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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031681
Nº Convencional: JTRP00031405
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
FACTOS
Nº do Documento: RP200102010031681
Data do Acordão: 01/02/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 787/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR REGIS NOT.
Legislação Nacional: CRP84 ART2 ART3 ART7 ART79 N1.
Sumário: O que se extrai da inscrição registal de um prédio a favor de alguém, em termos de presunção "juris tantum" não são os elementos de identificação do prédio, nomeadamente a sua área, mas o facto jurídico da aquisição por esse alguém, bem como as anteriores aquisições e transmissões, ou seja, o trato sucessivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031761
Nº Convencional: JTRP00029008
Relator: JOÃO VAZ
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
Nº do Documento: RP200102010031761
Data do Acordão: 01/02/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J VALENÇA
Processo no Tribunal Recorrido: 148-A/00
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: CPC95 ART412 ART520.
Sumário: O procedimento cautelar de embargo de obra nova tem por objectivo tutelar o direito de propriedade ou qualquer outro direito real ou pessoal de gozo contra actos que causem ou ameacem causar prejuízos nos bens; não se destina a proteger contra a possibilidade de privação de meios de prova da acção a propor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040896
Nº Convencional: JTRP00030650
Relator: AGOSTINHO FREITAS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CUSTAS
DISPENSA
PAGAMENTO
Nº do Documento: RP200101310040896
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CR GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recorrido: 87-A/00
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR TRIB - APOIO JUD.
Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART15 ART16 ART17 ART37.
Sumário: I - Actualmente, o regime de apoio judiciário é mais amplo do que o da assistência judiciária, resultando claramente dos artigos 15, 16 e 17 do Decreto-Lei n.387-B/87, que, em processo penal, o arguido, verificada a situação de insuficiência económica, pode requerer aquele benefício em qualquer das suas vertentes, mormente, na dispensa do pagamento de custas, as quais compreendem a taxa de justiça e os encargos.
II - O benefício de apoio judiciário não obsta a eventual condenação em custas, apenas à exigência do seu pagamento, e pode, até, vir a ser retirado, se se verificarem os pressupostos do artigo 37 daquele diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011133
Nº Convencional: JTRP00030626
Relator: COSTA MORTÁGUA
Descritores: MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
REPETIÇÃO
Nº do Documento: RP200101310011133
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J VALONGO 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 217/99
Data Dec. Recorrida: 30/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP95 ART152.
Sumário: Discutida a questão sobre se o crime de maus tratos a cônjuge pressupõe implicitamente a reiteração dos respectivos actos ou condutas, entende-se que a respectiva incriminação, decorrente da lei penal, de condutas agressivas, mesmo que praticadas por uma só vez, sempre ocorrerá quando a gravidade intrínseca das mesmas se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psíquicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d36e44e8cb8f3cce802580890064024f?OpenDocument |
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045269
Data do Acordão:18/08/1999
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA EMISSÃO DE ALVARÁ
LOTEAMENTO
TERMO DE RESPONSABILIDADE
FACTO SUPERVENIENTE
Sumário:I - A possibilidade, prevista no art. 68-A do DL n. 448/91, de 29/11, de os tribunais intimarem a Administração para emitir o alvará que titule o licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização pressupõe a antecipada certeza de que o comportamento a impor à Administração corresponde a um dever de agir por ela omitido.
II - Tendo em conta o preceituado no art. 30, n. 2, daquele diploma, o órgão camarário requerido não tem o dever de emitir o alvará dito em I), se o respectivo requerimento não for acompanhado "do termo de responsabilidade passado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra", o que constitui um requisito substancial daquela emissão.
III - Porque os tribunais não se podem substituir à Administração na esfera de actividades que lhe é própria, a atitude que a Administração tome perante a falta de um requisito substancial de uma pretensão que lhe seja dirigida não pode ser judicialmente erradicada a pretexto de que, no decurso da própria lide, o requisito se veio a produzir.
IV - Consequentemente, o oferecimento do referido termo de responsabilidade, se apenas ocorrido no decurso do processo judicial de intimação, não constitui um facto superveniente, de natureza constitutiva, que em tal processo seja atendível ao abrigo do disposto no art. 663 do CPC.
Nº Convencional:JSTA00052326
Nº do Documento:SA119990818045269
Data de Entrada:05/07/1999
Recorrente:PRES DA CM DE VILA VERDE
Recorrido 1:CARDOSO , GILBERTO
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO INTIMAÇÃO.
Legislação Nacional:CPC96 ART663 ART713 N6.
DL 448/91 DE 1991/11/29 ART28 ART30 N1 N2 N4 ART36.
DL 448/91 DE 1991/11/29 NA REDACÇÃO DA L 29/96 DE 1996/08/01 ART68-A N1.
CPA91 ART109.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO V5 PAG85-91.
FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO V4 PAG12-22.
Texto Integral
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/02c79c462625484280256f9400421896?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040047
Nº Convencional: JTRP00030465
Relator: VEIGA REIS
Descritores: NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
NEGLIGÊNCIA CONSCIENTE
NEGLIGÊNCIA INCONSCIENTE
Nº do Documento: RP200101310040047
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CR BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 692/96
Data Dec. Recorrida: 02/06/1999
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART17.
Sumário: I - A negligência grosseira é uma negligência temerária, qualificada em que a culpa é agravada, tendo em consideração o homem normal ou médio, pelo elevado teor de imprevisão ou de falta de cuidados elementares.
II - Esta intensificação da negligência tanto pode ocorrer nos casos de negligência consciente, como nos de negligência inconsciente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fe4a7a68200d677d80256f94004f512d?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0041056
Nº Convencional: JTRP00030646
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
REPETIÇÃO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEIO INSIDIOSO
MOTIVO FÚTIL
ESPECIAL CENSURABILIDADE DO AGENTE
Nº do Documento: RP200101310041056
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J VALONGO 3J
Processo no Tribunal Recorrido: 40/00-3S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP95 ART131 ART132 N1 N2 D H I ART152 N1 N2.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/12/07 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG235.
AC STJ DE 1998/11/24 IN BMJ N481 PAG144.
AC STJ DE 2000/05/11 IN CJSTJ T2 ANOVIII PAG188.
Sumário: I - No crime de maus tratos a cônjuge, o bem jurídico protegido é a saúde, que abrange a saúde física e mental, bem jurídico este que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal do cônjuge.
II - Tal tipo de crime pressupõe uma reiteração das condutas.
III - No crime de homicídio, na qualificativa da alínea h) do n.2 do artigo 132 do Código Penal (o agente utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso), cabe no conceito de "insidioso" todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas às do veneno - do ponto de vista do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto.
IV - Motivo fútil é aquele que se apresenta como razão subjectiva desproporcionada com a gravidade da infracção penal.
V - Só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto.
VI - Deve entender-se que enferma de especial censurabilidade a conduta de um arguido que se dirige ao infantário frequentado por duas filhas, à hora da saída das crianças, e aí efectua cinco disparos sobre a sua mulher, que cai então de joelhos, afastando-se aquele indiferente a tal situação, apesar de verificar que ela se esvaía em sangue.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4317
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
DEVERES CONJUGAIS
DEVER DE COABITAÇÃO
DEVER DE RESPEITO
Nº do Documento: SJ20080212043171
Data do Acordão: 12/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
O dever conjugal de respeito, consiste na obrigação de cada um dos cônjuges não praticar actos que possam ofender a integridade física ou moral do outro, entre os quais se devem compreender aqueles que atinjam o outro na sua honra, no seu nome, na sua reputação e consideração social.
Passeando-se o cônjuge mulher de braço dado com um primo, sendo vista diversas vezes nas imediações da casa do casal a conversar com esse primo, algumas dentro do carro deste, pernoitando com essa pessoa no mesmo prédio, saindo daí juntos de manhã, fazendo com esse primo saídas nocturnas, constitui isso um comportamento que, apreciado por conhecidos, levam a uma clara desconsideração pelo seu marido, pelo que esses procedimentos foram ofensivos da reputação, dignidade e consideração social do A., razão por que aquela violou o dever conjugal de respeito.
O dever de coabitação consiste na obrigação de os cônjuges viverem na mesma casa, a casa de morada da família, salvo motivo ponderoso em contrário. Este dever impõe aos cônjuges a comunhão de mesa, leito e habitação.
É duvidoso que o simples facto de um cônjuge deixar de pernoitar na casa do casal (desconhecendo-se as razões), deslocando-se (porém) aí durante o dia, viole o dever de coabitação a que está adstrito. De qualquer forma para que um cônjuge logre obter o divórcio não basta provar que o outro violou um dever conjugal. É preciso também que demonstre que o outro agiu com culpa e que violação do dever, pela sua gravidade ou reiteração, torna impossível a vida em comum. Quanto à culpa, o assento 5/94 do STJ de 26-1-994 (in DR I-A de 24-3-1994), hoje com a força de acórdão uniformizador de jurisprudência, estabeleceu que “no âmbito e para os efeitos do nº 1 do art. 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação”, pelo que caberia à R. mulher (reconvinte) provar a culpa do A. na violação do dever de coabitação em causa. Do facto provado, de que a partir de Abril/Maio de 2000, o A. deixou de pernoitar na casa do casal, passando a deslocar-se ali apenas durante o dia não resulta qualquer juízo de culpa que possa ser imputado ao A..
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- AA, propõe contra a sua mulher BB, a presente acção de divórcio litigioso, pedindo que se decrete o divórcio entre ele, A. e R., com culpa exclusiva desta.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, imputando factos à R. que, no seu entender, violam culposamente os deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação assistência, factos que constituem fundamento de divórcio.
1-2- A R. contestou, tendo formulado idêntico pedido reconvencional, invocando a violação, por parte do A., dos deveres conjugais de respeito, coabitação, cooperação e assistência.
1-3- O processo seguiu os seus regulares tendo-se proferido sentença na 1ª instância, em que foram julgadas improcedentes a acção e a reconvenção.
1-4- Não se conformando com esta sentença, dela recorreram ambas as partes, tendo logrado o A., na Relação, êxito na sua pretensão de ver decretado o divórcio, com culpa exclusiva da R..
1-5- Não se conformando com a decisão, dela recorreu a R. como revista para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 19-12-2006, deu parcial provimento ao recurso, revogando o acórdão impugnado ordenando a remessa dos autos à Relação para que se apreciasse o mérito da pretensão dos apelantes, quanto à modificação da matéria de facto.
1-6- Regressado o processo à Relação, aí foi proferido novo acórdão em que se julgou procedentes ambas as apelações, revogou-se a sentença recorrida, julgando-se a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, decretando-se a dissolução do casamento celebrado entre A. e R., por divórcio, declarando-se a R. como principal culpada e condenando-se esta como litigante de má fé na multa de 6 Ucs.
1-7- Novamente irresignados com esta decisão, dela recorreram a R. e, subordinadamente, o A. para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito suspensivo.
1-8- A R. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A decisão recorrida não fundamentou de facto a sua opção pela não verificação da invocada falta de análise crítica da fundamentação de facto (fls. 1103), como não tomou qualquer posição sobre a invocada falta de especificação das razões da falta de prova quanto aos factos não provados
2ª- Está, pois, inquinada pelos vícios previstos nas alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC.
3ª- O facto de ter ratificado o vício da anterior decisão levou a que cometesse o mesmo erro. Efectivamente permitiu-se aceitar prova de ouvir dizer para não dar como adquirida factualidade objecto de prova directa e opor à prova directa inferências de possibilidades, como se a realidade tivesse de ceder perante hipóteses e transformar matéria de facto em conclusões.
4ª - Ao ter procedido de tal forma violou a decisão recorrida os artigos 653° nº 2 e 655° ambos do CPC.
5ª- Por mera cautela, desde já vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação efectuada na decisão recorrida do artigo 655° do CPC, interpretado no sentido de que o mesmo permite que uma decisão cível seja fundamentada de forma a que testemunho de ouvir dizer possa rebater prova directa, inferências possam rebater prova directa e factos sejam confundidos com conclusões, por violação dos artigos 20° nº 1 e 205°, ambos da CRP.
6ª- A factualidade contra si apurada não é subsumível à previsão do artigo 1779° do CC, com fundamento na violação do dever de respeito.
7ª- É que a mesma tem como subjacente, única e simplesmente, o relacionamento da recorrente com um primo que, todas as testemunhas que os conhecem, catalogam de “como irmãos” e que o recorrido conhecia como sendo assim, antes do casamento.
8ª- O que se passou foi um comportamento doentio do recorrido, orientado por suspeitas e determinante da perturbação emocional e laboral e da adopção de comportamentos relativamente à recorrente, esses sim violadores do dever de respeito por acobertarem suspeitas sem jamais as comunicar ou esclarecer com a recorrente ou as confirmar na sequência das vigílias feitas a esta.
9ª- Ao ter entendido o comportamento da recorrente como violador do dever de respeito, violou a decisão recorrida o artigo 1779º
10ª - Não tem qualquer sentido que a recorrente tenha sido considerada a principal responsável pela ruptura da vida conjugal, iniciada em meados de 1999, face ao dado como apurado nos quesitos 103 a 105,
11ª- Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida os artigos 1779° e 1787º, ambos do CC.
12ª- A recorrente foi condenada como litigante de má fé, essencialmente, porquanto (fls. 1436 na contestação, cfr. art. 1º) negou determinados factos, tais como, as chamadas telefónicas para o seu primo, a entrega do cartão telefónico, as saídas nocturnas com o primo quando ia ter com a amiga SS, e as noites passadas no prédio sito na Rua ..., nº 000, sem dar explicações no autor.
13ª- Ora, só urna deficiente interpretação da contestação e da sua ligação à matéria apurada nos quesitos 103, 104 e 105 pode levar a tal interpretação.
14ª- A recorrente nunca negou tais factos, opõe-se é sua interpretação como tendo a ver com o que quer que seja para além de uma sólida amizade vigente desde os tempos de infância.
15ª- Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o artigo 456° nº 1 do CPC.
1-8- O A., recorrente subordinado, também alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O presente recurso subordinado de apelação visa impugnar o douto acórdão de fls. 1329 e segs., no que respeita à parte em que foi julgado parcialmente procedente a apelação interposta pela R., embora esta tenha sido declarada “a principal culpada pela dissolução do casamento” e condenada “como litigante de má fé”.
2ª- O acórdão considerou que, a partir de Abril/Maio de 2000, após o autor ter proposto a respectiva acção de divórcio, ocorreu violação do dever de coabitação pelo facto de, a partir dessa data, o autor não pernoitar no lar conjugal “ali se deslocando apenas durante o dia” (quesito 121.º, a fls. 1424).
3ª- Após a instauração da acção de divórcio, o autor deslocava-se ao lar conjugal durante o dia mas, por razões que decorrem e se podem inferir da matéria provada, nomeadamente dos quesitos 45.º,46.º e 47.º, passou a dormir na casa de seus pais, como, aliás, é feita alusão no douto acórdão a respeito dos depoimentos das testemunhas do autor (fls. 1415, último parágrafo).
4ª- O autor assumiu aquela atitude já depois de ter instaurado a acção do divórcio, ou seja, numa fase em que a vivência conjugal já se encontrava comprometida pelo anterior comportamento da ré” (douto Acórdão, fls. 1433, 6.º parágrafo).
5ª- O processo que conduziu à ruptura da sociedade conjugal foi iniciado pela ré com a violação reiterada do dever de respeito e foi essa violação que foi determinante da mesma ruptura” (fls. 1433, último parágrafo - sublinhado nosso).
6ª- A atitude assumida pelo autor já depois de instaurada a acção de divórcio não deve constituir violação culposa, pois deve ser considerada justificada face à matéria provada, designadamente à seguinte:
“Em consequência do comportamento da ré descrito nos quesitos anteriores, o autor começou a alimentar-se mal e a não conseguir dormir.” (quesito 45.º, fls. 1422 ).
“Devido ao facto referido no quesito anterior, em Junho do ano 2000, o autor consultou um médico psiquiatra que lhe diagnosticou ansiedade e depressão decorrente do mau ambiente causado por familiares.” (quesito 46.º, fls. 1422).
“O comportamento da ré impedia o autor de se concentrar no trabalho, tendo sofrido severas críticas por parte de alguns sócios da empresa ao ponto de pensarem em destituir o autor do cargo que desempenhava.” (quesito 47.º, fls. 1423).
7ª- Quer dizer, em Abril/Maio de 2000, única e exclusivamente devido ao comportamento culposo da ré, o autor estava ansioso e depressivo, necessitava de dormir tranquilo, precisava de se alimentar convenientemente e ter paz e sossego de espírito para conseguir concentrar-se no trabalho e desempenhar o seu cargo sem ser alvo de críticas por parte de alguns sócios da empresa.
8ª- Deve entender-se que o autor tinha o direito de procurar sanar e atenuar todas essas perturbações e males provocados na sua saúde pelas atitudes desrespeitosas da ré.
9ª- Por isso, deve aceitar-se como razoável e não culposo que o autor pudesse dormir em casa de seus pais (fls. 1415), visto se encontrar num estado depressivo e ansioso e carecer de paz e tranquilidade à sua volta, a fim de poder descansar e sossegar.
10ª- O autor podia ter optado por pernoitar numa casa de repouso ou numa casa de saúde, o que não constituiria certamente, nestes casos, qualquer violação culposa do dever de coabitação.
11ª- Seria excessivamente doloroso para o autor que, após a ruptura e completa destruição da vida conjugal provocada pela ré, tivesse de continuar a dormir paredes meias com ela, sentindo-a a todo o instante, continuando a viver permanente e mentalmente todos os factos culposos por ela praticados e todo o mal que isso lhe causara.
12ª- Além disso, os deveres conjugais após o autor ter instaurado a presente acção de divórcio encontravam-se já “como que esbatidos” (douto acórdão, a fls. 1434, 2.º parágrafo).
13ª- A protecção da integridade física, psicológica e moral do autor, deve ser tida em consideração ao apreciar-se se houve ou não violação culposa do dever de coabitação após a instauração da Acção de Divórcio e a ruptura da vida conjugal provocada pela ré (art. 25.º da C.R.P. e art. 70.º, do C.Civil).
14ª- O autor deslocava-se à casa do casal durante o dia (quesito 121º), continuando a manter com o lar conjugal uma ligação e uma conexão diárias, não se tendo verificado o abandono completo desse lar, pressuposto da violação culposa do dever de coabitação.
15ª- Demais, a partir de 6 de Dezembro de 2000, o autor e a ré acordaram em dividir a casa de morada de família em duas zonas separadas e distintas, ficando cada um deles a ocupar cada uma dessas partes (fls. 1424, 10.º parágrafo e fls. 309 a 311).
16ª- A partir de 6 de Dezembro de 2000, autor e ré passaram a viver fisicamente separados, pondo termo, de modo permanente, à convivência conjugal, deixando de estar vinculados a qualquer dever de coabitação.
17ª- Os factos praticados pela ré que constituíram violação culposa do dever de respeito (quesitos 17.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 30.º, 31.º, 40.º, 41.º, 57.º, 62.º-A, 62.º-B, ...) atingiram séria e profundamente o autor (quesitos 45.º, 46.º e 47.º) tornando a vida conjugal, anteriormente a Abril/Maio de 2000, insustentável e inexigível.
18ª- O autor assumiu a atitude de deixar de pernoitar na casa do casal “já depois de ter instaurado a acção de divórcio, ou seja, numa fase em que a vivência conjugal já se encontrava comprometida pelo anterior comportamento da ré” (douto Acórdão, a fls1433 - 6.º parágrafo),
19ª - O que ficou provado foi o simples facto objectivo do autor, a partir de Abril/Maio de 2000, deixar de pernoitar no lar conjugal, não se podendo deduzir, nem tendo a ré feito qualquer prova concreta, da culpa do autor na violação desse dever.
20ª- Face à matéria provada, deve entender-se que o facto do autor, a partir de Abril/Maio 2000 (a partir da instauração da acção de divórcio), não pernoitar na casa do casal, “ passando a deslocar-se ali apenas durante o dia “, não constitui violação suficientemente grave do dever de coabitação, capaz de comprometer, - a já comprometida pelo comportamento anterior da ré -, possibilidade da vida em comum.
21ª- Não ocorreu, portanto, violação culposa do dever de coabitação, por parte do autor, de harmonia com o previsto nos arts. 1672.º e 1779.º, do C.Civil.---
1-8- O A., recorrido, respondeu ao recurso da parte contrária, a R., sustentando que a improcedência da revista.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 ex vi do art. 726º do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes a apreciar e decidir:
Quanto à revista da R.;
-Se ocorre uma deficiente fundamentação de facto da decisão de 1ª instância.
- Se existiu erro na apreciação da prova.
- Se não existiu qualquer violação do dever de respeito por parte da R.
- Se a R. não devia ter sido declarada como principal culpada no divórcio.
- Se a R. não litigou de má fé.
Quanto à revista subordinada do A.:
- Se o A. não violou o dever de coabitação e se, por isso, não deve ser culpado do divórcio.
2-2- No acórdão recorrido, assentou-se a seguinte matéria de facto:
1- Autor e ré celebraram casamento católico, com precedência de convenção antenupcial através da qual convencionaram o regime de comunhão geral de bens, no dia 18.04.98. (A)
2- Autor e ré conheceram-se num ginásio que ambos frequentavam (70°)
3- Quando autor e ré celebraram casamento, a ré era estudante universitária (1°)
4- O casamento de autor e ré foi o desenrolar normal de um namoro que se prolongou por cerca de sete anos. (68°)
5- O casal por acordo decidiu não realizar viagem de núpcias logo após o casamento (3º)
6- O casal realizou uma viagem ao Algarve, tendo permanecido em Vilamoura cerca de uma semana (76°)
7- O autor era o único a contribuir financeiramente para casa (12°)
8- A ré é filha única (65°)
9- Nos primeiros tempos, a ré teve dificuldades em adaptar-se à vida de casada, tendo contado com o apoio de sua mãe (85°)
10- Por vezes, a casa estava desarrumada e havia loiça suja em cima da banca da cozinha e a ré saia, às vezes, sem preparar o jantar ao autor (11°)
11- A ré recusava acompanhar o autor quando este saía com grupo de amigos entre os quais a testemunha CG(13°)
12- Foi o autor quem comprou e ofereceu à ré a cadela que aparece nas fotografias juntas aos autos (99°)
13- O referido animal está registado em nome do autor, que sempre o adorou e brincou com ele, manifestando carinho pelo animal (100°)
14- A cadela acompanhou o casal na viagem que fizeram a Vilamoura (101°)
15- A ré era vista com frequência na companhia do primo JC e esse primo divorciou-se em Setembro do ano 2000 (17°)
16- Às ocultas do autor embora usando o telefone da própria casa, telefonava inúmeras vezes ao JC para o telemóvel deste (20°)
17- Em 30 dias no período compreendido entre 22 de Julho e 22 de Agosto, a ré chegou a efectuar 142 comunicações telefónicas para o referido JC (21°)
18- E nos 15 dias seguintes, de 22 de Agosto a 7 de Setembro, efectuou mais 44 chamadas telefónicas para o identificado primo (22º)
19- A ré telefonava ao primo não só durante o dia mas também à noite cerca das 23 horas, depois da meia-noite, à uma hora da manhã e mesmo depois das 2 horas da madrugada, actuando de tal modo que o autor não se apercebia dessas comunicações (23º)
20- Em consequência dos telefonemas efectuados pela ré durante os referidos 45 dias o autor teve de proceder ao pagamento da quantia de 93.307$00 (24°).
21- Em muitas saídas nocturnas, a ré dizia ao autor que ia ter com uma amiga de nome SS, à loja da rede Cenoura onde aquela trabalhava, inicialmente no Centro Comercial Brasília e, posteriormente, no Nortshopping (25°)
22- Algumas vezes, depois de a ré se encontrar com a SS, o JC aparecia nas imediações e, em algumas dessas vezes, ele a ré saíam juntos (26°)
23- A ré foi vista por diversas vezes nas imediações da residência do casal a conversar com o JC, algumas vezes dentro do carro deste (30°)
24- Algumas vezes quando a ré saía de casa entrava no carro do JC e deslocava-se na companhia deste (31°)
25- A ré foi vista de braço dado com o seu primo em sítios públicos como o Norte Shopping (40°)
26- Tendo o autor oferecido à ré, em 11.09.99, para esta usar no seu telemóvel, um cartão Taco com o nº 96000000, a ré transferiu e mudou o nome de assinante do número a que correspondia tal cartão para o nome do JC e continuou a usar esse mesmo telemóvel e a receber as comunicações que lhe eram dirigidas (41°).
27- Durante certo período, a correspondência dirigida ao JC era enviada para a residência do casal (42°)
28- A ré recebeu do JC quando este se ausentou do país um postal dirigido a ela com a missiva que se encontra junta a fls. 47 v, que aqui se dá por integralmente reproduzida (43°)
29- Em consequência do comportamento da ré de descrito nos quesitos anteriores, o autor começou a alimentar-se mal e a não conseguir dormir (45°).
30- Devido ao facto referido no quesito anterior, em Junho do ano 2000, o autor consultou um médico psiquiatra que lhe diagnosticou ansiedade e depressão decorrente do mau ambiente causado por familiares (46°)
31- O comportamento da ré impedia o autor de se concentrar no trabalho, tendo sofrido severas criticas por parte de alguns sócios da empresa ao ponto de pensarem em destituir o autor do cargo que desempenhava (47°)
32- Na manhã do dia 13.02, a ré, acompanhada do primo JC, saíram do prédio sito na Rua ... nº 000, nesta cidade e despediram-se com um beijo (57°)
33- A ré entrou sozinha no carro que habitualmente usa e arrancou na direcção da Rua S. ... (58°)
34- O JC por seu turno entrou no seu automóvel e tomou a direcção oposta à da ré, ou seja, rumo .../ ... Alta (59°)
35- No decurso dos meses de Fevereiro e Março de 2000, a ré e o JC pernoitaram algumas vezes no prédio sito na Rua de ..., n°000, saindo juntos de manhã do referido prédio (62°A)
36- Nas ocasiões referidas no quesito anterior, a ré não dizia ao autor que ia passar a noite fora, nem lhe dava qualquer explicação (62º B)
37- O autor conhecia o primo da ré, JC e este frequentava a casa do casal (90º)
38- A mãe daquele primo era madrinha da ré e durante o ano de 99 foi acometida de doença grave da qual veio a falecer em 01.12.99 (93°)
39- Esta tia da ré esteve gravemente doente e teve de ser internada, tendo permanecido no Hospital até Julho (do ano de 99) (94°)
40- A avó da ré veio a falecer pouco depois da referida tia (95°)
41- A ré frequentou a Universidade Moderna, deixou de fazer pagamentos em 1999 e os amigos do autor acreditavam que frequentava o 4°ano, apesar de esta estar inscrita no 2° ano (63° e 64°)
42- A partir de meados de 1999, o autor passou a pernoitar algumas vezes fora da casa de morada de família, argumentando que tinha serviço na unidade hoteleira onde trabalha ou que tinha de se deslocar ao estrangeiro para tratar de assuntos relacionados com as empresas dos pais (103°)
43- Naquelas ocasiões, o autor pedia à ré para dormir em casa dos pais ou que estes fossem para casa dela durante as suas ausências (104º)
44- O autor deixou de tomar algumas refeições em noite em casa, tendo a ré de as tomar só ou de ir a casa de seus pais para esse efeito (105°-A)
45- Em 18.04.00, a ré apresentava um hematoma nas costas, pelo que recebeu tratamento por médico privado (117°)
46- No dia 18.04.00, a ré deu entrada no Hospital de S. João devido a ingestão de medicamentos por acto impulsivo, tendo sido o autor que a transportou ao hospital (119º)
47- Em 18 de Abril de 2000, a ré telefonou ao autor que se encontrava no seu local de trabalho e comunicou-lhe que tinha ingerido vários comprimidos de “Prosac” (126°)
48- O autor saiu a correr, foi buscar a ré a casa, conduziu-a aos serviços de urgência do Hospital de S. João e avisou os pais da ré de que esta dera entrada no Hospital (127°)
49- Quando a ré deu entrada na urgência do Hospital estava lúcida (128°)
50- A partir de Abril/Maio de 2000, o autor deixou de pernoitar no lar conjugal, ali se deslocando apenas durante o dia (121°)
51- A ré retirou de casa alguns objectos que transportava em sacos plásticos cujo conteúdo não ficou apurado (66°-A)
52- Em 06.12.00, por transacção homologada no incidente de atribuição provisória da casa de morada de família que correu termos nos presentes autos, o autor e a fé acordaram em utilizar ambos a casa de morada de família nos termos que ficaram consignados a fls. 309 e seguintes.
53- O autor é uma pessoa educada e sensível dentro dos padrões normais do grupo social em que se insere (66°)
54- A ré é pessoa com educação e princípios morais normais, dentro do extracto social em que se integra (125°).--------------------
Quanto à revista da R:
2-3- Começa por sustentar a recorrente que a decisão recorrida (de 1ª instância) não fez uma análise crítica da prova e sempre que os factos foram dados como não provados, não especifica a razão porque a prova não foi prova capaz. Levantou essa questão junto da Relação mas este Tribunal não acolheu a tese. Está a decisão inquinada pelos vícios previstos nas alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 668° do CPC.
Como se verifica compulsando o acórdão recorrido (designadamente a fls. 1363 a 1365), a questão foi apreciada, tendo-se decidido, de forma correcta, não ocorrer qualquer das nulidades da sentença apontadas. Acrescentou-se que a situação invocada pela R. configura uma deficiente fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo que a falta ou deficiente fundamentação da decisão nesse âmbito acarreta (apenas) a devolução dos autos à 1ª instância para que as respostas aí sejam devidamente fundamentadas (art. 712º nº 5 do C.P.Civil). Diremos nós que este pedido de devolução à 1ª instância para a pertinente fundamentação deve ser efectuada pela parte, como decorre desta disposição legal. Como a parte (R.) não efectuou qualquer requerimento nesse sentido, a irregularidade (se existisse) deve ter-se como sanada (arts. 201º nº 1, 205º nº 1 e 653º nº 2 do C.P.Civil). Mas o certo é que, como correctamente se refere no acórdão da Relação, essa imperfeição não existe, visto que a Mª Juíza fez uma suficiente análise crítica da prova, concluindo que “a motivação de facto (produzida) cumpre da forma satisfatória e suficiente as exigências do nº 2 do citado art. 653º nº2 do CPC.”
Concluímos, assim, pela insubsistência da argumentação da recorrente.
Defende depois a recorrente que o acórdão recorrido permitiu-se aceitar prova de ouvir dizer, não dando como adquirida factualidade objecto de prova directa e opor à prova directa inferências de possibilidades, como se a realidade tivesse de ceder perante hipóteses e transformar matéria de facto em conclusões.
Aqui a recorrente mostra o seu inconformismo em relação à forma como o tribunal recorrido respondeu a alguns dos factos da base instrutória. Segundo a recorrente, o tribunal de 1ª instância valorizou erradamente as provas produzidas sendo certo que o acórdão recorrido não sancionou essas incorrecções.
Esta questão foge, por completo, aos poderes de cognição deste Supremo Tribunal. É que, como se sabe, o STJ não aprecia o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a não ser que se verifiquem as situações excepcionais previstas no art. 722º do C.P.Civil, isto é, quando ocorra ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto (prova vinculada) ou que fixe a força de determinado meio de prova. Ainda quanto à matéria de facto, pode ainda ordenar a sua ampliação quando faltem as bases factuais necessárias para, com a necessária segurança, aplicar o direito ou quando exista contradição na decisão de facto que inviabilize a decisão de direito (art. 729º nº 3 do mesmo Código).
Ora, como nos parece evidente, a questão levantada pela recorrente, não é de molde a poder ser integrada nas hipóteses especiais referidas no art. 722º nº 2, não sendo, também, caso de aplicação do disposto no referido art. 729º nº 3.
Por isso, não se poderá conhecer do assunto.
Claro que a parte pode criticar a forma como o tribunal formou a sua convicção. Porém não o poderá fazer de forma simplista fazendo um ataque à fase final da formação da convicção. “Tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para formação dessa convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004 (DR, II, de 2-6-2004, págs. 8545 e segs.). Isto é, a impugnação deverá dirigir-se à acção desenvolvida para a formação da convicção, apontando erros, omissões ou irregularidades objectivas que contaminam essa acção e, consequentemente, o convencimento a que se chegou.
Ora não foi isso que fez a recorrente, pois limitou-se a criticar a convicção final do tribunal. Deve sublinhar-se, respondendo à objecção da recorrente, que a prova testemunhal indirecta não está arredada da aquisição de prova numa demanda de divórcio.
Sustenta depois a recorrente que a factualidade contra si apurada não é subsumível à previsão do artigo 1779° do CC, fundamento na violação do dever de respeito. É que a mesma tem como subjacente, única e simplesmente, o relacionamento da recorrente com um primo que, todas as testemunhas que os conhecem, catalogam de “como irmãos” e que o recorrido conhecia como sendo assim, antes do casamento. O que se passou foi um comportamento doentio do recorrido, orientado por suspeitas e determinante da perturbação emocional e laboral e da adopção de comportamentos relativamente à recorrente, esses sim violadores do dever de respeito por acobertarem suspeitas sem jamais as comunicar ou esclarecer com a recorrente ou as confirmar na sequência das vigílias feitas a esta. Ao ter entendido o comportamento da recorrente como violador do dever de respeito, violou a decisão recorrida o artigo 1779º. Não tem qualquer sentido que a recorrente tenha sido considerada a principal responsável pela ruptura da vida conjugal, iniciada em meados de 1999, face ao dado como apurado nos quesitos 103º a 105º. Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida os artigos 1779° e 1787º, ambos do CC.
Com estas objecções, entramos na apreciação da matéria de direito.
No acórdão recorrido entendeu-se que “o autor vê-se confrontado com centenas de chamadas telefónicas para o primo no espaço de um mês e meio, feitas a ocultas suas, conversas com o primo dentro do carro, saídas nocturnas com o primo, passeio de braço dado com o primo num sítio público e oferta ao primo do cartão telefónico que ele próprio lhe tinha oferecido …e como se tal não bastasse, começa a haver noites em que a ré não dorme em casa e não lhe dá qualquer explicação e ele a vê e sabe por outras pessoas que ela passa noite no interior do mesmo prédio que o primo. Todo aquele comportamento da ré justifica que o autor comece a suspeitar que ela tem um relacionamento amoroso com o primo. E o autor, para além de ter de conviver com essa suspeita, que o leva a fazer vigílias para a confirmar (ou não), tem de conviver ainda com a suspeita dos amigos íntimos e dos familiares próximos, que também presenciam o comportamento da ré e também dele tiram as suas próprias conclusões. Há aqui claramente uma ofensa à reputação e consideração pessoal do autor, que se provou ser pessoa educada e sensível dentro dos padrões normais do grupo social em que se insere. Com a sua conduta, a ré violou o dever conjugal de respeito, na sua vertente de respeito moral”. Isto é, segundo o douto acórdão, pelo comportamento que a R. assumiu com o seu primo a mesma violou o dever de respeito a que estava vinculada pelo casamento.
Vejamos:
Nos termos do art. 1779º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a indicar sem menção de origem) “qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a vida em comum”. Acrescenta o nº 2 da mesma disposição que “na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges”.
Têm pois que ocorrer três requisitos para que o cônjuge ofendido possa obter o divórcio: A violação pelo outro dos deveres conjugais, que essa violação seja culposa e que essa violação, pela sua gravidade ou reiteração, torne impossível a vida em comum. O juízo sobre a gravidade das faltas faz-se em concreto, face às circunstâncias apuradas.
Os deveres conjugais a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados, são os de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art. 1672º).
Para o que aqui interessa, há a salientar o dever de respeito. Este dever consiste “em um cônjuge não lesar a integridade física ou moral do outro. Cada um dos cônjuges deve respeitar os direitos individuais do outro, os direitos conjugais que a lei lhe atribui e os seus interesses legítimos” (Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 1977, 322).
O dever conjugal de respeito consistirá, pois, na obrigação de um dos cônjuges de não praticar actos que possam ofender a integridade física ou moral do outro, entre os quais se devem compreender aqueles que atinjam o outro na sua honra ou no seu nome, ou ainda na sua reputação e consideração social.
Claro que a R. violou a reputação e consideração social do marido, ao ter o comportamento com o seu primo que os factos acima referenciados sob os nºs 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 32, 33, 35 e 36 evidenciam. Esses factos denunciam uma conduta inconveniente e imprópria por parte da R., como mulher casada. Com efeito, passeando-se de braço dado com o primo, sendo vista diversas vezes nas imediações da casa do casal a conversar com esse primo, algumas dentro do carro deste, pernoitando com essa pessoa no mesmo prédio, saindo daí juntos de manhã, fazendo com esse primo saídas nocturnas, são óbvios comportamentos que, apreciados por conhecidos, levam a uma clara desconsideração destes em relação ao marido. Consequentemente esses procedimentos foram ofensivos da reputação, dignidade e consideração social do A.., sendo que este é pessoa educada e sensível.
Porém para que um cônjuge logre obter o divórcio não basta, como já se viu, que o outro viole um dever conjugal. É preciso também que o outro aja com culpa e que violação do dever, pela sua gravidade ou reiteração, torne impossível a vida em comum. Na culpa pressupõe-se a imputabilidade e a reprovabilidade da conduta do agente, em face das circunstâncias apuradas (in Dtº de Família, Antunes Varela, pág. 407, nota 22). Não se presume, mas em base em alguns factos que fazem presumir outros, pode concluir-se com o fundamento no conjunto de todos eles, a culpa do agente. Isto de acordo com regras de experiência.
Obviamente que a R. agiu, ao assumir as condutas referenciadas, com culpa, pois sabia (não podia desconhecer) que aqueles actos eram susceptíveis de originar a desconsideração do A., como homem casado. Esses actos são-lhe imputáveis e sobre a sua conduta é possível fazer-se um juízo de censura, atendendo aos padrões sociais dominantes.
Significa isto que a R., para além de ter violado o dito dever, fê-lo também com culpa. Igualmente a reiteração se verifica no caso, visto que a conduta reprovável se prolongou no tempo. Não foi um acto isolado, mas sim um claro comportamento repetido.
Quer isto dizer que a avaliação que na Relação se efectuou sobre a situação foi correcta, como certa foi a consequência que se retirou, isto é, o deferimento do pedido de divórcio com culpa da R..
Também aqui carece de razão a recorrente.
Quanto à imputação que o acórdão lhe fez como de principal culpada, iremos referirmo-nos adiante quando apreciarmos a revista subordinada do A..
Entramos na última questão que o recurso suscita, que é a atinente à litigância de má fé.
A recorrente defende que foi condenada como litigante de má fé, essencialmente, porquanto negou determinados factos, tais como, as chamadas telefónicas para o seu primo, a entrega do cartão telefónico, as saídas nocturnas com o primo quando ia ter com a amiga SS, e as noites passadas no prédio sito na Rua ..., nº 000, sem dar explicações ao A.. Ora, só urna deficiente interpretação da contestação e da sua ligação à matéria apurada nos quesitos 103, 104 e 105 pode levar a tal interpretação. A recorrente nunca negou tais factos, opõe-se é sua interpretação como tendo a ver com o que quer que seja para além de uma sólida amizade vigente desde os tempos de infância. Ao ter entendido de outra forma, violou a decisão recorrida o artigo 456° nº 1 do CPC.
No acórdão recorrido referiu-se que a R. negou factos pessoais, tais como as chamadas telefónicas para seu primo, a entrega e este do cartão telefónico, as saídas nocturnas com o primo quando ia ter com a amiga SS e as noites passadas no prédio da Rua Serpa Pinto, sem dar explicações ao A.. Como a negação de factos foi feita de forma intencional e pré-determinada em relação ao fim que prosseguia, obstar à declaração do divórcio por culpa sua, considerou-se a conduta como dolosa, condenando-se a R. como litigante de má fé, nos termos do art. 456º nº 1 e 2 al. b) do CPC.
Como se viu, a recorrente, não aceita que tenha negado os ditos factos, afirmando que se deu interpretação errada às circunstâncias provadas. O relacionamento com o primo não tem a ver com o que quer que seja, apenas se trata de uma sólida amizade vigente desde os tempos de infância.
Age de má fé aquele que, com dolo ou negligência, altere a verdade dos factos, como decorre do disposto no art. 456º nº 2 al. b) do C.P.Civil.
A questão está pois em se saber se a R. faltou à verdade na alegação ou negação de factos, cujo conhecimento da sua parte era certo e evidente.
Compulsando a contestação verifica-se que no art. 4º a R. nega todos os factos alegados na petição inicial e relativos ao seu primo. Mais à frente, no art. 77º, refere que quanto “a todas as situações descritas no petitório do autor relacionadas com o primo da ré, mais não passam de um rol de mentiras, que o autor quer fazer passar por verdadeiras, buscando um fundamento para o presente processo, que é fruto da sua fértil imaginação”. Isto é, mais uma vez aqui a R. nega os factos relacionados com o primo que o A. lhe imputa. Refere depois que os dois (A. e R.) eram amigos desse primo, tendo sido o A. quem autorizou o primo para que a sua correspondência a ele dirigida fosse enviada para a casa do casal (arts. 78º e 79º). Diz seguidamente, no art. 83º, que “em relação às saídas da ré com o seu primo, longe da maldosa relação que o autor descreve na sua peça inicial, mais não é do que uma relação de família e amizade, normalíssima de uma família que vive harmoniosamente e na qual…”, acrescentando, no art. 87º, ser provável que tenha sido vista na companhia do primo (e também das primas) e que as saídas com o primo não passavam de vulgares idas ao Hospital de S. João, ou simplesmente encontros de família (art. 92º). Ainda mais à frente disse que jamais se envolveu amorosamente com o primo e que os encontros entre ambos não passavam de relações de família e quanto às idas à habitação referidas nos arts. 69º e 70º da p.i. (na Rua ...., 000, 4º andar centro, Porto, onde pernoita e dorme o primo JC), desconhece se aí se deslocou ou não, sendo que se tratava de simples idas a casa de uma sua prima, sendo falso que o primo aí residisse (arts. 143 e 144).
Quer isto dizer que a R. acaba por aceitar os encontros com o primo. Porém, atribuiu-lhes conteúdo diverso de encontros amorosos constituindo os mesmos, mero convívio familiar. Reconhece também as deslocações à Rua ...., mas não para se encontrar com o primo.
Face a este posição da R. poderemos concluir que ela nega circunstâncias de carácter pessoal, que não podia desconhecer, que acabaram por ser dadas como provadas. Com efeito, nega a R., as chamadas telefónicas que fez para seu primo, a entrega a este do cartão telefónico e, essencialmente, as saídas nocturnas que fez com esse mesmo primo quando ia ter com a amiga SS (encontros de índole absolutamente diversa dos que aceita ter tido com esse primo) e o facto de ter sido vista de braço dado com o seu primo em sítios públicos como o Norte Shopping. Nega também que na manhã do dia 13.02, acompanhada do primo JC, tenha saído do prédio sito da Rua .... nº 000, despedindo-se dele com um beijo (factos acima referidos sob os nºs 25 e 32).
Agiu com evidente dolo, visto que não podia ignorar que ao assumir a posição que tomou, estava a faltar à verdade ou estava a modificar a realidade, dando uma conotação diversa aos factos reais.
Significa isto que a R. alterou a verdade dos factos e assim nos termos do referido no art. 456º nº 2 al. b) do C.P.Civil litigou de má fé.
A condenação neste âmbito justificou-se, portanto.
Nega-se in totum a revista.
Quanto à revista subordinada da A:
2-4- O recorrente sustenta que não violou o dever de coabitação e como tal não poderá ser considerado culpado do divórcio. Isto porque os factos em que o tribunal se baseou para considerar a violação de tal dever, ocorreram já depois de ter instaurado a acção do divórcio, ou seja, numa fase em que a vivência conjugal já se encontrava comprometida pelo anterior comportamento da R.. O processo que conduziu à ruptura da sociedade conjugal foi iniciado pela R. com a violação reiterada do dever de respeito e foi essa violação que foi determinante da mesma ruptura. A atitude assumida pelo A. já depois de instaurada a acção de divórcio não deve constituir violação culposa, pois deve ser considerada justificada face à matéria factual provada, designadamente à circunstância de o A. se ter começado a alimentar-se mal e a não conseguir dormir, de ter de consultar um médico psiquiatra que lhe diagnosticou ansiedade e depressão decorrente do mau ambiente causado por familiares e de o comportamento da R. o impedir de se concentrar no trabalho.
No douto acórdão recorrido referiu-se que se provou que “a partir de Abril/Maio de 2000, o autor deixou de pernoitar casa do casal, passando a deslocar-se ali apenas durante o dia. Não se pode entender que houvesse motivos ponderosos para o autor deixar de pernoitar na casa do casal, designadamente por não se ter provado o receio de ofensa à sua integridade física por parte da ré ou do pai desta, pelo que a sua conduta integra a violação do dever de coabitação. O autor assumiu aquela atitude já depois de ter instaurado a acção de divórcio, ou seja, numa fase em que a vivência já se encontrava comprometida pelo anterior comportamento da ré. Apesar disso, e face ao que acima dissemos acerca das causas de divórcio, temos de concluir que aquela violação do dever conjugal de coabitação por parte do autor contribuiu igualmente para o comprometimento da vida em comum”. Por isso, considerou-se que o A. violou o dever de coabitação, sendo igualmente culpado do divórcio (se bem que não principal).
Remete-se para o que acima se referiu em relação à componente teórica sobre os fundamentos de divórcio.
Haverá agora de definir o que se deve entender pelo dever de coabitação. Este consiste na obrigação de os cônjuges viverem na mesma casa, a casa de morada da família, salvo motivo ponderoso em contrário (art. 1673º). Este dever impõe aos cônjuges a comunhão de mesa, leito e habitação. Trata-se aqui “do dever de vida em comum que recai sobre os cônjuges, mas que se não esgota no dever de viver sob o mesmo tecto. É que o dever de coabitação constitui ainda a designação um tanto eufemística de um dos elementos fundamentais que caracterizam a plena comunhão de vida subjacente à sociedade conjugal. Trata-se do chamado débito conjugal, que se traduz no dever de cada um dos cônjuges de ter relações de sexo com o outro” (in C.Civil Anotado Pires de Lima e Antunes Varela, IV Vol., 2ª edição, pág. 258). Quer isto dizer que viola este dever não só o cônjuge que abandona o lar conjugal, mas também aquele que a recusa injustificadamente ao outro, o trato sexual.
Temos dúvidas em afirmar que o simples facto de um cônjuge deixar de pernoitar na casa do casal (desconhecendo-se as razões), deslocando-se (porém) aí durante o dia, possa violar o dever de coabitação a que está adstrito.
Mas mesmo que se entenda que esse comportamento viola esse dever, como se viu acima, para que um cônjuge logre obter o divórcio não basta que o outro viole um dever conjugal. É preciso também que o outro aja com culpa e que violação do dever, pela sua gravidade ou reiteração, torne impossível a vida em comum.
Quanto à culpa, haverá a salientar o que se decidiu no assento 5/94 do STJ de 26-1-994 (in DR I-A de 24-3-1994), hoje com a força de acórdão uniformizador de jurisprudência. Assim, estabeleceu esse assento que “no âmbito e para os efeitos do nº 1 do art. 1779º do Código Civil, o autor tem o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação”. Este acórdão veio por termo à controvérsia antes existente segundo a qual se debatia a tese de que competia ao cônjuge que invoca como fundamento de divórcio a violação pelo outro do dever de coabitação, o ónus da prova da culpa desse outro e a tese de que cabia ao cônjuge que viola o dever de coabitação, o ónus da prova que de que agiu sem culpa.
Não se vê qualquer razão para não seguir o entendimento do assento, já que não ocorreu, entretanto, qualquer alteração das disposições legais aplicáveis, sendo também certo que não vemos fundamentação capaz que nos leve a repensar e a derrogar o dito sentido.
No caso dos autos, segundo o dita orientação, caberia à R. (reconvinte) provar a culpa do A. na violação do dever de coabitação em causa. Ora, a nosso ver, essa prova não foi feita. Do simples facto evidenciado (que a partir de Abril/Maio de 2000, o A. deixou de pernoitar na casa do casal, passando a deslocar-se ali apenas durante o dia) não resulta, obviamente, qualquer juízo de culpa que seja imputável ao A.. De forma alguma se poderá aceitar, como se refere no acórdão recorrido, que “não se pode entender que houvesse motivos ponderosos para o autor deixar de pernoitar na casa do casal”, pois isso seria inverter o ónus da prova, contra o entendimento do dito assento. Quem que tinha que provar a culpa do A., seria a R. alegando e provando, por exemplo, que havia sido contra a sua vontade, com grande amargura sua e sem que para tal tenha contribuído, que o A. havia, voluntariamente, deixado a casa do casal, isto é, que o A. havia deixado o lar conjugal sem qualquer razão ou motivo.
Isto será já suficiente para considerar que, não se provando a culpa do A., a eventual violação do dever de coabitação, não conduz ao divórcio (art. 1779º nº 1 já evidenciado).
Quer dizer que, se bem que por estas razões, a revista subordinada, merecerá provimento.
Não se podendo imputar qualquer juízo de culpa ao A. pelo divórcio, teremos que reputar a R. como única culpada da dissolução do casamento por divórcio.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento à revista da R.., confirmando-se, nessa parte, o acórdão recorrido.
Dá-se provimento à revista (subordinada) do A., revoga-se, nessa parte o acórdão recorrido, julgando-se improcedente, por não provada, a reconvenção, absolvendo o A. do respectivo pedido reconvencional.
Declara-se a R. como única culpada no divórcio.
Custa na acção e nos recursos pela R..
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008
Erneto Calejo (relator)
Mário Mendes
Sebastião Póvoas
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9940769
Nº Convencional: JTRP00029769
Relator: VEIGA REIS
Descritores: DOLO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RP200101319940769
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CR GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recorrido: 1883/94
Data Dec. Recorrida: 28/01/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REENVIO DO PROCESSO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART14.
CPP95 ART410 N2 A.
Sumário: A omissão de indagação, pelo tribunal do julgamento, da existência dos diversos tipos de dolo, viola o artigo 14 do Código Penal e os princípios da unidade e indivisibilidade do objecto do processo, integrando, tal omissão, o vício da alínea a) do n.2 do artigo 410 do Código de Processo Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada).
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4830a32571a1c3b80256f95003a861e?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040405
Nº Convencional: JTRP00030441
Relator: VEIGA REIS
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP200101310040405
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J OVAR 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 4/00
Data Dec. Recorrida: 17/01/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 2/98 DE 1998/01/03 ART3 N2.
CP95 ART44 N1.
Sumário: Sendo um arguido condenado por três vezes pelo crime de condução sem carta, em penas de multa, mediando entre a primeira e a segunda condenação apenas cerca de mês e meio e entre a segunda e a terceira apenas dois dias, e não se mostrando aquele arrependido, é patente a sua insensibilidade ao efeito dissuasor dessas penas, devendo, por isso, ser depois condenado em pena de prisão, ainda que de curta duração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fc2f3cb7e3bbb16780256f8d003611f0?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0041199
Nº Convencional: JTRP00030451
Relator: DIAS CABRAL
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
LUCROS
Nº do Documento: RP200101310041199
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 V CR PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 10/00
Data Dec. Recorrida: 31/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: DL 15/93 DE 1993/01/22 ART21 N1 ART24 C.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/03/11 IN CJSTJ T1 ANOVI PAG202.
Sumário: I - O conceito de avultada compensação remuneratória (artigo 24 alínea c) do Decreto-Lei n.15/93 - tráfico de estupefacientes) deve ser interpretado autonomamente dos preceitos do Código Penal respeitantes aos crimes contra o património, devido à diferenciação dos bens jurídicos protegidos num e noutro caso.
II - O que importa averiguar é se, atentas as regras da experiência comum e a notoriedade dos elevados lucros que o tráfico propicia, os montantes a alcançar ou alcançados consubstanciam uma avultada compensação económica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e8dbb0018812ff3380256f8d003b5258?OpenDocument |
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Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011218
Nº Convencional: JTRP00029766
Relator: BAIÃO PAPÃO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RP200101310011218
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J BAIÃO
Processo no Tribunal Recorrido: 74/98
Data Dec. Recorrida: 17/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR ORDEN SOC.
Legislação Nacional: DL 433/82 DE 1982/10/27 ART32.
CP95 ART121 N2 N3.
Sumário: Na falta de qualquer regulamentação, no diploma geral das contra-ordenações, sobre o regime da interrupção da prescrição, deve aplicar-se subsidiariamente o disposto no artigo 121 ns.2 e 3 do Código Penal, de harmonia com o preceituado no artigo 32, daquele diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a70783e36b85aea880256f8d004c7678?OpenDocument |
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Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040953
Nº Convencional: JTRP00030450
Relator: TEIXEIRA PINTO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEIO INSIDIOSO
Nº do Documento: RP200101310040953
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J FELGUEIRAS 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 65/99
Data Dec. Recorrida: 25/01/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP95 ART132 N2 F.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1987/06/11 IN BMJ N368 PAG312.
AC STJ DE 1999/12/07 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG237.
Sumário: I - Quando a lei (artigo 132 n.2 alínea f) do Código Penal) fala em "meio insidioso", não quer necessariamente abarcar os instrumentos usuais de agressão (pau, ferro, faca, pistola, etc), ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, como aos que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo passo tornam difícil ou impossível a defesa da vítima.
II - Ao meio insidioso quadra a ideia de estratagema, de disfarce ou artimanha daquele que o usa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/055a3e6df21e000980256f8d005140dd?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040636
Nº Convencional: JTRP00030644
Relator: COELHO VIEIRA
Descritores: REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
ROUBO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RP200101310040636
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 V MISTA V N GAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 962/97
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART75 N1.
Sumário: I - Para a verificação do requisito da reincidência (de que a condenação ou as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção), basta a demonstração de factualismo concreto que estabeleça uma relação entre a falta de efeito da condenação anterior e a consumação do novo crime.
II - Verifica-se esse requisito se o arguido cometeu em 1997 um crime de roubo, altura em que mantinha uma situação de dependência de estupefacientes - móbil nuclear da concepção e execução de assaltos com o que praticou e se ficou provado que, em 1996 foi condenado pela prática, em 1995, de um crime de tráfico de estupefacientes de pequena gravidade.
III - De facto, sendo o móbil do crime dos autos a obtenção de estupefacientes, deve concluir-se que a anterior condenação por tráfico para consumo desses produtos não constitui suficiente prevenção para o crime em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011239
Nº Convencional: JTRP00030630
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CRIME PÚBLICO
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
Nº do Documento: RP200101310011239
Data do Acordão: 31/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG232
Tribunal Recorrido: T J MONCORVO
Processo no Tribunal Recorrido: 3-A/00
Data Dec. Recorrida: 19/06/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP95 ART178 N2.
Sumário: I - Com a redacção actual do artigo 178 n.1 do Código Penal (no crime de abuso sexual de crianças), quando o direito de queixa não for exercido por quem para tal possui legitimidade, o Ministério Público pode dar início ao processo se o interesse da vítima, menor de 16 anos, o impuser.
II - Trata-se de um crime público, podendo o Ministério Público intervir, não só para dar início ao processo, como para o fazer prosseguir, deixando tal prosseguimento de estar na disponibilidade do ofendido ou de quem o represente.
III - Assim, a desistência da queixa por parte da mãe de uma menor, naquelas circunstâncias, não tem qualquer relevância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Nos autos de instrução a correrem termos no Tribunal Judicial da Comarca de....., com o nº -/--, a Mmª Juiz proferiu decisão instrutória na qual, a título de questão prévia julgou irrelevante a desistência de queixa apresentada pela mãe da menor relativamente ao crime de abuso sexual por que o arguido foi pronunciado.
É do referido despacho, na parte em que julgou a questão prévia, que o arguido Pedro....., veio interpor o presente recurso.
Conclui a sua motivação, nos seguintes termos:
“ a) O despacho recorrido é recorrível na parte em que se pronunciou no sentido da não relevância da desistência da queixa e do procedimento criminal contra o arguido e constante de fls. 30 e 31, apresentada pela representante legal da menor ofendida.
b) E isto na medida em que da relevância ou não da desistência dependeria como questão prévia ou incidental, a extinção ou não do procedimento criminal e subsequente arquivamento ou não do processo e bem assim a nulidade ou não da acusação e de todo o processado, pois tal questão fora suscitada no decurso do inquérito.
C) O recurso é assim admissível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 308º, nº, 310º, nº 1 e 399º, todos do C.P.P. e ainda atento o recente Assento nº 6/2000 do S.T.J., publicado no DR, 1ª Série de 7 de Março.
Mas, quanto ao fundo da questão,
d) Após o Ministério Público, por sua iniciativa, ter dado início ao procedimento contra o arguido e que originou os presentes autos, a representante legal da menor ofendida, sua mãe Helena....., veio apresentar, nessa qualidade, desistência da queixa e do procedimento criminal pelo crime indiciado nos autos contra o arguido - p. e p. pelo artigo 172º do C.P. - conforme requerimento de fls. 30 e 31.
e) A fls. 36 veio o arguido aceitar tal desistência da queixa e do procedimento criminal.
f) Suscitou já o arguido durante o inquérito, que tal desistência é relevante e válida por entender que o crime indiciado depende de queixa do ofendido ou do seu representante legal, o que aliás teve como consequência a alteração da sua situação processual, pois estava preventivamente preso em virtude do crime contra si indiciado e, depois, foi posto em liberdade por douto Ac. desta Relação, igualmente junto aos autos, por entender que tal desistência era e é relevante.
g) Porém, o Ministério Público entendeu não ser relevante tal desistência e proferiu a sua douta acusação pública, tendo o arguido requerido instrução para que, além do mais, fosse tal questão apreciada.
h) Só que, o despacho recorrido, salvo o devido respeito, interpretou erradamente o disposto nas disposições combinadas dos artigos 172º e 178º, nºs 1 e 2 do C.P. e essencialmente o nº 2 deste último.
i) Assim, erradamente considerou o despacho recorrido que o Ministério Público é subsidiariamente titular do direito de queixa relativamente ao crime previsto no artigo 172º, nº 2 do C.P., ex vi do disposto no artigo 178º, nº 2 do mesmo Código.
j) E, como tal, só a si lhe cabe definitivamente apreciar o interesse da vítima.
k) Com tais fundamentos, o despacho recorrido faz e fez uma interpretação abusiva da lei, maxime do citado nº 2 do referido artigo 178º.
l) O crime indiciado é um crime de natureza semi-pública, e como tal está dependente de queixa e à vítima ou seu representante legal cabe essa titularidade - tal como o dispõe o nº 1 do mesmo artigo 178º.
m) E, ao contrário do expresso no despacho recorrido, o disposto no artigo 178º, nº 2 do C.P., não constitui nenhuma excepção à regra contida no nº 1 (1ª parte) do mesmo artigo.
n) A única excepção a essa regra contida o citado artigo 178º é tão só a constante da parte final do seu nº 1, a qual vem aí bem expressa e evidenciada, o que não configura o caso dos autos
o) E outra óbvia excepção é a que resulta do artigo 113º, nº 5 do mesmo Código.
p) O nº 2 do artigo 178º em causa não faz nenhuma excepção à regra fixada no seu nº 1, mas tão só aí estipula que nos casos em que a vítima for menor de 16 anos o Ministério Público “pode dar início ao procedimento ...” e nada mais, o que não modifica a natureza semi-pública do crime.
q) O que não significa e não pode significar que ao Ministério Público cabe a titularidade do direito de queixa e maxime em termos definitivos e absolutos, retirando essa titularidade a quem a lei concede e por seu mero critério de oportunidade.
r) Aliás, se a lei quisesse com a nova redacção do nº 2 daquele artigo 178º criar uma excepção à regra contida no nº 1 do mesmo artigo, então não precisaria de modificar a redacção do artigo 211º, nº 2 da versão originária do Código, onde expressamente excepcionava esses casos (crimes de abuso sexual) quando a vítima fosse menor de 12 anos
s) Ou seja, o referido elemento histórico do preceito (artigo 178º, nº 2) e a sua interpretação lógica, literal coerente e racional só pode ser a de a regra do nº 1 (1ª parte) se mantém para esses crimes em que a vítima for menor de 16 anos, apenas se admitindo aí a faculdade de o Ministério Público dar início ao processo se, no seu entender e só para efeitos de o iniciar, o interesse da vítima o impuser.
t) Pelo que, à face da lei - disposições combinadas dos artigos 178º, nºs 1 e 2, 172º e 113º, nº 3, todos do C.P. - a desistência constante de fls. 30 e 31 é relevante e válida, porque exercida pela legal representante da vítima e como titular exclusiva do direito de queixa.
u) O despacho recorrido ao decidir como decidiu, isto é, negando relevância e não considerando válida tal desistência, infringiu clara e frontalmente os dispositivos legais citados na alínea precedente.
v) Aliás, ao decidir assim o mesmo despacho põe na mera disponibilidade ou oportunidade do Ministério Público a perseguição ou reacção penal em tais casos, o que colide e viola frontalmente o princípio da legalidade das reacções penais e consagrado nos artigos 3º, nº 2, 29º, nºs 1 e 3, 165º nº 1, alínea c), 203º e 219º, nº 1 da C.R.P
w) Sendo assim o douto despacho recorrido além de ilegal, material e formalmente inconstitucional por violação das referidas normas constitucionais citadas no item precedente, o que expressamente se invoca.
x) Assim, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituir-se por outro que julgue válida e relevante a desistência de fls. 30 e 31 e consequentemente anulando todo o processado posteriormente à sua apresentação, incluindo a douta acusação pública, julgando extinto o procedimento criminal contra o arguido e ordenando o arquivamento do processo
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-se por outro que julgue extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido e subsequente arquivamento do processo.”
