menos € 933,30 e acrescidos referentes às custas de parte da acção executiva supra referida em cujo pagamento foi condenado;          e)       e concluiria, sem mais e por excesso, que a totalidade da quantia por si reclamada se esgotou há muito, nada existindo que tenha a reclamar da aqui Executada. Não agindo desta forma e optando por apresentar a execução a que se opõe  o exequente vem reclamar quantias que lhe não são devidas porquanto: Existe um contra-crédito da aqui Executada: - quanto à indemnização por danos morais em que o aqui exequente foi condenado; - quanto aos alimentos por esta peticionados uma vez que o próprio aqui exequente se defendeu deste pedido alegando que a executada tinha à sua disposição a quantia em causa ; -quanto à falta de prestação  a título de alimentos à filha menor de ambos, Inês, no período de tempo supra referido.   -quanto às custas de parte e acrescidos da acção executiva interposta pelo aqui exequente e que soçobrou e em cujo pagamento o aqui exequente foi condenado. Todos estes créditos da aqui executada deviam ter sido ab initio compensados pelo aqui exequente e, se algum valor restasse a favor deste que possibilitasse a presente execução, também os juros respectivos teriam de ser calculados tendo em conta as datas de vencimento daqueles créditos. Porém, o aqui exequente não teve em conta tais créditos, não os deduziu ao que era o seu crédito resultante dos autos criminais, não considerou sequer que os juros, a haver, sempre teriam de ser contados tendo em conta as datas de vencimento dos contra-créditos. VI O exequente excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, em termos clamorosamente ofensivos da justiça. A presente Execução demonstra que o ora exequente não agiu com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contra-parte; não teve uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contra-parte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar, ou seja, o aqui exequente agiu com abuso de direito. Inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução, deve ser declarada a extinção da execução, o que desde já se requer.   VII. Nos presentes autos foram penhorados dois bens imóveis indivisos, tais penhoras foram notificadas à aqui executada com a citação para os presentes autos. Acontece porém que as referidas penhoras ocorreram em data anterior à que consta do auto de penhora elaborado pela Agente de Execução nomeada e junto à citação referida, no auto de penhora em causa elaborado pela AE consta como data daquela penhora o dia 28 de Maio de 2013. Porém, compulsadas as certidões prediais respectivas constata-se que as penhoras foram efectivamente registadas em 07 de Maio de 2013. O que demonstra que a data aposta no auto de penhora elaborado pela Agente de Execução não corresponde à verdade, não tendo sido a 28 de Maio mas a 07 desse mês que as penhoras foram efectuadas.  A  Agente de Execução não deu cumprimento ao disposto no nº 2 do art° 864° do C.P.C. que determina a citação do executado no prazo de cinco dias contados da realização da penhora. Citação esta que, aliás, sucedeu já no mês de Junho de 2013, volvido que era um mês sobre a data da realização das penhoras. Acresce que inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução e sendo declarada a sua extinção, devem tais penhoras ser levantadas e todas as custas  imputadas ao exequente. E, Por não ter agido com a prudência normal, deve o Exequente ser condenado no pagamento de multa correspondente a 10% do valor da execução, com os limites impostos pelo art° 819° do CP DEVE A PRESENTE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROV ADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A PRESENTE EXECUÇÃO SER JULGADA EXTINTA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. VII . O M.º juiz , em despacho liminar , rejeitou a oposição movida ao pedido executivo e,  com fundamentos não substancialmente divergentes,   a própria Relação,  no acórdão recorrido,  em recurso interposto pela executada ,  destacando ambas  as instâncias  não se mostrarem  configurados os pressupostos legais , adjectivos e substantivos da   compensação como  forma de extinção de obrigações ,prejudicando essa conclusão   a  abordagem do abuso de direito invocado pela executada reportada  à   execução   da  sentença condenatória em processo crime,  onde a aquela foi condenada pelo crime de abuso de confiança , com o obrigação de restituir ao exequente  a soma de que se apropriou ilegitimamente . VIII . A executada , irresignada com o decidido , interpõs recurso de  revista excepcional , que motivou , apresentando as seguintes conclusões : 1. O Recorrido age em abuso de direito quando instaura a acção executiva contra a Recorrente; 2. Refere o douto Acórdão de que se recorre “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.”. Ora tal não sucede. Na verdade ao apresentar o pedido de indemnização cível o Recorrido tem apenas a expectativa que lhe seja reconhecido um direito. 3. Ao invés do que afirma o acórdão de que se recorre, é o facto de o recorrido executar a sentença resultante do pedido de indemnização civil e tendo em conta o teor das duas decisões judiciais (divórcio e alimentos provisórios), transitadas em julgado em datas muito anteriores ao trânsito da sentença do processo crime, que constitui e preenche os requisitos do abuso de direito. É pois na oposição à execução que a recorrente deve invocar o abuso de direito, o que fez. 4. A quantia em causa em todos os processos aqui referenciados, assim como a quantia em causa na presente acção executiva é a mesma – o levantamento efectuado pela Recorrente em finais de Julho de 2004. 5. O elemento fulcral do abuso de direito é a confiança, a qual deve ser valorada no sentido objectivo e subjectivo, tal como resulta do artigo 334º do Código Civil. 6. O abuso de direito revela-se em cinco aspectos :   a. A existência de um comportamento anterior do agente (factum proprium), que permita a formação da situação objectiva de confiança; b. Contradição entre a conduta anterior do agente (factum proprium) e a sua conduta actual, sendo estas condutas imputáveis ao agente; c. A pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, no sentido em que confiou na situação criada pelo agente; d. A pessoa atingida pela conduta tenha desenvolvido uma actividade com base no factum proprium do agente, traduzindo-se a destruição dessa actividade pela conduta contraditória e posterior do agente (o venire) traduzam uma clara e evidente injustiça; e. Que o “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva, objectivamente fundada. 7. Conforme atrás exposto, as condutas do Recorrido preenchem a totalidade dos cinco aspectos do abuso de direito, na medida em que: a. Não foi condenado na entrega do montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de danos não patrimoniais à Recorrente, no processo de divórcio, precisamente porque a recorrente já tinha na sua posse a quantia reclamada nos presentes autos de execução. b. Em articulado autónomo para fixação de regime provisório de alimentos apresentado pela Recorrente no valor de € 850,00 mensais, o recorrido opôs‑se invocando, entre outros, que a aqui recorrente “(…) sacou abusivamente ao Requerido a quantia total de € 79.001,50 (…)”; “(…) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00.”; “(…) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (…) os presentes autos roçam o absurdo. (…)”; “(…) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido”; “Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (…)”. c. Este argumento do recorrido foi determinante para que o Tribunal se tivesse pronunciado nos seguintes termos, que passamos a citar: “(…) Por último refira-se que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular. (…) não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível (…). Eis porque se conclui pela ausência de necessidade de alimentos provisórios, da parte da requerente, em relação ao requerido. (…)”. (o negrito e o sublinhado são nossos) d. Com base nesta decisão judicial, transitada em julgado em 07 de Maio de 2007, a recorrente foi despendendo ao longo do tempo a referida quantia – a mesma reclamada pelos presentes autos de execução - no seu sustento. e. A Recorrente fundou a sua confiança em situação objectiva – decisão judicial transitada em julgado – e no teor da defesa apresentada pelo Recorrido, que afirmou perante o Tribunal que esta dispunha da referida quantia para o seu sustento. f. A instauração da presente execução está directa e exclusivamente dependente na vontade do recorrido, uma vez que o exercício do direito lhe advém da sentença resultante do processo crime, a qual transitou em julgado em 11 de Abril de 2011. g. Ao instaurar a presente acção executiva o recorrido está a agir em claro venire contra factum proprium, pois peticiona a mesma quantia que afirmou, anos antes, que a Recorrente podia gastar em seu proveito, tendo sido proferida decisão judicial nesse sentido, já transitada em julgado. 8. No mesmo sentido, quanto aos requisitos do abuso de direito, o douto Acórdão do STJ - Acórdão Processo N.º 1464/11.2TBGRD-A.C1, datado de 12.11.2013, in www.dgsi.pt. 9. “O abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado.” – Acórdão Processo N.º 116/07.2TBMCN.P1.S1, de 11.12.2012 . 10. O direito do recorrido ficou constituído com o trânsito em julgado da sentença do processo crime, ocorrido em 11 de Abril de 2011, pelo que e salvo o devido respeito, não se afigura correcta a decisão do douto Acórdão recorrido ao afirmar: “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.” (Itálico nosso) 11. Entende-se assim e assim se pugna, ter logrado demonstrar que, no caso, o abuso de direito ocorre à data da entrada da acção executiva intentada pelo Recorrido. 12. A decisão decorrente do douto Acórdão de que se recorre, coloca em causa igualmente a autoridade de dois casos julgados anteriores à data da constituição do seu direito, o que coloca em causa a própria credibilidade das decisões proferidas por Tribunais – que são órgão de soberania (artigo 202º da CRP), abalando de forma inaceitável a confiança que a Recorrida depositou nas decisões em fundou a sua conduta. 13. Refere o douto Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido no âmbito do Processo N.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, 2ª Secção, datado de 21.03.2013,  o seguinte: “III- Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.” 14. Isto para afirmar que o Recorrido, com a sua conduta condicionou decisões judiciais, sobretudo e de forma mais expressiva a acção de alimentos provisórios, proferidas anteriormente, fazendo tábua rasa e agindo contrariamente às mesmas nos presentes autos de execução. 15. Estamos assim perante decisões antagónicas entre si e, caso prevalecesse o entendimento do douto Acórdão recorrido, teríamos uma decisão que coloca em causa o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança de decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas anos antes da entrada da presente acção. 16. A decisão de que se recorre, configura uma decisão de extrema gravidade, com especial abalo na confiança que a Recorrente (assim como o comum dos cidadãos) devem depositar em decisões proferidas pelos Tribunais, já transitadas em julgado – com a autoridade de que a mesmas gozam - e com que conformam as suas condutas posteriores. 17. Verificamos que a conduta do Recorrido não só preenche os requisitos do abuso de direito, tal como previsto no artigo 334º do Código Civil, como coloca em causa de forma acintosa e clamorosa decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a Recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta. 18. O douto Acórdão recorrido ao não conhecer do abuso de direito, quedando-se por questões meramente formais e de letra da lei, permite que a aplicação do direito ao caso concreto resulte numa decisão claramente desproporcionada, claramente injusta e por isso ilícita. 19. A conduta do Recorrido é pois a todos os títulos reprovável e apresenta-se em rota de colisão directa com os mais basilares princípios de direito – a boa fé. 20. É toda esta postura e comportamento do Recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado. 21. Resulta do douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do direito, designadamente no que concerne ao reconhecimento da tutela de direitos legalmente instituídos e reconhecidos judicialmente à Recorrente. 22. A confirmação da decisão proferida em 1ª instância é assim claramente injusta, desproporcionada e violadora dos efeitos de decisões anteriores transitadas em julgado, protegendo a conduta do Recorrido que agiu em abuso de direito, em claro venire contra factum proprium, violando consequentemente os mais elementares princípios de boa fé. 23. Deve o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a oposição deduzida e reconheça e declare o abuso de direito invocado pela Recorrente, declarando extinta a referida Execução. IX. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir : A executada interpôs recurso de revista excepcional  para este STJ ,mecanismo processual, como o nome indica,  de natureza extraordinária  , dependente de especiais pressupostos para uma situação assim  reputada pelo legislador . De ponderar  que  a execução a que a executada moveu a  oposição  e m apreço , tem por título , que é a  respectiva causa de pedir  , o seu fundamento  ,a sentença   proferida  em processo criminal condenando aquela pela prática de um crime de abuso de confiança, por indevidamente se ter locupletado com o produto de um depósito bancário , de  cujo dinheiro  era titular o exequente , seu cônjuge , oposição que  por despacho foi judicial e liminarmente rejeitada, confirmando-o a Relação em recurso .  Ao pedido cível indemnizatório  enxertado na acção penal , a que por uma questão de parificação  com o cível  autonomamente deduzido,  querida pelo legislador , se  aplica o regime da lei processual civil , por força do art.º 4.º , do CPP ,  por via subsidiária ,  integrando a lacuna do CPP, como se decidiu , além do mais , nos Acs  .deste STJ , de 22.6.2011, P.º n.º 444/06 .4TAS EL, de 29.19.2010 , P.º n.º 343 /05. 7 TAVFN , 30.10.2013 , P.º n.º  150/06.OTACDR .P1 .S1 ,  30.4.2014 , P.º n.º 168/11.OGBSVV.C1.S1 , 10.4.2014 , P.º n.º 378/08JFAR .E 3 . S1 , de 6 .3.2014 , P.º n.º 89/01.5 IDL SB .L1. S1  e de 21.10.2014 , P.º n.º 1857/ 06 7 JVNF .P1 .A. S1 , quanto ao regime de recursos, em caso de dupla conforme , por ocorrência de um grau elevado de acerto duplamente decisório  e razões de economia processual , que vedam a  revista do acórdão da Relação desde que esta confirme sem voto de vencido,  a decisão de 1.ª instância , para este STJ , salvaguardadas as hipóteses em que é sempre admissível o recurso . Somente é   de distinguir que , na redacção do Dec.º -lei n.º 303/2007 , de 24/8 , o art.º 721.º n.º 3 , do CPC , em caso de   confirmação  pela 2.ª instância,   irreleva a identidade de fundamentos ( ainda que por diferente fundamento ) , já o art.º 671.º n.º 3 , do novo CPC , aprovado pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6 , para entrar em vigor no dia 1.9.2013  , a fundamentação não pode ser essencialmente diferente , intercedendo portanto uma diferenciação , que não é indiferente de um ponto adjectivo e substantivo . A sucessão de leis  civis dispondo diferentemente  rege-se pela norma transitória do art.º   6.º n.º 4, dispondo que aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa nas execuções,   o  novo CPC , aprovado pela  Lei n.º 41/2013 , de 26/6, apenas se aplica aos deduzidos após a sua entrada em vigor -1.9.2013 - , e assim ,  visto que  a presente oposição à execução foi instaurada  em 4.7.2013 , rege-se  esta , em tal domínio ,  pelo Dec.º Lei n.º 303/2007  , de 24/8 ( que introduziu a dupla conforme em processo civil)   e sucessivas alterações , atenta  aquela  norma transitória do art.º 6.º ,  n.º 4 , da Lei n.º 41 /2013 .  Cobra , pois , razão para aplicação  o disposto  nos art.ºs 721.º e 721.º-A , conforme alterações ao CPC  a coberto  dos  Dec.ºs -Lei n.º s 38/2003  e 303/2007 , de 8/3 e 24/8, respectivamente ,    a que correspondem os  art.ºs 671.º e 672.º  , do CPC actual . O recurso instaurado  foi admitido como de revista excepcional pela  intervenção posterior ao  recurso do acórdão  da Relação   pela formação de Juízes Conselheiros prevista  no n.º 3 , do art.º 721.º _A , do CPC , a que , actualmente , cabe o art.º 672 .º n.º 3, do CPC  ,    verificados que foram em forma  sumária e definitiva ,  os pressupostos da excepcionalidade da admissão  , que , de resto , não consente controvérsia , invocando-se  a complexidade   da matéria a decidir em termos de direito ,  com conexão com a figura do caso julgado e seus efeitos e   a sua importância  , a justificar um terceiro grau de jurisdição e um segundo , excepcional, grau de recurso .   Na verdade o recurso de revista excepcional  -art.º 721.º_A , nº 1 ) , do CPC , na  sua versão antecedente , e na correspondente actualmente ,  há-de comportar uma “ vexata quaestio “ , recaindo sobre preceito ou instituto , cuja interpretação suscite  especial dificuldade , em torno da qual se registam entendimentos divergentes entre os intérpretes e aplicadores do direito , com repercussão no tecido social , pondo em causa interesses públicos , como os difusos ,  ligados à saúde ,  ao meio ambiente , ao urbanismo , à ecologia  ao património histórico ,  etc . Respeitarão essa s questões , como incontornável  pano de fundo , a assuntos de enorme impacto social,  repercutindo na paz social , onde reina  ou pode vir a causar  alarme e intranquilidade  social , afectando a sua latência em controvérsia , desprestígio para os tribunais e prejuízos aos directamente interessados   ; pode , não obstante , o  aspecto particular do litígio   , atenta a forte ligação  com interesses comunitários e sociais  relevantes ,  justificar-se a intervenção do STJ  , pois que se a questão não extrapola em toda a sua dimensão  o estrito âmbito do litígio particular , puramente pessoal , privado ,  não se justificará  a intervenção excepcional do STJ  . A controvérsia há-de envolver delicadeza na resolução , estudo apurado , reflexão profunda e cansativa , como o STJ decidiu com geral uniformidade, ficando a comunidade num assunto que lhe interessa  a contar com a melhor orientação jurídica  .CFr. Acs. de 18.11.2010 , P.º n.º 643 /08 .4TB.PTL .G1 81 , de 20/1/2011 , 22.10.2009 , P.º n.º 58/04 .TBM SF .P1.S1 , de 9.1.2014 , P.º n.º 605/08 .1TB.FAF .G 1. S1. Ao recorrente incumbirá o ónus de alegar os pressupostos factuais que levam à admissibilidade, a título excepcional  do  recurso , conforme se decidiu nos Acs. do STJ de 5.11.2008 , P.º n.º 298/09 .9 TVPRT .P1 .S1 , 12.11.2009 ,  R ev .  n.º 688/08.04TPRT .P1.SL , 12.11.2009 , P.º n.º 1837 /08 .TVLSB.L1.S1   , de 3.12.2009 , P.º 239/08.0TMAV.9 .S1 . X. A compensação  de créditos  é uma das causas de extinção das obrigações  quando os  obrigados são simultaneamente credor  e devedor –art.º 847.º , do CC-, não é  automática, mas potestativa pois depende da manifestação de vontade do titular do contracrédito,  podendo ser invocada   tanto pela via reconvencional como pela de excepção, peremptória . È  o meio de o credor se livrar da obrigação  de que o devedor invoca ser seu credor , como escreve  o Prof . Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , 2, 161 ; é justo  e equitativo que não cumpra o credor do seu  credor , podendo opor crédito de valor superior ao credor principal ou inferior e nessa medida reduzir ou impedir o  objecto da obrigação .         Os requisitos legais  de admissibilidade  estão previstos no art.º 847.º n.º 1 , do CC , devendo, além da apontada reciprocidade de créditos ,  o contracrédito ser válido e  judicialmente exigível, sem que contra ele se oponha excepção  peremptória ou dilatória ,   de direito material ; as duas obrigações devem ter por objecto coisas fungíveis  da mesma espécie ou qualidade . O contracrédito tem , pois , que  ser certo,  estar vencido e não vincendo, à luz das regras de direito substantivo  ; a exigibilidade há-de ser  “ em sentido  forte “ , na teorização  do Prof. Menezes Cordeiro , in Direito das Obrigações , 2001, vol. 2.º , 222  ,  e não  mera expectativa,  não podendo ser apurado  , embora possa ser liquidado  -a iliquidez não é impeditiva da compensação, art.º 847.º n.º 3 , do CC  -,   no âmbito do juízo de compensação,    relevando, o que é discutível ,  o facto de os créditos não  terem a mesma génese, de distinta natureza , criminal e extracontratual .   A lei civil limita a compensação  ao contracrédito do devedor , não abrangendo o de terceiros -art.º 851.º , do CC  ; por outro lado ao devedor  não é permitido legalmente  opor a crédito por facto ilícito doloso um seu  contracrédito ,   por força do art.º 853 .º n.º 1 c) , do CC .  A natureza de um  crédito , com origem em facto ilícito doloso , visando  , na sua reconhecida função,  não só compensar o dano mas também punir , castigar,  o seu autor , justifica o efectivo direito  ao seu cumprimento pelo devedor , a satisfação “  in totum “  ao credor   ,  denegando-lhe a lei o efeito extintivo ou modificativo derivado de eventual compensação –Ac.RC  , de 10.12.85 , BMJ 352 , 436 .  Assim também  Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anot.”, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª ed., 1986, p. 145, segundo os quais aquele que furta uma quantia em dinheiro ao seu devedor não pode compensar a obrigação de entregar a quantia furtada com o crédito de que dispõe contra ele.       A compensação teria então que fundar-se na prática do crime que integra o objecto da acção  penal -   Ac. Rel.Lisboa, de 21.12.2000 , P.º n.º 5851/2000. E esta inadmissibilidade normativa , do art.º  851.º n.º 1 c) , do CC ,  já foi apreciada pelo TC , que concluiu pela sua plena conformidade ao diploma constitucional, mantendo-se a proibição   de compensação em tais casos proporcionada , por  justa e equitativa, inofensiva do sentido de justiça –Cfr . Acs . do TC n.º 535 /2001 , de 5.12.2001 e n.º 98/2002 , de 27.2.2002 . Baseando-se a execução em sentença é admissível operar a compensação  seja por   mera invocação ou por via exceptiva , qualquer que seja o montante do contracrédito   ,   não havendo  aí  lugar a reconvenção ,  própria do processo declarativo,  não  a consentindo , igualmente ,  o enxerto cível em processo penal , claramente reduzido a dois articulados ; ao executado , sob pena de indefesa , são permitidos, em oposição ,  os meios de defesa que em processo declarativo são permitidos , com as limitações previstas por lei . No domínio do CPC antigo ,  aplicável ao caso vertente ,  e  em vigor antes da sua  versão actualizada pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6, retomam-se  os embargos de executado como meio de oposição, que se  processava por requerimento apenso ao processo principal  , constando na alínea g) , do n.º 1, do art.º 814 , desse Código , como fundamento de oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação posterior ao encerramento da discussão em processo declarativo e se prove por documento ; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio . O art.º 729.º do novo CPC , correspondente àquele art.º 814 .º, é mais amplo na especificação das razões de oposição à  acção executiva,    ao aditar no seu n.º 1 , a al. ) h),  que ao executado é facultado opor contracrédito sobre o exequente  com vista a obter a compensação de créditos, esta   já do antecedente se admitindo ao nível da jurisprudência , como se decidiu nos Acs . da Rel. Coimbra de 8.5.2007 , P.º n.º 375 B/2002 .C1 e do Porto , de 14.2.2008 , CJ, 2007 , T  I V  , 2002 . Não é pois qualquer facto de que o opoente pode lançar mão , mas só os posteriores ao encerramento da discussão e se provem por documento, como forma de evitar que a oposição destrua o caso julgado ; o direito está dito ; factos irrestritos como razão de oposição proporcionariam a renovação do litígio,  a que o julgador  quis  por termo , deixando o mecanismo da compensação nas mãos do devedor –Ac. Rel . Lisboa de 24.3.2009 , P.º n.º 67/03 .OTBOTR .B-C.  O caso julgado tem de ser respeitado e acatado: mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença até à fase do encerramento da discussão da causa  já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a acção executiva" –Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, in  Processo de Execução, vol. 2°, pág. 28/29. E o momento para aferir da  compensação é reportado à data da verificação da situação que a gera  e não já à data da  sua  declaração, levando à  sua   inadmissibilidade se não respeitar a regra basilar da posterioridade -Ac. da Rel. Coimbra de  21.4.2015 , P.º n.º 556/08 .TBRMS –A.C1 . XI. O exame dos autos põe a descoberto,  sem esforço , desde logo ,  que um dos contracréditos opostos à execução movida pelo ex-cônjuge à também ex-cônjuge , respeitando à prestação alimentar devida à  filha de ambos pelo progenitor exequente   , está excluído da regra da reciprocidade, é  da titularidade de terceiro; igualmente resulta que a compensação  de qualquer  contracrédito que invoca em seu favor com o crédito exequendo lhe está vedada porque  este tem origem em facto ilícito judicialmente   reputado criminoso,   abuso de confiança  doloso , de sua   autoria ; por outro lado os créditos por si   peticionados por alimentos provisórios ,  não foram reconhecidos judicialmente , pois a acção de alimentos provisórios movida ao exequente foi julgada improcedente, muito embora a executada intente ver na posição do ex-marido assumida em tal acção o reconhecimento do direito a eles, falhando os pressupostos substantivos,  certeza  e exigibilidade a comprovar pela opoente , que , como no despacho liminar de rejeição da oposição se  contempla , a executada   se limita a  “ alegar realidades, misturando ( …)  claramente (…)  uma  multiplicidade de créditos de natureza distinta, não concluindo pelo valor do seu contra crédito alimentar , apenas concluindo que o direito de crédito do aqui exequente  deve ser declarado extinto (…) ou seja formula como que um pedido de natureza genérica abarcando urna multiplicidade de créditos “ . A aqui executada  alega que apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no processo executivo  no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80,  tratando-se de crédito em parte vencido e em parte vincenda,  quanto à  taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra, que se desconhecem , pecando por natural incerteza e exigibilidade ,  nessa parte , óbice a aditar à pretensão de compensar .   O crédito por alimentos  está sujeito à cláusula “ rebus sic stantibus “ , em permanente mutação , em função das condições pessoais e económicas  de quem os presta e  é  seu obrigado , lançando mão a executada de um processo de enunciação genérica , com origem distinta dos créditos  e sem os concretizar , complementa-se no despacho .    Mas se no plano do direito substantivo se anteolham  dificuldades em compensar ,  alinham-se    no plano temporal  e processual , quanto ao aspecto que se conexiona com a posterioridade do direito  creditório a compensar , as seguintes razões coligidas no despacho liminar de rejeição da oposição, que se transcrevem    : “   O enxerto cível transitou com a acção penal em 11.04.2011, tendo tal acção dado entrada em 26.04.2007 (vide fis.379 dos autos principais – embora em bom rigor só tenha sido aceite como tal após a decisão instrutória e o despacho a que alude o art.° 311° do CPP, ou seja só nesta data é que o feito foi submetido a juízo porque até lá o enxerto cível não tinha sido alvo de distribuição para julgamento, o que só sucedeu em 29 de Junho de 2007, - fls. 392 dos autos principais). A sentença de divórcio litigioso, onde foram fixados à opoente, além do mais, 5.000€ a título de danos não patrimoniais, transitou em 05.01.2009 e mostra-se datada de 3.12.2007, pelo que a acção deu entrada em juízo em momento muito anterior ao enxerto cível (vide fls. l 3). O regime de alimentos provisórios requeridos foi-lhe indeferido por sentença transitada em 07.05.2007 e foi requerido em 28 de Julho de 2005 (vide fls. 92). A regulação do poder paternal, mediante acordo homologado por sentença, onde foi fixada uma prestação de alimentos ao menor, foi feito em 26.04.2004, e a sentença transitou em 19.02.2007. Trata-se de realidades cronológicas que nos levam igualmente a concluir que tal compensação não poderia servir de fundamento à dedução de oposição por serem manifestamente anteriores à própria propositura da acção declarativa (excerto cível nestes autos).        Motivos bastantes, á luz do direito substantivo e processual aplicável , para  se declarar a inadmissibilidade da  compensação  pela executada . XII . Seja-nos , no entanto , permitido deixar consignado , face às conclusões do recurso , delimitando o poder cognitivo deste STJ , que o enfoque  que a executada confere à oposição extrapola da mera invocação da compensação que - como advogada que é ,  bem sabe não se configurar, - é mais abrangente , reportada  à  indagação   sobre  se o exequente , devendo descontar as importâncias antes aludidas ,      incorre  em  abuso de direito,  colocando “  em causa (…)  decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta “ , sendo “ … toda esta postura e comportamento do recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito (…)  na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado “ , alegação  já  figurando no requerimento de oposição e  que a 1.ª e 2.ª instâncias  ,por inverificação de razões legais de compensação , reputaram  prejudicada em termos de apreciação .  XIII . Vejamos : O abuso de direito , expressão da autoria do belga Laurent , datada  de  1878 ,   regulado  entre nós   a partir  do CC de 1967 ,  no seu art.º 334 .º , já que o CC de Seabra não lhe dedicava previsão  e só de uma maneira remota o seu  art.º 12 .º aludindo  àquele que exerce o seu direito ( “ suo jure utitur “  ) ,   não faz ofensa a ninguém ,  a ninguém lesa, dispondo o CC actual   que é ilegítimo o  exercício de um direito quando o titular exceda os limites impostos pela boa fé , bons costumes ou pelo fim económico-social do direito , não radicando  em qualquer acto , pois que , como escreve o Prof. Almeida Costa ,  in RLJ , Ano 129 , 61 , “  …a relevância da conduta contraditória supõe uma conjugação  de vários  pressupostos  reclamados pela tutela da confiança …”  ;  “ …proibir a prática de actos lícitos  embora opostos , redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatíveis com o tráfico jurídico “, citado no Ac. deste STJ de  11.12.2012 , P.º n.º 116/07 .2TBM . CN.P1 .S1 .  O preceito do CC de Seabra  não divergia da “ aemulatio “ , entre os romanos ,  exercício de um direito com intenção de prejudicar , com “  animus  nocendi “ , não pressuposto  no art.º 334.º , do CC.    O Prof. Castanheira Neves , seguido por Cunha de Sá , posiciona a proibição do abuso de direito em sede de  afloramento de   um princípio geral  de direito justo , pelo reconhecimento de regras e princípios axiológico-jurídicos, vigentes acima e independentemente da lei , do seu conteúdo formal   ( Questão de facto –Questão de direito , 514 e segs.  )  . A manifestação mais usual do abuso de direito substancia-se no “ venire contra factum proprium ;  a outra manifestação, no exercício danoso inútil ,  na desproporção grave entre o exercício e o tempo  por ele imposto a outrém ,  na actuação dolosa –Ac. deste STJ , de 11.1.2011 , P.º n.º 2226 -07 .JVNF.P1.S1     Os eventos ou circunstâncias susceptíveis  de integrar a tutela da confiança   sintetizam-se  : numa situação objectiva de confiança ,facto que , em abstracto é apto a determinar em outrém a expectativa de um comportamento coerente do titular do direito   e que , em concreto , gera uma  convicção em certo sentido   no seu destinatário ; um investimento de confiança ( irreversibilidade do investimento, na dogmática alemã )  ,  correspondente à mudança de vida do destinatário do   “ factum proprium “  e que traduz uma  expectativa   nele criada  em conformidade ;  urge que o destinatário do “  factum proprium “ se ache de boa fé , em sentido objectivo  , ou seja convencido  que o autor do  “ factum proprium  “ estava vinculado a tomar a conduta prevista , tendo ao agir tomado todas as precauções e cuidados usuais no comércio jurídico . Não  é diverso o entendimento do Prof. Menezes Leitão , enunciando  que a tutela da confiança , se apoia , numa situação de confiança , numa justificação razoável para tal confiança , num investimento de confiança , no sentido de que a destruição da confiança pode causar graves prejuízos , na imputação da situação de  confiança  a outrém –Direito das Obrigações –Boa Fé no Direito Civil, 1997 , págs. 19 a 23. O princípio da confiança surge como mediação  entre a boa fé e o facto concreto ; a confiança exige  a protecção das pessoas  quando , em termos práticos, as pessoas tenham sido levadas a aceitar a manutenção  de  um certo estado de coisas ; o que confia não pode ser tratado como o que não confia, numa linha de coerência  e igualdade .  O princípio “ venire contra factum proprium “ postula dois comportamentos da mesma pessoa,  lícitos em si e diferidos no tempo : o primeiro é o “ factum proprium ; o segundo é o que ele contraria  , radicando  a adesão do confiante ao facto , o assentar nele de factos importantes  em face da  confiança evidenciada , um investimento nessa confiança, na medida  a que a sua destruição  conduz a uma insanável iniquidade , sem remédio , é o pensamento,  próximo do antecedente , do Prof. Menezes Cordeiro , in Do Abuso de  Direito : estado das questões e  perspectivas e Tratado de Direito Civil Português , I , TI , 1999  A confiança , escreve o Prof. Baptista Machado há –de radicar  em  algo objectivo : tomada séria de uma posição vinculante em relação a uma situação futura ( Obra Dispersa , Braga , 1991 , I , 416 , pelo  titular do direito , assumindo-se como um princípio ético fundamental ,  pretendendo , pois , acautelar a confiança legítima que o comportamento  contraditório  pode  ter gerado à contraparte . O abuso de direito é a reprovação do exercício inadmissível  de direitos e posições subjectivas , envolvendo situações de clamorosa e intolerável  injustiça, sensível e  evidente  divergência entre o resultado da actuação  de direito subjectivo e algum ou alguns dos valores  tutelados pela ordem jurídica , operando como instrumento de correcção da ofensa à boa fé , aos bons costumes ou aos limites para que o direito foi instituído , sancionando –se esse exercício como  ilegítimo,  no art.º 334.º, do CC.   È   o exercício escandaloso do direito à luz da consciência jurídica , no ensinamento do Prof. Manuel de Andrade , condensado na sua obra , Teoria geral das Obrigações , 1966 , 63 , surgindo como válvula de segurança do sistema , perante a “ disfuncionalidade “ do exercício do titular do direito .  Numa síntese abrangente , em definição incontornável , citamos uma decisão de um tribunal brasileiro –o Brasil é fértil no tratamento do abuso de direito sobretudo  na área das relações familiares – onde se enquadra  como o exercício egoístico ,  anormal ,  do direito , sem motivo legítimo , com excessos , voluntários , dolosos ou culposos , prejudicando outrém –Cfr. RT ., Ano 6 , n.º 24 ,  ano 98 , 27-28  .     XIV. Comummente se lhe atribui um leque de efeitos reparadores  : a supressão do direito , com a “ surrectio “ de outro ; a cessação do concreto exercício abusivo , mantendo-se o direito , o dever de restituir ou um dever de indemnizar .  Nessa medida o abuso de direito configura uma excepção peremptória  , de conhecimento oficioso , assim o entendendo  este STJ , entre outros ,  nos seus Acs . de 5.2.98 , BMJ 474,431 , de 25.5 99, CJ, STJ , 2, 116 , 28.11.2000, BMJ 501, 292 , 1.3.2007 , P.º  64571, dgsi.net e 1.7.2004 , P.º n.º 0 4B  4671 . XV. Outra Questão : O caso julgado forma-se logo que a decisão  passada ou transitada em julgado não seja  susceptível de recurso ordinário ou reclamação, nos termos dos art.ºs 668.º, 669.º  e 677.º, do CPC  e 4.º, do CPP, e, se recair unicamente sobre a relação processual  assume natureza formal, tendo força obrigatória intraprocessualmente ( art.º 672.º, do CPP ); o caso julgado material incide sobre a relação material controvertida, equiparando-se –lhe os despachos que recaiam sobre o mérito da causa –art.