O Ministério Público respondeu, concluindo que nenhuma censura merece o despacho recorrido.
Nesta instância a Exmº Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, conclui igualmente pela improcedência do mesmo.
Respondeu o arguido, mantendo, em síntese, o ponto de vista já vertido na motivação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação, a questão colocada à cognição deste Tribunal é tão só a de saber se, tendo o Ministério Público dado início ao procedimento criminal, nos termos do Artº 178º nº 2 CP, relativamente ao crime de abuso sexual de criança p. e p. no Artº 172º nº 2 CP, é relevante a desistência do procedimento criminal entretanto apresentada por parte da representante legal da menor.
Vejamos.
Exceptuando os crimes previstos nos Artºs 166º, 169º, 170º e 176º CP, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, dependem de queixa do ofendido ou de outras pessoas (Artº 178º nº 1 CP), o que significa serem crimes de natureza semi-pública [Crime de natureza semi-pública é aquele em que a legitimidade do Ministério Público para poder exercer a acção penal precisa de ser integrada com uma queixa.].
A razão de ser assenta nos valores que se encontram em causa, podendo os ofendidos ou seus representantes entenderem ser mais violenta a publicidade decorrente da apresentação da queixa e respectiva perseguição criminal do arguido do que o esquecimento, sofrimento e exposição pública que um tal tipo de ilícito provoca.
Porém, quando o crime cometido é um dos previstos no Artº 178º nº 1 CP – Artºs 163º a 165º, 167º, 168º e 171º a 175º - o procedimento criminal deixa de estar dependente de queixa se:
a) Da prática do crime resultar suicídio ou morte da vítima (Artº 178º nº 1 CP).
b) O crime for praticado contra menor de 16 anos e o interesse da vítima o impuser, o Ministério Público pode dar início ao procedimento criminal (Artº 178º nº 2 CP - redacção introduzida pelo Dec. Lei 48/95 de 15/3 e alterada pela Lei 65/98 de 2 de Setembro).
c) O titular do direito de queixa couber apenas ao agente do crime e especiais razões de interesse público o impuserem, o Ministério Público pode dar início ao procedimento criminal (Artº 113º nº 5 CP).
No presente caso estamos perante a prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. no Artº 172º nº 2 CP, de que foi vítima uma menor com 8 anos de idade, em que o Ministério Público iniciou o respectivo procedimento criminal, portanto, perante a situação configurada em b), a qual se articula igualmente com o nº 6 do Artº 113º CP[“ Quando o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode, nos casos previstos na lei, dar início ao procedimento quando o interesse da vítima o impuser”].
Recorde-se que na versão original do Código Penal de 1982, os crimes sexuais que tivessem por vítima menor de 12 anos, possuíam sempre natureza pública (Artº 211º nº 2 CP) [Crime público é aquele em que o Ministério Público desencadeia oficiosamente o procedimento criminal e exerce com plena autonomia a acção penal.].
Actualmente, com a redacção dada ao Artº 178º nº 2 CP, quando o direito de queixa não for exercido por quem, para tal possui legitimidade, o Ministério Público pode dar início ao processo se o interesse da vítima, menor de 16 anos, o impuser.
Será que o legislador com a Reforma de 1995, pretendeu retirar a natureza de público ao crime em análise nestes autos ?
Entendemos que não.
Na verdade o Ministério Público reunidas aquelas duas circunstâncias (idade e interesse da vítima), pode intervir em termos subsidiários, não só para dar início ao processo, o que significa que o mesmo deixou de estar dependente de queixa, como para o fazer prosseguir,
Aliás o próprio ponto 8 do Preâmbulo do Dec. Lei 48/95 - “ Uma outra nota que acentua a protecção do menor é a possibilidade de o Ministério Público, sempre que especiais razões de interesse público o justifiquem, poder desencadear a acção penal quando a vítima for menor de 12 anos [A Lei 65/98 de 2 de Setembro, elevou a idade para 16 anos.]”- é claro quanto à preocupação do legislador, em por razões político-criminais, não deixar á mercê do titular do direito de queixa ou de outras pessoas aquele tipo de crimes que pela sua natureza ferem a sensibilidade colectiva, se o interesse da vítima o impuser.
Digamos que nessa situação o crime passa, a nosso ver, a ter natureza pública.
Como escreve Maia Gonçalves em anotação ao Artº 113º CP [Código Penal Português, 13ª ed., pág. 389.] “ este dispositivo veio permitir que os crimes semi-públicos, em casos previstos na lei, como os dos arts. 152º, nº 2 e 178º nº 2, passem a ter a natureza de públicos, de modo condicionado no caso do art. 152º, nº 2. Mas o único interesse a ponderar pelo MP é o interesse da vítima, não devendo ser consideradas razões de interesse público, pois o pensamento legislativo radica na protecção de vítimas particularmente indefesas, nomeadamente em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez”.
Por outro lado a posição do recorrente quando diz na sua motivação que o Ministério Público “ só pode dar início ao procedimento”, não pode de modo algum ser defensável.
É que não teria qualquer sentido que, não tendo a legal representante exercido o direito de queixa pelos factos de que fora vítima sua filha de 8 anos, pudesse vir impedir o prosseguimento do processo entretanto iniciado pelo Ministério Público ao abrigo do Artº 178º nº 2 CP.
Ora não foi isso que o legislador quis com a redacção dada ao referido preceito legal.
Em síntese diremos que, uma vez iniciado o procedimento criminal, ao abrigo do Artº 178º nº 2 CP, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo Artº 172º nº 2 CP, o seu prosseguimento deixa de estar na disponibilidade do ofendido ou de quem o represente.
Nestes termos se conclui que a desistência da queixa por parte da mãe da menor não tem qualquer relevância.
E por essa razão se conclui também não se mostrarem violadas as normas invocadas pelo recorrente
Não merece pois qualquer censura o despacho recorrido.
DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho recorrido.
Condena-se o recorrente na taxa de justiça de três Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).
Notifique.
Porto, 31 de Janeiro de 2001
Joaquim Manuel Esteves Marques
António Manuel Clemente Lima
José Manuel Baião Papão
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0215/04
Data do Acordão:27/05/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO.
ERRO NA FORMA DE PROCESSO.
ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS.
INSCRIÇÃO.
Sumário:I - A acção para reconhecimento de direitos ou interesse legitimo é um meio processual complementar, destinado a ser utilizado nos casos sem que a lei não faculte aos administrados, na situação em que se encontram no momento da propositura da acção, outro meio jurisdicional adequado à efectiva tutela jurisdicional desse direito ou interesse legítimo.
II - Só nos casos em que não exista um acto administrativo impugnável, cuja impugnação permita, em execução de julgado, plena satisfação da pretensão formulada à Administração, será legalmente viável o uso da acção para reconhecimento de direito, sem que, então, seja necessário que o interessado suscite a prática de um acto administrativo, para que, depois, o possa impugnar.
III - Não tendo o interessado deduzido oportuna impugnação do acto administrativo que indeferiu, com fundamento em falta de apresentação dos necessários documentos, o pedido de inscrição na Associação de Técnicos Oficiais de Contas, deve ser rejeitada a acção proposta pelo mesmo interessado para reconhecimento do direito a tal inscrição.
Nº Convencional:JSTA00060554
Nº do Documento:SA1200405270215
Data de Entrada:27/02/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:COMIS INSTALADORA DA ATOC
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RECONHECIMENTO DIRINT.
Legislação Nacional:LPTA85 ART69 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC831/03 DE 2003/10/14.; AC STA PROC1125/03 DE 2004/01/14.; AC STA PROC412/03 DE 2003/06/25.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 3ED PAG139.
Aditamento:
Texto Integral
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045271
Data do Acordão:18/08/1999
Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ABEL ATANASIO
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
DIREITO AO ARRENDAMENTO
PREJUÍZO
PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - No incidente de suspensão de eficácia está vedado ao Tribunal o conhecimento da questão de fundo que lhe está subjacente, partindo-se da presunção da legalidade do acto e dos pressupostos de facto em que assentou.
II - De acordo com o preceituado no Código das Expropriações, aprovado pelo Dec.Lei n. 438/91, de 9/11, a "justa indemnização" consagrada no art. 62 do CRP, é garantida através de um processo específico de cálculo e quantificação económica, referindo-se expressamente nos arts. 29 e 30 a indemnização respeitante ao arrendamento.
III - Assim, o direito de indemnização dos prejuízos emergentes da expropriação do direito ao arrendamento comercial está plenamente garantido através de um completo processo de cálculo e quantificação económica pelo que os danos em causa não se podem qualificar de "irreparáveis" ou de "difícil reparação", a menos que o requerente alegasse e provasse que no caso ocorrem circunstâncias especificas que tornassem particularmente dificil a fixação de justa indemnização através daqueles meios.
IV - Se, pela alegação do requerente e pela análise dos autos não resulta qualquer dessas circunstâncias, designadamente a impossibilidade de transferir o estabelecimento para outro local, sem perda da clientela e sem afectação do "giro comercial", é de considerar inverificado o requisito da al. a) do n.1 do art. 76 da LPTA.
Nº Convencional:JSTA00052527
Nº do Documento:SA119990818045271
Data de Entrada:06/07/1999
Recorrente:JORGE , MARIA
Recorrido 1:MINECON
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:SUSPEFIC.
Objecto:DESP MINECON DE 1999/04/05 IN DR IIS DE 1999/05/03.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO SUSPEFIC.
Legislação Nacional:LPTA85 ART76 N1 A.
CONST97 ART62.
CEXP91 ART29 N3 ART30.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1990/10/30 IN AD N350 PAG219.
AC STA PROC37169 DE 1995/03/30.
AC STA PROC39735 DE 1996/03/14.
AC STA PROC39653 DE 1996/04/16.
Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021706
Nº Convencional: JTRP00031389
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RP200101300021706
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS 4J
Processo no Tribunal Recorrido: 460-E/97
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART564 ART496.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/11/02 IN BMJ N451 PAG50.
AC STJ DE 1999/09/12 IN BMJ N834 PAG99.
Sumário: I - É de atribuir a indemnização de 2.500.000$00 à vítima de um acidente de viação pela perda de capacidade de ganho resultante da incapacidade permanente para o trabalho de 10% que ficou a padecer, tendo, na altura do acidente, 44 anos de idade e auferindo cerca de 1.600 contos anuais de vencimento do trabalho.
II - Ficando a dita vítima impossibilitada de exercer a profissão que tinha e a padecer de dores passadas, que se manterão ao longo do tempo, é de atribuir a indemnização de 1.500 contos pelos danos de natureza não patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021549
Nº Convencional: JTRP00030761
Relator: DURVAL MORAIS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO
ÂMBITO DO RECURSO
ALEGAÇÕES
FALTA
DESERÇÃO DE RECURSO
TRIBUNAL
PERITO
LAUDO
DECISÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200101300021549
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J LAMEGO
Processo no Tribunal Recorrido: 124/97-1S
Data Dec. Recorrida: 03/04/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR EXPROP.
Legislação Nacional: CEXP91 ART22 N1 ART28 N2 ART82 N1.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1994/04/12 IN CJ T2 ANOXIX PAG109.
AC RP DE 1987/12/17 IN CJ T5 ANOXII PAG215.
Sumário: I - A expressão "justa indemnização" significa que a indemnização deverá corresponder ao valor real, de mercado, venal ou corrente do bem expropriado.
II - Conforme tem sido jurisprudência pacífica, as alegações a que se refere o artigo 63 do Código das Expropriações de 1991, nada têm a ver com a delimitação do âmbito do recurso, pelo que a sua falta não importa a deserção do recurso da decisão arbitral.
III - Embora não vinculativo para o julgador, é entendimento corrente nos Tribunais Superiores que a indemnização por expropriação deve basear-se fundamentalmente nos valores constantes dos laudos e relatórios dos peritos escolhidos pelo Tribunal quando haja disparidade entre eles e quaisquer outros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021595
Nº Convencional: JTRP00030810
Relator: DURVAL MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE
DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP200101300021595
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 463/98
Data Dec. Recorrida: 29/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART566 N3 ART496 N3.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1994/05/05 IN CJSTJ T2 ANOII PAG86.
AC STJ DE 1994/10/10 IN BMJ N440 PAG448.
AC STJ DE 1993/12/16 IN CJSTJ T3 ANOI PAG182.
AC STJ DE 1993/05/26 IN CJSTJ T1 ANOI PAG130.
AC RC DE 1995/04/04 IN CJSTJ T2 ANOXX PAG23.
Sumário: I - A lei manda que a indemnização pelos danos emergentes da perda de capacidade de ganho se solucione de acordo com a equidade, respeitando embora os limites que se considerem provados. Assim, o tribunal não está vinculado a confinar-se ao resultado do uso que se faça de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas que se usam em tabelas financeiras, as quais servirão, quando muito, como meros instrumentos de trabalho no sentido de se atingir uma verba que permita ressarcir, durante a vida laboralmente útil do lesado, a perda por ele sofrida, devendo tal quantia mostrar-se esgotada ao fim do período considerado.
II - Segundo o critério estabelecido no n.3 do artigo 566 do Código Civil (apelo à equidade) e tendo em conta a idade do lesado à data do acidente (25 anos), a esperança de vida dos portugueses (70 anos), o salário mínimo nacional, a incapacidade absoluta para o trabalho, a taxa de juro de 5%, a inflação, a progressão na carreira e ganhos de produtividade, é equilibrada e justa a quantia de 25.000.000$00 como indemnização pelos danos sofridos com a perda de capacidade de ganho.
III - A compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico. Sendo a culpabilidade do condutor muito grave, atenta a falta de atenção com que conduzia, sofrendo o ofendido graves lesões e ficando com uma incapacidade total para o desempenho da sua habitual profissão, não é exagerada a quantia de 8.000.000$00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B192
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: SUBEMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
TRABALHO SUPLEMENTAR
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
RESOLUÇÃO
DESISTÊNCIA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: SJ2008020700847
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
1. Aplicam-se ao contrato de subempreitada não só as normas especiais relativas ao contrato de empreitada, como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis.
2. Tendo a empreiteira comunicado à subempreiteira a resolução do contrato de subempreitada e a proibição do seu acesso à obra, no errado pressuposto do seu incumprimento, deve considerar-se a nulidade da declaração e a sua desistência tácita do mencionado contrato.
3. Como a empreiteira inviabilizou a possibilidade de a subempreiteira continuar os trabalhos a que se vinculou, a última não incumpriu o contrato de subempreitada, pelo que a primeira não tem o direito de lhe exigir indemnização relativa ao que despendeu, sob contratação de outrem, com a eliminação dos defeitos e a conclusão da obra.
4. Não tendo a empreiteira exigido à subempreiteira a realização de trabalhos extra ou autorizado os que ela realizou, não assiste à última o direito de impor à primeira o pagamento do preço respectivo.
5. Terminado o contrato de subempreitada por iniciativa da empreiteira, sem incumprimento ou mora da subempreiteira, não tem a primeira o direito de suspender o pagamento devido à última com base na exceptio non rite adimpleti contractus.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA Ldª intentou, no dia 24 de Setembro de 2004, contra BB - Construtora, SA, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo a sua condenação, a pagar-lhe € 21 331,18 e juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal e bem assim do que se vier a liquidar em execução de sentença pelas quantias que seja obrigada a pagar ao dono da obra pelos atrasos nos trabalhos.
Fundou a sua pretensão no incumprimento pela ré de um contrato de subempreitada relativo a trabalhos incluídos em contrato de empreitada celebrado com CC - Informática de Sistemas e Serviços, SA, no abandono da obra pela ré, na decorrente contratação de terceiros para os terminar e no respectivo pagamento.
A ré, na contestação, afirmou não estar vinculada a nenhum prazo perante a autora, ter sido ela quem resolveu o contrato de subempreitada que haviam celebrado e a impediu de aceder á obra, não a deixando concluir os trabalhos nem reparar os defeitos, e, em reconvenção, pediu condenação dela a pagar-lhe € 26 653, 70 e juros de mora, € 4.752,68 a título de lucros cessantes e € 8 000 por danos emergentes, com base na falta de pagamento de serviços prestados e no prejuízo derivado da injustificada resolução do contrato.
A autora impugnou as afirmações da ré, concluindo no sentido da improcedência do pedido reconvencional, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 26 de Setembro de 2006, por via da qual a ré foi absolvida do pedido e a autora condenada a pagar-lhe € 25 867,41, com juros de mora desde a notificação da contestação e 4 075,26 a titulo de indemnização.
Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 13 de Setembro de 2007, dando parcial provimento ao recurso, manteve a condenação da apelante a pagar à apelada € 25 867,41 e os juros, e absolveu-a da condenação no pagamento da indemnização.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a uma semana do prazo de entrega da obra pela recorrente ao dono faltava à recorrida fazer cerca de 36% das obras convencionadas e havia defeitos de falta de esquadria de paredes e desnivelamento de pavimentação, não tendo cumprido os cronogramas, apesar da insistência da recorrente;
- trata-se de cumprimento defeituoso, uma vez que a conduta do empreiteiro não corresponde à que era exigível, tendo a obra sido realizada com defeitos, presumindo-se a culpa;
- como condição de exercer os seus direitos, bastou a denúncia, não sendo necessária a imediata especificação de quais os legalmente previstos que pretendia exercer;
- logo após ter constatado a existência das deficiências nas esquadrias das instalações sanitárias e o desnivelamento do pavimento, procedeu à sua denúncia;
- os trabalhos realizados pela recorrente em substituição recorrida eram urgentes, legitimando-a a socorrer-se de terceiros para a sua concretização e a peticionar-lhe o valor dos prejuízos causados pelo seu atraso no cumprimento;
- a recorrente procedeu à denúncia dos defeitos de forma válida, e, como se tratava de trabalhos urgentes e não tendo a recorrida procedido à sua eliminação em tempo útil, podia proceder à reparação, exigindo o pagamento ao empreiteiro do que fosse gasto;
- tendo a recorrente denunciado os defeitos, tinha o direito de recusar o pagamento do preço, por virtude de a recorrida não ter executado a obra nas condições convencionadas, com base na excepção de não cumprimento prevista no artigo 428º do Código Civil;
- não é devedora da totalidade das facturas reclamadas pela recorrida, porque não aplicou a betonilha, e o que fez apresentava defeitos, porque não rebocou e emboçou devidamente a base das paredes, além de que não solicitou à recorrida que esta procedesse à elaboração do plano de segurança e saúde e de aplicação de betão armado em pilares numa extensão de 5,55 m3;
- nos termos do artigo 1229º do Código Civil, o valor da indemnização em que a recorrente foi condenada deveria ter resultado da subtracção ao preço total fixado do custo total da obra, pelo que não podia considerar-se o proveito ou lucro cessante que a recorrida poderia tirar da obra.
Respondeu a recorrida em síntese de conclusão de alegação:
- houve alteração ao projecto inicial de construção da laje de entrada, e suspensão dos trabalhos, pelo que o prazo seria obrigatoriamente prorrogado, e o de conclusão da obra não é para si vinculativo, porque não o aceitou;
- não foi fixado prazo para a eliminação de defeitos nas casas de banho, e o defeito do desnivelamento só foi denunciado após a retirada da obra pela recorrida, sem fixação de prazo para a sua eliminação;
- não recusou eliminar os defeitos das paredes das casas de banho, foi a recorrente que não lhe deu hipótese de os reparar nem a interpelou para o efeito;
- não havia fundamento para a resolução, é inválida, pelo que não era legítimo à recorrente proceder à eliminação dos defeitos;
- como a recorrente não pediu a condenação da recorrida na eliminação dos defeitos, não podia mandar reconstruir a obra à sua custa;
- a recorrida procedeu à regularização do pavimento com aplicação de betonilha, é-lhe devido o preço respectivo, tal como o dos trabalhos que não constavam do orçamento inicial;
- no caso de cumprimento defeituoso, a excepção de não cumprimento só pode ser invocada tendo em conta o princípio da boa fé e deve ser exercido de modo proporcionado e adequado à gravidade da inexecução ou violação;
- como, por facto imputável à recorrente, não teve a recorrida oportunidade de corrigir os supostos defeitos, aquela violou o princípio da boa-fé.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no tribunal da primeira instância:
1. A autora dedica-se, com escopo lucrativo, para além do mais, à actividade de construção civil; e a ré que dedica-se, igualmente, com intuito lucrativo, à actividade de construção civil e de obras públicas.
2. No âmbito da sua actividade comercial, a autora foi contratada pela sociedade CC -Informática de Sistemas e Serviços, SA para proceder à remodelação, ampliação e adaptação do edifício que iria constituir a sede daquela sociedade, sito na Rua....., n.ºs 289 a 293, na cidade do Porto.
3. A obra supra referida em 2 deveria iniciar-se em 1 de Agosto de 2003 e estar concluída em 31 de Dezembro de 2003, e, para a execução daqueles trabalhos, a autora recorreu aos serviços de diversas empresas especializadas, entre as quais a ré, e ambas acordaram a realização por esta dos trabalhos consubstanciados no orçamento de folhas 14 a 20, tendo ela ficado obrigada a proceder aos arranjos exteriores e remodelação do edifício de escritórios e do edifício de armazém central e à limpeza geral e reparação dos telhados e pintura dos restantes armazéns.
4. O preço estipulado por ambas as partes para a execução dos trabalhos a executar pela ré foi de € 133 382,78, acrescido do imposto sobre o valor acrescentado à taxa em vigor, a pagar em prestações mensais, de acordo com o trabalho efectivamente realizado em cada mês, constante dos autos de medição aprovados por ambas as partes.
5. A execução de todos os trabalhos deveria realizar-se entre os dias 15 de Setembro de 2003 e 4 de Janeiro de 2004, mas porque os trabalhos a executar pela ré estavam dependentes e interferiam com os trabalhos a realizar pelos outros subempreiteiros, deviam ser realizados conforme o cronograma que a autora remeteu à ré no dia 1 de Outubro de 2003, que ela recebeu e aceitou.
6. Devido a problemas que se prenderam com a emissão da licença camarária, a autora decidiu suspender os trabalhos desde inícios de Dezembro de 2003, assim permanecendo até Março de 2004.
7. Os trabalhos a efectuar pela ré foram suspensos entre os meses de Dezembro de 2003 e Março de 2004, por falta da licença de construção, porque a dona da obra - CC- Informática, Sistemas e Serviços SA - não tinha licença de construção, a que era obrigada para a realização dos trabalhos.
8. Em 16 de Março de 2004, foi emitida pela Câmara Municipal do Porto a necessária licença de construção para que se prosseguissem os trabalhos, e, em consequência da suspensão dos trabalhos supra referida, a autora e a CC, SA estabeleceram um novo prazo, que foi fixado em 31 de Julho de 2004, do que foi dado imediato conhecimento à ré.
9. Em reunião havida entre representante da autora e o representante da ré, em 19 de Maio de 2004, ficou estabelecido de comum acordo: a redução dos trabalhos que constavam no orçamento inicial apresentado pela ré, eliminando-se todos os trabalhos descriminados a folhas 5 e 6 do documento n.º 2 junto com a petição inicial, com o título “sub obra III Armazém Central; o reinício das obras no dia 24 de Maio seguinte.
10. Na referida reunião de 19 de Maio de 2004, a ré não se comprometeu com a autora a concluir as obras até ao dia 31 de Julho de 2004, uma vez que ainda não tinha sido escolhido em definitivo o material para o revestimento dos WCs.
11. O que ficou decidido naquela reunião foi vertido pela autora na missiva datada de 20 de Maio de 200, que ela remeteu via telecópia para a ré, conforme documento junto a folhas 27 e 28.
12. Em 24 de Maio de 2004, através de fax, a autora transmitiu á ré, em definitivo, qual o material a aplicar nos WCs, material esse diferente do previsto no orçamento, com custo unitário superior.
13. Na reunião de 24 de Maio 2004, a autora aceitou pagar as facturas que nessa data se encontravam em divida.
14. A elaboração do plano de segurança e saúde e os trabalhos em betão armado em pilares não constam do orçamento inicial solicitado á ré.
15. Pelo facto de o projecto inicial de construção da laje da entrada ter sido alterado, passando a incluir a feitura de pilares que se apoiavam nas sapatas existentes, necessitando essas de ser reforçadas, era necessário, para a realização da betonagem final da laje e vigas, ocupar a via pública, e a ré foi confrontada com a falta de licença de ocupação da via pública, pelo que o trabalho ficou paralisado cerca de duas semanas.
16. A ré começou a assentar o material cerâmico, e a autora reprovou a forma como o mesmo estava a ser aplicado, pretendendo que o assentamento da pastilha nas paredes e pavimento não apresentasse nenhum fecho em nenhuma dimensão das paredes e pavimento, ou seja, pretendia que as dimensões da pastilha e juntas fossem iguais à distância de parede a parede, medida no reboco, o que obrigava a refazer todos os rebocos.
17. A autora remeteu à ré a carta junta a folhas 36 e seguintes, datada de 15 de Junho de 2004, remetendo-lhe, no dia 18 de Junho de 2004, os cronogramas a realizar na semana 23 a 26 de Junho.
18. No dia 15 de Julho de 2004, a autora afirmou à ré que os trabalhos não tinham decorrido de forma satisfatória, e solicitou-lhe que de imediato a informasse por escrito das datas em que previa concluir todos os trabalhos entregues, acrescentando que o respeito pelas suas programações era nulo, não obstante não as ter contestado, e expressou-lhe, por carta 1 datada de 6 de Setembro de 2004, que esta estava a facturar trabalhos não realizados e que realizara alguns defeituosamente.
19. Em todas as instalações sanitárias, verificou-se que as paredes estavam fora das esquadrias, desalinhadas e desaprumadas, e o desnivelamento do pavimento na colocação da betonilha.
20. Por carta datada de 23 de Julho de 2004, recepcionada pela ré em 26 de Julho de 2004, a autora declarou-lhe:
- “não obstante a nossa continuada insistência, não nos apresentaram qualquer solução para resolver os defeitos, nem qualquer prazo para a execução de tais reparações. Por isso vemo-nos forçados a determinar que se retirem da obra de imediato, assumindo nós a reparação e conclusão dos trabalhos”;
- “o mesmo se aplica ás restantes tarefas que faltavam iniciar/concluir, sobre as quais nem sequer nos apresentaram programação de inicio e conclusão das mesmas: também essas vamos assumir a sua execução, pelo que não devem dar início a qualquer outra iniciativa”, e resolver o contrato.
21. Após aquela carta, a autora impediu a ré de aceder à obra, alterando o canhão da fechadura do portão de entrada, e, nesse dia 23 de Julho de 2004, para evitar delongas que poderiam levar ao incumprimento do prazo acordado com o dono da obra, a autora procedeu à realização dos trabalhos que haviam sido adjudicados à ré e que esta ainda não realizara.
22. Para corrigir as referidas situações, a autora socorreu-se do trabalho de terceiros, vendo-se obrigada a sujeitar-se a um preço superior àquele que havia contratado com a ré, em face do curto espaço de tempo que havia para a execução daqueles trabalhos.
23. A ré realizou na obra os seguintes trabalhos: demolição das paredes divisórias existentes; demolição das instalações sanitárias e de cozinha existentes; remoção do envidraçado e caixilharia em alumínio da zona correspondente à entrada e caixas de escada; remoção dos pavimentos existentes; remoção dos painéis de madeira existentes nos peitoris dos envidraçados, assim como de todos os rodapés; remoção de todos os estores e respectivos acessórios; rectificação das aberturas existentes nas instalações sanitárias; rectificação da dimensão e formato da parede central que divide o corredor do átrio da caixa de escadas; abertura dos vãos das janelas na zona das garagens; abertura de vãos na parede exterior para porta de serviço e para a porta de acesso ao interior do edifício e ao armazém central; fornecimento e assentamento de paredes em alvenaria de tijolo; construção de paredes em betão armado; execução de reboco grosso afagado e acabado a estuque sobre paredes de alvenaria; execução de rasgos, tapamento de tubos e remoção de entulho; construção parcial da laje, na parte imediatamente superior à passagem automóvel, no seguimento da existente, apoiada na estrutura vertical também existente, até à parede limite, incluindo ligação à estrutura existente, incluindo revestimento e betonilha de regularização nos pavimentos que foram removidos por forma a receber os novos materiais, numa extensão de 105 m2.
24. Na execução dos trabalhos que faltou à ré concluir e executar e na reparação dos defeitos supra referidos, a autora pagou a quantia de € 13.960,635, acrescendo o valor da pastilha que a ré não forneceu, no valor de € 4 520,67.
25. Por conta do preço dos trabalhos já executados e respectivo imposto sobre o valor acrescentado, a autora pagou á ré € 47.324,44; e o preço fixado no contrato celebrado entre a autora e ré para os trabalhos que ainda estavam em falta executar era de € 40 752,68.
26. Para além do mencionado sob 3, a ré efectuou na obra os trabalhos descritos no item 2.1.2 do orçamento, ou seja o enchimento parcial do chão da zona das garagens; descritos no item 1.2.3 al. a) ou seja remoção do portão existente na entrada principal; descritos nos itens 4.4.1 e 4.4.2 ou seja de execução do reboco e emboço na base de assentamento das paredes, embora não na totalidade; descrito no ponto 2.1.1. ou seja, a regularização de todo o pavimento numa extensão de cerca de 1000 m2, com aplicação de betonilha numa área de acerca de 100 m2; elaboração do plano de segurança e saúde da obra e aplicação de betão armado em pilares.
27. A ré efectuou os trabalhos discriminados nos itens 1.2.3 a); 1.5.1; 2.1.1; e 2 referentes à factura n.º 055/040226, facturas estas, emitidas em 30 de Julho de.2004, respectivamente no montante de € 18 341,62 e € 7 737,68 com imposto sobre o valor acrescentado e vencimento no dia 29 de Agosto de 2004.
28. As referidas facturas foram entregues à autora, e a ré tinha a expectativa de obter um lucro mínimo de 10% sobre a totalidade do preço da obra que ia realizar.
29. Os trabalhadores da ré auferem mensalmente, em média, um salário base de € 400.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida tem ou não o direito a exigir da recorrente o pagamento imediato da quantia de € 25 867,41, acrescida de juros de mora.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida;
- quadro legal essencialmente aplicável ao referido contrato;
- incumpriu ou não a recorrida o referido contrato?
- tem ou não a recorrente direito a exigir da recorrida indemnização relativa ao que despendeu com a eliminação dos defeitos e a conclusão da obra?
- quantitativo do direito de crédito da recorrida no confronto da recorrente pelos trabalhos realizados;
- tem ou não a recorrente o direito a suspender o pagamento devido à recorrida com base na excepção de não cumprimento?
Vejamos de per se cada uma das referidas subquestões.
1.
Comecemos pela análise da natureza e dos efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida.
A lei prescreve ser contrato de empreitada aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, mediante um preço, a realizar certa obra (artigo 1207º do Código Civil).
Como a recorrente e CC - Informática de Sistemas e Serviços, SA, declararam, a primeira realizar para a última, mediante um preço, obras de remodelação, ampliação e adaptação de determinado edifício, certo é estarmos perante um contrato de empreitada, em que a primeira figura como empreiteira e a última como dona da obra.
Trata-se de um contrato sinalagmático, porque dele resultaram obrigações para a recorrente como empreiteira, a de realizar a obra, e para CC – Informática de Sistemas, SA, a de pagar àquela o preço convencionado.
Com base no referido contrato, a recorrente, na posição de empreiteira, convencionou com a recorrida, que esta para ela realizasse, mediante o pagamento de € 133 382,78, a obra constante do orçamento que lhe apresentou.
Expressa a lei ser a subempreitada o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou a uma parte dela (artigo 1213º do Código Civil).
Trata-se, pois, de um contrato subordinado a outro que lhe é prévio, um subcontrato, em que o subempreiteiro se apresenta como empreiteiro de outro empreiteiro, e este como se fosse dono da obra, em qualquer caso em tema de obrigação de resultado.
Assim, o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida, ora em análise, é de subempreitada, configurando-se a primeira como se fosse a dona da obra objecto mediato do contrato.
Por via dele, ficou a recorrida vinculada a realizar a parte da obra em causa nos termos convencionados, e a recorrente a pagar-lhe o respectivo preço em conformidade com o volume da obra que ia sendo realizado.
2.
Prossigamos com a análise do quadro legal essencialmente aplicável ao referido contrato.
Aplicam-se ao contrato de subempreitada não só as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis.
O subempreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou aptidão para o respectivo uso ordinário ou previsto no contrato (artigo 1208º do Código Civil).
O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso ou contrário, no acto da aceitação da obra (artigo 1211º, n.º 2, do Código Civil).
No que concerne aos defeitos da obra, verificados depois dela estar acabada, está previsto, nos artigos 1218º a 1226º do Código Civil, para o contrato de subempreitada, um regime específico, que não pode ser afastado pelo regime geral do incumprimento obrigacional.
Mas fora desse quadro específico, designadamente antes do termo da obra convencionada, nada obsta a que se aplique no âmbito do contrato de empreitada o regime geral do cumprimento e do incumprimento das obrigações.
Para além de dever realizar a obra, e de o fazer sem vícios, ou seja, sem as imperfeições que reduzem ou excluem o seu valor ou aptidão para o seu uso ordinário ou previsto no contrato, deve o subempreiteiro operá-la pelo modo e no tempo convencionados.
Aplicando ao incumprimento do contrato de empreitada o referido regime geral do incumprimento obrigacional, dir-se-á, por um lado que, se o subempreiteiro não realizar a sua prestação nos termos referidos, ocorrerá uma situação de inexecução ou de incumprimento lato sensu.
E, por outro que, se a não tiver realizado e já a não puder realizar por virtude de o dono nela ter perdido o interesse ou por a não ter realizado no prazo razoável que lhe fora fixado, estar-se-á perante uma situação de incumprimento definitivo.
Em primeiro lugar, deve o subempreiteiro executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artigo 1208º do Código Civil).
O empreiteiro pode exigir ao subempreiteiro alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra (artigo 1216º, n.º 1, do Código Civil).
Mas o subempreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo da despesa e trabalho e a um prolongamento do prazo para a execução da obra (artigo 1216º, n.º 2, do Código Civil).
Resultando das alterações diminuição de custo ou de trabalho, o empreiteiro tem direito a impor ao subempreiteiro a dedução ao preço estipulado do que em consequência das alterações poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações da sua actividade (artigo 1216º, n.º 3, do Código Civil).
O empreiteiro pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o subempreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra (artigo 1229º do Código Civil).
Prevê este normativo a extinção do contrato de subempreitada, mesmo quando este já esteja em curso de execução, por exclusiva declaração de vontade do dono da obra, dirigida ao empreiteiro, expressa ou tácita, independentemente da natureza da sua motivação.
Fazendo cessar o contrato de empreitada nos termos do aludido normativo, deve o empreiteiro indemnizar o subempreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.
Os referidos gastos são, naturalmente, as despesas com a aquisição de materiais de construção, incorporados ou não, e o valor da mão-de-obra empregue na execução do contrato de empreitada.
O proveito que o subempreiteiro poderia extrair da realização do resto da obra corresponde, não ao preço da obra não realizada, mas ao lucro que poderia obter se a tivesse completado, ou seja, à diferença entre o custo da obra não realizada e o preço para ela convencionado.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios da boa fé envolvente de ambos os contraentes (artigos 406º, n.º 1, e 762º, n.º 2, do Código Civil).
O devedor em geral cumpre a obrigação quando, de boa fé, realiza a prestação a que está vinculado, e não a cumpre quando a não realiza (artigo 762º do Código Civil).
Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação pelo devedor, e a este os factos reveladores de que tal não depende de culpa sua (artigo 799º, n.º 1, do Código Civil).
Verificado o incumprimento do contrato por parte do devedor, assiste ao credor a faculdade da sua resolução, salvo se se tratar de mera situação de mora (artigos 432º, n.º 1 762º, n.º 1, 804º, n.º 2 e 801º, n.º 1, do Código Civil).
Com efeito, expressa a lei, por um lado, que tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento (artigo 801º, n.º 1, do Código Civil).
E, por outro, que se a obrigação tiver por fonte um contrato bilateral, como é o caso vertente, independentemente do direito à indemnização, pode o credor resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a sua restituição por inteiro (artigo 801º, n.º 2, do Código Civil).
O referido normativo é aplicável, por interpretação extensiva, à situação em que o devedor incumpre definitivamente o contrato.
De qualquer modo, a resolução do contrato fundada na lei pressupõe que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento e a outra o tenha cumprido ou diligenciado para o efeito.
Na falta de cumprimento ou inexecução obrigacional lato sensu também se incluem, além da impossibilidade de cumprimento e do incumprimento definitivo propriamente dito, o oriundo da conversão da situação de mora e a recusa categórica de cumprir.
A este propósito, expressa a lei, por um lado, que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida em definitivo a obrigação (artigo 808º, n.º 1, do Código Civil).
E, por outro, que a perda do interesse na prestação por parte do credor é apreciada objectivamente, isto é, à margem das suas meras perspectivas subjectivas (artigo 808º, n.º 2, do Código Civil).
Resulta, assim, dos referidos normativos que, para além da perda do interesse do credor na prestação do devedor em termos de razoabilidade que é própria do comum das pessoas, se uma das partes estiver em situação de mora, tem a outra o direito potestativo de lhe fixar prazo razoável para cumprir a sua obrigação, sob pena de a considerar definitivamente não cumprida.
Nos casos de perda pelo credor do interesse na prestação do devedor ou de não cumprimento pelo último na sequência da referida interpelação admonitória, pode o primeiro exercitar o direito potestativo de resolução do contrato, mediante declaração que chegue ao poder do devedor ou dele seja conhecida (artigos 224º, n.º 1, e 436º, n.º 1, do Código Civil).
3.
Atentemos agora sobre se a recorrida incumpriu ou não o mencionado contrato de subempreitada.
Invocou a recorrente a responsabilidade contratual da recorrida, por um lado, por ter incumprido o contrato celebrado ao abandonar e atrasar a realização dos trabalhos com repercussões no prazo de entrega da obra, e, por outro, por ter realizado alguns defeituosamente.
Resulta dos factos provados, por um lado, que, oito dias antes termo do prazo convencionado pela recorrente e a dona da obra, para a entrega da obra, a recorrida apenas tinha realizado trinta e seis por cento dos trabalhos a que se tinha vinculado.
E, por outro, que parte da obra, ainda em execução, apresentava defeitos - as paredes das instalações sanitárias estavam fora da esquadria, desalinhadas e desaprumadas e a colocação da betonilha no pavimento estava desnivelada.
E, finalmente, que o primeiro dos mencionados defeitos foi verificado pela recorrente enquanto a recorrida operava na realização da obra, e o último depois disso, ou seja, depois de ter sido impedida de nela operar.
Temos, assim, que a uma semana do termo do prazo de entrega da obra, a recorrida só tinha realizado trinta e seis por cento dos trabalhos que constituíam o objecto mediato do contrato de subempreitada.
Todavia, houve atrasos na realização dos trabalhos que à recorrida não podem ser imputados, visto que resultaram de circunstâncias ligadas à dona da obra, relacionadas com a obtenção de licenças.
Além disso, os factos provados não revelam que a recorrida já não conseguia terminar os trabalhos a que se vinculou em prazo consentâneo com a entrega pela recorrente da obra à respectiva dona.
A recorrida, quando a recorrente lhe comunicou a resolução do contrato e a proibiu de continuar a operar na obra, não estava em situação de incumprimento ou mora, no que concerne à realização da sua prestação, incluindo a correcção dos defeitos, certo que não havia sido intimada pela recorrente para os corrigir.
Em termos objectivos, não revelam os factos provados ter a recorrente perdido o interesse na prestação da recorrida, não obstante a ter terminado por via de recurso a diverso subempreiteiro, além de que a primeira não concedeu à última prazo razoável para a correcção dos mencionados defeitos.
Não se configurava, por isso, o incumprimento definitivo pela recorrida do contrato de subempreitada celebrado com a recorrente justificativo da sua resolução (artigos 801º, nº 1 e 808º do Código Civil).
Todavia, a recorrente comunicou à recorrida resolução do contrato subempreitada em causa, visando, assim, por sua exclusiva iniciativa, destruir aquela da relação contratual.
Mas o referido direito de resolução dependia de se verificar, para o efeito, fundamento legal bastante, seja de origem contratual ou legal (artigo 432º, nº 1, do Código Civil).
Nem há fundamento convencional nem legal que sustente a referida declaração imputável à recorrente em termos de ser susceptível de implicar a destruição da mencionada relação jurídica contratual.
Por isso, está a referida declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida afectada de nulidade (artigos 280º, nº 1, 295º e 432º, nº 1, do Código Civil).
Em consequência, não pode relevar, em termos de produção do efeito de destruição do contrato de subempreitada, a declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida.
Releva, porém, conforme foi considerado no acórdão recorrido, como desistência tácita do contrato de subempreitada (artigos 217º, nº 1 e 1229º do Código Civil).
Por isso, tendo em conta que a recorrida foi impedida pela recorrente de continuar a executar a obra, fosse para a terminar, fosse para corrigir os defeitos, a conclusão é no sentido de que não incumpriu o contrato de subempreitada em causa.
4.
Vejamos agora se a recorrente tem ou não o direito de exigir da recorrida indemnização relativa ao que despendeu com a eliminação dos defeitos e a conclusão da obra.
A recorrente invoca ter direito a exigir da recorrida indemnização correspondente aos valores que despendeu com a reparação dos defeitos e com a execução dos trabalhos que ela devia realizar e que não realizou.
Invoca, ao que parece, um direito de indemnização no quadro da responsabilidade civil contratual.
Os pressupostos da referida obrigação de indemnização são o facto ilícito contratual, a culpa do agente – na espécie presumida ou dispensada – o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele facto (artigos 483º, nº 1, 562º, 563º, 798º, 799º, nº 1 e 800º, nº 1, do Código Civil).
Tal como foi considerado nas instâncias, trata-se de defeitos de construção que implicavam a inaptidão dos trabalhos no confronto do respectivo fim, mas que, pela sua natureza, podiam ser eliminados.
Conforme acima se referiu, não podia a recorrente resolver o contrato de subempreitada celebrado com a recorrida, por falta de fundamento legal, significando, conforme já se referiu, a proibição de continuação com os trabalhos que a primeira dirigiu à
última a desistência do contrato de subempreitada.
Impedida de continuar na execução dos trabalhos convencionados por acção da recorrente, que pôs termo ao contrato de subempreitada, podendo, se os continuasse, corrigir os defeitos acima referidos, não lhe é imputável algum facto ilícito contratual censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Não se constituiu, por isso, a recorrida na obrigação de indemnizar a recorrente pelo referido dispêndio no quadro da responsabilidade civil contratual pela última invocada no confronto da primeira.
Não tem, por isso, a recorrente direito a exigir da recorrida indemnização correspondente ao que despendeu na realização, por terceiro, dos trabalhos que a última não terminou, incluindo a correcção dos defeitos acima mencionados.
5.
Atentemos agora no quantitativo do direito de crédito da recorrida no confronto da recorrente relativamente aos trabalhos pela primeira realizados no âmbito do contrato de subempreitada.
A recorrente põe em causa a sua obrigação de pagamento do valor do plano de segurança e saúde e dos trabalhos em betão armado em pilares, e está assente que esses trabalhos não constavam do orçamento.
A recorrida pediu, em reconvenção, a condenação da recorrente no pagamento do preço concernente a tal serviço, mas esta entende não o dever ser por virtude de não os ter solicitado.
No tribunal da primeira instância, considerou-se serem trabalhos novos, incluídos na obrigação de pagamento da recorrente, por não ter sido provado não terem sido solicitados pela recorrente.
A Relação, sob a ideia de proibição de reformatio in pejus, referindo que a recorrente não pusera em causa a sua obrigação de pagar à recorrida o preço dos trabalhos por ela realizados, salvo os operados com defeitos, mas que esta matéria estava prejudicada pelo que a propósito decidira, manteve, nesta parte, o decidido no tribunal da primeira instância.
Todavia, no recurso de apelação, a recorrente impugnou a decisão do tribunal da primeira instância no que concerne à sua condenação no pagamento à recorrida dos trabalhos de elaboração do plano de segurança e saúde e de aplicação em pilares de 5,55 metros cúbicos de betão armado.
E invocou, no referido recurso de apelação, tal como o fez no recurso de revista, violação das regras do ónus de prova constantes no artigo 342º, nº 1, do Código Civil.
Independentemente da posição da Relação neste ponto, impõe-se-nos, nesta sede, aplicar o regime jurídico adequado aos factos que estão fixados pelas instâncias (artigo 729º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O objecto do contrato de subempreitada em causa está definido no texto do orçamento, que dele faz parte integrante, no qual não constam os mencionados plano de segurança e saúde nem os trabalhos em betão armado em pilares.
Conforme já se referiu, a recorrente podia exigir à recorrida a alteração do plano convencionado, desde que o seu valor não excedesse a quinta parte do preço estipulado e não houvesse modificação da natureza da obra (artigo 1216º, nº 1, do Código Civil).
Nessa hipótese, teria a recorrida direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho e a prolongamento do prazo de conclusão da obra (artigo 1216º, nº 2, do Código Civil).
Importa, porém, atentar no regime legal de alterações ao plano convencionado por iniciativa do subempreiteiro no confronto do empreiteiro face ao quadro de facto assente nas instâncias.
A regra é no sentido de que o subempreiteiro não pode, sem autorização do empreiteiro, fazer alterações ao plano convencionado (artigo 1214º, nº 1, do Código Civil).
A obra alterada sem autorização do empreiteiro – correspondente ao dono da obra - é havida como defeituosa; mas se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento do preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa (artigo 1214º, nº 2, do Código Civil).
No caso de ter sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o subempreiteiro só pode exigir do empreiteiro - correspondente ao dono da obra – indemnização equivalente ao enriquecimento deste último (artigo 1214º, nº 3, do Código Civil).
O ónus de prova de que a recorrente exigiu à recorrida a realização dos mencionados trabalhos, por se tratar de facto constitutivo do direito de crédito que invocou, à última incumbia (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
Ora, como a recorrida não cumpriu o mencionado ónus de prova, a consequência é no sentido de que não pode fazer valer contra a recorrente esta parcela de direito de crédito que invocou no seu confronto.
Resulta dos factos provados que o valor dos mencionados serviços se cifra em € 2 456, 25.
Em consequência, a quantia devida pela recorrente à recorrida, não é de 25 867,41 e os juros, mas de € 23 411,16, acrescida dos juros considerados nas instâncias.
6.
Vejamos agora se a recorrente tem ou não o direito de recusar o pagamento devido à recorrida com base na excepção de não cumprimento.
Alegou a recorrente, com base na excepção de não cumprimento do contrato, que, por ter denunciado os defeitos da obra, tinha o direito de recusar o pagamento do preço, por virtude de a recorrida não ter executado a obra nas condições convencionadas.
A lei prescreve que se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (artigo 428º, nº 1, do Código Civil).
É uma excepção dilatória de direito material, um contra-direito no confronto do do autor ou do reconvindo, com a virtualidade de o paralisar temporariamente, medida em que se assume como excepção peremptória (artigos 487º, nº 2 e 493º, nº 3, do Código de Processo Civil).
São seus pressupostos, o contrato bilateral, a desobrigação do excipiente de prestar previamente e não oferecimento simultâneo da prestação pela outra parte, implicando essencialmente a sua procedência a dilação temporal do cumprimento da respectiva obrigação por uma das partes até ao momento do cumprimento da respectiva obrigação pela outra.
A recorrente invoca um direito de não cumprimento da obrigação de pagamento do preço com fundamento na existência de defeitos de construção que a recorrida não reparou.
Funciona no contexto dos contratos do tipo que aqui está em causa, designadamente no caso de cumprimento defeituoso, sob a designação usada pela doutrina de exceptio non rite adimpleti contractus, susceptível de exercitação após o empreiteiro ter denunciado o defeito e exigido a sua eliminação.
Todavia, conforme já se referiu, foi a recorrente quem inviabilizou, proibindo-lhe o acesso à obra, a continuação da recorrida na sua execução, sem fundamento legal, porque a última não estava ainda incursa em incumprimento contratual, incluindo a situação de mora.
E, na sequência disso, sem exigir à recorrida a reparação dos defeitos em causa, optou pela via de ela própria assumir, através de outrem, a sua reparação.
Perante este quadro de não incumprimento contratual por parte da recorrida, não pode o instituto da excepção justificar a suspensão da obrigação da recorrente de pagar à recorrida o preço dos trabalhos que efectivamente para ela realizou e eram objecto do contrato de subempreitada.
7.
Finalmente a síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei aplicável.
A recorrente e a recorrida celebraram um contrato de subempreitada, em que a primeira funcionou como se fosse a dona da obra que contratou com terceiro, e a última como subempreiteira.
A recorrida ficou vinculada a realizar para a recorrente os trabalhos de construção civil e a última a pagar-lhe o respectivo preço por tranches correspondentes ao volume de construção empreendido, nos termos entre ambas convencionados.
São aplicáveis ao referido contrato, não só as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aquelas se não revelem incompatíveis.
A recorrente inviabilizou a possibilidade de a recorrida continuar os trabalhos a que se vinculou, a última não incumpriu o contrato de subempreitada, pelo que aquela não tem o direito de lhe exigir indemnização relativa ao que despendeu, sob contratação de outrem, com a eliminação dos defeitos e a conclusão da obra.
O valor devido pela recorrente à recorrida não abrange o custo concernente ao plano de segurança e saúde e aos trabalhos em betão armado em pilares, porque a última não provou terem sido pela primeira exigidos ou autorizados.
Não tendo a recorrida incumprido o contrato de subempreitada, não tem a recorrente direito a suspender o pagamento devido à recorrida com base na excepção de não cumprimento - exceptio non rite adimpleti contractus.
Procede apenas parcialmente o recurso.
Vencidas, são a recorrente e a recorrida responsáveis pelo pagamento das custas, na proporção do vencimento, em relação aos recursos e à sentença (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dá-se parcialmente provimento ao recurso, fixando-se o valor do capital devido pela recorrente à recorrida no montante de vinte e três mil, quatrocentos e onze euros e dezasseis cêntimos, mantendo-se no restante o decidido nas instâncias, e condenam-se uma outra no pagamento das custas relativas aos recursos e à sentença na proporção do vencimento.
Lisboa, 07 Fevereiro de 2008.
Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021263
Nº Convencional: JTRP00030804
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: CONDOMÍNIO
PARTE COMUM
OCUPAÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RP200101300021263
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 388-B/99
Data Dec. Recorrida: 26/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: CPC95 ART381 N2.
Sumário: É justificada e de manter a providência cautelar que ordenou, a pedido do administrador do condomínio, que o requerido desimpedisse o corredor que ocupa do centro comercial de certo edifício, deixando-o livre de mesas e cadeiras e demais objectos que nele possua, corredor que é parte comum e cuja ocupação, é expressamente proibida pelo Regulamento do Condomínio devidamente aprovado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/51e178865bcdccb480256f90003d68e4?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021775
Nº Convencional: JTRP00030814
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: COMODATO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP200101300021775
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV V N GAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 1027/99
Data Dec. Recorrida: 26/09/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1129 ART1140.
Sumário: I - Para se poder falar em justa causa de resolução por desnecessidade da casa, era necessário que o Autor tivesse alegado e provado que emprestou a casa à Ré para satisfazer a sua necessidade de habitação.
II - O facto de a comodatária ter deixado de viver na casa, ignorando-se a razão da ausência, não permite concluir pela desnecesssidade da casa e consequente justa causa de resolução do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/46bc11c6f747957580256f9000542d0f?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021629
Nº Convencional: JTRP00030765
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
PRAZO
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Nº do Documento: RP200101300021629
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 7J
Processo no Tribunal Recorrido: 1220/97-1S
Data Dec. Recorrida: 01/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART508-A N1 D N2 A C ART512-A.
Sumário: I - A indicação dos meios de prova pelas partes, havendo audiência preliminar, terá de ser efectuada no âmbito da mesma, só o não sendo quando alguma das partes, por fundadas razões, requerer a sua apresentação posterior, e, sendo deferido, deve logo fixar-se prazo para o efeito.
II - O tribunal, na audiência de julgamento, não tem que ordenar a inquirição das testemunhas constantes de rol que, por intempestivo, foi mandado desentranhar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/46dbda92dc2be94680256f9000543ea5?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021825
Nº Convencional: JTRP00030813
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: ARRENDAMENTO
SUBLOCAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
REGIME APLICÁVEL
REVOGAÇÃO
EFEITOS
CADUCIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
SENHORIO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP2001010021825
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG195
Tribunal Recorrido: T J PESO RÉGUA
Processo no Tribunal Recorrido: 33-A/93
Data Dec. Recorrida: 09/10/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART12 N1 N2 ART1037 ART1038 F G ART1060 ART1061 ART1093 N1 F ART1102 ART1103 ART1285.
CPC67 ART986 N2 B ART1037.
CPC95 ART351.
D 5411 DE 1919/04/17 ART31 ART32.
L 1662 DE 1924/09/04 ART5 PAR6 ART7.
L 2030 DE 1948/06/22 ART59 N2 ART61 N1 N2 N3.
RAU90 ART3 ART44 ART45 ART60 N2 B ART64 N1 F.
Sumário: I - A revogação operada pelo artigo 3 do Decreto-Lei n.321-B/90, de 15 de Outubro (Regime do Arrendamento Urbano), não apagou da ordem jurídica os efeitos já produzidos pelas sublocações realizadas à sombra da lei vigente ao tempo e o regime instituído de novo só visa os factos produzidos posteriormente.
II - Antes da Lei n.2030, de 22 de Junho de 1948, a cláusula permissiva (no contrato de arrendamento) de sublocação dispensava a notificação ao senhorio da concreta sublocação efectuada ao abrigo de tal cláusula.
III - As sublocações efectuadas, válidas e eficazes em relação ao senhorio, não caducam com a extinção do arrendamento por resolução do respectivo contrato fundado, além do mais, justamente na ilicitude delas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1897ff4fb346f0b380256f93004297c0?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021072
Nº Convencional: JTRP00030776
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
FORMA
OBRIGAÇÕES
PREÇO
PAGAMENTO
RESPONSABILIDADE
DANO
TRANSITÁRIO
SEGURO
SEGURADORA
JUROS DE MORA
TAXA DE JURO
Nº do Documento: RP200101300021072
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 577/96
Data Dec. Recorrida: 17/02/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR COM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N1.
DL 43/83 DE 1983/01/25 ART1.
DL 46235 DE 1965/03/18.
Referências Internacionais: CONV CMR ART4 ART6 N1 N2 ART17 ART22 §1 §2.
Sumário: I - O contrato de transporte de mercadorias é aquele em que uma pessoa profissional se obriga a transferir alguma coisa de um lugar para o outro.
II - Este contrato supõe ordinariamente três entidades: a que incumbe o transporte (o expedidor), a que se encarrega dele (o transportador) e a pessoa a quem os objectos são destinados (o destinatário).
III - Tal contrato, quando submetido à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei n.46235, de 18 de Março de 1965, reveste, em princípio, a forma escrita: a declaração de expedição.
IV - Todas as indicações contidas na declaração de expedição (quer obrigatórias, quer facultativas - artigo 6 ns.1 e 2 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada) podem ser, no entanto, de ordem verbal.
V - Da análise das indicações mencionadas no artigo 6 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada verifica-se que deriva para o transportador, como obrigação principal, a de realizar a deslocação da mercadoria e fazer a sua entrega ao destinatário e para o expedidor, como obrigação principal, o pagamento do preço.
VI - O pagamento do preço pode ter as modalidades de "transporte pago" (o frete é pago pelo expedidor antes da partida e o transportador está autorizado a suspender toda a execução antes da liquidação do frete) ou de "expedição com transporte em débito" (o devedor normal do frete é o destinatário, mas o transportador pode, no caso de recusa, dirigir-se ao expedidor para o seu pagamento).
VII - Na modalidade de expedição com transporte em débito podem as partes acordar que a expedição é feita "contra reembolso", isto é, o transportador compromete-se a não entregar a mercadoria ao destinatário se este não pagar a soma que o expedidor lhe indicou.
VIII - O transportador, ao assumir a obrigação de realizar a deslocação prometida constitui-se em responsabilidade pelos danos causados pelo transporte - artigo 17 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada.
IX - A actividade "transitária" definida no artigo 1 do Decreto-Lei n.43/83, de 25 de Janeiro, não se confunde com a actividade do transportador, não obstante, na prática, muitas empresas, serem simultaneamente transportadoras e transitárias.
X - A seguradora que fez um seguro de "operador transitário" não responde pelo não cumprimento de um contrato de transporte que a segurada contratou com outrem.
XI - À indemnização por incumprimento do contrato de transporte de mercadorias é aplicável a taxa de juros de 5%, referida no artigo 27 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, quer o pagamento seja efectuado em escudos quer em moeda estrangeira.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ebb6a248fd54841780256f93004ca186?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021500
Nº Convencional: JTRP00030780
Relator: PELAYO GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
PRIORIDADE DE PASSAGEM
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Nº do Documento: RP200101300021500
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 373/99
Data Dec. Recorrida: 26/10/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART506 ART570 N1.
CE94 ART8 ART24 N1 ART27 ART35 N1.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1975/12/12 IN BMJ N254 PAG233.
Sumário: I - O direito de prioridade previsto no artigo 8 do Código da Estrada de 1994 e no artigo 29 do Código da Estrada de 1998, não é absoluto, pois importa, para o beneficiário a adopção das precauções indispensáveis a evitar acidentes, pressupõe a simultaneidade de chegada às praças, cruzamentos e entroncamentos, e é consentâneo com a sua própria renúncia.
II - O facto das regras de prioridade não serem absolutas não implica que sobre o condutor que é obrigado a conceder a prioridade de passagem não impenda um especial dever de prudência, enquanto, diferentemente, ao condutor que goza do correspondente direito apenas se exige um grau normal de diligência e atenção.
III - No acidente entre um automóvel que segue com velocidade excessiva numa estrada com prioridade e um outro que entra lentamente nessa estrada, vindo de outra, e vira à esquerda, dando-se o embate entre a frente do primeiro e a retaguarda do segundo, há concorrência de culpas de ambos os condutores na proporção de 70% relativamente ao primeiro e 30% em relação ao segundo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aba7cfced4d9e9ee802580890064626d?OpenDocument |
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045346
Data do Acordão:18/08/1999
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PROVA
PRÁTICA DO ACTO
Sumário:I - Em recurso jurisdicional da sentença atinente a pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo, o objecto do recurso abrange não só o conteúdo da sentença sob recurso como também o pedido de suspensão formulado.
II - Em tal recurso deve ser rejeitado o pedido de suspensão de eficácia, com prejuízo do conhecimento do mérito da sentença, relativamente a acto administrativo de que não foi levada a efeito qualquer comprovação da sua prática por parte da entidade requerida.
Nº Convencional:JSTA00052528
Nº do Documento:SA119990818045346
Data de Entrada:06/08/1999
Recorrente:ALMEIDA , MARGARIDA
Recorrido 1:MINE
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO SUSPEFIC.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC42790 DE 1997/10/30.
Texto Integral
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80fd87f16f03802080256f93004b1d42?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0020293
Nº Convencional: JTRP00030807
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
DECLARATÁRIO
BOA-FÉ
TRANSACÇÃO JUDICIAL
NULIDADE
Nº do Documento: RP200101300020293
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J BARCELOS
Processo no Tribunal Recorrido: 31-B/92
Data Dec. Recorrida: 13/07/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ART236 N1 N2 ART238 N1 N2 ART280.
Sumário: I - Quando o artigo 239 do Código Civil se refere à vontade hipotética das partes tal deve entender-se como vontade psicológica ou do homem empírico, mas como um critério normativo - como um critério de razoabilidade e de boa fé, como vontade do homem normativo e razoável.
II - A boa fé obriga o declaratário a procurar entender a declaração como o faria um declaratário normal colocado na sua situação concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e às que seriam conhecidas por um tal declaratário, de modo a determinar, através desses elementos, o sentido querido pelo declarante.
III - Sendo o objecto de uma transacção judicial, com o sentido que o seu texto comporta dentro dos ditames da melhor interpretação, violador de disposições legais imperativas, legalmente impossível por contrário à ordem pública e à lei, que lhe opõe um obstáculo de verificação e existência, necessariamente que o mesmo tem de ser considerado nulo ao abrigo do artigo 280 do Código Civil.
IV - Porque o objecto da transacção, conforme a sua cláusula "entre o muro a construir no sentido jusante montante e a margem exterior do exterior do Rio, no percurso que conduz à Azenha será respeitada a largura mínima de 3 metros", é impossível por ilegal - a Câmara Municipal recusou a licença de construção do muro a menos que este se situe, no mínimo, a 5 metros da linha da margem, com base em parecer dos serviços competentes - a transacção é nula nos termos do artigo 280 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e7412dc86b8a789b80256f9300541d3a?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021605
Nº Convencional: JTRP00030809
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PRÉDIO INDIVISO
VENDA JUDICIAL
ANÚNCIO
Nº do Documento: RP200101300021605
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PONTE LIMA 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 82-A/95
Data Dec. Recorrida: 14/11/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC ESP.
Legislação Nacional: CPC67 ART1060 ART463 N2 ART890 N4.
Sumário: Nos editais e anúncios para dar publicidade à venda judicial de prédio indiviso a lei apenas exige a sua identificação sumária, não sendo necessário descrevê-lo com todo o pormenor; é apenas necessário que se refiram os seus elementos principais, tais como o lugar onde se situa e suas confrontações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/92c6ce7fdc8e839680256f9300580b7c?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021692
Nº Convencional: JTRP00030772
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ARROLAMENTO
INVENTÁRIO
DESCRIÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RP200101300021692
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ARMAMAR
Processo no Tribunal Recorrido: 42-A/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC INVENT.
Legislação Nacional: CPC95 ART421 N1 N2 ART426 N3.
Sumário: Tendo sido arrolado certo bem, sem qualquer oposição, não pode, em sede de inventário, discutir-se a propriedade do bem em causa, uma vez que o auto de arrolamento serve de descrição no inventário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/92300b02cf47099080256f9300580f91?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021499
Nº Convencional: JTRP00030764
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
COMISSÃO
PAGAMENTO
PROVAS
Nº do Documento: RP200101300021499
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 6 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 193/98-1S
Data Dec. Recorrida: 16/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 285/92 DE 1992/12/19 ART10.
CCIV66 ART221 ART222 ART393 ART394.
Sumário: A lei não obriga a que a prova do pagamento da comissão devida à entidade mediadora só possa ser feita documentalmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ea8216c40773b82680256f8e003d1084?OpenDocument |
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
451/21.7POLSB-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
PRESSUPOSTOS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
A providência de habeas corpus não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs., do CPP).
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça:
A) AA, melhor identificado nos autos, requereu a presente providência de habeas corpus em requerimento subscrito por mandatária e onde afirma:
«1. Em 30 de Maio de 2022, foi o Requerente preso preventivamente, após recurso do M.P, e decisão da Relação de Lisboa, em que lhe alterou a medida da coação de apresentações periódicas, que o Requerente sempre cumpriu para a medida de Prisão preventiva, sem obstar que caso houvessem condições, lhe fosse atribuída a prisão domiciliária.
2. Foi elaborado o pedido pelo Requerente em 12/09/2022 com toda a documentação necessária e requerida nos termos da lei, para a alteração da Medida de Coação de Prisão preventiva, para a de permanência na habitação em fiscalização por meios técnicos de controlo a distância de acordo com o disposto no Artigo 43º, nº 1 al. a) do C.P.. E,
3. Em 29/09/2002 foi indeferida a pretensão do Requerente, pelo Tribunal de Instrução Criminal Juiz-..., por considerar que não ocorreram alterações significativas nos pressupostos desta medida e acrescenta (…), continuando (…) “Por isso a eficácia do caso julgado da decisão qua a aplica, dada a particular natureza das exigências que a justificam e presunção de inocência do Arguido não é absoluta dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão, (Ac. Da Relação do Porto de 7 de Jan. de 98 BMJ nº 473, pag 564).
4. Com o devido respeito, esta decisão baseia-se num Acordão que nada tem a ver com o caso concreto, o Acordão refere-se a um caso de revisão de sentença de caso julgado.
5. Para além da Sentença, ter um fundamento falso, “uma cópia de um Acordão” que não se aplica nesta fase do processo; requerimento de alteração da medida de Coação por ser demasiado gravosa, viola o princípio da presunção de inocência do arguido artigo 32º nº 2 CRP, artº 202º nº 1, nº 2 CRP.
6. Sendo a prisão preventiva a última ratio do processo penal, dever-se-á sempre nortear pelo princípio da adequação e proporcionalidade, artigo 196º e 204º CPP.
7. Acresce ainda que desde 29/09/2022, data da última avaliação da prisão preventiva, não mais foi avaliada a medida da pena preventiva, não sendo reexaminadas de acordo com o estipulado no artigo 213º nº 1 al. a) do CPP.
8. Pelo que se encontra o Requerente, neste momento em Prisão ilegal.
9. O artigo 28º, nº 4 da CRP, confere os prazos máximos da de Prisão preventiva de imperativo Constitucional
10. Deste modo é indubitável que a situação do Arguido é coincidente com preceito supra transcrito
11. O Arguido encontra-se preso preventivamente sem terem sido reexaminadas a medida da pena de coação, de acordo com o estipulado no artigo 213º nº 1 al. a) do CPP, sendo que há mais de três meses que foi efectuada a última reapreciação.
12. Nestes termos, encontramos fundamentos bastantes quer de Facto, quer de Direito par(a) que a presente providência seja procedente.
13. De fac(t)o o Requerente encontra-se numa situação que peca por idoneidade processual e por ser actual, legitima o seu pedido de Habeas Corpus.
14. Vejamos a este propósito o vertido no Acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 1997: “ Um pedido de Habeas Corpus respeitante a uma prisão determinada por decisão só poderá ter provimento em casos estremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação do Direito (manutenção da prisão para dos prazos legais ou fixados por decisão judicial), prisão por facto pelo qual a lei a não admita (…)”
15. Como no caso em crise por violação do estipulado no Artigo 213º nº 1 al. a).
16. O Estipulado no artigo supra citado não foi cumprido, pelo que, a sua libertação é imperativa e urgente, nos termos do Artigo 222º do CPP.
Nestes termos e nos mais de Direito deve, a presente providência de Habeas Corpus proceder, sendo declarada a ilegalidade da prisão e, consequentemente, ordenada a imediata libertação do requerente».
B) O Mº juiz do Juízo Central Criminal ..., J..., prestou a informação a que alude o artº 223º, nº 1 do CPP, nos seguintes termos:
«a) A 1-7-2021, o arguido AA foi apresentado a interrogatório judicial de arguido detido e tendo-se considerado estar indiciada a prática pelo mesmo de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.º e132.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, por despacho proferido na mesma data decidiu-se impor àquele as seguintes medidas de coação:
— Termo de identidade e residência que já prestou;
— Obrigação de apresentação trisemanal no órgão de polícia criminal da sua área de residência;
— Proibição de contactar com os demais ofendido seu pai, bem como, se descolar à sua residência ou sua mediação;
—Proibição de se ausentar do concelho ..., área onde reside.
b) O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por douto acórdão proferido a 21-4-2022, decidiu revogar o despacho recorrido e determinou a aplicação ao arguido AA da medida de coação de prisão preventiva.
c) Nesta sequência, a 16-5-2022, o Tribunal Central de Instrução Criminal proferiu despacho em que, para além do mais, determinou que, perante o decidido no douto acórdão, fosse passado mandado de detenção e condução do arguido, para que este aguardasse os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.
d) O arguido AA veio a ser detido a 30-5-2022, data em que passou a estar preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
e) A 30-8-2022, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, o Tribunal Central de Instrução Criminal procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo manter tal medida de coação.
f) O arguido não interpôs recurso deste despacho.
g) A 2-9-2022, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
h) A 5-9-2022, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o Tribunal Central de Instrução Criminal procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo manter aquela medida de coação.
i) A 13-9-2022, o arguido AA requereu a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, pretensão indeferida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal a 27-9-2022.
j) Distribuídos os autos a este Juiz a 17-10-2022, aquando da prolação do despacho a que aludem os artigos 311.º e 311.º-A do Código de Processo Penal (18-10-2022), procedeu-se ao reexame dos pressupostos da medida e decidiu-se que o arguido continuaria a aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeito a prisão preventiva.
k) Deste despacho – parece – interpôs recurso o arguido – fls. 513 521. l) O recurso foi oportunamente admitido – fls. 533.
m) Apresentada resposta pelo Ministério Público, pugnando pela rejeição do recurso por indeterminação do seu objeto – fls. 567 571vº – o recurso subiu imediatamente e em separado para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa a 24-11-2022 – fls. 572 573 – não existindo ainda decisão conhecida.
n) Na mesma data desceram desse Colendo Tribunal os autos de Habeas Corpus n.º 451/21.7POLSB-B, nos quais, por douta decisão de 2-11-2022, foi indeferida a petição, por manifestamente infundada – fls. 56 66 do mencionado Apenso.
o) Entretanto, foi admitida a contestação, o rol de testemunhas e a prova documental apresentados pelo arguido e designada data para a realização da audiência de julgamento – fls. 576 577.
p) O arguido mantém-se, portanto, em prisão preventiva.
q) O próximo reexame dos pressupostos da prisão preventiva ocorrerá em data anterior a 18-1-2023, salvo circunstâncias supervenientes que o exijam em data anterior.
r) A este propósito, há a referir que inexistem circunstâncias de semelhante natureza, declinando-se na petição de habeas corpus argumentação já analisada e rebatida em anteriores decisões – mormente a doutamente prolatada em anterior e idêntica providência (Apenso B).
s) Cotejado o artigo 215.º, n.º 2, proémio, com referência ao artigo 1.º, alínea j), ambos do Código de Processo Penal, o prazo de duração máxima da prisão preventiva atinge-se, sem que haja condenação em 1.ª instância, a 30-11-2023».
C) Convocada a Secção Criminal deste Supremo Tribunal e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.
A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.
Com interesse para a decisão desta providência, mostram-se assentes (em razão da certidão com que vêm instruídos estes autos) os seguintes factos:
1. A 1/7/2021, o ora requerente foi apresentado a interrogatório judicial de arguido detido e tendo-se considerado estar indiciada a prática pelo mesmo de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 131.º e132.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, por despacho proferido na mesma data decidiu-se impor àquele as seguintes medidas de coação:
— Termo de identidade e residência;
— Obrigação de apresentação trissemanal no órgão de polícia criminal da sua área de residência;
— Proibição de contactar com o ofendido seu pai, bem como de se descolar à sua residência ou sua imediação;
—Proibição de se ausentar do concelho ..., área onde reside.
2. O Ministério Público interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por douto acórdão proferido a 21/4/2022, decidiu revogar o despacho recorrido e determinou a aplicação ao requerente da medida de coação de prisão preventiva.
3. Nesta sequência, a 16/5/2022, o Tribunal Central de Instrução Criminal proferiu despacho em que, para além do mais, determinou que, perante o decidido no douto acórdão, fosse passado mandado de detenção e condução do arguido, para que este aguardasse os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.
4. O arguido e ora requerente veio a ser detido a 30/5/2022, data em que passou a estar preso preventivamente à ordem dos presentes autos.
5. A 30/8/2022, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, o Tribunal Central de Instrução Criminal procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo manter tal medida de coacção; o arguido não interpôs recurso deste despacho.
6. A 2/9/2022, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
7. A 5/9/2022, ao abrigo do disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o Tribunal Central de Instrução Criminal procedeu ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo manter aquela medida de coação.
8. A 13/9/2022, o arguido e ora requerente requereu a substituição da medida de coação de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, pretensão indeferida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal a 27/9/2022.
9. Distribuídos os autos ao Juízo Central Criminal ..., J..., a 17/10/2022, aquando da prolação do despacho a que aludem os artigos 311.º e 311.º-A do Código de Processo Penal (18/10/2022), procedeu-se ao reexame dos pressupostos da medida e decidiu-se que o arguido continuaria a aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeito a prisão preventiva.
10. Deste despacho interpôs recurso o arguido, ora requerente, o qual foi oportunamente admitido e subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa a 24/11/2022, não existindo ainda decisão conhecida.
11. Na mesma data desceram do Supremo Tribunal de Justiça os autos de Habeas Corpus n.º 451/21.7POLSB-B, nos quais, por acórdão de 2/11/2022, foi indeferida a petição, por manifestamente infundada.
12. O arguido mantém-se em prisão preventiva.
“Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”, assim se dispõe no artº 31º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
E, nos termos do estatuído no artº 222º, nº 1 do CPP, “a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus”.
A petição, como se prescreve no nº 3 do mesmo dispositivo, deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
“a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.
O requerente aguarda o desenrolar do processo em situação de prisão preventiva, desde 30/5/2022, na sequência e em cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora.
Se bem entendemos o seu articulado, fundamenta o seu pedido de libertação imediata no facto de, segundo alega, a situação de prisão preventiva em que se encontra não ser objecto de revisão desde 27/9/2022 (a referência a um despacho de 29/9/2022 resultará, cremos, de mero lapso), desta forma se verificando uma violação do estatuído no nº 1 do artº 213º do Cod. Proc. Penal.
É certo que nos primeiros artigos da sua petição faz alusão ao despacho proferido precisamente em 27/9/2022, que desatendeu o seu pedido de substituição da medida de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Fá-lo, invocando a presunção de inocência de que goza e afirmando que a prisão preventiva decretada não é conforme aos princípios da adequação e proporcionalidade que devem presidir à aplicação das medidas de coacção.
Não nos parece, porém, que pretenda estribar o seu pedido de habeas corpus em tal fundamento.
Como é evidente, dispensa grandes considerações e é naturalmente do conhecimento do requerente, que se mostra representado por advogada, o habeas corpus é uma providência “destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação” [1].
Mas “não constitui um recurso sobre actos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs., do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade” – Ac. deste STJ de 12/12/2019, proferido no Proc. 1084/19.3PWLSB-A.S1, da 5ª secção [2].
Ou, dito de outro modo: “A providência excepcional de habeas corpus não se substitui nem pode substituir‑se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere — mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art. 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal — aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite». Não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e a correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele expediente só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários: justamente, os casos indiscutíveis ou de flagrante ilegalidade, que, por serem‑no, permitem e impõem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante de serem portadoras da chancela do Mais Alto Tribunal, e, por isso, sem remédio” - Ac. STJ de 1/2/2007, Proc. 07P353, rel. Pereira Madeira).
E daí, portanto, que o pretenso erro de que alegadamente enferma o despacho proferido em 27/9/2022 jamais pudesse fundamentar este pedido de habeas corpus.
Posto isto:
Não se mostra questionada – nem vemos que, no caso, o pudesse ter sido – a competência da entidade que ordenou a prisão preventiva – artº 222º, nº 2, al. a) do CPP.
Como, de igual modo, nos parece inegável que a prisão preventiva foi motivada por facto pelo qual a lei o permite (como consta da informação prestada ao abrigo do disposto no artº 223º, nº 1 do CPP, os factos indiciados e por cuja autoria o arguido já se encontra, aliás, acusado, integram a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artºs 23º, nº 2, 73º, nº 1, als. a) e b), 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. a), todos do Cod. Penal, e aí punido com prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses) – artº 222º, nº 2, al. b) do CPP.
Aparentemente, o requerente estriba a sua pretensão na al. c) do nº 2 do artº 222º do CPP (manter-se a prisão “para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”).
E isto porque, segundo afirma, a medida de coacção a que se encontra sujeito não é objecto de reapreciação desde 27/9/2022.
Porém, salvo o devido respeito por melhor opinião, sem qualquer razão.
Nos termos do disposto no artº 213º, nº 1 do CPP, “o juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas:
a) No prazo máximo de três meses a contar da sua aplicação ou do último reexame; (…)”.
Sem, sequer, curar de saber se a omissão do reexame trimestral pode constituir fundamento de habeas corpus [3], a verdade é que, como supra referido, a medida de coacção a que o requerente se encontra sujeito foi objecto de reapreciação em 18/10/2022, no despacho em que foi recebida a acusação [4].
E que o requerente tem conhecimento de tal reapreciação é tão evidente quanto é certo que interpôs recurso dessa decisão, o qual foi admitido e subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Daí que ainda não tenham decorrido 3 meses sobre a data da última reapreciação da medida de coacção em vigor.
Nenhuma razão assiste, pois, ao requerente.
D) Atento o exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o pedido de habeas corpus apresentado pelo requerente AA, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, alínea a) do CPP), julgando a mesma manifestamente infundada (nº 6 do mesmo preceito).
Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s, nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Por ser manifestamente infundada a providência, o requerente pagará ainda 10 (dez) UC’s, nos temos do art. 223º, nº 6, do CPP.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2023 (processado e revisto pelo relator)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)
Ana Barata Brito (Juíza Conselheira adjunta)
Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro adjunto)
Nuno Gonçalves (Juiz Presidente da Secção)
_____
[1] Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Proc. 48/08.7P6PRT-J.S1, da 3ª secção.
[2] No mesmo sentido, cfr. o Ac. STJ de 12/5/2021, Proc. 1488/18.9T9FAR-Q.S1: o habeas corpus “não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade”.
[3] O STJ, no seu Ac. de 25/3/2021, Proc. 157/17.1JAPRT-B.S1, entendeu que “III - A omissão do reexame, quando obrigatório, não constitui nulidade absoluta, uma vez que não é enquadrável no art. 119.º, do CPP. Como refere Maia Costa Código de Processo Penal Comentado, pág. 889 e segs., trata-se de mera irregularidade, seguindo o regime do art. 123º, daquele diploma legal. IV - Deste modo, constituindo uma irregularidade processual, essa omissão de reexame dos pressupostos que ditaram a medida de coacção de prisão preventiva, não constitui fundamento de habeas corpus, porque não é susceptível de integração em nenhuma das situações descritas no n.º 2, do art. 222.º, já que esta providência não se destina a conhecer de nulidades ou irregularidades processuais”. No mesmo sentido já havia este STJ decidido em 11/3/2004, Proc. 04P1113: “A não reapreciação da prisão preventiva no prazo a que alude o artº. 213º do CPP não constitui uma nulidade mas sim uma mera irregularidade que deve ser sanada oficiosamente ou a requerimento, nunca dando lugar à invalidação da prisão preventiva, pois esta mostra-se justificada por despacho judicial e conforme aos prazos de duração máxima”. No mesmo sentido vai o Ac. deste STJ de 14/5/2020, Proc. 1418/19.0PBSTB-A.S1: “A falta de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do n.º 1 do art. 213.º do CPP não constitui fundamento de habeas corpus”.
[4] Aí se escreveu:
«Estatuto processual do arguido
O arguido AA encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 30.05.2022, tendo-se considerado estarem fortemente indiciados factos que integram a prática pelo mesmo, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 22.º, 131.º e 132.º, n.º 2, al. a), todos do Código Penal (cf. fls. 248 a 257 do Apenso A e fls. 148 a 153, 274, 282 e 283 do processo principal).
Por seu turno, em 02.09.2022 foi deduzida acusação contra o mesmo arguido, tendo-lhe sido imputada a prática, em autoria imediata e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, al. a), ambos do Código Penal (cf. fls. 389 a 399).
Nestes termos, atento o disposto no art. 215.º, n.º 2, proémio, com referência ao art. 1.º, al. j), ambos do Código de Processo Penal, o prazo de duração máxima da prisão preventiva a que o arguido se mostra sujeito atinge-se, sem que haja condenação em 1.ª instância, em 30.11.2023.
Subsistindo inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção de prisão preventiva, visto o preceituado no art. 212.º do Código de Processo Penal e não se mostrando necessário proceder de momento a qualquer diligência, continuará o mesmo a aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeito a tal medida de coacção».
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4598
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
CULPA DO LESADO
DANOS FUTUROS
INCAPACIDADE PERMANENTE
MENOR
Nº do Documento: SJ20080207045981
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
- A violação de normas da legislação estradal, nomeadamente as que fixam limites máximos de velocidade instantânea, implica, em regra, presunção juris tantum de culpa, em concreto do condutor autor da contra-ordenação;
- A validade da regra ou princípio pressupõe, porém, que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções.
- A “culpa do lesado” não interfere com a culpa do agente, designadamente diminuindo-a, limitando a sua intervenção aos efeitos indemnizatórios da responsabilidade do lesante, actuando apenas sobre o montante a ressarcir.
- Para que o evento deva considerar-se imputável ao lesado, não é necessário o concurso de um facto ilícito ou mesmo necessariamente culposo do lesado, censurável a título de culpa no sentido técnico-jurídico contido no art. 487º C. Civil, bastando que o facto (censurável/”culposo”), livre e consciente, deva ser “atribuível” a actuação do próprio lesado, em termos de auto-responsabilização.
Assente a responsabilidade do condutor criador imediato do perigo, o conhecimento da exposição voluntária ao mesmo por um passageiro (assunção voluntária do risco), conjugada com a possibilidade de ocorrer o facto danoso, verificada que esteja a adequação causal entre esses pressupostos e o dano, pode configurar-se o concurso da “culpa”, a justificar a redução da indemnização prevista no art. 570º.
É de admitir como limite da vida activa, até ao qual deve ser compensada a perda da capacidade de ganho, a idade de 70 anos.
Estando em causa uma incapacidade do lesado - jovem de 16 anos de idade, aprendiz de calceteiro -, na ordem do 60%, para a generalidade das profissões, está-se perante incapacidade de utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento e a possibilidade da sua utilização, em termos correspondente e progressivamente deficientes e penosos.
Esta incapacidade funcional, na medida em que a precede, tem, em princípio, uma abrangência maior que a perda de capacidade de ganho e pode não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente.
Não se estando perante uma concreta profissão definitivamente adoptada, nem perante uma efectiva perda de ganho no seu exercício, deve considerar-se um salário médio previsível, confrontando-o com a IPP geral, só assim se harmonizando os dois elementos, ambos referentes a qualquer profissão acessível ao lesado.
Em termos de normalidade e previsibilidade, o salário médio acessível a um jovem (operário), dotado de mediana capacidade e aptidão, após a fase de aprendizagem profissional, não deve situar-se abaixo de € 500, 00 mensais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - AA intentou acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra “Companhia de Seguros BB Portugal, S.A.”, Herança ilíquida e indivisa de CC e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação da Ré “Companhia de Seguros BB Portugal”, provada a culpa do respectivo Segurado, a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 193.570,35, acrescida da importância, a liquidar em execução de sentença, correspondente às despesas a efectuar pelo A. com os tratamentos médicos a que se terá ainda de se submeter ou, subsidiariamente, não se provando a culpa do Segurado da Ré “BB Portugal”, a condenação das 2.ª e 3.ª Rés, solidariamente, nos precisos termos em que pediu a condenação daquela Seguradora, ou, ainda subsidiariamente, a condenação solidária de todos os RR. no pagamento das mencionadas importâncias, tudo e sempre com juros, à taxa legal, desde a data da citação.
Fundamentando a sua pretensão alegou que, seguindo como passageiro num ciclomotor, conduzido por CC, sofreu várias e graves lesões em consequência do embate entre esse veículo e um automóvel conduzido por Segurado da Ré “BB”, em sentido contrário e em manobra de ultrapassagem, com velocidade excessiva, sendo certo que a luz do ciclomotor era pouco intensa.
Contestaram todos os Réus.
A Seguradora excepcionou a culpa do condutor do ciclomotor por circular, de noite e com chuva, sem qualquer luz, pelo meio da respectiva hemi-faixa de rodagem, enquanto a Ré Herança imputa a responsabilidade pelo evento à manobra de ultrapassagem e velocidade do automobilista e o FGA se limita a impugnar por desconhecimento.
A final foi proferida sentença que absolveu do pedido a 1ª R. e condenou a 2ª R. e o 3º R., solidariamente, a pagar ao A.:
a) a quantia de € 193 570,32 acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a respectiva citação até integral e efectivo pagamento;
b) a quantia a liquidar em execução de sentença a título de indemnização pelas despesas que o Autor vier a realizar com assistência, intervenções e tratamentos médico-medicamentosos em consequência das lesões e sequelas de que ficou portador em resultado do acidente, incluídas despesas com fisioterapia, taxas moderadoras, consultas, meios de transporte e alimentação conexas com aquelas, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde o trânsito em julgado da decisão que proceder à respectiva liquidação até integral e efectivo pagamento.
Apelaram as Partes condenadas (Herança e FGA), pretendendo a revogação parcial da decisão recorrida, quanto à culpa exclusiva na produção do acidente e ao valor da indemnização atribuída a título de danos patrimoniais futuros, mas a Relação confirmou o sentenciado.
Pede ainda revista o Fundo de Garantia Automóvel, mantendo a pretensão de ver repartida a responsabilidade, mediante o concurso de culpa do lesado e do condutor do automóvel com a do do ciclomotor, bem como de ser reduzido o montante da indemnização pelos danos decorrentes da IPP, para o que conclui:
1 - Da matéria dada como provada resulta que, em dia chuvoso, e de noite, o ciclomotor onde o A. seguia como passageiro, circulava sem qualquer luz que iluminasse para a frente, nem sequer luz de presença.
2 – A utilização do pretérito imperfeito do verbo “circular” impõe que na interpretação deste ponto específico se extraia que a circulação se fez durante algum tempo sem luz na frente do ciclomotor. Foi uma acção que se prolongou no tempo e não um facto único e instantâneo.
3 – Era assim muito provável que o passageiro se apercebesse desta situação, o que se extrai da comum experiência de vida, sendo-lhe exigível que se recusasse a ser conduzido em tais condições.
4 - Pelo que, conformando-se em viajar em veículo sem iluminação, o passageiro também se conforma com o aumento do risco da condução (e da ocorrência do acidente), mostrando um comportamento displicente relativamente às possíveis consequências que lhe possam advir de um provável acidente.
5 - Assim, sobrevindo o acidente, a vítima concorre para os danos que do mesmo resultam.
6 – Comportamento esse que deverá ser valorado ao nível da culpa do lesado (art. 570° do C.C.), situação que pode ser apreciada sem necessidade de expressa alegação e prova, tal como se infere do disposto no art. 572° do C.C..
7 - Assim, a culpa do lesado relativamente à produção dos danos reclamados, deverá ser calculada em percentagem não inferior a 25%.
8 - Por outro lado, o condutor do veículo que embate no ciclomotor imprimia ao seu veículo velocidade não inferior a 60 kms/h, dentro de uma localidade, mantendo assim uma conduta contra-ordenacional.
9 – Terá necessariamente aumentado a velocidade uma vez que iniciou uma manobra de ultrapassagem.
10 - Mesmo que a sua manobra não seja a principal causa do acidente, o aumento da velocidade para além do permitido resulta obrigatoriamente num acréscimo dos danos que advieram para o A..
11 – Para além disso, o excesso de velocidade faz diminuir o tempo de reacção disponível antes do embate, o tempo de percepção e execução das manobras, como potencia as consequências físicas e materiais do mesmo, agravando o seu resultado.
12 - Este comportamento contravencional do condutor do veículo RQ não pode ser valorado, na contribuição de todos os intervenientes para o acidente, em percentagem não inferior a 25%.
13 - Quanto aos danos patrimoniais futuros, a douta sentença em apreciação equiparou no cálculo a I.P.P. de 57% + 10% (dano futuro) a uma I.P.P. de 100%.
14 - Tal equiparação, para além de não ser passível de controlo objectivo, abre a discussão sobre qual o grau de percentagem a partir do qual se faz a equiparação a 100%.
15 – Todo o cálculo para uma IPP de 100% é efectuado com base numa actividade de calceteiro, sendo que no entanto o A. ainda era aprendiz, tendo 16 anos, pelo que nada fazia pressupor que mantivesse aquela actividade toda a vida.
16 - Pelo que o A. terá sempre capacidade (apesar de muito diminuída) para outro tipo de actividades, mesmo que não tão exigentes ao nível físico.
17 - Assim, e admitindo para base de cálculo o valor de 500 Euros pugnado pela douta sentença, tendo em conta apenas uma idade activa até aos 65 anos e uma IPP de 62% (valor médio entre os 57% actuais e os eventuais 67% futuros), resulta um valor de remição de 112.000,00 Euros.
18 - Para além disso, como é atribuído de uma só vez há a necessidade de efectuar uma redução final em percentagem não inferior a 20% para evitar o enriquecimento que tal forma de atribuição provoca, pelo que se pugna por um valor final de 85.000,00, o qual será ajustado ao real grau de I.P.P. de que padece.
22 - A douta sentença violou, entre outros, o disposto nos arts. 566°, 570° e 572° do C.C., para além do art. 24°, 25° n° 1 c) e 27° do Código da Estrada.
Apenas o Autor apresentou resposta em apoio do julgado.
2. - Do conteúdo das transcritas conclusões do recurso resulta a reposição das questões já anteriormente colocadas, a saber:
- Se há “culpa do lesado”, a repercutir na produção dos danos e respectivo montante indemnizatório em percentagem não inferior a 25%;
- Se há concorrência de responsabilidade do condutor do veículo automóvel na produção do acidente, a valorar em percentagem não inferior a 25%; e,
- Se a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais futuros deve ser reduzida de € 175.000,00 para € 85.000,00.
3. - Para o conhecimento do mérito do recurso, releva a seguinte factualidade assente:
1. No dia 10 de Fevereiro de 2000, cerca das 18h e 15m, na E.N. n°00, em Travanca de Bodiosa, Viseu, ocorreu um acidente de viação;
2. Nesse acidente foram intervenientes o veículo ligeiro misto com a matrícula RQ-00-00 e o ciclomotor de matrícula 1-SPS-00-00;
3. O veículo RQ era conduzido por DD e circulava no sentido S. Pedro do Sul – Viseu;
4. O ciclomotor era conduzido por CC e circulava no sentido Viseu - S. Pedro do Sul;
5. O Autor seguia na parte de trás do assento do ciclomotor e estava a ser transportado gratuitamente;
6. Era de noite e o tempo estava chuvoso;
7. CC faleceu no dia 10/2/2000;
8. O Autor nasceu a 23 de Junho de 1983;
9. A responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo RQ encontrava-se transferida, à data do acidente, para "Seguradora Portugal Previdente", hoje "BB Portugal";
10. O ciclomotor 1-SPS-00-00 não beneficiava de seguro válido e eficaz à data do acidente;
11. No dia referido em 1., o Autor levou o ciclomotor de Lourosa da Comenda para Viseu, para que o CC tivesse meio de transporte para se deslocar para casa, já que este regressava do serviço militar;
12. CC residia em Lourosa da Comenda;
13. No dia e hora referidos em 1., o ciclomotor 1-SPS circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Viseu - S. Pedro do Sul;
14. O ciclomotor 1-SPS circulava pela hemi-faixa direita, atento o seu sentido de marcha;
15. O ciclomotor 1-SPS circulava sem qualquer luz accionada à frente que sinalizasse a sua presença;
16. O ciclomotor circulava a uma velocidade não superior a 50 Km/h;
17. Quando o ciclomotor circulava a uma distância não concretamente apurada, mas nunca superior a 50 metros, de uma curva que se apresentava à sua frente para a sua direita, o respectivo condutor deparou-se com o ligeiro misto RQ que ultrapassava um automóvel que seguia à frente do mesmo (RQ);
18. Em local exacto não concretamente apurado, mas situado entre o final desta curva e o início da recta que se seguia, atento o sentido de marcha São Pedro do Sul – Viseu, como não tivesse visto qualquer veículo que circulasse no sentido oposto, o condutor do RQ procedeu como referido em 22. infra;
19. O RQ circulava pela respectiva meia faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não inferior a 60 Kms/h e imediatamente à retaguarda de outro veículo;
20. O veículo RQ circulava com os faróis médios ligados;
21. Ambos os veículos descreveram uma curva que, atento o sentido S. Pedro do Sul - Viseu, se desenhava para a esquerda e entraram numa recta;
22. O condutor do RQ tomou a meia faixa esquerda de rodagem, aumentou a velocidade do seu veículo para além dos 60 Kms/h e iniciou a ultrapassagem do veículo que transitava imediatamente à sua frente;
23. Ao iniciar a ultrapassagem ao veículo que o precedia, o condutor do RQ não assinalou de forma acústica essa manobra;
24. Ao efectuar a ultrapassagem, quando o RQ e o ciclomotor ocupavam a hemi-faixa esquerda, atento o sentido S. Pedro do Sul - Viseu, o condutor do RQ foi surpreendido pela presença do ciclomotor que circulava em sentido contrário e a uma distância não concretamente apurada, o que provocou, ainda no decorrer dessa manobra (ultrapassagem), o embate entre a frente esquerda do RQ e a parte frontal do ciclomotor;
25. O condutor do RQ não travou;
26. O embate ocorreu na hemi-faixa esquerda, atento o sentido de marcha do RQ;
27. O condutor do RQ estacionou o veículo a mais de 100 metros do local do embate;
28. Após o embate, o ciclomotor veio a imobilizar-se a não menos de 10 metros;
29. Com o embate o Autor foi projectado a uma altura não concretamente apurada e caiu desamparadamente no solo a mais de 10 metros de distância do local do embate;
30. No local do acidente, a E.N. n°16 forma uma recta e o local do embate situa-se dentro de uma localidade;
31. No local de embate a via tem uma largura de 6,5 metros;
32. No local de embate a faixa de rodagem é dividida a meio por uma linha descontínua e ladeada por bermas;
33. A berma do lado direito, atento o sentido Viseu - S. Pedro do Sul, tem um metro de largura;
34. O Autor, como consequência directa e necessária do embate, sofreu traumatismos múltiplos da face - mandíbula superior e malar esquerdo – e fracturou também a bacia e ossos da perna esquerda e polegar da mão esquerda;
35. Foi transportado, em coma, de ambulância para os serviços de urgência do Hospital de Viseu, onde lhe foram ministrados cuidados de reanimação, tendo ali ficado internado na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, em estado de coma;
36. Aí foi entubado e fez hiperventilação controlada;
37. Em 22.02.2000, o Autor foi transferido daquela Unidade para o serviço de Neurocirurgia, onde permaneceu internado até alta hospitalar em 24.03.2000, ali sendo acompanhado pelas especialidades de ortopedia e cirurgia maxilo-facial, beneficiando no serviço de Neurocirurgia dos tratamentos designadamente cirúrgicos da perna esquerda, polegar esquerdo e face, tratamentos esses melhor descritos nos elementos clínicos de fls.28-31, 37-39 e relatório médico legal de fls.363-367;
38. Do acidente resultaram para o autor as lesões e sequelas descritas nos elementos clínicos de fls.19-39, no capitulo informativo do relatório médico (particular) de fls.40-41 e relatório médico legal de fls.363-367 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos designadamente uma contusão renal posterior esquerda, traumatismo crânio-encefálico, uma fractura exposta Grau III do terço distal dos ossos da perna esquerda, uma fractura de diáfase do fémur esquerdo, uma diástase de sínfise púbica direita e subluxação sacroilíaca e fracturas panfaciais com fractura do maxilar superior, tendo beneficiado dos tratamentos, consultas e acompanhamento clínicos descritos nos referidos elementos e relatórios;
39. Designadamente o maxilar foi fixado com alinhamento das arcadas dentárias;
40. Foi necessário proceder a entubação orogástica para a nutrição do autor, e foi alimentado através de uma sonda;
41. Sofreu delírio agudo com agitação psicomotora importante;
42. Em 23/2/2000, foi submetido a intervenção cirúrgica de osteossíntese rígida maxilo inalar direita com colocação de barras vestibulares "Cerclage" de fractura gagital do maxilar superior;
43. Foi efectuado o encavilhamento centro medular aberto do fémur e substituição do fixador provisório da bacia óssea por fixador externo tubular, tendo-lhe sido ministrada anestesia geral;
44. Em 8/3/2000, substituiu a imobilização bipolar por gesso cruropodálico do membro inferior esquerdo;
45. Esteve internado no Hospital de Viseu até ao dia 24/3/2000, altura em que recebeu alta clínica, sendo posteriormente orientado para consulta externa de ortopedia e cirurgia maxilofacial;
46. Em consequência das referidas lesões e até 26.06.2001 o Autor efectuou várias consultas e exames médicos designadamente após alta hospitalar as consultas externas e exames descritos nos elementos, recibos e cartão clínicos de fls.19-24, 46, 49, 51-62, 64-83 e 344;
47. Em consequência das lesões e tratamentos determinados pelo acidente, o Autor sofreu as sequelas descritas na parte reservada às queixas e exame objectivo (estado actual) no relatório médico-legal de fls.363-367;
48. O Autor, à data do acidente, trabalhava como ajudante de calceteiro para José Fernando Leite Correia, auferindo o salário mensal de esc.63.800$00 e ainda o subsídio de alimentação no montante mensal de esc.14.280$00;
49. No exercício da referida actividade ao Autor assistia o direito ao recebimento de subsídio de férias e Natal;
50. Desde a data do acidente, o Autor encontra-se e ficou absoluta e definitivamente incapacitado para exercer a profissão de calceteiro ou qualquer outra similar na área da sua habilitação e experiência técnico-profissional, tendo ainda sofrido um período de incapacidade temporária geral total e parcial de 44 e 461 dias respectivamente;
51. Após o acidente, o Autor nunca mais trabalhou;
52. Em consequência das sequelas determinadas pelo acidente, o Autor sofreu uma IPP de 57%, acrescida de mais 10% a título de dano futuro, com o esclarecimento de que a consolidação médico-legal ocorreu a 26.06.2001;
53. À data do acidente, o Autor era uma pessoa saudável, alegre e trabalhadora;
54. O Autor só com dor e sacrifício consegue carregar pesos;
55. Como sequela do acidente, o Autor apresenta marcha claudicante e só com dor e sacrifício consegue permanecer de pé, não o conseguindo por períodos superiores a meia hora nem podendo caminhar ininterruptamente por mais de dois Kms;
56. O Autor só com dor e sacrifício consegue baixar-se ou ajoelhar-se, tendo dificuldade em subir escadas;
57. O Autor sente dores na perna esquerda e no maxilar;
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - A medida da responsabilidade. Conculpabilidade e culpa do lesado.
O Fundo Recorrente suscita duas questões que devem colocar-se em planos distintos.
Assim, se a invocada concorrência de culpas entre o condutor do ciclomotor e do veículo automóvel, que pretende ver repartida entre ambos, na proporção de 25% para este último, se coloca no puro domínio da responsabilidade extracontratual e da obrigação de indemnizar, já a questão da “culpa do lesado”, a coberto da qual pretende ver diminuída a indemnização em mais 25%, se reporta à relação entre o Autor, passageiro transportado no ciclomotor, o condutor deste veículo e o terceiro, condutor do automóvel, e, obviamente, os respectivos responsáveis civis, Fundo de Garantia e Seguradora.
Efectivamente, a primeira apresenta-se como uma verdadeira questão de responsabilidade civil aquiliana, com exigência do concurso dos requisitos legais - ilicitude, culpa e nexo de causalidade, designadamente – necessários à imputação do evento danoso e consequente obrigação de indemnizar, total ou parcialmente, em razão do grau de contribuição para a produção do acidente e dos danos. A segunda, diferentemente, colocada, como vem, pelo responsável pelo pagamento da indemnização devida pelo condutor transportador do lesado, enquanto lesante, situa-se já, e apenas, a nível das relações entre estes, ou seja, num segundo momento, em sede de repartição da indemnização do dano, e, segundo cremos, numa perspectiva da responsabilidade do transportador, enquanto lesante.
Do referido resulta que, divergindo da metodologia sobre a precedência das questões seguida pelo Recorrente e acolhida no acórdão impugnado, se vá apreciar em primeiro lugar a da invocada concorrência de culpas dos condutores e só depois a do concurso da “culpa” do Autor e do lesante determinado.
4. 2. - Conculpabilidade do condutor do automóvel.
O Recorrente pretende ver valorada em percentagem não inferior a 25% a contribuição do condutor do veículo RQ para o acidente em razão do seu comportamento contravencional, consubstanciado no excesso de velocidade, pois que esta se cifrava em mais de 60 km/h, dentro de uma “localidade”, velocidade necessariamente aumentada na ultrapassagem, também com reflexo no acréscimo dos danos.
Nas Instâncias afastou-se liminarmente a responsabilidade do condutor do RQ fundada na manobra de ultrapassagem e, relativamente à velocidade excessiva absoluta ou objectiva – por transitar numa “localidade” (conceito que não se encontra concretizado ou preenchido pelos elementos que o art. 1º-u) do CE 98 integra na respectiva definição), a velocidade não inferior a 60 km/h, em violação do art. 27º-1 do mesmo Código –, teve-se por inverificado o concurso do necessário nexo de causalidade.
Assente, pois, que a conduta do ciclomotorista foi ilícita, culposa e causal do acidente.
Adquirido, ainda, que a responsabilidade do automobilista não deriva da manobra de ultrapassagem que efectuava por ocasião do embate.
Resta, pois, como delimitado pelo objecto do recurso, apreciar o reflexo da velocidade instantânea imprimida ao veículo automóvel que, por ocorrer em “localidade” infringe o limite máximo fixado pela legislação estradal, apresentando-se como contravencional.
Releva, nessa apreciação, a análise da dinâmica do acidente por forma a surpreender o respectivo processo causal em ordem à determinação da existência de uma única causa ou duas ou mais concausas.
Ora, é certo que o veículo RQ transitava com velocidade instantânea objectivamente excessiva, o que constituindo violação a norma do CE implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respectivo condutor, autor da contra-ordenação.
Porém, a validade da regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objectivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções (cfr., v.g., acs. STJ de 6/1/87 e 7/11/2000, BMJ 363º-488 e CJ VIII-III-104).
Coloca-se, assim, um problema de adequação causal.
Admitido que o comportamento do motociclista foi causal do acidente resta saber se a velocidade de 60 km/h, ou algo mais, foi concausa do embate, verificando-se um nexo de adequação que permita afirmar que a inobservância do dever legal de circular a velocidade inferior concorreu para o choque entre os veículos.
Em termos de adequação, o facto apenas pode considerar-se causal na medida em que, considerado no desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modifique o “círculo de riscos” da verificação do dano, fazendo acrescer a possibilidade objectiva de produção do resultado verificado.
Em suma, relevará, no critério de imputação da causalidade, a formulação de um juízo de prognose posterior objectiva que, partindo das concretas circunstâncias conhecidas e das cognoscíveis de um observador experiente, permita afirmar que o acto, mesmo tendo em conta a actuação do lesado, “favorecia aquela espécie de dano, surgindo, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto” (BRANDÃO PROENÇA, “A Conduta do Lesado… ”, 445).
Ora, tendo em conta, a dinâmica do acidente e o concreto circunstancialismo que contribuiu para a sua produção, temos por incontornável a conclusão que as suas concausas naturalísticas se situam na temerária e contravencional condução do ciclomotor, de noite e com chuva, sem luz que o tornasse visível, e a manobra de ultrapassagem, com a inerente ocupação da hemifaixa de rodagem esquerda pelo automóvel, onde ocorreu a colisão.
As normas que estabelecem limites de velocidade instantânea em função dos vários tipos de via visam genericamente proteger o interesse de circulação com segurança dos vários utentes em atenção à respectiva localização ou características.
Afastado, como está, como causa do evento, o facto da ultrapassagem, que seria aquele cuja verificação objectiva conduziria à falada presunção de culpa em concreto, não se vê que, aceite a regularidade da manobra, a circunstância de a velocidade ser superior em cerca de 10 km à imposta para o local interfira com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger.
A presunção a que se aludiu deve ter-se, neste caso, como afastada.
Por outro lado, tendo presente que o ciclomotor não assinalava a sua presença, o que não permitiu que fosse visto pelo condutor do RQ, ocorrendo o choque durante a manobra de ultrapassagem, a experiência ensina-nos que o excesso de velocidade objectivo apurado se revela, se não de todo indiferente, pelo menos inadequado a gerar acréscimo da possibilidade objectiva de produção do dano, favorecendo-o, de modo a poder concorrer como consequência típica e provável do comportamento do automobilista reflectido na diferença entre a velocidade devida e a observada.
Com efeito, não tendo o ciclomotorista sido visto pelo condutor do RQ, nem se mostrando que estivesse em condições de o ser, aquando do início da manobra que levou à ocupação da hemi-faixa esquerda, surpreendendo-o no decurso desta, não colhe a invocação de dados abstractamente relevantes, como a diminuição do tempo de reacção, ou presumíveis, como o aumento da velocidade na ultrapassagem, pois que aquele concreto circunstancialismo não lhes deixa espaço de intervenção valorativa.
Não merece censura, à luz de exposto, a conclusão das Instâncias segundo a qual a responsabilidade pelo evento danoso é exclusivamente imputável ao condutor do ciclomotor.
4. 3. - Culpa do lesado.
O Recorrente reclama ainda a redução da indemnização pelos danos sofridos pelo Autor, em percentagem não inferior a 25%, por este ter concorrido para a sua produção, em virtude de se ter conformado em viajar no veículo sem iluminação com o inerente aumento do risco da condução e ocorrência de acidente.
Fixada a responsabilidade exclusiva do condutor do ciclomotor na produção do acidente, em confronto com a do outro interveniente no embate, a questão que ora se coloca situa-se, como já aflorado supra, no plano tansportador-transportado.
Seguramente que o condutor do ciclomotor está, em princípio, obrigado a indemnizar a totalidade dos danos sofridos pelo Autor, que são pessoais, face ao comando do art. 504º C. Civil.
A questão que se pode colocar, e vem proposta, é a de saber se, concorre a denominada culpa do lesado, a intervir no sentido da redução da indemnização devida pelo lesante-transportador.
Com efeito, a “culpa do lesado” não interfere com a culpa do agente, designadamente diminuindo-a, limitando a sua intervenção aos efeitos indemnizatórios da responsabilidade do lesante, actuando apenas sobre o montante a ressarcir.
Não está aqui em causa, para que o evento deva considerar-se imputável ao lesado, o concurso de um facto ilícito ou mesmo necessariamente culposo do lesado, censurável a título de culpa no sentido técnico-jurídico contido no art. 487º C. Civil, ou não é necessário que esteja, bastando que o facto (censurável) deva ser “atribuível” a actuação do próprio lesado, nos termos previstos no art. 570º do mesmo diploma.
Entendemos, com efeito, que referindo, embora, o art. 570º-1 C. Civil que a indemnização deve ser reduzida ou mesmo excluída quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, tendo em consideração a gravidade das culpas das partes e as consequências delas resultantes, não se pode falar, com rigor, como consta do preceito, em culpa do lesado. A expressão “culpa” deve aqui ser entendida em sentido muito amplo, pois que a indemnização deve ser reduzida ou negada desde que o acto do lesado tenha sido concausa do prejuízo, mesmo que não tenha carácter ilícito ou corresponda à violação de um dever, nos termos em que o pressupõe um juízo de culpa em sentido estrito (cfr. PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 360; MENEZES CORDEIRO, “D.to das Obrigações”, 2º, 409; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., I, 948).
De qualquer modo, face à referência da lei à gravidade das «culpas», tem-se por segura a necessidade de formulação de um juízo de censura sobre o comportamento do lesado, embora desligado da ilicitude, decorrente de uma actuação negligente ou deficiente relevante no processo causal (adequado) do dano. O que se pretende excluir na formulação legal serão, como escreve A. VARELA (RLJ, 102º-60), “os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável”.
Há então que tomar posição sobre o concurso desse facto “culposo”, de uma acção livre e consciente do lesado que represente um «acto constitutivo de responsabilidade pessoal» do Autor, da sua auto-responsabilização, e, em caso afirmativo, sobre a medida da sua gravidade.
Ora, entende-se que, ainda aqui, as Instâncias ajuizaram correctamente.
Temos por certo que alguém que se proponha ou aceite ser transportado, de noite e com tempo chuvoso, num ciclomotor desprovido de luzes destinadas a assinalar a presença do veículo em marcha na via pública, assume uma posição de autocolocação em perigo, mediante a assunção dos riscos próprios dessa circulação objectivamente contravencional, temerária e com especial aptidão para a produção de acidentes como o que está em apreciação.
Quando tal suceda, a contribuição autodanosa do lesado, por via da assunção voluntária dum risco, traduzido no perigo típico da circulação na via pública em tais condições, parece-nos óbvia.
Com efeito, assente a responsabilidade do condutor criador imediato do perigo, o conhecimento da exposição voluntária ao mesmo, conjugada com a possibilidade de ocorrer o facto danoso, verificada que esteja a adequação causal entre esses pressupostos e o dano, pode configurar-se o concurso da “culpa”, a justificar a redução da indemnização prevista no art. 570º.
Trata-se de casos em que o lesado “actualiza, sem necessidade, e com uma actividade imprevidente ou temerária” o perigo existente na conduta do seu criador imediato, “ultrapassando o grau de uma aptidão danosa normal ou típica”, ocorrendo nessa «heterocolocação em perigo consentida», em que o transportado não se expõe ao risco típico resultante da condução, mas ao «maior risco», como que uma “«cooperação» culposa para o dano” (BRANDÃO PROENÇA, ob. cit., 638 e ss.).
Voltando à concreta situação ajuizada, verifica-se que falha um dos pressupostos da auto-responsabilização do Autor, da sua “cooperação” culposa para o dano, mediante “assunção do risco”.
É ele, justamente, o referente ao conhecimento ou consciência de que aceitou fazer-se transportar no ciclomotor sem luzes, ou, até de que tenha tido tal percepção durante a viagem.
Efectivamente, do quadro fáctico que vem provado nada consta a tal respeito e, colocada a questão à Relação, aí se ponderou que, para além de tal factualidade não ter sido sequer alegada, «não é possível retirar dos factos provados que o A. tinha obrigatoriamente de se aperceber da falta de luz e tinha tido possibilidade de ter um comportamento de exigir ou forçar a paragem do veículo”, concluindo não se poder afirmar que a condução sem luz «já ocorria há tempo razoável para o A. se ter apercebido desse facto», não sendo de excluir que «a circulação sem luz tivesse começado há pouco tempo – nomeadamente por a lâmpada se ter fundido naquela altura ou ter ocorrido uma falha na ligação eléctrica (…)».
Ao assim agir, o Tribunal da Relação recusou extrair a ilação de que o Autor tinha conhecimento, ou era-lhe exigível que o tivesse, das condições de circulação do ciclomotor.
Argumenta agora, na revista, o Recorrente que o pretérito imperfeito do verbo “circular” impõe que se extraia que a circulação se fez durante algum tempo sem luz, sendo muito provável que o passageiro se apercebesse dessa situação, o que se extrai do comum da experiência da vida.
A questão coloca-se, pois, no campo da fixação e interpretação do conteúdo da matéria de facto.
Antes de mais importa ter presente que o recurso de revista se destina, em princípio, ao reexame de questões de direito, cabendo às Instâncias apurar a factualidade relevante, sendo a intervenção do Supremo meramente residual e destinada a fiscalizar o cumprimento de regras de direito probatório material ou a mandar ampliar a decisão da matéria de facto – arts. 722º e 729º-1 e 3 CPC.
Como já se deixou aflorado, sendo perfeitamente lícito às Instâncias, mesmo fora da situação específica de reapreciação da matéria de facto ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art. 712º CPC, tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, bem como fazer a sua interpretação ou esclarecimento, desde que não a alterem e se limitem a desenvolvê-la, a Relação julgou não provado que sobre a falha de luz já ocorrera tempo suficiente para que o Autor dela se tivesse apercebido, admitindo mesmo que pudesse ter ocorrido naquela altura (cfr. BMJ 440º-361 – ac. de 19/10/94; e ac. de 29/5/03).
Como é jurisprudência pacífica, não cabe ao Supremo usar, ele próprio, presunções judiciais, nem pode ser objecto do recurso de revista o erro na apreciação das provas e na fixação do factos materiais da causa, tudo porque de determinação e fixação do quadro fáctico da exclusiva competência das Instâncias se trata - arts. 721.º-2 e 722.º-2 CPC.
Consequentemente, está vedado ao STJ extrair quaisquer ilações dos factos provados ou censurar o julgado pela Relação no tocante à não consideração de tais presunções de facto ou sentido com que deve valer a factualidade que teve por definitivamente provada, pois que se está perante juízos valorativos que não integram mais que matéria de facto.
Apesar disso, ou seja de ser conhecida a vontade real do declarante sobre o sentido da declaração – art. 236º-2 C. Civil -, sempre se dirá que o facto contido no nº. 15, onde consta que “o ciclomotor circulava sem qualquer luz accionada à frente”, está como o que o precede e os que lhe seguem subordinado ao n.º 13. e, consequentemente, à expressão “No dia e hora referidos em A)”, que remete para o dia e hora da eclosão do acidente, esta referida às 18 horas e 15 minutos, o que, de resto, acontece com a generalidade da factualidade assente, toda referida a esse momento e com o verbo circular no pretérito imperfeito, donde que o texto do documento também afasta o invocado conteúdo interpretativo.
A factualidade disponível não permite, pois, ter por verificado o concurso de “culpa” do Autor lesado, mantendo-se a responsabilidade dos Sucessores do condutor do ciclomotor e do Fundo de Garantia Automóvel pela satisfação da totalidade da indemnização devida ao Autor, ao abrigo do n.º 2 do art. 504º C. Civil.
4. 4. - Indemnização pelos danos patrimoniais futuros. Incapacidade permanente para o trabalho e perda de capacidade de ganho.
Manifestando discordância relativamente ao montante da verba atribuída a título de dano patrimonial futuro, decorrente da IPP que foi fixada - € 175.000,00 - , o Recorrente continua a defender a respectiva redução para € 85.000,00.
O Recorrente insurge-se contra o facto de se ter equiparado a IPP de 57%+10% a 100%, sem ter em conta que o A. era um aprendiz de calceteiro, com apenas 16 anos de idade, nada indicando que se mantivesse nessa actividade toda a vida, do mesmo passo que mantém capacidade, apesar de muito diminuída, para outro tipo de actividades, propondo ainda, em divergência com o acórdão, que se considere como limite da vida activa a idade de 65 anos, mas aceitando para base de cálculo o valor salarial de 500 euros/mês.
Quando, como no caso, seja impossível a reconstituição natural, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art. 566º-2 e 3 C. Civil.
Consagram-se, pois, a denominada teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação de danos futuros.
Em busca de soluções que permitam, tanto quanto possível, encontrar a justa indemnização têm sido ensaiados vários critérios.
O que melhor parece reflectir o princípio geral enunciado no art. 562º - a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão - e, por isso, tem sido judicialmente seguido, vai basicamente no sentido de que a indemnização em dinheiro deve corresponder a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado irá deixar de auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida activa (cfr. Acs. STJ, 4 e 15/12/98 in, respectivamente, BMJ, 478º - 344 e CJ, VI – III, 157 e 25/6/002, CJ-X-II, 128).
Está em causa a perda de réditos futuros pela privação da respectiva fonte. Por isso, há-de necessariamente fazer-se apelo a elementos e critérios de probabilidade, a projectar em termos da normalidade da vida.
Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas matemáticos e financeiros que jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou (arts. 564.º-2 e 566.º-3 C. Civ.).
As decisões das Instâncias - e a própria posição adiantada pelo Recorrente – não divergem quanto à ponderação desses elementos, na linha de orientação que vem sendo jurisprudencialmente adoptada.
Assim, arrancaram de um salário anual de € 7.000 e IPP geral de 57% + 10% para futuro, de uma incapacidade total para o exercício da profissão de calceteiro, da consideração de taxas de juro de 3%, de uma taxa decrescimento anual de 1%. e de um período temporal situado entre os 18 anos (termo da incapacidade absoluta) e os 71. Na decisão recorrida fez-se apelo à idade de 18 anos (termo da incapacidade absoluta) e à idade limite de 71 anos.
Vejamos, então, a atendibilidade das correcções propostas pelo Recorrente: - período de vida activa e incapacidade a considerar.
Até há bem pouco tempo poderia afirmar-se que, quanto aos trabalhadores por conta de outrem, a idade a ter em conta como termo da vida activa para efeito de indemnização por perda de ganho ou de capacidade de ganho deveria ser a de 65 anos, idade em que, em condições normais e de normal previsibilidade, qualquer trabalhador adquiriria o direito à reforma e pensão de velhice, em cujo cálculo se previa a revalorização e actualização das pensões (Lei n.º 17/2000, de 8/8 e DL n.º 35/02, de 19/02).
Porém, como é sabido, em consequência da falada “insustentabilidade do Regime da Segurança Social” a situação tende a alterar-se de forma a, pelo menos, aumentar progressivamente a idade de aquisição do direito a tais pensões, não podendo esquecer-se que, cada vez mais, a vida activa se prolonga para além dos 65 anos.
Daí que, como aliás é entendimento cada vez mais generalizado na Jurisprudência, se aceite como adequado ponderar como limite da vida activa, até ao qual deve ser compensada a perda de capacidade de ganho, a idade de 70 anos (cfr., v.g. acs. deste STJ de 17/11/05, 12/10/06 e 6/3/07, proc. n.º 05B3167, 06B2581 e 07A189 ITIJ, respectivamente).
Também taxas de juro, situadas hoje à volta 3% a 4% ilíquidos, tendem, como é sabido, a subir e a fixar-se próximo dos 5%, sobretudo quando esteja em causa a remuneração de quantias mais elevadas.
Relativamente à real e efectiva repercussão da IPP na perda de rendimento do lesado, sabe-se ser ela total no tocante à anterior actividade que exercia, de ajudante de calceteiro.
Ignora-se se o Autor mudou já de actividade, designadamente adoptando outra profissão ou se está em vias de o fazer.