º 671.º, do CPC.  A extensão  da “ res judicata  “ aos fundamentos decisórios é uma questão problemática, tratada disparmente, autores  havendo  que  distinguem  entre fundamentos que merecem integrar a “ res judicata “ e outros não, deixando  a sua  definição à  casuística; outros autores atendem à relação a estabelecer entre o primeiro processo e o segundo; outros ainda distinguindo entre caso julgado absoluto e  relativo. Outra via de resolução, intermédia,  distingue entre   fundamentos postos em crise pelas partes e outros não;  a extensão do caso julgado  não pode abranger, contudo, questões não formuladas e nem postas,  sendo que a sentença forma caso julgado na parte decisiva   e não nos motivos, considerandos ou enunciados em que se funda a decisão, mas acrescenta   Dias Ferreira que ” os considerandos que estejam relacionados com a decisão por forma a que com ela formem um todo indivisível  “, são atingidos pela eficácia do caso julgado, in Caso Julgado,  R L  J, 1926, 35, fazendo caso julgado os fundamentos sobre os quais se tomou implícita posição, dela inseparável. Pode dizer-se que se dá acolhimento amplo,   na nossa jurisprudência,  à regra de que o caso julgado se não alarga aos fundamentos da decisão, em aplicação da chamada teoria restritiva ou pseudorestritiva,  embora com alguns  desvios,  defendendo-se a extensão  da decisão implícita, enquanto decorrência do julgamento, constituindo problema de interpretação da sentença saber se nela há um julgamento implícito, aconselhando o Prof. José Alberto  Reis, CPC, Anotado , V,  pág. 67 ,  a que se procedesse  a um “ uso prudente e moderado    “ do julgamento implícito,  nesta área  de melindre  e de terreno dificultoso –cfr.Limites Objectivos  do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 135, do Prof. Castro Mendes e a muito  extensa recensão jurisprudencial que faculta em nota. Indiscutível é que  o fundamento não é   razão de recurso e a  jurisprudência mais recente deste STJ   mantém-se fiel ao ideário de que o caso julgado se forma,   apenas  , como regra , sobre o decidido e   tem afirmado essa  limitativa extensão –cfr. Acs. de 23.2.78, BMJ 274, 191, de 29.6.76, BMJ 255-280,  de 20.4.94, BMJ 436, 300  -;  noutro enfoque seguido a força e autoridade de caso julgado alarga-se  à resposta final dada à pretensão do autor, embora  se acrescente que  não obstante o respeito por esse  princípio –regra, tal  não  invalida  que   as questões preliminares que  sejam um antecedente lógico e necessário sem a qual a decisão se mostraria incompreensível visto o  indispensável nexo causal  que intercede entre ambas –cfr. Acs. deste STJ, de 9.6.89, BMJ 387, -377   e de 5.12.91, AJ, 15.º /16.º, 2. 7, 9.5.96, in CJ, ACs. do STJ, 1996, 2, 25 –esteja a coberto do caso julgado. Em princípio o caso julgado forma-se , pois , sobre a parte preceptiva ou dispositiva  da decisão, com a excepção dos casos em que a  “ … tomada de  posição em que a decisão se traduz implica necessariamente tomada de posição sobre tais fundamentos “  ,  na teorização do Prof. Castro Mendes , op.cit. pág.130 ,  ou seja sobre a  parte  expositiva ou justificativa  da decisão, mas da qual se não pode recorrer .  XVI. De ter por assente , desde logo , que em caso algum, do dispositivo das várias decisões que compõem o arco litigioso que envolveu  exequente e executada consta   que aquele  abdicou em favor da executada da elevada  quantia - € 79.001.50 - cuja cobrança coerciva intenta pela via da presente execução da executada. Essa quantia , está demonstrado , não integrava  património comum do casal –que contraira casamento segundo o convencionado regime de  separação de pessoas e  bens - ,  não alimentando a executada  a conta bancária  de onde fora retirada , com  qualquer dinheiro seu , escreveu-se no Ac. da Rel. de Lisboa , de 11.11.2010 , provisionada como fora somente com proventos e compensações financeiras ao assistente , exequente ,  pertencentes. Essa conta somente poderia ser movimentada pela executada , sua segunda titular , em condições restritas, somente  estando impossibilitado o exequente de o fazer . Por isso se teve tal conduta como “  ilícita  e censurável “ . E na providência de alimentos provisórios , a fundamentar a improcedência da providência , escreveu-se que ”… não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dele, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível. O exequente opôs-se , previamente ,  invocando, que a aqui executada  "(...) sacou abusivamente “ a quantia total de € 79.001,50 (...)"; "(...) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00."; "(...) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (...) os presentes autos roçam o absurdo. (...)"; "(...) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido"; "Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (...)". Aliás funciona , também ,  como  fundamento de rejeição , a constatação da existência de  outros  bens e valores , que não apenas a detenção por   apropriação abusiva   da soma depositada .    Na acção de divórcio litigioso foi arbitrada   a importância de 5.000 €  a título de indemnização pelos danos morais causados à R.  pela dissolução  do casamento ,  não  se determinou   a sua prestação à R., pelo A , reconvindo ,  por   já se  “ haver locupletado de quantia superior “  e assim aumentado o seu património disponível. XVII . De todas estas considerações   relevantes para as decisões  é  certo ,  é contudo ,  ilegítimo , por não consentirem um juízo de inferência  ,   não implícito  nelas , de que abdicava  do poder de direito , como dono,  que sobre tal quantia dispunha, visto que  o poder de facto se radicara pela via do indevido locupletamento na executada .  Unicamente se pode extrair a conclusão de que a Ré , executada , opoente , detinha em seu poder esse dinheiro e que , atenta a forma ilícita como  se apoderou dele , da mesma forma o podia dissipar , fazer uso dele  e nada a mais , em razão do  que ao  considerar , alegando , que  a soma peticionada a título de alimentos  provisórios , considerando o tempo decorrido já a reputa esgotada , consumida  ,  em 2011 , em vista de satisfação de alimentos  pessoais ( à razão de 850€ mensais ) ,  esquecendo  que tal prestação não lhe foi concedida , reconduzindo tal alegação a uma forma , vedada , de fazer justiça por sua própria mão . E o mesmo se diga quanto ao facto  de o  Exequente não  ter contribuido  com qualquer quantia a título de alimentos  provisórios a favor da filha  de ambos,   nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005,  à razão de 500€ mensais ,  em cuja utilização a partir do  montante do  elevadíssimo levantamento monetário ,   o exequente não  se vê ter acordado  .   XVIII . Em caso algum , neste circunstancialismo  vincado de abusivo , de conflitualidade dispersa por vários processos ,  de incompatibilização conjugal ,  culminando com o divórcio , e que foi ao ponto de o exequente retirar à ex-cônjuge uma viatura de que se  servia  para deslocar  a filha de ambos   ,  vista a elevada soma de que se apoderou ilegitimamente , tendo , ainda , em vista os encargos   familiares  a que o exequente  tem de fazer face , seja a descendentes de um seu primeiro casamento , seja à filha do segundo , do relacionamento com a executada,  a que vem  satisfazendo , em valorização da contexto global dos factos ,  é ilegítimo concluir que , alguém de boa fé , o “ homo medius “ , dotado de normal inteligência , mesmo sem formação jurídica , ao contrário da executada, confie e alimente  consistente expectativa de  que o exequente , pelo seu ( inexistente )  comportamento ,  renunciou ao direito a recuperar a quantia exequenda, perdoando-lhe o abuso,  como que numa    “ datio  pro solvendo “ ,  enveredando por  caminhos à total  revelia da boa fé , da  ética , dos bons costumes , entendidos como o conjunto de regras éticas e morais , munidas de peso social relevante  , próprias de pessoas honestas , correctas e de boa fé, equivalentes à moral social dominante , no enquadramento que deles dá o Prof. Mota Pinto , na sua  Teoria Geral  do Direito Civil , C.ª  Ed.,  1996 . Ou seja nem sequer se pode extrair dos fundamentos decisórios , com a  mínima segurança, que o aqui exequente se haja desfeito de tal soma a favor, provisória ou definitivamente , da executada , e muito menos que nas decisões proferidas  os tribunais chamados a decidir  hajam sentenciado com tal  preciso e claro alcance.  . XIX . A executada tinha em seu poder o dinheiro  e como tal dele  podia dispor  até que fosse convencida da não liceidade  da sua posse e o restituísse ou fosse coercivamente forçada a largar mão de equivalente . È esse o sentido declarado  do exequente e  de que um declaratário normal   não iria além . A exequente se subjectivamente , o que  é ,    em alto grau duvidoso , podia ter formado a convicção de “ datio “ por banda do exequente , num contexto de boa fé ,  já  essa convicção objectivada em factos concludentes , inabdicáveis , seguros e certos , falta por completo .          XX. Concluiremos que o exequente não ofendeu  o  caso julgado e a sua conduta , ao  executar a ex-cônjuge , não ofende a boa fé , os bons costumes , ou os fins para   que  é atribuído o direito, mantendo-se numa linha   de conformidade ao mesmo  , não exercitado de forma escandalosa , não  repugnando ao sentimento jurídico reinante ,  à consciência jurídica , e , por isso , não levando à “ supressio “ de que acima demos nota , catalogando-se de manifestação abusiva de direito ,  num “ venire contra factum proprium “ .  XXI. Uma consideração final :  O Ac. deste STJ ,  de 12.11.2013 , in P.º n.º 1464 , 11.2. TBGRD –A C1 , confirmando o da Rel. Coimbra  proferido no mesmo P.º , de 21.5.2013 ,  como , ainda , o desta Rel. de 13.5.2014 , in P.º n.º 180/8 . TBIDN –B. C1 , admitiram a invocação do abuso de direito em sede de oposição à  execução . XXII . Nestes termos se nega provimento ao recurso , improcedendo a oposição, prosseguindo a execução .   Custas pela opoente .  Taxa de justiça : 4 Uc
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051466 Nº Convencional: JTRP00030786 Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA Descritores: SIMULAÇÃO INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS LEGITIMIDADE ACTIVA LITISCONSÓRCIO Nº do Documento: RP200102050051466 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VINHAIS Processo no Tribunal Recorrido: 50/99 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. AGRAVO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART240. CPC95 ART28. Sumário: I - Na simulação, a interposição fictícia tem lugar quando exista um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e o interposto, existindo assim um acordo tripartido entre o sujeito simulado, o interponente e a outra parte. II - A acção de anulação por simulação não carece de ser intentada contra o vendedor porque nenhum prejuízo lhe advém da procedência da acção. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. No Tribunal Judicial da Comarca de ..........., Cremilde ............. intentou acção declarativa na forma ordinária contra Luciano ............. e Antónia........., pedindo que se declare nulo o negócio titulado pela escritura que junta regressando o prédio ao património dos vendedores. 2. Alega para tanto e resumidamente que o negócio celebrado entre os Réus foi simulado com o intuito de a prejudicar . 3. Citados os Réus, veio contestar a Ré Antónia nos termos de fls. 38. Por ter falecido na pendência da acção foram habilitados os sucessores do Réu Luciano ....... 4. Foi proferido despacho saneador e organizada a base instrutória que não sofreu reclamação 5. A acção veio a final a ser julgada procedente. Inconformada com tal decisão dela apelou a Ré que, alegando, conclui assim: 5.1- A sentença em recurso deve ser anulada, porquanto, em violação do disposto no art.º 664, segunda parte, do Código de Processo Civil, deu como provados, nas respostas aos quesitos A1 e A2 da base instrutória matéria que nestas não era perguntada, nem, aliás, foi articulada pela recorrida; 5.2- Ainda o deve ser, porquanto, a matéria, em que se fundou é, parcialmente contraditória, designadamente, brigam, entre si, as respostas, oferecidas ao quesito A1 e a oferecida ao quesito 1, porquanto, neste, se respondeu que era intenção dos donos da casa venderem-na ao marido da recorrida, enquanto, além, se afirma que o dito imóvel foi, verbalmente, comprado pela recorrida e pelo, então, seu marido em 1993; 5.3- A matéria assente não valida o uso, que o Exmº Juiz fez, de presunções judiciais, para presumir a existência de dois relevantes pressupostos ou requisitos da simulação absoluta, quais sejam o conluio, entre o declarante e o declaratário e, concomitantemente, a consciência, que, a ambos, assistia de, por esse modo, estarem a prejudicar a recorrida; efectivamente, a simples circunstância de a recorrente Antónia ser mãe do ex-marido da recorrida, que não é parte, nem foi ouvida nos autos, não autoriza, sem mais, a inferência, ou transposição dos factos provados, para os presumir; na verdade, no caso, mais que, de inferência lógica, tratou-se, antes, de inferência subjectiva; 5.4- Aliás, não estando a recorrida, à data da questionada escritura de compra e venda, na posse do imóvel, que dela foi objecto, ( cuja ligação perdeu, ao menos, em 1988 ); não sendo ela titular de qualquer promessa de compra e venda, sobre o mesmo; antes, tendo-se provado, na tese mais favorável, que ela e seu ex-marido haviam comprado, verbalmente, esse imóvel, em 1983, não se vê como possa a dita compra e venda, no momento, em que é realizada, ( 1994 ) trazer-lhe qualquer prejuízo, que é um requisito básico, para o preenchimento do conceito da simulação absoluta. O argumento, de que a sentença se serviu, para “fugir” ou “tornear” este relevante aspecto, não procede, pois, a usucapião hipotética da recorrida, para além de ser um prejuízo futuro não previsível, que a lei não atende ( pois, se refere ao prejuízo actual ), também, por outro lado, nem, em curso está, já que perdeu a posse do imóvel, desde 1988, pelo menos; 5.5- A sentença, em apreciação, não produz qualquer efeito útil, porquanto, na acção não figuram, nem são partes, as pessoas, que, de acordo com a relação jurídica subjacente, poderiam fazer com que ela regulasse, definitivamente, a situação da recorrida, relativamente ao pedido formulado; efectivamente, nela não figurando seu ex-marido, a quem o conluio e a consciência do prejuízo é atribuído na sentença; não figurando, por outro lado, os representados do procurador abusivo, fácil é ver, que a sentença, não vinculando estes não intervenientes, não regula definitivamente, a questão. Estamos, na presença do necessário litisconsórcio pelo lado activo e passivo, por imposição do art.º 28, n.º 2 do Código de Processo Civil; 5.6- A questão do litisconsórcio necessário deveria ter sido apreciada na sentença em recurso, pois, a afirmação genérica, contida no despacho saneador, de que inexistiam excepções ou nulidades, não faz caso julgado, sobre essa matéria; 5.7- No caso dos autos, o Exmº Juiz, ao apoiar-se no disposto no art.º 288, n.º 3 do Código de Processo Civil, para não se pronunciar, sobre a questão da ilegitimidade activa e passiva, não interpretou, correctamente, esse preceito, porquanto, a sanação, considerada naquele inciso legal, só é viável, quando o tribunal tiver razões, para conhecer do mérito da causa, em sentido favorável à parte, que o pressuposto em falta se destina a proteger; ora no caso, como, acima se disse, o problema da legitimidade tem a ver com a protecção de pessoas, que não figuram como partes, a saber: Humberto............ e representados do R. Luciano.......; 5.8- A única conclusão lógico-jurídica, que é possível deduzir, ou extrair dos factos assentes, é a de que a recorrida e seu ex-marido, tendo comprado verbalmente uma casa, a alguém, que, em consequência da representação abusiva, a vendeu a terceiro, têm de demandar o “vendedor”, do qual, porém, são meros credores, do valor, por eles pago, a título de preço de um negócio nulo; 5.9- Ao declarar, sem mais, a nulidade do acto celebrado, entre o procurador do vendedor e a recorrente, a recorrida nada ganha, pois, não pode pedir que a venda da dita casa seja realizada, para si ou para si e seu marido. Estamos na presença de um acto inútil, para quem o pediu; 5.10- Isso, por que há erro na forma processual escolhida e nos pedidos, face à matéria articulada e pessoas demandadas; 6. Nas suas contra alegações, a recorrida bate-se pela confirmação dos julgado. 7. Após a interposição do recurso de apelação, veio a Ré Antónia recorrer de agravo do despacho que fixou o “quantum” indemnizatório pela sua condenação como litigante de má fé. Alegando concluiu assim: 7.1- Uma vez que na sentença, proferida nos autos, que declarou a nulidade do acto, por simulação da recorrente, se concluiu que o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros, requisitos indispensáveis àquela declaração, só era passível de dar-se por assente, através do recurso ao método da presunção judicial, por inexistência de prova directa, não faz sentido condenar-se os recorrentes, por litigância de má fé, uma vez que este conceito implica a prova directa de dolo, ou malícia na actuação processual, designadamente, a produção consciente de asserções. Que, à partida, e, desde logo, a parte, que as profere, sabe não serem verdadeiras; 7.2- Decair, em resultado de raciocínio directo, ou com base em presunções, não significa que os recorrentes estivessem ( como, aliás, ainda, estão ) convencidos da verdade do que afirmaram nos autos; 7.3- Por que, assim, não se justifica a sua condenação como litigantes de má fé; 7.4- E bem menos se justifica, no referido contexto, que essa condenação atinja 20 UC mais trezentos mil escudos, a título de indemnização à recorrida; 7.5- Por erro de aplicação e interpretação do disposto no art.º 456 do Código de Processo Civil, pede-se a revogação do decidido, a este propósito, ou, no menos, que o “quantum” seja doseado, equilibradamente, tendo em conta o texto e o contexto; 8. Foram, também, produzidas contra alegações no que ao agravo diz respeito, tendo o Exmº Juiz proferido despacho de sustentação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 9. São estes os factos que a 1ª Instância deu como provados: 9.1- A Autora casou catolicamente e sem convenção antenupcial, com Humberto ........, em ../../.., tendo esse casamento sido dissolvido, por divórcio, por sentença de ../../.., transitada em ../../..; 9.2- No inicio de 1983 a Autora e o seu marido residiam em França; 9.3- Mário .........., Maria Luísa .......... e Laura ............, outorgaram a favor do 1º Réu, Luciano ............, no dia ../../.., a procuração de fls. 6 e 7 onde lhe davam poderes para em nome deles mandantes vender pelo preço e condições que entender quaisquer bens que possuam no Concelho de ...........; 9.4- Em 02/05/94, a Autora requereu arrolamento dos bens do casal; 9.5- Em ../../.., e antes que o arrolamento tivesse sido feito, foi requerido, na Conservatória do Registo Predial de ............., o registo da aquisição, a favor dos Mário .........., Maria Luísa e Laura ............., do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e andar, com 6compaertimentos, e logradouro, que confronta do norte com Quinta da .................., do nascente com António ........., do sul com caminho público, e do poente com casa d.................., descrito sob o nº........./..........., da Freguesia de ...........; 9.6- Por escritura pública outorgada em ../../.., no Cartório Notarial de .........., foi outorgado o contrato de compra e venda pelo qual Luciano .............., na qualidade de Procurador de Mário ........., Maria Luísa e Laura .........., e em nome destes, vendeu a Antónia .............., pelo preço de 3.000.000$00, de cujo recebimento dá quitação, o prédio urbano referido em 9.5);; 9.7- A Autora e o então marido, Humberto .............., compraram verbalmente aos identificados mandantes referidos em 9.6) o prédio referido em 9.5), pelo preço de 3.000.000$00, pagos na totalidade, nesse ano de 1983, pela Autora e pelo então seu marido Humberto ..........., ao Dr. Mário ................; 9.8- Em data indeterminada, mas que se situa entre 1983 e 1988, a Autora e o então seu marido, procederam a obras de reparação e melhoramento na casa referida, que foram pagas com economias de ambos; 9.9- Para a referida casa compraram alguns móveis, louça e roupas; 9.10- Nela pernoitaram algumas vezes quando se deslocavam de férias a Portugal; 9.11- O casal composto pela Autora, o então marido, desde 1983, considerava tal casa como sua; 9.12- Em Agosto de 1988, o então marido da Autora não a acompanhou no regresso a França, permanecendo a residir na referida casa; 9.13- A 2ª Ré não entregou qualquer quantia, referente ao preço constante da escritura de compra e venda referida, ao 1º Réu nem este aos seus mandantes; 9.14- Nem o 1º Réu quis vender à 2ª Ré nem esta quis comprar o referido prédio; 9.15- Sempre foi intenção dos Dr. Mário ....., Maria Luísa e Laura ......... vender a casa ao Humberto; 9.16- Só que o 1º Réu, em conluio com o marido da Autora, e com a intenção de retirar do património do casal a referida casa, sem ter informado os vendedores e sem o seu consentimento, outorgou a referida escritura; 9.17- Bem sabiam, quer o 1º Réu quer a 2ª Ré, que a vontade dos vendedores não era a de venderem a casa à sogra da Autora, mas sim à Autora e ao então seu marido; 9.18- Após 1988, a Ré Antónia mandou fazer algumas obras de reparação na casa e para ela trouxe alguns móveis seus, passando ali a viver, juntamente com o seu filho Humberto, há cerca de 10 anos; 9.19- Os referidos Mário, Maria Luisa e Laura outorgaram a procuração porque se achavam integralmente pagos; 9.20- A Ré Antónia é mãe de Humberto .............. - doc. De fls. 88 e 89 -; 10. Os recursos são julgados pela ordem da sua interposição ( art.º 710 d0 Código de Processo Civil ), pelo que se passará a apreciar a apelação. Sabido que as conclusões das alegações de recurso delimitam o âmbito de apreciação do recurso, sintetizamos as seguintes questões colocadas para decisão do presente recurso: a) Da inatendibilidade, por violação do disposto no art.º 664, nº 2 do Código de Processo Civil, da resposta dada ao quesito A1. Perguntava-se nesse quesito, que é a transcrição do alegado no art. 3 da petição inicial, se: A Autora e seu marido em 1983, prometeram comprar ao Dr. Mário .......... e mulher Maria Luisa ............... e à Laura ............. um prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, sito na vila de ............, a confrontar do norte com a Quinta d..............., do Nascente com António ................, do Sul com caminho público e do poente com Casa................, inscrito na matriz urbana respectiva sob o n.º ..... da freguesia de .......... O tribunal respondeu que: A Autora e o então seu marido, Humberto ..............s, compraram ,verbalmente, a .......: A resposta explicativa só excede o seu âmbito, com a consequência de a ter por não escrita, se ela não estiver contida no principio processual dos art. 265º do CPC (Principio do dispositivo) segundo o qual o juiz só pode utilizar a matéria de facto carreada pelas partes para o processo. Por outro lado, o tribunal não pode deixar de atender a tudo aquilo de que dispõe nos autos, quer tenha vindo de uma das partes ou da outra. É o que decorre do principio da aquisição processual – art. 515º do CPC (Rodrigues Bastos, Notas, III, 87 e Alberto dos Reis, CPC Anotado, III, 273). O principio aquisitivo abarca as provas, os documentos carreados para o processo e também a própria articulação. Assim, a resposta explicativa ao quesito só será excessiva desde que não esteja no âmbito da matéria articulada e da quesitada (BMJ-240-230). Ora dos autos resulta que a Autora alegou que no ano de 1983, ela e o então seu marido prometeu comprar ao Dr.Mário ..........., mulher e D. Laura o prédio que identifica na petição. O tribunal deu como provado, não que existisse uma promessa de compra, mas a compra verbal desse mesmo imóvel. Poderia parecer numa abordagem mais aligeirada que essa resposta extravasava o âmbito do alegado. Porém, há que ter em conta que logo no artigo seguinte, o quarto, a Autora alega que de imediato foi entregue a totalidade do preço tendo outorgado nesse ano de 1983 uma procuração, a favor do primeiro Réu, para que a venda se efectivasse. Perante esta factualidade não poderia ter existido uma promessa de venda, mas a venda feita verbalmente, a qual aguardava que o primeiro Réu devidamente mandatado procedesse à outorga da escritura, o que não veio a fazer a favor da Autora e o então seu marido, mas a favor da mãe deste já em 1994, ou seja onze anos depois. A lei processual não consagra agora o principio da preclusão pura como decorre do disposto no Art.º 264 do Código de Processo Civil. E, uma vez que a resposta explicada ao quesito não tem a virtualidade de convolar a causa de pedir invocada, que mesmo com a resposta dada se mantém inalterada, não se vê como possa tal resposta ser dada por não escrita. Acresce que a fundamentação jurídica se encontra na factualidade invocada, com o senão de se ter afirmado que se tratou de um contrato promessa quando efectivamente se tratou de uma venda não titulada, o que aliás é confirmado pela fundamentação que foi dada à resposta e que proveio do depoimento do vendedor, e essa fundamentação também é facto que pode ser apreciado nesta instância. Quanto à resposta dada ao quesito A2, devemos ter em consideração que aí se perguntava: “O preço ajustado pela compra e venda foi de 3.000.00000 que a Autora e o seu marido Humberto ............, pagaram na totalidade ao Dr. Mário ............ nesse ano de 1983?” Respondeu o tribunal que: o preço da compra referida em A1 foi de 3.000.000$00, pagos, na totalidade, nesse ano de 1983, pela Autora e pelo então seu marido Humberto ................ ao Dr. Mário.......... Quanto a esta resposta ao quesito não vislumbramos que a mesma seja excessiva, nos termos que já deixamos expostos quanto ao entendimento da resposta do mesmo tipo, dada ao quesito anterior. Efectivamente o que se perguntava era se o preço ajustado foi da quantia referenciada e, concretizou-se a resposta dizendo que o preço integralmente pago na altura foi de 3.000.000$00. Contém-se a resposta na alegação feita. b) Da contradição das respostas dadas ao quesito A1 e A2 com a resposta dada à alínea I e esta em contradição com a resposta à alínea L Há contradição nas respostas dadas quando uma se oponha a qualquer outra. As identificadas respostas não se opõem umas ás outras. Na alínea I perguntava-se se sempre foi intenção do Dr. Mário ............. e esposa a de vender a casa à Autora e seu então marido e na L se os Réus bem sabiam que a vontade dos vendedores não era a de vender a casa à sogra da Autora. Efectivamente, se atentarmos que a venda titulada na escritura foi feita por procurador dos Drº Mário........... esposa e D. Laura, o quesito tão só afirma que a sua intenção foi a de que o procurador segundo as instruções recebidas e efectivasse a venda na pessoa do então marido da Autora. Prendendo-se os factos com o mesmo negócio, o certo é que os quesitos I e L, prendem-se com realidades concretas diferentes dos factos assentes nas respostas aos quesitos A1 e A2. Nada tem tais respostas de contrário ao preço da compra e à forma de pagamento dele, nem o facto de se afirmar que a venda seria feita ao então marido da Autora é contraditória com as demais, uma vez que, é precisamente esta a questão que trás as partes a tribunal. A divisão dos bens em consequência do divórcio sempre seria feita em atenção ao regime de bens e à compra efectuada na constância do casamento. Também nesta parte não assiste razão à recorrente, pelo que a factualidade dada como provada não merece ser alterada, ou seja, entende-la como não escrita. Damos assim, como provados todos os factos constantes de 9). c) Da falta dos requisitos da simulação, e a verificação dos mesmos feitas na sentença. Prescreve o art.º 240 do Código Civil que se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. O negócio simulado é nulo. São requisitos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, mediante acordo com o intuito de enganar terceiros. A demonstração destes requisitos deve fazer-se através de factos que, segundo a experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato. Dos factos dados como provados decorre que houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada ( resposta ao quesito H ) Quanto aos demais requisitos, o tribunal lançou mão de presunções judiciais para os julgar verificados. É contra tal decisão que a apelante se insurge. As chamadas ilações ou presunções da vida radicam em o “ juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência concluir que aquele denuncia a existência de um outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulte que um facto é consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra de experiência, ou se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência – Vaz Serra BMJ 110/190 –. Podemos pois afirmar que a chamada presunção judicial é a ilação que o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido – cfr. Art.º 349 do Código Civil -. Na simulação a interposição fictícia em regra fraudulenta, tem lugar quando os sujeitos do negócio jurídico, ou um deles, são simulados, ou seja, quando exista um conluio entre os dois sujeitos reais da operação e o interposto. Existe assim um acordo tripartido entre o sujeito simulado o interponente e a outra parte. Ora no caso dos autos e face à factualidade dada como provada o marido da Autora conluiou-se com o 1º Réu com a intenção de retirar do património do casal a referida casa, interpôs no negócio, sua Mãe que nele figurou como um sujeito simulado. Assim, é indiferente que o acordo simulatório tenha na sua génese na actividade desenvolvida pelo marido da Autora, pois só este tinha interesse na simulação, uma vez que o negócio o beneficiava em prejuízo da Autora que veria deste modo afastada a casa comprada, do património do casal. Sendo assim, bem decidiu o tribunal ao fazer uso das presunções judiciais, para dos factos conhecidos, por virem provados, concluir pelo acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros, neste caso a Autora. Efectivamente os factos provados dão conta que, nem o 1º Réu nem a 2ª Ré quiseram vender e comprar o prédio, a 2ª Ré, Mãe do Humberto, não entregou qualquer quantia referente ao preço, o qual foi integralmente entregue aos mandantes em 1983, nem o 1º Réu, por isso, entregou qualquer quantia a estes. Além disso o mandatário e a 2ª Ré sabiam que a procuração outorgada em 1983 se destinava à formalização da venda ao então marido da Autora. Agiu o 1º Réu, contra as instruções recebidas dos mandatários e conluiado com o então Marido da Autora, sabendo que era intenção deste fazer retirar esse bem do património do casal, sendo certo que a Mãe do Humberto sabia a situação de seu filho e, não querendo comprar e não tendo despendido a quantia constante da escritura como preço, foi um “testa de ferro”, necessário para que os fins fossem atingidos. Dos factos dados como provados e fazendo apelo ás presunções judiciais, temos que afirmar que se acham preenchidos os requisitos da simulação. d) Invoca a apelante que as partes são ilegítimas quer do lado activo, quer do lado passivo. A ilegitimidade activa resultaria do facto de não ser demandante o marido da Autora. Na altura da propositura da acção a Autora ainda mantinha o estado de casada com o dito Humberto, uma vez que ainda corria no Supremo Tribunal de Justiça o processo aí em fase de recurso. Mas esta questão não tem qualquer interesse processual, uma vez que, embora os efeitos do divórcio se produzam a partir da data do transito em julgado da sentença retrotraem-se, porém à data da propositura da acção quanto ás relações patrimoniais. – art.º 1789 do Código Civil- . A Autora é a única prejudicada com o acto simulado praticado e imputado ao então seu marido por intermédio do procurador dos vendedores e por sua Mãe, pelo que defende um interesse próprio e autónomo, em relação àqueles. Sendo assim, não se tratando de qualquer caso de litisconsórcio activo, a Autora, desacompanhada do seu ex-marido, tem legitimidade para a acção. Confrontando o disposto no art.º 26 n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil verificamos que o autor tem legitimidade quando tem interesse directo em demandar aferido pela utilidade da procedência da acção, atendendo à relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor. Entende a apelante que do lado passivo também se verifica a ilegitimidade das partes, uma vez que os vendedores não foram demandados, nem o ex-marido da Autora. Antes de mais deve fazer-se uma rectificação àquilo que vem alegado. A sentença não condenou no regresso do prédio ao património dos vendedores, limitando-se a declarar nulo o negócio e a ordenar o cancelamento do registo feito, procedendo da própria declaração de nulidade os demais efeitos. É certo que o despacho genérico no saneador sobre a inexistência de excepções ou nulidades , não constitui caso julgado. A questão da ilegitimidade pode assim ser ressuscitada e apreciada pelo tribunal de recurso. Também não é menos verdade que o preceituado no n.º 3 do art.º 288 do Código de Processo Civil, no que à sanação da excepção diz respeito, só se aplica quando o tribunal tiver razões para conhecer de fundo, mas em sentido favorável à parte que o pressuposto visa proteger. A existência de uma excepção dilatória não suprida, não obsta à apreciação do mérito da causa. Deve averiguar-se se a excepção visa a tutela de um interesse de ordem pública ou a protecção dos interesses de uma das partes. A apreciação do mérito da causa só pode ter lugar nos casos em que, visando a excepção proteger interesses subjectivos, tal decisão lhe seja favorável. Mas, esta ponderação que a lei hoje exige, tem que ser feita em relação aos concretos réus na acção, e não á hipotética intervenção de um outro. Mas a excepção da ilegitimidade invocada, terá antes de mais que ser apreciada. Ou seja há que ponderar se a mesma se verifica. A existir é que se tem que apreciar dos pressupostos requeridos pelo n.º 3 do art.º 288 do Código de Processo Civil. A intervenção de todos os interessados pode ser imposta, e neste caso estamos em presença de um litisconsórcio obrigatório ou necessário. Essa intervenção pode ser imposta nos casos a que se refere o art.º 28 do Código de Processo Civil, um dos casos aí contemplados é o de existir a necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão a obter. “ Sempre que, por não intervirem certas pessoas seja abalada a estabilidade que se procura e se deseja .... deixando a porta aberta à possibilidade de outros interessados na mesma relação jurídica suscitarem nova demanda, em que poderão obter decisão, diferente, o litisconsórcio impõem-se como obrigatório” – Rodrigues Bastos, Notas, i/109 – . É nesta base que a apelante entende existir tal obrigatoriedade. Acontece porém que, como já se referiu a Autora formulou o pedido que no essencial se reduz à anulação da compra e venda simulada. E isto porque o pedido de reversão do objecto da venda ao património dos vendedores não consubstancia um pedido autónomo, na medida que é a consequência lógica da declaração de nulidade. Em tal hipótese, entende-se na jurisprudência que a acção de anulação por simulação não carece de ser intentada contra o vendedor – BMJ 43/460,; 95/218 e RT 71/249 e na Doutrina os Comentários de Anselmo de Castro na RDES; José Alberto dos Reis na RLJ 78/161 e na mesma revista Vaz Serra 103/523 – . Os vendedores nenhum prejuízo têm com a procedência da acção de anulação por simulação, simulação essa em que interveio o procurador dos vendedores. Assim, não se verificando a invocada ilegitimidade não tem que se aplicar o disposto no n.º 3 do art.288 do Código de Processo Civil. Por outro lado o interesse que o ex-marido da Autora possa ter noutro processo, não tem qualquer reflexo neste , uma vez que ele não foi a figura do acto simulatório. O interesse da Autora em propor a presente acção é por demais evidente, para que desde logo se veja a sem razão das demais conclusões, nomeadamente quanto à utilidade prática que da mesma resultou. Uma nota final, o tribunal tem que aplicando os factos ao direito julgar o pedido formulado, não lhe sendo cometida a tarefa de curar de saber se as partes tenham ou não algum ganho. Assim sendo, no caso que nos ocupa, não se verifica qualquer caso de litisconsórcio necessário passivo, uma vez que, por um lado o ex-marido da autora não interveio no negócio, muito embora tenha sido o seu mentor, e por outro os vendedores acham-se representados pelo procurador, o 1º Réu, a favor de quem outorgaram a respectiva procuração. No mandato com representação o representante age em nome do representado e os efeitos jurídicos dos negócios por aquele realizados, nos limites dos seus poderes, produzem-se directamente na esfera jurídica do representado – art.º 258 do Código Civil – . Pode assim afirmar-se que os vendedores, estão na acção. Acresce que quem praticou o acto simulado foram os intervenientes na escritura, e a causa de pedir radica nela. 11. A apelante, nas suas conclusões de recurso nada formulou quanto à sua condenação como litigante de má fé. Entendemos que a condenação como litigante de má fé deve ser impugnada no recurso interposto da sentença e não no agravo do despacho que fixou o quanto indemnizatório à parte contrária. Mas mesmo que assim não se entendesse, a condenação da Ré como litigante de má fé é correcta. Entende-se geralmente que a má fé assim tipificada, isto é, a que implica com a verdade dos factos alegados, deve restringir-se à zona, dos factos pessoais. Litiga de má fé a parte que nega factos pessoais, pois só nessa área próxima do indivíduo é que se pode afirmar, em principio, um conhecimento exacto da verdade. Ora a contestante ora apelante e agravante está nestas circunstâncias, uma vez que o facto por si negado era do seu conhecimento pessoal. E, a conclusão formulada quanto à sua condenação como litigante de má fé assenta tão só em ter afirmado que efectivou a compra do imóvel e pagou o respectivo preço, quando bem sabia que tais afirmações não correspondiam à verdade. Além disso, como resulta dos autos a sua única participação no negócio visou proteger os interesses de seu filho. A condenação em litigante de má fé não pode ser questionada. Nas suas conclusões do recurso de agravo a agravante não questiona o quantitativo fixado como indemnização, limitando-se a concluir pela não verificação de factos que levem à sua condenação como litigante de má fé. Nada foi concluído na apelação quanto a essa condenação e nada foi concluído no agravo no que respeita ao quantum indemnizatório. Improcedem as conclusões de recurso. 12. Face ao que se deixou exposto acorda-se em negar provimento aos recursos. Custas em ambos os recursos pela recorrente. Porto, 5 de Fevereiro de 2001 Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida Bernardino Cenão Couto Pereira José Ferreira de Sousa