É possível que a IPP nunca venha a ter total correspondência, em termos de repercussão, em efectiva quebra de ganho ou mesmo capacidade de ganho profissional aos salários auferidos. Mas também poderá tê-la, até para mais.
Perante os elementos disponíveis, a o critério mais seguro e adequado será o de considerar a IPP que vem fixada, que é geral, e não profissional, e relacioná-la com o salário médio proposto no julgado e aceite pelo Recorrente, conhecido, como é, que qualquer jovem ultrapassa a situação de simples ajudante ou aprendiz ao cabo de poucos anos, enveredando pela profissão a que corresponde essa aprendizagem ou optando por outra.
Sabido que o A. tinha 16 anos à data do acidente que marcou o início da incapacidade, devem, pois, considerar-se os € 500,00, que é, em termos de normalidade e previsibilidade, o salário médio acessível a um jovem dotado de mediana capacidade e aptidão, após a fase de aprendizagem.
Considerando os elementos utilizados na decisão impugnada e os agora convocados, importa encontrar um montante de capital, a receber agora, apto a permitir a produção de um rendimento equivalente à perda do período provável em que o lesado o auferiria, embora extinguindo-se a final, como impõe o princípio nuclear que preside a esta indemnização.
Para tanto, como avançado, não parece dever ser assimilada, sem mais, a incapacidade total para o exercício da profissão de calceteiro, de que o A. era apenas ajudante, à incapacidade total para o exercício de qualquer profissão.
Com efeito, crê-se ter de atender sobretudo à idade do lesado e ao facto de não ter ainda profissão definida e consolidada – é, na prática, toda a sua vida produtiva útil que está em causa - e à mudança de actividade que terá de fazer – remetendo para fora do âmbito da mera repercussão da incapacidade em certo montante de ganho auferido no exercício de profissão ou actividade que continuará a ser exercida.
O que está em causa, antes de mais, é uma incapacidade do A., na ordem do 60%, para a generalidade das profissões, a incapacidade de utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento e a possibilidade da sua utilização, em termos correspondente e progressivamente deficientes e penosos.
Esta incapacidade funcional, na medida em que a precede, tem, em princípio, uma abrangência maior que a perda de capacidade de ganho e pode não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efectivamente exercido profissionalmente.
Por isso, porque não se está perante uma concreta profissão definitivamente adoptada, nem perante uma efectiva perda de ganho no seu exercício, se deve considerar, como se fez, um salário médio previsível, confrontando-o com a IPP geral, só assim se harmonizando os dois elementos, ambos referentes a qualquer profissão acessível ao Autor (e ambos desprezando o salário e a actividade de ajudante de calceteiro e respectiva relação).
Por último, como factor de ponderação, não pode deixar de referir--se que, sem esquecer ter o Autor ficado a padecer de incapacidade que o acompanhará até ao fim da vida, esta é essencialmente de natureza funcional.
Sendo o A. um jovem, ainda sem profissão definida - razão por que não se coloca, sequer, um efectivo problema de requalificação e readaptação profissional -, da convocação de tais circunstâncias decorre ter de ponderar-se, em termos de normalidade, a opção ou derivação da sua orientação profissional para actividades mais compatíveis com o respectivo estado físico, das quais possa obter proventos económicos.
Não é caso, por isso, de fazer equivaler, de forma rígida e definitiva, a incapacidade verificada a uma correspondente perda efectiva de ganho ou mesmo da capacidade de ganho, mas mitigar a sua repercussão de harmonia com a normal e previsível evolução e reacção das pessoas perante as circunstâncias da vida.
Nesta conformidade, tem-se por mais adequada e conforme à equidade, enquanto justiça do caso concreto, a verba de € 125.000,00 como indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda da capacidade de ganho.
5. - Decisão.
Em conformidade com o exposto, decide-se:
- Conceder parcialmente a revista;
- Fixar em cento e vinte e cinco mil euros (€ 125.000,00) a indemnização por danos futuros decorrentes da perda de capacidade de ganho, devida ao Autor, alterando, nessa parte - por redução dessa verba de € 175.000 para € 125.000 -, o decidido no acórdão impugnado, que se mantém em tudo o mais.
- Custas na proporção do vencimento obtido por Recorrente e Recorrido, tendo em conta a isenção do primeiro e o apoio judiciário de que beneficia segundo.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008
Alves Velho
Moreira Camilo
Urbano Dias*
* Declaração de voto conselheiro Urbano Dias
Subscrevemos sem qualquer hesitação o douto acórdão.
A nossa discordância dirige-se apenas ao que consta do antepenúltimo e do penúltimo parágrafo de fls. 15.
Aí ficou escrito:
“Como é jurisprudência pacífica, não cabe ao Supremo usar, ele próprio, presunções judiciais…” e “… está vedado ao STJ extrair ilações dos factos provados”.
Com todo o devido respeito (e in casu é todo), cremos que não é de todo pacífica a visão perfilhada a respeito da possibilidade do Supremo “tirar” ilações.
O problema tem a ver com a perspectiva que temos da função do Supremo.
Não obstante a revogação do instituto dos assentos, adquirindo o Supremo uma função puramente jurisdicional, não deixou de se reconhecer, através da consagração do instituto/mecanismo dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência, a participação do julgador na tarefa de realização do Direito.
De acordo com a visão positivista tradicional, o Supremo perante uma situação jurídica concreta começaria o iter metodológico a meio, ou seja, apenas se deteria na análise da “questão-de-direito”. Não nos parece que as cousas sejam assim: o Supremo (e também a Relação), não pode deixar de o percorrer na íntegra, o mesmo é dizer que para decidir de mérito precisa de conhecer e sindicar os contornos da base factual.
A dicotomia facto/direito, na visão que perfilhamos, não corresponde a compartimentos estanques, antes pressupõe a dialéctica problema/sistema, de tal forma que nem a “questão-de-facto” se pode dizer puramente factual, nem a “questão-de-direito” se assume como sendo só de direito.
A “questão-de-facto” é complexa e divide-se em dois momentos: num primeiro de determinação da relevância jurídica a reconhecer à situação histórico-concreta do problema e num segundo na comprovação dos elementos específicos dessa relevância e dos seus efeitos.
Em qualquer destes dois momentos, o julgador não pode deixar de convocar o sistema: os factos só são relevantes por referência ao sistema, só podem ser qualificados em função do sistema e só podem ser comprovados tendo em vista o sistema.
Tendo em conta a distinção entre o momento da relevância e da comprovação, importa, para uma melhor compreensão da nossa visão, sublinhar que o art. 729º, nº 2 do CPC ao dispor que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do art. 722º” comporta duas notas simultâneas: é explicativa por um lado, de excepção por outro.
Explicativa na medida em que concretiza as hipóteses de erro que impossibilitam a alteração da matéria de facto: o erro na apreciação das provas e o erro na fixação dos factos materiais da causa.
De excepção na medida em que permite que o STJ altere a matéria de facto quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova.
O erro na apreciação das provas só tem razão de ser relativamente às provas sujeitas a apreciação.
Já quanto ao erro na fixação dos factos materiais da causa, pensamos que o Supremo só está impedido em relação aos que dependem da formação da convicção mediante a valoração livre das provas, estando, pois, excluídas da sua apreciação.
Como temos vindo a expor, queremos fazer notar que o legislador apenas afastou da competência do Supremo a sindicância sobre o juízo probatório.
Assim: o Supremo pode alterar a base factual nos casos de prova legal (casos em que é legalmente fixada quanto à sua admissibilidade e valor), bem como nos casos em que os factos não estão sequer sujeitos a instrução e comprovação.
Estamos a referirmo-nos aos factos notórios (art. 514º, nº 1), aos factos de conhecimentos funcional (art. 514º, nº 2) e aos factos presumidos a partir da base factual fixada (presunções judiciais).
Nestes casos e independentemente de alteração que isso possa comportar na base factual, o STJ não pode deixar de os atender para além ou mesmo contra o alegado ou provado.
Voltando a nossa atenção apenas para as presunções judiciais, diremos que estas são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC).
A jurisprudência e a doutrina têm assentado a discussão em saber se o conhecimento geral por interposição do qual se firmam estas ilações é facto ou direito.
Entendemos que se o facto desconhecido se retira da base factual fixada, ele, na verdade, já lá está, limitando-se o julgador a “trazê-lo à tona”, ou seja, a considerá-lo relevante. O Supremo pode, pois, perante a base factual fixada pelas instâncias, presumir outros factos. Com efeito, no acto decisório, o Supremo olha para os factos como o faz o juiz da 1ª instância antes de proferir a sentença, pelo que pode ilidir novas presunções a partir de “factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os factos que o tribunal colectivo deu como provados” (art. 659º, nº 3 do CPC), e tendo em conta as possíveis alterações das respostas aos quesitos feitas pela Relação.
Pode, ainda, o Supremo sindicar as ilações feitas pelas instâncias na medida em que contendam com a unidade lógica factual, o que resulta do poder de controlar a suficiência e coerência da base factual (art. 729º, nº 3 do CPC).
Está aqui explicada a nossa divergência de pontos de vista em relação aos poderes do Supremo, o que se reflecte decisivamente na compreensão dos seus poderes em matéria de presunções judiciais: para nós, não está impedido de “tirar” ilação dos factos que estejam provados.
É claro que esta nossa posição radica no pensamento de Castanheira Neves não só através do ensino na Faculdade de Direito de Coimbra como também nas suas obras, com especial destaque para “Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade”, Coimbra 1967, e para o artigo publicado na Revista Decana, Ano 129º, pág. 130 e ss. (“Matéria de facto – Matéria de Direito”).
Posição que deixamos já por várias vezes entranhada nos acórdãos que relatamos (ex: revista nº 4092/05, julgada em 21/02/06, e na revista nº 3698/07, no acórdão proferido em Conferência no passado dia 18/12/07).
Pretendemos apenas marcar a posição que temos defendido, convencidos da razão que nos assiste no ponto sublinhado relativo à competência do Supremo. Não que o que ficou dito no acórdão a respeito da impossibilidade de “tirar” a ilação em causa não esteja perfeitamente certo do nosso ponto de vista.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021803
Nº Convencional: JTRP00030818
Relator: CÂNDIDO DE LEMOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDATÁRIO
RENDA
PAGAMENTO
FALTA
MORA
DESPEJO
MORA DO CREDOR
EFEITOS
Nº do Documento: RP200101300021803
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 5J
Processo no Tribunal Recorrido: 510/99-1S
Data Dec. Recorrida: 13/07/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1048.
RAU90 ART22.
Jurisprudência Nacional: AC RC DE 1982/02/02 IN BMJ N316 PAG277.
AC RC DE 1989/02/29 IN BMJ N384 PAG664.
Sumário: I - Para fazer cessar a mora e obstar ao despejo, deve o inquilino pagar ou depositar as rendas em dívida acrescidas da indemnização de 50%, tal como prevê o artigo 1048 do Código Civil e 22 do Regime do Arrendamento Urbano.
II - Se não o fizer até ao prazo da contestação, o despejo é inevitável.
III - Só a recusa do recebimento da renda sem motivo justificado faz incorrer o senhorio em mora, não sendo o arrendatário obrigado a depositá-la nem a voltar a oferecê-la, nem tão pouco as posteriores, enquanto o senhorio não puser termo à mora accipiendi.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d05504e58449874880256f8e0054662a?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021147
Nº Convencional: JTRP00030763
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CUMPRIMENTO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP200101300021147
Data do Acordão: 30/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 3J
Processo no Tribunal Recorrido: 827-A/97-1S
Data Dec. Recorrida: 15/07/1999
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART74 N1 ART100 ART110.
CCIV66 ART774.
Sumário: I - A acção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação contratual que se traduz no pagamento de uma quantia em dinheiro deve ser proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu.
II - Nos termos do artigo 774 do Código Civil, a obrigação que tiver por objecto certa quantia em dinheiro deve ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
III - Propondo o autor a acção destinada a obter o cumprimento da obrigação emergente de um contrato de seguro no Tribunal da Comarca do Porto, por entender certamente que a ré aí tinha a sua sede, o que ela não impugnou, este tribunal é territorialmente competente para dela conhecer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/642ffa8ac9df963680256f8e00541241?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011431
Nº Convencional: JTRP00028909
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200101290011431
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG243
Tribunal Recorrido: T TRAB BRAGANÇA
Processo no Tribunal Recorrido: 304/98
Data Dec. Recorrida: 14/07/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCT69 ART31 N1.
DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART10 N11 N12.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/09/29 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG258.
Sumário: I - A caducidade do procedimento disciplinar baseia-se na inércia do empregador perante o conhecimento da prática de determinada infracção.
II - Aquela inércia não ocorre quando o empregador, perante a suspeita da prática de uma infracção, despacha ordenando a realização de diligências destinadas a apurar e precisar as irregularidades cometidas.
III - Independentemente da denominação que lhes seja dada, aquelas diligências já fazem parte do processo prévio de inquérito destinado a recolher os elementos indispensáveis à elaboração da nota de culpa e a sua realização, respeitados os condicionalismos referidos no n.12 do artigo 10 do Decreto-Lei n.64-A/89, suspende o prazo de caducidade do procedimento disciplinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/edee7074b47bd69680256f8e00595a08?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051593
Nº Convencional: JTRP00030730
Relator: FERREIRA DE SOUSA
Descritores: FORMA DE PROCESSO
COMPROPRIETÁRIO
DIREITOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200101290051593
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 607/96-3S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CPC95 ART1019 ART199 ART206.
CCIV66 ART2079 ART2093 N2 ART1403 N1 N2 ART1405 ART1406 N1 ART483 ART487 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1990/02/15 IN BMJ N394 PAG426.
AC RC DE 1983/06/28 IN CJ T4 ANOVIII PAG36.
Sumário: I - O que determina a forma de processo a usar é apenas a pretensão que se faz valer.
II - Em processo comum não pode um co-herdeiro fazer valer a sua pretensão ao recebimento da sua quota parte no rendimento de um prédio de herança que esteve indivisa e de que o demandado nem foi cabeça de casal.
III - O comproprietário pode utilizar todo o prédio comum - no caso só ocupou uma parte aproximadamente equivalente à sua quota - uma vez que observe as restrições impostas pelo artigo 1406 n.1 do Código Civil: não uso para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não privação dos demais comproprietários do uso a que igualmente têm direito.
IV - O facto de um comproprietário não usar o prédio para sua habitação, podendo fazê-lo em pé de igualdade com aquele que o utiliza, não lhe dá o direito, só por isso, a qualquer compensação a pagar por este.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3ec900593a9855cc80258089006492ce?OpenDocument |
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:022528
Data do Acordão:17/08/1999
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BENJAMIM RODRIGUES
Descritores:OPOSIÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
PROVA
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DE COGNIÇÃO
Sumário:I - A falta de citação, mesmo quando seja susceptível de prejudicar a defesa do citado, não é fundamento de oposição à execução por não estar como tal prevista na lei nem ser susceptível de levar à extinção desta, apenas se podendo conhecer dela no processo de oposição quando alegada com prejudicial da defesa aí feita (tempestividade da mesma).
II - Não tendo a 2 instância conhecido de certo fundamento do recurso por entender que era uma questão nova e se esta pronúncia não for atacada, mas apenas recolocada a mesma questão ao tribunal superior, este não deve igualmente conhecer dela, por inviabilidade para poder determinar a alteração do julgado.
III - O Supremo Tribunal Administrativo tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito nos processos inicialmente julgados pelos tribunais tributários de 1 instância (art. 21 n. 4 do ETAF).
IV - Os erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa apenas poderão ser conhecidos pelo Supremo Tribunal Administrativo nos processos referidos no número anterior quando haja ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado documento (art. 722 n.2 do CPC).
V - Os juízos de valor sobre matéria de facto cuja emissão se apoia em simples critérios próprios de um bonus pater familias ou com base em provas de livre apreciação só podem ser apreciados pelos tribunais com poderes no domínio da matéria de facto.
VI - Está nessa situação a culpa estabelecida como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária no art. 13 do CPT.
Nº Convencional:JSTA00051264
Nº do Documento:SA219990817022528
Data de Entrada:04/03/1998
Recorrente:DINIS , ALIPIO E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 1997/04/15.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPT91 ART13 ART286.
CPC67 ART722 N2.
ETAF85 ART21 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC20065 DE 1980/04/04.
AC STA PROC22586 DE 1998/06/17.
AC STJ DE 1992/01/15 FN BMJ N413 PAG487.
AC STA PROC21503 DE 1998/01/28.
AC STA PROC22761 DE 1998/10/25.
Texto Integral
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3eb1b9b1c1e46c80256f8f003dc8d6?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051603
Nº Convencional: JTRP00030070
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
DOCUMENTO PARTICULAR
NULIDADE
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
CONTRATO-PROMESSA
Nº do Documento: RP200101290051603
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPINHO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 1/99
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART393.
RAU90 ART7 N2 B.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1980/04/18 IN BMJ N296 PAG298.
AC STJ DE 1988/11/08 IN BMJ N381 PAG674.
AC STJ DE 1996/10/15 IN BMJ N460 PAG727.
AC RP DE 1996/05/12 IN CJ T3 ANOXXI PAG175.
Sumário: Provando-se que o que as partes quiseram pactuar foi um contrato de arrendamento comercial que, para ser válido, teria de constar de escritura pública, não pode operar-se a conversão daquele negócio, celebrado por mero documento particular, num contrato-promessa de arrendamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dcd8c30c956e5c0b80256f8f004f5ccc?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0050937
Nº Convencional: JTRP00029992
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP200101290050937
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 7J
Processo no Tribunal Recorrido: 262/98-1S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR TRIB - APOIO JUD.
Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART1 ART7.
CCIV66 ART9.
CONST92 ART13 ART20.
Sumário: O apoio judiciário pode ser concedido aos condomínios horizontais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/01bd28b5f3de74f680256f8f0056ff36?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051679
Nº Convencional: JTRP00030731
Relator: NARCISO MACHADO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DETERMINAÇÃO DO VALOR
Nº do Documento: RP200101290051679
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPOSENDE 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 452/98-1S
Data Dec. Recorrida: 14/07/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR EXPROP.
Legislação Nacional: CEXP91 ART25 N3 A H.
Sumário: I - Resultando dos autos que a parcela expropriada confronta com um caminho público em terra batida que liga à estrada municipal que se encontra a uma distância de 18 metros, esta sim pavimentada a betuminoso, não há que considerar a percentagem de 1% a que alude a alínea a) do n.3 do artigo 25 do Código das Expropriações de 1991.
II - Não estando a parcela expropriada inserida em zona social degradada, gozando de excelente exposição aos raios solares e situando-se em local arejado, sossegado e usufruindo de boas condições ambientais, é justa e equilibrada a percentagem de 6% a que alude a alínea h) do n.3 do artigo 25 do Código das Expropriações de 1991.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/19f71a5c1e982d9f80256f9000434075?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051573
Nº Convencional: JTRP00030059
Relator: LÁZARO DE FARIA
Descritores: ACTO PROCESSUAL
PRAZO JUDICIAL
VALIDADE
MULTA
PAGAMENTO
REQUERIMENTO
ACTO DA SECRETARIA
Nº do Documento: RP200101290051573
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV V N FAMALICÃO
Processo no Tribunal Recorrido: 774-B/99
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART145 N5 N6.
Sumário: I - Se o acto for praticado num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo legal, não se torna necessário apresentar requerimento a solicitar o pagamento imediato da multa devida.
II - Não se mostrando feito esse pagamento, a secretaria, logo que tal verifique, deve notificar o interessado para efectuar o pagamento em dobro da multa devida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/513de4dc5877eb8180256f900052476b?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051573
Nº Convencional: JTRP00030059
Relator: LÁZARO DE FARIA
Descritores: ACTO PROCESSUAL
PRAZO JUDICIAL
VALIDADE
MULTA
PAGAMENTO
REQUERIMENTO
ACTO DA SECRETARIA
Nº do Documento: RP200101290051573
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV V N FAMALICÃO
Processo no Tribunal Recorrido: 774-B/99
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART145 N5 N6.
Sumário: I - Se o acto for praticado num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo legal, não se torna necessário apresentar requerimento a solicitar o pagamento imediato da multa devida.
II - Não se mostrando feito esse pagamento, a secretaria, logo que tal verifique, deve notificar o interessado para efectuar o pagamento em dobro da multa devida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011183
Nº Convencional: JTRP00029297
Relator: CARLOS TRAVESSA
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
FACTOS
FORÇA PROBATÓRIA
REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP200101290011183
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T TRAB V N GAIA 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 278/99
Data Dec. Recorrida: 14/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Jurisprudência Nacional: AC RE DE 1994/05/24 IN BMJ N437 PAG613.
AC RL DE 1993/05/12 IN CJ T3 ANOXVIII PAG170.
Sumário: I - Os factos constantes do processo disciplinar e imputados ao arguido e o teor de depoimentos ou declarações não têm virtualidade probatória, uma vez que só a prova produzida em audiência, incluída a documental, releva para a decisão da causa.
II - Dar, na matéria de facto provada, como reproduzido certo documento, sem que se refira o seu conteúdo, apenas significa que o documento em causa se encontra no processo e não que esteja provado o seu conteúdo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4789
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
ISENÇÃO DE CUSTAS
Nº do Documento: SJ20080207047896
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Quem vive em união de facto com funcionário ou agente da Administração Pública não pode ser discriminado, relativamente a outra pessoa, em situação essencialmente idêntica, cujo “companheiro” era contribuinte da Segurança Social.
II. Assim, a disposição do art. 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência ( Decreto-Lei nº 142/73 de 31/03 ) – na medida em que prevê a pensão de sobrevivência se vença apenas no dia 1 do mês seguinte ao do requerimento da mesma, enquanto o disposto no art. 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94 de 18/01 para o regime geral da segurança social, prevê o vencimento daquela pensão no início do mês seguinte ao falecimento do beneficiário - é materialmente inconstitucional, por violar o princípio constitucional da igualdade previsto nos arts. 2º e 13º da CRP.
III. A Caixa Geral de Aposentações não beneficia de isenção de custas, nos processos a que se aplique o Código de Custas Judiciais, na versão aprovada pelo Decreto-Lei nº 324/2003 de 27/12.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA, solteira, instaurou acção declarativa, com forma ordinária, na 5ª Vara Cível de Lisboa, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo se reconheça judicialmente que:
a) - A A. e BB viveram 12 anos na situação prevista no artº2020º do C.C.;
b) - A A. necessita de uma pensão de alimentos;
c) - O falecido não deixou bens que possam suportar uma pensão de alimentos a A;
d) - Não pode obter alimentos da sua filha, pais ou irmãos;
e) - Goza na qualidade de titular do direito à pensão de sobrevivência por morte de BB nos termos do artº 6º da Lei 135/99, de 28/8 e, 42º nº2 do DL 142/73, de 31/3, na redacção do DL 191-B/79, de 25/6.
f) - A ré seja condenada a pagar à A. as prestações mensais, nos termos da lei sendo a pensão de sobrevivência devida desde o mês de Junho de 2004.
Alega, em síntese, que viveu por cerca de 12 anos e até ao óbito de BB, em condições análogas às dos cônjuges; o BB era pensionista da Caixa Geral de Aposentações; carece de alimentos e não os pode obter da filha, nem dos pais nem dos irmãos; o falecido não deixou bens que possam suportar alimentos à A.
Citada, a ré contestou, impugnando a factualidade invocada pela autora e, defendendo a improcedência da pretensão formulada de a "... pensão de sobrevivência ser devida desde o mês de Junho de 2004..."; alega que o artº 41º nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência estabelece que a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira.
Em audiência preliminar foi a A. convidada a concretizar a matéria que alega nos pontos 15º e 19º da p.i. - que os seus irmãos são pessoas pobres e sem capacidade económica de lhes prestarem alimentos.
A A. correspondeu ao convite.
Foi saneado e condensado o processo, procedendo-se a audiência de julgamento, onde foi dada nova redacção ao quesito 10º da base instrutória.
Realizou-se o julgamento e decidiu-se a matéria de facto, sendo, em seguida, proferida sentença que, julgando a acção procedente, decretou o seguinte:
“ Reconhece-se à autora a qualidade de titular do direito à pensão de sobrevivência, por morte de BB.
Essa pensão será devida à autora desde 1/6/04, desde que a autora a requeira no prazo de 6 meses após o trânsito em julgado desta sentença.”
Inconformada a ré, veio interpor recurso de apelação, tendo esta sido julgada improcedente.
Mais uma vez inconformada, veio a ré interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes:
- O art. 41º, nº 2 do EPS não é inconstitucional.
- Ao violar aquele preceito – válido, como se viu -, a sentença recorrida violou a lei, devendo ser revogada.
- A acção em causa – de mera apreciação ( e não condenatória ) -, não permite a condenação da CGA seja em que sentido for.
- Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência, deverá o douto acórdão recorrido ser substituído por outro que reconheça à autora o direito à pensão de sobrevivência a suportar pela ré Caixa Geral de Aposentações, com observância das regras constantes do nº 2 do art. 41º do E.P.S., assim, repondo a legalidade e se fazendo Justiça.
Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões da aqui recorrente se deduz que esta, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
A) O disposto do art. 41º, nº 2 do EPS não é inconstitucional e por isso deve ser aqui aplicado ?
B) A presente acção sendo de mera apreciação e não de natureza condenatória não permite a condenação da recorrente seja em que sentido for ?
Antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por apurada e que é a seguinte:
1º - BB faleceu em 25/05/2004, no estado civil de divorciado - A), dos Factos Assentes, doravante, FA.
2º - BB era pensionista da ré, com o nº 0007211715000 - B), FA.
3º - A A. recebe uma pensão mensal no valor de € 823,74 - C), FA.
4º - A AA nasceu em 18/01/1946, é solteira e é filha de JA e MA - D), FA.
5º - JA e AM faleceram respectivamente, em 07/11/1982 e, 19/03/1978 - E), FA.
6º - SM nasceu em 23-09-1979 e é filha da A. e de AJM - F), FA.
7º - LM, JCB e MCB, nasceram, em, respectivamente, 18-04-1928, 15-11-1942 e, 26-08-1933 e, são todos filhos de AM e, os dois últimos de JA - G), FA.
8º - A autora e BB viviam em comunhão de cama e habitação desde 1992 - resposta ao quesito 1º da Base Instrutória, doravante, BI.
9º - Praticando esses factos como se marido e mulher fossem e até ao óbito do falecido - Resp. ao 2º BI.
10º - A A. vive somente do que recebe da sua reforma, não dispondo de qualquer outra fonte de rendimentos ou bens - Resp. ao 3º BI.
11º - A A. tem a seu cargo uma filha que consigo reside - Resp. ao 4º BI.
12º - Mensalmente, em média, a autora tem as seguintes despesas:
- Prestação do empréstimo da casa, € 115,43;
- Seguro de Vida ( Tottasegur), € 8,04;
- Prestação de um empréstimo à Cofidis, € 100,00;
- Prestação de um Empréstimo ao Banco Totta, € 53,62;
- Prestação de um Empréstimo à Credifin, € 68,32;
- Luz (electricidade), € 32,68;
- Gás, € 16,59;
- Água, € 17,23;
- Condomínio, € 12,67;
- Seguro do carro, € 28,50;
- TV Cabo + Net Cabo, € 55,45;
- Prestação do cartão Universo, € 28,94;
- Cofre da Previdência dos Funcionários e Agentes do Estado, € 12,04;
- tem ainda despesas com a alimentação, vestuário, calçado, saúde e passe, valores mensais não apurados, - Resp. ao 5º BI.
13º - A autora tem problemas de circulação e osteoporose, carecendo de assistência, vigilância e tratamento médico - Resp. ao 6º BI.
14º - Com as doenças, a A. gasta um montante mensal não apurado - Resp. ao 7º BI.
15º - A A. tem recorrido a empréstimos bancários e auxílio económico de pessoas amigas - Resp. ao 8º BI.
16º - A filha da A. procura o 1º emprego - Resp. ao 9º BI.
17º - A irmã (da A.) LM é reformada do Centro Nacional de Pensões e recebe uma pensão de € 329, 44; a irmã MCB é reformada e recebe uma pensão mensal do Centro Nacional de Pensões, de € 216, 79; o irmão JCB é emigrante na Alemanha, há mais de 30 anos e, a A., ignora a sua morada e com ele não contacta desde que emigrou. - Resp. ao ponto 10º BI.
18º - BB só deixou bens de uso pessoal e mobílias usadas e sem valor. - Resp. ao 11º BI.
Antes de iniciarmos a apreciação das concretas questões acima referidas como objecto deste recurso, há que referir que aquelas improcedem integralmente, salientando-se que as mesmas questões foram já apresentadas na apelação onde foram fundamentada e acertadamente apreciadas e rejeitadas, não se coibindo a recorrente em repetir as mesmas conclusões no recurso de revista.
Por isso, bastar-nos-ia remeter para aquele acórdão a rejeição das pretensões aqui apresentadas em repetição pela recorrente.
Porém, sem a pretensão de acrescentar nada de novo, sempre iremos apreciar as referidas questões, embora de forma mais sintética.
A) Nesta primeira questão defende a recorrente que o disposto no nº 2 do art. 41º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência ( EPS ), aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79 de 25 de Junho não é inconstitucional.
Já nos pronunciamos sobre esta questão em acórdão deste Supremo Tribunal de 1-03-2007, proferido no processo 07A136 do ITIJ, em que o aqui relator foi igualmente relator e que, por brevidade, vamos transcrever em parte:
" Está aqui em causa a questão da aplicabilidade do disposto no art. 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – Dec.-Lei nº 142/73 de 31/03 - que para a atribuição daquele tipo de pensão aos herdeiros hábeis dos funcionários públicos estabelece como data de início do direito de percepção daquela, o dia 1 do mês seguinte àquele em que aquela seja requerida.
Por seu lado, para o regime geral da Segurança Social, o art. 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94 de 18 de Janeiro estipula que a pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, após o decurso daquele prazo.
O douto acórdão recusou a aplicabilidade daquele primeiro preceito na parte em que fixa como início do recebimento daquela pensão o dia 1 do mês seguinte àquele em que seja requerida, por propiciar uma desigualdade injustificada e violadora do princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 13º da Constituição da República.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou no acórdão nº 522/2006 de 26/09/2006 no sentido da inconstitucionalidade material referida.
E citando o acórdão deste Supremo Tribunal de 22-04-2004, proferido no recurso nº 3582/03 de que foi relator o Conselheiro Neves Ribeiro, diremos que não se encontra razões plausíveis para explicar a diferença ( significativa diferença ) de datas de início de vencimento da pensão de sobrevivência, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais, relativamente : aos titulares do direito à pensão, aos pressupostos do seu exercício e ao conteúdo patrimonial. E acrescenta aquele aresto que se não pode esquecer que obedecem à mesma necessidade social do beneficiário carente, quer se trate de ex-cônjuge ou “companheiro” do trabalhador, agente ou funcionário da Administração Pública, quer se trate de qualquer trabalhador da função privada, dependente ou liberal.
O princípio constitucional da igualdade previsto nos arts. 2º e 13º da CRP caracteriza-se como proibição do arbítrio, permitindo apenas que se possam estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas, sem as quais se incorrerá em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes. É essencial que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada – cfr. ac. TC nº 319/00, Diário da República, II série , de 18/10/2000, pág. 16785/16786.
E ainda citando o aresto deste Supremo acima referido, ainda acrescentaremos que o direito à igualdade material de tratamento do que é igual, não consente, por isso, qualquer discriminação positiva a favor do direito social à pensão de sobrevivência originado pelo exercício da função pública, sobre a pensão originada pelo exercício da função privada, relativamente à data do início de vencimento da pensão. Discriminar pela negativa, sem uma razão objectivamente fundamentadora da diferença, seria usar de dois pesos e de duas medidas, para ponderações e tamanhos, exactamente iguais.
Desta forma, não pode ser aplicado o disposto na parte final do nº 2 do art. 41º do EPS acima referido, por violar o referido princípio da igualdade, sendo, por isso, aquele dispositivo materialmente inconstitucional.”
Acolhendo aquelas considerações, julgamos improcedente a presente pretensão da recorrente.
B) Nesta segunda questão pretende a recorrente que sendo a presente acção de mera apreciação, não pode a recorrente ser condenada seja no que for.
Temos sérias dúvidas sobre o que pretende a recorrente com esta pretensão que já foi doutamente rejeitada na apelação e apesar da sua natureza claramente descabida, veio a ser reafirmada nesta revista.
Tal como refere o douto acórdão recorrido, a sentença de 1ª instância – confirmada pela Relação não condenou a recorrente a nada limitando-se a fazer uma mera apreciação de um direito da recorrida a uma pensão da recorrente dentro de certas condições e circunstancialismos.
Por isso, em nada foi ultrapassada a natureza da presente acção como acção de mera apreciação, nomeadamente, condenando a ré em qualquer injunção.
Com efeito, já acima transcrevemos propositadamente o teor decisivo da sentença de 1ª instância e aí nenhuma condenação da ré consta.
É certo que a autora na formulação do pedido – também acima transcrito - não foi muito feliz, pois no último dos pedidos alinhado fala em condenação da ré no pagamento de pensão de sobrevivência desde Junho de 2004.
Porém, a douta sentença de 1ª instância fez a interpretação da petição inicial no seu contexto global e fez proceder os pedidos nos termos correctos que resultava daquele contexto, nomeadamente, da regulamentação legal alinhada como fundamento dos pedidos.
Por isso, sendo certo que a presente acção tem natureza de acção de simples apreciação, não se procedeu na mesma a qualquer condenação da recorrente, pelo que procedendo esta pretensão, esta procedência é inócua para a decisão do presente litígio.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas nas instâncias e na revista a cargo da recorrente, pois ao contrário do que as instâncias concluíram, não há na lei qualquer norma que isente a mesma do seu pagamento ao contrário do que acontecia na versão anterior do Cód. de Custas Judiciais.
Com efeito, o art. 2º, nº1 al. g) do Cód. de Custas Judiciais, na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 224-A/96 de 26/11, previa a isenção subjectiva do pagamento das custas para recorrente.
No entanto o novo Cód. de Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei nº 324/2003 de 27/12 eliminou a norma citada que previa a referida isenção, não contendo qualquer disposição semelhante em outro lugar.
A primeira instância aplicou o disposto no art. 29º do Cód. de Custas Judiciais, para concluir que a recorrente beneficiava de isenção de custas, quando aquele dispositivo apenas prevê uma dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça e não prevê isenção de custas.
Tendo aquela nova redacção do Código em causa entrado em vigor em 1-01-2004 e aplicando-se aos processos entrados a partir desta data – cfr. arts. 16º e 14º do referido Decreto.Lei nº 324/2003 – e tendo a presente acção entrado em juízo em 10-12-2004, aplica-se esta nova redacção.
Desta forma não beneficiando a recorrente de qualquer isenção legal de custas, terá de arcar com o respectivo pagamento nas instâncias e na revista por ter decaído.
Lisboa, 07 de Fevereiro de 2008
Moreira Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Rui Maurício.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0041470ver acórdão STJ
Nº Convencional: JTRP00029930
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO
CONTRADIÇÃO
AMPLIAÇÃO
ALTERAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP200101290041470
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T TRAB MATOSINHOS 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 203/99
Data Dec. Recorrida: 06/04/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: CPC95 ART646 N4 ART653 N2.
CPT81 ART72 N1.
Sumário: I - O disposto no n.2 do artigo 653 do Código de Processo Civil não obriga o juiz a fazer um resumo dos depoimentos das testemunhas que foram decisivas para a sua convicção.
II - Obriga apenas a indicar os meios concretos de prova geradores da convicção e as razões da credibilidade que lhe foi reconhecida.
III - A contradição entre um facto especificado e um facto contido na resposta a determinado quesito não implica a anulação do julgamento, mas tão somente que a resposta seja dada como não escrita nessa parte.
IV - Os factos alegados para impugnar documentos de livre apreciação não têm de ser quesitados.
V - A resposta a determinado quesito não pode ser alterada pela Relação com base nos documentos de livre apreciação que foram decisivos para a convicção do julgador, se ao quesito tiver sido oferecida prova testemunhal e os respectivos depoimentos não tiverem sido gravados.
VI - No processo laboral, as nulidades da sentença têm de ser arguidas no requerimento de interposição do recurso e não nas alegações.
VII - A oposição entre a fundamentação e a decisão por naquela se ter omitido um facto que fora dado como provado não implica a nulidade da mesma, constituindo apenas mera irregularidade que pode ser oficiosamente suprida pela Relação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0050671
Nº Convencional: JTRP00030057
Relator: COUTO PEREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
OBJECTO
Nº do Documento: RP200101290050671
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PONTE LIMA
Processo no Tribunal Recorrido: 281/97
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR EXPROP.
Legislação Nacional: CEXP91 ART84 N1.
CEXP99 ART88 N1.
Sumário: I - Resultando do processo que a área referida na DUP era de x metros quadrados e que a vistoria "ad perpetuam rei memoriam", o auto de posse administrativa e o despacho de adjudicação do direito de propriedade aludem a uma parcela com tal área, a partir do recurso fica apenas em causa a fixação da indemnização devida pela expropriação de uma parcela de terreno com aquela área.
II - O expropriado não fica impedido de, em acção a intentar, fazer prova de que a área ocupada é superior à que foi objecto de expropriação e ser indemnizado pelo excedente de área ocupada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051551
Nº Convencional: JTRP00030058
Relator: FERREIRA DE SOUSA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
CESSÃO DE ARRENDAMENTO
SENHORIO
CONSENTIMENTO
PROVAS
PROVA TESTEMUNHAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP200101290051551
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 338/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: RAU90 ART7 N3 ART64 N1 F I.
CCIV66 ART334 ART394 N1 ART424 ART1049 F.
Sumário: I - Nos termos do artigo 1049 do Código Civil, aplicável por força do estatuído na alínea f) do n.1 do artigo 64 do Regime do Arrendamento Urbano, ao reconhecer o beneficiário da cedência do arrendamento como tal, o senhorio não goza do direito à resolução do contrato com base na cessão de locatário do réu.
II - A lei não exige que a prova do consentimento do senhorio para a transmissão da posição de arrendatário tenha de fazer-se por documento ou confissão.
III - Sendo a cláusula do contrato de arrendamento, segundo a qual não pode o arrendatário "sublocar ou ceder por qualquer outra forma os direitos do arrendamento, sem consentimento por escrito do senhorio e devidamente reconhecido", uma cláusula acessória e não essencial do contrato, a prova de tal declaração verbal pode fazer-se por qualquer meio, mesmo por testemunhas.
IV - O que importa é apurar se o mencionado consentimento corresponde à vontade do senhorio, interpretação susceptível de prova testemunhal à face do n.3 do artigo 393 do Código Civil.
V - Mas ainda que se entendesse que era inadmissível a prova por testemunhas do consentimento do senhorio para a cedência do arrendamento, este tomou conhecimento de que o primitivo inquilino, em 1977, deixava de residir na casa arrendada e concordou que o arrendamento se transferisse para o filho, passando este aí a viver há mais de vinte anos sem oposição do locador.
Intentar, agora, acção de despejo incorre o autor em abuso de direito, nos termos do artigo 334 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045317
Data do Acordão:11/08/1999
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:MACEDO DE ALMEIDA
Descritores:MILITAR
PROMOÇÃO
DANO MORAL
PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
Sumário:I - Incumbe ao requerente da suspensão de eficácia o
ónus de concretizar os prejuízos "de difícil reparação" para si advenientes da imediata execução do acto, através da alegação de factos ou circunstâncias suficientemente determinados e susceptíveis de convencer o tribunal de que os danos ou prejuízos em apreço se perfilam, segundo um juízo de normalidade e atentas a regras da experiência comum, como consequência adequada, típica ou provável dessa execução.
II - A um militar colocado na situação de "demorado na promoção" não é atribuído o estatuto do posto para onde será promovido, concretamente as regalias remuneratórias, pelo que os invocados prejuízos remuneratórios correspondentes àquele posto deixados de auferir por força de um despacho do Chefe de Estado Maior do Exército que o colocou na situação de "preterido na promoção", configuram prejuízos eventuais e futuros, como tais irrelevantes, para os efeitos da al. a) do n. 1 do art. 76 da LPTA.
III - Quanto ao prejuízo decorrente de uma eventual estagnação na carreira, sendo de ordem funcional, concretamente de uma perda de oportunidade de progressão imediata ao posto de major, não é de considerar prejuízo de difícil reparação, pois que é reparável através de eventual sentença anulatória do acto recorrido, mediante a reconstituição da situação actual hipotética, tal como se o acto não tivesse sido praticado.
IV - Só são de atender os danos de natureza extra- -patrimonial que atinjam um grau de gravidade e intensidade - aferida estas por padrões de carácter objectivo - que os tornem merecedores da tutela do direito, de harmonia com a doutrina vertida no n. 1 do art. 496 do C.Civil.
V - A passagem do recorrente por força do despacho referido em
II da situação de "demorado na promoção", para "preterido na promoção", por perda dos requisitos legalmente fixados, não tem a virtualidade de causar, em abstracto, um dano moral com a gravidade e a objectividade necessárias a que lhe seja conferida a relevância indispensável à verificação do requisito legal, não envolvendo qualquer juízo de desvalor ou de humilhação.
Nº Convencional:JSTA00052309
Nº do Documento:SA119990811045317
Data de Entrada:16/07/1999
Recorrente:ANTAS , JOSE
Recorrido 1:GENERAL CEME E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 1999/02/20.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:LPTA85 ART76 N1 A.
CCIV67 ART496.
EMFAR90 ART66 ART67.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1992/03/19 IN AD N373 PAG27.
AC STA DE 1995/01/05 IN AD N402 PAG658.
AC STA DE 1995/03/30 IN BMJ N445 PAG206.
AC STA PROC42230 DE 1997/06/05.
AC STA PROC40492 DE 1996/07/04.
AC STA PROC33393 DE 1994/01/18.
AC STA PROC34796 DE 1994/06/30.
AC STA DE 1994/01/18 IN AP DR DE 1996/12/20 PAG344.
AC STA PROC38461 DE 1995/10/17.
AC STA PROC43668 DE 1998/04/15.
Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051002ver acórdão STJ
Nº Convencional: JTRP00030740
Relator: BRAZÃO DE CARVALHO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP200101290051002
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV PENAFIEL
Processo no Tribunal Recorrido: 280/00
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1817 N2 ART1873 ART333 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1992/07/13 IN BMJ N419 PAG707.
AC RE DE 1994/10/13 IN CJ T4 ANOXIX PAG275.
Sumário: I - Os preceitos do Código Civil que estabelecem um prazo de caducidade para a propositura da acção de investigação de paternidade - artigos 1817 e 1873 - não são inconstitucionais.
II - O tribunal pode conhecer, oficiosamente, da excepção peremptória de tal caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba53cebfc895ded080256f81003bdb21?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051569
Nº Convencional: JTRP00029993
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP200101290051569
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J LAMEGO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 365/99
Data Dec. Recorrida: 13/07/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART456 N2 ART457 N1 ART266 ART266-A.
Sumário: I - Pelo simples facto de a autora - Associação de Municípios do Vale do Douro Sul - ter decidido reclamação para a qual era materialmente incompetente, de ter enviado o processo a tribunal sem resultar clara a apresentação da mesma reclamação, não pode concluir-se que a sua conduta se integra em negligência grave e seja por isso, passível de condenação como litigante de má fé.
II - Não ocorrendo nenhuma das situações constantes de qualquer das alíneas do n.2 do artigo 456 do Código de Processo Civil, não há actuação merecedora de condenação em multa e mesmo em indemnização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c137424f84c3e4e980256f81003d0e1d?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051667
Nº Convencional: JTRP00030758
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
GERENTE
RESPONSABILIDADE
CAUSA DE PEDIR
MATÉRIA DE FACTO
FALTA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200101290051667
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J PAÇOS FERREIRA 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 218/99
Data Dec. Recorrida: 08/05/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - DIR RESP CIV.
DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CSC86 ART78 N1 ART79 N1.
CCIV66 ART342 N1 ART483.
CPC95 ART193 A B ART493 N2 ART494 N1 ART498 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1997/11/25 IN CJSTJ T3 ANOV PAG140.
AC RC DE 1994/01/06 IN CJ T1 ANOXIX PAG7.
Sumário: I - É ao credor social que compete o ónus de alegar -artigo 342 n.1 do Código Civil- e provar factos de onde se possa concluir pela inobservância culposa do gerente, "in casu", de normas legais ou contratuais que visam a protecção dos credores da sociedade que "administra".
II - A causa de pedir da acção de responsabilidade, prevista no artigo 79 do Código das Sociedades Comerciais, é complexa, consistindo na invocação factual de existência de um crédito, da actuação culposa do gerente da sociedade devedora e que o seu gerente, director ou administrador, violou deveres legais e contratuais destinados a proteger os seus credores e, finalmente, que o património da sociedade devedora é insuficiente para garantir o crédito peticionado.
III - Não pode considerar-se que existe alegação de factos a articulação de expressões como "encerramento intempestivo das instalações da sociedade", "delapidação completa do seu património", "a não implementação do objecto societário".
IV - A não alegação de factos, por se tratar de falta de causa de pedir, tem como consequência a absolvição da instância por nulidade de todo o processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. “P.........., Ldª, intentou, em 21.2.1997, pelo Tribunal Judicial da Comarca de .......... - ... Juízo - acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra:
- José .......... e mulher Aurora .......... .
Alegando, em síntese, que:
- o Réu era o único gerente da sociedade comercial “P.........., Ldª”, que operava no mercado interno, adquirindo mercadorias a empresas como a da Autora;
- para além do Réu eram sócias a Ré mulher e a filha do casal;
- no exercício da sua actividade comercial a Autora vendeu diversas mercadorias à referida sociedade, que não foram pagas;
- para cobrança do seu crédito intentou várias acções, que foram julgadas procedentes, e diversas acções executivas;
- no entanto, nunca conseguiu cobrar o seu crédito, tendo de pagar as custas das acções executivas;
- o Réu marido, responsável pelos destinos da sociedade, simplesmente encerrou-a e abandonou-a;
- delapidou por completo todo o património societário que era a garantia dos credores;
- deixou de exercer o objecto societário;
- por estes factos, a Autora ficou sem receber o que lhe era devido;
- a Ré mulher, também é responsável pelo pagamento desta quantia, pois o Réu actuou sempre com o seu consentimento, tendo ambos implementado o projecto societário para auferirem rendimentos para fazer face aos encargos normais da vida familiar.
Concluiu pedindo que os RR. fossem condenados a pagar à Autora a quantia de 829.972$00, bem como nos respectivos juros vencidos e vincendos.
Os RR. contestaram, invocando, em súmula, que:
- efectivamente existiram relações comerciais entre as duas empresas;
- quem responde pelas dívidas da empresa é o património da sociedade;
- os factos eventualmente constitutivos dos créditos que a Autora invoca e a responsabilidade dos RR. não estão especificados nas suas circunstâncias de tempo, lugar, modo, quantidade e causa;
- a responsabilidade extracontratual é intransmissível e incomunicável entre os cônjuges;
- os RR. nunca se apropriaram de nada da sociedade;
Concluíram, pedindo que se julgasse a acção improcedente, absolvendo--se os RR. do pedido.
A Autora respondeu à contestação, nos termos de fls. 119 a 121, onde, em síntese, reiterou o já alegado na petição inicial.
2. A fls. 83, foi proferido despacho, designando data para “audiência preliminar, nos termos dos arts. 787º, 508º-A, do Código de Processo Civil, conjugados com a finalidade referida nas als. a), b) e c) do nº1, bem como das finalidades referidas no art. 2º, a) e c) do art. 508º-A do Código de Processo Civil”.
3. A fls. 95 consta a acta de audiência preliminar, ter sido ordenada a conclusão do processo, dada a complexidade da causa, “para ser proferida decisão”.
4. Por despacho de fls. 96 foi relegado para final o conhecimento da excepção da prescrição da responsabilidade civil do gerente da sociedade.
Nesse mesmo despacho, proferido ao abrigo do art. 508º, nºs 1, al. b) do nº3 do Código de Processo Civil, consta: “... a Autora foi convidada a apresentar novo articulado com vista a identificar em concreto os factos que a levaram a concluir pela responsabilidade dos RR. tendo-se aí considerado que a Autora se limitara a “tirar conclusões” sem ter alegado matéria de facto que permitisse ao tribunal concluir que a “sociedade possuía património e que o R. marido havia praticado actos tendentes a extraviar os bens que o compunham”.
5. A Autora apresentou a petição de fls. 99 a 110.
6. Os RR. apresentaram contestação - art. 508º, nº4, do Código de Processo Civil.
Considerando que o processo dispunha dos elementos necessários para conhecer de imediato do mérito da causa no despacho saneador – fls. 125-126 -, foi proferida decisão a julgar a acção totalmente improcedente , absolvendo os RR. do pedido, por, além do mais, se ter considerado:
- “(...) Que após convite feito na audiência preliminar à Autora para alegar factos em vez de conclusões, o certo é que a Autora “não acatou já que na nova petição inicial se limitou a colocar a “negrito” algumas frases que pretendiam demonstrar ao tribunal que a Autora entendia serem factos, quando, na verdade , são meras conclusões”.
Depois, considerou-se que a petição era deficiente, no concernente à alegação dos factos que integram a causa de pedir, pelo que o pedido não poderia deixar de ter sido julgado improcedente.
Inconformada como o assim sentenciado, recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
A) A recorrente accionou o recorrido marido com base no instituto da responsabilidade civil prática ilícita dos gerentes perante os credores sociais.
B) E accionou a recorrida mulher com base na alegação de que ele se teria colocado na posição de devedor em virtude de ter actuado para fazer face aos encargos da vida familiar, devendo ainda presumir-se o chamado proveito comum do casal.
C) E, para que demonstrada ficasse a dita responsabilidade civil, disse-se fundamentalmente que tinha havido o encerramento intempestivo das instalações da sociedade, (b) a delapidação completa: do seu património e, por último, (c) a não implementação do objecto societário.
D) Para além dos aludidos factos, trouxeram-se também à colação os factos demonstrativos dos prejuízos suportados pela Recorrente.
E) Esses factos envolveram o não recebimento, por si, dos seus créditos existentes em virtude de fornecimentos que teriam sido assegurados à sociedade gerida pelo recorrido marido, somando-se aos mesmos o que foi despendido com os procedimentos judiciais intentados.
F) Atento que a posição da recorrente foi contraditada pelos Recorridos, quer por impugnação, quer por excepção, findos os articulados haveria que decidir das excepções, se se considerasse ser isso possível, seguindo-se a elaboração da Base Instrutória, quiçá antecedida essa metodologia de Audiência Preliminar.
G) Ao não decidir no aludido sentido, teve lugar uma clara violação do disposto nos arts. 467º, n°1, 508°-A, 508°-B, 510° e 511° do Código de Processo Civil., especialmente deste último, isto na exacta medida em que teve lugar uma interrupção abrupta e anormal da própria evolução do processo.
Pelo exposto, entende-se que se deve revogar o douto Despacho Saneador-Sentença proferido pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de .........., mandando-se substituí-lo por outro no sentido do prosseguimento dos autos, com elaboração, por conseguinte, da necessária Base Instrutória, quiçá antecedida de decisão sobre as excepções que foram invocadas, acaso o Tribunal entenda que pode, desde logo, assegurar essa decisão, por os autos conterem elementos suficientes para esse efeito.
Assim decidindo - como se espera que se decida e como se pede que se decida - será feita a habitual e costumada e esperada JUSTIÇA!
Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a matéria de facto relevante para conhecer do recurso é a que consta dos itens 1) a 6), que aqui se tem por reproduzida.
Fundamentação:
A questão objecto do recurso, delimitada pelo teor das conclusões da recorrente que, em princípio delimitam o respectivo âmbito, consiste, essencialmente, em saber se o julgamento do mérito da causa no despacho saneador foi ajustado, tendo em conta a ponderação da Ex.ma Julgadora que a demandante, após ter sido convidada a apresentar nova petição inicial com alegação de matéria de facto pertinente à apreciação do pedido, persistiu alegando conceitos e formulando conclusões não assentes em factos.
Vejamos.
Com a acção visava a Autora provar a responsabilidade do réu marido, enquanto sócio-gerente da sociedade “P.........., Ldª”, amparando-se ao regime legal previsto nos arts, 78º e 79º do CSC- Código das Sociedades Comerciais.
Para tanto, alegou ter celebrado com tal sociedade contratos que por esta não foram cumpridos quanto ao pagamento do preço; contratos que podem ser qualificados como de fornecimento, “rectius”, compra e venda comercial.
Mais alegou que, para obter o pagamento coercivo das quantias em dívida, teve de recorrer a tribunal com o que despendeu quantias a título de custas, cujo reembolso igualmente reclamou.
O art. 78º, nº1, do CSC dispõe: - “ Os gerentes, administradores ou directores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Por sua vez o art. 79º, nº1, do citado diploma estatui - “Os gerentes, administradores ou directores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das sua funções”.
Para que o(s) gerente(s) de sociedade(s) por quotas possa(m) ser responsabilizado(s), directamente, perante os credores da sociedade, importa que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) O facto praticado constitua inobservância de disposição legal ou contratual destinada a proteger os credores sociais;
b) que a actuação seja culposa;
c) que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores.
Tal responsabilidade é de natureza delitual, e não obrigacional, pelo que importa, para que se possa falar em direito de indemnizar, a favor do credor social, por violação culposa de disposições legais ou contratuais, emergentes de actos de gerentes administradores ou directores da sociedade devedora, que se verifiquem todos os pressupostos do dever de indemnizar, previstos no art. 483º do Código Civil.
É ao credor social que compete o ónus de alegar – art. 342º, nº1, do Código Civil - e provar, factos de onde se possa concluir pela inobservância culposa do gerente, “ in casu”, de normas legais ou contratuais que visam a protecção dos credores da sociedade que “administra”. – cfr. art. 79º, nº1, do CSC e Ac. do STJ, de 25.1997, in CJSTJ, 1997, Tomo III, 140 e Ac. da Relação de Coimbra de 6.1.1994, in CJ, 1994, I, 7.
Vejamos, então, se a Autora alegou factos tendentes a demonstrar que o gerente da identificada sociedade praticou com culpa - dolo ou negligência - actos violadores de disposições da lei ou do contrato de sociedade, destinadas a proteger os credores sociais, e que o património da sociedade devedora se tenha tornado insuficiente para satisfazer os seus créditos, enquanto credora dela.
Importa considerar, apenas, o que a demandante verteu na petição inicial, após o convite feito pela Ex.ma Juíza, para que alegasse factos tendentes à demonstração de tais requisitos.
Convenhamos que na primeira petição a Autora , na verdade, par lá de ter demonstrado ser credora da sociedade gerida pelo réu marido, se limitou a afirmar umas quantas proposições conclusivas, tais como: “o primeiro réu delapidou totalmente o património da sociedade P.........., Ldª, património que era a garantia dos credores, tendo-o feito desaparecer sem nada, mas mesmo nada comunicar a ninguém”- art. 19º; “praticou actos claramente contrários à prossecução do objecto societário, encerrando a empresa e não implementando a sua actividade” - art. 27º; “o 1º réu houve por bem delapidar e desencaminhar todo o património social..”- art. 27º.
Na petição corrigida, a Autora produziu alegação praticamente igual - cfr. arts, 26º e 28º- continuando a falar em “delapidação por completo do património societário ... fazendo-o desaparecer sem nada, mas mesmo nada, comunicar a ninguém”; alegando, no art. 29º, que “o réu depois de ter promovido o encerramento da sociedade que estava imbuído de gerir com rigor e interessadamente e depois de ter delapidado o seu património, deixou completa e reiteradamente de exercer o objecto societário...”. Também não pode considerar-se alegação de matéria de facto o que consta do art. 36º da petição inicial.
Para a procedência da acção, não era suficiente a alegação de dívida da sociedade gerida pelo Réu, nem bastante para responsabilizar o seu sócio-gerente, a alegação de que encerrara o estabelecimento; importava que a Autora alegasse, concretamente, em que factos se consubstanciava a actuação culposa do gerente, e em que é que a conduta deste violou normas legais ou contratuais protectoras do credores da sociedade, bem como lhe competia, ainda, articular factos que pudessem revelar que o património da sociedade se tornara insuficiente para satisfazer os seus interesse de credora.
Competia à Autora alegar factos tendentes a demonstrar que a sociedade gerida pelo réu se devia ter apresentado à falência – arts. 5º e 6º do CPEREF - ou requerido a adopção de uma medida de recuperação adequada, por estar numa situação de falência e não o fez, por propósito, voluntário e consciente do seu gerente, com o fito de prejudicar os credores sociais.
Na petição corrigida, a Autora não alegou factos que, a provarem-se, pudessem responsabilizar o réu gerente da sociedade devedora, mormente por não ter carreado matéria de onde se pudesse concluir acerca da culpa deste, e de a insuficiência dos bens da sociedade para garantir o seu crédito (da demandante).
Na alegação da Autora, apenas se pode considerar factual, a alegação de que dispõe de crédito sobre a sociedade gerida pelo réu e que esta encerrara as suas portas( factos contudo, só por si, insuficientes para o êxito da sua pretensão), mas já não que esta delapidou o seu património e não implementou o objecto societário.
Tal seria insusceptível de quesitação e, logo, de prova.
Não pode considerar-se que existe alegação de factos, tendo em vista o pedido formulado, quando a Autora articula expressões como:
“- encerramento intempestivo das instalações da sociedade”;
- “delapidação completa do seu património”;
- “a não implementação do objecto societário”.
A causa de pedir da acção de responsabilidade, prevista no art. 79º do CSC, é complexa, consistindo na invocação factual de existência de um crédito, da actuação culposa do gerente da sociedade devedora, e que o seu gerente, director, ou administrador, violou deveres legais e contratuais, destinados a proteger os seus credores e, finalmente, que o património da sociedade devedora é insuficiente para garantir o crédito peticionado.
A causa de pedir é o facto jurídico concreto, onde o Autor estriba sua pretensão, o seu elemento identificador – art. 498º, nº1, do Código de Processo Civil.
No ensino de Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, 1º, 1981, 205:
“O próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstracção feita da relação jurídica que lhe corresponda”- (teoria da substanciação).
A Autora, por não alegar factos integradores da causa de pedir, apresentou petição inicial deficiente, por lhe faltarem factos indispensáveis para o êxito da sua pretensão e a acção não poderia, por isso, proceder.
No caso em apreço, mesmo após o convite que lhe foi feito para alegar factos demonstradores da causa de pedir invocada, que como vimos é, "in casu”, de índole complexa, a apelante repetiu, praticamente, quanto havia, conclusivamente, alegado.
A Instância recorrida julgou a acção improcedente no despacho saneador.
Cremos, todavia, que inexistindo alegação factual que legitime o pedido, tal não consente que, na fase processual do despacho saneador, a “sanção” seja a improcedência, com absolvição dos RR. do pedido, mas antes, por se tratar de falta de causa de pedir, de absolvição da instância, por nulidade de todo o processo - arts. 493º, nº2, 494º,nº1, e 193º als. a) e b) do Código de Processo Civil.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o saneador-sentença recorrido, ainda que por fundamento com ele não coincidente, já que, agora, se absolvem os RR. da instância.
Custas pela Autora.
Porto, 29 de Janeiro de 2001
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0051509
Nº Convencional: JTRP00029996
Relator: LÁZARO DE FARIA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP200101290051509
Data do Acordão: 29/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J V VERDE 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 262/98
Data Dec. Recorrida: 02/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ART483 ART562 ART564 ART566 N3 ART805 N3.
Sumário: I - A indemnização pela perda da capacidade de ganho, resultante de incapacidade permanente parcial, deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa do lesado, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, tendo-se em conta a data mais recente que puder ser atendida - o encerramento da audiência de discussão e julgamento.