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021434 Nº Convencional: JTRP00030474 Relator: FERNANDA SOARES Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS VINCULAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA FORMA ESCRITA DECLARAÇÃO TÁCITA LETRA ACEITE Nº do Documento: RP200102050021434 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J AMARANTE 2J Processo no Tribunal Recorrido: 261-A/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS / TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: CSC86 ART260 N4. LULL ART25 ART28. Sumário: I - Para efeito de vinculação de sociedade por quotas por actos escritos praticados pelos gerentes, a indicação desta qualidade, que deve acompanhar a sua assinatura, por ser feita de forma tácita. II - Assim, é suficiente para revelar tal qualidade de gerente o facto de, no aceite de letra de câmbio, a assinatura do gerente ser escrita sobre um carimbo de que consta a firma, sede, telefone e número de contribuinte da sociedade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021208 Nº Convencional: JTRP00029716 Relator: EMÍDIO COSTA Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS ACÇÃO INDEMNIZAÇÃO LEGITIMIDADE ACTIVA NULIDADE PROCESSUAL PRAZO DE ARGUIÇÃO INÍCIO Nº do Documento: RP200102050021208 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 177/94 Data Dec. Recorrida: 18/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO. Decisão: PROVIDO. DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO. Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CSC86 ART77 N1. CPC95 ART205. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1992/03/05 IN BMJ N415 PAG505. Sumário: I - Na acção de indemnização circunscrita às relações entre dois sócios de sociedade por quotas, detentores de igual quota social, é parte legítima, como autor, o sócio que pede o pagamento de indemnização à sociedade, não tendo esta de ser chamada a intervir no litígio. II - O prazo para arguição de nulidade processual, cometida num momento em que a parte não esteve presente, inicia-se quando a parte intervier em algum acto praticado no processo, exigindo-se para o efeito a presença física da parte ou do seu mandatário, ou quando for notificada para algum termo do processo, desde que, pela natureza do acto a que se destina a notificação, a parte deva exercer uma actividade que, num sujeito de normal diligência, a levará a tomar conhecimento da nulidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051747 Nº Convencional: JTRP00030511 Relator: FONSECA RAMOS Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL ACIDENTE DE VIAÇÃO PRESCRIÇÃO INÍCIO DA PRESCRIÇÃO Nº do Documento: RP200102050051747 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 6J Processo no Tribunal Recorrido: 984/99-1S Data Dec. Recorrida: 10/07/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART498 N1. Sumário: I - No domínio da responsabilidade extracontratual, o momento relevante para início do prazo de prescrição do direito de indemnização é o do conhecimento do direito pelo lesado, ou seja, o momento em que o lesado toma consciência desse direito. II - Assim, no caso de acidente de viação em que o lesado não sofre lesões privativas da tomada de consciência de que fora vítima de um facto ilícito, aquele momento de início do prazo de prescrição é a data do acidente. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051071 Nº Convencional: JTRP00029059 Relator: AMÉLIA RIBEIRO Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES PERIGO PERTURBAÇÃO POSSE INDEFERIMENTO LIMINAR Nº do Documento: RP200102050051071 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PÓVOA VARZIM Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART381 ART393. CCIV66 ART1372 ART1360 ART1267 N1. Sumário: A abertura de porta em muro divisório entre duas propriedades não constitui propriamente uma lesão da posse mas sim uma ameaça, uma situação de perigo abstracto que se prende com a defesa da posse protegida no procedimento cautelar comum. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021659 Nº Convencional: JTRP00030500 Relator: MÁRIO CRUZ Descritores: DANOS MORAIS RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102050021659 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 142/00-3S Data Dec. Recorrida: 19/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART496. Sumário: I - A ressarcibilidade dos danos morais tem aplicação no domínio da responsabilidade civil obrigacional. II - Nas "demais circunstâncias do caso", a que a lei manda atender para fixação da indemnização por danos morais, incluem-se os padrões normalmente utilizados pelos tribunais em casos análogos e tudo o mais que acompanhe o caso concreto. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051585 Nº Convencional: JTRP00030793 Relator: ANÍBAL JERÓNIMO Descritores: ARRENDAMENTO URBANO ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO BENFEITORIA CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL VALIDADE Nº do Documento: RP200102050051585 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V N CERVEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 120/99 Data Dec. Recorrida: 01/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART405 ART1273. DL 446/85 DE 1985/10/25. Sumário: É válida a cláusula de contrato de arrendamento para habitação, apesar de pré-redigida ou cláusula contratual geral, pela qual não é permitido ao inquilino fazer obras ou benfeitorias, sem autorização escrita do senhorio, e as que fizer ficam pertencentes ao prédio, não podendo o inquilino alegar retenção nem pedir qualquer indemnização. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021750 Nº Convencional: JTRP00029554 Relator: MÁRIO CRUZ Descritores: EXECUÇÃO PENHORA BENS IMPENHORÁVEIS Nº do Documento: RP200102050021750 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: V MISTA BRAGA Processo no Tribunal Recorrido: 115/98 Data Dec. Recorrida: 26/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART822 F. Sumário: Para efeito de impenhorabilidade, o conceito de "bens imprescindíveis a uma economia doméstica" tem variado ao longo da história, de acordo com o grau de desenvolvimento social, cultural e económico, e o padrão das necessidades essenciais para uma família deve aferir-se em função do nível sócio-cultural e económico de qualquer família média portuguesa. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07A4618 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: FONSECA RAMOS Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL MARCAS CONCORRÊNCIA DESLEAL OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR DANOS NÃO PATRIMONIAIS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: SJ200802120046186 Data do Acordão: 12/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração, não só pelos seus competidores, como também com os consumidores, o que mais não é que agir com boa-fé. II - A lealdade da concorrência implica, desde logo, a adopção de práticas comerciais honestas, uma vez que a propriedade industrial deve de certa forma considerar-se expressão da propriedade intelectual, já que abrange elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc. III - Com a facilidade de divulgação dos produtos à escala mundial, e a severa competição comercial a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, a disputa do mercado faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por técnicas de marketing e de publicidade, sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto ou marca, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto ou marca, que, virtualmente, com ele compita, sendo relevantes o aspecto gráfico ou visual e o design dos produtos. IV - A imitação ou a confundibilidade pressupõem, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado. V - Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas. VI - Para que uma embalagem seja imitação de outra, importa que ela provoque no consumidor um risco de confusão, risco esse que abrange o risco de associação a embalagem de um produto concorrente dirigido preferencialmente a um universo de consumidores que não tem necessariamente que ser homogéneo. VII - No contexto dos actos de confusão releva o aspecto visual característico de como um produto ou serviço é apresentado ao público, o chamado “trade dress”. VIII - A imitação de um conjunto visual constituirá concorrência desleal quando a utilização de imagem, por dispor de forte cariz individualizador associado a uma marca, é pelo consumidor médio reconhecida, com facilidade, como pertença de uma concreta marca, ao ponto de se tornar evidente que existe indevida apropriação de certo visual já conhecido. IX - No competitivo mercado onde operam a Autora e a Ré o modelo das latas é “universal”, estando os produtos associados a determinadas cores. Daí que seja “socialmente adequado”, não repreensível, em termos de concorrência, que possa existir uma certa semelhança entre as embalagens. X - A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente na obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, verificados os requisitos dos arts. 483º, nº1, 562º e 566º do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude. XI - Em caso de sociedades comerciais, factor deveras relevante para fixação do “quantum” compensatório, em caso de dano não patrimonial é a repercussão que a imputação maléfica tem na vida empresarial o que, desde logo, é aferível pela sua situação no mercado antes e depois dos factos. XII - Como no caso em apreço a Ré não viu a sua situação lucrativa especialmente afectada, reputa-se equitativa a compensação de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos. Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 18.3.2004, pelo 5° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB Pedindo que na procedência da acção seja a ré condenada a: a) Abster-se de copiar a imagem da autora no mercado; b) Pagar à autora o que se vier a liquidar em execução de sentença pelo desvio de clientela; c) Pagar à autora a quantia de €1.000.000,00 a título de dano à marca da autora, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Alegou, em síntese, que: - se dedica ao comércio de tintas, vernizes e outros produtos destes derivados e complementares; - a Ré tem um objecto semelhante ao seu, sendo uma empresa sua concorrente directa no mercado de tintas e vernizes; - desde finais de 2002 que a Ré tem vindo a aliciar os revendedores da Autora, de forma a que estes vendam nos seus estabelecimentos as tintas da marca “Neuce”, fazendo-o de forma deliberada, generalizada e premeditada; - invocando expressamente como argumentos para a venda dos seus produtos a confundibilidade dos seus produtos com os da Autora, e bem assim o aproveitamento da tecnologia desenvolvida ou comprada pela Autora; - a Ré copiou da Autora a imagem e apresentação das embalagens dos seus produtos, quer no que diz respeito ao modelo de lata empregue para embalar as tintas, quer nas cores empregues, quer na localização e disposição dos vários elementos gráficos; - e apresenta propostas de disposição das fachadas das lojas exactamente iguais às da Autora; - o logótipo da Ré é claramente inspirado no da Autora, o que contribuiu decisivamente para a confundibilidade geral dos produtos; - copiando a Ré de forma descarada todos os elementos distintivos da Autora, de forma deliberada, confundindo os consumidores sobre a origem e a qualidade dos produtos, e angariando ilicitamente clientela; - a Ré anuncia aos revendedores da Autora que os seus produtos-base se podem aproveitar com o equipamento da Autora, respectiva base de dados e software e corantes, garantindo como resultado as mesmas cores finais constantes do catálogo da Autora – que constitui um grande activo de qualquer marca de tintas –, violando de forma manifesta o direito de exploração exclusiva da sua base de dados; - a conduta da Ré tem como único propósito desviar clientela da Autora; - tal conduta desviou e continua a desviar clientela da Autora, em quantidade e volumes que não pode precisar, sendo certo que a Ré desde 2000 (ano da introdução da nova imagem) e 2003 teve um aumento de cerca de 57,90% nos seus resultados (numa época em que todo o mercado da construção civil está em crise), contrariamente à Autora que viu diminuídos os seus resultados; - a conduta da Ré provocou como efeito directo e necessário, um dano do valor da marca da Autora em montante nunca inferior a € 1.000.000,00. Contestou a ré pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização. Deduziu reconvenção em que pede a condenação da autora a: a) Abster-se de praticar quaisquer actos que a visem desacreditar no mercado; b) Pagar-lhe a quantia de €100.000,00 a título de danos não patrimoniais; c) Pagar-lhe a quantia que se liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora. Em resumo alegou: - serem gritantes as diferenças existentes entre os produtos de uma e de outra, não havendo qualquer semelhança gráfica, fonética ou figurativa entre os produtos da Ré e os da Autora; - o que distingue as diferentes marcas são os chamados elementos distintivos, como a marca, o logótipo e o nome do produto, não gerando qualquer confundibilidade no consumidor a forma das latas, os tons das cores e o próprio grafismo usados pela Ré; - é pela marca “Sotinco”, pelo seu logótipo e pelo nome dos seus produtos que os consumidores em geral distinguem os produtos da Autora dos demais, razão pela qual tais elementos estejam sujeitos a registo, de forma que não possam existir outros que induzam os consumidores em erro; - as fachadas das lojas dos revendedores da Ré apresentam o traço comum da generalidade dos estabelecimentos comerciais, sendo completamente distintos dos da Autora os reclamos usados pela Ré; - a Ré tem o registo quer da sua marca, quer do seu logótipo, os quais não foram impugnados até à data; o sistema de afinação de cores não é exclusivo da Autora, sendo utilizado pelas principais marcas de tintas implantadas em Portugal, sendo certo que a Ré nunca fabricou tinta com bases da Autora; - o crescimento da Ré no mercado deveu-se à superior qualidade dos seus produtos e ao seu baixo custo, ao facto de ter aberto várias delegações no País e a uma forte aposta no mercado externo; a Autora falseia dolosamente os factos com vista a viabilizar a sua pretensão, que de antemão sabe ser falsa. Em sede reconvencional, aduziu que a Autora, nos últimos 16 meses, tem vindo a adoptar uma conduta claramente persecutória em relação à Ré, visando destruir a sua imagem comercial; - pois, para além desta acção, apresentou uma queixa contra a Ré no IGAE e outra na APCER e, não satisfeita, insistentemente os seus representantes dizem aos revendedores/clientes da Ré para não acreditarem no projecto da Ré, que não é merecedor de qualquer credibilidade, que a Ré não tem futuro porque a Autora lhe moveu três processos que a vão levar à falência e que o baixo preço dos seus produtos se deve à sua fraca qualidade; - este comportamento da Autora representou um forte revés na imagem comercial da Ré e no forte investimento com vista à sua divulgação, e mais não visa do que desacreditar a Ré no mercado, denegrindo a sua imagem, o seu bom nome e a qualidade dos seus produtos no mercado, em total desprezo pelas exigências fundamentais do bom costume e da moralidade dos negócios, constituindo um acto de concorrência desleal, fazendo incorrer a Autora na obrigação de indemnizar a Ré de todos os danos que lhe foram causados e continua a causar em consequência desse comportamento. Replicou a autora, mantendo no essencial o já alegado, pedindo a improcedência da reconvenção e retribuindo o pedido de condenação na litigância de má fé. *** Elaborado o despacho saneador e a base instrutória, não sofreram qualquer reclamação, sendo admitida a reconvenção. Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova, merecendo os quesitos as respostas constantes de fls. 787 e seguintes dos autos. *** Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados; e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a autora a abster-se de praticar actos que visem desacreditar a Ré no mercado; a pagar à Ré a quantia de € 75.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da notificação da contestação da Ré, até efectivo e integral pagamento; e a pagar-lhe a quantia que se liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais sofridos em consequência da atitude da Autora. Mais condenou a autora como litigante de má fé na multa de 50 Uc’s e em indemnização a fixar. *** Inconformada a autora interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do Porte que, por Acórdão de fls. 958 a 996, de 4.7.2007, concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida apenas no concernente à condenação da Autora como litigante de má-fé. *** De novo inconformada recorreu a Autora, para este Supremo Tribunal, e, nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões: 1) A decisão recorrida não se pronunciou sobre a prova por documentos que a Recorrente, então apelante, alegou expressamente para prova dos quesitos 17, 19 a 32, quando o deveria ter feito de forma não apenas expressa como fundamentada. 2) Da mesma forma, não se pronunciou a decisão recorrida sobre a força probatória dos documentos, não impugnados, constantes a fls. 680 a 694 dos autos, nomeadamente para alteração da resposta de provado para não provado dos factos provados n°s 50 a 53 e 69. 3) A prova documental não está sujeita às limitações impostas pela imediação da prova, uma vez que se mantém inalterada nos autos, sujeita à sindicância das instâncias de recurso, devendo por isso o Tribunal da Relação pronunciar-se sobre ela, nos termos que sejam alegados, e quando a parte alegue, como fez a Recorrente que tal prova por si justificava a alteração de parte da decisão sobre a matéria de facto. 4) A omissão de pronúncia do Tribunal a quo implica a nulidade da decisão proferida, nos termos do disposto no art. 668, n°1, al. d) do Código de Processo Civil. 5) Recorrida e Recorrente são concorrentes directas no mercado de tintas, vernizes, diluentes e outros produtos destes derivados. 6) Os factos provados 18 a 26 materializam uma verdadeira imitação gráfica das embalagens da Recorrente pela Recorrida e consequente confundibilidade. 7) Não apenas pela verdadeira cópia dos respectivos elementos gráficos, mas também pela sua distribuição nas embalagens, mas acima de tudo pelo exacto acompanhamento das diversas referências cromáticas relativas a cada gama de produtos. 8) Além de uma cópia gráfica, a Recorrida copiou exactamente para a mesma gama de produtos a mesma cor de apresentação da respectiva embalagem. 9) As embalagens de produtos constituem um dos elementos de construção e valorização de uma marca — a par dos uniformes de funcionários, arquitectura dos respectivos estabelecimentos comerciais, know-how e métodos de gestão, meios de divulgação de marketing ou outros —, permitindo facilitar a sua identificação pelo consumidor e em consequência a sua clara distinção de produtos concorrentes. 10) Por ser um elemento valioso na distinção da marca e dos produtos em si, a própria apresentação das embalagens tem de estar sujeita a protecção jurídica. 11) A confundibilidade de embalagens deve ser sancionada pelo Instituto da Concorrência Desleal, uma vez que implica uma conduta que visa confundir o mercado, o consumidor médio, acerca da origem dos produtos; 12) A confundibilidade das embalagens deverá ser tutelada juridicamente, sendo por isso relevante, independentemente de imitação da marca registada ou de violação de qualquer direito privativo. 13) Aliás, a distinção de um comerciante ou dos seus produtos é garantida pelos direitos privativos, mas também pela tutela do instituto da concorrência desleal, que pode operar independentemente daqueles. 14) A principal função de uma marca é distinguir produtos e comerciantes, permitindo associar um produto a uma origem e consequentemente a determinadas qualidades. 15) O uso de marcas registadas distintas envoltas em ambiente confundível, e ainda por cima com preços manifestamente dirigidos a distintos mercados, não permite ao consumidor distinguir a origem de dois produtos diferentes, antes proporcionando que as confunda. 16) Como é já do conhecimento geral e comum, o valor da apresentação das embalagens é tão alto que cada vez mais as empresas investem na distinção dessa aparência, obrigando essa actividade a estudos de mercado e investimentos avultadíssimos. 17) O art. 317º do Código da Propriedade Industrial visa punir condutas, considerando-as ilícitas, que beneficiem a confundibilidade de produtos ou comerciantes para lá da tutela específica das violações dos direitos privativos. 18) A aproximação e colagem de imagem das embalagens de três diferentes gamas de produtos — equivalentes a centenas de produtos específicos — é manifestamente susceptível de “criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes” — vide art. 317º al. a) do CPI., nomeadamente quanto à origem dos produtos. 19) As pessoas colectivas têm direito a ser ressarcidas por quem ofender o seu crédito ou bom-nome, nos termos gerais previstos no art. 484º do Código Civil. Contudo, 20) Apenas as pessoas colectivas com forte cunho pessoal, como as Associações ou Fundações é que sendo um verdadeiro espelho de quem as gere ou representa, podem sofrer danos não patrimoniais — sendo estes definidos em função da imaterialidade do próprio prejuízo — uma vez que sempre tais pessoas colectivas mais não são do que o mero aglomerado de várias esferas individuais de direitos e valores. 21) Pelo contrário, as sociedades comerciais agem independentemente de quem é titular do respectivo capital, prosseguindo um interesse e escopo próprios, exclusivamente dirigidas ao lucro. 22) Assim sendo qualquer crédito ou bom-nome de uma sociedade comercial mais não é do que mais um activo empresarial, equivalente ao aviamento ou goodwill. Ora, se a capacidade de angariação de negócios não é afectada (não há diminuição do volume de negócios), então é porque não houve dano! Pode ter existido uma tentativa, mas a verdade é que o dano não se produziu. 23) Sendo certo que ao invés das pessoas individuais, as sociedades comerciais não são um repositório axiológico de qualquer núcleo essencial e abstracto ou absoluto de valores inerentes à sua mera existência, tudo na vida da sociedade apenas releva se se revelar no seu fim o lucro – caso contrário, nem sequer releva! 24) Assim, uma sociedade comercial de capitais só pode sofrer um dano se e na exacta medida em que isso se reflicta na sua actividade produtiva e consequentemente no lucro. 25) Tendo qualquer lesão num bem imaterial da sociedade de ter um reflexo ou tradução em danos materiais. 26) Por outro lado, o quantum indemnizatório de € 75.000,00 é manifestamente exagerado face às condições económicas da Recorrida, com resultados líquidos de 2000 a 2003 entre os € 1.000,00 e os € 42.000,00 (ascendendo a € 114.000,00 em 2004). 27) Sendo aquele valor equivalente a 75 vezes os lucros auferidos pela sua actividade em 2001 ou em 2003, a três vezes e meia os lucros de 2002, ou quase a duas vezes os lucros de 2000! 28) E, pasme-se, equivalente ao valor correntemente fixado pela nossa jurisprudência para o dano da morte. 29) Acresce que, invocando como critério a situação do agente, não esclarece a decisão a quo qual é essa situação, impedindo as partes de contra ela reagirem de forma mais fundada, nomeadamente relativamente à interpretação de eventuais dados contabilísticos. 30) O Tribunal Recorrido violou, por errónea interpretação, o disposto nos arts. 317º do Código da Propriedade Industrial e nos arts. 484º e 496º do Código Civil. Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele: i. Pela declaração de nulidade da decisão recorrida; E subsidiariamente, ii. Pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene a Recorrida por concorrência desleal, por ter conduta susceptível de criar confusão com produtos da Recorrente; e iii. Pela absolvição da Recorrida do pedido reconvencional. Ainda que assim se não entenda, iv. Pela redução da condenação no pagamento dos danos não patrimoniais em atenção à equidade, e à condição económica da lesante e lesada e dos concretos danos produzidos. A Recorrida contra-alegou batendo-se pela confirmação do julgado. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1. A Autora “AA.” dedica-se ao comércio de tintas, vernizes e outros produtos destes derivados e complementares – (resposta ao quesito 1º da Base Instrutória). 2. A Ré “BB” dedica-se ao comércio de tintas, vernizes e outros produtos destes derivados e complementares (2º). 3. A Autora utiliza o nome de produto Supermate e a Ré o nome de produto Neucebel (Alínea B dos factos assentes). 4. A Autora utiliza os nomes de produto Vemitinco e Marão e a Ré os nomes de produto Vernizes e Linha Solvente (C). 5. A Autora baseia a sua distribuição de produtos do seu comércio numa rede de revendedores, seja ao abrigo de contratos de franquia, seja ao abrigo de meros contratos de revenda (3º). 6. A Autora beneficia de grande e boa reputação no mercado, sendo reconhecida pela qualidade dos produtos do seu comércio e dos seus serviços de distribuição e de apoio ao cliente, garantindo sempre a satisfação dos seus clientes e revendedores (4º). 7. A imagem comercial da Autora é um elemento para a identificação dos seus produtos e serviços, sendo reconhecida em todo o território nacional, até por um consumidor médio (5º). 8. A Autora fundamenta a sua politica comercial numa forte implantação e divulgação da sua marca de base, bem como da sua imagem geral, através de um avultado investimento em publicidade nos mais diversos suportes de comunicação (6º). 9. Os logótipos e marcas detidos pela Autora são reconhecidos pelo consumidor médio com elementos distintivos da Autora e das tintas, diluentes, vernizes, ou outros produtos SOT1NCO (7º). 10. A Autora privilegia igualmente a imagem específica dos seus produtos, apresentando cada linha de produtos com uma embalagem própria, identificativa daquela linha de produtos (8º). 11. O mercado das tintas de construção civil é competitivo (9º). 12. Sendo a distinção ou capacidade distinta de um produto uma mais-valia nesse mesmo mercado (10º). 13. Durante o ano 2000 a Ré implementou uma alteração na imagem de alguns dos seus produtos (11º). 14. A Ré teve resultados crescentes nos últimos 3 anos, tendo aumentado os mesmos em mais de 57% entre 2000 e 2003 (alínea A) dos factos assentes). 15. Desde finais de 2002 a Ré, através dos seus vendedores e dos seus responsáveis, tem abordado alguns revendedores da Autora (12º). 16. Aliciando os mesmos para que vendam nos seus estabelecimentos as tintas de marca NEUCE (13º). 17. A Ré, na embalagem das tintas, emprega alguns modelos de lata idênticos a modelos utilizados pela Autora (18º). 18. O layout geral da lata da Autora consiste numa barra na parte superior, ocupando cerca de ¼ da altura total da lata, onde se encontram impressos o respectivo logótipo e marca SOTINCO, e uma barra colorida — de cor diferente — que ocupa a restante altura da lata, onde é imprimida a marca do concreto produto e outras menções obrigatórias (20º). 19. As duas barras referidas em 18 são separadas por uma linha grossa, também colorida, de cor normalmente amarela (21º). 20. A Autora mantém a disposição gráfica referida em 18 e 19, variando as cores empregues consoante a linha de produtos em causa (24º). 21. Nas embalagens de tintas plásticas, a Autora emprega predominantemente a cor verde, com linha separadora amarela e barra superior branca (26º). 22. A Ré utiliza cores e disposição idênticas nas suas latas de tintas plásticas (27º). 23. Na sua linha de esmaltes, as latas da Autora são predominantemente azuis, com linha separadora amarela e barra superior branca (28º). 24. A Ré utiliza cores e disposição idênticas nas suas latas de esmaltes (29º). 25. Na sua linha de vernizes, a Autora emprega predominantemente a cor castanha, com a imagem de madeira raiada em tons claros de fundo, com a linha separadora amarela e remate superior em castanho-escuro (30º). 26. A Ré utiliza cores e disposições idênticas nas suas latas de vernizes (31º). 27. A Autora adquiriu e desenvolveu tecnologia necessária a afinação de cores, tendo, nesse sentido, feito investimentos muito avultados (39º). 28. Esse mesmo sistema utiliza tintas base pigmentadas desenvolvidas com tecnologia e especificações próprias, a que acresce uma base de dados de mais de 10.000 cores, totalmente desenvolvida e formulada pela Autora (40º). 29. Bem como uma escolha de corantes, sistemas tintométricos e software próprios (41º). 30. Este conjunto de tecnologias e sistemas permite aos revendedores fabricar, quase instantaneamente, mais de 10.000 cores na própria loja de atendimento ao público (42º). 31. O catálogo de cores constitui um grande activo de qualquer marca de tintas (43º). 32. A Autora licencia a utilização desta tecnologia aos seus revendedores, autorizando dessa forma, a sua utilização no quadro dos contratos de revenda (44º). 33. Sendo este procedimento comum á generalidade das fábricas de tintas no mercado (45º). 34. A utilização desta tecnologia implica a aquisição de equipamento próprio para cada loja, cujo preço de aquisição ronda € 17.500,00 / unidade (46º). 35. Sendo que a utilização da base de dados de cada marca é limitada aos produtos da própria marca por razões de compatibilidade técnica, e que tem a ver com o grau de opacidade das tintas – base, compatibilidade dos corantes empregues, e outras especificações técnicas (47º). 36. A Ré sabe que a tecnologia utilizada e respectiva base de dados de cores são pertencentes à Autora, a qual detém o direito de exploração exclusivo dessa tecnologia e base de dados (50º). 37. No período de tempo aludido em 14. o mercado da construção civil esteve em crise, arrastando consigo o mercado das tintas (56º). 38. A Autora apresentou vendas no valor € 24.560.000,00 em 2001 (59º). 39. E rondou os € 22.000.000,00 em 2003 (60º). 40. O reconhecimento da marca SOTINCO resulta também do investimento que a Autora vem realizando na divulgação daquela marca desde 1995, com várias campanhas publicitárias em meios de comunicação social e outros meios de divulgação de informação em massa (62º). 41. Investimento esse que não foi nunca inferior a € 1.000.000,00 por ano (63º). 42. E que deverá, previsivelmente, aumentar nos anos próximos (64º). 43. A marca da Autora tem já capacidade de angariação de clientela, sendo um elemento aglutinador de consumo (65º). 44. A marca da Autora vale, por si, e actualmente, pelo menos € 6.300.000,00 (66º). 45. A Ré tem conquistado cada vez mais quota de mercado devido à qualidade dos seus produtos e ao seu baixo custo, comparativamente com as restantes marcas (71º). 46. Bem como da dinâmica, inovação e risco permanente assumidos pela Ré (72º). 47. A Ré contacta com todos os potenciais clientes, sejam eles clientes/revendedores da Autora ou de qualquer outra marca (73º). 48. Sendo os seus clientes/revendedores igualmente assediados de forma constante pelas marcas concorrentes (74º). 49. O modelo de latas utilizado pela ré é o universal e utilizado pela grande maioria das marcas (75º). 50. No sector das tintas a cada produto é normalmente associada uma determinada cor pelas diferentes marcas (76º). 51. Sendo que as tintas plásticas estão associadas ao verde (77º). 52. Os vernizes aos tons acastanhados (78º). 53. E os esmaltes são normalmente associados ao azul (79º). 54. As fachadas das lojas dos revendedores da Ré apresentam o traço comum da generalidade dos estabelecimentos comerciais, sejam eles de tintas ou de quaisquer outros produtos (81º). 55. A Ré é detentora do seu próprio sistema de afinação instantânea de cores, denominado Big Mix (82º). 56. Todos os sistemas de afinação de cores existentes permitem o fabrico de uma quantidade infindável de cores (83º). 57. E todos esses sistemas são compatíveis com quaisquer tipos de base, sejam elas Sotinco, Neuce, Robbialac ou outras (84º). 58. Sendo que o sistema de afinação da Ré funciona se lhe introduzirem bases da Autora tal como o desta fabrica tinta se lhe introduzirem bases da Ré (85º). 59. Os revendedores introduzem no seu sistema as bases da marca de tinta que pretendem fabricar (86º). 60. Os produtos Neuce são fabricados apenas e só com as bases Neuce (87º). 61. Nunca tendo a Ré fabricado tinta com bases da Autora (88º). 62. Os revendedores são quem escolhe a base a introduzir no seu sistema de afinação de acordo com a marca de tinta que pretendem fabricar (89º) 63. Pelo menos as principais marcas de tintas têm o seu catálogo de cores que são mais ou menos equivalentes entre si (90º). 64. A Autora tem implantado na base de dados do seu sistema de afinação catálogos de cores de outras marcas de tintas (92º). 65. Só a Autora tem acesso à sua base de dados, sendo esta completamente inviolável, tudo para que possa fabricar as suas equivalências aos produtos das outras marcas (93º). 66. Todos os produtos fabricados por uma determinada marca de tintas, Autora e Ré inclusive, têm produtos equivalentes aos das restantes marcas (94º). 67. A Ré disponibiliza o seu sistema de afinação Big Mix aos revendedores que decidam vender produtos Neuce (95º). 68. Quando esses revendedores são já detentores de um sistema de afinação não mostram interesse na instalação do sistema da Ré (96º). 69. O crescimento da Ré deveu-se também ao facto de ter aberto uma delegação no Algarve, e bem assim representações na Madeira e nos Açores, e ainda à aposta no mercado externo, nomeadamente Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné (99º, 100º e 101º). 