II - Se o juiz, na sentença, relativamente aos danos materiais, condenou no pagamento de juros a partir da citação e quanto aos danos não patrimoniais fixou o início dos respectivos juros na data da decisão, referindo expressamente que a sua quantificação teve em conta a data da sentença, são os juros devidos apenas desde esta data, sob pena de haver duplicação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/70610bb6f952c34880256f810041a469?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031703
Nº Convencional: JTRP00030010
Relator: ALVES VELHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP200101250031703
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recorrido: 394/94
Data Dec. Recorrida: 14/11/1997
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N1 ART483 N1 ART487 ART566 N2 N3 ART805 N3.
CE54 ART7 ART10 N2.
CPC67 ART661 N2.
Sumário: I - Há concorrência de culpas dos respectivos condutores se, circulando dois veículos no mesmo sentido, em despique, a velocidade não inferior a 100 km/hora, um deles ultrapassa o outro, a cerca de 30 metros de curva apertada, tendo o condutor ultrapassante, ao entrar nesta curva, travado e perdido o controlo do veículo e sendo este embatido pelo outro veículo no momento da travagem.
II - Neste circunstancialismo, as culpas devem ser graduadas em 80% e 20%, para o condutor ultrapassante e o ultrapassado, respectivamente.
III - Sendo o caso de falta de prova de produção ou existência do dano, um dos requisitos de responsabilidade civil fonte da obrigação de indemnizar, é o próprio direito à indemnização que não está em condições de ser reconhecido, nada sendo possível de apuramento em execução da sentença.
IV - Sempre que o valor pecuniário da indemnização tenha sido objecto de actualização ao abrigo do artigo 566 n.2 do Código Civil - com reposição da situação anterior em termos monetários - a indemnização de juros a que se referem os artigos 805 e 806 deve sofrer a correspondente restrição, por forma a que só tenha lugar (se inicie) a partir da data a que se reporte a fixação da indemnização actualizada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/66c990b26e61716380256f810044c9c8?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031633ver acórdão STJ
Nº Convencional: JTRP00029991
Relator: JOÃO VAZ
Descritores: CHAMAMENTO À AUTORIA
INDEMNIZAÇÃO
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
Nº do Documento: RP200101250031633
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J
Processo no Tribunal Recorrido: 455/95-3S
Data Dec. Recorrida: 07/06/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CPC67 ART325 ART661 N1 N2.
CCIV66 ART562 ART566.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/12/12 IN BMJ N452 PAG378.
Sumário: I - Havendo chamamento à autoria a decisão de mérito visa a condenação do réu primitivo e não do "chamado", em relação ao qual tão só tem por finalidade impor-lhe o efeito de caso julgado, no pressuposto do direito de regresso que fundamentou o chamamento.
II - A indemnização pelo dano causado numa escultura pode não corresponder ao valor total, se o restauro puder manter a integridade inicial da "obra artística" e sem perda de valor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório:
No 8º Juízo Cível da Comarca do Porto, Maria Gabriela ......... propôs contra “C............”, acção com processo ordinário, pedindo que esta seja condenada a:
a) entregar-lhe imediatamente, em bom estado de conservação, na sede da Cooperativa ........, no Porto, a obra sem título, identificada em 8) da p.i.
subsidiariamente, para a hipótese de tal obra se ter extraviado, a pagar-lhe a quantia de 500.000$00, valor da mesma, acrescida de juros de mora, à taxa de 15% desde a citação até integral pagamento;
b) pagar-lhe a quantia de 2.398.000$00, acrescida de juros de mora à taxa de 15%, desde esta data até integral pagamento e a incidir sobre 2.000.000$00.
c) pagar-lhe o montante, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor de honorários que a A. terá de despender com a constituição de mandatário, para patrocinar esta acção.
Para tanto, alegou que, em 1993, foi convidada pela R. a expor obras suas na 5ª Bienal....., tendo entregue duas obras para esse efeito. A R. recebeu essas obras, responsabilizou-se pelo seu transporte para a exposição, obrigou-se a guardá-las e mantê-las em bom estado, responsabilizando-se por qualquer dano que viessem a sofrer, assumindo a obrigação de as devolver à A.. A R. não mais devolveu as obras, como também partiu um dos componentes de uma delas, inutilizando-a.
A R. chamou à autoria a Companhia de Seguros “.........”, o que foi deferido e aceitou.
Apenas a “Chamada” apresentou contestação, dizendo que:
A obra “Formas....” era constituída por 14 elementos componentes, dos quais só um se partiu e que poderá ser substituído por outro da mesma escultora; que tal acidente ocorreu durante a exposição, em circunstâncias não apuradas; que em relação à outra obra, nenhuma participação foi feita à “Chamada”.
Elaborou-se o Despacho Saneador e organizou-se a Especificação e o Questionário.
Procedeu-se a exame pericial à obra danificada, de que resultaram dois laudos autónomos: um do perito indicado pela A. (fls 124 a 127) e outro dos restantes peritos (fls 130 a 135) com o esclarecimento vertido de fls 144 a 146.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal Colectivo apresentou as respostas aos quesitos, pela forma que consta de fls 191 a 193.
De seguida, foi proferida sentença, pela qual se julgou a acção parcialmente procedente e se condenou a R. a entregar imediatamente à A., em bom estado de conservação, na sede da Cooperativa ........., no Porto, a obra sem título identificada no artº 8º da petição e a pagar à A. a quantia de esc. 2.000.000$00, acrescida dos juros calculados à taxa de 10% ao ano desde 1-1-94 até 17-4-99 e à taxa de 7% desde esta data até integral pagamento, absolvendo-a no mais.
Inconformadas com a sentença, dela interpuseram recurso a R. e a “Chamada”, em cujas alegações concluem pela forma seguinte:
- Alegações da R.:
1- Dado que no processo havia duas entidades com a posição de Rés, respondendo ambas, em abstracto, pelo pagamento da indemnização dos danos causados à Autora, deveria o Meritíssimo Juiz “a quo” ao condenar a Ré, ter indicado, expressamente, quem ficava obrigado ao pagamento: - a C........ ora recorrente, ou a Companhia de Seguros “.............”, fundamentando, devidamente a opção. Como não o fez, infringiu o nº1 do artº 659º do C.P.Civil pelo que a, aliás, douta decisão é nula nos termos da alínea d) do nº1 do artº 668º do C.P.Civil.
2- A matéria de facto que o Tribunal Colectivo deu como provada não foi tomada na devida conta pelo Meritíssimo Juiz “a quo”. Assim: a) a peça “Formas......” não tem o valor comercial de esc. 2.000.000$00 que a A. lhe atribuiu; b) a peça “Formas.....”, apesar de se haver partido um dos seus componentes, não ficou inutilizada, por completo; c) a parte partida da peça “Formas.....” pode ser substituída por outra da mesma autora; d) não tomando na devida conta a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal Colectivo, o Meritíssimo Juiz “a quo” desrespeitou o disposto nos nºs 2 e 3 do artº 659º do C.P.Civil.
3- A própria A. ao reclamar o pagamento da quantia de esc. 2.000.000$00 tomou, como pressuposto, que a dita peça “Formas.....” se inutilizou por completo, versão esta que o Tribunal Colectivo rejeitou. Consequentemente, o Meritíssimo Juiz “a quo” não pode tomar por correcto o dito valor de esc. 2.000.000$00. Ao fazê-lo, o Meritíssimo Juiz, mais uma vez, postergou, violando o nº3 do artº 659º do C.P.C..
4- A fixação do montante da indemnização deve subordinar-se à possibilidade da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Ora, como no caso em apreço a parte partida da obra “Formas.....” pode ser substituída por outra da mesma autora, tal possibilidade tem de ser tomada na devida conta na fixação desse montante. O Meritíssimo Juiz ao não tomar na devida conta essa possibilidade, violou o artº 562º do C.Civil.
5- Dado que não é aceitável um montante que é fruto exclusivo do exagerado subjectivismo do julgador, ter-se-à de entender que não foi possível quantificar os danos causados. Assim sendo, a fixação da indemnização deveria ter sido remetida para decisão ulterior, nos termos do disposto nos artºs 564º nº2 do C.Civil e do nº2 do artº 661º do C.P.Civil, disposições estas que o Meritíssimo Juiz “a quo” também violou.
- Alegações da “Chamada”:
1- A obra em causa é constituída por 14 elementos em pedra calcária e só um deles se partiu.
2- Esse elemento pode ser “facilmente substituído”, ficando o conjunto com a mesma “aparência”, como se diz nos esclarecimentos à perícia realizada.
3- Podendo o elemento partido ser “facilmente” substituído, é por aí que deve começar a indemnização devida à autora, de reposição natural da coisa danificada.
4- Se a reparação natural, à custa da Ré, não cobrir integralmente o dano causado à autora, haverá lugar a indemnização complementar em dinheiro.
5- É o que tudo resulta dos artºs 562º e 566º nº1 e 2 do C.Civil, que a douta sentença recorrida violou.
6-Tanto mais que não se provou que a obra fique “descaracterizada” com a substituicão do elemento partido e que ela tenha o valor comercial de 2.000 contos, que a autora pedia e em que a Ré foi condenada, sem fundamento legal.
A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
II- Fundamentos:
a) Factos tidos por provados na 1ª Instância:
1- A A. é escultora, usando o nome artístico de Gabriela ........ - A)
2- Teor e conteúdo da apólice de seguro de fls 33 a 37 - B)
3- A A. expôs obras suas na 5ª Bienal de Escultura/Desenho, que decorreu entre 14 de Agosto e 22 de Setembro desse ano e levada a efeito no Atelier-Museu Municipal ........., acontecimento cultural esse organizado e da responsabilidade do Pelouro da Cultura da Ré - r.q.1º
4- A A. entregou na Cooperativa ......... do Porto, duas obras, para serem expostas - r.q.2º
5- Uma dessas obras é em calcário e aço, com as dimensões de 225X60X20 intitulada “Formas......”, à qual a A. atribuiu o valor de 2.000.000$00 - r.q.3º
6- A A. entregou ainda outra obra, sem título, com as dimensões de 130X100, em giz grafite sobre madeira, à qual a autora atribuiu o valor de 500.000$00 - r.q.4º
7- A R. recebeu essas obras em 12-7-93 - r.q.5º
8- Responsabilizou-se pelo seu transporte para a exposição, obrigou-se a guardá-las e mantê-las em bom estado, responsabilizando-se por qualquer dano que viessem a sofrer e a efectuar, para o efeito, um contrato de seguro das mesmas enquanto as mantivesse em seu poder - r.q.6º
9- E assumindo ainda a obrigação de as devolver à A., entregando-lhas na Cooperativa ......., nesta cidade, até final de Setembro desse ano - r.q.7º
10- A R. não mais devolveu a obra referida no quesito 4º - r.q.8º
11- Quanto à obra “Formas.....” a Ré não a devolveu à A. no final da exposição e a mesma partiu-se num dos seus componentes - r.q.9º
12- Desde finais de 1993 que a A. tem reclamado à Ré a indemnização correspondente ao valor desta peça - r.q.10º
13- A parte partida da obra “Formas.....” pode ser substituída por outra da Autora - r.q.14º
14- O acidente aconteceu durante a exposição, em circunstâncias não apuradas - r.q.16º
B) Apreciação dos factos e sua qualificação:
É pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, nos termos dos artºs 684º e 690º do C.P.Civil.
A R./recorrente suscita três questões, pela forma seguinte:
Na sentença recorrida não foi definido quem ali se condenou a pagar a indemnização; a peça “Formas.....” não tem o valor comercial que a A. lhe atribuiu; a fixação da indemnização deve subordinar-se à possibilidade de reconstituição da peça danificada, a ser submetida a decisão ulterior (liquidação em execução de sentença).
No que respeita à primeira questão, a recorrente não tem razão.
A função de “parte” é desempenhada pela R. C............ que é a demandada primitiva neste processo. A Companhia de Seguros “.......” intervém nos autos, apenas, para, também, assumir a defesa (como “Chamada à Autoria”, que aceitou expressamente), por lhe poder ser assacada responsabilidade a título de direito de regresso - como se previa no artº 325º do C.P.Civil (anterior redacção à introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12-12).
Embora a “Chamada” passe a intervir nos autos como se R. fosse (cabendo-lhe o direito de, autonomamente, deduzir a defesa pertinente à questão suscitada na acção) a decisão de mérito visa a condenação do R. primitivo e não do “chamado”, em relação ao qual tão só tem por finalidade impor-lhe o efeito de caso julgado, no pressuposto do direito de regresso que fundamentou o chamamento. - v. entre outros, A. dos Reis, In “C.P.Civil, anotado, 3ª ed. vol.I, pág. 436; Lopes Cardoso, in “Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 2ª ed., pág. 113; Ac. do STJ, de 12-12-95, in BMJ 452, pág. 378.
Por isso, ao condenar-se a R., na sentença recorrida, não se quis nem pode ter-se querido dizer outra coisa que não fosse a de condenar a C..........., como primitiva R. na acção.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, não ocorre a invocada nulidade da sentença, pelo que improcede, nesta parte, o recurso da apelante.
Em todo o caso, sempre se dirá que tal nulidade, a existir, sempre seria suprida por este acórdão (artº 715º do C.P.Civil).
A factualidade provada, no que respeita ao valor da obra de arte “Formas.....” limitou-se a reproduzir o valor indicado pela A., aquando da exposição a que os autos aludem.
A fixação desse valor teve por base a formulação apresentada pelos Srs Peritos nos relatórios que apresentaram na sequência do exame pericial a que procederam e cuja indicação, segundo referiram, teve essa mesma origem.
É certo que não se logrou apurar qual o preço que o público, em geral, (ou se quisermos, um indivíduo medianamente interessado, sagaz e prudente no que respeita a esse conhecimento específico) estaria disposto a oferecer por aquela obra escultórica.
Mas não nos parece que, no caso presente, o conhecimento dessa circunstância seja decisivo para se determinar o valor a atribuir àquela peça artística.
O valor agora peticionado não foi indicado, pela primeira vez, nos autos: ele provém da indicação que já constava desde o início da exposição e apresentado como preço da obra pedido pela A. - foi, pois, o valor que esta lhe atribuiu e no qual se contempla, (segundo supomos) a “obra” em si mesma, e com menor destaque (como também supomos) o valor dos materiais incorporados.
Tal valor foi respeitado, como preço da obra, no decurso da exposição, como consta da indicação vertida no documento/recibo de fls 7, pelo qual se refere ter sido efectuado seguro por esse valor - trata-se de documento emitido, conforme consta do respectivo cabeçalho pela mencionada entidade “Bienal.....”.
Com todo o devido respeito por opinião diversa, também nos parece que na falta de outros elementos que demonstrem o contrário, não pode deixar de se atender a esse valor atribuído pela A. que, por respeitar a uma obra de arte, não deixa de ter um carácter predominantemente subjectivo mas que, em princípio e aparentemente, se fundamenta num critério de aferição pelo seu valor comercial - nada em contrário os autos referem e, pela natureza e significado da “obra” não deixa de merecer que se atenda ao valor indicado (que, pelo menos não parece ser exagerado), tanto mais que foi apresentado fora do domínio deste processo e sem que a sua instauração, então futura, fosse previsível.
Por isso, entendemos não ser correcto alterar esse valor considerado na sentença recorrida, o qual se mantém, com a improcedência do recurso, nesta parte.
Foi inutilizado um elemento do conjunto escultórico criado pela autora - e esta defende que daí resulta a inutilização completa da obra.
Vejamos se, no presente caso, é assim:
Entre outras possíveis definições de “arte”, podemos apontar algumas referências que exprimem o seu sentido e significado: “uma realização com o intuito de dar prazer pela emoção estética ou sentimento de beleza”; “por existir no artista uma ideia-emoção de beleza, o índice do caracter artístico da sua obra é a capacidade de transportar essa ideia do espírito do criador ao espírito do contemplador” - pode ler-se na “Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira”, no lugar próprio.
Seja como for, não podemos ignorar que a criação artística é um acto irrepetível - a obra de arte nasce num dado momento, quiçá fruto de emoção quantificável e qualificável, resultado de um acontecimento ou influenciada por uma circunstância relevante para o seu autor, a que se adita uma dose, maior ou menor de inspiração ... tudo se incorporando na obra, imbuída de uma espiritualidade e formando um todo com que se pretende exprimir um sentimento de beleza transmissível para quem a contempla.
Daqui decorre que a peça de arte se sente, para além da beleza que possa exprimir, através da sua história, das condições em que foi realizada, de quem e porque a executou, das condições da vida do autor, etc, etc.
Mas a obra de arte não é um ser transcendente - também é objecto, pois se contem nos limites da matéria que a integra. E, embora possa ser utilizada para decorar, não é objecto decorativo - ao invés das que tem exclusivamente este fim útil, já que aquelas outras visam, primordialmente, fins estéticos.
Daí se compreender que o artista sinta a sua obra como algo não só criado pelas suas mãos mas também e em especial pela sua mente permeada por sentimentos e emoções.
Sendo assim, compreende-se que a A., como autora da obra “Formas ......” considere que esta foi inutilizada com a destruição de um dos seus elementos - e (se bem pensamos) é como se a obra tivesse sido mutilada gravemente, pois que o elemento destinado a substituir o danificado já não tem a mesma “história”; sente que altera o “espírito” da peça e, por isso, rejeita a reparação que considera um “remendo”.
No entanto, parece-nos que tudo deve ser analisado em função de parâmetros que perpassam pela ponderação dos interesses em jogo e análise objectiva dos elementos fornecidos pelos autos.
Como se referiu, uma obra de arte assume valor intrínseco pela “originalidade” - esta tomada no sentido de “criativa” ou “diferente” mas também em atenção ao “original” da própria peça - as reproduções ou cópias, mesmo que executadas pelo próprio autor, têm valor inferior ao do original (falta-lhes o elemento criativo, que só o acto de criar e contido no original lhe pode incutir ... e, por isso, inimitável).
Mas, porque a peça de arte também é objecto, o seu espírito pode bem ser conservado se o restauro da mesma não alterar o conteúdo inicial - se houver reformulação sem perda do valor artístico que tinha à partida. E assim, podemos apontar, como exemplos disso, os restauros que a cada passo são levados a cabo em obras de arte antigas (pinturas, p.e.), degradadas pelo tempo, muito embora tais trabalhos não sejam levados a cabo pelos seus autores .... porque se o fossem, então o restauro, para além de respeitar o espírito da peça, em nada alteraria a sua originalidade.
No final de contas, tudo se resume em saber se o restauro é viável, por forma a repor a obra de arte no estado em que anteriormente se encontrava, em particular se tal ocorrer por acção do próprio autor.
No caso destes autos, a destruição foi, não só parcial como o foi de um elemento independente, no conjunto escultórico.
A sua substituição parece não implicar alteração do conteúdo global da obra - quando muito, poderia alterar o seu “espírito”, se o novo elemento não tivesse o mesmo enquadramento (em especial, segundo a percepção da sua autora) ... e tal poderia ocorrer, pela diversidade de forma, de cor, de textura (nomeadamente em atenção à continuidade ou relação com a restante “escultura”).
No entanto, afigura-se-nos não ser o caso, face aos elementos probatórios colhidos nos autos - os tidos como provados pelo tribunal “a quo”, complementados com os que resultam do exame pericial levado a cabo no momento oportuno.
Da resposta ao quesito 14º (fundada no exame pericial, como consta da “motivação”), o aludido elemento inutilizado pode ser substituído por outro - significando que tal ocorrerá sem que se altere a harmonia do conjunto da obra (em princípio, desde que tal ocorra por acção da A., como é evidente e se referiu) .
Os dois Srs. Peritos que formaram maioria dizem, em resposta a esclarecimentos que lhes foram solicitados, além do mais, que: “a substituição de um elemento por outro perfeitamente igual mantém a mesma aparência”; “dado que se trata de peças individualizadas, o elemento em causa é de fácil substituição”; “para a sua determinação, teve-se em conta, a sua textura granolométrica e em especial, da sua tonalidade que apresenta uma grande uniformidade, características que correspondem a pedras de igual natureza existentes em pedreiras de calcário, mesmo, em serrações de pedra de calcário semi-rijo”.
Destes elementos factuais não pode deixar de se concluir que o restauro da escultura danificada é possível, nomeadamente por forma a manter a integridade inicial da “obra artística” e sem perda de valor. De facto, mesmo que se considerasse (o que não está suficientemente esclarecido nos autos) que os aludidos 14 elementos tivessem sido extraídos de um único bloco de calcário e dispostos pela ordem do respectivo corte (a fim de harmonizar e dar continuidade aos respectivos veios e cores) a uniformidade da textura e da tonalidade facilitariam a substituição - atente-se, aliás, a este propósito que, como resulta do cliché fotográfico de fls 6, os mencionados elementos foram dispostos em “dominó” sobre a base metálica (portanto, sem aparente solução de continuidade das respectivas texturas).
Pelo que se expôs, entendemos que a indemnização não pode corresponder ao valor total da escultura “Formas.....” mas apenas ao dano correspondente ao elemento destruído, consubstanciado no seu restauro, o que melhor se concilia com os comandos vertidos nos artº 562º e 566º do C.Civil - parece-nos tanto bastar para que se reconstitua a situação anterior à lesão.
Trata-se de dano que, pela sua natureza, se integra na causa de pedir e se contém no valor do pedido, pelo que haverá de ser considerado, por a tanto não se opor o disposto no artº 661º nº1 do C.P.Civil.
No entanto, não constam dos autos elementos que permitam a liquidação da indemnização por esse dano, pelo que terá de se proceder ao seu cálculo em liquidação a efectuar em execução de sentença (artº 661º nº2 do C.P.Civil).
Assim e nesta parte se alterará a sentença recorrida.
- No que respeita ao recurso da “Chamada” valem as considerações já expendidas, para as quais se remete a sua apreciação, atento o facto de incidir sobre a última questão versada pela R. C............ .
A sua procedência é consequência necessária da alteração da sentença, pela forma e nos termos ali pretendidos.
Remete-se, quanto ao resto, para os fundamentos apresentados na sentença recorrida.
III - Decisão:
Pelo exposto, julga-se a apelação da R. C........... parcialmente procedente e procedente a da “Chamada” “Companhia de Seguros ...........”, pelo que se altera a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar à Autora a quantia de esc. 2.000.000$00 e juros de mora, que se substitui pela sua condenação no pagamento à A. da indemnização a que houver lugar com os custos do restauro da obra “Formas......” e substituição do elemento danificado, a liquidar em execução de sentença.
Custas pela A. e pela R., na proporção de ¾ e ¼, estando aquela dispensada do seu pagamento, atento o Apoio Judiciário concedido, e a R. isenta, nos termos do artigo 2º n.1 e) do C.C. Judiciais.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
João Carlos da Silva Vaz
Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031810
Nº Convencional: JTRP00031371
Relator: NORBERTO BRANDÃO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RP200101250031810
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CIV VIANA CASTELO
Processo no Tribunal Recorrido: 80/97-1S
Data Dec. Recorrida: 22/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART496 N1.
Sumário: É de atribuir a indemnização de 3.000.000$00 por danos não patrimoniais à vítima de um acidente de viação que sofreu traumatismo craniano, ficou incapacitado para a sua profissão habitual -estucador- ficou desempregado, esteve longo tempo internado num hospital, sofreu grandes dores, que se prolongam no tempo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4403
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
DIREITO AO BOM NOME
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
RESPONSABILIDADE DO DIRECTOR DE PUBLICAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: SJ20080207044032
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Sumário :
1 . No domínio do pensamento, da expressão e da informação, a regra é a liberdade.
2 . Esta ideia-base de liberdade encerra, porém, restrições.
3 . Na concretização da fronteira entre aquela e estas, deve ser tido em conta o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, concomitantemente, deve ser acolhida a interpretação que dele faz o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
4 . Da jurisprudência que vem sendo firmada por este, resulta uma imposição no modo de pensar: Não se justifica que se pense, logo à partida, sobre se determinada peça jornalística ofende alguém. Deverá, antes, partir-se da liberdade de que gozam o ou os respectivos autores. Só depois, se deve indagar se se justifica – atentos os critérios referenciais do mesmo tribunal, com inclusão duma margem de apreciação própria por parte dos órgãos internos de cada um dos Estados signatários da Convenção - a ingerência restritiva no campo dessa mesma liberdade e a consequente ida para as sanções legais.
5 . O que não significa que os casos de ingerência restritiva não assumam intensa relevância, na perspectiva dos valores essenciais ao ser humano.
6 . Sendo de considerar, na margem de liberdade que assiste aos órgãos de cada um dos Estados signatários da Convenção e, dentro dela, aos órgãos portugueses, as normas interessantes do Direito Penal, o artigo 484.º do Código Civil e, bem assim, além do mais que ao caso couber, o constante do Estatuto dos Jornalistas.
7 . Neste quadro, é de considerar ainda situada no campo da liberdade, a referência, em semanário, relativa a instituição que prossegue fins humanitários de luta contra uma doença, de que há irregularidades de gestão de cerca de 240 mil contos recebidos de dois ministérios, que relativamente aos donativos de particulares e empresas a situação é ainda mais complicada, que os donativos em espécie também são fonte geradora de polémica e que ainda hoje ninguém sabe do paradeiro de quadros doados à instituição, tudo numa altura em que se verificavam investigações das autoridades que colocaram diversas questões de procedimento e funcionamento da mesma instituição.
8 . Mas já se situam no campo das restrições à mesma liberdade, no capítulo da ofensa à honra na modalidade do bom nome, as notícias inseridas em duas edições desse semanário, com muita relevância e fotografia da directora de tal instituição, em que se imputou a esta vida luxuosa – com referência pormenorizada a propriedades, viagens e desaparecimento de obras de arte – à custa do património da instituição e à sombra da luta contra a doença por esta prosseguida, nada se tendo provado a respeito de tal vida, ou de desvio de fundos ou, ainda, de apropriação de obras de arte.
9 . Na determinação do quantum indemnizatório respectivo, há que atender aos critérios do artigo 494.º, por remissão do artigo 496.º, n.º3, ambos do Código Civil, com ressalva do relativo à situação económica da lesada que é afastado pelo artigo 13.º da Constituição da República.
10. Sendo ainda de considerar os valores que vêm sendo atribuídos noutros casos, por este tribunal, havendo, outrossim, vantagem em reparar nos montantes que vêm sendo fixados pelos tribunais dos países com os quais temos mais estreitas afinidades.
11 . É, assim, adequado o montante compensatório de € 12.500 relativo ao referido em 8.
12 . Se dos factos não resultar que o director da publicação teve conhecimento e não se opôs à publicação das notícias referidas em 8, não deve ele ser condenado.
13 . As suas funções poderiam levar a menor exigência de prova sobre o seu conhecimento prévio das notícias ou até levar a presunções judiciais que a tal conduzissem – estas, se não afastadas pela resposta negativa a pontos da BI em que se perguntasse tal matéria e se tivesse respondido não provado - mas tudo isso é alheio aos poderes deste Supremo Tribunal em recurso de revista.
14 . O abuso do direito, na modalidade da neutralização do direito, “supressio” ou “Verwirkung” tem os mesmos pressupostos do reportado ao “venire contra factum proprium”, substituindo-se o facto próprio pelo decurso do tempo.
15 . Não tem, então, lugar no caso de apenas se ter provado que a autora, até vir a juízo, quase esgotou o prazo de prescrição relativo ao seu direito.
16 . Ainda que o autor principal das notícias não seja o autor dos títulos, subtítulos, textos e aposição das fotografias das primeiras páginas e títulos e subtítulos das páginas interiores, não deve deixar de ser responsabilizado pela totalidade da indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I –
Associação BB e AA moveram a presente acção declarativa ordinária a:
CC Publicações Periódicas, SA; DD e EE.
Alegaram, em síntese, que:
O semanário da 1.ª R., tendo por director o 3.º R., publicou, em 2000, notícias falsas, da autoria principal do 2.º R., segundo as quais a 2.ª A., aproveitando-se do património da 1.ª A., tinha casas em vários locais e de preços elevados e fazia compras de montantes elevados, sendo ainda responsável pelo desvio de obras de arte doadas à 1.ª A., notícias que, pondo em causa a sua seriedade, causaram danos, ressentindo-se a 1.ª A. nos donativos que habitualmente recebia, enquanto a 2.ª A. sofreu uma crise do foro psíquico que afectou a sua vida pessoal e profissional.
Pediram, em conformidade:
A condenação solidária dos réus a pagar, a cada uma delas, € 45 000,00;
A condenação da 1.ª R. a publicar a decisão condenatória.
II –
A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença em que:
Se condenou a 1.ª R. e o 2.º R., solidariamente, a pagarem à 1.ª e 2.ª AA., respectivamente, as quantias de € 5 000,00 e € 20 000,00, acrescidas dos juros de mora desde o seu trânsito em julgado e até integral pagamento e ainda a 1.ª R. a publicar, por extracto, após o trânsito, a decisão condenatória.
O 3.º Réu foi absolvido.
III –
Desta decisão apelaram as AA. e o 2.º R. e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu nos seguintes termos:
“1) Negar provimento ao recurso das Autoras.
2) Conceder parcial provimento ao recurso do 2.º Réu, revogando, nessa parte, a sentença recorrida e, em consequência, absolvendo a 1.ª R. e o 2.º R. do pedido formulado pela 1.ª A. e condenando-os no pagamento, à 2.ª A., da quantia de € 12 500,00, e confirmando quanto demais.”
IV –
Ainda inconformados pedem revista:
As AA;
O réu DD.
Vamos conhecer primeiro do recurso daquelas.
V –
Concluem as alegações do seguinte modo:
ACERCA DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO ATRIBUÍDO À 2.ª A.
A) A indemnização fixada pelas instâncias a favor de AA - 20.000 € na 1.ª instância, reduzida a 12.500 € na Relação - é excessivamente modesta, quase insensível ao sofrimento causado, quando a ora Recorrente foi publicamente exposta, em duas semanas seguidas, à mais vil das acusações: a de que teria enriquecido, de forma extraordinária e chocante, à custa da instituição de solidariedade social que fundara, o que teria dissimulado através de "testas de ferro" e negócios simulados.
B) Toda a matéria factual em que assentou essa acusação de enriquecimento ilegítimo era falsa, não tendo qualquer espécie de suporte: AA não era proprietária de nenhuma das casas, quintas ou montes descritos no jornal AA não tinha os gastos absurdos aí relatados; AA nunca desviou obras de arte em proveito próprio; FOI TUDO UMA CALUNIA.
C) Tais notícias provocaram na Recorrente um intenso sofrimento moral e uma crise do foro psíquico, tendo lançado uma nuvem de suspeição acerca da sua seriedade e honorabilidade, tendo-se baseado em boatos e conjecturas que o jornal não testou com um mínimo de rigor.
D) No acórdão da Relação, escreve-se que a indemnização de 12.500 € assenta nos padrões médios seguidos pela jurisprudência nacional para casos idênticos, mas, S.M.O., tal proposição não é verdadeira - sendo arbitrária a sua formulação -, uma vez que, nos últimos anos, são significativamente mais altas as indemnizações atribuídas pela violação do bom nome de pessoas públicas, quando se está perante factos reveladores de negligência grave, que afectem de forma intensa a sua honorabilidade, como é o caso.
F) A Recorrente sustenta mesmo que não tem memória de uma acusação tão infame como a que lhe foi dirigida assente numa base factual tão falsa como aquela que os factos evidenciam, o que torna particularmente chocante a tese do acórdão recorrido de que se terá pautado por padrões médios.
F) O acórdão recorrido funda-se ainda na circunstância de se desconhecer que a publicação em causa fosse de expansão nacional, pelo que não seria possível atribuir aos danos uma grande extensão, que certamente teria, se a publicação tivesse a referida natureza.
G) Porém, a evidência não é essa, já que é facto público e notório que o "CC" - nunca tendo tido a projecção do "Expresso" ou, na sua fase áurea, do "Independente" - foi um semanário nacional, que era regularmente exposto nos escaparates dos postos de venda de todo o país, como sabe o homem comum médio.
H) A gravidade excepcional das ofensas em causa, a negligência grave com que foram produzidas e as devastadoras consequências desses actos justificam o pedido formulado na p.i.
O DIREITO DA 1.ª A. À INDEMNIZAÇÃO
1) O acórdão da Relação não reconhece à 1.ªA. o direito a qualquer indemnização porque as notícias em causa compreender-se-iam - no que a si respeitava – no exercício do direito à liberdade de imprensa o que excluiria a ilicitude.
J) Justificaria tal proposição a circunstância de, na materialidade provada, só ser susceptível de atentar contra o seu bom nome a atribuição de "irregularidades na gestão dos cerca de 2-10 mil contos" e que "em relação aos donativos de particulares e empresas, a situação ainda é mais complicada", sendo a primeira afirmação fundada num relatório de inspecção, enquanto a segunda seria vaga e não reportada a qualquer facto concreto.
K) Se, quanto à primeira imputação, se aceita a argumentação do acórdão, já, quanto à segunda, é manifesto que o juízo da Relação é erróneo. uma vez que - como resulta da leitura da parte final do facto assente sob o n° 6 - foi também dito o seguinte: "os donativos em espécie também selo fonte geradora de polémica. Ainda hoje, ninguém sabe dos paradeiros dos quadros que o grupo M... deu à associação".
L) Tal afirmação é perfeitamente concreta e é de uma enorme gravidade e leviandade, até porque era já então sabido que o responsável por tal facto se declarara culpado e fora condenado (cfr. facto assente sob o n° 8), pelo que, ao ignorar tal segmento de facto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente aos factos o art. 484.º do CC.
M) Acresce que, tal como resulta dos factos assentes, o conjunto das notícias - incluindo as imputações feitas à presidente da BB - atingiu directamente a própria BB, como decorre da circunstância de tais imputações, visando a presidente da BB, revelarem afinal que a BB seria uma instituição onde "não há rei nem roque" e onde seria possível enriquecer à custa do seu património, o que teve concretas repercussões na credibilidade e nas receitas da BB (cfr. factos assentes n.ºs 37, 38 e 39).
N) É por isso que se tem de valorar o conjunto das notícias que lançaram uma nuvem de suspeição sobre a BB - respeitada por pessoas de todos os quadrantes, com uma missão social relevantíssima -, as quais afectaram os donativos recebidos e de que a instituição depende, julgando-se razoável o valor peticionado, nos termos do art. 484° do C.C., tendo particularmente em conta a negligência grave dos RR. e as consequências dos seus actos relativamente aos donativos instituídos a favor de pessoas doentes e carenciadas.
A ABSOLVIÇÃO DO 3.º R.
O) Nos termos do art. 20° da Lei da Imprensa (Lei n° 2/99), é ao Director do jornal que cabe orientar. superintender e determinar o conteúdo da publicação, pelo que lhe cabia impedir a publicação das notícias em causa, sendo certo que está assente que, no caso concreto, tal director não se opôs a essa publicação (cfr. facto assente sob o n° 29).
P) Não o fazendo, o Director violou os seus deveres legais, e também deontológicos, pelo que não pode deixar de ser responsabilizado pelos danos causados.
Q) Não convence o argumento da Relação de que as AA. não provaram o conhecimento do 3° R. relativamente ao conteúdo das notícias em apreço, já que essa seria uma prova diabólica ou mesmo impossível.
R) Caberia ao R. provar que não teve conhecimento das notícias ou que, tendo tido, não se pode opor à sua comunicação. Não o fez.
S) Dos factos provados – o 3° R. era o director do jornal e não se opôs à publicação das notícias - só pode nascer a presunção judicial de que omitiu o seu dever de diligência, donde emerge a sua responsabilidade neste processo.
Estas conclusões foram juntas já neste tribunal após despacho do relator nos termos do artigo 690.º, n.º4 do Código de Processo Civil e não foram objecto de resposta.
Mas as alegações a que se reportavam, anteriormente juntas, foram objecto de contra-alegação, quer do réu DD, quer do réu EE, rebatendo ambos e na parte que lhes diz respeito, a argumentação das recorrentes.
VI –
Ante as conclusões das alegações – que, com ressalvas que aqui não cabem, delimitam o âmbito do recurso – as questões que se nos deparam neste recurso consistem em saber se deve ser:
Majorado o quantum indemnizatório atribuído à 2.ª A;
Atribuída indemnização à 1.ª autora e, na hipótese afirmativa, em que montante;
Condenado o 3.º réu.
Para a resposta a dar à primeira das questões, respiga muito do que temos a dizer sobre a segunda, de sorte que vamos alterar a ordem que nos chega e começar por esta.
VII –
Vem provada a seguinte matéria de facto:
1. No ano de 2000, as Autoras foram objecto de várias notícias em órgãos de comunicação social que davam conta de uma denúncia efectuada por um antigo colaborador da 1.ª A., FF, que apontava para irregularidades na gestão da BB, que veio a determinar a realização de inquéritos no âmbito da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e do Ministério Público.
2. A 1.ª Ré é dona do semanário CC.
3. O 3.º Réu era o director do CC, em 31 de Março de 2000 e 7 de Abril de 2000.
4. Na edição de 31 de Março de 2000 do CC, a manchete da 1.ª página tinha como título “Rico BB”, precedida do subtítulo “Investigação toda a história do enriquecimento ilícito de AA enquanto Presidente do BB, acompanhada da fotografia de AA e do seguinte texto: "A responsável pela BB mora numa casa de 80 mil contos, passa os fins-de-semana numa quinta em Sintra, possui um apartamento em Tavira e descansa num Monte alentejano de 150 mil contos. Uma vida que muitos consideram de luxo, à sombra da luta contra a sida. Uma investigação que não deixa de fora FR, que já tinha conhecimento de irregularidades desde Setembro e mesmo assim aprovou um subsídio. Conheça toda a história do enriquecimento ilícito ".
5. Na página 6, o semanário apresenta uma fotografia de uma casa e desenvolve uma notícia da autoria do 2.º R., com o título “A vida é bela”, e tendo como subtítulo “AA acumulou um invejável património imobiliário desde que é presidente da maior associação portuguesa de combate à sida”.
6. Nessa notícia, escreve-se, entre outras passagens, o seguinte: “Acusam-na de viver luxuosamente, à sombra da luta contra a sida. Chama-se AA e é Presidente da BB. Desde então (desde que fundou a BB), AA acumulou um património assinalável. Sobretudo se tivermos em linha de conta que a presidente da BB afirma auferir cerca de 300 contos mensais. Com as suas três centenas de contos mensais, AA vive num apartamento de 80 mil contos no centro de Lisboa, comprado em Março de 1997, trata-se de uma casa situada num condomínio fechado, apenas ao alcance de pessoas com elevados rendimentos. Mas as propriedades lisboetas não ficam por aqui. AA possui ainda uma outra casa, situada na Calçada ..., com valor de mercado de cerca de 25 mil contos (. . .). O património de AA extravasa, porém, as portas da capital. Os seus fins-de-semana são passados na Assafora, local onde afirmou publicamente possuir uma propriedade que está em nome de MIHF, amiga de AA. Tudo indica, no entanto, que a casa seja da propriedade da presidente da BB. A dirigente da BB não se fica, no entanto, por aqui. Estende os seus interesses no imobiliário no Alentejo, mais concretamente no concelho de Aljustrel, onde tudo indica possui um Monte imponente de 200 hectares, que, à imagem do que acontece com a sua casa de Assafora, não se encontra registada na conservatória em seu nome. Desta vez, o escolhido é o seu tio paterno, AM. O CC visitou a propriedade - que actualmente se encontra à venda por 250 mil contos - e pôde ver a sua piscina, o seu canil ou o interior, próprio de uma casa de luxo, com sete casas de banho. Na zona sul AA passa há muitos anos férias de verão em Tavira, onde terá recorrido a uma situação semelhante, ao colocar a casa em nome de uma amiga. "Ela sabe proteger-se. Tem a noção de que um dia pode ser investigada, por isso recorre a estes artifícios ", afirma ao CC um colaborador directo. Valor estimado da casa: entre 35 a 45 mil contos. Além de aproveitar as suas casas, AA ainda encontra tempo e disponibilidade financeira para viajar com grande frequência ao estrangeiro, para mandar fazer roupa por encomenda em Praga ou para gastar 1500 contos numa tarde a comprar tapetes para a sua casa nova. Quanto aos dinheiros provenientes do Estado, (…) o relatório da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (…) já concluiu que há irregularidades na gestão dos cerca de 240 mil contos que a BB recebeu dos dois ministérios. Em relação aos donativos de particulares e empresas, a situação ainda é mais complicada. Os donativos em espécie também são fonte geradora de polémica. Ainda hoje, ninguém sabe do paradeiro dos quadros que o grupo M... deu à associação ".
7. Na página 7, o CC publica uma entrevista de M, da autoria do 2.º R.
8. Na edição de 7 de Abril de 2000, do CC, a manchete da 1.ª página é “AA acusada de desvio de arte”, acompanhada de uma fotografia de AA com o subtítulo “Pintores e Escultores afirmam que presidente da BB está na origem do desaparecimento das obras doadas”, seguindo-se o seguinte texto: "A Presidente da BB, AA, é acusada por vários artistas portugueses, entre os quais pintores e escultores, de estar na origem do desaparecimento de obras que doaram à associação BB. O caso já provocou a condenação de VF, um intermediário, nas vendas das obras, que se declarou culpado e foi condenado a quatro anos de prisão. Toda a história no Segundo Plano do Jornal. ”
9. Na página 11, aparece uma notícia da autoria do 2.º R., com o título “Onde param os quadros”, acompanhada de uma fotografia de AA, com o subtítulo "Artistas acusam AA de desvio de obras de arte ", a que se segue o texto: "Vários artistas portugueses acusam a presidente da direcção da BB, AA, de estar na origem do desaparecimento de obras que doaram à associação de luta contra a sida. Dizem-se "enganados ", "ofendidos" e "vilipendiados" ".
10. A “BB” foi fundada em 1992 e é uma prestigiada associação de solidariedade social, que se tem distinguido no combate à sida.
11. A Autora prestou declarações ao jornal Tal & Qual, na sua edição de 13 de Setembro de 1996, em que aquela diz que “Depois deste caso (de furto de obras de arte), todas as exposições são organizadas por mim ou por pessoas da minha confiança. Eu não podia adivinhar que o VF era um burlão.”
12. Numa entrevista concedida pela A. AA ao jornal Correio da Manhã, em 23 de Março de 1998, questionada sobre os gostos nos tempos livres, afirma que “gosto de ir para Assafora, uma terra muito simpática ao pé de Sintra, onde tenho um local chamado Cortesia, perto da praia da Samarra, onde vou passear a pé e receber amigos”.
13. A 2.ª A. concedeu uma entrevista ao jornal Tal & Qual, que foi publicada na edição de 20 de Junho de 1998, onde diz que “até já escolheu um local para testar as suas potencialidades eleitorais: a Aldeia de Cortesia, nos arredores de Sintra, onde possui uma casa de fim-de-semana e onde, queixa-se, os habitantes da aldeia não lhe dão descanso”.
14. Já em entrevista ao jornal Diário de Noticias, dada pela 2.ª A. após a publicação das notícias do CC, esta afirma: “a casa que tenho na Rua das Lages, Assafora, está arrendada há 14 anos ao Sr. Alfredo Neves”.
15. Na notícia de que existe cópia a fls. 97, a A. AA afirma: “percorro as ruas de Tavira todos os dias e vou à praia da Fábrica, em Cancela Velha”.
16. Em artigo publicado no jornal Público, na edição de 1 de Abril de 2000, a 2.ª A., que subscreve o mesmo, afirma: “Quando vou lá de férias (em Tavira), costumo alugar uma casinha simples que fica a meio da serra e que pertence a uns amigos”.
17. Na peça jornalística referida em 14., junta a fls. 96, afirma-se que a 2.ª A. forneceu ao Diário de Notícias fotocópias de recibos sobre uma casa arrendada em seu nome na Travessa ..., em Lisboa, no valor de 4 530$00.
18. O 2.º R. foi o principal autor do texto das notícias que visaram as AA.
19. Do património imobiliário que lhe é atribuído, a A. M apenas era dona, à época, em comum com outra pessoa, da fracção autónoma correspondente ao 4.º andar D, do prédio urbano designado pelo Lote 2, da Urbanização ...., adquirido por 29 mil contos, com recurso integral ao crédito bancário.
20. A casa da Bica era um pequeno apartamento, arrendado pela 2.ª A., em 1980, pela renda mensal de 2 000$00, onde já não habitava e que cedera para utilização de pessoas ligadas à BB e no interesse desta.
21. A casa de Sintra era também arrendada, desde a década de 80.
22. O monte do Alentejo não pertencia à 2.ª A. e o direito de propriedade sobre esse imóvel encontrava-se à data das notícias referidas registado a favor de A., SA.
23. A A. não tinha, à data das mesmas notícias, qualquer casa no Algarve.
24. Por vezes, a A. M utilizava, em férias, um apartamento sito no Algarve, de um amigo.
25. A 2.ª A. nunca fez compras por encomenda, em Praga, nem gastou numa tarde 1 500 contos em tapetes.
26. A 2.ª A. nunca desviou obras de arte doadas à “BB” em seu proveito, designadamente de TF, do grupo M....
27. A BB tem um registo das obras de arte que lhe são doadas.
28. A Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, em 22 de Dezembro de 1999, elaborou o relatório junto a fls. 424-473, onde constam 139 conclusões.
29. Os escritos e imagens foram publicados sem a oposição do director.
30. O 2.º R. é autor dos textos que assina.
31. A BB é respeitada por pessoas de todos os quadrantes sociais, políticos, económicos e sociais.
32. A BB, à época, geria programas de prevenção da transmissão do vírus VIH e de luta contra a discriminação dos seus portadores, assegurava núcleos de atendimento e encaminhamento de doentes em Lisboa, Funchal e Vila Nova de Gaia, bem como serviços de apoio domiciliário no Porto e em Laveiras, detinha um centro de documentação de grande procura, garantia uma acção de consultas telefónicas, desenvolvia um programa específico de apoio ás crianças e mantinha uma intensa cooperação com outras ONG’s nacionais e estrangeiras, tudo no âmbito do combate à sida.
33. Para muitos sectores da população portuguesa, a BB é a grande referência do combate à sida.
34. A 2.ª A. era a presidente da direcção da BB, tendo sido sua fundadora.
35. A 2.ª A. sempre se devotou à BB de forma empenhada.
36. Para muitos sectores da população portuguesa, a 2.ª A. é uma grande referência individual do combate à sida.
37. Os escritos em causa contribuíram para abalar a credibilidade das Autoras, lançando uma nuvem de suspeição acerca da sua seriedade e honorabilidade (resposta ao quesito 24.º).
38. Muitas pessoas, por causa desses escritos, duvidaram dessa seriedade e honorabilidade (resposta ao quesito 25.º).
39. Em consequência da publicação das notícias referidas, bem como de outras semelhantes que, na mesma altura, foram objecto de divulgação por parte de outros órgãos de comunicação social, a A. A recebeu durante o ano de 2000 menos donativos do que aqueles que habitualmente recebia (resposta ao quesito 26.º).
40. À época, as notícias referidas e outras semelhantes noutros órgãos de comunicação social geraram em muitos sectores a convicção de que a 2.ª A. tinha enriquecido à conta da BB.
41. A publicação e divulgação das notícias referidas e de outras semelhantes noutros órgãos de comunicação social causaram sofrimento moral à 2.ª A.
42. A publicação das notícias dos autos, em conjunto com a divulgação de outras notícias semelhantes por parte de outros órgãos de comunicação social, causou à 2.ª A. uma crise do foro psíquico, que afectou a sua vida pessoal, social e profissional.
43. Além da sua projecção mediática, a BB recebia subsídios estatais.
44. No início de 2000, veio a público, através de diversos órgãos de comunicação social, que a BB estava a ser alvo de uma investigação por parte da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (IGMTS).
45. Foi ainda noticiado que, no âmbito desse inquérito, a IGMTS produzira um relatório que apontava a existência de irregularidades nas contas e actividades da associação.
46. A utilização errada de subsídios públicos, as elevadas retribuições dos seus dirigentes e o desvio de obras de arte doadas à associação foram publicamente veiculadas como irregularidades detectadas pela IGMTS.
47. Foi também noticiado que o resultado dessa inspecção fora enviado à Polícia Judiciária.
48. O 2.º R., em colaboração com outros jornalistas, desenvolveu uma investigação, no sentido de apurar qual o património da 2.ª A.
49. No âmbito dessa investigação, ouviu algumas pessoas das áreas da prevenção, tratamento e apoio a pessoas com sida, designadamente médicos, enfermeiros, artistas e doentes.
50. E ainda pessoas que trabalharam na BB com a 2.ª A.
51. As pessoas ouvidas transmitiram ao 2.º R. suspeitas de que a 2.ª A., depois da fundação BB, tinha adquirido um grande património imobiliário (…).
52. O 2.º R., na companhia de outro colega, deslocou-se a Aljustrel, onde falou com um empregado do “monte” referido na notícia identificada em 4. e este afirmou-lhe que a dona do mesmo era AA.
53. A A. assumiu em entrevistas possuir e utilizar uma casa na Assafora, e que a ligação telefónica estava em seu nome.
54. A 2.ª A. também já afirmara publicamente que passava férias em Tavira.
55. Algumas das pessoas referidas em 49. disseram ao 2.º R. que a 2.ª A. viajava para o estrangeiro com grande frequência, mandava fazer roupa por encomenda e tinha disponibilidade financeira para fazer compras.
56. As transcrições referidas em 6. são da autoria do 2.º R. (de que foi o principal autor) e dos colegas (…) e, em parte, referem-se ao inquérito da IGMTS e à reprodução de declarações prestadas por J… e outros.
57. Já o título, subtítulo, textos e fotografias (e respectiva inserção) da 1.ª página, da edição de 31 de Março de 2000, não são da autoria do 2.º R.
58. O título, subtítulo, textos e fotografia (e respectiva inserção) da página 6 não são da autoria do 2.º R.
59. O título, subtítulo, textos e fotografia (e respectiva inserção) da 1.ª página, da edição de 7 de Abril de 2000, não são da autoria do 2.º R.
60. Os títulos e subtítulos da capa das edições de 31 de Março de 2000 e de 7 de Abril de 2000 foram elaborados pelo chefe de redacção, (que também fez o editorial da página 6), enquanto os títulos e subtítulos das páginas interiores foram efectuados pelo editor da sociedade.
61. A entrevista realizada pelo 2.º R. à 2.ª A., inserida na edição de 31 de Março de 2000 do CC, terminou por iniciativa da 2.ª A., no momento em que o R. lhe colocou uma questão sobre o seu património.
62. O objectivo da entrevista era a audição da A. para informar sobre a verdade das imputações que eram feitas por outras pessoas relativamente ao seu património e que foram objecto das notícias.
63. Desde 1997, foram publicadas várias notícias sobre ambas as Autoras e que questionaram, particularmente, a gestão da associação BB e dos subsídios governamentais que recebe.
64. Nesse sentido, e no âmbito das alegadas irregularidades, veio a BB a ser alvo de medidas inspectivas, quer através das respectivas inspecções gerais do Ministério do Trabalho e da Segurança Social e do Ministério da Saúde, quer da Polícia Judiciária.
65. A Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Segurança Social suscitou diversas questões de procedimento e funcionamento da 1.ª A.
66. O imóvel na Assafora não estava registado na Conservatória do Registo Predial em nome do mencionado Alfredo.
67. As receitas da 1.ª A. aumentaram nos anos de 2002 e 2003.
68. Nos anos de 2001, 2002 e 2003, aumentou o montante dos subsídios estatais recebidos pela 1.ª A.
VIII -
A liberdade de pensamento, expressão e informação encerra direitos humanos fundamentais, que – como o comum dos outros – vieram ganhando particular e crescente relevância a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.
Surgem tutelados nos artigos 18.º e 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU a 10.12.1948 e vêm sendo reiterados em vários normativos de cariz transnacional, com relevo especial para o artigo 19.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Resolução 2200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16.12.1966, com entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa, com a Lei n.º 28/78, de 12.6, em 15.09.1978 e para os artigos 9.º e 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante, apenas referida como Convenção) que Portugal assinou a 22.11.1976, a Assembleia da República ratificou pela Lei n.º 65/78, de 13.10, tendo, a 9.11. seguinte, o instrumento de ratificação sido depositado (Diário da República I Série de 2.1.1979), de sorte que, nos termos do artigo 8.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o, então, artigo 66.º, n.º3, da própria Convenção, a partir de tal data, passou a vigorar entre nós.
O acatamento destes normativos está assegurado, não só pela vinculação aludida do nosso país, mas também pelo que dispõe o artigo 16.º da Constituição da República. E a nossa Constituição não se fica por este preceito, integrando, ela própria, o texto dos artigos 37.º e 38.º confirmando a ideia de liberdade, quer de pensamento, quer de expressão, quer de informação. Ideia que é reiterada, em plano normativo inferior, por muitas outras disposições, com realce para os artigos 1.º e 2.º da Lei de Imprensa (n.º2/99, de 13.11).
Todo este conjunto normativo e no que aqui nos interessa não conflitua intrinsecamente. Pelo contrário, a reiteração das concepções revela, antes, a intensidade valorativa com que elas devem ser encaradas nas sociedades abrangidas.
Temos, então, uma ideia-base:
No domínio do pensamento, da expressão e da informação, a regra é a liberdade.
IX –
Mas, logo numa primeira abordagem, se constata que esta liberdade pode conflituar com outros direitos fundamentais. E até que aquele direito fundamental de expressão e de informação está vocacionado para, com frequência, frontalmente conflituar.
Por isso, o n.º3 do apontado preceito do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, assim como o seu artigo 20.º e, bem assim, o n.º2 do artigo 10.º da Convenção logo determinam limites ao exercício da liberdade de expressão. E, se a nossa Constituição não seguiu este modo de redigir, não deixou, nos n.º3 e 4 do artigo 37.º, de aludir às “infracções cometidas no exercício destes direitos” e ao “direito a indemnização pelos danos sofridos”. Referindo-se, já no plano da lei ordinária, o artigo 3.º da LI aos “limites à liberdade de imprensa.”
Aquela ideia-base de liberdade encerra, pois, restrições.
X –
Se encerra restrições, vem ao de cima a questão da fronteira entre aquela e estas. Concretizando, o mencionado artigo 10.º, n.º2 da Convenção, alude a “deveres e responsabilidades” e à submissão do exercício daquele direito à liberdade “a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do poder judicial.”
Está aqui a pormenorização, até onde pôde chegar o legislador, sobre a mencionada fronteira.
A partir daqui, terão de ser os órgãos judiciais a, caso a caso, recolher e lançar ideias em ordem a melhor se ajuizar da prevalência da liberdade ou das suas restrições.
XI – 1
No nosso caso, só nos interessa a limitação referente à honra e bom nome analisada em sede de publicação jornalística.
A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem firmando jurisprudência que, directamente ou por referência a decisões anteriores – entre elas a de Lopes Gomes da Silva contra Portugal, de 28.9.2000 - está plasmada no Acórdão de 29.11.2005 que levou à condenação do Estado Português (1)
Este acórdão tornou-se definitivo nos termos do n.º2 do artigo 44.º da Convenção e tem o valor do artigo 46.º: As Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes. Mas, como refere Ireneu Barreto, em anotação a este artigo, “Convirá, no entanto, a todas as autoridades, mesmo àquelas que não pertencem ao Estado em causa e entre elas os tribunais, acolher a doutrina que deles (acórdãos) deriva para evitar futuras condenações por violação da Convenção.”
Cremos, então, por bem acolher o que o próprio acórdão chama “princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º” e até o demais constante da fundamentação, em ordem a clarificar, tanto quanto possível, a fronteira de que falámos entre a liberdade e as restrições a esta.
No que, então, nos importa, o tribunal, começa por referir:
“Sob reserva do n.º2, esta [a liberdade de expressão] é válida não só para as “informações” ou “ideias” recebidas livremente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que contradizem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há sociedade democrática. Tal como estabelece o artigo 10.º, o exercício desta liberdade está sujeito a formalidades, condições, restrições e sanções que todavia devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente.”
E continua:
“Estes princípios revestem uma importância particular para a imprensa. Se esta não deve ultrapassar os limites fixados em vista, em particular, da “protecção e reputação de outrem”, incumbe-lhe no entanto comunicar informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre os outros temas de interesse geral. A garantia que o artigo 10.º oferece aos jornalistas no que respeita às contas que prestam sobre as questões de interesse geral é subordinada à condição que os interessados agem de boa fé de forma a fornecer informações exactas e dignas de crédito no respeito da deontologia jornalística... a mesma regra deve aplicar-se às outras pessoas que se empenham no debate público, tendo o Tribunal reconhecido que “a liberdade jornalística compreende também os possível recurso a uma determinada dose de exagero, mesmo de provocação.” (2)
“Uma ingerência [no direito à liberdade de expressão] é contrária à Convenção quando não respeita as exigências previstas no n.º2 do artigo 10.º. É, pois, necessário determinar se estava prevista na lei, se visava um ou vários interesses legítimos referidos neste número e se era “necessária numa sociedade democrática”.
“A verificação do carácter “necessário numa sociedade democrática”da ingerência litigiosa impõe ao Tribunal averiguar se esta correspondia a uma “necessidade social imperiosa”, se esta era proporcional aos fins legítimos prosseguidos e se os fundamentos apresentados pelas autoridades nacionais para a justificarem são pertinentes e suficientes…Para determinar se existe tal necessidade e que medidas devem ser adoptadas para lhe dar resposta, as autoridades nacionais gozam de uma certa margem de apreciação. Porém esta não é ilimitada mas anda a par com um controlo europeu exercido pelo Tribunal, que deve decidir em última instância se uma restrição se concilia com a liberdade de expressão tal como decorre do artigo 10.º.”
Desta posição do TEDH, parece-nos resultar uma imposição no modo de pensar. Não se justifica que se pense, logo à partida, sobre se determinada peça jornalística ofende alguém. Deverá, antes, partir-se da liberdade de que gozam o ou os respectivos autores. Só, depois, se deve indagar se se justifica – atentos os critérios referenciais acabados de referir, com inclusão duma margem de apreciação própria por parte dos órgãos internos de cada um dos Estados signatários da Convenção - a ingerência restritiva no campo dessa mesma liberdade e a consequente ida para as sanções legais.
Isto não significa, todavia – a nosso ver – que não assumam intensa relevância os casos em que se justifica tal ingerência restritiva. Basta ler-se esse n.º2 do artigo 10.º e ponderar-se o que ele contém em termos de valores essenciais ao ser humano. Devendo ainda ponderar-se que o TEDH – depois de aludir às informações exactas e dignas de crédito e à deontologia jornalística - reconhece e respeita a existência de uma margem de liberdade de apreciação a cada Estado. Dentro da qual hão-de caber para o caso português - ainda que em interpretação que tenha em conta o que se referiu – as estatuições internas sobre o direito ao bom nome e reputação, mormente as interessantes no domínio do Direito Penal, o artigo 484.º do Código Civil e, bem assim, além do mais que ao caso couber, o constante do Estatuto dos Jornalistas.
XI – 2
No nosso caso e no que concerne à 1.ª A., temos a referência jornalística a que:
“Há irregularidades na gestão dos cerca de 240 mil contos que a BB recebeu dos dois ministérios. Em relação aos donativos de particulares e empresas, a situação ainda é mais complicada. Os donativos em espécie também são fonte geradora de polémica. Ainda hoje, ninguém sabe do paradeiro dos quadros que o grupo M... deu à associação” (ponto 6.º da enumeração factual).
Trata-se de referências vagas, mais insinuantes que explícitas, deixando apenas um clima de nebulosidade sobre o comportamento da primeira das autoras. “Irregularidades”, “situação complicada” ou desconhecimento do “paradeiro dos quadros”, tanto pode encerrar condutas muito graves como um negligenciar só censurável enquanto tal. Acresce que as notícias surgiram num quadro de investigação por parte do Ministério do Trabalho, do Ministério da Saúde e da Polícia Judiciária, sendo certo que o órgão daquele primeiro dos ministérios suscitou diversas questões de procedimento e funcionamento desta autora (pontos 63 e 64) e sendo ainda certo que foi noticiado (por outros órgãos de comunicação) que tal órgão produzira um relatório que apontava a existência de irregularidades nas contas e actividades da associação e que o resultado da inspecção fora enviado à Polícia Judiciária (ponto 44).