70. A autora em 23.10.2003 apresentou uma denúncia contra a ré ao IGAE com os mesmos factos destes autos; em 12.01.2004 nova denúncia ao IGAE, denunciando eventuais deficiências de rotulagem; apresentou ainda reclamação na APCER com vista a ser-lhe retirado o respectivo certificado de qualidade — ISSO 9001 – (104º - resposta alterada pelo Tribunal a quo). 71. Os representantes da Autora transmitem a alguns revendedores /clientes para não acreditarem no projecto da Ré, por não ser merecedor de credibilidade (105º). 72. E que a Ré não tem futuro porque a Autora lhe moveu três processos que vai levar aquela à falência (106º). 73. Referindo ainda que o baixo preço dos produtos da Ré se deve à sua fraca qualidade e que a APCER lhe vai retirar o respectivo certificado (107º). 74. E afirmando que “já não há milagres, há algo de sujo por detrás desse sucesso” (108º). 75. Tal actuação tem sido efectuada de forma intensa e reiterada, gerando grande impacto nos mais diversos agentes do mercado, não existindo no sector quem desconheça a situação (109º). 76. Sendo que os próprios Bancos com quem a Ré trabalha já a interpelaram sobre esta situação (110º). 77. Este comportamento da Autora representou um forte revés na imagem comercial da Ré e no investimento com vista à sua divulgação (111º). 78. A Ré tem vindo a fazer um avultado investimento na divulgação da sua marca, da sua imagem e na certificação da qualidade dos produtos (112º). 79. A Ré apostou numa politica de marketing e publicidade em que despendeu largas dezenas de milhares de euros nos últimos três anos (113º). 80. Tendo espalhado nas auto-estradas e vias de grande movimento inúmeros outdoors publicitários (114º). 81. E tendo divulgado a sua marca na rádio, nomeadamente através do Grupo Renascença (115º). 82. O que, juntamente com a qualidade dos seus produtos, fez com que a marca Neuce tenha adquirido uma grande reputação no mercado e começasse a ser vista cada vez mais como uma marca de prestigio (116º). 83. A Autora sabe que os produtos da Ré são de alta qualidade (117º). 84. Contudo persiste em afirmar a sua fraca qualidade perante os revendedores (118º). 85. A conduta da Autora visa unicamente desacreditar a Ré no mercado, denegrindo a sua imagem, bom-nome, a sua reputação, a qualidade dos seus produtos no mercado (120º). 86. Nos últimos três anos, a Ré despendeu a quantia de cerca de € 100.000,00 na sua divulgação e na certificação da qualidade dos seus produtos (121º). 87. Em consequência do descrito comportamento da Autora, a Ré deixou de angariar alguns novos clientes (122º). 88. Há revendedores que se têm mostrado renitentes em comercializar produtos da Ré em consequência da conduta encetada pela Autora (123º). 89. Essa renitência manter-se-á até que a Autora termine com o seu comportamento de desacreditar a Ré no mercado (124º). Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber: - se a decisão recorrida não se pronunciou sobre prova documental, tal como peticionado na apelação pela Autora/Recorrente, para prova dos quesitos 17º e 19º a 32º, e para alteração das respostas, para “não provado”, dos itens 50 a 53 e 69 dos factos provados, o que evidencia omissão de pronúncia e consequente nulidade do Acórdão; - se existe, por parte da Ré, concorrência desleal pelo facto de ter copiado as embalagens dos produtos (tintas) da Autora, tornando assim confundíveis os produtos no mercado onde são concorrentes; - se as sociedades – em caso de ofensa do seu bom-nome ou crédito – são credoras, por tal ilícito, de indemnização por danos não patrimoniais, ou apenas por danos patrimoniais (perda ou afectação da clientela). - a entender-se que a Autora deve ser condenada a indemnizar a Ré, por factos que afectaram o seu prestígio comercial, se a indemnização fixada – € 75.000,00 – deve ser reduzida. Vejamos. Quanto à 1ª questão – relacionando-se com a alegada omissão na reapreciação da matéria de facto – [questão objecto do recurso de apelação] – que constituiria omissão de pronúncia, vício gerador da nulidade da decisão. São consabidas as restrições do Supremo Tribunal de Justiça e as regras legais atinentes à possibilidade de sindicar o julgamento da matéria de facto. Importa afirmar que Supremo Tribunal de Justiça, não sendo uma terceira instância de recurso, apenas conhece da matéria de facto, nos termos limitados dos arts. 722º,nº2, e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217: “Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o STJ só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ). Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2 e 755°, nº2). Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”. Assim, é manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista. A questão suscitada pela recorrente não convoca a aplicação do regime excepcional previsto no art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – que legitima a alteração da matéria de facto no contexto do recurso de revista, quando exista ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto e ofensa de preceito expresso de lei que fixe a força de determinado meio de prova. Mas, sempre diremos, que a prova documental que no essencial foi invocada pela Autora consiste em fotografias das latas dos seus produtos e dos produtos da Ré que, no entender da recorrente, seriam prova cabal da cópia do layout de tais embalagens e sinal inequívoco da confundibilidade dos produtos. A recorrente pretendia a alteração dos quesitos 14, 17, 19, 22, 23, 25, 32, 36, 38, 51, 53, 54, 55, 57, 58, 61, 67, 68, 70 a 86, 89, 92, 93, 97, 99 a 101, 104 a 118 e 120 a 124. Lendo as 97 conclusões das suas alegações, peticiona a alteração invocando, sobretudo, prova testemunhal, inspecção judicial e prova documental (sobretudo fotografias quanto à crucial questão da imitação das embalagens). Também pretendia, é certo, a alteração de respostas relacionadas com indevida utilização de tecnologia e “conduta persecutória”. Não é exacto que a Relação não se tenha pronunciado expressamente sobre as provas que foram indicadas para alteração das respostas aos quesitos indicados; ademais, o Acórdão, cuidadosamente, transcreveu os quesitos em questão e apenas alterou um – o quesito 104º – fundamentando a sua decisão com apreciável minúcia, não deixando de aludir à prova documental – cfr. fls. 982 a 987. Uma coisa é a omissão de pronúncia sobre a prova, outra é a valoração dessa prova que, no caso das fotografias, para a recorrente foi mal apreciada, mas para as instâncias não permitiu, no conjunto de todas as provas, concluir pela denunciada imitação das embalagens das latas dos produtos que Autora e Ré colocam, concorrencialmente, no mercado. Concluímos, assim, que não houve qualquer omissão de pronúncia do Acórdão recorrido – art. 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil – no que respeita à apreciação da matéria de facto que era objecto do recurso de apelação e, além disso, que não ocorre qualquer dos casos em que este Supremo Tribunal poderia alterar a matéria de facto, sendo imerecida a censura da recorrente. A Autora invocou como causa de pedir a prática pela Ré de factos que, no seu entender, evidenciam “concorrência desleal parasitária” [e não a violação de direitos exclusivos], mormente, por nas embalagens dos produtos que vende, copiar a imagem comercial das embalagens (latas) de três gamas desses produtos – tintas plásticas, tintas de esmalte, e vernizes. A questão, largos traços, inscreve-se no contexto da propriedade industrial. Propriedade Industrial, de acordo com a definição da Convenção de Paris de 1883 (art. 1,2), é o conjunto de direitos que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal. Concorrência Desleal, como refere a Convenção da União de Paris, é o “acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”, desregulador do bom funcionamento do mercado, permitindo que terceiros se aproveitem dos investimentos e do trabalho efectuado por uma empresa. Hoje, com a facilidade de divulgação dos produtos à escala mundial, e a severa competição comercial a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, a disputa do mercado faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por técnicas de marketing e de publicidade, sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto ou marca, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto ou marca, que, virtualmente, com ele compita, sendo relevantes o aspecto gráfico ou visual e o design dos produtos. Os agentes económicos no processo de captação de clientela, em competição com os seus concorrentes, devem agir com honestidade, correcção e consideração, não só pelos seus competidores, como também com os consumidores, o que mais não é que agir com boa-fé. O art.317º do Código da Propriedade Industrial – DL.36/2003, de 5 de Março [doravante CPI] – define: “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica…”. No seu art. 1º o CPI estatui – “A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”. A lealdade da concorrência implica, desde logo, a adopção de práticas comerciais honestas, uma vez que a propriedade industrial deve de certa forma considerar-se expressão da propriedade intelectual, já que abrange elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc. Daí que a preservação e não infracção dos sinais distintivos do comércio constituam um dos núcleos mais importantes do carácter incorpóreo sobre que incidem muitos dos direitos de propriedade industrial. O mencionado artigo 317º do CPI refere, não taxativamente, actos que constituem concorrência desleal: “a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela; e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado; f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento”. No caso, a Autora sustenta que a Ré copia, imita, o modelo que utiliza nas embalagens das latas com que comercializa os seus produtos no mercado de tintas, afirmando que as latas com que a Ré vende produtos que competem em tal mercado são cópias daquelas embalagens o que propicia risco de confusão, o que traduz prática de concorrência desleal. Essa imitação está patente, diz a Autora, no aspecto gráfico e cromático das embalagens, que assim confundem os consumidores acerca da origem e fabricante dos produtos. Temos, assim, que as embalagens da Ré seriam susceptíveis de criar confusão com os produtos da Autora, o que infringe a al. a) do citado art. 317º do CPI. Os tratadistas consideram existir várias modalidades de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de apropriação, actos de descrédito e actos de desorganização aos quais acresce ainda, para alguns, a concorrência parasitária. No caso em análise está em causa a prática de actos de confusão – ou indutores de confundibilidade – reveladores de concorrência parasitária na perspectiva da Autora. O art. 317º do actual CPI, em confronto com o art. 260º do CPI de 1995, tendo em conta a eliminação da referência ao “dolo específico” revela uma mudança de paradigma: o ilícito de concorrência desleal deixou de ser qualificado como crime, para passar a constituir ilícito de mera ordenação social. Pressuposto elementar da concorrência desleal é a existência de acto de concorrência. No estudo “Concorrência Desleal e Direito do Consumidor”, da autoria do Dr. Jorge Patrício Paul, na “Revista da Ordem dos Advogados”, 2005, Ano 65 -Vol. l – Junho de 2005, pode ler-se: “O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado…A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela…O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual...No próprio conceito de acto de concorrência está ínsita a sua susceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, ainda que tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer…o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento conatural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiros”. Como é sabido a marca é um sinal de representação visual destinado, essencialmente, a distinguir a origem dos produtos ou serviços, não podendo confundir o destinatário do processo de comunicação – o consumidor. Em relação às marcas existe um dever de não adoptar denominações, sejam elas de que espécies forem, susceptíveis de confundibilidade pelo consumidor comum. Estão em causa salutares regras da concorrência empresarial, a par da protecção dos consumidores, num mundo em que a oferta atinge uma inimaginável variedade, tornando, paradoxalmente, por isso, mais difícil o estabelecimento de padrões ou elementos diferenciadores. Muitas das considerações da doutrina a propósito da confundibilidade das marcas são pertinentes e aplicáveis quando se trata de saber se uma embalagem de um produto copia ou imita outra concorrente; em suma, se é susceptível de induzir em confusão o consumidor pela semelhança do seu aspecto cromático, de forma ou apresentação física. Nas expressivas palavras de Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial” pág. 396: Sendo “a imitação a mais perigosa das fraudes, o imitador pretende aproveitar-se ilicitamente do crédito e da notoriedade de uma marca de outrem, mas para poder defender-se, não a reproduz perfeitamente, limita-se a imitá-la para poder sempre alegar que a sua marca é diferente daquela de que se diz ser a imitação”. A imitação ou a confundibilidade pressupõem, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado. Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas. Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que, essencialmente, as distinguem por serem os dominantes. É assim o critério do consumidor médio o relevante, para diante dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos de certo produto de uma marca, poder, ou não, ter a percepção de que pode confundir essa com aqueloutra, ou associá-la a uma já existente, não sendo de exigir que, se tivesse a possibilitar de as confrontar, logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas. Manifestamente não é esse o critério do consumidor médio. Para que uma embalagem seja imitação de outra, importa que ela provoque no consumidor um risco de confusão, risco esse que abrange o risco de associação a embalagem de um produto concorrente dirigido preferencialmente a um universo de consumidores que não tem necessariamente que ser homogéneo. Ora, sem embargo de se considerar que os potenciais consumidores dos produtos comercializados pela Autora e pela Ré, tanto são profissionais conhecedores do mercado dos produtos em causa (tintas e vernizes), como outros que desse mercado não têm um conhecimento técnico profundo, temos de convir, sem trair as regras da experiência, que os consumidores dos produtos em causa serão, sobretudo, profissionais do sector da construção, pelo que, quando se alude a consumidor médio, temos de entender habilmente o conceito, reportando-o não só ao universo dos potenciais consumidores, mas, também, ao universo dos consumidores que, pela sua actividade estão familiarizados com esse tipo de produto, sendo a partir daí e do conhecimento da marca e da sua implantação no mercado, que se deve atender à possibilidade ou risco de confusão, quando colocado perante uma embalagem de um e doutro dos competidores a quem poderá adquirir produto similar. Ou seja, ante uma embalagem de tinta para o mesmo fim ou utilidade fornecida pela Autora e pela Ré, o tal consumidor médio profissional confundirá o produto da Sotinco com o da Neuce, em função das latas? Antes de mais e socorrendo-nos de prova incorporada no processo temos de convir, sem desprimor para a Ré, que a marca da Autora é deveras mais conhecida que a da Ré e a quota de mercado da Autora é incomparavelmente superior à da Ré. Esta consideração não pode ser alheia ao juízo de confundibilidade, sob pena de se ignorarem comezinhas realidades do consumo. No contexto dos actos de confusão releva o aspecto visual característico de como um produto ou serviço é apresentado ao público, o chamado “trade dress”. Importa, então, indagar se, no âmbito da previsão do art. 193º,nº1, c) do CPI pode, para o consumidor comum, haver o risco de associação. Coutinho de Abreu, in “Boletim da Faculdade de Direito”, Vol. LXXIII, 1997, pág.145, em estudo sobre as “Marcas (Noções, Espécies, Funções, Princípios Constituintes)” escreve: “ […] O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação. Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto). Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos)”. Oliveira Ascensão, in “Concorrência Desleal” – edição de Março de 2002 – págs. 422/423 – relativamente ao art. 260º a) do revogado CPI de 1995 que, tal como o § 1º do Código de 1940 considerava que a concorrência desleal se manifesta “qualquer que seja o meio empregue” (expressão igual à da al. a) do art. 317º do vigente CPI), acerca dos conceitos de confusão e imitação, no âmbito de lesão dos interesses dos concorrentes (e não de consumidores) escreve, lapidarmente: “A imitação é um grande princípio da vida social, que permite que as inovações vantajosas se expandam rapidamente. É natural que as empresas de ponta, capazes de maior inovação, tragam os progressos na vida empresarial e que esses progressos se generalizem subsequentemente. A concorrência exige evolução incessante, e não a multiplicação de monopólios que estancam a expansão das práticas e permitem ganhos parasitários […]. Há que ter bem presente que a grande directriz que encontrámos nesse domínio não foi a do repúdio da cópia ou da imitação, mas reacção contra o risco de confusão. E apenas por trazer (e se trouxer) este risco que o acto de cópia é rejeitado…é necessário que a confusão actue no espírito do público de maneira a fazê-lo tomar um operador ou os seus produtos ou serviços por outros. Só assim funciona no sentido de uma eventual deslocação de clientela…O que é importante acentuar é que há um certo grau, mesmo de confundibilidade, que é socialmente adequado. Todos os operadores económicos se imitam. Toda a imitação traz alguma confusão. Mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de intolerabilidade. Temos aqui uma das mais importantes manifestações do princípio, atrás enunciado, de que a liberdade de concorrência prima sobre a concorrência desleal... É necessário assegurar essa liberdade perante a ameaça da multiplicação dos entraves. Por isso, um certo nível de confundibilidade é ainda admissível – ou se quisermos, é ainda compatível com as normas e usos honestos.”(1) (destaque e sublinhados nossos). Ora, no casos dos autos, e aí estão as fotografias a evidenciá-lo, existe um certo grau de confundibilidade, entre as embalagens da Autora e da Ré, para os produtos com que competem no mercado, mas consideramo-lo socialmente adequado. Vejamos alguns dos factos mais relevantes: “A Autora “AA” dedica-se ao comércio de tintas, vernizes e outros produtos destes derivados e complementares – (resposta ao quesito 1° da Base Instrutória). A Ré “Fabrica de Tintas Neuce, Ldª dedica-se ao comércio de tintas, vernizes e outros produtos destes derivados e complementares (2°). O modelo de latas utilizado pela ré é o universal e utilizado pela grande maioria das marcas (75º). No sector das tintas a cada produto é normalmente associada uma determinada cor pelas diferentes marcas (76º) Sendo que as tintas plásticas estão associadas ao verde (77º). Os vernizes aos tons acastanhados (78º). E os esmaltes são normalmente associados ao azul (79º). As fachadas das lojas dos revendedores da Ré apresentam o traço comum da generalidade dos estabelecimentos comerciais, sejam eles de tintas ou de quaisquer outros produtos (81º). A Ré utiliza cores e disposição idênticas nas suas latas de tintas plásticas (27°). ”. No competitivo mercado onde operam a Autora e a Ré o modelo das latas é “universal” (assim se provou), estando os produtos associados a determinadas cores. Assim sendo, não é pelo facto da Ré usar um modelo de lata, que é comum ser usado pelas demais marcas que actuam no mercado, que podemos concluir que a actuação da Ré visa a confusão/imitação dos produtos da Autora; devemos antes concluir que a haver risco de confundibilidade ele é recíproco e ocorre, não só com os produtos da Autora, como também com os de outras marcas concorrentes, que actuam no mercado. Daí que como ensina Oliveira Ascensão seja socialmente adequado, não repreensível, em termos de concorrência, dizemos nós, que possa existir uma certa semelhança entre as embalagens; só seria de considerar tal semelhança censurável e proibida se as embalagens com que a Ré apresenta os seus produtos fossem uma cópia grosseira, servil, visando uma mal sã concorrência, atenta, até, a sua actuação, em confronto com os demais operadores do ramo de negócio em causa. A imitação deixa de o ser quando é mera cópia, sem nada de distintivo, o que não sucede entre as embalagens utilizadas pela Autora e pela Ré, nem tão pouco sucede no mercado em que operam. Depois, como antes dissemos, não pode escamotear-se que um consumidor médio, sobretudo profissional que lida com os produtos em questão, ante a muito maior dimensão e implementação no mercado da Autora, facilmente confunda os produtos da sua marca com os da Ré, pese embora o crescimento desta no mercado. Apesar das semelhanças existentes um consumidor médio dos produtos em questão não corre o risco de confundir as embalagens da Autora e da Ré; existir esse risco ele será muito menor para um consumidor que lidando com os produtos em causa os diferencie pela notoriedade das marcas. O risco de confundibilidade entre os produtos da recorrente e recorrida não é mais grave que o existente entre os parceiros deles no mercado, pelo menos em função da aparência das embalagens. Concluímos, assim, que a embalagem da Autora não constitui um sinal distintivo, uma vez que é usado por outros competidores. A imitação de um conjunto visual constituirá concorrência desleal quando a utilização de imagem, por dispor de forte cariz individualizador associado a uma marca, é pelo consumidor médio reconhecida, com facilidade, como pertença de uma concreta marca, ao ponto de se tornar evidente que existe indevida apropriação de certo visual já conhecido. Pelo que dissemos não pode considerar-se existir nem cópia servil, nem concorrência parasitária, definido este conceito como o define Oliveira Ascensão, obra citada, pág. 447 – “…Há concorrência parasitária quando uma empresa realiza colagem global, servil e sistemática à prestação e prática empresarial dum concorrente que actua com inovação e risco no mercado”. Da condenação da Autora (pedido reconvencional). Em sede reconvencional a Ré pediu a condenação da Autora, além do mais, a: 1. Abster-se de praticar quaisquer actos que visem desacreditá-la no mercado; 2. A pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais. 3. Pagar-lhe a quantia que se liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora. A decisão da 1ª instância julgou parcialmente procedente tal pedido, condenando a Autora a abster-se de praticar actos que visem desacreditar a Ré no mercado; a pagar à Ré a quantia de € 75.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da notificação da contestação da Ré, até efectivo e integral pagamento; e a pagar-lhe a quantia que se liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais sofridos em consequência da atitude da Autora. A Relação confirmou a sentença nesta parte. Sustenta a recorrente que apenas as pessoas colectivas com forte cunho pessoal, como as associações ou fundações, podem sofrer danos não patrimoniais, tendo qualquer lesão num bem imaterial da sociedade de ter um reflexo ou tradução em danos materiais. De qualquer modo considera exagerada a condenação. Nos termos da al. b) do art. 317º do CPI de 2003 constituem concorrência desleal – “As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes”. Provou-se, relevantemente, que a Autora: “Em 23.10.2003 apresentou uma denúncia contra a ré ao IGAE com os mesmos factos destes autos; em 12.01.2004 nova denúncia ao IGAE, denunciando eventuais deficiências de rotulagem; apresentou ainda reclamação na APCER com vista a ser-lhe retirado o respectivo certificado de qualidade — ISSO 9001 (104º). Os representantes da Autora transmitem a alguns revendedores /clientes para não acreditarem no projecto da Ré, por não ser merecedor de credibilidade (105º). E que a Ré não tem futuro porque a Autora lhe moveu três processos que vão levar aquela à falência (106º). Referindo ainda que o baixo preço dos produtos da Ré se deve à sua fraca qualidade e que a APCER lhe vai retirar o respectivo certificado (107º). E afirmando que “já não há milagres, há algo de sujo por detrás desse sucesso” (108º). Tal actuação tem sido efectuada de forma intensa e reiterada, gerando grande impacto nos mais diversos agentes do mercado, não existindo no sector quem desconheça a situação (109º). Sendo que os próprios Bancos com quem a Ré trabalha já a interpelaram sobre esta situação (110º). Este comportamento da Autora representou um forte revés na imagem comercial da Ré e no investimento com vista à sua divulgação (111º)”. O art. 484° do Código Civil expressa: “Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Do preceito citado decorre uma especial protecção ao direito de que gozam as pessoas colectivas sejam elas associações, fundações ou sociedades. No fundo trata-se de proteger direitos que poderíamos considerar semelhantes ao direito de personalidade, mesmo sabendo que as pessoas colectivas, atento o princípio da especialidade, se não podem comparar a “indivíduos”, pessoas humanas – cfr. art. 70º, nº1, do Código Civil – não padecem, diríamos, de sofrimento moral em sentido lato. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 486, escrevem: “ Exista ou não, por parte das pessoas singulares ou colectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom-nome, considera-se expressamente como antijurídica a conduta que ameace lesá-los, nos termos prescritos. Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português” – Tomo III – 2004, pág. 105, escreve: “A desonra de uma pessoa colectiva repercute-se sobre as pessoas que lhe sirvam de suporte ou que, para ela, trabalhem ou actuem. Reacções individuais seriam impensáveis; assim, há que reagir em modo colectivo. A pessoa colectiva ficará encartada nos direitos competentes, sendo certo que os bens em jogo são, sempre, verdadeiros bens de personalidade, atingidos de modo mediato. O artigo 484º do Código Civil, sensível à problemática, tutela, com indemnização, a ofensa do crédito ou do bom-nome das pessoas colectivas. Naturalmente qualquer transposição da tutela de personalidade para pessoas colectivas deve sempre ser feita tendo em conta os fins a que elas se destinem e a natureza da situação envolvida”. A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude. Questão de maior complexidade é saber se o dano causado por imputações violadoras do direito acautelado, no citado normativo, é de natureza patrimonial ou moral. Os danos patrimoniais são lesões no património tangível de pessoas físicas ou colectivas, passíveis de indemnização, seja por restauração natural, ou indirectamente, por dinheiro; danos não patrimoniais, na clássica definição, são os que lesam interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. Atentemos na peculiaridade do caso. As sociedades comerciais como a Ré operam no mercado visando a obtenção de lucros, mediante actividade que desenvolvem no âmbito do seu escopo social. A obtenção de lucros implica uma actuação proficiente, prestigiada, sendo para tanto da maior relevância, que a sociedade disponha no mercado de bom-nome, prestígio, ou seja, que tenha uma actuação negocial honrada, capaz de incutir confiança nos seus fornecedores, clientes e demais entidades com quem tem que lidar (entes públicos, bancos, etc.). A manifestação dessas qualidades que constitui a sua reputação, está ligada, visa a obtenção de clientela, pois, só através de negócios bem sucedidos a sociedade prospera no mundo negocial. Qualquer ofensa àqueles valores imateriais constitui lesão no seu vital interesse de obtenção de lucros, por via do aumento, senão na conservação da clientela, ou seja, o interesse protegido é também de índole patrimonial. O interesse contemplado no art. 484º do Código Civil é evitar que actos ilícitos afectem o bom-nome e reputação das sociedades comercias se repercutam na vida empresarial da empresa, mormente, causando perdas negociais; uma empresa sob suspeita de práticas ilícitas corre o risco de perder clientela. Esta questão foi alvo de decisões díspares deste Supremo Tribunal, como o Acórdão da Relação nos dá conta. No Acórdão deste Supremo de 30.11.2004 – in www.dgsi.pt – Proc. 05B16161, foi decidido que, em caso de ofensa ao bom-nome e reputação de uma sociedade, a indemnização de que era credora o era por dano patrimonial, revogando-se a decisão que atribuíra compensação por dano não patrimonial. Aí pode ler-se: “Há, no entanto, em ordem a resolver o problema, que distinguir, nestes casos, entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta da lesão. Ora, as sociedades comerciais operam no mundo dos negócios com o objectivo do lucro. É próprio da sua natureza que o bom-nome, a reputação e a imagem comercial lhes interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar. Toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projectar num dano patrimonial revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas (e perda de lucros) por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga. Sofrem, deste modo, “danos patrimoniais indirectos que, embora atinjam valores ou interesses não patrimoniais (o bom nome...a reputação...) todavia se reflectem no seu património (diminuindo, por exemplo, a sua clientela). Assim, para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom-nome produz, portanto (como a própria recorrente parece admitir) um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, operou aquela. Os prejuízos estritamente morais implicados nas ofensas ao bom-nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer.” (sublinhámos). No mesmo sentido sentenciou este Tribunal – Acórdão de 27.11.2003, in www.dgsi.pt. Mais recentemente,em Acórdão de 8.3.2007, Proc. 07B566, in www.dgsi.pt. também do Supremo Tribunal foi entendido que o dano indemnizável era o dano não patrimonial. Com o devido respeito, entendemos, que a violação do direito ao bom nome e reputação de uma sociedade constitui o lesante, verificados os requisitos da responsabilidade civil delitual – art. 483º, nº1, 562 e 566º do Código Civil – na obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais. Com efeito se se considerar que práticas difamatórias de que são alvo sociedades comerciais só serão indemnizáveis se houver repercussão patrimonial na sua vida negocial, maxime, se houver perda de clientela, poderia ficar civilmente impune um facto que a lei considera gerador de responsabilidade civil – art. 484º do Código Civil. A doutrina francesa de há muito admite a utilização da via indemnizatória para a protecção dos direitos análogos aos direitos de personalidade reconhecidos às pessoas colectivas. “As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana” – “Revue Trimestrielle de Droit Civil”, 1971, vol. 69/445. “A protecção dos atributos morais da personalidade para a propositura de acção de responsabilidade não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou actos tendentes à ruína da sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a protecção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios” – “Traité de Droit Civil”, Viney, “Les Obligations”, “La Responsabilité”, 1982, vol. II/321). São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3 do art. 496º do Código Civil. Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501; “O montante da indemnização correspondente aos danos não patri­moniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser propor­cionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”. A indemnização, na perspectiva exposta, abrangerá os danos advenientes da ofensa ao bom nome da Ré, tendo em conta que se provou que em consequência do descrito comportamento da Autora a Ré deixou de angariar clientes (122°) e há revendedores que se têm mostrado renitentes em comercializar produtos da Ré em consequência da conduta encetada pela Autora (123°). Todavia, e com o devido respeito, o valor atribuído pela Relação afigura-se-nos excessivo. Pese embora o intrínseco desvalor das imputações de que foi alvo a Ré, importa considerar que prosperou em termos negociais – facto que, em termos de equidade, deve ser ponderado – já que o art. 494º manda atender, entre outras circunstâncias, à situação económica do lesado. Em caso de sociedades comerciais, factor deveras relevante para fixação do “quantum” compensatório, em caso de dano não patrimonial é a repercussão que a imputação maléfica tem na vida empresarial o que, desde logo, é aferível pela sua situação no mercado antes e depois dos factos. No caso em apreço a Ré não viu a sua situação lucrativa especialmente afectada, ao invés – cfr. A) dos Factos Assentes e itens 37), 45) e 82) dos factos provados. Assim, reputa-se equitativa a compensação de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos. Qual tale procede em parte, o recurso. Decisão: Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, [na parte em que condenou a recorrente a pagar à Ré a quantia de € 75.000,00 por danos não patrimoniais], fixando-a em € 25.000,00. Custas, neste Tribunal e nas Instâncias, na proporção do decaimento. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Fevereiro de 2008 Fonseca Ramos (Relator) Rui Maurício Cardoso de Albuquerque ___________________________ (1) Não resistimos à tentação de citar o que se lê no Prólogo da obra do eminente Professor – “Na Natureza não há crueldade nem compaixão. Na selva, toda a gazela termina os seus dias nos dentes do leão. Nenhuma morre de morte natural. Mas tudo acontece sem que o leão seja cruel, e sem que tenha também piedade. Os sentimentos são alheios à vida da selva. Na concorrência não há crueldade nem compaixão. Tudo se passa de modo muito semelhante ao da selva. Mata-se e morre-se com inocência. Em relação à vida da selva aperfeiçoou-se espantosamente o engenho, mas há uma idêntica neutralidade em relação a camadas superiores da vida do espírito. Os sentimentos humanos estão tão longe da vida dos negócios como estão da vida da selva…”.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051254 Nº Convencional: JTRP00030503 Relator: ANÍBAL JERÓNIMO Descritores: TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR DIREITO DE REGRESSO Nº do Documento: RP200102050051254 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 154/93-2S Data Dec. Recorrida: 22/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR COM. DIR ECON - DIR TRANSP. Legislação Nacional: DL 46235 DE 1965/03/18. Referências Internacionais: CONV CMR ART21. Sumário: No contrato de transporte rodoviário internacional de mercadorias, em que a mercadoria foi entregue, erradamente, sem o seu pagamento pelo destinatário, o transportador pode demandar esse destinatário para lhe exigir o referido pagamento independentemente de estar ou não sub-rogado nos direitos do expedidor e proprietário da mercadoria. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045357 Data do Acordão:01/09/1999 Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA Relator:JOÃO CORDEIRO Descritores:PERDA DE MANDATO NULIDADE PROCESSUAL GRAVAÇÃO DE DEPOIMENTO ÂMBITO DO RECURSO JURISDICIONAL Sumário:I - Nas acções especiais para perda de mandato, os depoimentos prestados são sempre reduzidos a escrito; II - Dado o carácter supletivo de normas do Cod. Proc. Civil em relação aos processos dos tribunais administrativos, não são aplicáveis as normas que permitem a gravação de prova; III - Assim tendo sido gravados os depoimentos, em lugar da sua redução a escrito, foi cometida uma nulidade processual, nos termos do art. 201 CPC. IV - Estando tal nulidade coberta por decisão judicial o regime próprio de impugnação é o recurso; V - A omissão de redução a escrito dos depoimentos tem influência no exame da causa, na medida em que impede o tribunal superior do regular controle de julgamento da matéria de facto, sendo certo que o regime especial de impugnação da matéria de facto dos julgamentos com gravação de prova, nos termos do art. 690-A CPC é mais complexo e gravoso para o recorrente que o previsto na LPTA; VI - Dado o regime unitário de impugnação estabelecido na Lei 27/96, a decisão para ordenar a gravação da prova é impugnável no recurso interposto da decisão final. Nº Convencional:JSTA00052310 Nº do Documento:SA119990901045357 Data de Entrada:16/08/1999 Recorrente:CM DE ALCANENA Recorrido 1:HENRIQUES , VALDEMAR Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:1 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TAC COIMBRA. Decisão:PROVIDO. Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL. Área Temática 2:DIR PROC CIV. Legislação Nacional:CPC96 ART690-A ART712 N1 ART201 ART205. L 27/96 DE 1996/08/01 ART15 N4 ART15 N6. Jurisprudência Nacional:AC STJ DE 1990/12/13 IN BMJ N402 PAG518.; AC STJ DE 1993/03/09 IN BMJ N425 PAG446.; AC STJ DE 1992/04/09 IN BMJ N416 PAG558.; AC RL DE 1988/01/07 IN BMJ N373 PAG591. Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG165. ANSELMO DE CASTRO LIÇÕES DE PROCESSO CIVIL VIII PAG169. ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL ED1984 PAG387. ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VII PAG507. ALBERTO DOS REIS IN RLJ ANO83 PAG21. Aditamento: Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051670 Nº Convencional: JTRP00030617 Relator: ANTÓNIO GONÇALVES Descritores: ENERGIA ELÉCTRICA FORNECIMENTO EDP RESPONSABILIDADE CIVIL CASO DE FORÇA MAIOR ACTO DE TERCEIRO Nº do Documento: RP200102050051670 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 4 J CIV BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 23/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. AGRAVO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART509 ART483 ART499. Sumário: No contrato de fornecimento de energia eléctrica, está excluída a responsabilidade civil do fornecedor, por deficiência desse fornecimento, se estas deficiências resultarem de caso de força maior, ou seja, de trovoada, ou de acto de terceiro, ou seja, de queda de árvore sobre as linhas eléctricas provocada por trabalhadores ao serviço de terceiro. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021674 Nº Convencional: JTRP00030479 Relator: FERNANDO BEÇA Descritores: HONORÁRIOS PAGAMENTO ÓNUS DA PROVA Nº do Documento: RP200102050021674 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 9J Processo no Tribunal Recorrido: 229/95-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N2. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1998/07/09 IN CJ T3 ANOXXIII PAG99. Sumário: Em acção de honorários de advogado, alegando os réus terem eles sido já pagos, cabe aos mesmos réus o ónus da prova desse pagamento. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051379 Nº Convencional: JTRP00030795 Relator: FERREIRA DE SOUSA Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102050051379 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J S JOÃO MADEIRA 1J Processo no Tribunal Recorrido: 198/98 Data Dec. Recorrida: 07/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL. Legislação Nacional: CEXP91 ART25. CPC95 ART591. Sumário: I - Em expropriação por utilidade pública, o juiz não está vinculado, na fixação da indemnização, pelos valores indicados pelos peritos, designadamente quando, nos laudos dos peritos, não foram observados os critérios legais de avaliação. II - Em relação a solo apto para construção, o critério para o cálculo da indemnização é o do valor provável da construção que nele seja possível efectuar e não o do valor de mercado. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 9620826 Nº Convencional: JTRP00029594 Relator: RAPAZOTE FERNANDES Descritores: ERRO DE ESCRITA ERRO MATERIAL Nº do Documento: RP200102059620826 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV GUIMARÃES Processo no Tribunal Recorrido: 390/95 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART249. Sumário: I - O erro de cálculo ou de escrita que não dá lugar a anulabilidade do negócio, mas à rectificação da declaração, é apenas o que se revela, ostensivamente, no contexto da declaração ou nas circunstâncias que a acompanham, devendo assim tratar-se de um lapso ostensivo ou patente. II - O erro vício torna anulável o negócio e incide sobre os motivos determinantes da formação da vontade, quanto à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio. III - Enferma de erro-vício a venda, por escritura pública de "uma quota de valor nominal de quatro milhões de escudos" que o vendedor pensava possuir, mas na realidade era detentor de duas quotas de dois milhões de escudos, cada. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051661 Nº Convencional: JTRP00030112 Relator: ANTÓNIO GONÇALVES Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA EMBARGOS DE EXECUTADO LETRA DE FAVOR EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ ÓNUS DA PROVA Nº do Documento: RP200102050051661 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 1196-A/95 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR COM - TIT CRÉDITO. DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N2 ART376 N3. LULL ART1 N4 ART2 ART17. CPC95 ART456. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1996/02/29 IN CJSTJ T1 ANOIV PAG102. AC STJ DE 1988/03/09 IN BMJ N375 PAG385. AC STJ DE 1982/07/20 IN BMJ N319 PAG301. AC STJ DE 1975/12/05 IN BMJ N252 PAG105. Sumário: I - A excepção de subscrição de letra de favor só contra o favorecido neste pacto poderá ser oposta pelo favorecente. II - Não pode ser declarada nula a letra, que titula a execução embargada e foi rasurada na parte respeitante à data do seu vencimento, se o executado-embargante, a par da nulidade, não arguiu também a falsificação desse título executivo. III - Litiga de má fé o executado-embargante que nega ter assinado a letra dada à execução, ficando depois provado que apôs a sua assinatura nesse título de crédito. IV - O ónus da prova impende sempre sobre o executado-embargante. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0020137 Nº Convencional: JTRP00030491 Relator: MARQUES DE CASTILHO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO AO LESADO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200102050020137 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V VERDE 2J Processo no Tribunal Recorrido: 7/97 Data Dec. Recorrida: 15/07/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART562 ART566 ART805. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/09/28 IN CJSTJ T2 ANOIII PAG36. Sumário: I - É devida indemnização por incapacidade parcial permanente, resultante de lesões sofridas em acidente de viação, mesmo que o lesado continue a exercer a sua profissão anterior e a auferir a respectiva remuneração. II - À indemnização fixada acrescem juros de mora desde a citação do réu, se a mora se reportar a essa data, independentemente da natureza dos danos e do critério para a fixação da indemnização. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051761 Nº Convencional: JTRP00029277 Relator: NARCISO MACHADO Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES EXECUTADO Nº do Documento: RP200102050051761 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 25-A/99-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART837-A. Sumário: O exequente pode pedir a colaboração do executado com o tribunal no sentido de identificar bens penhoráveis. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051718 Nº Convencional: JTRP00030796 Relator: NARCISO MACHADO Descritores: ARRENDAMENTO URBANO DENÚNCIA PARA HABITAÇÃO CAUSA DE PEDIR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL CONTRADIÇÃO Nº do Documento: RP200102050051718 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J GONDOMAR Processo no Tribunal Recorrido: 430/97 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: RAU90 ART69. CPC95 ART498 ART193 N2 C. Sumário: I - Na acção para denúncia de arrendamento urbano para habitação do senhorio, a causa de pedir é complexa, sendo constituída pelos factos referentes à necessidade da casa arrendada para habitação do senhorio ou de seu descendente e ainda pelos factos integradores das restantes condições de procedência da acção. II - A contradição entre causas de pedir, como fundamento de ineptidão da petição inicial, pressupõe que as duas causas de pedir sejam formuladas a título principal, nada impedindo a formulação de causas de pedir contraditórias mas a título subsidiário. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021158 Nº Convencional: JTRP00030045 Relator: LEMOS JORGE Descritores: MÚTUO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL EFEITOS NOVAÇÃO CHEQUE Nº do Documento: RP200102050021158 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 554/97 Data Dec. Recorrida: 03/02/1998 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART1143 ART289 N1. Sumário: I - A consequência jurídica da nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma legal, é a restituição de tudo o que tiver sido prestado em execução do contrato, incluindo-se nessa restituição os juros que tiverem sido pagos pelo mutuário. II - A emissão de cheque pelo mutuário, entregue ao mutuante, para garantia da restituição da quantia mutuada, não sana o vício da nulidade formal do mútuo, não impedindo assim aqueles efeitos de tal nulidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 08A055 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS Descritores: REGISTO PREDIAL QUESITOS NULIDADE DE ACÓRDÃO Nº do Documento: SJ200802120551 Data do Acordão: 12/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1. A nulidade da alínea c) do n.º 1do artigo 668.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de raciocínio consistente na afirmação conclusiva não resultante do assente nas premissas do silogismo judiciário. 2. Aquando da selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511.º do Código de Processo Civil terá de atentar-se no “distinguo” entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito – salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto – e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas. 3. Se o quesito integra uma mera conclusão que decide de imediato a lide, a sua resposta cai no âmbito do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil devendo ter-se por não escrito. 4. Se o quesito é conclusivo ou contém matéria de direito, é irrelevante que a resposta afaste esses conceitos sendo de não a aproveitar e tudo se passando como se, essa matéria, não tivesse sido incluída na base instrutória. 5. A presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a descrição física do prédio mas, apenas, os factos inscritos. 6. Porém, a descrição terá de conter um núcleo essencial indispensável à identificação do prédio sob pena de não se saber, exactamente, sobre que coisa incide o facto jurídico inscrito. 7. Reconhecendo a não inclusão na presunção de certos elementos não essenciais – confrontações, limites precisos, áreas exactas, identificações fiscais –esta terá de abranger alguns elementos acessórios que importam para uma identificação do prédio no seu confronto com prédios confinantes. 8. E assim relevará a inclusão de logradouro, ou a existência de outro espaço descoberto, ainda que sem precisa dimensão Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na Comarca de Almeida, AA intentou acção, com processo sumário, contra BB e sua mulher CC pedindo, nuclearmente, que seja declarada dona do prédio identificado no petitório, incluindo todos os espaços descobertos; que se declarem os Réus donos do prédio apenas constituído por área coberta; que sejam condenados à não utilização do logradouro senão para acederem ao seu prédio; e a condenação a indemnizá-la com 3.600,00 euros por danos patrimoniais e não patrimoniais. Os Réus contestaram e deduziram reconvenção pedindo, além do mais, o reconhecimento que o seu prédio integra um logradouro com 42 m2 de área e a condenação da Autora a indemnizá-los com 12.000,00 euros. Na 1.ª Instância a acção foi julgada parcialmente procedente (excepto quanto ao pedido de indemnização) sendo procedente o pedido cruzado, apenas no tocante à declaração do domínio dos Réus da área coberta. Apelaram os Réus, tendo a Relação de Coimbra julgado a apelação parcialmente procedente, condenando-os a reconhecerem a Autora como dona do prédio correspondente a uma casa de habitação com R/C, 1.º andar, SC – 90m2, uma varanda a céu descoberto com 20m2 e um logradouro com 62m2, um forno com 36m2, e uma loja com 16m2, absolvendo os Réus no mais pedido. Julgou ainda parcialmente procedente o pedido reconvencional condenando a Autora a reconhecê-los como donos do prédio que identificam (casa com R/C e 1.º andar com balcão, SC – 72m2) absolvendo-a do mais pedido. Inconformada, a Autora pediu revista, assim concluindo as suas alegações: “- No Registo Predial, o prédio da A. é descrito como sito ao Largo ...... e com área coberta e descoberta. - Os R.R. contestaram e deduziram reconvenção pedindo a condenação da A. a reconhecê-los como donos e legítimos proprietários de unia parcela de terreno com 42 m2 – b) do pedido reconvencional – ónus seu. - No Registo Predial, o prédio dos R.R. não contem área descoberta. - Em primeira instância a sentença deu razão à tese da A. procedendo totalmente (no que toca ao litígio relativo à parcela de terreno) o seu pedido, declarando-se que os R.R. – o prédio dos R.R. – não tem qualquer área descoberta (à excepção da varanda e escadaria). - Os R.R. recorreram da sentença invocando (entre outros) a eliminação da resposta aos quesitos 18°, 22° o 27° por considerar que continham matéria de direito. -O Tribunal da Relação de Coimbra deu razão à tese dos R.R. considerando que os quesitos supra-enunciados continham matéria de direito, mandando eliminar as respostas a eles dadas, - Não compreendendo que essas respostas eram a continuação fáctica e lógica das respostas a múltiplos quesitos anteriores. - Entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que, excluindo-se a factualidade suprimida com a resposta a estes quesitos 18° e 22°, não se encontravam já reunidos os requisitos relativos à usucapião por parte da A. do espaço em litígio – área descoberta. - A A. considera ter feito prova de que possuiu aquele prédio, incluindo o espaço objecto do litígio, ao longo de mais de 20 anos, continuamente, pacificamente, de boa fé, na convicção de que ao exercer aquele direito o fazia como de um verdadeiro direito de propriedade se tratasse. - Toda esta prova foi feita quando se tornava inútil por via da presunção estabelecida pelo registo que nos termos do n°1 do artigo 344° do Código Civil invertia o ónus da prova, passando este a competir aos R.R.. - A A. tem área descoberta registada e os R.R. não têm um m2 no registo. - A A. provou ainda que na área descoberta tem e possui passeios, jardins, canteiro, arbustos, roseiras, marmeleiro, portão, logradouro até ao Largo onde se situa o prédio – 22 a 39 da Matéria de Fundamentação da Sentença. - Os R.R. nada conseguiram provar relativamente à hipotética posse do espaço em litígio – nem um quesito. Até porque o doc. de fls. 89 – notificação para preferência – é fatal para os R.R., pois logo ali se declara que o prédio destes tem apenas direito de servidão de passagem e não qualquer área coberta. - É pois nulo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra na medida em que os fundamentos que conduzem à decisão estão em contradição com a mesma [cfr. alínea c) do n°1 do artigo 668° do Código de Processo Civil). - Sem prescindir, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra também andou mal ao interpretar os quesitos 18° e 22° como matéria de direito e/ou conclusiva. - Interpretou incorrectamente os artigos 344° e 350.º do Código Civil colocando A. e R.R. no ‘mesmo prato da balança’ quando a A. gozava da presunção do registo sobre a área descoberta – logradouro. - Provando a A. ter registada área descoberta e os R.R. não, provando a A. a usucapião sobre toda a área descoberta e os R.R. nem 1 m2 a acção só poderia ser procedente, como tem que ser. - Mal interpretou o Tribunal ‘a quo’ os Artigos 342°, 344.º, 350.º do C.C. e 646°-4 do C.P.C.. Termos em que deve o presente recurso ter provimento, sendo revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e em consequência disso: a) serem repostas as respostas aos quesitos 18° e 22°; b) reconhecido que o prédio da A. tem registada a parte descoberta e o dos R.R. não; c) ser dada como provada a usucapião da parcela de terreno por parte da A..” Contra alegaram os recorridos pedindo a manutenção do Acórdão. A Relação deu como assente a seguinte matéria de facto: “1. A) Na Conservatória do Registo Predial de Almeida, freguesia de Almeida, encontra-se descrito sob o n° 000000/00000, e inscrito na matriz predial sob o artigo 851, o prédio urbano sito no Largo ..., correspondente a uma casa de habitação com Rés-do-chão e 1.º andar, S.C. – 90m2, uma varanda a céu descoberto – 20 m2, anexo um logradouro – 62 m2, um forno – 36 m2, uma loja – 16 m2, norte: Manuel ....; sul: José ....; nascente: Mário ....; poente: António ... – fls. 14 a 17. 2. B) Pela apresentação n° 03/00000000, na Conservatória do Registo Predial de Almeida, encontra-se inscrita a aquisição do prédio identificado em A) a favor da Autora AA, por doação – fls. 8 a 17. 3. C) Por escritura pública notarial de 28 de Setembro de 2001, AR e H... declararam doar à Autora e esta aceitar o prédio identificado em A) – fls. 8 a 13. 4. D) Pela apresentação n° 02/00000000, na Conservatória do Registo Predial de Almeida, foi inscrita a aquisição a favor de A... e H..., por partilha extra-judicial –fls. 14 a 11. 5. E) Pela apresentação n° 03/00000, na Conservatória do Registo Predial de Almeida, foi inscrita a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de AB, AR e H, por sucessão e dissolução da comunhão conjugal de MJ, que foi casada com AB – fls. 14 a 17. 6. F) Na Conservatória do Registo Predial de Almeida, freguesia de Almeida, encontra-se descrito sob o n° 01935/00000000, e inscrito na matriz predial sob o artigo 74, o prédio urbano sito no Largo dos Combatentes da Grande Guerra, correspondente a uma casa com Rés-do-chão e 10 andar com balcão, S.C. –72 m2, norte, nascente: HSS; sul: AV e poente: Rua, prédio que confina com o identificado em A) – fls. 14 a 17. 7. G) Pela apresentação n° 03/00000000, na Conservatória do Registo Predial de Almeida, foi inscrita a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio identificado em E), a favor de OA, ALA, JLA e MILL, por sucessão legítima de António Alves e mulher BLA – fls. 14 a 17. 8. H) Pela apresentação n° 03/20010510, na Conservatória do Registo Predial de Almeida, encontra-se inscrita a aquisição do prédio identificado em E), a favor de BB, casado com CC, no regime da comunhão geral, por compra – fls. 14 a 17. 9. I) No rés-do-chão do prédio identificado em E) está instalado um escritório. 10. J) No logradouro existiam arbustos e flores num canteiro. 11. L) Do Largo .... os Réus entram no logradouro e deste para uma escadaria – patamar que dá acesso ao primeiro andar da casa de habitação. 12. MJ tomou-se dona do prédio identificado em A) por transmissão de VSSM, na década de 60. 13. Que o comprara a ....., nos anos 40. 14. Pelo menos desde os anos 40, que os pais, tio e avós da autora vêm de forma sucessiva e contínua a ocupar o prédio mencionado em A). 15. E de forma pacífica. 16. Sem oposição de ninguém. 17. À vista de todos de todo o Povo de Almeida. 18. Ali habitando. 19. Dormindo. 20. Comendo. 21. Recebendo visitas. 22. Tratando-o e reparando-o. 23. Sem a oposição de ninguém e na convicção de que o faziam em nome próprio e sem prejuízo de ninguém. 24. Actualmente o prédio identificado em A) compõe-se de área coberta de 142 m2, composta por habitação, lojas, forno e arrecadações. 25. Com área descoberta, composta por passeios, jardins, escadarias e varandas. 26. Do lado nascente existiram já cortelhos e um barracão. 27. Existindo actualmente um jardim. 28. A alteração mencionada em 27 foi realizada há mais de 20 ou 30 anos, pelos antecessores da Autora. 29. No prédio mencionado em A) funcionou um forno colectivo. 30 Com mais de 100 anos. 31.O prédio identificado em F) tem 72 m2 de superfície coberta. 32. A D. Berta e marido ocuparam o prédio referido em 31. 33. Os Réus, por si ou a seu mando, cortaram flores do canteiro sito no prédio mencionado em A). 34. Cortaram arbustos e arrancaram roseiras. 35. Cortaram um marmeleiro. 36. Tudo em Janeiro de 2002. 37. Os anteriores donos do prédio identificado em F) sempre usaram a casa. 38. Em nome próprio, de forma ininterrupta e até à morte. 39. E através de familiares que se deslocavam à casa, semanalmente. 40. Incluindo a filha MILL e o marido VAL. 41. E aí dormiam. 42. Cozinhavam e tomavam as suas refeições. 43. E dando-o de arrendamento. 44. Nele fazendo obras, como sejam obras de restauro de fachadas. 45. Há uma torneira no vão das escadas da casa mencionada em F). 46. Há dois marcos no prédio mencionado em A). 47. Os RR reparavam a varanda e escadas existentes, pintando grades, limpando a escadaria. 48. Tudo de forma contínua. 49. À vista de toda a gente. 50. Sem oposição de ninguém. 51. E na convicção de que o faziam sem prejuízo de ninguém e no exercício de um direito próprio. 52. E há mais de 40 anos. 53. O prédio referido em F) é composto por uma varanda e escadaria, a qual deita para um logradouro. 54. Um dos marcos está colocado na ‘parede’ do canteiro. 55. E o outro está encostado à parede dos Correios. 56. E estão ambos na mesma direcção. 57. No alinhamento da parede divisória das casas de habitação mencionadas em A) e F)). 58. Por contrato datado e assinado de 13 de Janeiro de 2001, OA, ALA e MILLdeclararam prometer vender aos Réus, que declararam prometer comprar, o ‘prédio urbano sito no Largo dos Combatentes da Grande Guerra na freguesia e Concelho de Almeida, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n° 74, a confrontar do Norte com HS, sul com AV e poente com Rua, com a área de 72 m2 e logradouro com um balcão com a área aproximada de 42 m2’ – cfr. teor do documento de fls. 77 e 77v. 59. O pai da autora por vezes deixa uma auto-caravana no logradouro.” Foram colhidos os vistos. Conhecendo. 1 – Nulidade do Acórdão 2 – Quesitação 3 – Presunção do artigo 7.º da Código de Registo Predial 4 – Conclusões 1 – Nulidade do Acórdão Ao delimitar o objecto do recurso nas conclusões da alegação topam-se duas questões distintas: arguição da nulidade do Acórdão da Relação, nos termos da alínea c) do n.º1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil e violação da presunção resultante do registo predial, quanto à área descoberta do prédio da recorrente. A nulidade arguida consiste, na perspectiva da arguente, em contradição entre os fundamentos e a decisão. Trata-se de um vício intelectual, caracterizado pela ilogicidade entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário. Se ocorrer apenas falta de idoneidade dos fundamentos para alcançar a decisão final, o que ocorre é um erro de julgamento, que não um vício de limite. Ou seja, se o julgador faz errada subsunção dos factos ao direito não se verifica a nulidade da alínea c) do n.º1 do artigo 668.º da lei adjectiva. Esta só ocorre se o julgador, ao arrepio da lógica de raciocínio, extrai uma conclusão impertinente, por, numa perspectiva discursiva coerente, se impor uma ilação diversa, sem que, contudo, tal tenha a ver com a adopção de determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial ou com a aceitação de um facto como bastante para justificar uma decisão de direito. Ora, o que a Recorrente verdadeiramente questiona é a alteração dada às respostas aos quesitos 18.º e 22.º que tiveram como consequência o provimento da apelação. Mas a proceder a bondade da argumentação tal não integraria a nulidade do aresto por incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão mas “error in judicando”, na substância da decisão proferida, que não na sua forma. Insiste-se em que a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do diploma adjectivo só ocorre quando os fundamentos invocados conduziriam, por imperativo lógico, a resultado oposto ao encontrado a final, e que este se apresenta sem qualquer coerência perante o antes afirmado. Como tal não acontece, improcede a arguição de nulidade. 2 – Quesitação No tocante às alterações às respostas aos quesitos são curiais algumas considerações prévias. Estamos no âmbito do recurso de revista. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, quanto á matéria de facto, é muitíssimo limitada, apenas podendo averiguar da observância das regras de direito probatório material, artigo 722° n°2, ou mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729°, n° 3 (Acórdão do STJ de 17 de Março de 2005 - 0SB2682 - onde ainda se decidiu caber ás ‘instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria factícia necessária para a solução do litigio, cabe à Relação a última palavra. Só à Relação compete censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1.ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos n°s 1 e 4 do artigo 712° - entre muitos outros.). A regra é o Supremo Tribunal de Justiça limitar-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal “ a quo” o regime jurídico pertinente. As situações de excepção (artigos 722° n° 2 é 729° n° 2 do Código de Processo Civil) ocorrem quando houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova. Isto é, o sindicar do modo com a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer, no âmbito do recurso de revista, se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como não dispensável para demonstrar a sua existência ou tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova . Aqui chegados, resta verificar se a Relação, ao fixar a matéria de facto, incumpriu a segunda parte do n.º 2 do artigo 722° do diploma adjectivo, isto é, se deu como provado um facto sem produção de prova legalmente indispensável para a sua existência ou se foram infringidas as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova. Parece evidente que não ocorreu nenhuma dessas situações de excepção, que, aliàs, nem a recorrente identifica de forma apodíctica. 2.2 – Quanto aos quesitos e respectivas respostas valem as considerações do Acórdão de 19 de Dezembro de 2006 – 06 A4115 – desta mesma conferência onde se decidiu: “No momento do artigo 511.º do CPC o juiz selecciona, de entre os factos alegados, e ainda controvertidos, os que, a título principal ou instrumental, interessam para a decisão da causa, na ponderação das várias e plausíveis soluções de direito. Então terá de atentar no ‘distinguo’ entre facto, direito e conclusão, acolhendo tão somente o puro facto e arrendando da quesitaria os conceitos de direito – salvo se já transitados para a linguagem comum, por assimilação pelo cidadão vulgar como correspondente a um facto concreto – e conclusões, que mais não são do que a ilação lógica de premissas não correspondendo ao facto, em si mesmo. Apelando para o conceito lógico, dir-se-á que o facto é a premissa menor do silogismo judiciário a que, afinal, se reconduz qualquer lide. Mas para que não surjam duvidas a final, há que encarar o questionário – base instrutória – como um todo coerente, evitando o dicotómico e moderando as formulações alternativas. O quesito em si deve ser redigido com precisão e clareza, procurando reproduzir o que a parte alegou, mas acertando o alegado terminologicamente (apenas para melhor evidenciar o cerne do perguntado). Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito.(...). A tendência vai no sentido de, e para prosseguir também a verdade material, o juiz dever atentar nos factos instrumentais e de ‘outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório’ (n° 3 do artigo 264° CPC). Esta ponderação pode ser feita aquando da redacção da resposta explicativa que, assim, e se contida naqueles precisos limites e com garantia de contraditório, não seria de considerar excessiva.” 2.3 – Feito este breve bosquejo, analisemos os quesitos postos em crise. 2.3.1 – Perguntava-se no quesito 18.º se o prédio identificado na alínea a) tem um grande portão de entrada e um logradouro que dão para o Largo .... A Relação considerou que estando em causa precisamente a parcela que através do portão confina com aquele Largo, o perguntar-se se o prédio tem tal logradouro implica perguntar-se se essa área pertence ao prédio. E bem concluiu. Tal matéria foi alegada no artigo 26.º da petição inicial integrando, desde logo, uma conclusão que decidiria de imediato a lide, por conter ínsita uma questão de direito – a propriedade – do logradouro, sem recurso a factos que a permitam inferir. Cai, em consequência, no âmbito do n.º 4 – primeira parte – do artigo 646.º do diploma adjectivo. 2.3.2 – A Relação também não exorbitou os seus poderes quanto ao quesito 22.º. Aí se perguntava se o prédio dos Réus não tem logradouros, jardins ou áreas descobertas. Respondeu-se que estava “provado com excepção da parte da varanda que o prédio tem”. Valem as considerações feitas para o quesito 18.º. E embora a resposta tenha sido explicativa arredando qualquer conclusão ou conceito de direito, o certo é que não pode ser aproveitada por se reportar a um quesito que não podia ter sido formulado nos termos em que o foi. Tudo se possa, pois, como se essa matéria não tivesse sido levada à base instrutória. 3 – Presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial 3.1 – Perante a matéria de facto que ficou definitivamente assente, assiste razão à Autora quanto ao seu domínio sobre a parcela em crise. E isto com base na presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial. Certo que tal presunção não abrange a descrição física do prédio apenas incidindo sobre os factos inscritos (cf. v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1993 – CJ/STJ I, 100, de 11 de Julho de 2006 – 06 A2105 e de 15 de Maio de 2007 – 07 A1273). A descrição física de um prédio é notória, de percepção fácil, integrando pura matéria de facto sem que tenha de fazer-se apelo à interpretação e aplicação de textos legais. Já a referente às inscrições é de natureza jurídica sendo nessa sede conhecida e valorada. Mas, mau grado os limites da presunção resultante do registo é certo que, sob pena de se esvaziar completamente o seu conteúdo, há que atentar nos precisos termos da inscrição e verificar se foram provados, ou improvados, quesitos em sentido oposto. Como referem a Dr.ª Isabel Pereira Mendes (in “Estudos sobre Registo Predial”, 118) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1992 – BMJ 420-597 – a presunção existe no sentido de se considerar que o registo é “exacto e integro”e que “o direito registado existe e emerge do acto inscrito; o mesmo pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define”, não incluindo, porém, todos os elementos de identificação dos prédios sujeitos, que estão, a eventuais alterações, por rectificação de áreas estremas. E isto porque – e como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Fevereiro de 2005 (P.º 4594/04 – 1.ª) – “…para concluir que não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais (com finalidade essencialmente fiscal) numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa (artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial; Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, in respectivas CJ/STJ – III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, 27 e Isabel P. Mendes “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado”, 11.ª Ed, 239).” Mas este entendimento não pode ser acolhido acriticamente, antes devendo ser ponderado em termos hábeis. A descrição reporta-se a uma realidade física, ostensiva e deve conter todos os elementos essenciais dessa realidade que terão de estar abrangidos por ela. Só não estão os elementos acessórios e acidentais. No relato do aresto de 22 de Fevereiro de 2005 escreve o Cons. Alves Velho que “assim sendo, há-de haver nela (descrição) um conjunto de elementos identificativos, que constituirão um âmbito mínimo ou núcleo essencial indispensável à definição ou identificação da coisa sobre a qual incide a inscrição do direito, sob pena de não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito.”. E nesta linha diz o Cons. Moreira Alves, ao relator o Acórdão de 31 de Março de 2004 – P.º 81/04-1.ª –: “Não se contesta que a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial abrange apenas os factos jurídicos inscritos de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas pelo registo e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, objecto da descrição predial e a sua única finalidade. É essa a doutrina quase unânime e que aqui não se põe em causa. Só que, uma coisa são as confrontações, a área, as estremas ou o valor dos prédios, outra aquilo que os define ou identifica na sua essencialidade. Assim, da descrição fazem parte não só os elementos materiais essenciais à identificação dos prédios como os elementos meramente complementares ou acessórios. Os primeiros, como que são inerentes à própria inscrição, pelo que só os segundos devem estar fora do alcance da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, sob pena de esta não ter qualquer relevância prática.” E mais adiante: “Portanto, das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme o elencado no artigo 2.º do C.R. Predial, ou sejam, constam deles os factos da vida real, que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos, no caso, constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintivos do direito de propriedade. Ora, como tal direito incide sobre coisas a inscrição tem de as identificar, o que faz por referência à descrição, sendo certo que alguns desses elementos identificativos são essenciais, no sentido de que, sem eles, não se saber sobre que coisa incide a inscrição (ou melhor, o facto inscrito). Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.” Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial. 3.2 – “In casu”, é questionada a existência de um logradouro como integrando o prédio da Autora. No registo o prédio vem descrito como tendo, além do mais, “anexo um logradouro – 62m2”. Já a descrição do prédio dos Réus, que disputam o domínio dessa parte, não contém qualquer referência à área descoberta, à excepção do “balcão” do 1.º andar. Ora a resposta não escrita ao quesito 18.º, pelas razões antes aduzidas, apenas pode equivaler à não quesitação do facto, que não à resposta negativa ao perguntado. Daí que tudo se passe como se esse ponto da petição de onde foi extraído o quesito eliminado, por conclusivo, não surgisse na base instrutória valendo, nessa parte, e quanto a ele a presunção “tantum juris” do citado artigo 7.º do Código do Registo Predial, já que o logradouro integra um elemento essencial do facto inscrito. Outrossim, acontece quanto à eliminação do quesito 22.º – cuja resposta foi considerada não escrita – valendo, nesta parte, a descrição do prédio dos Réus que não os faz presumir danos de qualquer logradouro, sendo que, também, não lograram ilidir a presunção da Autora. Ademais, constando da matéria de facto assente que a área coberta do prédio da Autora é de 142 m2 (n.º 24), e sendo o total inscrito de 204 m2, poderiam aceitar-se, por cálculo aritmético, os 62 m2 de logradouro, nos precisos termos da inscrição. Mas este raciocínio implicaria considerar que a área total inscrita está a coberto da presunção, só assim podendo realizar-se a operação aritmética de dedução. O que iria contudo contrariar o acima afirmado quanto às áreas e a sua inconsideração na presunção “tantum juris”. Daí que, embora reconhecendo, por esta via a existência do logradouro e o seu domínio da Autora não pode afirmar-se a respectiva dimensão como julgaram as instâncias. Em tudo o mais valem os argumentos da decisão da 1.ª Instância que aqui se recuperam. 4 – Conclusões Pode concluir-se que: a) A nulidade da alínea c) do n.º 1do artigo 668.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de raciocínio consistente na afirmação conclusiva não resultante do assente nas premissas do silogismo judiciário. b) Aquando da selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511.º do Código de Processo Civil terá de atentar-se no “distinguo” entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito – salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto – e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas. c) Se o quesito integra uma mera conclusão que decide de imediato a lide, a sua resposta cai no âmbito do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil devendo ter-se por não escrito. d) Se o quesito é conclusivo ou contém matéria de direito, é irrelevante que a resposta afaste esses conceitos sendo de não a aproveitar e tudo se passando como se, essa matéria, não tivesse sido incluída na base instrutória. e) A presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a descrição física do prédio mas, apenas, os factos inscritos. f) Porém, a descrição terá de conter um núcleo essencial indispensável à identificação do prédio sob pena de não se saber, exactamente, sobre que coisa incide o facto jurídico inscrito. g) Reconhecendo a não inclusão na presunção de certos elementos não essenciais – confrontações, limites precisos, áreas exactas, identificações fiscais –esta terá de abranger alguns elementos acessórios que importam para uma identificação do prédio no seu confronto com prédios confinantes. h) E assim ali relevará a inclusão de logradouro, ou a existência de outro espaço descoberto, ainda que sem precisa dimensão. Face ao exposto, acordam conceder parcialmente a revista e revogar o Acórdão recorrido subsistindo a sentença da 1.ª Instância, á excepção da área do logradouro do prédio da Autora. Custas a cargo da Recorrente e dos Recorridos nas proporções de 1/3 e 2/3. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008 Sebastião Póvoas (relator) Moreira Alves Alves Velho