Cremos, então, não estar preenchida por aqui qualquer das restrições ao regime de liberdade de que falámos.
É de acolher a decisão da Relação em não condenar em indemnização por aqui.
XII –
No que respeita à outra autora, não se duvida que se está além, e bem além, da fronteira que, de dentro para fora, demarca a liberdade. Estamos em pleno campo da sua restrição, com referência à ofensa à honra, na modalidade do bom nome. Nem isso vem discutido.
A defesa pretende o afastamento da indemnização por abuso do direito, mas temos de deixar essa questão para o recurso respectivo, indo agora para o “quantum” indemnizatório, na pressuposição de que não tem pertinência aquela argumentação.
A primeira instância fixou a indemnização de € 20.000 e a Relação reduziu-a para € 12.500. A recorrente pretende € 45.000.
Neste domínio, já repousamos na lei ordinária. O artigo 496.º, n.º3 do Código Civil impõe a fixação equitativa pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º.
Este refere o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
O grau de culpabilidade do agente releva aqui contra os réus condenados, porque foi muito intensa a ofensa, com inserção da notícia na primeira página e consequentemente acessível a muitos que não abriram o jornal. Os que acreditaram na notícia ou em parte dela, tiveram a 2.ª autora como negativizada em duas vertentes. Para eles, não só desviava dinheiro duma associação, como, sob a capa duma actividade de luta contra um flagelo tremendo, tirava meios a esta mesma luta, enveredando por uma vida faustosa. Do mesmo passo que desviava dinheiro para tal, atingia profundamente a dignidade dos doentes que dizia pretender ajudar. Ora, nada disto se provou, tendo-se antes provado o que consta dos pontos 10.º, 17.º, 19.º a 26.º, 31.º e 32.º a 36.º. Na verdade, uma vida simples no plano económico e dedicada a uma causa que merece de todos respeito e consideração.
A referência à situação económica da lesada, como critério de fixação do “quantum” indemnizatório, parece-nos que não resiste ao artigo 13.º da Constituição da República. No caso da indemnização por danos não patrimoniais a componente da dignidade humana é de tal modo forte (3) que choca a ideia de alguém ser mais ou menos indemnizado por tal tipo de danos, de acordo com a sua situação económica. Aliás, a lei ordinária não é clara e fica sem se perceber se, aplicando-se, o rico receberia mais ou menos que o pobre. (4)
O critério da situação económica do lesante, se escapar à inconstitucionalidade, não nos serve por nada se ter apurado em tal domínio.
Ficam-nos as “demais circunstâncias do caso”, mas vertida que foi, na culpabilidade do agente, a intensidade que, a tal propósito, se referiu, não temos circunstâncias especiais a atender.
Noutro modo de ver esta questão do “quantum” indemnizatório, cremos dever atentar no que vem sendo fixado peles tribunais – mormente por este tribunal – em ordem a não perder de vista o comando do artigo 8.º, n.º3 do Código Civil.
Este atentar deve ser feito por dois prismas:
Um relativamente às situações com estreitas afinidades;
Outro, em cotejo com montantes indemnizatórios que vêm sendo fixados a propósito de danos não patrimoniais de outra ordem em especial dos mais, ou manifestamente mais, graves. (5).
Quanto às situações com afinidades, temos a enumeração de Menezes Cordeiro que se pode consultar a folhas 153 do seu Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo III.
As indemnizações ali referidas não estão já em consonância com as actuais, tendo a jurisprudência evoluído no sentido da elevação dos montantes, defendida, aliás, ali, pelo mesmo Professor.
Com procura fácil em “jurisprudência temática” no sítio do Supremo Tribunal de Justiça, podem-se ver muitos acórdãos em que se manifesta essa subida dos montantes.
Assim como se podem ver também muitos acórdãos em que se fixam indemnizações por danos não patrimoniais de outra origem – principalmente emergentes de acidentes de viação – e reportados a outro tipo de sequelas, de sorte que, de tudo, se pode ficar com uma ideia mais nítida sobre a indemnização a fixar para o presente caso.
Aliás, este tema do “quantum” indemnizatório por danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, pode agora ser objecto de comparação com os países que nos estão mais próximos. No nosso caso, temos a enumeração constante da “jurisprudência temática” constante do nosso sítio, já supra aludida. Para a Espanha, pode-se consultar Miguel Mateos, Elena Orquín, Marta Goñi e Ainhoa Vigil, Responsabilidad Civil Danos Personales Quantum Indemnizatorio, para o caso francês, Jean Gaston Moore, Indemnisation du Dommage Corporel e para o caso alemão, Schmerzensgeldbeträge de Hacks, Ring e Böhm e, bem assim, Schmerzensgeld-Tabelle de Andeas Slizyk. E, numa consulta mesmo rápida, vemos que nós, portugueses, não temos motivo para qualquer complexo de pequenez relativamente aos montantes. Em muitos casos, pelo contrário.
Muito exemplificativamente e pensando já em casos com afinidades com o nosso, temos, para os tribunais alemães, decisões indemnizatórias de:
15.000 DM, cerca de 7.500 € - divulgação, em revista de notícias de pessoa indicada pelo nome, como suspeita em investigação oficial, de fazer parte de um grupo terrorista, não se tendo tal suspeita confirmado - Oberlandesgericht (6) de Hamburgo, 3.2.1994;
20.000 DM, cerca de 10.000 € - Divulgação em programa televisivo de assuntos da esfera privada, nomeadamente de ligações financeiras, de homem de negócios – Landgericht (7);
20.000 DM, cerca de 10.000 € - fotografia dum padre católico de comportamento irrepreensível aposta, por troca grosseiramente negligente, num artigo sobre abusos sexuais de menores por parte de padres católicos, em revista com tiragem de 1,5 milhões de exemplares - Oberlandesgericht de Koblenz, 20.12.1996;
35.000 DM, cerca de 17.500 € - publicação em livro, com a fotografia do visado, da afirmação falsa de que ele era o segundo raptor num caso de tomada de reféns em avião com morte do piloto – Landgericht de Stuttgart, 31.8.2000 (8)
Podendo ver-se a referência a todos em Schmerzensgeldbeträge citada, edição de 2007, páginas 271, 288, 302 e 365, respectivamente.
Fazendo, então, um apanhado de tudo o que vimos referindo neste capítulo, temos que a quantia que nos chega da Relação é adequada.
XIII – 1
Passemos agora à questão da condenação ou não do 3.º réu, director do CC.
Passa ela pela análise de três vertentes distintas.
A primeira consiste em saber se os factos provados, sem mais, conduzem à condenação;
A segunda – que pressupõe a resposta negativa à primeira - diz respeito à invocação de que o ónus de prova da desresponsabilização caberia ao réu;
A terceira – que pressupõe a resposta negativa às duas anteriores – gira em torno da convicção própria de quem julga e das presunções judiciais.
XIII - 2
Provou-se que o réu era o director do CC e que os escritos e as imagens foram publicados sem a oposição do director.
O artigo 29.º, n.º1 da Lei de Imprensa (2/99, de 13.1) dispõe que:
Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.
Há, portanto, que indagar se se verificam, no nosso caso, os pressupostos da responsabilidade civil (acto ilícito, culpa, nexo de causalidade e nexo de imputação) resultantes do artigo 483.º n.º1 do Código Civil.
Nos termos do artigo 20.º, n.º1 a) da mencionada Lei de Imprensa, ao director compete superintender e determinar o conteúdo da publicação. Dispondo o artigo 31.º, n.º3 que o director que não se oponha à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido nos termos ali referidos.
Aquela expressão dos factos provados “sem a oposição do director” pode ter dois sentidos:
No primeiro, o director teve conhecimento e possibilidade de se opor;
No segundo, o director não foi “tido nem achado” relativamente a tal publicação.
Este segundo sentido não corresponde ao normal que resulta daquela alínea a) do n.º1 artigo 20.º, mas pode corresponder à realidade, podendo dar-se o caso – que admitimos em raciocínio – de o director estar ausente por qualquer motivo da decisão que levou às publicações em causa.
Em princípio, à falta de demonstração, as expressões devem ser entendidas no seu sentido normal, vulgar.
Mas, no presente caso, havia matéria constante da base instrutória que, conjugada com as respectivas respostas, faz luz sobre como deve entender-se tal expressão. No ponto 17.º perguntava-se se o réu é o responsável pelos textos, imagens e títulos não assinados e respondeu-se “provado apenas o que consta das alíneas C) a I) dos factos assentes e na resposta ao quesito 15.º.”No ponto 65.º, perguntava-se se o 3.º réu não é responsável pelos textos, imagens e títulos não assinados e respondeu-se “não provado”. E deu-se como provado o constante dos pontos 18.º, 30.º e 60.º. Embora a palavra “responsável” não seja a mais adequada para integrar perguntas factuais, cremos, justificadamente, que se se tivesse tratado de conhecimento e possibilidade de oposição por parte do director, o Sr. Juiz não responderia, como respondeu, a estes pontos da BI. Verdadeiramente, então, aquela expressão “sem a oposição” corresponde à ausência de tomada de posição, ao vazio absoluto em tal domínio.
Falece, por isso, o requisito traduzido pelas palavras “podendo fazê-lo” daquele n.º3 do artigo 31.º - passando nós, assim, à margem da questão da repercussão do ilícito criminal na vertente civil – e, independentemente deste tipo legal, os factos não alcançam os requisitos da responsabilidade civil relativamente ao 3.º réu.
Repare-se, até, que, ainda que a propósito da responsabilização das empresas jornalísticas, o n.º2 do artigo 29.º da LI alude a “conhecimento e sem oposição do director”.
XIII – 3
Mas, se os factos não alcançam tais requisitos pode dar-se o caso de neles se poderem estribar regras de ónus de prova em ordem a chegar-se a tal responsabilização. Perante eles, já caberia, neste entendimento, ao director provar que não teve conhecimento ou que não se pôde opor às publicações.
Quanto às regras do ónus de prova, vale também o regime geral que resulta, fundamentalmente, dos artigos 342.º e seguintes do Código Civil e do artigo 516.º do Código de Processo Civil e para o qual se deve entender também a remissão da parte final do artigo 29.º daquela lei. Àquele que invoca um direito cabe a prova dos factos que o integram.
Cabia, então, à autora AA a prova de que o terceiro réu, com director do jornal, soube antecipadamente das notícias e a elas não se opôs. Prova que não foi feita.
Esta prova não era “diabólica”, como lhe chamam as recorrentes, mas extremamente difícil, por versar sobre factos passados no foro interno do jornal, deparando-se ela com uma situação, à partida, de inacessibilidade. Só que, esta extrema dificuldade não conduz a inversão do ónus probatório, como acentuam, Manuel de Andrade (NEPC, 203) e A. Varela e Outros (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 467, nota de pé de página).
XIII – IV
Esta situação releva – ou, mais precisamente, poderia ter relevado – em dois prismas.
Um, respeitante à convicção de quem julga a matéria de facto. A decisão sobre a prova ou não de determinado facto – e abstraindo agora dos casos de prova vinculada – assenta num regime de liberdade. Sem a atingir, contudo, é de constatar que a realidade das coisas não determina que seja necessária a mesma solidez de prova para todos os factos. Uns, pela sua vulgaridade ou normalidade, exigirão uma prova menos intensa. Outros, pelo contrário, por se afastarem dessa vulgaridade ou normalidade, exigirão uma prova mais sólida.
Ora, sendo o terceiro réu director do jornal, não se exigiria uma prova particularmente sólida de que teve conhecimento das publicações e de que se pôde a elas opor.
Tal situa-se, porém, no plano teórico. O que se passou, quanto a prova, no presente caso, não nos está, nem tinha que estar, presente. Tudo esteve, numa primeira fase, nas mãos do Sr. Juiz da 1.ª instância e, numa segunda, já com as limitações que a lei encerra, nas mãos dos Senhores Desembargadores. Se os pontos da BI foram respondidos como se referiu, poderia ter-se dado o caso de a prova produzida levar a que o que era vulgar ou normal, no plano teórico, não se pudesse afirmar para o caso presente. Nós, enquanto tribunal de revista, mais não temos que recolher a convicção formulada por aqueles Magistrados.
Já fora do domínio da convicção, permite o artigo 351.º do Código Civil que se extraiam as, ali chamadas, presunções judiciais, a elas se reportando a recorrente na alínea S) das conclusões das alegações. Aos factos apurados acrescentar-se-iam outros, daqueles derivados, atentas as máximas da experiência assentes no normal fluir da vida ou no natural evoluir da realidade das coisas. Como presunções que são e vista a definição do artigo 349.º do mesmo código, pressupõem um facto desconhecido. Este requisito não é compatível, a nosso ver, com a situação consistente em se ter levado à B.I. tal facto e se ter respondido a ele negativamente, porquanto tal resposta negativa pode ter assentado em contraprova que a presunção, extraída “a posteriori”, iria menosprezar ou mesmo ignorar.
De qualquer modo, o recurso ou não a presunções judiciais, assim como o seu sentido no caso de a elas se recorrer, está também fora do âmbito de conhecimento deste Supremo Tribunal, atentos os limites que derivam, no plano geral, do artigo 26.º da LOFTJ e, já especificamente quanto ao recurso de revista, dos artigos 721.º, n.ºs 2 e 3, 722.º, n.ºs 1 e 2 e 729.º do Código de Processo Civil. Assim, tem sido entendido aqui com frequência, como se pode ver dos Ac.s de 9.3.95, no BMJ 445, 424, de 20.5.2004, 7.12.2005, 26.1.2006, 6.7.2006, 7.11.2006, 14.11.2006, 5.12.2006, 19.12.2006, 1.3.2007 e 24.5.2007, estes em www.dgsi.pt.
Do que vimos expondo, resulta que nos ficam apenas os factos tal como a Relação os fixou, acolhendo o que lhe chegava da 1.ª instância e que, atentos eles, o 3.º réu foi bem absolvido.
Vejamos agora o recurso do réu DD.
XIV -
Conclui ele as alegações do seguinte modo:
1. O acórdão recorrido deve ser revogado na parte em que condena o Recorrente no pagamento à Recorrida de uma indemnização por danos morais, porquanto a reclamação de tal ressarcimento consubstancia uma situação de abuso do direito e o montante fixado se afigura excessivo;
2. Efectivamente, a pretensão da Recorrida constitui um manifesto abuso de direito, nas suas várias vertentes (venire contra factum proprio, renúncia ao direito e neutralização do mesmo), pelo que deve improceder totalmente, sob pena de violação do disposto no artigo 334.º do CC;
3. Não pode proceder a insuficiência da materialidade para tipificar o abuso do direito na situação sub judice arguida pelo Venerando Tribunal recorrido, essencialmente sustentada no facto de não estar comprovada a ilicitude da conduta dos demais órgãos de comunicação social que publicitaram a situação em causa e na desvalorização do decurso do tempo entre a produção do dano e a reacção da Recorrida;
4. A ilicitude da conduta dos demais órgãos de comunicação social decorre do respectivo teor, bem como do facto de terem sido provados quer o nexo de causalidade entre os danos alegados, quer a semelhança entre as notícias veiculadas por todos os órgãos de comunicação social;
5. A consideração do Venerando Tribunal recorrido de que o mero decurso do tempo não confere qualquer expectativa que mereça protecção jurídica, à margem dos demais institutos jurídicos, como o da prescrição, está em manifesta contradição com o conteúdo e a própria natureza do instituto do abuso do direito, pois tal poderá desembocar numa renúncia ao exercício do direito ainda que não atinja o limite do prazo prescricional;
6. Vários meios de comunicação social contribuíram para a produção dos danos reclamados, não tendo sido possível discernir qual a exacta medida pela qual cada um é responsável (sendo certo que os demais têm mais divulgação e impacto do que o 1° R.), tendo apenas o CC sido demandado, o que configura um comportamento meramente vingativo e atentatório do princípio da boa fé com o qual o nosso ordenamento jurídico não é compatível, nos termos do disposto nos artigos 1° do CPC e 115.º, n.º 2, e 116.º, n.º 3, do Código Penal;
7. Verifica-se in casu que: (i) o titular do direito deixou passar longo tempo sem o exercer, (ii) com base numa particular conduta do titular, a contra parte criou a convicção justificada de que o direito já não seria exercido, tendo orientado em conformidade a sua vida, (iii) tendo o exercício tardio e inesperado do direito acarretado uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado;
8. Com efeito, a Recorrida apenas intentou a presente acção nas vésperas do término do prazo de prescrição do seu alegado direito de indemnização, não tendo antes (em período anterior ao decurso do prazo prescricional) demandado criminalmente o CC ou qualquer outro órgão de comunicação social que tenha divulgado notícias semelhantes, levando o Recorrente a formar e a consolidar, à medida de que o tempo decorria, uma falsa sensação de que tal não iria ocorrer;
9. Criada esta convicção, o Recorrente não cuidou de preservar registos nem o contacto com as fontes, pelo que ficou impedido de demonstrar a sustentabilidade das informações transmitidas;
10. O decurso do tempo originou também a extinção do "CC", ficando os riscos da profissão de jornalista (normalmente assegurados pela pessoa colectiva que beneficia dos seus serviços) a cargo dos mesmos;
11. Atento o efectivo contributo do Recorrente para a produção dos danos sofridos pela Recorrida e tomando em conta os padrões adoptados pelos nossos Tribunais superiores relativamente ao ressarcimento de danos semelhantes, a indemnização em que foi condenado é manifestamente excessiva, devendo o acórdão prolatado ser revogado e substituído por outro que condene o Recorrente no pagamento de uma indemnização francamente inferior, senão meramente simbólica, sob pena de violação dos princípios da justiça relativa e da proporcionalidade;
12. É que o acórdão sob censura não valora devidamente o contributo da Recorrida para a produção dos danos cujo ressarcimento reclama, cuja conduta é causa adequada para a produção de parte dos danos advenientes da publicação daquelas informações, que não teriam sido divulgadas se desmentidas pela Recorrida;
13. Através de declarações efectuadas durante diversas entrevistas anteriores à publicação dos artigos da autoria do Recorrido (onde referia que "possuía" uma casa em Assafora e outra em Tavira) e da sua recusa em responder às questões que este lhe colocou a respeito dos factos em causa, sabendo que o objectivo das questões era clarificar a sua situação patrimonial face a imputações que lhe eram feitas por terceiros, a Recorrida contribuiu de forma evidente para levar a opinião pública a acreditar na veracidade dos factos constantes dos escritos em causa;
14. Sendo os títulos, subtítulos, textos e fotografias das primeiras páginas das edições em causa e os títulos e subtítulos das páginas interiores da autoria de terceiros que não o Recorrente, sendo os mesmos os factores que mais impressionaram os destinatários das notícias, até pelo exagero que fazem do conteúdo dos textos escritos pelo Recorrente, retratando estes textos factos parcialmente verdadeiros, tendo o Recorrente sido induzido em erro por fontes que considerou credíveis, tendo os danos sofridos resultado também de notícias de outros órgãos de comunicação social, com maior projecção e credibilidade junto do público, há que restringir a responsabilidade que lhe é assacada à estrita medida do que lhe é imputável, restringindo-se a indemnização em conformidade;
15. O Recorrente não agiu dolosamente, mas tão somente com mera culpa, pelo que lhe foi assacada responsabilidade excessiva em face do que foi efectivamente praticado pelo mesmo;
16. Sob pena de se sustentar uma flagrante violação do disposto nos artigos 494.º e 570.º do CC, é forçoso concluir que o acórdão sob censura deverá ser revogado e substituído por outro que elimine ou reduza, em consequência, a quantia a pagar pelo Recorrente à Recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de Revista e consequentemente ser revogado o douto acórdão na parte sob censura, substituindo-o por outro que julgue em conformidade com o alegado.
Contra-alegaram as autoras, rebatendo, ponto por ponto, a alegação deste réu.
XV –
Perante as conclusões das alegações – que, como já referimos, delimitam o âmbito do recurso, com ressalvas que aqui também não interessam – temos que tomar posição sobre se:
1. A condenação deste réu encerra um caso de abuso do direito por:
A publicitação, segundo o recorrente, ter sido levada a cabo por vários meios de comunicação social e só terem sido demandados os réus;
As autoras só terem demandado quando o prazo prescricional estava prestes a esgotar-se;
2 . O montante indemnizatório fixado é excessivo, considerando, por um lado, que a própria autora AA contribuiu para a credibilidade das notícias e, por outro, que os títulos, subtítulos, textos e fotografias são da autoria de terceiros que não do recorrente.
XVI –
No presente recurso, vêm logo ao de cima os limites de conhecimento de facto, precisados supra.
Assim, tendo este tribunal de acolher a matéria de facto que lhe chega e de julgar apenas com base nela, não pode ter como certo que apenas estes réus tenham sido demandados ou que as notícias vindas a lume em outros meios de comunicação social tenham tido conteúdo e alcance para além do que resulta dos pontos 1, 39 a 42 e 44 da enumeração factual que se transcreveu a propósito do outro recurso e que aqui,“brevitatis causa”, se dá como reproduzida.
Outrossim e tendo em conta o que acaba de se dizer, não se pode inferir que as autoras tenham agido vingativamente e com desrespeito pelo princípio da boa fé, nem que as entrevistas da autora AA tivessem legitimamente gerado a convicção da veracidade do que veio a ser afirmado pelo jornal.
Expurgadas, então, estas realidades constantes das alegações do recorrente, logo vemos que fica sem substrato factual quase toda a construção que faz sobre o abuso do direito. Estamos longe da verificação dos requisitos do artigo 334.º do Código Civil.
XVII –
E dizemos “quase toda a construção” porque de fora destas considerações fica a relativa à demora das autoras em demandar. O que não significa que aqui tenha lugar a verificação da apontada figura.
A invocação do abuso de direito, por parte da recorrente, neste ponto, é reportada à figura que vem sendo designada de “neutralização do direito”, “supressio” ou “Verwirkung”.
Casos há, efectivamente, em que, independentemente do decurso de prazos de caducidade ou até de prescrição, o decurso do tempo pode constituir um elemento essencial que, pelo caminho desta figura, conduza ao abuso do direito.
Mas para que assim aconteça, hão-de ter-se por verificados – substituindo-se o “factum proprium” pelo decurso do tempo - os requisitos da outra figura relativa ao abuso do direito que é o “venire contra factum proprium”. Reconduzem-se, na verdade, ambas as figuras à tutela da confiança e à boa-fé.
A propósito da “Verwirkung”, Batista Machado (RLJ 118, 228) enumera os seguintes requisitos, que a jurisprudência tem recebido sem conhecidas divergências :
Que o titular do direito deixe passar longo tempo sem o exercer;
Que com base nesse decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
Que, movida por essa confiança, essa contraparte tenha orientado em conformidade a sua vida, tenha tomado medidas ou adoptado programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.
Do mesmo modo, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, IV, 324) alude a:
Um não exercício prolongado;
Uma situação de confiança;
Uma justificação para essa confiança;
A imputação da confiança ao não-exercente.
Logo se vê, então, que os factos provados, claramente, não conduzem a esta figura.
O não exercício do direito não podia ter sido prolongado porque curto é o prazo prescricional e não se alude sequer a confiança no não exercício, ficando prejudicado qualquer juízo de valor sobre a justificação para esta ou sobre comportamento das autoras que levasse a contraparte a confiar.
XVIII –
Insurge-se ainda o recorrente sobre o “quantum” indemnizatório.
Sobre ele – ainda que na vertente da sua majoração – já discorremos a propósito do outro recurso.
O que ali ficou dito vale, todavia, aqui também para justificar o afastamento de minoração. Nomeadamente, importa ter sempre presente que as notícias atingiram um grau de gravidade grande, tiveram destaque e não tinham na sua base factos verdadeiros.
Nem contra o montante fixado, se pode argumentar procedentemente, em nosso entender, com o facto de algumas das notícias e respectivo contexto não serem da autoria do recorrente. Ele tomou para si o grosso duma realidade que deve ser encarada como um todo para o qual contribuíram, numa relação de interligação essencial, actuações de outros elementos do jornal. Não se pode cindir a actuação de cada um e responsabilizá-lo apenas como se a parte que directamente criou fosse independente das demais. Quem escreve, para um jornal, o que consta dos pontos 5, 6 e 11, não pode deixar de se considerar integrado em todo um contexto de peça jornalística, pensando que a sua responsabilidade se esgota no que, directamente, escreveu. Segundo as regras da experiência, a sua actuação foi causa adequada de todo o dano causado, sendo, então, de ter em conta, mesmo que falecesse a mencionada interligação, o - aqui também aplicável por força do já mencionado artigo 29.º, n.º1 da Lei de Imprensa – artigo 490.º do Código Civil.
XIX –
Face a todo o exposto, negam-se ambas as revistas.
Custas de cada uma por cada recorrente.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008
João Bernardo(relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos
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(1) A condenação do Estado Português, que também teve lugar no caso de Lopes Gomes da Silva, que referimos, não permite, contudo, inferir que a nossa jurisprudência esteja desfasada relativamente à de outros países mais desenvolvidos. Basta ver-se, no sítio do respectivo tribunal, a variedade de países particularmente desenvolvidos que ali já foram condenados em casos com muitas afinidades, alguns reiteradamente, para se afastar tal ideia.
(2)Estas posições do TEDH não têm sido ignoradas entre nós: vejam-se a recolha de Henriques Gaspar relativa ao caso Karhuvaara e Iltalehti contra a Finlândia, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2004, 654 e seg.s (de que existe separata), as anotações ao Ac. de 28.9.2000 na mesma Revista, Ano 11.º, fasc. 1.º, 131 a 155 e, bem assim, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13.1.05 (revista n.º 3924/04, da 2.ª secção) e das Relações de Guimarães de 30.10.2006, de Lisboa de 25.10.2007 e do Porto de 22.11.2006, 19.9.2007 e 31.10.2007, estes (da 2.ª instância) em www.dgsi.pt.
(3) Tradicionalmente, o ressarcimento pelos danos não patrimoniais é visto como um proporcionar de prazeres à pessoa visada, de modo a compensar o seu sofrimento. Este entendimento, contudo, deixa de fora os casos em que o lesado se encontra em coma profundo e irreversível, de sorte que não poderá obter prazeres. Perante a questão, o Supremo Tribunal Alemão afastou aquela conceptualização passando a aludir, como objectivo do ressarcimento, ao “Acentuar simbólico da dignidade e da liberdade do ser humano” - Ac. do VI Senado Civil de 13.10.1992, citado por Heinrich Löwe, Der Gedanken der Prävention im deutschen Schadenersatzrecht, 250. A este propósito, não deverá ainda perder-se de vista – não obstante, por razões manifestas, nos não vincular – a 2.ª parte do 12.º Princípio da Resolução do Conselho da Europa n.º 7/75, de 14.3, segundo a qual o cálculo da indemnização por dano corporal (físico ou psíquico) “deve ser independente da situação económica da vítima.” (Podendo ver-se o texto da Resolução em Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 295 e seguintes).
(4) Veja-se, sobre esta questão, Maria Veloso, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, III, 542.
(5) Este segundo ponto de referência é, aliás, salientado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no acórdão de 16.11.2004, de Karhuvaara e outro contra a Finlândia, que já citámos em nota de pé de página, em que se ponderou que a indemnização, pedida, de € 24.400, podia ser considerada muito substancial e desproporcionada quando comparada com outros tipos de crime.
(6)Correspondente, grosso modo, ao nosso Tribunal da Relação.
(7)Correspondente muito grosso modo, ao nosso tribunal de círculo. A extrema raridade com que se vêem decisões do Supremo Tribunal sobre os montantes indemnizatórios radicam-se no entendimento deste de que, por regra, tal fixação é da competência do “juiz de facto” (veja-se o Ac. do VI Senado n.º 182/97, de 12.5.1998).
(8) De fora do âmbito destes montantes, superando-os manifestamente, temos os casos de Carolina do Mónaco que marcaram muito a jurisprudência alemã e internacional. Levantaram, no essencial, problemas de fronteira entre a vida privada e a que pode vir ao conhecimento público e, especificamente, onde deve ser situada tal fronteira no caso de figuras públicas, levando a que o TEDH também se pronunciasse. Problemáticas que não nos importam no presente recurso.
Quanto aos montantes, num caso, uma conhecida revista alemã publicou uma entrevista falsa da princesa. Depois de uma primeira fixação de 30.000 DM, revogada pelo Supremo Tribunal, foi fixada a indemnização de 180.000 DM, cerca revogada pelo Supremo Tribunal, foi fixada a indemnização de 180.000 DM, cerca de 90.000 €. Noutro caso, uma revista publicou, em nove artigos, sem autorização, fotografias do filho recém-nascido de Carolina. Indemnização de 150.000 DM, cerca de 75.000 € a este. Cremos, no entanto, que neste tipo de casos, existem razões ponderosas para se elevar as indemnizações sem que se viole o princípio da igualdade. Centradas, nomeadamente, na perseguição jornalística que frequentemente intranquiliza as pessoas visadas. Estamos, pois, longe do nosso caso.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031739
Nº Convencional: JTRP00029986
Relator: ALVES VELHO
Descritores: PENHORA
DEPÓSITO BANCÁRIO
SIGILO BANCÁRIO
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
Nº do Documento: RP200101250031739
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 1569-A/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
DIR ECON - DIR BANC.
Legislação Nacional: CPC95 ART861-A N6 ART519.
REGICSF ART78 ART79.
Sumário: I - O tribunal pode exigir das instituições bancárias informação sobre a titularidade de contas bancárias de executado para efeito de apreensão de saldo, sem que aquelas possam opor-lhe o dever de sigilo.
II - Não invocando o Banco de Portugal falta de meios ou recusa de colaboração das instituições sujeitas à obrigação de informar, não é lícita a recusa de prestação das informações solicitadas pelo tribunal ao abrigo do disposto no artigo 861-A n.6 do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dee0ea3c84b3886c80256f85005404c4?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031218
Nº Convencional: JTRP00029985
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
INCAPACIDADE PERMANENTE
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP200101250031218
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J
Processo no Tribunal Recorrido: 81/98-2S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART492 N1 ART494 ART496 N3 ART566 N2 ART805 N3.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1977/03/17 IN BMJ N265 PAG233.
AC STJ DE 1977/04/28 IN BMJ N266 PAG161.
AC STJ DE 1996/02/06 IN CJSTJ T1 ANOIV PAG77.
AC STJ DE 1993/12/16 IN CJSTJ T3 ANOI PAG182.
AC STJ DE 1979/10/23 IN BMJ N290 PAG390.
AC STJ DE 1995/09/28 IN BMJ N449 PAG344.
AC STJ DE 1996/06/18 IN BMJ N458 PAG287.
AC STJ DE 1997/04/09 IN CJSTJ T2 ANOV PAG180.
AC STJ DE 1998/02/10 IN CJSTJ T1 ANOVI PAG66.
AC STJ DE 1998/04/24 IN CJSTJ T2 ANOVI PAG49.
Sumário: I - Provado que o dano resultou de defeito de conservação do prédio, o proprietário deste tem de ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende.
II - Para o conseguir, tratando-se de prédio construído há já vários anos, não basta a prova de que tem procedido às reparações que se têm mostrado necessárias; terá de demonstrar que procurou evitar os defeitos, dando assim satisfação a um exigível dever de manutenção e cuidado preventivo.
III - Tendo sido atribuída à lesada uma incapacidade parcial permanente, sem redução da capacidade de ganho, as sequelas que lhe correspondem devem ser valoradas como um dano em si mesmo, segundo a sua natureza e intensidade e com recurso à equidade.
IV - A actualização estabelecida no artigo 566 n.2 do Código Civil reporta-se ao período de tempo que decorre até à prolação da sentença em 1ª instância; caso se opte por essa critério, os juros moratórios previstos no artigo 805 n.3 do mesmo diploma serão contados, tão somente, a partir dessa mesma sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e190bfa8a41aba80802580890065073a?OpenDocument |
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045294
Data do Acordão:11/08/1999
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:DIOGO FERNANDES
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
PROCESSO URGENTE
ALEGAÇÃO NO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Sumário:I - Os recursos a que alude o Dec.-Lei n. 134/98, de 15/Maio, são qualificados de carácter urgente.
II - Assim, o requerimento de interposição de recurso efectuado ao abrigo do disposto nos arts. 1 e 4 daquele Dec.-Lei, deve incluir ou ser acompanhado das respectivas alegações, por força das disposições combinadas dos arts. 6, 102, 113 n. 1 e 115 da L.P.T.A..
Nº Convencional:JSTA00052510
Nº do Documento:SA119990811045294
Data de Entrada:12/07/1999
Recorrente:RESIN SA
Recorrido 1:SUMA-SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE SA
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:1
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO DE 1999/04/26.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:DL 134/98 DE 1998/05/15 ART1 ART4 ART5 N1.
LPTA85 ART102 ART113 ART115 N1.
CPC96 ART685 N1.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 89/665 DE 1989/12/21.
Jurisprudência Nacional:AC STA DE 1998/10/15 IN BMJ N480 PAG128.; AC STA PROC44164 DE 1998/10/27.
Aditamento:
Texto Integral
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b69a8ca2309854d280256f88004e9e80?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031668
Nº Convencional: JTRP00030865
Relator: ALVES VELHO
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
EMBARGOS DE EXECUTADO
SOCIEDADE COMERCIAL
AVALISTA
TÍTULO DE CRÉDITO
ASSINATURA
ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP200101250031668
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J
Processo no Tribunal Recorrido: 1221-A/99-3S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS / TIT CRÉDITO.
DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CSC86 ART409 N4.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1990/04/19 IN CJ T2 ANOXV PAG236.
AC RP DE 1998/11/09 IN CJ T5 ANOXXIII PAG112.
AC RL DE 1998/12/03 IN CJ T5 ANOXXIII PAG179.
Sumário: A vinculação de uma sociedade comercial como avalista da subscritora de uma livrança é válida quando os administradores apuseram as suas assinaturas no lugar destinado à assinatura da dadora do aval no título, precedida de um carimbo com a denominação social da pessoa colectiva identificada como avalista da subscritora da livrança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1768c1996579b04e80256f79005a0cb4?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031817
Nº Convencional: JTRP00030867
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À VIDA
DANOS MORAIS
DANOS MATERIAIS
Nº do Documento: RP200101250031817
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 333/98
Data Dec. Recorrida: 30/06/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART495 N3 ART496 N2 ART564 N2.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/09/24 IN CJSTJ T3 ANOVI PAG177.
AC STJ DE 1998/04/23 IN CJSTJ T2 ANOVI PAG49.
AC STJ DE 1994/10/11 IN CJSTJ T2 ANOII PAG89.
AC STJ DE 1971/10/20 IN BMJ N210 PAG68.
AC RC DE 2000/05/22 IN CJ T2 ANOXXV PAG55
AC RC DE 1992/05/12 IN CJ T3 ANOXVII PAG103.
AC RL DE 1990/10/04 IN CJ T4 ANOXV PAG139.
Sumário: I - O montante da indemnização pelo dano da morte deve, em regra, ser superior ao dos outros danos morais.
II - Aquele a quem, por lei, o lesado devia prestar alimentos só tem direito de os exigir ao lesante desde que prove que a necessidade deles é previsível.
III - O marido sofre um dano ressarcível quando, por morte da mulher, cessa a contribuição que ela dava para os encargos da vida familiar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
MANUEL... e TÂNIA... intentaram, nos Juízos Cíveis de Matosinhos, contra a COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A., actualmente denominada COMPANHIA DE SEGUROS ..., acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 33 019 229$00, acrescida de juros de mora, desde a citação.
Alegam, em síntese, que no dia 2.11.96, o veículo automóvel, de matrícula ..-..-CG, conduzido por Filipe..., no qual seguiam como passageiros o A. Manuel... e sua mulher Elsa..., ao descrever uma curva despistou-se. Imputam o acidente a culpa exclusiva do condutor do referido veículo, segurado da Ré, por circular em excesso de velocidade e por imperícia.
Sustentam ainda que em consequência do acidente, no qual faleceu a mulher do 1º A. e mãe da A. Tânia, tiveram danos patrimoniais e não patrimoniais que ascendem ao montante peticionado.
A R. contestou, impugnando a forma como ocorreu o acidente e alguns dos danos alegados.
O processo prosseguiu os seus regulares termos tendo, a final, sido proferida sentença que condenou a Ré a pagar aos AA. a indemnização de 33 010 769$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A Ré apelou, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ 1 – Não obstante todo o melindre da questão inerente à fixação de um valor pelo dano decorrente da perda do direito à vida, deverá esse dano ser fixado em 4 500 000$00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos), conforme valor peticionado pelos Autores em Agosto de 1998, já que se trata de um valor correcto, razoável e equilibrado, fixado, aliás, em recente acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 10.03.99) por sinal citado na sentença recorrida, mas não tomado em consideração neste domínio.
2 – Também o dano moral sofrido pelo Autor marido pela morte da esposa, valoração sempre melindrosa e de extrema sensibilidade, não deverá, no caso, exceder os 2 000 000$00 (dois milhões de escudos) uma vez que foi este o valor atribuído como justo e razoável ressarcimento do dano moral sofrido pela filha em virtude da perda da mãe.
3 – A indemnização por dano resultante da perda da capacidade de ganho da vítima, como toda a indemnização, pressupõe um dano efectivo e apenas deverá reverter em favor do lesado por esse dano.
4 – A perda de ganho – remuneração laboral – da falecida Elsa... não importou qualquer efectivo prejuízo para o Autor, seu marido, porquanto não estava ele em condições de receber da falecida alimentos já que deles não carecia, sendo que a remuneração mensal do marido era superior à da esposa falecida e o dever de ambos concorrerem para as despesas comuns do casal era igual.
5 – Os cálculos efectuados pela douta sentença recorrida no sentido de determinar um prejuízo decorrente da perda de remunerações da falecida, distorce a realidade, esquece os dados incontornáveis da vida, omite o dever paralelo de contribuição do marido para os encargos da família, chegando a um valor de indemnização que não tem fundamento real e que se irá traduzir em fonte de enriquecimento injustificado por parte do Autor.
6 – A consideração de que a falecida Elsa... retiraria do seu rendimento anual de 960 000$00 a irrisória quantia de 192 000$00 (ou seja, 16 000$00 por mês, ou 526$00 por dia) para seu sustento próprio (alimentação, vestuário, transportes, etc.) é notoriamente errada e contrária à realidade.
7 – Do mesmo modo errada e contrária à realidade é a consideração, colhida no fundamento dos cálculos que suportam a sentença, de que a remuneração anual de Elsa... de 768 000$00 reverteriam total e directamente em favor dos Autores, marido e sua filha.
8 – Admitindo que a filha menor da inditosa Elsa... careceria de alimentos a prestar pela mãe – obrigada a essa prestação em medida igual à do pai da menor – e que tais alimentos poderiam importar numa média mensal de 25 000$00 (ou seja, 300 000$00 por ano a prestar pela mãe, com idêntica quantia a prestar pelo pai – divorciando-nos em, consequência, do valor irrisório que a sentença toma por suficiente para sustento da mãe) a indemnização por perda de alimentos a atribuir em favor da menor deverá ser fixada em 6 000 000$00 (20 anos x 300 000$00).
9 – Tendo a sentença fixado um valor actualizado e actual a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, sobre o valor assim fixado não devem incidir juros de mora contados a partir da data da citação da sociedade Ré.”
Os AA. contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Questões a decidir:
Atentas as doutas conclusões da Apelante, que delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
I – Qual o valor da indemnização a fixar pela perda do direito à vida da mulher do 1ºA. e mãe da 2ª A;
II – Qual o valor da indemnização a fixar pelos danos não patrimoniais sofridos pelo 1º A.;
III
1. – Se o 1º A. tem direito a indemnização pela perda de ganho da sua falecida mulher.
2 – Qual o valor da indemnização a atribuir a esse título aos AA. ou apenas à 2ª A.
IV – Desde quando são devidos juros de mora relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais.
A matéria de facto a considerar para a decisão é a descrita na sentença de fls. 163 a 167, que nessa parte não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração, pelo que aqui se tem por reproduzida ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 713º do C.P.C.
Porém, para a decisão do recurso em apreço são essenciais os seguintes factos (indicando-se entre parênteses a correspondente alínea da especificação e artigo da base instrutória):
No dia 2.11.96, cerca das 2h30 m, o veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 106 Xsi, matricula ..-..-CG, conduzido por Filipe... circulava pela estrada exterior da circunvalação (A).
No veículo ..-..-CG, para além do condutor, seguiam ainda o Avelino..., o ora 1º A. e sua mulher Elsa... todos transportados gratuitamente (B).
O condutor do CG imprimia ao seu veículo uma velocidade de, pelo menos, 100 Km/h (1º).
Atento o sentido de marcha do CG, junto do entroncamento com o arruamento que dá acesso à Urbanização Real a estrada exterior da circunvalação descreve uma acentuada curva à esquerda (C) .
Ao aproximar-se da referida curva o condutor do CG não reduziu a velocidade a que seguia e por tal circunstância perdeu completamente o domínio do veículo à entrada da referida curva (2º e 3º).
Ao aperceber-se de tal facto, o condutor do CG travou bruscamente numa tentativa de recuperar o controlo do veículo, tendo deixado marcados no pavimento rastos de travagem de 25 metros (4º e 5º).
Contudo, ainda assim, não conseguiu retomar a marcha do seu veículo, tendo então embatido no separador central (6º).
Após o embate no separador central o CG não ficou imobilizado, tendo capotado várias vezes (7º e 8º).
E completamente desgovernado deslizou pelo asfalto numa extensão de 75 metros (D).
Nesse momento foram projectados para fora do veículo, para a berma, o 1º A. e sua mulher (E).
Em consequência do embate a Elsa..., mulher do 1º A. e mãe da 2º A, sofreu lesões que foram causa directa da sua morte (H e I).
A falecida Elsa tinha 20 anos de idade e era fisicamente bem constituída e saudável (J e L).
A 2ª A, com apenas oito meses de idade, ficou privada do carinho e desvelo da mãe (M).
O 1º A. também sentiu e sofreu amargamente a morte da esposa, que amava muito e com quem casara há menos de um ano (N e O).
Juntamente com a sua filha constituíam uma família harmoniosa e feliz e com grandes esperanças (P).
O 1º A. sentiu profundamente a sua perda, tão trágica e prematura, que jamais esquecerá durante toda a vida (R e 16º).
O 1º A., para se recompor do evento acima referido, foi assistido por especialistas de doenças psíquicas até Janeiro de 1988 (S).
Sendo que ainda hoje sofre profundamente tal perda, tendo perdido a alegria de viver (17º).
Como consequência directa e necessária do acidente o A. sofreu fractura do acetábulo direito, fractura da clavícula esquerda e fractura da omoplata direita (29º).
Logo após o acidente, o A. foi imediatamente transportado ao Hospital de S. João do Porto, onde foi assistido de urgência e daí foi transferido para o serviço de ortopedia onde permaneceu até ao dia 5 de Novembro (AF e AG).
Seguidamente, foi transferido para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia onde esteve internado até ao dia 19 de Novembro (AH).
Tendo, então, tido alta com destino a casa onde prosseguiu os tratamentos (AI).
A partir do início de Janeiro de 1996, o A. passou a ser acompanhado pelos serviços médicos da R. (AJ).
Tendo sido submetido a tratamentos cirúrgicos da anca direita e tendo feito tratamento conservador da clavícula e omoplatas direitas (AL).
Só em Janeiro de 1998 é que o A. teve alta médica dos serviços clínicos da R. quer no que concerne a assistência de ortopedia quer no que respeita à assistência psiquiátrica (AM).
Os ferimentos sofridos provocaram-lhe dores intensas tanto no momento do acidente como no decurso dos tratamentos (V).
Agravados pela angústia de ter perdido a sua mulher, encontrando-se, assim, desanimado para lutar contra a doença o que dificultou ainda mais a sua recuperação (X e Z).
O A. ficou afectado de uma incapacidade geral permanente para o trabalho de 12,5% (AB).
As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a causar-lhe dores físicas incómodos e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida (AC e AD).
À data do acidente o A tinha apenas 21 anos de idade e era fisicamente bem constituído e saudável (AE).
A Elsa... era trabalhadora da ..., Lda, auferindo a remuneração mensal de 80 000$00 (26º e 27º).
Era pessoa poupada e economizadora (28º).
O A. à data do acidente auferia a remuneração média mensal de 85 000$00 (31º). FUNDAMENTAÇÃO:
I - É actualmente pacífico, como aceita a apelante, que a perda do direito à vida constitui, nos termos do artigo 496º n.º2 do Código Civil, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária.
Com referência à supressão do direito à vida da mulher do 1º A e mãe da 2 ª A., a douta sentença recorrida fixou o montante de 6 000 000$00.
Este valor foi fixado, seguindo os ensinamentos, do acórdão do S.T.J. de 23.4.98, C.J. (S.T.J.), tomo II, pág. 49 a 52, também por nós adoptado e referenciado em várias decisões.
O direito à vida é o mais valioso dos direitos de personalidade ou como refere o citado acórdão, “o dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros”. Por isso, em regra, o montante da sua indemnização deve ser superior à dos outros danos não patrimoniais.
Assim e considerando que a denominada civilização ocidental, na qual nos integramos, assenta na defesa dos direitos humanos, apenas o nosso relativo atraso económico tem impedido que se fixem valores mais condignos pelo direito à vida.
Procurando combater o miserabilismo indemnizatório, na linha de outros acórdãos do S.T.J., designadamente de 16.1.93, C.J. (S.T.J.), tomo III, pág. 183 e 11.10.94, C.J. (S.T.J.), tomo III, pág. 89, o citado acórdão de 23.04.98, fixou pelo direito à vida a referida importância de 6 000 000$00.
Este entendimento de indemnizar o direito à vida com o mínimo de dignidade tem sido seguido pela jurisprudência, como são exemplos o acórdão da Relação de Coimbra de 14.6.2000, C.J., ano XXV, tomo III, pág. 55 e o deste Tribunal de 22.05.200, proferido no processo n.º 33/ 2000, 5º secção, que fixaram a indemnização a esse título em 7 000 000$00.
Por conseguinte, a indemnização de 6 000 000$00 pelo direito à vida, fixada na douta sentença recorrida, atendendo que a vítima tinha 20 anos de idade, era saudável e ainda que a acção foi proposta em Agosto de 1998, está dentro dos padrões adoptados pela jurisprudência e, por isso, nada justifica a sua redução.
II- A douta sentença recorrida avaliou o dano moral do 1º A. em 4 500 000$00.
A apelante defende que deve ser reduzida a 2 000 000$00, uma vez que foi esse o valor atribuído pelo ressarcimento do dano moral sofrido pela filha (2ª A.) em virtude da perda da mãe.
Quanto a esta questão, entendemos que na indemnização pelo dano não patrimonial do A. com a perda da mulher não se justifica diferenciá-lo da filha, pois se logo após a morte o seu sofrimento atingiu maior intensidade, é manifesto que ela (com apenas 8 meses de idade, na altura da morte) sentirá mais a falta da mãe com o decurso do tempo.
No entanto, o dano não patrimonial sofrido pelo A. em consequência directa do acidente em apreço não se limitou aos sofrimentos causados pela perda da sua mulher.
Importa recordar que o A. também foi vítima do acidente e, em consequência directa e necessária dele, sofreu fractura do acetábulo direito, fractura da clavícula esquerda e fractura da omoplata direita (resposta ao quesito 29º), esteve internado desde 2 a 19 de Novembro de 1996 (AF e AG). Depois continuou em tratamento, tendo sido submetido a tratamentos cirúrgicos da anca direita e tratamento conservador da clavícula e omoplatas direitas (AL). Só em Janeiro de 1998 é que teve alta médica dos serviços clínicos da R. (AM). Os ferimentos sofridos provocaram-lhe dores intensas tanto no momento do acidente como no decurso dos tratamentos (V) e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a causar-lhe dores físicas incómodos e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida (AC e AD). Para além disso, é ainda de considerar que à data do acidente tinha apenas 21 anos de idade e era fisicamente bem constituído e saudável (AE).
Ponderadas estas circunstâncias, que acrescem e se associaram aos sofrimentos provocados com a morte da sua mulher, entende-se equilibrado e equitativo fixar o dano não patrimonial do A. com o acidente em 3 500 000$00.
Procedente, por conseguinte, em parte o recurso quanto a esta questão.
III – A título de indemnização pela perda da capacidade de ganho da falecida mulher do 1º A e mãe da 2ª A foi fixada a indemnização de 14 400 000$00.
A apelante defende que apenas a 2ª A. (menor) tem direito a alimentos da falecida mãe.
Importa em primeiro lugar apreciar e decidir se também o 1º A. tem direito a indemnização pela perda de ganho da sua falecida mulher.
Em princípio, só tem direito a indemnização o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado (cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª edição, pág. 644).
Excepcionalmente, concede a lei direito a indemnização a terceiros e um desses casos excepcionais é o do n.º 3 do artigo 495º do Código Civil, que dispõe:
“Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos do lesado ou aqueles a quem o lesado prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Assim, é indiscutível que este artigo manda indemnizar, no caso de morte ou lesão, o prejuízo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado, ou seja, no caso em apreço, o cônjuge e o seu descendente (artigo 2009º do Código Civil).
Por outro lado, tem direito a essa indemnização, não só as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, mas também aqueles que só mais tarde viriam a ter esse direito se o lesado fosse vivo.
Neste sentido escreve Antunes Varela, obra citada, página 647, “se a necessidade de alimentos, embora futura for previsível, nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrinal geral do n.º 2 do artigo 564º” (cfr., no mesmo sentido, Vaz Serra, R.L.J., ano 108º, pág. 184).
De notar que Antunes Varela defende, na obra e local citados, que “ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada.”
Esta opinião já não é partilhada por Vaz Serra, que na R.L.J. ano 108º, pág. 185, defende que se o tribunal não tiver elementos que lhe permitam determinar se os danos são previsíveis não pode fixar uma indemnização por danos futuros.
De referir que o acórdão do STJ de 16.4.74, que estava a ser objecto de analise por Vaz Serra na referida revista, entende que nos termos do artigo 495º n.º 3 do Código Civil para se ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito de alimentos.
A justificar esta posição, escreve: “Doutro modo, o reconhecimento do direito à indemnização tornar-se-ia dependente do reconhecimento prévio do direito a alimentos, pois só a quem fosse reconhecido esse direito é que poderia ter o direito à indemnização.”
Assim, parte da nossa jurisprudência entende que para que nasça o direito à indemnização do denominado dano da perda de alimentos basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não revelando a efectiva necessidade dos mesmos (cfr., no mesmo sentido, para além do atrás referido, o Ac. do S.T.J. de 20.10.71, B.M.J n.º 210, pág.68, o Ac. da Relação de Lisboa, 4.10.90, CJ., ano XV, tomo IV, pág. 139 e do S.T.J. de 24.09.98 CJ (STJ), ano VI, tomo III, pág. 177).
No entanto, outra parte da jurisprudência defende que é necessário fazer-se a prova da previsibilidade futura de alimentos.
Neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 16.5.99, proferido no processo n.º 474/99, 1ª secção, escreve “não pode interpretar-se esta disposição legal (n.º3 do artigo 495º) no sentido de que ela concede às pessoas que podiam exigir alimentos da vítima mortal do sinistro o direito de indemnização por hipotéticos, eventuais e ainda não previsíveis danos patrimoniais que lhes poderiam vir a ser causados em momento futuro e incerto”.
Assim e para esta interpretação mais rigorosa do artigo 495º n.º3 do Código Civil resulta que o titular do direito legal a alimentos, ou seja, aquele a que por lei o lesado devia prestar alimentos só tem direito de os exigir ao lesante, desde que prove que a necessidade deles é previsível.
No caso em apreço, para a primeira das posições atrás referidas, que continua a ser maioritária, estando a vítima obrigada a prestar, em abstracto, alimentos ao A., seu cônjuge, consoante determina o artigo 2009º al. a) do Código Civil, o lesante estava obrigado a indemnizá-lo, nos termos do artigo 495º n.º3.
Para a segunda das posições, essa obrigação de indemnizar o A. só se verifica se estiver provado que este necessita de alimentos ou que essa necessidade é previsível.
A Apelante sustenta que a perda de ganho da falecida Elsa... não importou qualquer prejuízo para o A. seu marido, porque este não estava em condições de receber dela alimentos.
No entanto, mesmo seguindo a interpretação mais rigorosa do artigo 495º n.º3 do Código Civil, entendemos que da factualidade provada resulta a previsível necessidade de alimentos por parte do A.
Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, englobando o que é necessário ao normal bem-estar, lazer, saúde e educação de um pessoa concreta, de acordo com as condições habituais do seu agregado familiar e da sua condição social (artigo 2003 n.º1 do Código Civil).
No caso presente, o casal constituído pelo A. e sua falecida mulher para custear as despesas de ambos e da filha dispunham do rendimento mensal de 165 000$00, sendo 80 000$00 da falecida e 85 000$00 do A.
Nas famílias de baixos rendimentos, como é do conhecimento geral, o desaparecimento de um dos cônjuges, não provoca uma diminuição significativa das despesas fixas, que são principalmente as de habitação e alimentação.
Por conseguinte, é evidente que com o desaparecimento do rendimento da sua falecida mulher, ficando o A. apenas com o seu rendimento de 85 000$00, o seu trem de vida é consideravelmente afectado.
De referir que apesar de ter desaparecido a obrigação do A., quanto à parte da falecida mulher, de contribuir para os encargos da vida doméstica, esse ganho de forma nenhuma compensa a perda da contribuição monetária dela.
Para além disso, como é do conhecimento geral e ainda é habitual na nossa sociedade, a mulher mesmo quando tem um trabalho remunerado, continua a executar a maioria dos trabalhos domésticos, que também têm valor económico (artigo 1676º do Código Civil).
É, pois, de concluir que o A. sofreu um dano por a sua falecida mulher ter deixado de contribuir para os encargos da vida familiar, que lhe era legalmente imposta pelo artigo 1676º do Código Civil, situação que é enquadrável no citado artigo 495º n.º3 do mesmo diploma (cfr., neste sentido, numa situação em que a contribuição da mulher era apenas trabalho doméstico, o Ac. da Relação de Coimbra, de 12.5.92, C.J., ano XVII, tomo III, pág. 103) .
Quanto ao valor da indemnização, que é devida nos termos do artigo 495º n.º3, conforme é entendimento uniforme, não pode exceder a medida de alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se vivo fosse (cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 108º, pág. 185 e Antunes Varela, obra citada, pág. 647, Ac. da R. L. 4.10.90, CJ., ano XV, tomo IV, pág. 139 e o Ac. da R. C. de 12.5.92, C.J., ano XVII, tomo III, pág. 103).
Trata-se, pois, de uma indemnização pelo prejuízo causado por haver desaparecido a previsível obrigação alimentar da falecida para com o marido e a filha (artigo 2013º do C.C.) e o seu quantitativo há-de equivaler ao montante que aquela estaria obrigada a prestar.
A sentença recorrida para encontrar a indemnização considerou que a vítima gastava com ela, apenas 1/5 do seu rendimento anual de 960 000$00, ou seja, apenas a quantia anual de 192 000$00, contribuindo para o lar com 768 000$00.
Apesar de estarmos perante uma pequena economia doméstica, em que há grande peso das despesas fixas, que não se reduzem com a morte de um dos cônjuges, entendemos ser mais conforme com a realidade assentar que a vítima gastaria consigo mesma aproximadamente 1/3 do que auferia.
Assim, auferindo mensalmente 80 000$00 pode razoavelmente inferir-se que aplicava em média 50 000$00, nas despesas do seu agregado familiar, aceitando-se para efeitos de cálculo da indemnização que 25 000$00 se destinariam a alimentos da filha.
Para cálculo dos danos patrimoniais devidos aos AA., por força do estipulado no artigo 495º n.º 3 do Código Civil, tomaremos como base de orientação as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, de tal forma que no fim do período a considerar o próprio capital se esgote.
Dado que na actualidade a taxa de juro mais elevada que é possível obter em operações activas do mercado financeiro não é superior a 4%, será utilizada uma tabela que tenha em conta essa taxa.
Assim, considerando que a menor tem uma perda anual de 300 000$00 (25 000$00 x 12), multiplicando pelo factor 13,590326 que nas ditas tabelas se indica em relação a 20 anos, número de anos em que previsivelmente iria receber da mãe alimentos, pois quando esta faleceu ainda não tinha 1 ano de idade, atinge-se o capital de 4 077 097$80.
Já para o viúvo a perda anual de 300 000$00 deve ser multiplicada pelo factor 20,720040, previsto nas referidas tabelas para 45 anos, período previsível da vida activa da falecida mulher (65-20), alcançando-se o capital de 6 216 012$00.
Arredondando esses valores fixaremos a indemnização devida aos AA. por perda de alimentos em 10 400 000$00 ( 6 200 000$00 para o 1º A e 4 200 000$00 para a 2ª A).
Procede, por conseguinte, em parte o recurso quanto a esta questão.
IV – Por último e quanto à questão de saber-se desde quando são devidos juros de mora relativamente aos danos não patrimoniais, entendemos, perfilhando a posição maioritária do S.T.J., conforme se constata a título exemplificativo do acórdão do S.T.J. de 10.02.98, C.J. (S.T.J.) ano VI, tomo I, pág.66 e outros nele referidos, que não há que distinguir os juros devidos na indemnização dos danos não patrimoniais dos devidos pelos danos patrimoniais, sendo, em ambos os casos, devidos a partir da citação.
Tal só não se verifica quando os danos não patrimoniais tenham sido valorados com referência a momento posterior à citação, o que no caso presente não ocorreu.
Resumindo e concluindo:
Mantêm-se a sentença recorrida na parte em que fixou a indemnização pela perda do direito à vida em 6 000 000$00.
Altera-se a sentença na parte em que fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais do 1º A em 4 500 000$00 que se fixa em 3 500 000$00 e na parte em que fixou a indemnização dos AA, por perda de alimentos, nos termos do artigo 495º n.º 3 do Código Civil, em 14 400 000$00 que se fixa em 10 400 000$00.
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré a pagar aos AA. a indemnização de 28 010 769$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas por AA. e R. na proporção do respectivo decaimento, em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos primeiros.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
Leonel Gentil Marado Serôdio
Norberto Inácio Brandão
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031796
Nº Convencional: JTRP00031382
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: CONTA BANCÁRIA
PENHORA
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
Nº do Documento: RP200101250031796
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 83-B/99-1S
Data Dec. Recorrida: 13/12/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART861-A N6.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1996/10/08 IN CJ T4 ANOXXI PAG124.
Sumário: Para se nomear à penhora o saldo de depósitos bancário basta uma referência genérica aos saldos existentes em quaisquer bancos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
Na 1ª Vara Cível do Porto, o Banco ..........., S. A., nos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que instaurou contra Luciano ............. e mulher Maria .............., alegando não conseguir identificar adequadamente as contas bancárias dos executados, requereu no tribunal a quo que, ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 861º-A do CPC, se notificasse o Banco de Portugal para que verificasse e informasse quais as instituições bancárias em que os executados são detentores de contas bancárias e que, obtida essa informação, se notificassem tais instituições de que o saldo da conta ou contas ficava penhorado à ordem desta execução.
Tal requerimento foi indeferido pela M.ma Juíza a quo que, a propósito, proferiu o seguinte despacho:
“A solicitação de informação ao Banco de Portugal nos termos do art. 861º-A, nº 6 do CPC pressupõe a nomeação à penhora de saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente.
Requerer a penhora dos saldos em contas bancárias não é nomear bens, mas sim indicar o tipo de bens que se pretende ver penhorados.