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045353 Data do Acordão:25/08/1999 Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA Relator:ANGELINA DOMINGUES Descritores:LICENÇA DE LOTEAMENTO. ALVARÁ. INDEFERIMENTO EXPRESSO. NULIDADE. INTIMAÇÃO. SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA. FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO. Sumário:I - A nulidade do acto de indeferimento expresso de licença de loteamento, tem de ser patente, para que o julgador do processo de intimação da passagem de alvará de loteamento, possa, numa análise perfunctória, dela conhecer. II - O vício da forma por falta de fundamentação não gera a nulidade do indeferimento referido em I, mas mera anulabilidade. III - Não se justifica a suspensão da instância, nos termos do art. 97º nº 1 do C.P.Civil, do processo de intimação para passagem de alvará de loteamento, até à decisão do recurso interposto ou a interpor, do indeferimento expresso do pedido de licenciamento do referido loteamento. Nº Convencional:JSTA00055821 Nº do Documento:SA119990825045353 Data de Entrada:11/08/1999 Recorrente:PIRES , MANUEL Recorrido 1:CM DE PORTALEGRE Votação:UNANIMIDADE Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TAC DE COIMBRA. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR URB. Legislação Nacional:CPA91 ART125 N1 ART133 N1 N2 C. CPC ART97 N1. Aditamento: Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021224 Nº Convencional: JTRP00030046 Relator: TERESA MONTENEGRO Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO LICITAÇÕES AVALIAÇÃO VALOR ADJUDICAÇÃO TORNAS Nº do Documento: RP200102050021224 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 4J Processo no Tribunal Recorrido: 7947/91-3S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC INVENT. Legislação Nacional: CPC97 ART1367 ART1377 ART1406. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1973/10/12 IN BMJ N230 PAG92. Sumário: I - Em processo de inventário, tendo sido requerida e efectuada segunda avaliação de bens não dados, depois das licitações, e sendo os valores da avaliação superiores aos das licitações, deve atender-se aos valores da segunda avaliação para efeito de adjudicação dos bens licitados e do cálculo das tornas. II - Em tal hipótese, não há fundamento legal para resolução ou anulação das licitações ou para o licitante delas poder desistir. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051369 Nº Convencional: JTRP00030799 Relator: AMÉLIA RIBEIRO Descritores: LEGITIMIDADE ACTIVA LITISCONSÓRCIO CÔNJUGE PROCEDIMENTOS CAUTELARES Nº do Documento: RP200102050051369 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ARCOS VALDEVEZ Processo no Tribunal Recorrido: 147-A/00 Data Dec. Recorrida: 15/07/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART28-A. Sumário: A exigência de litisconsórcio necessário activo entre cônjuges só se coloca nos processos que envolvam um juízo definitivo sobre certos bens e não naqueles processos em que o juízo formulado é de natureza provisória, como nos procedimentos cautelares. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021576 Nº Convencional: JTRP00030042 Relator: EMÍDIO COSTA Descritores: COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA REQUISITOS Nº do Documento: RP200102050021576 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 349/97 Data Dec. Recorrida: 24/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART847 N1 A. Sumário: Um dos requisitos da compensação de créditos é não proceder, contra o crédito do compensante, alguma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, ou seja, alguma excepção fundada em razões de direito substantivo, como é o caso da excepção de caducidade do direito. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051612 Nº Convencional: JTRP00030783 Relator: FERNANDES DO VALE Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL PEDIDO CÍVEL ACÇÃO CÍVEL ACÇÃO PENAL FACTO JURÍDICO SUPERVENIENTE Nº do Documento: RP200102050051612 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 7J Processo no Tribunal Recorrido: 876/98-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART71 ART72 N1 A. LOTJ99 ART22. CPC95 ART663. Sumário: A excepção de incompetência em razão da matéria, decorrente do facto de o pedido de indemnização ter sido formulado em acção cível e não no processo penal, não é afastada ou prejudicada pela circunstância de, na data em que se aprecia tal excepção, o processo penal ter estado sem andamento durante oito meses, uma vez que tal circunstância superveniente não está abrangida pelo disposto no artigo 663 do Código de Processo Civil e a questão de competência se deve reportar à data da propositura da acção. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011117ver acórdão STJ Nº Convencional: JTRP00030183 Relator: MACHADO DA SILVA Descritores: CONTRATO DE TRABALHO MÁ FÉ EFEITOS OBJECTO VALIDADE Nº do Documento: RP200102050011117 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG246 Tribunal Recorrido: T TRAB MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 550/97 Data Dec. Recorrida: 10/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: LCT69 ART15 N1. DL 276/93 DE 1993/08/10 ART3 N1. Sumário: I - Estando ambas as partes de má fé, o contrato de trabalho nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. II - É lícito, logo válido, o contrato de trabalho cujo objecto e/ou fins engloba a protecção de pessoas, bens e serviços do estabelecimento da ré, visando apenas a prevenção e discussão de acções ilícito-criminal. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051512 Nº Convencional: JTRP00030784 Relator: PAIVA GONÇALVES Descritores: PROVA DOCUMENTAL PROVA TESTEMUNHAL ADMISSIBILIDADE Nº do Documento: RP200102050051512 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 9 V CIV PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 762/95-2S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART393. Sumário: É admissível prova testemunhal, apesar de ter por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos, quando haja um princípio de prova escrita sobre tais convenções. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0020884 Nº Convencional: JTRP00030484 Relator: RAPAZOTE FERNANDES Descritores: FALÊNCIA VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR RETRIBUIÇÃO Nº do Documento: RP200102050020884 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T COMÉRCIO V N GAIA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 33/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC ESP. DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD. Legislação Nacional: CPEREF98 ART208. CCJ96 ART34 N1 E. Sumário: Em processo de falência, a comissão/remuneração devida ao encarregado da venda dos bens apreendidos por negociação particular deve ser fixada pelo juiz, por sua iniciativa, dentro dos limites previstos no artigo 34 n.1 alínea e) do Código das Custas, sendo irrelevante qualquer acordo estabelecido entre o liquidatário judicial e a comissão de credores, e o encargo por tal pagamento sai precípuo do produto da massa falida. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021704 Nº Convencional: JTRP00030472 Relator: LEMOS JORGE Descritores: DEMARCAÇÃO TÍTULO ACORDO Nº do Documento: RP200102050021704 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS Processo no Tribunal Recorrido: 75/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS. Legislação Nacional: CCIV66 ART1354. Sumário: I - Na acção de demarcação, os títulos relevantes para esse efeito são quaisquer documentos que forneçam indicações quanto às áreas ou limites dos prédios, não assumindo essa natureza as certidões do registo predial ou das inscrições matriciais. II - A demarcação pode ser validamente feita por via extrajudicial e por mero acordo verbal. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041332ver acórdão STJ Nº Convencional: JTRP00030117 Relator: MARINHO PIRES Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL Nº do Documento: RP200102050041332 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB BRAGA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 495/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: LCT69 ART37. CCIV66 ART424 ART425 ART426 ART427. Sumário: I - Não configura "transmissão de estabelecimento", regulada pelo artigo 37 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, o protocolo em que o Governo Civil de Braga transfere para a Santa Casa da Misericórdia de Braga, por tempo indeterminado e gratuitamente, a gestão e a administração de uma obra de assistência a utentes da terceira idade do sexo feminino, denominada "Recolhimento das Convertidas", incluindo pessoal e mobiliário. II - Antes configura, tal protocolo, a figura jurídica de "cessão da posição contratual" regulada pelos artigos 424 a 427 do Código Civil. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051741 Nº Convencional: JTRP00030797 Relator: NARCISO MACHADO Descritores: CONTRATO INOMINADO REGIME APLICÁVEL Nº do Documento: RP200102050051741 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 1201/96-1S Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART405 N1. Sumário: O regime jurídico dos contratos atípicos é o que resultar das cláusulas convencionadas, das normas dos contratos típicos afins e das regras gerais das obrigações. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No Tribunal Cível da Comarca do...., Custódio..... propôs a presente acção declarativa, sob a forma ordinária contra Cooperativa Agrícola...., C.R.L., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 43.013.500$00 e a quantia anual de Esc. 3.375.000$00, desde a propositura da acção até decisão final, acrescidas dos juros à taxa legal desde a citação. Para tanto, alega, em resumo, que o A é membro da R., desde 26 de Agosto de 1988. A. e Ré celebraram acordo pelo qual aquela se comprometia a comprar dois milhões de minhocas, pelo preço de 2.500.00$00, a vender à Ré todo o humus da produção e a não comercializar o humus produzido a qualquer outra entidade e a Ré se obrigava a prestar assistência técnica ao A., a adquirir ao A. todo o húmus por este produzido pelo, preço de 22$50 por litro de humus e a recolher da exploração do A. o húmus produzido. A R., apesar das insistências do A. não procedeu ao levantamento do húmus, causando danos ao A. Contestando a R. alega que o húmus não crivado era pago a 13$50. A capacidade de produção dos cooperadores superava a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado. A R. deixou de colher o humus dos seus cooperadores desde o final do ano de 1990. O A. teve conhecimento de tal facto em 22 Abril de 1993. Atento o preço de aquisição de 22$50, os produtos da Ré não tinham capacidade de penetração no mercado profissional. Em assembleia geral realizada a 16 de Outubro de 1993, foi deliberado reduzir o preço do húmus. E a A. teve conhecimento em Março de 1994, que a R. havia cedido a exploração do seu estabelecimento, deixando de exercer a sua actividade. O A. apresentou réplica, alegando que a R. sempre incentivou os cooperadores a produzir mais húmus e que a posição de cooperador foi transmitida ao A. por João....., com o consentimento da R. Efectuado o julgamento, foi proferida decisão, julgando a acção improcedente e a Ré absolvida do pedido. Inconformada com a decisão dela apelou o A. que nas suas alegações conclui do seguinte modo. I- A R. é uma cooperativa agrícola que tem por objecto promover a colocação nos mercados de consumo dos produtos provenientes das explorações de minhocultura dos seus membros, de modo a obter a sua máxima valorização e maior rendimento económico e promover o transporte dos produtos dos seus associados, de forma a obter a maior economia com a sua colocação em armazéns ou nos mercados de consumo. l- Por sua vez o A. é um cooperador da Ré, posição que ocupa após cedência da posição contratual do cooperador João....., membro da mesma desde 1988 e ao qual foi atribuído o nº.---. III- Ora entre o aludido João..... e a Ré foi celebrado um acordo pelo qual aquele se comprometeu a comprar a esta dois milhões de minhocas (duzentas caixas), pelo preço de 2.500.000$00, a vender à Ré todo o húmus produzido e a não comercializar o húmus produzido com qualquer outra entidade. IV- Por sua vez, obrigou-se a Ré perante o mencionado cooperador, a adquirir-lhe todo o húmus que este produzisse na sua exploração, bem como, a proceder à recolha de húmus produzido. V- Sendo o preço acordado de 22$50 por litro de húmus. VI- Tal acordo qualificado na Decisão em recurso como sendo um contrato-promessa de compra e venda e ao contrário do que o Tribunal a quo pretende fazer crer, jamais poderá ser tido e apreciado de uma forma autónoma, enquanto realidade jurídica. Vll- Na verdade, este insere-se numa realidade mais complexa, da qual depende e sem a qual não pode subsistir, que é a relação cooperativa/cooperador. Porquanto, VIII- As obrigações que tal acordo impôs à Ré e aqui Recorrida, traduzem precisamente a realização dos seu objectivo enquanto cooperativa. IX- Todavia, a Ré faltou ao compromisso assumido, não procedeu ao levantamento do húmus produzido pelo cooperador cedente em Novembro de 1990, que detinha em armazém 570.000 litros de húmus a aguardar a recolha da Ré. X- O A. iniciou a sua actividade de minhocultor em Setembro de 1988 em colaboração com o cooperador cedente, sendo através da cessão da posição contratual, o A. membro da Ré pelo menos desde 22 de Abril de 1993. XI- Ora, a cessão da posição contratual implica, de per si, e necessariamente, a transmissão para o cedente, não só os direitos e deveres principais que caracterizam da relação contratual base, mas também de toda uma amálgama de relações jurídicas que gravitam em torno da posição contratual cedida. Xll- Assim, in casu, a cessão da posição de cooperante, acarreta natural e inevitavelmente, a transmissão para o A. do acordo celebrado entre a Ré e o cooperador cedido, a que aludem os pontos III a VIII das presentes conclusões, que passa a ocupar "in totum" a posição jurídica do anterior cooperante. XIII- Mantendo-se, pois, a Ré e ora Recorrente perante o A. na situação de incumprimento, uma vez que à data da cessão os 570.000 litros de húmus continuavam por recolher . XIV - Aliás, nem outra conclusão se poderá inferir, face ao teor dos pontos 7 e 15, in fine da matéria de facto tida por provada. XV- Porém e não obstante, o Tribunal “a quo” só considerou "para efeitos de eventual responsabilidade dar para com o A. , o não levantamento do húmus produzido pelo A. após a cessão da posição contratual", oferecendo assim, de uma forma clara e manifesta, a ratio legis do art. . 424°. do Cód. Civil. XVI- A esta ofensa perpetrada a um preceito normativo, acrescem ainda as violações aos arts 804°., 562°. e 570°. do Cód. Civil. Porquanto XVll- Da conjugação do art. 804°., com o art. 562°. ambos do Cód. Civil, resulta a obrigação para quem, em virtude do incumprimento contratual causar dano à outra parte contratante, proceder à respectiva reparação. XVIII- Na situação “sub judice”, apesar de ter sido dado por provado quer o incumprimento contratual da Ré, quer o prejuízo para com o A. cooperador nº. ---- cfr. pontos 6 in fine, 12, 7, 8 e 17 - o Tribunal “a quo” decidiu não atribuir ao A. qualquer quantia indemnizatória pelos danos sofridos. XIX- para tal, socorreu-se de dois argumentos, a saber: - que só é atendível o húmus produzido pelo A. após a cessão; - e que, por sua vez, os prejuízos advindos com a não recolha deste - ou seja, com o incumprimento contratual da Ré - mui e exclusivamente por culpa do mesmo, isentando assim a Ré - repita-se, contraente faltoso - da obrigação de proceder à respectiva indemnização. XX- O primeiro argumento não vinga, face à definição, daquilo que a nossa ordem jurídica entende por "cessão da posição contratual" e a que alude o arto. 424°. CC, e surge na Decisão Recorrida perfeitamente atentada. XXI- Mutatis mutantis no que concerne ao segundo argumento, face à manifesta existência de culpa por parte da Ré na verificação dos prejuízos do A. XXll- Razão pela qual, e mesmo que da parte do A. na situação em apreço houvesse, porventura alguma contribuição para o resultado danoso, de harmonia com critério do "bonnus pater familie", de que se socorre o Tribunal a quo - hipótese que se aduz sem conceder jamais o comportamento do A. e aqui Recorrente, estaria em si mesmo a culpa que impede sobre a Ré, ora Recorrida, de molde a excluir qualquer indemnização. Pelo que, XXIII- A existir qualquer responsabilidade do A. - repita-se, o que se aduz sem conceder - nunca este poderia ser susceptível de permitir a exclusão da indemnização peticionada, operando, quando muito, uma mera redução, a que alude o nº.1 do art. 570°. do Cód. Civil. XXIV - Ora, o Tribunal a quo, ao utilizar o princípio da equidade subjacente ao mencionado n°.1 do art. 570°. do Cód. Civil, supostamente a fim de proceder à realização da Justiça, acaba por desvirtuar de uma forma cómoda e radical, a “ratio legis” que tal princípio inculca, fazendo assim da solução em recurso uma decisão em conformidade com a Lei e o Direito, e nessa medida, necessariamente injusta. A Ré não apresentou contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância: 1 –A Ré tem por objecto promover a colocação nos mercados de consumo produtos provenientes das explorações de minhocultura dos seus membros de modo a obter a sua máxima valorização e maior rendimento económico e promover o transporte dos produtos dos seus associados de forma a obter maior economia com a colocação em armazéns ou nos mercados de consumo (A). 2. O A. é membro da Ré pelo menos desde 22 de Abril de1993 (B). 3 –João..... celebrou com a Ré acordo pelo qual aquele se comprometeu a comprar a esta dois milhões de minhocas (duzentas caixas) pelo preço de 2.500.000$00, a vender à Ré todo o humus produzido e a não comercializar o humus produzido com qualquer outra entidade ( 2º). 4. Por seu lado a Ré obrigou-se perante João....., nos termos do acordo, a prestar a este assistência técnica, a adquirir-lhe, todo o humus que este produzisse na sua exploração e a recolher da exploração do mesmo o humus produzido (3º). 5 - Ficou ainda acordado que a Ré pagaria ao João..... a quantia de 22$50 por litro de húmus (4º). -6- O A. iniciou a sua actividade de minhocultura em Setembro de 1988 em colaboração com o cooperador João....., e, pelo facto de a R. não proceder ao levantamento do humus produzido em Novembro de 1980, aquele João..... tinha já em armazém 570.000 litros de húmus que aguardavam recolha e transporte da R. (10). 7. Por causa da falta de recolha do húmus e da falta do seu pagamento pela R., o A. não pôde prosseguir a sua actividade de minocutor, pois não dispunha de capital (13°). 8º-Se a Ré tivesse cumprido o acordado o A. obteria rendimento líquido anual de montante não apurado (14°). 9- Em assembleia geral realizada a 16 de Outubro de 1993, a R. deliberou fixar o preço do húmus produzido pelos seus colaboradores incluindo o A em 8$00/ litro para o húmus crivado a 3mm e 5$00/litro para o humus - não crivado, a granel ou "agri' (16°). 10 - A R. apenas teve actividade, escoando o produto que recolheu e adquiriu até final de 1990, até 23 de Março de 1994 (17°). 11- 0 húmus referido no ponto 6 teria serventia, como adubo orgânico,(19º). 12 – Em 1990, a R. suspendeu o levantamento de húmus de explorações dos seus membros, porque a capacidade de produção destes superava a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado e a R. já não tinha onde os armazenar, nem como pagá-los (20°), pois só declarando vender tais produtos é que a Ré. obtinha meios para pagar aos seus membros (21°). 13- O A. declarou adquirir, com conhecimento da R., a posição do anterior cooperador João....., com o nº ---, que mantinha o acordo celebrado com a R. referido nos pontos 3 a 5, desde que se tornou seu membro, a 30 de Agosto de 1988 (25º); 14 - O A. vinha desenvolvendo a actividade de minhocultura juntamente com o cooperador João..... (26°). 15 -O A. iniciou a sua actividade de minhocutor em 1988, primeiro em cooperação com João..... e depois sozinho, e, desde que decorreram seis meses sobre o início dessa actividade, vinha insistindo com a R, via telefone, no sentido desta proceder ao levantamento do húmus produzido (44º). 16 - A actividade do A. foi-se desenvolvendo, atingindo e mantendo 42 “camas”, numa área total de cultura não inferior a 1.512 m2 (45º). 17- O humus parado, conforme referido no ponto 6º, e a aguardar transporte, não tinha nem tem qualquer serventia para o A. (46º). 18- O A. iniciou a sua actividade de minhocultor em 1988 com 5 camas, duas das quais na localidade de Setúbal tendo cada cama uma área não inferior a 36 m2 (47º). 19- As despesas da actividade produtiva do A. não eram superiores a 40%do rendimento (48°). * * * Descritos os factos dados como assentes, analisemos agora as questões suscitadas pelo apelante. Essas questões são essencialmente as seguintes: -Saber se os factos dados como provados configuram um contrato-promessa de compra e venda do humus a produzir pelo A., como decidiu o Tribunal “a quo” ou se tal factualidade configura um outro tipo de contrato. -Saber se o A. tem direito à indemnização que reclama da Ré. * * * Quanto à 1ª questão: De interesse para a análise e solução da questão suscitada pelo recorrente importa referir a seguinte factualidade dada como provada: João..... celebrou com a Ré acordo pelo qual aquele se comprometia a comprar a esta dois milhões de minhocas (duzentas caixas) pelo preço de 2.500.000$00, a vender à Ré todo o humus produzido e a não comercializar o humus produzido com qualquer outra entidade (2º). Por seu lado, a Ré obrigou-se perante João....., nos termos do acordo, a prestar a este assistência técnica, a adquirir-lhe todo o humus que este produzisse na sua exploração e a recolher da exploração do mesmo o humus produzido (3º). Ficou ainda acordado que a Ré pagaria ao João..... a quantia de 22$50 por litro de humus. O A. declarou adquirir, com conhecimento da Ré, a posição do anterior cooperador, João....., com o nº---, que mantinha o acordo celebrado com a Ré, referido nos pontos 3º a 5º, desde que se tornou seu membro a 30 de Agosto de 1988 (25º). Na sentença recorrida qualificou-se o referido acordo, celebrado entre o João..... e a Ré, como sendo um contrato-promessa de compra e venda. Todavia o referido acordo não se pode separar da restante matéria também provada, nomeadamente do próprio objecto que a Ré visa desenvolver e alcançar enquanto Cooperativa do Sector Agrícola, bem como o facto de, quer o João....., quer o A. serem seus cooperadores. Da matéria provada resulta que o acordo dos autos é uma ralação jurídica complexa, com obrigações recíprocas, apresentando embora alguns contornos que coincidem com elementos de alguns contratos tipificados na lei civil: venda de bens futuros (venda de todo o humus que o João Barradas viesse a produzir - arts 880 e 211 do CC), bem como contrato de empreitada - art. 1207 do CC (obrigação da Ré em prestar à exploração de minhocultura do João..... assistência técnica). Afigura-se-nos, assim, estarmos em presença de um contrato atípico ou inominado, por no conjunto dos seus elementos, ser distinto dos que a lei prevê e regula. É que para além dos elementos dirigidos à exploração da minhocultura (compra e venda dos dois milhões de minhocas e compra e venda do humus a produzir) estabelece-se no acordo em análise um outro feixe de obrigações (assistência técnica, recolha e transporte de humus e não comercialização do humus produzido com qualquer outra entidade), assumindo a natureza distinta e autónoma no seu conjunto, dando-lhe a fisionomia própria de contrato atípico. Integrando-se o contrato em causa nesta figura jurídica, está o mesmo sujeito ao regime jurídico que resultar das clausulas convencionadas, de acordo com o princípio da liberdade contratual consagrado no nº 1º do art. 405 do CC, regendo-se pelas normas dos contratos típicos afins e pelas regras gerais das obrigações, tendo em conta ainda as normas do Código Cooperativo. Quanto à 2ª questão suscitada pelo apelante, ou seja, saber se o mesmo tem direito à indemnização que reclama: Conforme a noção expressa no art. 2º do C. Cooperativo, aprovado pelo DL 454/80, de 09.10 (alterado pelo DL 238/81, de 10.08) e aplicável ao caso dos autos, “cooperativa é uma pessoa colectiva, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que visa através da cooperação e entreajuda dos seus membros e na observância dos princípios cooperativos, a satisfação, sem fins lucrativos, das necessidades económicas, sociais ou culturais destes, podendo ainda, a título complementar, realizar operações com terceiros”. Acolhe, deste modo, o Código de 1980 uma concepção não mercantilista e afasta claramente o escopo lucrativista, promovendo os princípios cooperativos. Ora, do ponto 1º da matéria de facto provada resulta que a “Ré tem por objecto promover a colocação nos mercados de consumo dos produtos provenientes das explorações de minhocultura dos seus membros de modo a obter a sua máxima valorização e maior rendimento económico e promover o transporte dos produtos dos seus associados de forma a obter a maior economia com a sua colocação em armazéns ou nos mercados de consumo” (A). Estamos, portanto, em presença de uma cooperativa do sector agrícola, em que sobre os seus membros impendem os deveres previstos nos arts. 2º e 30º do C. Cooperativo de 1980, nomeadamente o dever de entreajuda e cooperação. Ora, se atentarmos no acordo acima descrito, celebrado entre o João Barradas e a Ré e o objecto desta, verificamos, como aliás reconhece o recorrente, que o aludido acordo coincide, no essencial, com o próprio objecto da Ré. Por isso, estamos inteiramente de acordo com o recorrente quando afirma, nas suas alegações, que “é impossível conceber a celebração de tal acordo entre a Ré recorrida e alguém que não seja seu cooperador; como impossível se torna conceber a existência de um cooperador da Ré sem que se verifique semelhante “acordo”, na medida em que este constituiu o objecto da própria relação cooperativa/cooperante estabelecida, enquanto comercialização dos fins que a mesma como realidade jurídica que é, se propõe realizar e que constituem a sua razão de existir”. Poder-se-á assim dizer que os direitos e obrigações resultantes do aludido acordo, resultariam, no essencial, já do facto do A. e o João..... serem associados da Ré. Conforme resulta do ponto 13º da matéria provada, o A. declarou adquirir, com conhecimento da Ré, a posição do anterior cooperador João....., com o nº---, que mantinha o acordo celebrado com a Ré, desde que se tornou seu membro a 30 de Agosto de 1988 (25º). Operou-se, deste modo, nos termos do art. 424 do CC, cessação da posição contratual do cooperador João....., membro da Ré desde 30 de Agosto de 1988, para o A. Como bem diz o recorrente, por força desta cedência da posição contratual, o “A. tornou-se membro da Ré mediante a entrega de capital de 2.500.000$00, correspondente ao valor da aquisição de minhocas (arts. 21 e 24 do C. Cooperativo de 1980). O humus obtido pelo A. na exploração das minhocas seria vendido exclusivamente à Ré. A remuneração da Ré ao A., enquanto seu membro, traduzia-se no obrigação de lhe adquirir todo o humus da sua produção, recolhendo-o da exploração deste, pelo preço de 22$50/l (arts. 3º als. g e h) do Cod. Cooperativo de 1980)”. Em consequência da cessão da posição contratual, o A. recebeu por transmissão do João..... um complexo de direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato. Mas, conforme resulta das citadas normas do C. Cooperativo de 1980, esse complexo de direitos e deveres, repete-se, resultariam já, no essencial, da simples facto de o A. se tornar membro da Ré, em consequência da cessão da posição contratual. Já vimos que as Cooperativas tem um fim mutualista, isto é, visam realizar um ganho ou evitar um perda no próprio património dos cooperadores, fornecendo bens ou serviços a preços mais baixos, dando-lhes trabalho mediante maior retribuição, etc. As cooperativas podem realizar um excedente, mas não como objectivo principal, e será então distribuído pelos cooperadores, como reembolso, na proporção das operações realizadas entre eles e a Cooperativa. Dentro do quadro jurídico do Código Cooperativo, sendo o A. e o João..... membros da Ré (e não terceiros) só poderiam exigir a responsabilidade da cooperativa se se verificassem os pressupostos da responsabilidade dos seus órgãos sociais: violação da lei, dos estatutos, das deliberações da assembleia geral ou inexecução fiel do seu mandato (arts. 63 e 64 ), o que não é o caso. Perfilhando-se, como se perfilha a tese de que o aludido acordo configura um contrato atípico ou inominado, então há que ter em conta as regras gerais das obrigações. * * * A matéria de facto provada revela-nos que a Ré em 1990 suspendeu o levantamento de humus das explorações dos seus membros porque a capacidade de produção destes superava a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado e a Ré já não tinha onde os armazenar, nem como pagá-los (20º), pois só declarando vender tais produtos é que a Ré obtinha meios para pagar aos seus membros (21º). Até 1990, a Ré teve capacidade de recolha e comercialização do humus que foi produzido pelos seus membros. A suspensão da recolha do humus está, pois, explicitada na matéria de facto provada do seguinte modo: - A capacidade de produção dos cooperadores superara a capacidade de absorção dos produtos pelo mercado; - O facto de a Ré já não ter onde armazenar os produtos e - Ainda ao facto de a Ré já não ter meios para pagar os produtos. Ora, como é evidente, a obtenção do equilíbrio entre o volume de humus produzido e o seu escoamento no mercado competia exclusivamente à actuação de todos os cooperadores da Ré e não a esta (art. 32 nº 2 a) do C. Cooperativo de 1980). A Ré, sendo uma cooperativa, constituiu-se para colocar no mercado os produtos dos seus membros. Se o mercado não absorvia tais produtos ao ritmo da sua produção e pelos preços pretendidos pelos seus membros, não cabe a esta tal responsabilidade. Os membros da Ré, nomeadamente o A., dispunha de mecanismos legais e estatutários, v.g. através das assembleias gerais, para tomar medidas no sentido de conter o fluxo produtivo, evitando o desequilíbrio entre a produção de humus e a sua colocação no mercado. Na verdade, o A., ao colaborar com o João....., deveria ter-se apercebido que o humus por este produzido não era levantado desde 1990 e então podia e devia indagar das razões de tal facto, agindo em conformidade, nomeadamente não esperando que o humus produzido após Abril de 1993 fosse levantado pela Ré. O comportamento exigível da Ré tornou-se inviável, pelo menos temporariamente, porque a capacidade de produção dos cooperadores excedeu a capacidade de absorção do mercado. Não obstante este facto, afigura-se-nos, como aliás se alude na sentença recorrida, não ocorrer qualquer das impossibilidades previstas nos arts. 790 nº º e 791 nº 1º do CC. Para que a obrigação se torne impossível e se extinga não basta que a prestação se tenha tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil para o devedor. A causa de extinção da obrigação é a impossibilidade absoluta (física ou legal) e não a dificuldade da prestação, a impossibilidade relativa. E desde que não haja impossibilidade da prestação, a obrigação não se extingue, nos termos das referidas disposições legais, embora o devedor possa obter a resolução do contrato ou a modificação dele, segundo juízos de equidade, se se verificarem os demais requisitos exigidos no art. 437 do CC (cf. Pires Lima e A. Varela –CC Anot.-II-35), medidas que a Ré não tomou. Mas, no caso dos autos, o Tribunal não pode, de modo algum, ficar indiferente ao facto de a conduta do A. ter sido uma das causas, em concorrência com a condutas dos restantes cooperadores, dos prejuízos que reclama, concordando-se com a decisão da 1ª instância que, ao abrigo do art. 570o nº 1º do CC, excluiu o dever de indemnizar que recai sobre a Ré. Improcedem, deste modo, as conclusões da recorrente. Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Porto, 05 de Fevereiro de 2001 Narciso Marques Machado Rui de Sousa Pinto Ferreira Manuel José Caimoto Jácome
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045334 Data do Acordão:18/08/1999 Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA Relator:MADEIRA DOS SANTOS Descritores:RECURSO JURISDICIONAL URGÊNCIA EFEITO SUSPENSIVO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATO DE TRABALHO Sumário:I - Tendo sido recebido com efeito suspensivo, corre em férias o recurso jurisdicional interposto da decisão que recusou submeter o recurso contencioso a um regime jurídico a que a lei atribui carácter urgente. II - O DL. n. 134/98, de 15/5, estabelece o regime jurídico do recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens. III - O "concurso público para a contratação, em regime de avença, de 112 juristas", visando a prestação, no âmbito da Direcção-Geral de Viação, de consultadoria jurídica em matéria de contra-ordenações, aberto por anúncio publicado na II Série do DR de 11/5/96, constituiu o procedimento de formação de contratos que, dada a natureza subordinada do trabalho a prestar, devem ser qualificados como de "trabalho a termo certo". IV - Porque os contratos de trabalho a termo certo não estão incluídos na previsão do DL n. 134/98, os actos administrativos relativos à sua formação não podem ser objecto de recurso contencioso sujeito ao regime jurídico referido em II). Nº Convencional:JSTA00052170 Nº do Documento:SA119990818045334 Data de Entrada:28/07/1999 Recorrente:TEIXEIRA , PAULA Recorrido 1:SEA DO MINAI Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC TCA. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM CONT. Legislação Nacional:DL 134/98 DE 1998/05/15 ART1 ART4 N4. CPC67 ART740. CCIV67 ART1154. DL 41/84 DE 1984/02/03 ART17. DL 427/89 DE 1989/12/07 ART14 N1 B ART14 N2. Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 89/665 DE 1989/12/21. Referência a Doutrina:MONTEIRO FERNANDES NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO DO TRABALHO 1977 PAG46. Texto Integral