Acresce dizer que o pedido de informação ao Banco de Portugal não se confunde com a averiguação oficiosa prevista no art. 837º-A, nº 1 do CPC.
Assim, indefiro o requerido.”
Inconformado, interpôs o Banco exequente recurso de agravo, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A nomeação dos saldos bancários à penhora, nos moldes em que foi efectuada, encontra-se expressamente contemplada no nº 6 do art. 861º-A do CPC, introduzido pelo Decreto-Lei nº 357-A/99, de 20 de Setembro;
2. Aliás, se o Exequente tivesse, pelo menos, de identificar as entidades depositárias, informação esta também abrangida pelo sigilo bancário, não haveria qualquer necessidade de consulta ao Banco de Portugal, antes bastando que o Tribunal oficiasse directamente às entidades indicadas pelo Exequente para que estas, com base nos elementos de identificação dos Executados, indicassem quais os números de conta, respectivos saldos e eventuais ónus que sobre elas recaíssem;
3. Ora, a "ratio" da adição deste novo nº 6 ao artigo 861º-A do C.P.C., foi a de obviar às dúvidas surgidas na prática anterior a esta nova redacção do artigo 861º-A, com a conjugação deste preceito e do disposto no artigo 837º do C.P.C.;
4. Não podendo, de forma alguma, fazer-se uma interpretação restritiva e literal destes dois preceitos, pois que tal determinaria na prática a inutilidade da previsão pela lei da possibilidade de penhora de saldos bancários, sendo impossível a um qualquer Exequente, sem quebra das regras do sigilo bancário, indicar nomeadamente o montante, natureza e origem da dívida, título de que consta e a data de vencimento;
5. Sendo certo que, face à nova redacção do artigo 861º-A do C.P.C., as diligências que o Tribunal poderia fazer junto das instituições bancárias, ao abrigo do disposto no artigo 837º-A, nº 1 do C.P.C., foram agora centralizadas no Banco de Portugal, de acordo com o próprio preâmbulo do Decreto-Lei que o introduziu;
6. O Mmo. a quo, ao invés de indeferir a penhora requerida, deveria ter ordenado que se oficiasse previamente ao Banco de Portugal no sentido de este informar sobre quais as instituições em que os Executados são detentores de contas bancárias;
7. Aceitar e seguir a posição propugnada pelo Mmo. a quo seria fazer "letra morta" do artigo 861º-A do C.P.C. e abrir a porta à inviabilização de milhares de penhoras diariamente requeridas, criando na prática um novo tipo de bens impenhoráveis (os saldos bancários);
8. A penhora requerida deveria assim ter sido ordenada e efectivada, nos termos do disposto no artigo 861º-A do C.P.C.;
9. A decisão recorrida viola, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 837º, 837º-A e 861º-A, todos do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, acolhidas as razões invocadas pelo Agravante, ordene a efectivação da penhora requerida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II.
O presente recurso põe em causa o despacho da M.ma Juíza a quo que indeferiu a nomeação à penhora dos saldos bancários dos executados, com prévia indagação e informação pelo Banco de Portugal de quais as instituições bancárias em que aqueles eram titulares de contas.
Segundo a decisão recorrida, não se tratou de uma verdadeira nomeação de bens à penhora, mas sim de uma indicação do tipo de bens que se pretendiam ver penhorados.
A questão a decidir consiste, assim, em saber se deve considerar-se suficiente, para efeitos de posterior penhora, a nomeação ou indicação feita pelo Banco exequente, nos termos em que o foi.
Vejamos, pois.
Quanto à identificação dos bens, dispõe o nº 1 do art. 837º do CPC que "A nomeação deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar". E no nº 5 do mesmo preceito estatui-se que " Na nomeação dos créditos, declarar-se-á a identidade do devedor, o montante, natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data do vencimento".
Comentando esse artigo, escreveu A. dos Reis, em Processo de Execução, 2º, pág. 86: "Como bem se compreenderá, estas prescrições, se fossem entendidas em termos rígidos, criariam graves embaraços ao exequente. Que o executado, quando use do direito concedido pelo artigo 834º satisfaça completamente ao que o artigo 937º determina, está bem; não há nisso exigência desmarcada: o executado tem ao seu alcance os elementos necessários para dar cumprimento à lei. Considere-se agora a posição do exequente; como há-de ele colocar-se em condições de fazer a identificação completa dos bens a nomear? (...) Como há-de, quanto aos créditos, fornecer todas as indicações exigidas pelo artigo 837º ?
Estas considerações explicam as restrições e reservas que o artigo teve o cuidado de fazer com as palavras «tanto quanto possível », «se for possível ». Há-de atender-se à situação em que se encontra o exequente; não deve esperar-se dele o que não seria razoável exigir; reclame-se só o que ele esteja em condições de mencionar".
Ora, as dificuldades de identificação mais se avolumam para o exequente, quando este nomeie, ou pretenda nomear, saldos de depósitos bancários do executado, e isto sobretudo devido às limitações impostas pelo sigilo bancário.
Por isso se vinha entendendo que, na nomeação à penhora de contas bancárias do executado, bastava ao exequente indicar os bancos onde essas contas poderiam estar abertas e o titular da(s) conta(s) (Ac. do STJ, de 14.01.1997, CJ/STJ, 1997, I, 44; Acs. da Rel. de Lisboa, de 23.11.1995 e de 21.10.1997, CJ, 1995, V, 115 e 1997, IV, 118; Acs. da Relação do Porto, de 11.02.99, proc. nº 167/99-3ª Secção e de 03.07.2000, proc. nº 915/00-5ª Secção).
Se era esse o entendimento que vinha predominando, cremos que agora, após a adição do nº 6 ao art. 861º-A do CPC feita pelo DL nº 375-A/99, de 20.9, nem sequer a indicação das instituições bancárias onde o executado terá conta(s) se mostrará necessária.
Dispõe, com efeito, aquele nº 6 que “se tiverem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias”.
Se é certo que a primeira parte daquele normativo parece inculcar a ideia de que o exequente deverá sempre fornecer alguns elementos de identificação das contas, ainda que de forma incompleta ou inadequada (v.g. o nome das respectivas instituições), não é menos verdade que, se assim fosse, ficaria desprovida de toda a utilidade prática a segunda parte do mesmo preceito.
Com efeito, se são conhecidas, ou têm de ser indicadas, tais instituições, não há necessidade de intervenção do Banco de Portugal, já que aquelas, ex vi do disposto no nº 2 do art. 837º-A e nº 2 do art. 861º-A, ambos do CPC, fornecerão todos os demais elementos necessários à concretização da penhora.
De resto, e como bem refere o recorrente, naquele segmento da norma não se diz que o tribunal solicitará ao Banco de Portugal os elementos, em falta, de identificação das contas bancárias, mas sim informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias.
O que bem se compreende, sabido que o exequente pode desconhecer de todo em que instituição, ou instituições, tem o executado as suas contas.
Exigir-se que o exequente faça, pelo menos, a indicação das instituições bancárias onde provavelmente existirão as contas a penhorar, pode traduzir-se, como muitas vezes acontece, numa pura indicação aleatória, na mira ou esperança de “acertar” em alguma das indicações feitas. E, por isso, é frequente ver-se, na nomeação à penhora de saldos de contas bancárias, a indicação – quase sempre inútil - de um extenso rol de instituições como aí tendo o executado contas e saldos a penhorar.
Cremos que foi para obviar a tais dificuldades e procedimentos que o legislador introduziu, no art. 861º-A, o nº 6, com a redacção que acima se deixou transcrita.
Desta forma, ignorando o exequente - como acontece na maioria dos casos - em que instituição, ou instituições, o executado é detentor de contas bancárias, caberá ao Banco de Portugal identificar essas instituições e fornecer essa informação ao tribunal.
Os tribunais existem para servir os direitos cidadãos. E, com aquela interpretação - que se julga correcta - do citado preceito legal, se evitará que, pelo menos algumas vezes, devedores relapsos fujam ao cumprimento das suas obrigações.
Não queremos deixar de citar, a propósito de penhoras de saldos de contas bancárias, o Ac. da RL, de 8.10.1996 (CJ, 1996, IV, 124), onde, a dado passo, se escreveu: “perante a redacção daquele nº 1 (do art. 837º do CPC), basta fornecer a identificação possível, que nesse caso se resume à indicação de que a penhora deve abranger os saldos das contas bancárias da executada em quaisquer bancos até ao montante da quantia exequenda e das custas prováveis. E de modo a abranger todos os bancos existentes em Portugal, pode até requerer-se que a tal penhora se proceda oficiando-se ao Banco de Portugal para que circule por todos esses bancos o despacho que ordenou a penhora dos saldos das contas existentes”.
Um tal entendimento – de considerar bastante uma referência genérica dos saldos existentes em quaisquer bancos - encontrou, quanto a nós, consagração no nº 6 do art. 861º-A actual.
Procedem, portanto, as conclusões do recorrente.
III.
Nestes termos, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro a deferir o requerimento do exequente de nomeação à penhora de saldos de contas bancárias dos executados, com prévia informação pelo Banco de Portugal, a solicitar pelo tribunal, como foi requerido, de quais as instituições em que os executados são detentores de contas bancárias.
Sem custas.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031595
Nº Convencional: JTRP00031379
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
FALSIDADE
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP200101250031595
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV PAREDES
Processo no Tribunal Recorrido: 150/99
Data Dec. Recorrida: 09/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR TRIB.
Legislação Nacional: CPTRIB99 ART251 N1 A ART328.
Sumário: A falsidade de actos processuais praticados na pendência de uma execução fiscal tem que ser deduzida nesse processo de execução ou por sua dependência e não no tribunal comum.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031781
Nº Convencional: JTRP00029881
Relator: VIRIATO BERNARDO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
POSSE ADMINISTRATIVA
CADUCIDADE
REIVINDICAÇÃO
Nº do Documento: RP200101250031781
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J S JOÃO MADEIRA 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 207/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR EXPROP.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CEXP91 ART10 N3 ART17.
Sumário: Não existe erro na forma de processo se os autores utilizam a acção de reivindicação para obterem a entrega de um prédio, em consequência da declaração de caducidade da posse administrativa do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031675
Nº Convencional: JTRP00031375
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
SOCIEDADE
CESSÃO DE QUOTA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
SINAL
Nº do Documento: RP200101250031675
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV V N GAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 426/97
Data Dec. Recorrida: 20/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART442 ART830 ART350 N2.
Sumário: Não afasta a execução específica de um contrato-promessa de cessão de quotas de uma sociedade cujo património e o local onde se encontra instalado um estabelecimento comercial, o facto de haver um sinal, uma vez que o promitente cessionário ficou desde logo com a posse e exploração do estabelecimento e pagou uma parte considerável do preço do negócio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031666
Nº Convencional: JTRP00031377
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
DEFEITOS
DENÚNCIA
CADUCIDADE
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RP200101250031666
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 7 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 4274/94-3S
Data Dec. Recorrida: 10/02/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV.
DIR COM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART303 ART333.
CPC95 ART664.
CCOM888 ART471.
Jurisprudência Nacional: AC RC DE 1998/09/22 IN CJ T4 ANOXXIII PAG17.
AC RC DE 1999/04/13 IN CJ T2 ANOXIV PAG32.
Sumário: I - Tendo sido arguida a excepção da caducidade na perspectiva de aplicação de lei estrangeira, caso se conclua pela aplicação da lei portuguesa a mesma excepção deve ser conhecida na perspectiva da aplicação desta lei, por o tribunal não estar limitado pelo alegado pelas partes quanto à matéria de direito.
II - O prazo de oito dias referido no artigo 471 do Código Comercial para a denúncia de defeitos só começa a correr quando a desconformidade ou falta de qualidade dos produtos é conhecida do comprador, ou, pelo menos, podia sê-lo agindo este com a diligência exigível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031789
Nº Convencional: JTRP00030008
Relator: COELHO DA ROCHA
Descritores: COMPROPRIEDADE
POSSE
INVERSÃO DE TÍTULO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP200101250031789
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J V VERDE 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 38/96
Data Dec. Recorrida: 22/09/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1260 N1 ART1261 N1 ART1262 ART1268 N1 ART1287 ART1296 ART1406 N2.
Sumário: O estado de facto criado pela divisão feita pelos comproprietários sem escritura ou acto público pode converter-se em estado de direito pelo princípio da usucapião, se um ou cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/995ecc94b10fa4d580256f82003cb3cf?OpenDocument |
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A4705
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: ÓNUS DA PROVA
FACTOS NEGATIVOS
Nº do Documento: SJ20080207047051
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A prova dos factos constitutivos, sejam eles positivos ou negativos, incumbe à parte que invoca o direito.
Não é pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 – Relatório
AA e BB, intentaram, no Tribunal Judicial da comarca da Guarda, acção ordinária contra
CC, DD e mulher, EE e FF e mulher, GG, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que lhes causaram, a relegar para liquidação.
Em suma, alegaram que:
- São donas e legítimas possuidoras de uma quota no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade denominada “HH, Lda.”, sendo os RR. donos e legítimos possuidores de uma quota com igual valor nominal, correspondente aos restantes 50% do dito capital social.
- Os RR. intentaram contra as AA. uma providência cautelar na sequência da qual estas foram afastadas da gerência da sociedade, tendo sido nomeado único gerente o R. DD, o qual, a partir de 28/07/97, passou a exercer sozinho essas funções.
- Pelas razões descritas, o R. DD fez uma gestão ruinosa da sociedade, assim tendo sido causados às AA. danos relativamente aos quais pretendem ser indemnizadas.
Contestaram os RR., pugnando pela improcedência da acção.
Esta seguiu os seus termos normais até julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgá-la improcedente e, consequentemente, a absolver os RR. do pedido.
Apelaram, sem êxito, as AA. para o Tribunal da Relação de Coimbra, colocando o acento tónico da sua discordância na alteração da matéria de facto.
Malgrado a Relação ter alterado a resposta que a 1ª instância deu ao quesito 1º, o certo é que tal não teve a virtualidade de modificar a decisão final no sentido pugnado pelas recorrentes.
Estas continuaram irresignadas e daí a razão do pedido de revista. Fizeram-no a coberto das seguintes conclusões:
1) São fundamentalmente duas as questões que as ora recorrentes levam ao conhecimento do Ilustre Tribunal: o quesito 10°, dado como não provado pelas instâncias judicativas anteriores, e a apreciação do preenchimento in casu dos requisitos vertidos na letra do art. 79º/1 do Código das Sociedades Comerciais.
2) Questionava-se no ponto 10º da base instrutória se o “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?”
A esta questão respondeu o Mº Juiz a quo não provado.
3) Em sede de fundamentação referiu o seguinte:
“Relativamente ao quesito décimo nenhuma testemunha revelou qualquer conhecimento sobre o facto perguntado (sendo certo que a fls. 194 a 195 se encontra junta por certidão carta datada de 27 de Agosto de 2001 e respectivo envelope com registo dos CTT enviado pelo R. DD em representação da sociedade à A. AA solicitando um empréstimo a fim de a sociedade poder fazer face às suas necessidades de funcionamento e relembrando a conta bancária bloqueada)”.
4) Escreveram, na altura, as ora recorrentes que a prova de um facto negativo é muito difícil, uma verdadeira diabólica probatio, acrescentam, agora.
5) Recordando o que as ora recorrentes escreveram em sede de apelação "Competiria aos R.R., ou melhor ao R. DD fazer prova do contrário, isto é, de que, em devido tempo, alertara os sócios da sociedade HH, Lda. para a necessidade de tomar medidas de recuperação, como aliás, decorre do disposto no art. 342ºdo CC."
6) Contrariamente ao sustentado pelas recorrentes, o Tribunal da Relação de Coimbra, desenvolveu o seguinte raciocínio “Não tem aplicação no nosso direito probatório o aforismo “negativa non sunt probanda”, não constituindo a dificuldade de prova dos factos negativos justificação suficiente para que se considere vigente uma regra geral segundo a qual, nesses casos, se opera a inversão do ónus de prova e recai sobre a outra parte o encargo de provar o contrário. Nos casos especiais em que o legislador entendeu justificar-se tal inversão foi a solução legal consagrada na lei, como facilmente se deduz do art. 343º do Código Civil (CC)”.
7) “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?”
Se é certo que no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no que concerne ao regime dos meios de prova, não vigora o principio “negativa non sunt probanda”, não podemos extrair daí, no entanto, que sempre que se estiver perante um facto negativo, a sua prova competirá aquele que o invoca. Ele terá que – em situações limite, é certo – ser invocado e necessariamente aplicado por força de outro princípio vector, nuclear, essencial, em torno do qual gravitam todos os outros, o princípio da descoberta da verdade material.
8) Com pertinência para a situação ajuizada, surge o aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2006, NUNO CAMEIRA, de acordo com o qual “importa, contudo, ponderar adequadamente as coisas e verificar caso a caso se não será necessário, sem desvirtuar o sentido último do preceito aplicar a regra em apreço mediante a introdução de um qualquer desvio, adaptação, restrição ou distinção que permita ao julgador concretizar a solução mais conforme à justiça material. E nada deve constituir obstáculo a semelhante esforço porque importa não o esquecer as regras estabelecidas no código civil para distribuir entre as partes o ónus da prova não valem por si, não são um fim em si mesmas”.
9) Sendo o facto negativo, no caso sub iudice, um facto a que corresponde, como antítese, uma série indefinida de factos positivos – a prova que impende sobre as recorrentes torna-se, admita-se, sem ceder, mais do que diabólica, pura e simplesmente impossível, se não atendermos aos factos dados como provados, mais do que indiciantes relativamente a esse outro facto negativo: o facto de o R., ora recorrido DD, não ter alertado os sócios para a necessidade de adopção de medidas de recuperação.
Com efeito,
10) Somando este facto aos restantes dados como provados, temos, então, de responsabilizar o ora R. DD pelos danos causados no exercício das suas funções enquanto gerente da sociedade aqui identificada.
11) O art. 79º CSC trata da responsabilidade de natureza delitual dos administradores e gerentes decorrente da violação de regras legais que directamente protejam o sócio e de que resultem danos na sua esfera jurídica.
12) O recorrido DD, ao não ter, por um lado, prestado informações relativas às contas do ano de 1997, forçando as recorrentes a intentar um inquérito judicial para apresentação do relatório de gestão e das contas, e, por outro lado, ao não ter alertado os sócios para a necessidade de adoptar medidas de recuperação violou, de forma inequívoca, o dever de informação a que está, por força dos normativos legais aplicáveis em matéria societária, adstrito.
13) Sendo de natureza delitual, o ora recorrido DD só será responsabilizado se tiver agido com culpa.
14) Os dados factuais com que se joga o presente processo não nos permitem afirmar, com total segurança – com o grau de certeza que o direito exige, – que o R. DD tenha actuado com dolo directo ou necessário.
15) Mas, sem quebra do devido respeito por opinião contrária, os autos dispõem de factos suficientes que nos permitem concluir que o R. DD terá agido, pelo menos, com dolo eventual.
16) Mesmo que não se perspectivasse aqui o dolo eventual, o que se admite por mera hipótese de trabalho, o ora recorrido DD seria sempre responsabilizado a título de negligência, exactamente porque houve, pelo menos, admita-se sem ceder, uma violação objectiva de um dever de cuidado, isto é, o ora recorrido DD não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.
17) Finalmente, resta-nos avaliar os prejuízos – os prejuízos causados directamente no património dos sócios. E também nesta matéria, consideram as ora recorrentes, salvo o devido respeito, que é muito, que mal andaram as instâncias judicativas chamadas a pronunciarem-se sobre o thema decidendum quando entenderam que não houve danos directos na esfera patrimonial das recorrentes, então sócias.
Mais,
18) Sendo as AA. titulares de uma quota que representa 50% do capital social de uma sociedade que, através da exploração dos seus dois estabelecimentos comerciais, desenvolvia uma actividade lucrativa, deixaram as AA. de auferir, por força da gestão ruinosa que o R. DD empreendeu à frente dos destinos da sociedade, qualquer rendimento desse seu património.
19) Não serão estes danos suficientes? Bastantes? Que decorrem directamente da violação culposa, por parte do recorrido DD, das obrigações legais a que está adstrito em matéria societária?
20) Na opinião das recorrentes são suficientes, bastantes, devastadores e, por isso mesmo, concluem pela condenação dos RR. no pagamento de um montante indemnizatório a liquidar em execução de sentença.
Os recorridos não responderam.
2 – As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:
- A sociedade HH, Lda. era titular de dois estabelecimentos comerciais na Guarda, sendo um de venda de calçado, solas e cabedais e outro de venda de vinhos e outras bebidas.
- Por carta datada de 17/07/2002, subscrita por LG, junta a fls. 37, endereçada ao Ilustre Advogado Dr. MR, (consta) nomeadamente que: “... Desde há bastante tempo que a firma esgotou o seu stock vendável. Ao longo dos últimos noventa dias as vendas efectuadas não foram sequer suficientes para pagar as rendas comerciais. ...”.
- No ano de 1996, a sociedade HH Lda. declarou, para efeitos de IRC, um resultado líquido do exercício de 3.150.140$00.
- Na declaração de rendimentos apresentada para efeitos de IRC, relativa ao exercício de 1995, a sociedade HH, Lda. declarou um resultado líquido do exercício de Esc. 5.232.288$00 e um lucro tributável de Esc. 2.232.288$00.
- A A. AA e o seu falecido marido viviam dos rendimentos que lhe advinham da exploração dos estabelecimentos da sociedade.
- A partir de 28/07/97 o R. DD passou a ser o único gerente da sociedade HH, Lda.
- O R. DD, na qualidade de único gerente da sociedade, não apresentou atempadamente as contas do exercício de 1997, as quais apenas foram apresentadas em assembleia-geral ocorrida em 1999.
- Em reunião havida com o Sr. Dr. LG, que havia sido nomeado gerente judicial da sociedade, este informou as AA. de que a sociedade não tinha disponibilidades de caixa e que estava em ruptura de “stockes”.
- E que as mercadorias existentes eram de venda difícil e tinham reduzido valor.
- Quando o R. DD passou a ser o único gerente, a sociedade tinha em caixa entre 2.000.000$00 a 3.000.000$00, e ainda cerca de 2.700.000$00 depositados numa conta bancária titulada pelo mesmo e pelo falecido marido da A. AA , importância esta que não foi movimentada face às divergências surgidas.
- E algumas mercadorias em “stock”.
- As AA. são titulares de uma quota social – que lhes adveio por sucessão por óbito de EN – no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade com a denominação HH, Lda.
- Os RR. são titulares de uma quota social – que lhes adveio por sucessão por óbito de DD – no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade com a denominação HH, Lda.
- Os RR. intentaram contra as AA. uma providência cautelar, que correu termos com o nº 365/97 do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, e se encontra apensa à acção ordinária nº 381/97, do 1º Juízo do mesmo Tribunal, providência cautelar na sequência da qual as AA., por sentença de 28 de Julho de 1997, foram suspensas da gerência da sociedade HH, Lda., e tendo sido nomeado único gerente da mesma, o R. DD.
- Em Julho de 1998, as AA. requereram inquérito judicial, que correu termos com o nº 307/98 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, contra o R. DD, alegando que este, enquanto único gerente da sociedade HH, Lda., não procedeu à apresentação do relatório de gestão e das contas do exercício de 1997.
- Em 3 de Setembro de 2001, por apenso ao Inquérito Judicial nº 307/98 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, as AA. deduziram providência cautelar de suspensão do gerente DD.
- Na oposição a esta providência cautelar, de 18 de Setembro de 2001, o R. DD declarou nada ter a opor a que fosse nomeado um administrador judicial, com o seu consequente afastamento das funções de gerente da sociedade.
- No âmbito desta providência cautelar, em data anterior a 17/07/2002, foi nomeado gerente judicial da sociedade, o Sr. Dr. LG.
- Por requerimento datado de 5 de Setembro de 2002, dirigido ao Mº Juiz de Direito do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, o gerente judicial nomeado, face à falta de entendimento entre os titulares das quotas, e à falta de meios técnicos, financeiros e materiais da sociedade, propôs a sua dissolução.
- Por sentença de 29 de Janeiro de 2003 – cujo trânsito não se mostra certificado nos autos – proferida na acção ordinária nº 381/97, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, movida pelos aqui RR. contra as aqui AA., foi a A. AA , além do mais, destituída da gerência da sociedade HH, Lda.
3 - Quid iuris?
Insistem as recorrentes no pedido de condenação de todos os RR., olvidando que, aqui e agora, apenas está a eventual responsabilidade do R. DD, transitada que está a decisão absolutória da 1ª instância em relação aos demais RR..
É o próprio aresto agora censurado que faz pertinentemente tal delimitação por via do trânsito da decisão da 1ª instância em relação aos demais RR..
Precisado “este pequeno” (mas importante) pormenor, eis-nos confrontados com a questão de saber se, perante a alegação de um facto negativo, constitutivo do direito da parte que o invoca, a lei obriga a uma inversão do ónus probatório. Ou seja, se perante a resposta negativa dada ao mesmo, é de concluir pela verificação do contrário por virtude de ónus legal imposto à Defesa numa situação destas.
Defendem as recorrentes que, face à resposta negativa dada ao quesito 10º – “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?” – teria ficado provado o contrário do perguntado e isto pela simples razão de o ónus probatório cair nestes casos para a Defesa, o que implica que a resposta, perante a circunstância do caso, teria de ser considerada como provada.
Id est, teria ficado definitivamente provado que o R. DD não cumpriu para com elas a sua obrigação de informação, tal-qualmente o exige o art. 79º do CSC.
E, provado este elemento essencial da responsabilização imputada àquele R., aqui recorrido, estava aberto o caminho para o censurar pelo menos a título de culpa.
Com o respeito devido pelas opiniões contrárias, entendemos que a tese proposta pelas recorrentes não pode ter acolhimento à luz das regras orientadoras do nosso Ordenamento Jurídico.
Há que não confundir factos constitutivos do direito, sejam eles positivos ou negativos, cuja prova incumbe à parte que invoca o direito, seja por acção ou reconvenção, com as regras próprias do ónus probatório relativas às acções de simples apreciação negativa (cfr. arts. 342º e 343º do CPC).
Não é pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa.
Bem andou, por isso, a Relação de Coimbra ao defender que, perante a resposta negativa obtida ao supra citado quesito 10º, a responsabilidade do R. DD estava definitivamente afastada, com o argumento de que entre nós não vigora o princípio “negativa non sunt probanda”, o que é efectivamente verdade (vide, neste preciso sentido, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 354 e 355, e Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág. 148 e 149).
Tendo as AA., aqui recorrentes gizado o pedido de indemnização com base em violação do art. 79º do CSC – o qual prevê a responsabilização dos gerentes, administradores ou directores, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente causarem no exercício das suas funções – e não se tendo provado, como efectivamente não se provou, que o R. DD incumpriu qualquer obrigação para com as AA., aqui recorrentes, só nos resta dizer que a pretensão das mesmas necessariamente tinha que soçobrar.
É que a responsabilidade que aqui se invocou – responsabilidade delitual – obriga o A. a, salvo casos absolutamente excepcionais, alegar e provar todos os elementos constitutivos do direito invocado (cfr. arts. 483º e 487º do CC).
In casu, as AA., aqui recorrentes, nem sequer lograram provar que o R. DD omitiu os deveres que lhe imputaram, facto que, por si só, obriga a considerar prejudicada a análise de tudo o mais invocado no recurso (cfr. art. 660º, nº 2 do CPC).
4 – Decisão
Pelo exposto, nega-se a revista e condenam-se as recorrentes no pagamento das respectivas custas.
Lisboa, aos 07 de Fevereiro de 2008
Urbano Dias
Paulo Sá
Mário Cruz
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031769
Nº Convencional: JTRP00030004
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
Nº do Documento: RP200101250031769
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 786/99-1S
Data Dec. Recorrida: 06/04/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ART174 N2 ART1424 N1 ART1432.
DL 268/94 DE 1994/10/25 ART4.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1974/12/20 IN BMJ N242 PAG322.
AC RL DE 1979/11/02 IN BMJ N296 PAG235.
AC STJ DE 1980/07/29 IN BMJ N299 PAG378.
AC RL DE 1991/12/19 IN CJ T5 ANOXVI PAG142.
Sumário: A convocatória para uma assembleia geral tem de ser clara quanto à ordem de trabalhos, por forma a que, sem necessidade de recurso a outros elementos, os interessados (no caso condóminos) fiquem elucidados sobre os assuntos que vão ser discutidos.
Mas não tem que conter a transcrição, ainda que em súmula, das propostas a submeter à assembleia pelo administrador do condomínio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11.991/04.2TDLSB-B.L2.S1
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: CONDENAÇÃO EM PROCESSO CRIME
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
INDEMNIZAÇÃO
EXECUÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
EXECUTADO
FUNDAMENTO ACESSÓRIO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRACRÉDITO
COMPENSAÇÃO
REQUISITOS
INADMISSIBILIDADE LEGAL
CRÉDITO
TERCEIRO
CRÉDITOS NÃO RECONHECIDOS JUDICIALMENTE
CRÉDITOS DE NATUREZA DISTINTA
CRÉDITOS POR FACTO CRIMINAL
ABUSO DE DIREITO
MODALIDADES
PRESSUPOSTOS
JUÍZO CÍVEL
JUÍZO CONCLUDENTE
DATIO PRO SOLVENDO
EXCLUSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 16/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DO PROCESSO CIVIL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
DIREITO CIVIL - EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / MORA DO CREDOR / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO.
Doutrina:
- Almeida Costa, in R.L.J., Ano 129, 61.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2, 161.
- Baptista Machado, Obra Dispersa, Braga, 1991, I, 416.
- Castanheira Neves, Questão de facto – Questão de direito, 514 e ss..
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 130, 135.
- Dias Ferreira, “Caso Julgado”, R.L.J., 1926, 35.
- José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.°, 28/29; “Código de Processo Civil”, Anotado, V, 67.
- Manuel de Andrade, Teoria geral das Obrigações, 1966, 63.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2001, vol. 2.º, 222; Do Abuso de Direito: estado das questões e perspectivas; Tratado de Direito Civil Português, I , T I, 1999.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações –Boa Fé no Direito Civil, 1997, 19 a 23.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Ed., 1996.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª ed., 1986, p. 145.
- R.T., Ano 6, ano 98 , 27-28.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º, 814.º, 847.º, 851.º, 853.º, N.º1, AL. C).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 721.º, N.º3, 721.º-A, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 671.º, 672.º, N.º3, 668.º, 669.º, 677.º, 729.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 4.º, 672.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6; - ARTIGO 6.º N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22.6.2011, P.º N.º 444/06.4TASEL, DE 29.19.2010, P.º N.º 343/05.7 TAVFN, 30.10.2013, P.º N.º 150/06.OTACDR.P1.S1, DE 30.4.2014, P.º N.º 168/11.OGBSVV.C1.S1, DE 10.4.2014, P.º N.º 378/08JFAR.E3.S1, DE 6.3.2014, P.º N.º 89/01.5 IDLSB.L1. S1 E DE 21.10.2014, P.º N.º 1857/06.7JVNF.P1.A.S1.
-DE 18.11.2010, P.º N.º 643/08.4TB.PTL.G1, DE 20/1/2011, 22.10.2009, P.º N.º 58/04.TBMSF.P1.S1, DE 9.1.2014, P.º N.º 605/08.1TB.FAF.G1.S1.
-DE 5.11.2008, P.º N.º 298/09.9TVPRT.P1.S1, DE 12.11.2009, P. N.º 688/08.04TPRT.P1.S1, DE 12.11.2009, P.º N.º 1837 /08.TVLSB.L1.S1, DE 3.12.2009, P.º 239/08.0TMAV.9.S1.
-DE 11.12.2012, P.º N.º 116/07.2TBM.CN.P1.S1.
-DE 11.1.2011, P.º N.º 2226/07
-DE 5.2.98, BMJ 474,431, DE 25.5 99, CJ, STJ, 2, 116, 28.11.2000, BMJ 501, 292, 1.3.2007, P.º N.º 64571, E DE 1.7.2004, P.º N.º 04B4671.
-DE 23.2.78, BMJ 274, 191, DE 29.6.76, BMJ 255-280, DE 20.4.94, BMJ 436, 300.
-DE 9.6.89, BMJ 387-377, E DE 5.12.91, AJ, 15.º /16.º, 2. 7, 9.5.96, IN CJ, AC. DO STJ, 1996, 2, 25.
-DE 12.11.2013, IN P.º N.º 1464/11.2TBGRD–A.C1 (CONFIRMANDO OS DA RC PROFERIDOS NO MESMO PROCESSO, DE 21.5.2013, COMO, AINDA , O DE 13.5.2014, NO P.º N.º 180/08).
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ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO:
- AC. RC, DE 10.12.85, BMJ 352, 436. ASSIM TAMBÉM, AC. R.L., DE 21.12.2000, P.º N.º 5851/2000.
- ACS. DA RC, DE 8.5.2007, P.º N.º 375 B/2002.C1 E DA RP, DE 14.2.2008, CJ, 2007, T IV, 2002.
- AC. RL DE 24.3.2009, P.º N.º 67/03 .OTBOTR.B-C.
- AC. RC DE 21.4.2015, P.º N.º 556/08.TBRMS–A.C1
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 535/2001, DE 5.12.2001, E N.º 98/2002, DE 27.2.2002.
Sumário :
I . A executada foi condenada como autora material de um crime de abuso de confiança por acórdão transitado em julgado e ao pagamento ao ofendido , seu marido, de quem se acha divorciada, de uma quantia pecuniária, de que aquele era exclusivo dono ,depositada numa conta bancária de que se apropriou e dissipou em proveito próprio, movendo-lhe aquele a presente execução para cobrança coerciva .
II. A lei civil limita a eficácia do contracrédito, pelo recurso à compensação, sempre facultativa, como forma de extinção das obrigações , à exigibilidade do contracrédito, não se bastando com uma mera expectativa, obstando, ainda, que o crédito seja de terceiro, de diversa natureza do exequendo e a origem deste em facto ilícito doloso, criminal, mas já não impede a iliquidez da obrigação.
III . A função punitiva associada à indemnização arbitrada em processo crime é completada, em termos de eficácia condenatória, pelo pagamento ali imposto .
IV . A arguida , executada, opôs, na oposição à execução, em termos de compensação, os créditos detidos por alimentos pela filha menor dela e do exequente, por alimentos a que se julga com direito, segundo diz, mas não reconhecidos judicialmente, e por uma dívida de custas da responsabilidade do exequente .
V. Esses créditos são de terceiro , inexigíveis, de distinta natureza, inoponíveis ao crédito criminal detido pelo exequente, não funcionando como oposição à execução .
VI .O abuso de direito é motivo de oposição à execução, se reunidos os seus pressupostos .
VII . O novo CPC alarga, no art.º 729.º , os fundamentos da oposição à execução, acrescentando expressamente a compensação na sua al-h) , do n.º 1 .
VIII . O abuso de direito ( art.º 334 .º , do CC) manifesta-se enquanto venire contra “ factum proprium “ e, ainda na modalidade de exercício danoso ou inútil, logo desproporcionado, atendendo às circunstâncias de tempo e lugar –cfr. Ac. do STJ, de 11.1.2011, proferido no P.º n.º 226/07.JVNF.01.S1 .
IX . Aquele instituto importa uma actuação objectiva apta a criar a expectativa séria, coerente do titular do direito , de que exercitará em sentido favorável ao seu destinatário, o investimento da confiança por parte do destinatário nesse exercício, a sua boa fé, ou seja o convencimento de que estava vinculado a tomar a conduta prevista, tomando todas as precauções que em circunstâncias idênticas o homem comum adoptaria.
X . Não se demonstrou , pela prova produzida nas várias decisões movidas pela arguida ao exequente, e sua valoração global , que ele a autorizou a consumir em proveito próprio , para ocorrer aos seus gastos e da filha e a outros, a quantia retirada do banco e da conta .
XI . O homem médio , sem conhecimentos jurídicos, muito menos a arguida –executada, advogada – não concluiria , em juízo razoável, tendo em apreço o clima de conflitualidade reinante entre ambos, o elevado valor da quantia desviada , de 75.000 € e a análise linear das decisões, que o exequente se demitiu do direito à quantia exequenda, “em datio pro solvendum" a favor da sua ex-cônjuge.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
AA participou, em 5.11.2004 , criminalmente , contra BB , sendo esta , em sequência , condenada no processo crime n.º 11.991/042TDLSB, que correu seus termos pela 2.ª Sec., do 2.º Juízo Criminal de Lisboa , por decisão já transitada , pela prática , em autoria material , de um crime de abuso de confiança , na pena de multa de 360 dias à taxa diária de 9 € , bem como ao pagamento da indemnização ao queixoso, da importância de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso.
I .Em 19 de Novembro de 2004, AA , intentou acção de divórcio litigioso contra a aqui opoente BB, o qual foi decretado com fundamento na violação dos deveres conjugais de respeito por parte da cônjuge mulher e dos deveres de fidelidade, coabitação, respeito e cooperação por parte daquele , declarado como principal culpado pela dissolução do casamento, tendo a decisão transitada em julgado em 05 de Janeiro de 2009 .
Mais foi decidido arbitrar em tal sentença , à aqui executada, ex-cônjuge mulher, BB, a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos morais, fundados na dissolução do casamento .
A ex-cônjuge e condenada no supracitado processo crime , não pagou a indemnização ali fixada , de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso, movendo-lhe o ex-marido a presente execução para cobrança coerciva , à qual aquela deduziu oposição , alegando , no essencial , que :
II . A matéria provada referente à quantia com que a aqui executada se locupletou é a que consta de factos PP), QQ) e RR) da referida Sentença de divórcio, os quais são precisa e exactamente os mesmos factos provados que constam com os números 8, 9 e 10 dos autos criminais que sustentam a execução movida .
Em articulado autónomo apresentado em 28 de Julho de 2005 nos supra referidos autos de divórcio, a aqui executada requereu a fixação de um regime provisório quanto a alimentos no valor de € 850,00 mensais .
A tal pretensão opôs-se o aqui exequente invocando, entre outros motivos , que aquela lhe “ sacou “ abusivamente a quantia total de € 79.001,50, durante o mês de Julho de 2004, tendo na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00, de que se apropriou indevidamente , sendo razões mais que suficientes para lhe ser recusada a prestação deduzida a tal título .
Seria pois , alegou , imoral, ilegítimo e um autêntico abuso de direito, se o exequente se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita, consignando o Tribunal de l.ª instância, na sentença ao recusar os alimentos que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular, não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispondo dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível .
Esta decisão sobre o pedido de alimentos provisórios transitou em julgado em 07 de Maio de 2007 .
Em 26 de Outubro de 2004, a aqui executada requereu a Regulação do Poder Paternal da filha comum dos aqui exequente e executada e em 29 de Janeiro de 2007 foi fixada por acordo a quantia de € 600,00 mensais .
Nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente não contribuiu com qualquer quantia a título de alimentos para a filha menor CC tendo a aqui executada utilizado, da quantia ora reclamada pelo aqui exequente, o montante de € 500,00 mensais, cada um dos supra referidos meses para suprir as necessidades da menor.
A sentença de divórcio não determinou que o aqui exequente entregasse à aqui executada a quantia de 5.000 € , a título de indemnização por danos morais pelo divórcio , por esta já se haver locupletado de quantia superior e assim aumentado o seu património disponível.
Os mesmíssimos factos e quantia que o aqui exequente invocou em sua defesa e que determinaram decisão judicial que concluiu pela ausência de necessidade de alimentos a entregar pelo aqui exequente à aqui executada uma vez que esta tinha à sua disposição a quantia em causa nestes autos o que fazia aumentar significativamente o seu património redítício disponível; os mesmíssimos factos e quantia que possibilitaram à aqui Executada suprir a total ausência de contribuição do aqui exequente para o sustento da filha de ambos nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005.
IV. A referida queixa-crime foi objecto de despacho de arquivamento proferido a 20.09.2006 por se ter entendido que não estava em causa matéria penal.
Requerida a abertura de instrução pelo aqui exequente, veio a ser proferido despacho de pronúncia da executada .
Aconteceu, porém, que dois dias antes da data entretanto designada para leitura da sentença, dia 17.11.08, foi proferido despacho que declarou a incompetência do Tribunal para apreciação dos ilícitos em questão e determinou a remessa dos autos para as Varas Criminais de Lisboa para julgamento em processo colectivo.
Ora, a acção de divórcio litigioso que arbitrou à aqui executada a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais transitou em julgado em 05 de Janeiro de 2009, ou seja, depois da realização das duas sessões da audiência de julgamento do processo criminal, pelo que a aqui executada não pôde opôr este seu crédito nos autos criminais .
Por outro lado, nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente deixou de comparticipar com qualquer valor para o sustento da menor CC, pelo que a aqui executada utilizou da quantia em causa nos presentes autos de execução, o montante mensal de € 500,00 precisamente para fazer face ao sustento da filha menor de ambos, tendo assim gasto o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
A aqui executada foi utilizando tal quantia para fazer face às suas necessidades. E fê-lo, como havia peticionado, dispondo de € 850,00 por mês desde Setembro de 2004 em diante, o que significa que há muito esgotou a referida quantia.
Acontece que o aqui exequente não teve em consideração o teor das decisões judiciais supra referidas, ao invés do que devia e tinha obrigação de fazer, pois não podia desconhecê-las, nem ignorá-las (tanto mais quanto são todas subscritas pelo mesmo mandatário).
No processo executivo foi proferida sentença que concluiu pela incompetência material daquele Tribunal e condenou o exequente no pagamento das custas, sentença essa que transitou em julgado em 12 de Março de 2013 .
Bem assim, nos autos de oposição àquele apensos, foi proferida sentença que julgou extinta esta instância por impossibilidade superveniente da lide e condenou o exequente no pagamento das custas por a impossibilidade a si ser imputável, sentença essa que transitou em julgado em 07 de Maio de 2013 .
A aqui executada apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que a Executada apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80 (Docs. 12 e 13), tudo acrescido de juros de mora contados quanto às custas de parte a partir de 24 de Março de 2013 e quanto às certidões a partir de 02 de Julho e 28 de Junho de 2013, respectivamente, acrescidos de taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra.
V. Antes de intentar a presente execução, o aqui exequente tinha a obrigação de deduzir à quantia líquida proveniente dos autos criminais:
a) o montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de indemnização por danos morais na acção de divórcio litigioso;
b) o montante de € 850,00 mensais contados desde Setembro de 2004 que a defesa do aqui exequente e a decisão proferida nos autos de alimentos peticionados pela aqui Executada reconheceram estarem à disposição desta para sua utilização, sendo certo que ainda que a Executada pudesse afectar a totalidade de tal quantia exclusivamente a tais alimentos tê-la-ia esgotado definitivamente em 2011;
c) o montante de € 2.500,00 respeitantes às quantias efectivamente despendidas pela aqui executada com a subsistência da menor CCnos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005,
d) o montante de pelo menos € 933,30 e acrescidos referentes às custas de parte da acção executiva supra referida em cujo pagamento foi condenado;
e) e concluiria, sem mais e por excesso, que a totalidade da quantia por si reclamada se esgotou há muito, nada existindo que tenha a reclamar da aqui Executada.
Não agindo desta forma e optando por apresentar a execução a que se opõe o exequente vem reclamar quantias que lhe não são devidas porquanto:
Existe um contra-crédito da aqui Executada:
- quanto à indemnização por danos morais em que o aqui exequente foi condenado;
- quanto aos alimentos por esta peticionados uma vez que o próprio aqui exequente se defendeu deste pedido alegando que a executada tinha à sua disposição a quantia em causa ;
-quanto à falta de prestação a título de alimentos à filha menor de ambos, Inês, no período de tempo supra referido.
-quanto às custas de parte e acrescidos da acção executiva interposta pelo aqui exequente e que soçobrou e em cujo pagamento o aqui exequente foi condenado.
Todos estes créditos da aqui executada deviam ter sido ab initio compensados pelo aqui exequente e, se algum valor restasse a favor deste que possibilitasse a presente execução, também os juros respectivos teriam de ser calculados tendo em conta as datas de vencimento daqueles créditos.
Porém, o aqui exequente não teve em conta tais créditos, não os deduziu ao que era o seu crédito resultante dos autos criminais, não considerou sequer que os juros, a haver, sempre teriam de ser contados tendo em conta as datas de vencimento dos contra-créditos.
VI O exequente excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
A presente Execução demonstra que o ora exequente não agiu com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contra-parte; não teve uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contra-parte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar, ou seja, o aqui exequente agiu com abuso de direito.
Inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução, deve ser declarada a extinção da execução, o que desde já se requer.
VII. Nos presentes autos foram penhorados dois bens imóveis indivisos, tais penhoras foram notificadas à aqui executada com a citação para os presentes autos.
Acontece porém que as referidas penhoras ocorreram em data anterior à que consta do auto de penhora elaborado pela Agente de Execução nomeada e junto à citação referida, no auto de penhora em causa elaborado pela AE consta como data daquela penhora o dia 28 de Maio de 2013.
Porém, compulsadas as certidões prediais respectivas constata-se que as penhoras foram efectivamente registadas em 07 de Maio de 2013.
O que demonstra que a data aposta no auto de penhora elaborado pela Agente de Execução não corresponde à verdade, não tendo sido a 28 de Maio mas a 07 desse mês que as penhoras foram efectuadas.
A Agente de Execução não deu cumprimento ao disposto no nº 2 do art° 864° do C.P.C. que determina a citação do executado no prazo de cinco dias contados da realização da penhora.
Citação esta que, aliás, sucedeu já no mês de Junho de 2013, volvido que era um mês sobre a data da realização das penhoras.
Acresce que inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução e sendo declarada a sua extinção, devem tais penhoras ser levantadas e todas as custas imputadas ao exequente. E,
Por não ter agido com a prudência normal, deve o Exequente ser condenado no pagamento de multa correspondente a 10% do valor da execução, com os limites impostos pelo art° 819° do CP
DEVE A PRESENTE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROV ADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A PRESENTE EXECUÇÃO SER JULGADA EXTINTA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
VII . O M.º juiz , em despacho liminar , rejeitou a oposição movida ao pedido executivo e, com fundamentos não substancialmente divergentes, a própria Relação, no acórdão recorrido, em recurso interposto pela executada , destacando ambas as instâncias não se mostrarem configurados os pressupostos legais , adjectivos e substantivos da compensação como forma de extinção de obrigações ,prejudicando essa conclusão a abordagem do abuso de direito invocado pela executada reportada à execução da sentença condenatória em processo crime, onde a aquela foi condenada pelo crime de abuso de confiança , com o obrigação de restituir ao exequente a soma de que se apropriou ilegitimamente .
VIII . A executada , irresignada com o decidido , interpõs recurso de revista excepcional , que motivou , apresentando as seguintes conclusões :
1. O Recorrido age em abuso de direito quando instaura a acção executiva contra a Recorrente;
2. Refere o douto Acórdão de que se recorre “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.”. Ora tal não sucede. Na verdade ao apresentar o pedido de indemnização cível o Recorrido tem apenas a expectativa que lhe seja reconhecido um direito.
3. Ao invés do que afirma o acórdão de que se recorre, é o facto de o recorrido executar a sentença resultante do pedido de indemnização civil e tendo em conta o teor das duas decisões judiciais (divórcio e alimentos provisórios), transitadas em julgado em datas muito anteriores ao trânsito da sentença do processo crime, que constitui e preenche os requisitos do abuso de direito. É pois na oposição à execução que a recorrente deve invocar o abuso de direito, o que fez.
4. A quantia em causa em todos os processos aqui referenciados, assim como a quantia em causa na presente acção executiva é a mesma – o levantamento efectuado pela Recorrente em finais de Julho de 2004.
5. O elemento fulcral do abuso de direito é a confiança, a qual deve ser valorada no sentido objectivo e subjectivo, tal como resulta do artigo 334º do Código Civil.
6. O abuso de direito revela-se em cinco aspectos :
a. A existência de um comportamento anterior do agente (factum proprium), que permita a formação da situação objectiva de confiança;
b. Contradição entre a conduta anterior do agente (factum proprium) e a sua conduta actual, sendo estas condutas imputáveis ao agente;
c. A pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, no sentido em que confiou na situação criada pelo agente;
d. A pessoa atingida pela conduta tenha desenvolvido uma actividade com base no factum proprium do agente, traduzindo-se a destruição dessa actividade pela conduta contraditória e posterior do agente (o venire) traduzam uma clara e evidente injustiça;
e. Que o “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva, objectivamente fundada.
7. Conforme atrás exposto, as condutas do Recorrido preenchem a totalidade dos cinco aspectos do abuso de direito, na medida em que:
a. Não foi condenado na entrega do montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de danos não patrimoniais à Recorrente, no processo de divórcio, precisamente porque a recorrente já tinha na sua posse a quantia reclamada nos presentes autos de execução.
b. Em articulado autónomo para fixação de regime provisório de alimentos apresentado pela Recorrente no valor de € 850,00 mensais, o recorrido opôs-se invocando, entre outros, que a aqui recorrente “(…) sacou abusivamente ao Requerido a quantia total de € 79.001,50 (…)”; “(…) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00.”; “(…) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (…) os presentes autos roçam o absurdo. (…)”; “(…) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido”; “Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (…)”.
c. Este argumento do recorrido foi determinante para que o Tribunal se tivesse pronunciado nos seguintes termos, que passamos a citar: “(…) Por último refira-se que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular. (…) não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível (…). Eis porque se conclui pela ausência de necessidade de alimentos provisórios, da parte da requerente, em relação ao requerido. (…)”. (o negrito e o sublinhado são nossos)
d. Com base nesta decisão judicial, transitada em julgado em 07 de Maio de 2007, a recorrente foi despendendo ao longo do tempo a referida quantia – a mesma reclamada pelos presentes autos de execução - no seu sustento.
e. A Recorrente fundou a sua confiança em situação objectiva – decisão judicial transitada em julgado – e no teor da defesa apresentada pelo Recorrido, que afirmou perante o Tribunal que esta dispunha da referida quantia para o seu sustento.
f. A instauração da presente execução está directa e exclusivamente dependente na vontade do recorrido, uma vez que o exercício do direito lhe advém da sentença resultante do processo crime, a qual transitou em julgado em 11 de Abril de 2011.
g. Ao instaurar a presente acção executiva o recorrido está a agir em claro venire contra factum proprium, pois peticiona a mesma quantia que afirmou, anos antes, que a Recorrente podia gastar em seu proveito, tendo sido proferida decisão judicial nesse sentido, já transitada em julgado.
8. No mesmo sentido, quanto aos requisitos do abuso de direito, o douto Acórdão do STJ - Acórdão Processo N.º 1464/11.2TBGRD-A.C1, datado de 12.11.2013, in www.dgsi.pt.
9. “O abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado.” – Acórdão Processo N.º 116/07.2TBMCN.P1.S1, de 11.12.2012 .
10. O direito do recorrido ficou constituído com o trânsito em julgado da sentença do processo crime, ocorrido em 11 de Abril de 2011, pelo que e salvo o devido respeito, não se afigura correcta a decisão do douto Acórdão recorrido ao afirmar: “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.” (Itálico nosso)
11. Entende-se assim e assim se pugna, ter logrado demonstrar que, no caso, o abuso de direito ocorre à data da entrada da acção executiva intentada pelo Recorrido.
12. A decisão decorrente do douto Acórdão de que se recorre, coloca em causa igualmente a autoridade de dois casos julgados anteriores à data da constituição do seu direito, o que coloca em causa a própria credibilidade das decisões proferidas por Tribunais – que são órgão de soberania (artigo 202º da CRP), abalando de forma inaceitável a confiança que a Recorrida depositou nas decisões em fundou a sua conduta.
13. Refere o douto Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido no âmbito do Processo N.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, 2ª Secção, datado de 21.03.2013, o seguinte:
“III- Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.”
14. Isto para afirmar que o Recorrido, com a sua conduta condicionou decisões judiciais, sobretudo e de forma mais expressiva a acção de alimentos provisórios, proferidas anteriormente, fazendo tábua rasa e agindo contrariamente às mesmas nos presentes autos de execução.
15. Estamos assim perante decisões antagónicas entre si e, caso prevalecesse o entendimento do douto Acórdão recorrido, teríamos uma decisão que coloca em causa o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança de decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas anos antes da entrada da presente acção.
16. A decisão de que se recorre, configura uma decisão de extrema gravidade, com especial abalo na confiança que a Recorrente (assim como o comum dos cidadãos) devem depositar em decisões proferidas pelos Tribunais, já transitadas em julgado – com a autoridade de que a mesmas gozam - e com que conformam as suas condutas posteriores.
17. Verificamos que a conduta do Recorrido não só preenche os requisitos do abuso de direito, tal como previsto no artigo 334º do Código Civil, como coloca em causa de forma acintosa e clamorosa decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a Recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta.
18. O douto Acórdão recorrido ao não conhecer do abuso de direito, quedando-se por questões meramente formais e de letra da lei, permite que a aplicação do direito ao caso concreto resulte numa decisão claramente desproporcionada, claramente injusta e por isso ilícita.
19. A conduta do Recorrido é pois a todos os títulos reprovável e apresenta-se em rota de colisão directa com os mais basilares princípios de direito – a boa fé.
20. É toda esta postura e comportamento do Recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado.
21. Resulta do douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do direito, designadamente no que concerne ao reconhecimento da tutela de direitos legalmente instituídos e reconhecidos judicialmente à Recorrente.
22. A confirmação da decisão proferida em 1ª instância é assim claramente injusta, desproporcionada e violadora dos efeitos de decisões anteriores transitadas em julgado, protegendo a conduta do Recorrido que agiu em abuso de direito, em claro venire contra factum proprium, violando consequentemente os mais elementares princípios de boa fé.
23. Deve o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a oposição deduzida e reconheça e declare o abuso de direito invocado pela Recorrente, declarando extinta a referida Execução.
IX. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :
A executada interpôs recurso de revista excepcional para este STJ ,mecanismo processual, como o nome indica, de natureza extraordinária , dependente de especiais pressupostos para uma situação assim reputada pelo legislador .
De ponderar que a execução a que a executada moveu a oposição e m apreço , tem por título , que é a respectiva causa de pedir , o seu fundamento ,a sentença proferida em processo criminal condenando aquela pela prática de um crime de abuso de confiança, por indevidamente se ter locupletado com o produto de um depósito bancário , de cujo dinheiro era titular o exequente , seu cônjuge , oposição que por despacho foi judicial e liminarmente rejeitada, confirmando-o a Relação em recurso .
Ao pedido cível indemnizatório enxertado na acção penal , a que por uma questão de parificação com o cível autonomamente deduzido, querida pelo legislador , se aplica o regime da lei processual civil , por força do art.º 4.º , do CPP , por via subsidiária , integrando a lacuna do CPP, como se decidiu , além do mais , nos Acs .deste STJ , de 22.6.2011, P.º n.º 444/06 .4TAS EL, de 29.19.2010 , P.º n.º 343 /05. 7 TAVFN , 30.10.2013 , P.º n.º 150/06.OTACDR .P1 .S1 , 30.4.2014 , P.º n.º 168/11.OGBSVV.C1.S1 , 10.4.2014 , P.º n.º 378/08JFAR .E 3 . S1 , de 6 .3.2014 , P.º n.º 89/01.5 IDL SB .L1. S1 e de 21.10.2014 , P.º n.º 1857/ 06 7 JVNF .P1 .A. S1 , quanto ao regime de recursos, em caso de dupla conforme , por ocorrência de um grau elevado de acerto duplamente decisório e razões de economia processual , que vedam a revista do acórdão da Relação desde que esta confirme sem voto de vencido, a decisão de 1.ª instância , para este STJ , salvaguardadas as hipóteses em que é sempre admissível o recurso .
Somente é de distinguir que , na redacção do Dec.º -lei n.º 303/2007 , de 24/8 , o art.º 721.º n.º 3 , do CPC , em caso de confirmação pela 2.ª instância, irreleva a identidade de fundamentos ( ainda que por diferente fundamento ) , já o art.º 671.º n.º 3 , do novo CPC , aprovado pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6 , para entrar em vigor no dia 1.9.2013 , a fundamentação não pode ser essencialmente diferente , intercedendo portanto uma diferenciação , que não é indiferente de um ponto adjectivo e substantivo .
A sucessão de leis civis dispondo diferentemente rege-se pela norma transitória do art.º 6.º n.º 4, dispondo que aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa nas execuções, o novo CPC , aprovado pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6, apenas se aplica aos deduzidos após a sua entrada em vigor -1.9.2013 - , e assim , visto que a presente oposição à execução foi instaurada em 4.7.2013 , rege-se esta , em tal domínio , pelo Dec.º Lei n.º 303/2007 , de 24/8 ( que introduziu a dupla conforme em processo civil) e sucessivas alterações , atenta aquela norma transitória do art.º 6.º , n.º 4 , da Lei n.º 41 /2013 .
Cobra , pois , razão para aplicação o disposto nos art.ºs 721.º e 721.º-A , conforme alterações ao CPC a coberto dos Dec.ºs -Lei n.º s 38/2003 e 303/2007 , de 8/3 e 24/8, respectivamente , a que correspondem os art.ºs 671.º e 672.º , do CPC actual .
O recurso instaurado foi admitido como de revista excepcional pela intervenção posterior ao recurso do acórdão da Relação pela formação de Juízes Conselheiros prevista no n.º 3 , do art.º 721.º _A , do CPC , a que , actualmente , cabe o art.º 672 .º n.º 3, do CPC , verificados que foram em forma sumária e definitiva , os pressupostos da excepcionalidade da admissão , que , de resto , não consente controvérsia , invocando-se a complexidade da matéria a decidir em termos de direito , com conexão com a figura do caso julgado e seus efeitos e a sua importância , a justificar um terceiro grau de jurisdição e um segundo , excepcional, grau de recurso .
Na verdade o recurso de revista excepcional -art.º 721.º_A , nº 1 ) , do CPC , na sua versão antecedente , e na correspondente actualmente , há-de comportar uma “ vexata quaestio “ , recaindo sobre preceito ou instituto , cuja interpretação suscite especial dificuldade , em torno da qual se registam entendimentos divergentes entre os intérpretes e aplicadores do direito , com repercussão no tecido social , pondo em causa interesses públicos , como os difusos , ligados à saúde , ao meio ambiente , ao urbanismo , à ecologia ao património histórico , etc .
Respeitarão essa s questões , como incontornável pano de fundo , a assuntos de enorme impacto social, repercutindo na paz social , onde reina ou pode vir a causar alarme e intranquilidade social , afectando a sua latência em controvérsia , desprestígio para os tribunais e prejuízos aos directamente interessados ; pode , não obstante , o aspecto particular do litígio , atenta a forte ligação com interesses comunitários e sociais relevantes , justificar-se a intervenção do STJ , pois que se a questão não extrapola em toda a sua dimensão o estrito âmbito do litígio particular , puramente pessoal , privado , não se justificará a intervenção excepcional do STJ .
A controvérsia há-de envolver delicadeza na resolução , estudo apurado , reflexão profunda e cansativa , como o STJ decidiu com geral uniformidade, ficando a comunidade num assunto que lhe interessa a contar com a melhor orientação jurídica .CFr. Acs. de 18.11.2010 , P.º n.º 643 /08 .4TB.PTL .G1 81 , de 20/1/2011 , 22.10.2009 , P.º n.º 58/04 .TBM SF .P1.S1 , de 9.1.2014 , P.º n.º 605/08 .1TB.FAF .G 1. S1. Ao recorrente incumbirá o ónus de alegar os pressupostos factuais que levam à admissibilidade, a título excepcional do recurso , conforme se decidiu nos Acs. do STJ de 5.11.2008 , P.º n.º 298/09 .9 TVPRT .P1 .S1 , 12.11.2009 , R ev . n.º 688/08.04TPRT .P1.SL , 12.11.2009 , P.º n.º 1837 /08 .TVLSB.L1.S1 , de 3.12.2009 , P.º 239/08.0TMAV.9 .S1 .