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 08A033 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: URBANO DIAS Descritores: TÍTULO EXECUTIVO ESCRITURA PÚBLICA EXEQUIBILIDADE Nº do Documento: SJ2008021200331 Data do Acordão: 12/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : Torna-se necessário à exequibilidade de uma escritura pública a prova de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório AA deduziu embargos à execução que lhe moveu a Caixa de Crédito Agrícola Mútua do Ribatejo Norte, C.R.L., alegando, em suma, que a escritura dada à execução não constitui título executivo, não tendo a exequente cumprido o ónus de prova no que tange ao montante mutuado e ao destino a que o mesmo estava sujeito, ou seja, ao previsto na lei sobre o crédito agrícola mútuo. A embargada contestou, pugnando pela improcedência da pretensão do executado. De seguida, o Mº Juiz da comarca de Torres Novas, julgando-se habilitado a decidir de meritis, acabou por julgar os embargos improcedentes. Com esta decisão não se conformou o embargante que apelou, sem êxito, para o Tribunal da Relação de Coimbra. Continuando inconformado, pede ora revista a coberto da seguinte síntese conclusiva: - O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos arts. 637° nº 1 do CC e 50° e 814° al. a) do CPC na medida em que a exequibilidade do documento que subjaz a este processo depende também de a quantia emprestada o ter sido nos termos do contrato celebrado, isto é, para aplicação exclusiva aos fins previstos na lei vigente sobre crédito agrícola mútuo. - A exequibilidade dos documentos exigiria a prova de que a quantia foi disponibilizada e creditada em conformidade com o clausulado na aludida escritura. E, essa prova não está feita. - Verifica-se a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que não decidiu as questões colocadas nas conclusões 1ª, 2ª 3ª e 4ª das alegações de recurso de apelação. Respondeu a recorrida em defesa do aresto impugnado. 2 – As instâncias deram como provados os seguintes factos: – Por escritura lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas, em 10 de Abril de 2000, a executada DD, constituiu a favor da exequente, hipoteca até ao limite de 20.000.000$00 (99.759,58 €) para garantia de empréstimos que lhe viessem a ser concedidos pela exequente até ao indicado montante. - Por essa escritura, a hipoteca recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra V, correspondente ao 3° andar esquerdo, ao cimo da escada, arrecadação no sótão, a da esquerda, das que estão à retaguarda, do cima da escada, do prédio urbano, sito na R. ..., Lote 1, da freguesia e concelho do Entroncamento, descrito na respectiva Conservatória, sob o nº 903-V., e foi devidamente registada, em 02/01/02. - Pela mesma escritura e até ao montante de 20.000.000$00 os executados BB, a mulher CC e AA, constituíram-se fiadores e principais pagadores da executada DD, pelos montantes que a esta viessem a ser mutuados, obrigando-se solidariamente com ela pela liquidação dos valores que viessem a ser exigíveis. - Pela aludida escritura ficou ainda estipulado que os empréstimos a conceder venceriam o juro em cada caso estipulado pela exequente, o qual seria agravado em caso de mora, com 4%, a esse título e do de cláusula penal. - A hipoteca abrangeria ainda as despesas judiciais e extrajudiciais que a Caixa viesse a suportar em relação à execução da dita hipoteca. - Em 09/03/00, a executada DD solicitou e foi-lhe concedido um empréstimo de 20.000.000$00 (99.759,58 €), o qual lhe foi disponibilizado e creditado na conta de Depósito à Ordem nº 400 00000, na data de 11 de Abril de 2000. - Por esse contrato ficou estipulado que o empréstimo seria liquidado em cento e vinte prestações mensais e sucessivas, com início em 11/05/00, vencendo o mesmo empréstimo juros à taxa de 10,628% ao ano, a qual seria agravada com 4% em caso de mora, a título de cláusula penal. - Ainda no referido contrato, ficou convencionado que os executados suportariam as despesas judiciais e extrajudiciais, caso os executados não cumprissem atempadamente a obrigação contratual. - Chegado o vencimento de 11/05/00, os executados, apesar de interpelados para tal, não liquidaram a prestação então vencida. 3 – Quid iuris? Da leitura das conclusões com que o recorrente fechou a sua minuta resulta que o mesmo põe a nossa consideração apenas duas questões, a saber: 1ª – Se o título dado à execução é ou não inexequível; 2ª Se o aresto impugnado está ferido de nulidades por omissão de pronúncia. Logicamente, a nossa apreciação começará pela questão adjectiva. Desde a apresentação da contestação que o recorrente defendeu que competia à exequente-embargada a prova de que o montante mutuado tinha sido destinado a fins agrícolas. O Mº Juiz da 1ª instância respondeu a tal questão, dizendo que “a necessidade de assegurar tal aplicação não foi constituída para proteger os interesses dos devedores/beneficiários do crédito, mas do próprio Estado”. Esta justificação motivou queixa na apelação interposta para a Relação de Coimbra com fundamento em omissão de pronúncia consubstanciada nas primeiras quatro conclusões daquele recurso. Mas tal arguição – nulidade por omissão de pronúncia – acabou por ser rejeitada no acórdão impugnado na medida em que considerou que o tribunal de 1ª instância tinha, de facto, emitido pronúncia sobre tal matéria e de molde a rejeitar a tese de inexequibilidade proposta pelo embargante. Ainda no tocante a nulidades, o ora recorrente fez saber à Relação uma outra omissão de pronúncia por parte do tribunal o quo respeitante à abertura do crédito, mas foi-lhe notado que, na verdade, o tribunal recorrido não emitiu pronúncia sobre tal assunto, mas que não tinha que o fazer uma vez que o ora recorrente se limitou a fazer uma mera alegação sem ter tirado da mesma as devidas conclusões. Apesar disso e relativamente a esta questão concreta, o Tribunal da Relação não deixou de proclamar a sem razão do recorrente, dizendo que “são as prestações vencidas e não pagas pela executada DD e pelas quais o ora apelante a afiançou que a aqui apelada veio executar, razão por que o ora apelante, enquanto fiador (no caso, com exclusão até do benefício da excussão prévia, como decorre do contrato de abertura de crédito e fiança), sempre terá de responder, nos termos dos arts. 627º e 634º do C. Civil, pelo seu pagamento”. Pois bem. Apesar disto, o recorrente não se inibiu de apelidar o acórdão impugnado de nulo a coberto de omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC). Está claro que a razão não lhe assiste, pois a Relação pronunciou-se sobre os pontos contemplados nas conclusões acima referidas. Posto isto, é altura de nos debruçarmos sobre a questão de fundo, a qual recebeu resposta convergente das instâncias e no sentido da exequibilidade do título. O art. 46º nº 1, al. b) do CPC preceitua que “à execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”. À primeira vista poderia parecer que toda e qualquer escritura pode valer como título executivo, mas logo o art. 50º do mesmo diploma legal afasta tal hipótese ao considerar que “os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi concluída na sequência da previsão das partes”. A partir daqui ficamos a saber que se torna necessário à exequibilidade de uma escritura pública a prova de que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes (cfr. José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto – 2ª edição -, pág. 48 e 49, Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução – 7ª edição -, pág. 32, J.P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, pág. 68 e 69, Lopes do Rêgo, in Comentário ao Código de Processo Civil – 1999 – pág. 72). Ora, ao contrário do que defendeu o recorrente ao longo de todo o processo, a exequente provou a realização da prestação a que se obrigou, pois está documentalmente provado nos autos que o empréstimo de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) objecto do contrato de abertura de crédito titulado pela aludida escritura, foi disponibilizado e creditado na conta de depósito à ordem nº 40097526703 da co-executada DD, em 11 de Abril de 2000, como é lapidarmente sublinhado no aresto impugnado. Por isto e só por isto, forço é concluir pela exequibilidade do título dado à execução. Tanto basta para que improceda definitivamente a argumentação do embargante-recorrente. 4 – Decisão Nega-se a revista e condena-se o recorrente no pagamento das respectivas custas. Lisboa, aos 12 de Fevereiro de 2008 Urbano Dias (relator) Paulo Sá Mário Cruz
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021705 Nº Convencional: JTRP00029586 Relator: FERREIRA DE SEABRA Descritores: BALDIOS USUCAPIÃO Nº do Documento: RP200102050021705 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT Tribunal Recorrido: T J MONTALEGRE Processo no Tribunal Recorrido: 48/98 Data Dec. Recorrida: 21/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR ADM GER - DOM PRIV. DIR CIV - DIR REAIS. Legislação Nacional: DL 39/76 DE 1976/01/19 ART2. Sumário: A exclusão de aquisição de baldios por usucapião só se verifica se, até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.39/76, de 19 de Janeiro, não tiver decorrido o tempo necessário para que a usucapião se tivesse completado. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051421 Nº Convencional: JTRP00030611 Relator: MACEDO DOMINGUES Descritores: TÍTULO DE CRÉDITO CHEQUE CHEQUE SEM PROVISÃO EMISSÃO DE CHEQUE DURANTE MEDIDA DE RESTRIÇÃO DO USO RESPONSABILIDADE BANCO Nº do Documento: RP200102050051421 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V N FAMALICÃO Processo no Tribunal Recorrido: 286/97 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: LUCH ART3. DL 454/91 DE 1991/12/28 ART1 N2 N4 ART9 N1. Sumário: I - Ao contrato ou convenção de cheque é aplicável a regra geral da consensualidade. II - A revogação ou rescisão desse contrato pode fazer-se por simples declaração à outra parte. III - O dever de rescisão da convenção de cheque não tem de ser exercido no prazo de 10 dias previsto no n.2 do artigo 1 do Decreto-Lei n.454/91, de 28 de Dezembro, mas só depois de ponderação dos elementos que o sacador dos cheques venha eventualmente a fornecer ao Banco sacado. IV - Só nas hipóteses previstas nas alíneas a), b) e c) do n.1 do artigo 9 do citado Decreto-Lei n.454/91 é que o Banco sacado é obrigado a pagar os cheques que tenham sido emitidos. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011391 Nº Convencional: JTRP00030285 Relator: CARLOS TRAVESSA Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA FUNDAMENTOS ÓNUS DA PROVA TRÂNSITO EM JULGADO JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200102050011391 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB PORTO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 385-A/96-2S Data Dec. Recorrida: 08/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: CCIV66 ART804 N2 ART805. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1986/02/14 IN AD N296/297 PAG1086. AC STJ DE 1990/10/03 IN BMJ N400 PAG444. AC RL DE 1991/01/30 IN CJ T1 ANOXVI PAG208. Sumário: I - No despedimento com invocação de justa causa, promovido pela entidade patronal, com fundamento "em redução anormal de produtividade do trabalhador", tem aquela que alegar e provar que, além de culposa, a produtividade é inferior à de outros trabalhadores com idênticas funções às do trabalhador despedido. II - Tornando-se a obrigação no pagamento da indemnização pelo despedimento apenas líquida com o trânsito em julgado da respectiva decisão, os juros moratórios apenas são devidos a partir daquele trânsito. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051470 Nº Convencional: JTRP00030616 Relator: LÁZARO DE FARIA Descritores: CONTRATO-PROMESSA RESOLUÇÃO DO CONTRATO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO RECUSA DE CUMPRIMENTO Nº do Documento: RP200102050051470 Data do Acordão: 05/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV VIANA CASTELO Processo no Tribunal Recorrido: 376/97 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART808 N2. Sumário: Para efeito de resolução de contrato-promessa, o comportamento que exprima, em termos categóricos, a vontade de não querer cumprir, reconduz-se a incumprimento definitivo do contrato. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031763 Nº Convencional: JTRP00029049 Relator: MÁRIO FERNANDES Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO FALECIMENTO DE PARTE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA Nº do Documento: RP200102010031763 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 5 V CIV PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 1420/98-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART276 N1 A N3 ART277 N1. CCIV66 ART1051 A D ART2068 ART2071 ART2097 ART2098. RAU90 ART5 N2 E ART6 ART83 ART84 ART85 ART123. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1984/07/19 IN CJ T4 ANOIX PAG100. AC RL DE 1990/03/22 IN CJ T2 ANOXV PAG137. AC RL DE 1975/01/03 IN BMJ N243 PAG315. Sumário: I - O falecimento do arrendatário, provocando a caducidade do contrato de arrendamento, determina, em princípio, a extinção da instância da acção de despejo. II - Será, todavia, de decretar a suspensão da instância se se cumulam os pedidos de pagamento de rendas ou de indemnização, em relação aos quais pode ser responsabilizada a herança deixada por óbito do arrendatário ou os seus herdeiros. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130017 Nº Convencional: JTRP00031397 Relator: COELHO DA ROCHA Descritores: EMPREITADA OBRAS NOVIDADE Nº do Documento: RP200102010130017 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 608/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART1216 ART1217. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1975/07/09 IN BMJ N251 PAG208. Sumário: I - Obras novas ou trabalhos extra-contratuais são aqueles que, tendo alguma relação com a obra originária, todavia não só não são necessárias para a realizar, como não podem considerar-se parte dela. II - Alterações à obra inicialmente contratada são as simples modificações das modalidades da obra (verbi gratia, quanto ao tipo, qualidade ou origem dos materiais, à forma da obra, à sua estrutura, dimensões ou funcionamento). III - Tratando-se de obras novas, está-se perante um novo contrato, sujeito ao regime penal respectivo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031582 Nº Convencional: JTRP00031393 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: LETRA ENDOSSO CESSÃO DE CRÉDITO Nº do Documento: RP200102010031582 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PÓVOA VARZIM 2J Processo no Tribunal Recorrido: 144-A/96 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: LULL ART13 ART20 ART17. CCIV66 ART583. Sumário: I - Sendo o endosso de uma letra feito depois de findo o prazo fixado para se fazer o protesto, o mesmo produz apenas os efeitos próprios de uma cessão ordinária de créditos. II - Neste caso, a produção de efeitos do endosso/cessão em relação ao devedor/aceitante não depende da notificação a que alude o artigo 583 n.1 do Código Civil. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031785 Nº Convencional: JTRP00031400 Relator: CAMILO CAMILO Descritores: EXPROPRIAÇÃO ARBITRAGEM CASO JULGADO Nº do Documento: RP200102010031785 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 623/97 Data Dec. Recorrida: 07/12/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR EXPROP. Legislação Nacional: CEXP91 ART51 Jurisprudência Nacional: AC STJ 10/97 IN DR IS DE 1997/05/15. Sumário: I - O acórdão dos árbitros em processo de expropriação representa o resultado de um julgamento, constituindo uma verdadeira decisão e não um simples arbitramento, susceptível de recurso próprio. II - Daí que, por exemplo, se no acórdão da arbitragem se julga um terreno como apto para construção, sem que tal qualificação tenha merecido qualquer oposição de qualquer das partes, designadamente através do competente recurso, terá de haver-se a falada qualificação como insusceptível de alterações, dado o trânsito em julgado que sobre ela se formou. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130018 Nº Convencional: JTRP00031404 Relator: SALEIRO DE ABREU Descritores: LETRA ASSINATURA FALSIDADE ÓNUS DA PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ Nº do Documento: RP200102010130018 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J Processo no Tribunal Recorrido: 4567-3S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR PROC CIV. DIR COM - TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: CCIV66 ART374. CPC95 ART456. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1991/04/23 IN CJ T2 ANOXVI PAG94. Sumário: I - Alegando o embargante ser falsa a assinatura aposta na letra que lhe é imputada, incumbe ao embargado o ónus de provar a sua veracidade. II - Feita esta prova, deve o embargante ser condenado como litigante de má fé. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:045334 Data do Acordão:18/08/1999 Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA Relator:MADEIRA DOS SANTOS Descritores:RECURSO JURISDICIONAL URGÊNCIA EFEITO SUSPENSIVO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTRATO DE TRABALHO Sumário:I - Tendo sido recebido com efeito suspensivo, corre em férias o recurso jurisdicional interposto da decisão que recusou submeter o recurso contencioso a um regime jurídico a que a lei atribui carácter urgente. II - O DL. n. 134/98, de 15/5, estabelece o regime jurídico do recurso contencioso dos actos administrativos relativos à formação dos contratos de empreitada de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens. III - O "concurso público para a contratação, em regime de avença, de 112 juristas", visando a prestação, no âmbito da Direcção-Geral de Viação, de consultadoria jurídica em matéria de contra-ordenações, aberto por anúncio publicado na II Série do DR de 11/5/96, constituiu o procedimento de formação de contratos que, dada a natureza subordinada do trabalho a prestar, devem ser qualificados como de "trabalho a termo certo". IV - Porque os contratos de trabalho a termo certo não estão incluídos na previsão do DL n. 134/98, os actos administrativos relativos à sua formação não podem ser objecto de recurso contencioso sujeito ao regime jurídico referido em II). Nº Convencional:JSTA00052170 Nº do Documento:SA119990818045334 Data de Entrada:28/07/1999 Recorrente:TEIXEIRA , PAULA Recorrido 1:SEA DO MINAI Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC TCA. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR ADM CONT. Legislação Nacional:DL 134/98 DE 1998/05/15 ART1 ART4 N4. CPC67 ART740. CCIV67 ART1154. DL 41/84 DE 1984/02/03 ART17. DL 427/89 DE 1989/12/07 ART14 N1 B ART14 N2. Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 89/665 DE 1989/12/21. Referência a Doutrina:MONTEIRO FERNANDES NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO DO TRABALHO 1977 PAG46. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031741 Nº Convencional: JTRP00029051 Relator: COELHO DA ROCHA Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL COMPRA E VENDA Nº do Documento: RP200102010031741 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J AROUCA Processo no Tribunal Recorrido: 311-A/98 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART108 ART109 ART110 N3 ART111. CCIV66 ART342 N1 ART772 N1 ART773 N1. Sumário: Tendo a acção por objecto o incumprimento de um contrato de compra e venda e não provando a autora a existência de convenção quanto ao local de entrega da coisa móvel vendida, é territorialmente competente para a acção o tribunal do lugar onde a coisa se encontre ao tempo da conclusão do negócio. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07A2989 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: MÁRIO CRUZ Descritores: DECISÃO ARBITRAL TÍTULO EXECUTIVO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO Nº do Documento: SJ20080212029891 Data do Acordão: 12/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I. Quando as partes convencionem que qualquer litígio entre elas seja decidido por tribunal arbitral com recurso à equidade, é a decisão desse Tribunal arbitral que vai servir de título à acção executiva. II. Um título executivo tem trato sucessivo quando nele também se contemple o cumprimento diferido de prestações ou obrigações, ao longo do tempo. III. Quando o título tenha trato sucessivo, a extinção da execução relativa a prestações vencidas, não obsta a que a acção se executiva se renove à medida em que as prestações vincendas se forem vencendo. IV. Se nessa decisão do Tribunal arbitral estiver estipulada logo a sanção por cada dia de incumprimento do decidido por recurso à equidade, não pode o Tribunal comum, no decurso do processo de embargos à execução, discutir se o montante estipulado como sanção para qualquer incumprimento pelo Tribunal arbitral peca ou não por excessiva ou abusiva Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório O “Centro Desportivo de AA Lda, (conhecido por Club BB) instaurou em 1997.10.07 uma acção executiva contra a “Empresa Turística de AA Lda”, actualmente “AA – Resort Turístico de Luxo SA”, para cobrança de 16.463.276$56 em dívida, acrescida de uma quantia de 75.000$00 diários por dia, até que a Executada reinicie o integral cumprimento das obrigações que lhe advêm do designado “Corporate Golf TT”. Para o efeito apresentou como título executivo sentença de Tribunal arbitral, transitada em julgado, e que fora proferida em 1997.06.25, complementada com um despacho de esclarecimento de ordem interpretativa, prestado pelo mesmo Tribunal, datado de 1997.07.30, a requerimento da Executada. Alegando que a Executada não havia reiniciado o integral cumprimento das obrigações que lhe advêm do designado Corporate Golf TT, tal como definido no contrato e na própria sentença arbitral. A executada deduziu embargos, mas a execução foi entretanto julgada extinta pelo depósito da quantia liquidada, antes que os embargos fossem julgados, tendo estes terminado também, consequentemente, por inutilidade superveniente. A exequente veio entretanto dizer que a quantia liquidada e depositada não estava correcta, pois que haviam decorrido já 203 dias do que os calculados, pelo que a execução deveria ser renovada para pagamento das respectivas multas e juros entretanto vencidos, e que na altura somavam já 4.888.637$00. Em 1998.10.15 veio novamente a executada pedir que a execução fosse julgada extinta visto se encontrarem depositas as quantias liquidadas de sua responsabilidade perante o exequente e a título de custas, alegando que para garantia da dívida exequenda, a exequente procedera, com base na sentença arbitral dada à execução, à hipoteca judicial de grande número de lotes cuja comercialização constitui o essencial da actividade da executada, a qual tem sofrido prejuízos e sobressaltos por causa da referida hipoteca,dizendo que essa era a única maneira de libertar os lotes hipotecados e proceder à sua comercialização. Em 1998.11.24 voltou a ser declarada extinta a execução, pelo pagamento. Em 1999.03.29, foi novamente pedida a renovação da instância, alegando a Exequente ter o título executivo de trato sucessivo e continuar-se a registar o incumprimento da Executada, havendo nessa altura mais 25.125.000$00 a cobrar. Em 1999.12.16, veio a Exequente elevar para 44.625.000$00 o montante da quantia exequenda, contando para tal com a quantia indicada em 1999.03.29 ( 25.125.000$00), acrescida entretanto com a da indemnização de que beneficiava, atendendo ao tempo já decorrido desde então (19.500.000$00). Em 1999.06.11, viera entretanto a executada opor-se à renovação da execução mediante embargos (1), referindo estar já extinta a anterior execução e que não houve nenhum incumprimento desde 1997.10.04, ou seja, partir do momento em que fora notificada da decisão arbitral, não mais havendo recusado a qualquer cliente da Exequente a utilização dos campos de golf nos termos do citado contrato, tendo o pagamento anterior sido feito já em estado de necessidade para pôr fim à execução dados os elevadíssimos problemas que tal situação lhe estava a causar, paralisando praticamente a empresa, não tendo assim a possibilidade sequer de esperar pelo resultado dos anteriores embargos. Por outro lado, havendo transitado em julgado a sentença que julgara extinta a execução fundada na Sentença arbitral, e havendo-se conformado o Exequente com tal extinção, deixou de haver título, não se lhe reconhecendo o trato sucessivo. Em 2000.01.04 a Embargada/Exequente apresentou contestação aos embargos, alegando que a Executada nunca chegou a cumprir integralmente o contrato e a decisão arbitral, uma vez que só permite o acesso ao campo de golf dos clientes da Embargada que pernoitam nos quartos do club e não a todos os seus clientes e que o título tem a natureza de trato sucessivo Em 2000.03.10 foi feito novo pedido de actualização da quantia exequenda, dizendo que entretanto, desde a última actualização se haviam passado mais 321 dias de incumprimento, a que correspondia o valor vencido de 24.075.000$00, fazendo assim subir o patamar da quantia exequenda para 68.700.000$00. A execução ficou entretanto suspensa, porque a executada prestou caução. Em 2000.03.28 foi proferida uma segunda Sentença arbitral, que veio a interpretar duas cláusulas do contrato, sobre as quais as partes contratantes divergiam, tendo sido condenada a Requerida Club (Centro) Desportivo de AA, Ld.ª a reconhecer: a) que a cláusula 2.4 do “Corporate Golf TT – BB- Adendum” deve ser entendida no sentido de apenas poderem jogar no Royal Golf Course, ao abrigo do mesmo contrato, os hóspedes instalados nos alojamentos existentes nas instalações do Club BB, também designado por “BB Hotel” b) que o direito da Requerida CDVL, previsto na cláusula 2.1, implica o pagamento dos tempos de partida não efectivamente utilizados, se a Requerida não comunicar à Requerente, com a antecedência mínima de sete dias, que não utilizará os referidos tempos; efectuando a Requerida essa comunicação dentro do prazo referido, não terá de pagar os tempos não efectivamente utilizados” No entanto, a Sentença arbitral não veio a pronunciar-se sobre o pedido da prova de hospedagem no edifício do Club BB, das pessoas que se apresentam a utilizar os direitos ao jogo, por considerar que os mesmos excedem o objecto do litígio tal como foi definido pelas partes no Compromisso arbitral e contrato de arbitragem. Em 2001.04.27, na audiência preliminar, a Embargada apresentou articulado superveniente invocando factos que, em seu entender, correspondem à continuação do anterior incumprimento por parte da Embargante, agora por forma mais sofisticada, referindo a exigência de identificação dos jogadores e a recusa em aceitar alterações com pelo menos sete dias de antecedência. A Embargante opôs-se à admissibilidade do articulado superveniente dizendo que a haver qualquer incumprimento, o mesmo respeita à segunda sentença arbitral e não à que constitui o título executivo. Apesar disso, não se estava a verificar qualquer incumprimento da sua parte O M.º Juiz considerou no entanto admitido o articulado superveniente e a existência de título com trato sucessivo Saneado, condensado e instruído o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se neste respondido aos artigos da base instrutória por despacho de fls. 534 a 539, sendo considerados como assentes e/ou provados os factos seguintes: - Por sentença arbitral de 1997.06.25 cuja cópia consta de fls. 10 a 58 da execução e sobre a qual incidiu a decisão de 1997/07/30 sobre “esclarecimento de dúvidas” conforme fls. 59 a 63, foi a Executada (AA- Resort Turístico de Luxo, SA) condenada a pagar à Exequente-Embargada ( Centro Desportivo de AA, Ld.ª), conhecida por Club BB, a importância de 75.000$00 diários desde 1996/08/24 até ao dia em que aquela reinicie o integral cumprimento das obrigações que lhe advém do Corporate Golf TT. (A) (2)). - Por sentença arbitral de 2000.03.28 cuja cópia consta de fls. 42 a 51 destes autos de embargos, foi condenada a Requerida (aqui Exequente-Embargada) Centro Desportivo de AA Lda a reconhecer: a) que a cláusula 2.4 do “Corporate Golf TT – BB – Adendum” deve ser entendida no sentido de que apenas podem jogar no Royal Golf Course, ao abrigo do mesmo contrato, os hóspedes instalados nos alojamentos existentes nas instalações do Club BB Hotel” b) que o direito da Requerida CDVL (aqui Embargada-Exequente) previsto na cláusula 2.1 implica o pagamento dos tempos de partida não efectivamente utilizados, se a Requerida não comunicar à Requerente (aqui Embargante-Executada) , com a antecedência mínima de 7 dias, que não utilizará os referidos tempos; efectuando a Requerida essa comunicação dentro do prazo referido, não terá de pagar os tempos não efectivamente utilizados. c) Não se conhece do pedido da Requerente formulado no artigo 96º da petição e bem assim do pedido formulado na última parte do artigo 95º da petição, no que se refere à prova da hospedagem no edifício do Clube BB, das pessoas que se apresentam a utilizar os direitos ao jogo, por considerar que os mesmos excedem o objecto do litígio tal como foi definido pelas partes no Compromisso Arbitral e Contrato de Arbitragem» (B) - No relatório da sentença referida em B) que se dá por reproduzida consta além do mais: «As partes celebraram em 28 de Março de 1995, um contrato denominado “Corporate Golf TT – BB – Adendum” (doravante designado abreviadamente por “CGT” ou “Contrato”). Tendo surgido entre elas diferendos na interpretação desse contrato, as partes celebraram o compromisso arbitral que deu origem a este Tribunal, cujo objecto consiste em o Tribunal dar resposta a duas questões relativas à interpretação das cláusulas 2.1. e 2.4 do referido contrato, cláusulas que se transcrevem, nas versões inglesa e portuguesa.» (C) - Por comunicação escrita de 97.08.08 cuja cópia traduzida consta a fls. 21, a Embargante comunicou à Embargada: - «Assim estamos a facturar-lhes por todos os tempos de partida diários reservados ao BB, quer os clientes compareçam, quer não» (D) - ... e que «solicitamos também a lista diária dos apartamentos dos BB ou qualquer outra prova adequada, de que os clientes que comparecem são vossos clientes hoteleiros» (E) - Em consonância com esta carta, desde que foi proferida a sentença arbitral, que a Embargante vem ininterruptamente denegando o acesso ao Royal Golf Course de todos os clientes da Embargada que não pernoitem nos quartos a isso destinados que se situam no edifício do seu clube, denominado Clube BB. (F) - A Embargada enviou à Embargante uma carta datada de 2000.10.05 cuja cópia traduzida consta a fls. 53 onde comunicou: «V. Sas estão a recusar permitir aos nossos clientes que joguem no campo a não ser que identifiquemos os seus nomes para cada tempo de partida, com pelo menos 7 dias de antecedência. V. Sas estão também a recusar aceitar alterações às reservas se elas forem feitas com menos de 7 dias de antecedência. Como V. Sas bem sabem, isto causa-nos imensos problemas, dado que um número significativo das nossas reservas são alteradas nos últimos 7 dias antes da data do jogo. O facto é que nós não temos obrigação de reservar quaisquer tempos de partida. Estes estão reservados para nós automaticamente, simplesmente porque somos proprietários do Corporate Golf (CGT). O que nós temos de fazer é liberar o tempo de partida, se não tivermos intenção de o usar efectivamente, o que é uma coisa totalmente diferente. Na verdade, a nossa única obrigação é fazer com que os clientes elegíveis para jogar segundo as normas do CGT apareçam no campo para jogar. Ao recusarem aceitar isto e deixar-nos usar o CGT desta forma, V. Sas não estão a cumprir as vossas obrigações segundo o contrato. A vossa atitude representa uma privação dos nossos direitos contratuais e causa-nos, como podem imaginar, perdas significativas. (G) - Em resposta a Embargante enviou à Embargada a carta de 2001.01.16 cuja cópia traduzida consta a fls. 55 onde comunica: “O procedimento adoptado em relação à identificação dos jogadores que jogam nos tempos de partida reservados é uma prática comum em campos de golfe e está de acordo com a sentença arbitral. Este procedimento é a única maneira pela qual a gerência do campo de golfe pode evitar problemas causados pela presença de dois jogadores querendo iniciar os seus jogos num mesmo horário, com os dois reclamando o direito de jogar. Mudanças de jogadores nos mesmos tempos de partida reservados podem ser aceitas com alguns dias de antecedência. Alterações de última hora não podem ser aceitas.” (H) - Depois da prolação da sentença arbitral de 2000.03.28: I - A Embargante comunicou à Embargada que exige que esta observe os seguintes procedimentos relativamente aos clientes desta elegíveis ao abrigo do Corporate Golf (DO12) que pretendem jogar no campo de golfe: a) Que identifique por escrito nominalmente o jogador que vai aparecer para jogar no tempo de partida respectivo b) Que essa identificação seja feita com pelo menos 7 dias de antecedência com relação ao dia previsto para o jogo c) Que essa reserva não seja alterada com menos de sete dias antes do dia previsto para o jogo II - A Embargante recusou à Embargada os seguintes pedidos: - No dia 2000.05.21 recusou o pedido da Embargada feito em 2000.05.16 para no dia 2000.05.21 às 13.09 jogarem ­ Sr e Sra PP em vez de Sr e Sra ZZ, invocando a embargante que «as suas reservas (...) estão fora do prazo de libertação e portanto quaisquer alterações às mesmas não podem ser aceites”) - No dia 2001.10.09 recusou o pedido da Embargada feito em 2001.10.09 para no dia 2001.10.10 jogar um jovem (rapaz ou criança) no lugar de Sra BW com a justificação de a alteração ser feita com menos de sete dias de antecedência - Recusou o pedido de marcação feito pela Embargada em 2000.05.28 para Sr. e Sra PY para os dias 2000/05/30 e 2000/06/02 às 13:00 (1º) - Por vezes a Embargada apenas sabe nos últimos sete dias antes do dia previsto para jogo se tem clientes interessados nos tempos de partida. (2º) - Por vezes a Embargada recebe pedidos de mudança dos tempos de jogo dos seus clientes. (3º) - Por vezes os clientes da Embargada querem trocar os dias dos seus jogos. (4º) - Por vezes os clientes da Embargada querem trocar as horas dos seus jogos. (5º) - Por vezes os pedidos de alterações referidos em 3º, 4º e 5º são feitos com menos de 7 dias de antecedência antes do dia previsto para o jogo e mesmo no próprio dia do jogo. (6º) - Para saber se vai efectivamente utilizar os tempos de partida atento o decidido na sentença arbitral conforme consta em B) a) dos Factos Assentes e para fazer a identificação nominal por escrito dos jogadores que vão comparecer nos tempos de partida a Embargada vê-se obrigada a contactar os seus clientes, contacto esse que faz com sete semanas de antecedência com relação ao tempo de partida. (9º) - É de 18 o número de clientes da Embargada que diariamente pode jogar ao abrigo do Corporate Golf TT e o referido na resposta ao artigo 9º obriga a Embargada a numerosas e frequentes comunicações escritas. (10º) - A Embargada já deixou livres tempos de partida por não ter a certeza de ter clientes interessados neles. (13º) - A Embargada pagou o tempo de partida 13:09 do dia 2000.07.23 em nome de Sr e Sra AL cuja marcação estava feita e que pretendeu alterar nesse mesmo dia. (14º) - A Embargante não permitiu que clientes da Embargada jogassem ao abrigo do Corporate Golf TT (DO12) por não terem reservado nominalmente e por escrito tempo de partida com pelo menos sete dias de antecedência nos casos de Sr e Sra PP e de um jovem no caso de Mr e Mrs BW referidos na resposta ao artigo 1º - II. (15º) - Constitui prática e uso do comércio que os tempos de saída dos jogadores sejam identificados com o nome de cada jogador ou pelo menos com o nome de um dos jogadores no caso de a reserva ser feita para duas ou mais pessoas para o mesmo tempo de saída. (16º) - Através dessa identificação pretende o campo de golfe evitar que apareçam diversos jogadores para jogar ao mesmo tempo, todos arrogando-se o direito de jogarem nesse tempo de saída, mas no caso da Embargada a Embargante só deixa os seus clientes jogarem se levarem o “voucher” com os seus nomes e número de quarto. (17º) - A Executada pede que o nome do jogador e o quarto onde se encontra alojado sejam identificados. (18º) Após isso foi proferida Sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos pela Empresa Turística de AA do Algarve, Ld.ª (agora AA Resort Turístico de Luxo, SA) decidindo que a execução apenas pode prosseguir para pagamento da quantia de € 748,20 (150.000$00), correspondente a incumprimento contratual verificado nos dias 2000.05.21 e 2001.10.10. Ambas as partes recorreram para a Relação, tendo a Embargante arguido uma nulidade. A Relação manteve inalterada a matéria de facto, vindo então a: a) Deferir a arguição de nulidade suscitada pela Apelante/Embargante, e, nessa medida, procedendo à sua alteração, de forma serem somente consideradas os factos ocorridos em 2000.05.21, e a ordenar que a execução apenas prossiga para pagamento da quantia de € 374,10 correspondente a incumprimento contratual verificado no referido dia 2000.05.21. b) Julgar improcedente a apelação interposta pela Embargada; c) Julgar improcedente a apelação interposto pela Embargante; d) Confirmar, nessa medida e com a alteração constante da alínea a), a sentença final proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. Inconformada com o Acórdão veio a Embargada pedir Revista, apresentando alegações que concluiu pela forma seguinte: “(…)V. Conclusões 47. As razões da Recorrente foram explanadas nas alegações de recurso que apresentou diante da Colenda Relação(3): 48. A situação foi apreciada naquele digno Tribunal de modo a aceitar-se que a Recorrida está a incumprir o contrato, mas indeferindo-se o pedido porque o incumprimento é apenas parcial e porque, nessas circunstâncias, a pretensão da Recorrente constitui abuso de direito. 