X. A compensação de créditos é uma das causas de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credor e devedor –art.º 847.º , do CC-, não é automática, mas potestativa pois depende da manifestação de vontade do titular do contracrédito, podendo ser invocada tanto pela via reconvencional como pela de excepção, peremptória .
È o meio de o credor se livrar da obrigação de que o devedor invoca ser seu credor , como escreve o Prof . Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , 2, 161 ; é justo e equitativo que não cumpra o credor do seu credor , podendo opor crédito de valor superior ao credor principal ou inferior e nessa medida reduzir ou impedir o objecto da obrigação .
Os requisitos legais de admissibilidade estão previstos no art.º 847.º n.º 1 , do CC , devendo, além da apontada reciprocidade de créditos , o contracrédito ser válido e judicialmente exigível, sem que contra ele se oponha excepção peremptória ou dilatória , de direito material ; as duas obrigações devem ter por objecto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade .
O contracrédito tem , pois , que ser certo, estar vencido e não vincendo, à luz das regras de direito substantivo ; a exigibilidade há-de ser “ em sentido forte “ , na teorização do Prof. Menezes Cordeiro , in Direito das Obrigações , 2001, vol. 2.º , 222 , e não mera expectativa, não podendo ser apurado , embora possa ser liquidado -a iliquidez não é impeditiva da compensação, art.º 847.º n.º 3 , do CC -, no âmbito do juízo de compensação, relevando, o que é discutível , o facto de os créditos não terem a mesma génese, de distinta natureza , criminal e extracontratual .
A lei civil limita a compensação ao contracrédito do devedor , não abrangendo o de terceiros -art.º 851.º , do CC ; por outro lado ao devedor não é permitido legalmente opor a crédito por facto ilícito doloso um seu contracrédito , por força do art.º 853 .º n.º 1 c) , do CC .
A natureza de um crédito , com origem em facto ilícito doloso , visando , na sua reconhecida função, não só compensar o dano mas também punir , castigar, o seu autor , justifica o efectivo direito ao seu cumprimento pelo devedor , a satisfação “ in totum “ ao credor , denegando-lhe a lei o efeito extintivo ou modificativo derivado de eventual compensação –Ac.RC , de 10.12.85 , BMJ 352 , 436 . Assim também Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anot.”, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª ed., 1986, p. 145, segundo os quais aquele que furta uma quantia em dinheiro ao seu devedor não pode compensar a obrigação de entregar a quantia furtada com o crédito de que dispõe contra ele.
A compensação teria então que fundar-se na prática do crime que integra o objecto da acção penal - Ac. Rel.Lisboa, de 21.12.2000 , P.º n.º 5851/2000.
E esta inadmissibilidade normativa , do art.º 851.º n.º 1 c) , do CC , já foi apreciada pelo TC , que concluiu pela sua plena conformidade ao diploma constitucional, mantendo-se a proibição de compensação em tais casos proporcionada , por justa e equitativa, inofensiva do sentido de justiça –Cfr . Acs . do TC n.º 535 /2001 , de 5.12.2001 e n.º 98/2002 , de 27.2.2002 .
Baseando-se a execução em sentença é admissível operar a compensação seja por mera invocação ou por via exceptiva , qualquer que seja o montante do contracrédito , não havendo aí lugar a reconvenção , própria do processo declarativo, não a consentindo , igualmente , o enxerto cível em processo penal , claramente reduzido a dois articulados ; ao executado , sob pena de indefesa , são permitidos, em oposição , os meios de defesa que em processo declarativo são permitidos , com as limitações previstas por lei .
No domínio do CPC antigo , aplicável ao caso vertente , e em vigor antes da sua versão actualizada pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6, retomam-se os embargos de executado como meio de oposição, que se processava por requerimento apenso ao processo principal , constando na alínea g) , do n.º 1, do art.º 814 , desse Código , como fundamento de oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação posterior ao encerramento da discussão em processo declarativo e se prove por documento ; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio .
O art.º 729.º do novo CPC , correspondente àquele art.º 814 .º, é mais amplo na especificação das razões de oposição à acção executiva, ao aditar no seu n.º 1 , a al. ) h), que ao executado é facultado opor contracrédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos, esta já do antecedente se admitindo ao nível da jurisprudência , como se decidiu nos Acs . da Rel. Coimbra de 8.5.2007 , P.º n.º 375 B/2002 .C1 e do Porto , de 14.2.2008 , CJ, 2007 , T I V , 2002 .
Não é pois qualquer facto de que o opoente pode lançar mão , mas só os posteriores ao encerramento da discussão e se provem por documento, como forma de evitar que a oposição destrua o caso julgado ; o direito está dito ; factos irrestritos como razão de oposição proporcionariam a renovação do litígio, a que o julgador quis por termo , deixando o mecanismo da compensação nas mãos do devedor –Ac. Rel . Lisboa de 24.3.2009 , P.º n.º 67/03 .OTBOTR .B-C.
O caso julgado tem de ser respeitado e acatado: mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença até à fase do encerramento da discussão da causa já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a acção executiva" –Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 2°, pág. 28/29.
E o momento para aferir da compensação é reportado à data da verificação da situação que a gera e não já à data da sua declaração, levando à sua inadmissibilidade se não respeitar a regra basilar da posterioridade -Ac. da Rel. Coimbra de 21.4.2015 , P.º n.º 556/08 .TBRMS –A.C1 .
XI. O exame dos autos põe a descoberto, sem esforço , desde logo , que um dos contracréditos opostos à execução movida pelo ex-cônjuge à também ex-cônjuge , respeitando à prestação alimentar devida à filha de ambos pelo progenitor exequente , está excluído da regra da reciprocidade, é da titularidade de terceiro; igualmente resulta que a compensação de qualquer contracrédito que invoca em seu favor com o crédito exequendo lhe está vedada porque este tem origem em facto ilícito judicialmente reputado criminoso, abuso de confiança doloso , de sua autoria ; por outro lado os créditos por si peticionados por alimentos provisórios , não foram reconhecidos judicialmente , pois a acção de alimentos provisórios movida ao exequente foi julgada improcedente, muito embora a executada intente ver na posição do ex-marido assumida em tal acção o reconhecimento do direito a eles, falhando os pressupostos substantivos, certeza e exigibilidade a comprovar pela opoente , que , como no despacho liminar de rejeição da oposição se contempla , a executada se limita a “ alegar realidades, misturando ( …) claramente (…) uma multiplicidade de créditos de natureza distinta, não concluindo pelo valor do seu contra crédito alimentar , apenas concluindo que o direito de crédito do aqui exequente deve ser declarado extinto (…) ou seja formula como que um pedido de natureza genérica abarcando urna multiplicidade de créditos “ .
A aqui executada alega que apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no processo executivo no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80, tratando-se de crédito em parte vencido e em parte vincenda, quanto à taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra, que se desconhecem , pecando por natural incerteza e exigibilidade , nessa parte , óbice a aditar à pretensão de compensar .
O crédito por alimentos está sujeito à cláusula “ rebus sic stantibus “ , em permanente mutação , em função das condições pessoais e económicas de quem os presta e é seu obrigado , lançando mão a executada de um processo de enunciação genérica , com origem distinta dos créditos e sem os concretizar , complementa-se no despacho .
Mas se no plano do direito substantivo se anteolham dificuldades em compensar , alinham-se no plano temporal e processual , quanto ao aspecto que se conexiona com a posterioridade do direito creditório a compensar , as seguintes razões coligidas no despacho liminar de rejeição da oposição, que se transcrevem :
“ O enxerto cível transitou com a acção penal em 11.04.2011, tendo tal acção dado entrada em 26.04.2007 (vide fis.379 dos autos principais – embora em bom rigor só tenha sido aceite como tal após a decisão instrutória e o despacho a que alude o art.° 311° do CPP, ou seja só nesta data é que o feito foi submetido a juízo porque até lá o enxerto cível não tinha sido alvo de distribuição para julgamento, o que só sucedeu em 29 de Junho de 2007, - fls. 392 dos autos principais).
A sentença de divórcio litigioso, onde foram fixados à opoente, além do mais, 5.000€ a título de danos não patrimoniais, transitou em 05.01.2009 e mostra-se datada de 3.12.2007, pelo que a acção deu entrada em juízo em momento muito anterior ao enxerto cível (vide fls. l 3).
O regime de alimentos provisórios requeridos foi-lhe indeferido por sentença transitada em 07.05.2007 e foi requerido em 28 de Julho de 2005 (vide fls. 92).
A regulação do poder paternal, mediante acordo homologado por sentença, onde foi fixada uma prestação de alimentos ao menor, foi feito em 26.04.2004, e a sentença transitou em 19.02.2007.
Trata-se de realidades cronológicas que nos levam igualmente a concluir que tal compensação não poderia servir de fundamento à dedução de oposição por serem manifestamente anteriores à própria propositura da acção declarativa (excerto cível nestes autos).
Motivos bastantes, á luz do direito substantivo e processual aplicável , para se declarar a inadmissibilidade da compensação pela executada .
XII . Seja-nos , no entanto , permitido deixar consignado , face às conclusões do recurso , delimitando o poder cognitivo deste STJ , que o enfoque que a executada confere à oposição extrapola da mera invocação da compensação que - como advogada que é , bem sabe não se configurar, - é mais abrangente , reportada à indagação sobre se o exequente , devendo descontar as importâncias antes aludidas , incorre em abuso de direito, colocando “ em causa (…) decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta “ , sendo “ … toda esta postura e comportamento do recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito (…) na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado “ , alegação já figurando no requerimento de oposição e que a 1.ª e 2.ª instâncias ,por inverificação de razões legais de compensação , reputaram prejudicada em termos de apreciação .
XIII . Vejamos :
O abuso de direito , expressão da autoria do belga Laurent , datada de 1878 , regulado entre nós a partir do CC de 1967 , no seu art.º 334 .º , já que o CC de Seabra não lhe dedicava previsão e só de uma maneira remota o seu art.º 12 .º aludindo àquele que exerce o seu direito ( “ suo jure utitur “ ) , não faz ofensa a ninguém , a ninguém lesa, dispondo o CC actual que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda os limites impostos pela boa fé , bons costumes ou pelo fim económico-social do direito , não radicando em qualquer acto , pois que , como escreve o Prof. Almeida Costa , in RLJ , Ano 129 , 61 , “ …a relevância da conduta contraditória supõe uma conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança …” ; “ …proibir a prática de actos lícitos embora opostos , redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatíveis com o tráfico jurídico “, citado no Ac. deste STJ de 11.12.2012 , P.º n.º 116/07 .2TBM . CN.P1 .S1 .
O preceito do CC de Seabra não divergia da “ aemulatio “ , entre os romanos , exercício de um direito com intenção de prejudicar , com “ animus nocendi “ , não pressuposto no art.º 334.º , do CC.
O Prof. Castanheira Neves , seguido por Cunha de Sá , posiciona a proibição do abuso de direito em sede de afloramento de um princípio geral de direito justo , pelo reconhecimento de regras e princípios axiológico-jurídicos, vigentes acima e independentemente da lei , do seu conteúdo formal ( Questão de facto –Questão de direito , 514 e segs. ) .
A manifestação mais usual do abuso de direito substancia-se no “ venire contra factum proprium ; a outra manifestação, no exercício danoso inútil , na desproporção grave entre o exercício e o tempo por ele imposto a outrém , na actuação dolosa –Ac. deste STJ , de 11.1.2011 , P.º n.º 2226 -07 .JVNF.P1.S1
Os eventos ou circunstâncias susceptíveis de integrar a tutela da confiança sintetizam-se : numa situação objectiva de confiança ,facto que , em abstracto é apto a determinar em outrém a expectativa de um comportamento coerente do titular do direito e que , em concreto , gera uma convicção em certo sentido no seu destinatário ; um investimento de confiança ( irreversibilidade do investimento, na dogmática alemã ) , correspondente à mudança de vida do destinatário do “ factum proprium “ e que traduz uma expectativa nele criada em conformidade ; urge que o destinatário do “ factum proprium “ se ache de boa fé , em sentido objectivo , ou seja convencido que o autor do “ factum proprium “ estava vinculado a tomar a conduta prevista , tendo ao agir tomado todas as precauções e cuidados usuais no comércio jurídico .
Não é diverso o entendimento do Prof. Menezes Leitão , enunciando que a tutela da confiança , se apoia , numa situação de confiança , numa justificação razoável para tal confiança , num investimento de confiança , no sentido de que a destruição da confiança pode causar graves prejuízos , na imputação da situação de confiança a outrém –Direito das Obrigações –Boa Fé no Direito Civil, 1997 , págs. 19 a 23.
O princípio da confiança surge como mediação entre a boa fé e o facto concreto ; a confiança exige a protecção das pessoas quando , em termos práticos, as pessoas tenham sido levadas a aceitar a manutenção de um certo estado de coisas ; o que confia não pode ser tratado como o que não confia, numa linha de coerência e igualdade .
O princípio “ venire contra factum proprium “ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo : o primeiro é o “ factum proprium ; o segundo é o que ele contraria , radicando a adesão do confiante ao facto , o assentar nele de factos importantes em face da confiança evidenciada , um investimento nessa confiança, na medida a que a sua destruição conduz a uma insanável iniquidade , sem remédio , é o pensamento, próximo do antecedente , do Prof. Menezes Cordeiro , in Do Abuso de Direito : estado das questões e perspectivas e Tratado de Direito Civil Português , I , TI , 1999
A confiança , escreve o Prof. Baptista Machado há –de radicar em algo objectivo : tomada séria de uma posição vinculante em relação a uma situação futura ( Obra Dispersa , Braga , 1991 , I , 416 , pelo titular do direito , assumindo-se como um princípio ético fundamental , pretendendo , pois , acautelar a confiança legítima que o comportamento contraditório pode ter gerado à contraparte .
O abuso de direito é a reprovação do exercício inadmissível de direitos e posições subjectivas , envolvendo situações de clamorosa e intolerável injustiça, sensível e evidente divergência entre o resultado da actuação de direito subjectivo e algum ou alguns dos valores tutelados pela ordem jurídica , operando como instrumento de correcção da ofensa à boa fé , aos bons costumes ou aos limites para que o direito foi instituído , sancionando –se esse exercício como ilegítimo, no art.º 334.º, do CC.
È o exercício escandaloso do direito à luz da consciência jurídica , no ensinamento do Prof. Manuel de Andrade , condensado na sua obra , Teoria geral das Obrigações , 1966 , 63 , surgindo como válvula de segurança do sistema , perante a “ disfuncionalidade “ do exercício do titular do direito .
Numa síntese abrangente , em definição incontornável , citamos uma decisão de um tribunal brasileiro –o Brasil é fértil no tratamento do abuso de direito sobretudo na área das relações familiares – onde se enquadra como o exercício egoístico , anormal , do direito , sem motivo legítimo , com excessos , voluntários , dolosos ou culposos , prejudicando outrém –Cfr. RT ., Ano 6 , n.º 24 , ano 98 , 27-28 .
XIV. Comummente se lhe atribui um leque de efeitos reparadores : a supressão do direito , com a “ surrectio “ de outro ; a cessação do concreto exercício abusivo , mantendo-se o direito , o dever de restituir ou um dever de indemnizar . Nessa medida o abuso de direito configura uma excepção peremptória , de conhecimento oficioso , assim o entendendo este STJ , entre outros , nos seus Acs . de 5.2.98 , BMJ 474,431 , de 25.5 99, CJ, STJ , 2, 116 , 28.11.2000, BMJ 501, 292 , 1.3.2007 , P.º 64571, dgsi.net e 1.7.2004 , P.º n.º 0 4B 4671 .
XV. Outra Questão :
O caso julgado forma-se logo que a decisão passada ou transitada em julgado não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação, nos termos dos art.ºs 668.º, 669.º e 677.º, do CPC e 4.º, do CPP, e, se recair unicamente sobre a relação processual assume natureza formal, tendo força obrigatória intraprocessualmente ( art.º 672.º, do CPP ); o caso julgado material incide sobre a relação material controvertida, equiparando-se –lhe os despachos que recaiam sobre o mérito da causa –art.º 671.º, do CPC.
A extensão da “ res judicata “ aos fundamentos decisórios é uma questão problemática, tratada disparmente, autores havendo que distinguem entre fundamentos que merecem integrar a “ res judicata “ e outros não, deixando a sua definição à casuística; outros autores atendem à relação a estabelecer entre o primeiro processo e o segundo; outros ainda distinguindo entre caso julgado absoluto e relativo.
Outra via de resolução, intermédia, distingue entre fundamentos postos em crise pelas partes e outros não; a extensão do caso julgado não pode abranger, contudo, questões não formuladas e nem postas, sendo que a sentença forma caso julgado na parte decisiva e não nos motivos, considerandos ou enunciados em que se funda a decisão, mas acrescenta Dias Ferreira que ” os considerandos que estejam relacionados com a decisão por forma a que com ela formem um todo indivisível “, são atingidos pela eficácia do caso julgado, in Caso Julgado, R L J, 1926, 35, fazendo caso julgado os fundamentos sobre os quais se tomou implícita posição, dela inseparável.
Pode dizer-se que se dá acolhimento amplo, na nossa jurisprudência, à regra de que o caso julgado se não alarga aos fundamentos da decisão, em aplicação da chamada teoria restritiva ou pseudorestritiva, embora com alguns desvios, defendendo-se a extensão da decisão implícita, enquanto decorrência do julgamento, constituindo problema de interpretação da sentença saber se nela há um julgamento implícito, aconselhando o Prof. José Alberto Reis, CPC, Anotado , V, pág. 67 , a que se procedesse a um “ uso prudente e moderado “ do julgamento implícito, nesta área de melindre e de terreno dificultoso –cfr.Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 135, do Prof. Castro Mendes e a muito extensa recensão jurisprudencial que faculta em nota.
Indiscutível é que o fundamento não é razão de recurso e a jurisprudência mais recente deste STJ mantém-se fiel ao ideário de que o caso julgado se forma, apenas , como regra , sobre o decidido e tem afirmado essa limitativa extensão –cfr. Acs. de 23.2.78, BMJ 274, 191, de 29.6.76, BMJ 255-280, de 20.4.94, BMJ 436, 300 -; noutro enfoque seguido a força e autoridade de caso julgado alarga-se à resposta final dada à pretensão do autor, embora se acrescente que não obstante o respeito por esse princípio –regra, tal não invalida que as questões preliminares que sejam um antecedente lógico e necessário sem a qual a decisão se mostraria incompreensível visto o indispensável nexo causal que intercede entre ambas –cfr. Acs. deste STJ, de 9.6.89, BMJ 387, -377 e de 5.12.91, AJ, 15.º /16.º, 2. 7, 9.5.96, in CJ, ACs. do STJ, 1996, 2, 25 –esteja a coberto do caso julgado.
Em princípio o caso julgado forma-se , pois , sobre a parte preceptiva ou dispositiva da decisão, com a excepção dos casos em que a “ … tomada de posição em que a decisão se traduz implica necessariamente tomada de posição sobre tais fundamentos “ , na teorização do Prof. Castro Mendes , op.cit. pág.130 , ou seja sobre a parte expositiva ou justificativa da decisão, mas da qual se não pode recorrer .
XVI. De ter por assente , desde logo , que em caso algum, do dispositivo das várias decisões que compõem o arco litigioso que envolveu exequente e executada consta que aquele abdicou em favor da executada da elevada quantia - € 79.001.50 - cuja cobrança coerciva intenta pela via da presente execução da executada.
Essa quantia , está demonstrado , não integrava património comum do casal –que contraira casamento segundo o convencionado regime de separação de pessoas e bens - , não alimentando a executada a conta bancária de onde fora retirada , com qualquer dinheiro seu , escreveu-se no Ac. da Rel. de Lisboa , de 11.11.2010 , provisionada como fora somente com proventos e compensações financeiras ao assistente , exequente , pertencentes.
Essa conta somente poderia ser movimentada pela executada , sua segunda titular , em condições restritas, somente estando impossibilitado o exequente de o fazer .
Por isso se teve tal conduta como “ ilícita e censurável “ .
E na providência de alimentos provisórios , a fundamentar a improcedência da providência , escreveu-se que ”… não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dele, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível.
O exequente opôs-se , previamente , invocando, que a aqui executada "(...) sacou abusivamente “ a quantia total de € 79.001,50 (...)"; "(...) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00."; "(...) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (...) os presentes autos roçam o absurdo. (...)"; "(...) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido"; "Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (...)".
Aliás funciona , também , como fundamento de rejeição , a constatação da existência de outros bens e valores , que não apenas a detenção por apropriação abusiva da soma depositada .
Na acção de divórcio litigioso foi arbitrada a importância de 5.000 € a título de indemnização pelos danos morais causados à R. pela dissolução do casamento , não se determinou a sua prestação à R., pelo A , reconvindo , por já se “ haver locupletado de quantia superior “ e assim aumentado o seu património disponível.
XVII . De todas estas considerações relevantes para as decisões é certo , é contudo , ilegítimo , por não consentirem um juízo de inferência , não implícito nelas , de que abdicava do poder de direito , como dono, que sobre tal quantia dispunha, visto que o poder de facto se radicara pela via do indevido locupletamento na executada . Unicamente se pode extrair a conclusão de que a Ré , executada , opoente , detinha em seu poder esse dinheiro e que , atenta a forma ilícita como se apoderou dele , da mesma forma o podia dissipar , fazer uso dele e nada a mais , em razão do que ao considerar , alegando , que a soma peticionada a título de alimentos provisórios , considerando o tempo decorrido já a reputa esgotada , consumida , em 2011 , em vista de satisfação de alimentos pessoais ( à razão de 850€ mensais ) , esquecendo que tal prestação não lhe foi concedida , reconduzindo tal alegação a uma forma , vedada , de fazer justiça por sua própria mão .
E o mesmo se diga quanto ao facto de o Exequente não ter contribuido com qualquer quantia a título de alimentos provisórios a favor da filha de ambos, nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, à razão de 500€ mensais , em cuja utilização a partir do montante do elevadíssimo levantamento monetário , o exequente não se vê ter acordado .
XVIII . Em caso algum , neste circunstancialismo vincado de abusivo , de conflitualidade dispersa por vários processos , de incompatibilização conjugal , culminando com o divórcio , e que foi ao ponto de o exequente retirar à ex-cônjuge uma viatura de que se servia para deslocar a filha de ambos , vista a elevada soma de que se apoderou ilegitimamente , tendo , ainda , em vista os encargos familiares a que o exequente tem de fazer face , seja a descendentes de um seu primeiro casamento , seja à filha do segundo , do relacionamento com a executada, a que vem satisfazendo , em valorização da contexto global dos factos , é ilegítimo concluir que , alguém de boa fé , o “ homo medius “ , dotado de normal inteligência , mesmo sem formação jurídica , ao contrário da executada, confie e alimente consistente expectativa de que o exequente , pelo seu ( inexistente ) comportamento , renunciou ao direito a recuperar a quantia exequenda, perdoando-lhe o abuso, como que numa “ datio pro solvendo “ , enveredando por caminhos à total revelia da boa fé , da ética , dos bons costumes , entendidos como o conjunto de regras éticas e morais , munidas de peso social relevante , próprias de pessoas honestas , correctas e de boa fé, equivalentes à moral social dominante , no enquadramento que deles dá o Prof. Mota Pinto , na sua Teoria Geral do Direito Civil , C.ª Ed., 1996 . Ou seja nem sequer se pode extrair dos fundamentos decisórios , com a mínima segurança, que o aqui exequente se haja desfeito de tal soma a favor, provisória ou definitivamente , da executada , e muito menos que nas decisões proferidas os tribunais chamados a decidir hajam sentenciado com tal preciso e claro alcance. .
XIX . A executada tinha em seu poder o dinheiro e como tal dele podia dispor até que fosse convencida da não liceidade da sua posse e o restituísse ou fosse coercivamente forçada a largar mão de equivalente . È esse o sentido declarado do exequente e de que um declaratário normal não iria além .
A exequente se subjectivamente , o que é , em alto grau duvidoso , podia ter formado a convicção de “ datio “ por banda do exequente , num contexto de boa fé , já essa convicção objectivada em factos concludentes , inabdicáveis , seguros e certos , falta por completo .
XX. Concluiremos que o exequente não ofendeu o caso julgado e a sua conduta , ao executar a ex-cônjuge , não ofende a boa fé , os bons costumes , ou os fins para que é atribuído o direito, mantendo-se numa linha de conformidade ao mesmo , não exercitado de forma escandalosa , não repugnando ao sentimento jurídico reinante , à consciência jurídica , e , por isso , não levando à “ supressio “ de que acima demos nota , catalogando-se de manifestação abusiva de direito , num “ venire contra factum proprium “ .
XXI. Uma consideração final : O Ac. deste STJ , de 12.11.2013 , in P.º n.º 1464 , 11.2. TBGRD –A C1 , confirmando o da Rel. Coimbra proferido no mesmo P.º , de 21.5.2013 , como , ainda , o desta Rel. de 13.5.2014 , in P.º n.º 180/8 . TBIDN –B. C1 , admitiram a invocação do abuso de direito em sede de oposição à execução .
XXII . Nestes termos se nega provimento ao recurso , improcedendo a oposição, prosseguindo a execução .
Custas pela opoente . Taxa de justiça : 4 Uc
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031280
Nº Convencional: JTRP00031373
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
CAUÇÃO
INTERESSE PROTEGIDO
Nº do Documento: RP200101250031280
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 J CIV BARCELOS
Processo no Tribunal Recorrido: 384-B/99
Data Dec. Recorrida: 23/02/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: CPC95 ART381 N1 N3 ART387 N1 N2.
Sumário: Continuando alguém na posse de um bem por ter prestado caução em processo cautelar de restituição provisória da posse, nada impede que o mesmo requerente desta providência requeira uma outra, providência cautelar não especificada se se verificarem os respectivos requisitos uma vez que a caução não assegura que não se verifique a invocada perda da integridade do prédio em causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031109
Nº Convencional: JTRP00030001
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: ACTO DE GESTÃO PÚBLICA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP200101250031109
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J GONDOMAR
Processo no Tribunal Recorrido: 1109/00
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART101 ART105 N1 ART288 N1 A.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1983/10/20 IN BMJ N331 PAG587.
Sumário: I - Constitui acto de gestão pública de uma Câmara Municipal a manutenção da rede viária a seu cargo.
II - Atribuindo-se a uma Câmara Municipal uma conduta omissiva e falta de diligência na sinalização de vias públicas cuja manutenção está a seu cargo e a cuja reparação procedia, a acção de indemnização por danos emergentes dessa conduta omissiva é da competência dos tribunais administrativos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031753ver acórdão STJ
Nº Convencional: JTRP00030006
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
SEPARAÇÃO DE FACTO
PRAZO
NATUREZA JURÍDICA
Nº do Documento: RP200101250031753
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MARCO CANAVESES 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 220/99
Data Dec. Recorrida: 14/07/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ART12 ART297 N1 ART1781 A.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 2000/05/03 IN CJSTJ T2 ANOVIII PAG390.
AC STJ DE 1977/07/12 IN BMJ N269 PAG156.
AC STJ DE 1979/03/01 IN BMJ N285 PAG324.
AC RE DE 1980/07/03 IN BMJ N302 PAG336.
AC RP DE 1979/10/11 IN BMJ N291 PAG538.
Sumário: I - O prazo de três anos, previsto no artigo 1781 do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.47/98, de 10 de Agosto, é de aplicação imediata, mesmo às acções pendentes, computando-se nele todo o tempo transcorrido desde o momento inicial.
II - Esse prazo é um prazo de direito substantivo e tem de verificar-se à data da propositura da acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
José......... intentou, no Tribunal de Círculo de Penafiel, acção declarativa com processo especial de divórcio litigioso contra a sua mulher Maria .......... .
Alega, em síntese, que em Fevereiro de 1992, a Ré, sem qualquer explicação, abandonou o lar conjugal, na Suíça, onde ambos estavam emigrados, indo residir para casa dos seus pais, em Marco de Canaveses. Desde essa data e ininterruptamente, vivem separados, não comungando o mesmo tecto, a mesma cama e a mesma mesa.
Conclui pedindo se decrete o divórcio, considerando-se a Ré única culpada.
A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu os seus regulares termos e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
O A. apelou, terminado a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ 1ª - À data da entrada em vigor do Dec-Lei 47/98 de 10/8 os presentes autos encontravam-se já pendentes.
2ª - A data da audiência de discussão e julgamento haviam decorridos já mais de 3 anos consecutivos de separação de facto entre Recorrente e Recorrida.
3ª - Os artigos 12º n.º 2 in fine, 297 n.º1 do Código Civil e 663º do C.P. Civil determinam que o Dec. Lei 47/98 ( artigo 1781º al. a ) que considera fundamento de divórcio a separação por três anos consecutivos, é de aplicação imediata, mesmo às acções pendentes à data da sua entrada em vigor.
4ª - Deveria assim a douta sentença recorrida ter decretado o divórcio entre Recorrente e Recorrida.
5ª - Revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que decrete o divórcio entre o Recorrente e Recorrida se fará justiça.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO:
DE FACTO:
1 - A. e R. casaram um com o outro no dia 16 de Janeiro de 1988 ( al. a) dos factos assentes).
2 - Do casamento de ambos nasceu Cátia ......... ( al. b ) dos factos assentes).
3 - A. e R., desde as férias de Verão de 1996, vivem separados, não comungando o mesmo tecto, a mesma cama e a mesma mesa ( respostas aos quesitos 1º a 5º).
DE DIREITO:
A primeira questão a decidir é a de saber se a actual redacção do artigo 1781º do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 47/98 de 10 de Agosto, é ou não de aplicação imediata.
A presente acção foi proposta em 15/6/98.
Na data da propositura da acção, estipulava o artigo 1781º do Código Civil:
“ São ainda fundamentos do divórcio litigioso:
a) A separação de facto por seis anos consecutivos:”.
Com a Lei n.º 47/98 passou a ser admissível o divórcio quando a separação de facto dure três anos consecutivos.
Sobre a aplicação das leis no tempo estipula o artigo 12º do Código Civil:
“1 – A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2 – Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
O citado artigo mantém o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para futuro.
No entanto, da 2ª parte do n.º2 do citado artigo resulta que quando a nova lei atende directamente à situação, seja qual for o facto de lhe deu origem, é imediatamente aplicável.
No que concerne à questão da aplicação da lei no tempo que amplie, altere ou suprima os fundamentos do divórcio, o Supremo Tribunal de Justiça, aquando da alteração ao artigo 1781º, introduzida pelo D.L. 561/76, de 17/7, pronunciou-se várias vezes, de forma uniforme, entendendo que se aplicava imediatamente a lei nova, mesmo às acções pendentes ( cfr. Ac. de 14.4.77, B.M.J. n.º 266/ 179; Ac. de 12.5.77, BMJ n.º 267/157; Ac. de 24.05.77, BMJ n.º 267/164 e Ac. de 14.6.78, BMJ n.º 278/211).
Estes acórdãos baseiam-se nos ensinamentos de Baptista Machado.
Assim, citando este autor, na obra “Sobre a aplicação da lei no tempo no novo Código Civil ” lê-se no último dos citados acórdãos, na pág. 212 “ as normas referentes ao divórcio exprimem princípios fundamentais de ordem pública que fixam a condição geral das pessoas anterior a qualquer direito adquirido, que dão as bases fundamentais do sistema jurídico para disciplinar os conflitos de interesses entre os indivíduos e que exprimem princípios fundamentais de ordem pública. Por isso, em caso de conflito de leis em tal campo do direito, se uma situação jurídica ainda se não achava constituída, se um efeito de direito ainda se não tinha produzido quando a lei nova entrou em vigor, só esta é competente para decidir se e em que termos essa situação jurídica se pode constituir e o efeito de direito que se pode produzir.”
Mais adiante, esclarece que a lei nova não se aplica a factos passados tomados em si mesmos, mas a «estados de facto» criados por esses factos, desde que esses «estados» subsistam quando a lei nova entre em vigor.
O mesmo autor, reafirmando os seus ensinamentos, em Lições de Direito Internacional Privado, 1974, sobre a sucessão de leis em matéria de prazos, escreve, na pág. 416 “ se o novo estatuto fixa um prazo mais curto, e este prazo se refere ao período de tempo que deve transcorrer para que exista certa faculdade legal ( designadamente a faculdade de requerer a conversão da separação em divórcio) é este o prazo mais curto que se aplica, computando nele também todo o tempo transcorrido desde o momento inicial ( diferentemente, pois, do que estabelece o art. 297º n.º1 do Código Civil).”
Antunes Varela também tem o mesmo entendimento, conforme se constata da R.L.J., ano 103º, pág. 187, nota 1, onde escreve: “ A distinção entre as normas que têm por fim impor uma conduta aos particulares ou que, com base na vontade real ou presumível dos indivíduos, fixam os efeitos de um facto e as normas que, independentemente da vontade dos particulares, em obediência a razões de carácter objectivo, se baseiam em determinadas situações, para conceder um direito ou atribuir uma faculdade, reveste uma importância capital na resolução dos conflitos de leis no tempo, como aditamento lógico à distinção feita no n.º 2 do artigo 12º do Código Civil.
As disposições legais que prescrevem a forma dos negócios jurídicos ou que integram as declarações de vontade dos contraentes, por exemplo, só devem, em princípio, considerar-se aplicáveis aos negócios que as partes celebrem ou aos contratos que realizem após a sua entrada em vigor.
Mas já as normas reguladoras dos pressupostos da investigação de paternidade que fixam em termos objectivos as condições de admissibilidade da acção respectiva, sem nenhum intuito de obediência à vontade real ou presumível, do pretenso pai, se devem ter por aplicáveis a todas as acções instauradas na sua vigência, mesmo que os factos que lhe servem de fundamento se tenham verificado no pretérito.
Idêntica doutrina procederá quanto à lei reguladora das condições de admissibilidade do divórcio, salvo no que toca aos fundamentos que revistam o carácter de uma sanção contra certas formas de comportamento de um dos cônjuges ( ...).”.
Já sobre a questão da aplicação da nova redacção do artigo 1781º, introduzida pela Lei 47/98, pronunciou-se o acórdão do S.T.J. de 3.5. 2000, C.J. ( S.T.J) ano VIII, tomo II, pág. 390 que seguimos de perto, defendendo que o novo prazo de três anos se aplica às situações de facto que se iniciaram no domínio da lei antiga e se prolongam no domínio da lei nova, mesmo nos casos em que a acção foi proposta antes da vigência desta.
É, pois, de concluir que o novo prazo de três anos fixado pela Lei 47/98 se aplica imediatamente, mesmo às acções pendentes, computando nele também todo o tempo transcorrido desde o momento inicial ( afastando a regra do n.º1 do art. 297º n.º1 do Código Civil) .
Importa, agora, apreciar se esse prazo de três anos tem ou não de estar completado à data da propositura da acção.
A separação de facto por 3 anos consecutivos faz nascer o direito ao divórcio, ou seja, é um elemento constitutivo do direito potestativo ao divórcio.
Está-se, pois, perante requisito de natureza substancial e não perante um prazo meramente processual.
Este entendimento de que se trata de um prazo de carácter substantivo pelo que tem de verificar-se à data do pedido, é pacifico na jurisprudência ( cfr. Ac. do S.T.J de 12.7.77, BMJ n.º 269/156 e Ac. do S.T.J. de 1.3.79 , B.M.J. n.º 285/324, Ac. R.E. de 3.7.80, BMJ n.º 302/336 e desta Relação de 11.10.79, BMJ 291º- 538 ).
Na doutrina a questão também não suscita dúvidas e os autores que sobre ela se pronunciam entendem também ser um prazo de natureza substantiva. Assim, já Alberto dos Reis, no C.P.C. Anotado Vol. V, pág. 91 e na R.L.J., Ano 84º, pág.83 e 84 e 97 e segs, defendia que os requisitos do divórcio se tem de verificar no momento em que se apresenta no tribunal o respectivo pedido, pouco importando que já existam à data da decisão.
Também é neste sentido o entendimento de Pereira Delgado, “ O divórcio”, 1980, pág. 69, Brandão Ferreira Pinto, “ Causas do divórcio”, pág. 123 e Miguel Teixeira de Sousa, “ Regime jurídico do divórcio” pág. 84.
Por isso, o tribunal não pode recorrer ao disposto no artigo 663 n.º1 do C.P.C. para ter em consideração o eventual decurso do prazo da separação de facto até ao encerramento da discussão em primeira instância ( cfr. Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, Vol. V, pág. 91 e 92 e acórdãos atrás referidos).
Tem, pois, de concluir que o prazo de 3 anos que a lei exige como fundamento do divórcio, é um prazo de direito substantivo e tem de verificar-se à data de propositura da acção.
Assim e porque nesta data - 15.06.98 - ainda não tinha decorrido o prazo de três anos, contados desde a data ( Verão de 1996) em que se deu como provado que A. e R. vivem separados, não pode ser decretado o divórcio com fundamento no disposto no citado artigo 1781º al. a).
De qualquer forma, sempre se acrescenta que, conforme resulta do artigo 1782º do Código Civil, a ruptura da vida em comum por motivo de separação implica a verificação de um elemento objectivo ( a separação em si) e um elemento subjectivo ( a intenção de ambos os cônjuges ou apenas de um deles, de romper a vida em comum) – (cfr. neste sentido Eduardo dos Santos, “Direito da Família”, pág. 384 e 385, Pereira Delgado, obra citada, pág. 68 , Pires de Lima e Antunes Varela, “ C. C. Anotado”, vol. IV, pág. 542 e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 83 e 84 e acórdãos do S.T.J. de 2.10.79, BMJ n.º 290/406 e de 28.02.80, BMJ n.º 294/356).
Ora, na petição nada se alegou em concreto, sobre esse elemento subjectivo, designadamente, que o A. não pretendesse reatar a vida em comum com a Ré. Por isso, da factualidade provada, acima referida nada consta sobre a intenção de ambos ou de um deles, pelo menos, de não restabelecer a comunhão de vida, interrompida no verão de 1996.
Assim sendo, por falta de esse elemento subjectivo, também o divórcio não podia ser decretado.
DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, ainda que com diferente fundamento, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
Leonel Gentil Marado Serôdio
Norberto Inácio Brandão
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031745
Nº Convencional: JTRP00031385
Relator: PIRES CONDESSO
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
REGISTO PROVISÓRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200101250031745
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recorrido: T J FAFE 3J
Processo no Tribunal Recorrido: 231/95
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR REGIS NOT.
Legislação Nacional: CPC95 ART271 N3.
CRP84 ART3.
Jurisprudência Nacional: AC STJ IN RLJ N126 PAG16.
Sumário: I - A necessidade de remover ou não as dúvidas de um registo provisório depende do desenho e pretensão que o autor der à acção.
II - Na verdade, sempre que a causa de pedir e pedidos não surjam minimamente imbuídos das pretensões de conversão posterior do registo provisório em definitivo e extensão da decisão a terceiros não demandados, não é necessária a remoção das dúvidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
Serafim ........., casado com Rosa ........., e José .......... instauraram acção ordinária contra a Junta de Freguesia de A............. e a Câmara Municipal de ........ pedindo a sua condenação a reconhecer que são proprietários dos prédios que indicam, de que neles não existe nenhum caminho público e a absterem-se de actos que ponham em causa aquela propriedade.
Prosseguiram os autos com contestação/reconvenção e réplica após a qual o MºJuíz decidiu que «os autos aguardem o registo nos termos do art° 3° C.Reg. Predial.»
Vieram os AA juntar documentos relativos a tal registo dos quais constava que fora efectuado registo mas como «provisório por natureza (N°l-a) e por dúvidas»
Então profere o Mº Juiz o despacho recorrido no qual, referindo que o registo havia sido feito como provisório não só por natureza mas também por dúvidas, manteve a suspensão da acção «.....até que as dúvidas em causa sejam removidas»
Inconformados AGRAVARAM os AA apresentando as suas alegações e concluindo com a única questão de que em sua opinião o registo efectuado como provisório ainda que por dúvidas é suficiente para o prosseguimento da acção.
Não houve alegações das rés e o Mº Juiz sustentou o despacho recorrido.
Cumpre conhecer do objecto do recurso começando por salientar que os factos disponíveis são os referidos no relatório deste acórdão.
Fixando a única questão a apreciar, limitamo-la, de acordo com as conclusões, apontando que o que está em causa é apenas apurar se, para a presente acção, basta um registo provisório por dúvidas ( para além, claro, da provisoriedade por natureza, que sempre se impõe) para efeitos do art° 3° CRP ou se é necessário, como se afirmou na sentença, que sejam removidas as dúvidas.
De referir que os agravantes não puseram em causa a decisão que mandou registar a acção nem impugnaram a decisão do Sr. Conservador.
Como se sabe, estão sujeitas a registo, entre outras que aqui não interessam, as acções que tenham por fim principal ou acessório o reconhecimento do direito de propriedade (art° 3° N° 1 a) C. R. Predial).
Por seu lado o N° 2 estabelece que tais acções não prosseguirão, após os articulados, se não se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da sua procedência.
O DL 67/96 veio introduzir o N° 3 para pôr cobro a divergências doutrinais e jurisprudênciais e a demoras processuais quando o Sr. Conservador recusava o registo da acção:
«Sem prejuízo da impugnação do despacho do Conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância....»
Sabe-se que o registo de acções «destina-se a dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de litígio e a adverti-los de que devem abster-se e adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o invocado pelo autor-------sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo»(RLJ 124/17, onde se cita outra anterior); visa demonstrar que após a sua feitura nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente ou adquiridos antes tenha negligenciado o seu registo.
Expostos estes princípios muito genéricos, começamos por salientar que bem conhecemos a corrente que pensamos ser maioritária e que se traduz em considerar que o registo da acção feito como provisório por natureza (sempre, por força do art° 92° N° 1 A) CRP) e ainda por dúvidas-art° 70° ( e cujas razões se ignoram), pese este último aspecto, é suficiente para que a acção registada possa prosseguir .
E sejá antes assim era entendido (Ac. Rel Porto in BMJ 440/550 de Évora in BMJ 420/674; Ac. STJ in BMJ 456/3.84) pensamos que essa opinião se sentirá hoje de certo modo fortalecida com a introdução do actual N° 3 acima transcrito.
Na verdade, como se decidiu no Ac. Rel. Cb. in CJ 24/5/34 se à luz da anterior jurisprudência e agora por opção legislativa se entende que a própria recusa do registo determina o levantamento da suspensão da acção, por maioria de razão essa solução deve valer para hipótese do registo ser feito provisoriamente também por dúvidas, uma vez que não há então fundamento que justifique a própria recusa.
Acrescenta o mesmo Ac, com plena aplicação ao nosso, que forçar o A a eliminar as dúvidas quando, inclusive, se desconheçam as razões que o determinaram, não seria a solução mais equilibrada e curial tendo em conta que o próprio registo existe como tal validamente e surtindo todos os seus efeitos durante o período que a lei registral lhe assinala.
Também o Ac. Rel Porto de 13/12/99, no Agravo N° 1248/99, não publicado ao que saibamos, sustenta igual opinião afirmando que a «.......frase contida naquele normativo (art 3° N° 3 C.R.P .) está muito aquém da ideia que o legislador nele queira incutir.....» pois que a sua vontade seria estender igual solução ao registo por dúvidas.
Portanto, resumindo, e de acordo com os pontos de vista expressos nos acórdãos citados, a realização pelo Sr Conservador de um registo de acção provisória por natureza e por dúvidas, pese esta última natureza, é suficiente para impôr o prosseguimento da acção que havia sido suspensa para efeitos do registo.
Pese tal orientação, e a circunstância de se nos afigurar como maioritária, a verdade é que a consideramos demasiado drástica para ser aplicada sem distinção a todo o tipo de acções, pois, a nosso ver algumas haverá em que seja necessário remover as dúvidas, enquanto outras poderão subsistir apesar delas se manterem. E assim, timidamente e com todo o respeito, ousamos apresentar uma outra solução, com fundamentos também novos, para a questão que nos ocupa. Esclarece-se que a análise que fazemos radica, na presunção de que o motivo das dúvidas de registo terá sua base na diferença de pessoas que surgem nesta acção como partes e na que figura no registo, pois este aspecto ressalta do teor das certidões juntas aos autos.
Vejamos:
Antes de avançarmos a nossa proposta cumpre salientar que não ignoramos a posição contrária á atrás apontada e que encontramos sustentada no brilhante Ac Rel Porto no Proc.N° 663/2000-3a S, relatado pelo Exmo Juiz Des. Camilo Camilo, que saibamos também não publicado, e Ac Rel Lx in BMJ 439/633, posições de que discordamos neste apontamento, uma vez que só as consideramos certas para determinadas acções e não para todos os casos de registo provisório por dúvidas, como pensamos ser a sua opinião.
Também se sabe que « o registo das acções não se esgota em mera função informativa, pois não tem apenas em vista tomar publicamente conhecida a pretensão do autor. A publicidade registral, como meio de conhecimento das realidades juridicamente relevantes, caracteriza-se, também, pela perfeição técnica dos meios utilizados e prende-se com a realização de uma das finalidades muito próprias da protecção de terceiros e da segurança do comércio jurídico»-CJ 16(3/174.
Do estudo a que procedemos na busca da solução que mais nos convencesse (ver, além do Ac. citado, a RLJ 124/11 e segs, Estudos sobre Reg. Predial, pagl09 e segs de Isabel P. Mendes, Noções de Drt° Registral , pag 57 e segs de J A Mouteira Guerreiro) ficamos cientes do interesse do registo das acções e do afastamento das dúvidas quando assim for efectuado.
E embora no nosso caso não venham apontadas as razões delas, presumimos, face aos títulos juntos aos autos, que elas foram ditadas por a acção não estar proposta contra o titular inscrito nem este ter sido chamado, como acima já referimos.
Não se pode esquecer o princípio do trato sucessivo-art° 34°2 CRP ( existindo registo anterior é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva....) do qual resulta que o autor ao pretender, no vencimento da acção, proceder ao registo definitivo só o pode fazer se tiver demandado ou chamado à acção o titular inscrito.
Quando haja tal discrepância entre o demandado e o titular inscrito o Sr Conservador tem de fazer o registo como provisório por dúvidas ( além de ter de o ser por natureza-----artº 92° CRP); e o autor tem todo o interesse em afastar tais dúvidas pois só com tal, e uma vez obtido ganho de causa, é que pode chegar ao registo definitivo art° 101° N° 2-a) CRP.
Caso as não afaste, nem demande, nem chame o titular inscrito, é certo que mesmo com ganho de causa não pode conseguir registo definitivo (art 34° N° 2 CRP).
Eis, pois, um dos interesses, na remoção das dúvidas do registo provisório tendo em vista a obtenção futura do registo definitivo.
O outro prende-se com o disposto no art° 271 ° N° 3 C PC, segundo o qual a sentença apenas tem força de caso julgado entre as partes, e não em relação ao terceiro inscrito quando a acção estiver sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção.
Nestas hipóteses se não se afastarem as dúvidas do registo provisório ou não se demandar ou chamar à acção o titular inscrito, a sentença favorável ao autor faz caso julgado entre as partes na acção mas não em relação ao referido titular inscrito.
Esta a outra vantagem de o A afastar as dúvidas do registo provisório.
Como bem se diz no voto de vencido proferido no Ac STJ in RLJ 124/16 (mas neste aspecto em inteira concordância com os ensinamentos gerais) «....é sabido que, faltando o registo, as sentenças só produzem efeitos inter partes, pois do transcrito art° 271° N° 3 C PC, resulta, claramente, que o registo da acção tem o objectivo de ampliar os efeitos do caso julgado, tomando a sentença oponível a terceiros estranhos ao processo e que sobre ( o prédio) tenham adquirido direitos incompatíveis com o invocado pelo autor. Na verdade se a acção não for registada a sentença não pode ser oposta a terceiros que hajam adquirido a coisa litigiosa no período da mora litis. Se a acção estiver registada, a correspondente sentença tem uma eficácia superior à que normalmente deriva do caso julgado, porque, além de vincular as partes, produz igualmente efeitos contra os terceiros que hajam adquirido sobre a cisa litigiosa, durante a pendência da causa, direitos incompatíveis com o do autor.
Bem esclarecidas as vantagens do registo da acção resulta claramente o interesse em que se efectue tal registo e se removam as dúvidas quando assim ele tenha sido efectuado.
Mas expostas tais vantagens não podemos esquecer que no processo civil dominam os princípios do dispositivo e da auto responsabilidade das partes que, embora fortemente temperados com outros ( art°s 264 o e segs do CPC e Prof M de Andrade in Noções Elementares de P. Civil-27l e segs) significam, no essencial, e no que interessa para este caso, que a parte é que escolhe o tipo de acção, a providência judicial que quer, que mais lhe interessa, não podendo o juíz apontar-lhe o caminho que segundo ele melhor protegeria ou atingiria os fins pretendidos por ela.
Também não se pode ignorar que no Registo Civil vigora o princípio da instância segundo o qual, e de acordo com os ensinamentos de Mouteira Guerreiro, a pag. 79, traduz «.....um princípio idêntico ao que vigora em Proc. Civil: o processo de registo só se desencadeia a pedido dos interessados.......»
Do exposto resulta que se a parte não escolher a acção adequada ou não a propuser de acordo com os melhore cânones, passos ou tramitações, terá de sofrer as consequências.
De igual modo se numa acção obrigada a registo e em que este tenha sido levado a cabo como provísório por natureza ( obrigatoriamente) e ainda por dúvidas se o autor não remover estas sofrerá as consequências, de acordo com o que expusemos: caso obtenha ganho de causa, por um lado não conseguirá o registo definitivo e por outro verá a eficácia do caso julgado limitada ás partes pleiteantes e não já aos apontados terceiros.
Mas a verdade é que nada obriga a Juiz a impor ou a aconselhar a parte a atingir tais objectivos, sobretudo, como mais à frente referiremos, quando o tipo de acçao o nao exija.
Designadamente ela pode estar bem consciente de todas as consequências da sua omissão mas optar voluntariamente por ela ou porque tenha certas dificuldades em remover as dúvidas ou porque não tenha qualquer interesse no registo definitivo nem na extensão do caso julgado para além do seu efeito normal vinculativo das partes.
Repare-se que, como aliás é o caso do autos, a parte pode nem pedir o registo do direito que lhe venha a ser reconhecido na sentença, nem apontar para uma qualquer utilidade da extensão do caso julgado aos referidos terceiros.
Na verdade, para o autor pode ser perfeitamente suficiente ( e ele é que sabe as linhas com que se cose) a definição do direito perante o réu; pode não precisar, pelo menos por enquanto, do registo do direito que lhe vier a ser reconhecido, e nesse caso não necessita de remover as dúvidas em vista do registo definitivo que nem pretende.
A solução do litígio entre ele e o réu demandado e a não necessidade do posterior registo definitivo podem satisfazer inteiramente a finalidade a que se propôs na acção que apresentou em tribunal.
Se posteriormente quiser, então, rever a sua posição no sentido de obter um registo definitivo e/ou a extensão do caso julgado, já se sabe que terá de propor uma nova acção.
Assim, o juíz, nestes casos, se bem vemos as coisas, nada pode impor ao autor no sentido de logo na 1 a acção proceder em conformidade ao afastamento das dúvidas do registo.
Ele, julgador, cumpre a sua missão ao mandar registar a acção obedecendo ao comando imperativo do art° 3° CRP.
Se ele vier a ser efectuado com dúvidas o juiz não deve, não tem de mandar o autor afastá-las, pelo menos quando, e sempre que do tipo e modo de desenhar o pleito não resulte a convicção de que o autor pretende o registo da sentença ( e do direito nela reconhecido) ou a extensão do caso julgado para além das partes. Quando muito, o que poderá fazer é advertir a parte das consequências que para ela podem resultar caso não remova as dúvidas, e só isso, não se nos afigurando curial estar a manter a suspensão de uma acção, assim obrigando a parte a uma actividade (remoção das dúvidas) que para ela pode não trazer qualquer vantagem nem proveito e que parece estar na esfera da sua vontade.
Portanto o Sr Juiz, em casos como o dos autos, em que se não vislumbra por parte do autor que este precise ou queira obter o registo definitivo ou estender a eficácia do caso julgado a terceiros ( art 271 ° N° 3 CPC) não deve obrigar a parte com a manutenção da suspensão, a remover as dúvidas.
O autor verá o direito que lhe venha a ser reconhecido sofrer as limitações resultantes de não te afastado as dúvidas registrais----mas isso é outra coisa bem diferente, como se compreende.
Do exposto afigura-se-nos que a necessidade ou não de remover as dúvidas do registo provisório depende do desenho e pretensão que o autor der á acção, bem podendo acontecer que, pese a obrigatoriedade do registo de acção imposta pelo art° 3° CRP não seja necessário remover as apontadas dúvidas.
Noutros casos, pelo contrário impõe-se essa remoção. E isso acontecerá sempre que da causa de pedir e pedido resulte que estão em causa os aspectos acima apontados: vontade ( e eventual necessidade) do posterior registo da sentença/direito reconhecido e da extensão do caso julgado.
Mas então, dir-se-á que o registo na sua totalidade (por natureza e por dúvidas) caduca no prazo de 6 meses como resulta dos art° 11 ° e 92° Nº l-a) e à contrário do seu Nº 3 CRP , ficando a acção sem registo decorrido aquele prazo e, portanto, sem cumprimento da obrigatoriedade do registo imposta no art 3°.
É assim, em verdade.
Mas essa caducidade não impede um novo registo da acção, que sempre poderá ser efectuado ex novo, caso o Mo Juiz o entenda ainda necessário. Determinada a caducidade do registo por natureza e por dúvidas ao fim de 6 , meses, não vislumbramos na lei qualquer obstáculo a que se proceda a novo - registo, antes tudo aponta para essa possibilidade.
E esta obrigatoriedade de outro registo ( caso o Sr Juiz o considere ainda necessário) será vista como mais uma consequência nefasta para o autor (para além das outra já apontadas) da sua inércia quanto á não remoção das dúvidas.
O autor tem de registar a acção e mantê-la registada (caso se considere necessário novo registo, após a caducidade do 1º))----O que se não deve fazer é obrigá-lo a remover as dúvidas quando tal não se mostre necessário para a causa de pedir e pretensões deduzidas.
Claro que, como já frisamos, acções haverá em que pelo seu desenho e pretensões apresentadas---------v .g. quando o A peça o cancelamento do registo existente a favor de outrem e pretenda o correspondente registo a seu favor; quando da acção resulte que o A pretende o efeito do caso julgado face a terceiros não demandados nem chamados--------seja necessário remover as dúvidas e quando tal aconteça deve o Sr Juiz manter a suspensão da instância até que a parte as remova.
Expostos estes princípios, desçamos ao nosso caso concreto:
---na acção, tal como surge desenhada, e isto muito em resumo, o autor demanda os réus invocando a sua propriedade sobre certos terrenos rústicos ( que se encontram registados em nome de outrem que não as partes ), as circunstâncias de estes afirmarem a existência de um caminho público que atravessa o terreno do A e o facto de eles (réus) retirarem uma cancela que aquele (autor) tinha no local.
--pede a condenação dos réus a reconhecer o drtº de propriedade do A sobre os terrenos, a inexistência de qualquer caminho público nem qualquer outro e a absterem-se da prática de actos que atentem contra o seu direito de propriedade.
Não surge na acção a mínima manifestação sobre a pretensão do qualquer registo definitivo nem de que se pretenda a extensão do caso julgado para além dos réu demandados.
Contestaram os réus e não impugnaram a propriedade sobre os referidos terrenos invocada pelo A; Contudo impugnaram a questão atinente ao cominho e Reconvieram pedindo que o A fosse condenado a reconhecer que o caminho pertence ao domínio público paroquial.
Também nesta reconvenção não surge qualquer dos indícios atrás apontados quanto á acção.
Na réplica foi mantida a posição inicial.
Então o Sr Juiz mandou proceder ao registo da acção que foi feito provisoriamente por natureza e por dúvidas, sem que se indicassem as razões concretas para estas.
Porém, como das certidões juntas resulta a discrepância entre os titulares no registo e as partes, admitimos que as dúvidas tenham sido motivadas por tal motivo.
Nessa hipótese ( ou noutra se as dúvidas tiverem motivação diversa) será de exigir a remoção das dúvidas como o decidiu o Mº Juíz?
Na esteira dos pontos de vista por nós expostos, como bons, entendemos que não.
Na verdade, não resultando da causa de pedir nem dos pedidos qualquer indício de que o A e/ou Réu/reconvinte pretendam qualquer registo definitivo da sentença/direito que nela venha a ser reconhecido nem a extensão do caso julgado a terceiros para além das partes em litígio, entendemos não ser de exigir a remoção das dúvidas.
Isto não obsta a que o Sr, Juíz ordene, se já for caso disso, por caducidade do primitivo, ( e por entender que não basta esse 1º registo )a realização de ( outro ) registo da acção, ainda que certamente volte a ser efectuado como provisório por natureza e dúvidas, se estas, entretanto, não tiverem sido voluntariamente removidas.
RESUMINDO:
-SENDO CASO DE REGISTO OBRIGATÓRIO DE ACÇÃO E SENDO ELE EFECTUADO PROVISORIAMENTE POR NATUREZA (SEMPRE, COMO TEM DE SER) E POR DÚVIDAS NEM SEMPRE SERÁ NECESSARIA A REMOÇÃO DESTAS.
A NOSSO VER TUDO DEPENDE DO DESENHO----causa de pedir----DA ACÇÃO E DAS PRETENSÕES FORMULADAS.
NA VERDADE, VISANDO O REG1STO (PROVISÓRIO) DA ACÇÃO:
--A PUBLICIDADE DA ACÇÃO COMO LITÍGIO PENDENTE;
--A POSSIBILIDADE DA SUA CONVERSÃO POSTERIOR EM DEFINITIVO DA SENTENÇA/DIREITO NELA RECONHECIDO, E
--A EXTENÇAO A TERCEIROS DA FORÇA DO CASO JULGADO (ART 271º N° 3 C PC,
E TENDO EM CONTA OS PRINCÍPIOS DISPOSITIVO E DA AUTO RESPONSABILIDADE DAS PARTES, QUE NORTEIAM O PROC. CIVIL E O DA INSTÂNCIA QUE ENFORMA O REG. PREDIAL,
ENTENDEMOS QUE SEMPRE QUE A CAUSA DE PEDIR E PEDIDOS NÃO SURJAM, MINIMAMENTE, IMBUÍDOS DAQUELAS PRETENSÕES (REGISTO DEFINITIVO E EXTENSÃO A TERCEIROS NÃO DEMANDADOS DA EFICÁCIA DO CASO JULGADO) NÃO É NECESSARIA A REMOÇÃO DAS DÚVIDAS.
ELA SÓ SERÁ IMPERIOSA QUANDO DA ACÇÃO (TAL COMO O , AUTOR A APRESENTA) SE EXTRAIR A REFERIDA INTENÇÃO.
ISTO NADA TEM A VER COM A EXIGÊNCIA, QUE O Mº JUIZ PODE RENOVAR, DE A ACÇÃO TER DE CONTINUAR REGISTADA (AINDA QUE
NOS MESMOS MOLDES) PARA O QUE, EM CASO DE CADUCIDADE DO PRIMITIVO REGISTO, A PARTE A TAL OBRlGADA TEM DE PROMOVER UM OUTRO.
NO NOSSO CASO NÃO SE VISLUMBRAM MOTIVOS QUE IMPONHAM A REMOÇÃO DAS DÚVIDAS, E DAÍ QUE NÃO SEJA DE MANTER A SUSPENSÃO DA INST ÂNCIA A TAL DESTINADA.
-ISTO, CLARO, SEM PREJUÍZO DA APRECIAÇAO DA EVENTUAL NECESSIDADE DE OUTRO REGISTO DA ACÇÃO, PERANTE A CADUCIDADE