49. Face a isto, a questão a resolver nesta instância é apenas a de saber se a indemnização deve ser fixada, mesmo diante de um incumprimento apenas parcial, e apesar da regra do Art. 3340 do Cód. Civil. 50. No entender da Recorrente, as razões pelas quais o douto Acórdão deve ser reformado, no sentido do que foi por si pedido, podem resumir-se do seguinte modo: a) A Sentença arbitral determinou que a Recorrida pagasse uma indemnização sempre que procedesse, directa ou indirectamente, de modo a impedir o exercício efectivo dos direitos contratuais da Recorrente. b) A situação dos autos enquadra-se perfeitamente nesta situação, pois o comportamento da Recorrida, ao criar obstáculos não previstos no contrato ao gozo dos direitos conferidos pelo mesmo, impede o exercício efectivo desses mesmos direitos. c) A razão pela qual esta regra foi estabelecida na Sentença arbitral foi a necessidade de incentivar a Recorrida a cumprir integralmente o contrato. d) Com efeito, a posição de domínio da Recorrida sobre a Recorrente no que toca à execução do contrato, e as vantagens económicas significativas que a Recorrida aufere se impedir a Recorrente de usar de modo efectivo os tempos de partida no campo de golfe, constituem uma tentação permanente para aquela incumprir o contrato, como a história do mesmo tem profusamente revelado. e) Há assim necessidade de criar um contrapeso que equilibre as posições das partes e impeça a Recorrente de reduzir a pó os direitos da Recorrida. f) Neste contexto, a indemnização da sentença arbitral, de € 374,00 por dia, é equilibrada face aos valores do contrato, especialmente se se tiver em conta que o potencial de ganho da Recorrida, se a Recorrente não usar os seus tempos de partida, era há uns anos, e hoje em dia é muito mais, de cerca de € 2.141 por dia. g) Assim sendo, a indemnização em causa aplica-se tanto no incumprimento total quanto no incumprimento parcial do contrato, isto é, sempre que o exercício efectivo e integral dos direitos contratuais seja impedido, o que se justifica pela situação específica deste contrato. h) Aplicando-se a regra contida na sentença precisamente aos casos em que a Recorrida procede como na hipótese dos autos, ou seja, criando de modo oblíquo obstáculos ao efectivo exercício dos direitos contratuais por parte da Recorrente, causando-lhe prejuízos, nada justifica que se indefira a sua aplicação. i) Por outro lado, requerer o pagamento da indemnização não é, por parte da Recorrente, abuso de direito. j) Abusivo é querer compensar a Recorrente com € 374 diante de uma situação de facto que todas as instâncias aceitaram ser de incumprimento contratual por parte da Recorrida, em especial diante de um contrato que envolve verbas consideráveis e quando é inequívoco que a posição da Recorrida causa danos à Recorrente. k) Impedir a invocação da sentença arbitral por parte da Recorrente, a pretexto de que tal é abusivo, por o incumprimento ser parcial, é criar uma situação em que a Recorrida pode fazer o que quiser, pois tem um predomínio quase absoluto no quadro das relações contratuais, e pode tornar impraticável à Recorrente o exercício dos seus direitos. l) Por outro lado, considerar abusivo o pedido de indemnização é desconsiderar que a mesma indemnização é, no contexto do contrato, perfeitamente razoável, sendo apenas de cerca de 1/6 do valor que a Recorrida pode lucrar diariamente com os tempos de partida, se conseguir que a Recorrente não os use. m) A própria desigualdade entre as partes justifica que à Recorrente seja admitido amplamente o direito de pedir a indemnização sempre que a Recorrida criar obstáculos ao efectivo e integral cumprimento do contrato, como agora acontece; esta, aliás, foi precisamente a vontade e o cuidado que presidiu à decisão arbitral que ora se executa. 51. Face ao exposto, requer-se (…), a reforma do douto Acórdão recorrido, de forma a reconhecerem que o incumprimento contratual que os autos reflectem, ainda que parcial, dá ensejo ao pedido de indemnização previsto na sentença arbitral, que se aplica precisamente a esta hipótese, pelo que os embargos devem ser indeferidos, prosseguindo a execução. 52. Ao considerar que a Recorrida não cumpriu pontualmente o contrato mas mesmo assim não incorreu na responsabilidade fixada na sentença arbitral, o douto acórdão, no entendimento da Recorrente, violou as normas da lei substantiva que dispõem que a sentença arbitral é obrigatória para as partes do mesmo modo que qualquer decisão judicial (Art. 26°, 2 da Lei 31/86); bem como as que dispõem que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (Art. 406° do Cód. Civil), que o devedor apenas cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (Art. 762° do Cód. Civil), que o contraente faltoso deve indemnizar os danos que provoca (Art. 798° do Cód. Civil); e ainda as normas que dizem que a declaração (de incumprimento neste caso) se torna eficaz logo que chega ao destinatário (Art. 224°, n.o 1 do Cód. Civil) e que o devedor é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação, quando torna a prestação impossível (ainda que apenas subjectivamente) (Art. 801 ° do Cód. Civil). 53. Na medida em que, para recusar aplicação da penalidade contida na Sentença arbitral, o douto Acórdão invocou o abuso de direito, no entender da Requerente violou também o Art. 334° do Cód. Civil. A Embargante contra-alegou. II. Âmbito do recurso e sua fundamentação II-A) Delimitação do recurso Como decorre do disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC., pode ver-se da leitura das conclusões da recorrente (Exequente/Embargada), que nos são suscitadas duas questões: a) a de determinar se perante o reconhecimento dos obstáculos criados pela embargante à fruição dos direitos da Embargada quanto à utilização dos seus tempos no campo de golf, mesmo aceitando que se está perante um incumprimento parcial, se não deverá entender que deve a embargante continuar vinculada à sanção de € 374,00 diários enquanto os obstáculos não forem removidos. b) a de determinar se constitui abuso de direito a exigência de 374,00 diários de sanção diária, formulado pela Embargada como consequência das exigências unilaterais impostas III-B) Fundamentação III-B)-a) Os factos Os factos a ter em consideração são os já referidos no Relatório. III-B) O Direito Temos começar por admitir –tal como já referido no Acórdão recorrido- que há decisões tomadas no processo que seriam no mínimo de duvidosa concordância, mas que por se encontrarem a coberto de decisões transitadas em julgado, tornam impossível reacender a discussão sobre elas, sob pena de violação do caso julgado formal - arts. 672.º e 96.º do CPC. Temos assim de dar por adquirido que nos encontramos perante uma execução tendo como título executivo uma sentença arbitral datada de 1997.06.25, que, entre outras coisas, “condenou a Executada a pagar € 374,00 diários (75.000$00) até ao dia em que a Executada reinicie o integral cumprimento das obrigações que lhe advêm do “Corporate Golf TT.”, e a que foi atribuída a natureza de trato sucessivo. Estamos portanto em presença daquilo que em direito administrativo é designado como “situação consolidada”, pelo que, neste momento, o que temos de analisar é se a obrigação de pagamento diário se impõe e qual a sua extensão, designadamente se desde o momento em que a obrigação relativa ao período anterior foi julgada extinta (1998.11.24) ou se esta se mostra limitada no seu horizonte por acontecimentos posteriores que de maneira certa tornem clara a extensão da obrigação exigível Pois bem: Em sede de embargos veio a Embargante executada alegar que está a cumprir a decisão arbitral desde que esta lhe foi notificada em 1997.10.04 A segunda decisão arbitral (datada de 2000.03.28) veio a complementar a primeira, só então ficando definitivamente esclarecido que é um direito da Embargada o de dispor dos tempos de partida no campo de golf , mas apenas quanto aos clientes-hóspedes instalados nos alojamentos existentes do Club BB, também designado por “BB Hotel”, mais referindo a sentença mencionada que a utilização desse tempo por parte da Embargada implica os pagamentos dos tempos de partida não efectivamente utilizados se esta não comunicar à Embargante, com a antecedência mínima de sete dias, de que não utilizará os referidos tempos, ressalvando, no entanto, que se a Embargada efectuar essa comunicação dentro do prazo de sete dias quais os tempos de jogo que não pretende utilizar, nada terá de pagar por esses mesmos tempos de jogo, uma vez que dessa forma – subentende-se – legitimava a Embargante a dar-lhe a sua própria utilização. Desta forma, pretendia a decisão arbitral fazer com que não ficassem prejudicados os direitos da Embargada (pois nada teria a pagar se prevenisse com a antecedêcnia de sete dias que não pretendia utilizar os tempos de jogo), e permitia rentabilizar, por outro lado, a utilização do campo, pela disponibilidade colocada ao serviço de outros clientes que comparecessem para jogar sem que estivessem a coberto do CGT, pagando à Embargante uma quantia muito mais elevada do que a fixada para os elegíveis no contrato. Ou seja: O direito de jogar nos tempos de jogo previstos no contrato ao abrigo do “Corporate Golf TT” pertence à Embargada, mas apenas desde que os jogadores estejam instalados nos alojamentos existentes do Club BB, pelo que não pode a Embargante opor obstáculos ao gozo desse direito nos tempos contratuais estabelecidos no título quanto a esses clientes. As exigências de comunicação com a mesma antecedência de sete dias quanto à alteração dos jogadores (ou das horas de jogo), aplicáveis aos clientes da Embargada no alojamento do BB Hotel, por outros clientes da mesma, e que fossem elegíveis face ao contrato, tornava por maioria de razão clarificada, como sendo injustificável essa incompreensível imposição unilateral. Aceita-se, no entanto, como razoável, que haja a necessidade de comunicação da Embargada à Embargante, com algumas horas de antecedência (uma vez que os tempos da Embargada só começam às 13 horas), indicando a identificação dos jogadores e eventuais alterações e prova da sua elegibilidade, para se não dar o caso de no Campo de golf se apresentarem diversos jogadores, clientes BB, a disputar o mesmo horário de jogo, e ficar a Embargante na situação embaraçosa de não saber a quem atribuir o direito efectivo de jogar. A actuação da Embargante depois da Sentença arbitral - de que não deixará jogar qualquer cliente desta se não houver reserva ou se não houver pedido de alteração de jogadores com pelo menos sete dias de antecedência ao abrigo do Corporate Golf TT , depois de ficar bem definido pela segunda decisão arbitral quem são os clientes elegíveis, e de a Embargante saber, através da Sentença Arbitral que havia desde logo sido fixada a indemnização por cada dia em que pusesse qualquer obstáculo, directo ou indirecto ao gozo dos direitos da Embargada, faz com que deixe de ter qualquer justificação o obstáculo referido. E isto, tanto mais que a Embargada havia adquirido o Corporate Golf TT pagando antecipadamente elevada quantia, e que, ao fim e ao cabo, ficava impedida de tirar o integral proveito dele, na medida em que se sentia limitada ou condicionada por uma imposição unilateral da outra parte, ( e, apesar disso, ficava obrigada nos termos da segunda decisão arbitral a pagar os tempos que lhe estão atribuídos no CGT se não satisfizesse as exigências da Embargante unilateralmente impostas.) Essa situação consubstancia violação contratual, por incumprimento parcial do mesmo, pois não foi posto em causa a validade do contrato, nem foi pedida a sua resolução. No entanto, a situação de incumprimento (parcial) atendível apenas pode considerar-se verificada a partir do momento em que foi proferida a segunda decisão arbitral (2000.03.28), e tendo como horizonte máximo, na presente execução, o dia em que foi apresentada a última petição exequenda (consubstanciada no último pedido cumulativo da execução, e que ocorreu em 2000.11.02), pois a execução só pode respeitar às obrigações vencidas desde a data em que o Tribunal arbitral definiu claramente a situação dos direitos e deveres atinentes ao contrato. Só pode, consequentemente, valorar-se o incumprimento desde essa data (no tocante à utilização do campo de golf), até 2000.11.02 (data da entrada em juízo do pedido cumulativo da execução), termo em que fica definido o termo ad quem de referência, da execução. Durante o tempo mencionado, ou seja, desde o dia em que a decisão arbitral definiu quem eram os clientes elegíveis para jogar no Campo de golf ao abrigo do CGT, a Embargante não provou, como lhe competia, que havia removido esse obstáculo, levantando a restrição unilateralmente imposta quanto à necessidade de reserva prévia ou alteração de jogadores com a antecedência de sete dias A comunicação à Embargada de que não deixará jogar senão nessas condições, corresponde a uma declaração de que não pretende cumprir integralmente o contrato, produzindo efeitos imediatos, uma vez que se trata de uma declaração recipienda, que se torna eficaz logo que chegue ao conhecimento do destinatário ou seja dele conhecida – art. 224.º-1 do CC. Ao atribuírem ao Tribunal arbitral o direito para a resolução de litígios decorrentes do Corporate Golf TT, e ao sancionar este a Embargante com 75.000$00 diários, por qualquer obstáculo que lhe crie, directa ou indirectamente, veio o Tribunal arbitral a fixar, por equidade, a quantia exacta de indemnização a fixar para ressarcimento dos danos à Embargada. Há que recordar – repete-se - que as partes haviam convencionado que o Tribunal arbitral julgaria segundo a equidade, e que nos encontramos perante embargos de executado, estando o montante exequendo diário fixado no título, para cada dia de incumprimento, pelo que não é em sede de embargos que se vai voltar a definir se esse montante está exagerado ou não, havendo apenas que aceitar o valor constante do título. Ora, nos embargos de executado o ónus da prova compete ao Embargante (4), pelo que teria de ser este a provar que não havia criado qualquer obstáculo aos direitos da Embargada, a partir, pelo menos da segunda decisão arbitral, ou que a comunicação enviada à Embargada já havia sido derrogada. - art. 342.º-2 do CC. Como ensinava Pessoa Jorge, a assumpção de determinado comportamento integrará uma inexecução ou incumprimento, ainda que parcial, por parte do devedor, se a obrigação é de conteúdo continuado ou permanente e o devedor quis assumir essa conduta (ainda que relativamente a um certo período) e já não há maneira de a fazer ressuscitar, tornando relativamente a esse período impossível o seu cumprimento, apesar de se manter o interesse do credor relativamente ao cumprimento das prestações futuras nesse exacto segmento do contrato. (5) Relativamente à inexecução culposa, ainda que parcial, da prestação do devedor, decorre o dever de indemnizar quando haja prejuízos, sendo estas as consequências desvantajosas que podem advir a alguém, nomeadamente ao credor, em resultado da inexecução da prestação. A indemnização que decorre do dever de indemnizar corresponde aos prejuízos, mas, no caso concreto, havendo as partes sujeitado ao Tribunal arbitral a solução do litígio entre eles segundo a equidade, aceitaram a solução deste, ficando portanto desde logo as partes vinculadas ao montante da indemnização relativamente aos prejuízos, devidamente prefigurada na sentença arbitral (art. 566.º-1 e 3), decorrendo o montante indemnizatório do facto de a Embargada não poder garantir aos seus clientes, elegíveis face ao CGT, de poderem gozar dos tempos de jogo contratualmente previstos, senão nas condições unilateralmente impostas, reduzindo-se assim o efectivo exercício do direito da Embargada, o que prefigura um dano positivo certo, porque já predeterminado . (6) Só a prova da assumpção de comportamento diferente daquele que havia comunicado à Embargada poderia evitar à Embargante o pagamento da quantia exequenda, justificando a improcedência do pedido executivo. No entanto, nada provou que tivesse retirado a imposição de reservas e de alterações de jogadores no tocante à exigência de as mesmas serem feitas com sete dias de antecedência. Os obstáculos atendíveis criados à Embargada não se resumiam, portanto, aos dias em que ficou provado o impedimento de jogadores elegíveis da Embargada poderem jogar nos tempos desta, como foram os casos dos pedidos de alteração de tempos de jogo do Sr. e Sr.ª PP em vez do Sr. e Sr.ª ZZ, solicitado em 2000.05.16 para 2000.05.20 e a substituição da Sr.ª BW por um jovem, o que ocorreu a solicitação feita em 2001.10.09 para jogar em 2001.10.10., ou a recusa do pedido de marcação feito pela embargada em 2000.05.28, para o Sr. e a Sr.ª PY jogarem nos dias 2005.05.30 e 2000.06.02, às 13 horas. (De referir que o caso da substituição da Sr.ª BW por um jovem, ocorreu inclusivamente fora do período a que já acima consideramos como atendível face à execução.) Estes obstáculos concretos foram uma manifestação da conduta da Embargante, confirmativa da sua inexecução parcial do contrato, no tempo já referido. Assim, o pedindo exequendo terá ser atendido pelo período correspondente a 219 dias, ou seja, desde 2000.03.28 a 2000.11.02, pelo montante de € 81.927,6 Não cabe no âmbito do processo de embargos a discussão sobre o montante a fixar face ao incumprimento, designadamente se há abuso de direito na inclusão do montante de 75.000$00 diários indicado no pedido executivo, uma vez que – também como já dissemos - as partes haviam atribuído ao Tribunal arbitral a decisão do litígio entre elas aplicando a equidade, sendo certo que a quantia indemnizatória diária decorria da Sentença arbitral para qualquer obstáculo directo ou indirecto que a Embargante colocasse ao gozo dos direitos da Embargada, e é a Sentença arbitral que, como título executivo, define o montante com que deve liquidar-se a obrigação.- arts. 45.º a 48.º do CPC. Em face do exposto, deve conceder-se parcial Revista à Embargada-recorrente IV. Decisão Na concessão da parcial Revista à Embargada, revoga-se o não obstante douto Acórdão da Relação no segmento em que confirmou parcialmente a decisão da primeira instância, substituindo essa decisão por outra em que, julga os embargos parcialmente procedentes na parte anterior à segunda decisão arbitral (2000.03.28), mas manda no entanto prosseguir a execução pelo tempo correspondente de incumprimento entre essa data e 2000.11.02, ou seja, ao longo de 219 dias, o que vem a dar 16.424.889$00, correspondentes hoje a € 81.927,6 Custas da Revista e nas instâncias na proporção de vencidos. Lisboa, 12 de Fevereira de 2008 Mário Cruz (relator) Moreira Alves Garcia Calejo ____________________________ (1) O título executivo inicialmente dado à execução é uma Sentença arbitral em que se lê: “(...)a) Impõe-se, por força do disposto no art. 406.º do CC e do texto do contrato de 1995.03.28, a condenação da demandada (aqui executada-embargante) a cumprir integralmente o contrato que celebrou com a demandante em 1995.03.28, reservando cinco tempos de partida diários do buraco número 1 do seu campo de golfe, sendo o primeiro às 13 horas e os restantes nos tempos de partida imediatamente sucessivos, ou seja, às 13,08, 13,16, 13,24 e 13,32 para uso exclusivo dos clientes da demandante, reconhecendo o direito destes a utilizarem com exclusividade esses tempos de partida, sendo que a manutenção da reserva do quinto e último deve ficar dependente da confirmação pela Demandante com três semanas de antecedência. b) Mais se condena a Demandada (aqui executada-embargante) a reconhecer o direito da Demandante a pagar 2.500$00 por cada pessoa por jogo, no máximo de 18 pessoas por dia, e, a abster-se de qualquer iniciativa que tenha por efeito directo ou indirecto o exercício efectivo por parte da Demandante dos direitos atrás referidos(…)condena-se a Demandada a pagar à Demandante a importância de Esc. 75.000$00 diários, desde 24.08.96 até ao dia em que reinicie o integral cumprimento das obrigações que lhe advêm do Corporate Golf TT» (2) A aqui Embargante (AA –Resort Turístico de Luxo, SA) é a entidade emitente do Certificado do Título de Golfe; a Embargada (Centro Desportivo do AA, Ld.ª, conhecida por Club BB) é a dona do título de golf, a quem este foi concedido por meio de assinatura do “Certificado do Título de Golfe”. Entre ambas havia sido celebrado o contrato “Corporate Golf TT-BB-Adendum” (3)A Embargada havia concluído as alegações para a Relação, da forma seguinte (fls.731): " a) Ao comunicar à recorrente as exigências que fazia para admitir o uso do campo de golf a Recorrida emitiu uma declaração negocial que se tornou eficaz no momento em que foi recebida, por força da regra do art. 224.º, n.º 1 do CC; b) Esta comunicação equivale a incumprimento do contrato, com efeitos imediatos. c) Com efeito, as exigências da Recorrida, ao pretender obrigar a Recorrente a fazer reservas nominais e por escrito com pelo menos sete dias de antecedência, e a não alterar essas reservas com menos de sete dias de antecedência, violam o contrato uma vez que ao abrigo do mesmo estas exigências não são admissíveis. d) Ao declarar que não pretende cumprir o contrato – é este o alcance da declaração da recorrida – esta torna-se inadimplente por força da regra do art. 801.º do CC. e) O incumprimento decorre da própria declaração, independentemente do comportamento posterior da Recorrida, ao contrário do que se entendeu na douta sentença; f) Na verdade, a Recorrente tem que conformar a sua actuação com o sentido da declaração da Recorrida, não podendo enviar clientes ao campo se não preencherem as condições exigidas pela Recorrida, pois já sabe que os mesmos serão recusados; g) A Recorrente gere um estabelecimento hoteleiro de luxo e não pode usar os seus clientes como cobaias apenas para depois ter muitos exemplos de recusas de clientes por parte da Recorrida; h) A partir do momento em que a Recorrida diz que não cumpre o contrato - pois é esse o alcance jurídico da sua declaração - entra em incumprimento e a Recorrente, como destinatária da declaração, pode tirar da mesma todas as consequências jurídicas, como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência; i) A Recorrida foi condenada a abster-se de qualquer iniciativa que tenha por efeito directo ou indirecto impedir o exercício efectivo por parte da Recorrente dos direitos derivados do contrato [fls. 39 da execução); j) O comportamento da Recorrida dado como provado em resposta ao quesito 1.º constitui uma inequívoca iniciativa que tem por efeito directo impedir a Recorrente de usufruir dos direitos que lhe advém do contrato, constituindo uma clara violação do mesmo contrato e, portanto, e também uma violação da sentença arbitral que constitui o título executivo da execução aqui embargada; Sendo assim, a execução deve continuar e os embargos devem ser totalmente indeferidos, reformando-se nessa medida a douta sentença recorrida, como agora se requer a V. Exas." (4) A título dos numerosíssimos Acórdãos deste STJ, cita-se o Ac. STJ de 96.12.29, in CJ-Acs do STJ, 1996-I- 102 e de 2000.01.18 (5)Cfr. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, 1967, parte II-466 e 467, 475 (6) Cfr. Pessoa Jorge, ob cit, 490, 491 e 494.”O prejuízo é a frustração das utilidades concretas que o bem (nomeadamente a prestação) poderia proporcionar. Concebendo o dano como a frustração ou a privação das vantagens que o lesado tiraria do bem, pode explicar-se perfeitamente a reparação específica – que aliás assim aparece como a forma mais perfeita de indemnização (art. 566.º-1) – a reparabilidade dos lucros cessantes que se traduzem também na frustração de utilidades futuras, e a repercussão sobre o património, porquanto é prejuízo a frustração de todas as utilidades concretas, mesmo as que derivam de outros elementos patrimoniais indirectamente afectados pela lesão.”
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0130028 Nº Convencional: JTRP00031409 Relator: PIRES CONDESSO Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO PAGAMENTO DÍVIDA Nº do Documento: RP200102010130028 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MONTALEGRE Processo no Tribunal Recorrido: 39-C/92 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART373 N6 ART376 ART372 N2 ART358 ART352. Sumário: Um simples talão de depósito de um banco não prova que a quantia depositada tenha sido recebida pelo terceiro beneficiário do depósito para pagamento da accionada dívida. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031549 Nº Convencional: JTRP00031396 Relator: JOÃO VAZ Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA NEGLIGÊNCIA INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200102010031549 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 57/97 Data Dec. Recorrida: 26/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART566 N2 ART805 N3. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/09/23 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG25. AC STJ IN BMJ N221 PAG96. Sumário: I - A nenhum condutor pode ser exigido que preveja ou conte com a falta de prudência alheia, pois que quem cumpre as normas reguladoras de trânsito deve contar que os outros igualmente as cumpram, sob pena de se tornar impossível a circulação automóvel. II - A mora no pagamento de indemnização por danos de natureza não patrimonial inicia-se na data da citação, sempre que o cálculo da indemnização, nomeadamente com a actualização do valor por depreciação da moeda não se reporte a momento ulterior a essa data. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031807 Nº Convencional: JTRP00031392 Relator: VIRIATO BERNARDO Descritores: EXPROPRIAÇÃO ENERGIA ELÉCTRICA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200102010031807 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V REAL 1J Processo no Tribunal Recorrido: 694/98-1S Data Dec. Recorrida: 13/09/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA. Área Temática: DIR EXPROP. Legislação Nacional: CEXP91 ART8 ART22 N1 ART23. DL 43335 DE 1960/11/19. DL 56/97 DE 1997/03/14. DL 198/00 DE 2000/08/24. Sumário: A indemnização pela instalação de linhas de alta tensão e respectivos postes é fixada com base na situação existente no prédio na altura em que foram concedidas as licenças de estabelecimento deferidas pelo Governo que permitiu o desenvolvimento do projecto de transporte de energia. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – MANUEL..., intentou na comarca de Vila Real este processo de recurso de decisão arbitral contra .. - ... SA, por não se conformar com o acórdão arbitral que fixou a indemnização a conceder ao Recorrente em 260.000$00, pela instalação de linhas de alta tensão e respectivos postes no seu prédio denominado "Minas de Parada" ou "Telheira”, na freguesia de..., deste concelho e comarca, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., onde conclui dever a indemnização ser fixada em 18.292.000$00. A Recorrida respondeu, concluindo pela manutenção da decisão arbitral, por não ter fundamento bastante a pretensão do recorrente . Teve lugar a avaliação, encontrando-se o laudo dos Srs. peritos de fls. 123 a 131, 138 a 147, 181 e 182, no qual os peritos consideraram o valor global da indemnização a fixar em 15.862.000$00, correspondente à soma de 292.0000$00, relativa à ocupação do terreno pelos postes e linhas, acrescida de 1.5558.0000$00 pela diminuição em altura da construção no terreno. Na sequência dos autos veio a ser proferida sentença na qual se decidiu: “1 - Julgar parcialmente improcedente o recurso de decisão arbitral requerido por MANUEL... contra ...SA, ambos com os demais sinais dos autos, relativamente à capacidade de edificação do terreno do recorrente; 2 - Julgar parcialmente procedente o mesmo recurso, condenando a recorrida a pagar ao recorrente a quantia de 292.000$00, relativamente à área de 29 metros ocupada pelos postes de alta tensão, quantia esta que deverá ser actualizada â data da decisão final de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, nos termos requeridos e do art. 24 do Código das Expropriações.” Inconformado com a sentença, dela veio o Requerente Manuel... interpor recurso... ...................................................................... II - Factos apurados: 1 - Por acórdão arbitral proferido em 28/5/98, foi fixada a indemnização a conceder ao Requerente Manuel... em 260.000$00, pela instalação de linhas de alta tensão com implantação de dois postes no seu prédio denominado "Minas de Parada" ou "Telheira”, na freguesia de..., deste concelho e comarca, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº..., 2 - Tais postes e linhas foram instalados em 27/11/89 e 31/12/90. 3 - As licenças de estabelecimento das instalações eléctricas referidas foram concedidas nos dias 16/12/92 e 6/5/92, conforme ofícios do Ministério de Indústria e Energia, Delegação do Norte (doc. de fls. 54 e 244). 4 - À data da instalações dos aludidos postes e linhas, e bem como à data da concessão daquelas referidas licenças de estabelecimento não havia ainda sido aprovado o loteamento desse aludido terreno. 5 - Em 3/8/94 foi aprovado o loteamento para aquele terreno, sendo que a Câmara Municipal de Vila Real já havia viabilizado tal operação em 22/3/93 (v. docs. de fls. 18 e 24), prevendo a construção de edifícios de rés-do-chão e 4 pisos para habitação em todos os lotes, com excepção dos lotes 8, 9 e 10, na decorrência da existência das aludidas linhas eléctricas, havendo uma diminuição de 10 fogos em tais lotes, por limitação das respectivas cérceas. 6 - Os peritos consideraram o valor global da indemnização a fixar em 15.862.000$00, correspondente à soma de 292.0000$00, relativa à ocupação do terreno ocupado pelos postes e linhas, acrescida de 1.5558.0000$00 pela diminuição construtiva no terreno, como referido. III - Mérito do recurso. Como é sabido, as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC. Face às conclusões das alegações do Recorrente a única questão que se coloca é a de saber se aquele deve, ou não ser indemnizado da diminuição da restrição à edificação nos lotes 8, 9 e 10. E, caso se responda positivamente a tal questão, qual o montante indemnizatório a atender. Antes, porém, de atacar aquelas questões, importa clarificar qual a lei aplicável, no essencial, à presente expropriação, designadamente qual dos sucessivos Códigos das Expropriações (CE), nomeadamente dos aprovados em 76, 91 e 99. Para nós é aplicável o CE aprovado pelo DL nº 438/91 de 29/11, isto porque o acto equivalente à declaração de utilidade pública foi cada uma das duas licenças de estabelecimento deferidas pelo Governo, através do Ministério da Indústria e energia, que permitiu o desenvolvimento do projecto de transporte de energia a que se referem os autos. E, como é jurisprudência uniforme, a lei aplicável às expropriações é a que vigora à data em que for publicada a declaração de utilidade pública (ou, diremos nós, de acto que se lhe equipare, como será o caso de licenciamento das instalações eléctricas aqui em causa) - cfr. por todos, o Ac. do STJ de 24/2/94, BMJ, 434, 404. Aplica-se ainda ao presente processo, o DL nº 43335 de 19/11/1960, mantido em vigor pelo art. 68º do DL nº 56/97, de 14/3, que revê a legislação do sector eléctrico nacional, mantendo-se também intocado pelo DL 198/2000, de 24/8, que revê novamente tal sector. Neste diploma se vê que as instalações componentes da rede eléctrica nacional, designadamente, ao que ora nos interessa, as linhas de alta tensão de transporte, interligação ou grande distribuição, carecem de concessão do Estado e beneficiam de declaração de utilidade pública - cfr. art. 1º, b) e art. 3º e 5º, b), 13º, c) e 14º daquele diploma. Mais decorre de tal diploma que os proprietários de terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas. Dispõe, por sua vez, o CE no seu art. 8º, nº 1, que se podem constituir sobre imóveis as servidões administrativas necessárias à realização de fins de interesse público. Servidões estas que dão lugar a indemnização - cfr. nº 1 e 2 deste preceito e doutrina do acórdão do TC nº 331799, in DR I - A, de 14/7/99, dotado de força obrigatória geral. Na mesma linha de orientação, o art. 22º, nº 1 do CE preceitua que a expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização. Estatuindo o seu nº 2 que a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação medida pelo valor do bem expropriado, fixada de acordo ou determinada objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública. Reforça o subsequente art. 23º de tal diploma que o montante da indemnização se calcula com referência à data de declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação. Temos, assim, que há lugar a indemnização pela constituição de servidão administrativa resultante da implantação de dois postes de condução de electricidade no terreno do Recorrente, bem como da existência de linhas condutoras de energia. E tal valor foi encontrado pelos peritos no montante de 292.000$00, o que é pacífico. O pomo da discórdia cinge-se ao facto de três dos lotes do loteamento do Recorrente (lotes 8, 9 e 10) não puderam receber o mesmo volume de construção que os demais, decorrente da existência de tais postes eléctricos e fios condutores respectivos, limitação essa do total de 10 fogos (o que terá motivado o Recorrente a vender o prédio por preço inferior, segundo afirma). Entende, assim, o Recorrente que é devida a indemnização encontrada pelos peritos maioritários do montante de 15.580.000$00. Ao contrário, considera a Recorrida que não deve ser arbitrada tal indemnização porquanto, em síntese, os factos que o Recorrente alega como fundamento para o seu direito (na essência: a aprovação, em 23.3.93, do projecto de alteração ao loteamento do prédio dos autos) são muito posteriores quer à construção e implantação das linhas eléctricas, quer à emissão das respectivas licenças de estabelecimento, pelo que são inatendíveis face ao disposto no art. 22º do CE de 1991; E, por outro lado, acrescenta que ao requerer a modificação do projecto de loteamento que tornou possível altear a cércea dos edifícios licenciados para os lotes dos autos naquelas datas, o Recorrente estava obrigado a cumprir o disposto nos arts 43º e segs do DL 43.335, por aplicação dos quais não tinha nem tem direito a qualquer (outra) indemnização, uma vez que a alteração do traçado das linhas era e é possível e viável. E que só não construiu edifícios de cérceas superiores às aprovadas à data da construção das linhas porque não quis participar nos custos da alteração do traçado das linhas existentes. No essencial, é de reconhecer razão à Recorrida. De facto, e em síntese, para além da indemnização fixada pela constituição da servidão consistente na colocação de dois postes e linhas acima aludidas no terreno do Recorrente (cuja indemnização fixada, qua tale não sofre contestação), nenhuma outra há a satisfazer, por não ter cabimento nos termos dos referidos diplomas legais, mormente face ao estatuído nos artigos 22º e 23º do CE, como decorre do acima exposto, e atendendo, designadamente, aos números 2 a 5 da matéria apurada (sendo aqui inaplicável o art. 24º do CE, desde logo, por ausência oportuna alegação e prova que tal sustentasse). Improcedem, assim, no essencial, as conclusões das alegações do Recorrente, e, com elas, o próprio recurso. IV - Decisão: Face ao exposto na improcedência do recurso, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Porto, 1 de Fevereiro de 2001 José Viriato Rodrigues Bernardo João Luís Marques Bernardo António José Pires Condesso
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031823 Nº Convencional: JTRP00029010 Relator: LEONEL SERÔDIO Descritores: LIVRANÇA AVAL EXCEPÇÕES Nº do Documento: RP200102010031823 Data do Acordão: 01/02/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 8 V CIV PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 442/00-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: LULL ART30 ART32 ART47 ART77. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 2000/06/01 IN CJ T3 ANOXXV PAG109. Sumário: O avalista torna-se obrigado cambiário com a subscrição do aval, sendo irrelevantes as razões que o levaram a assumir essa obrigação, não deixando de ficar obrigado mesmo que se trate de aval de favor. Reclamações: Decisão Texto Integral: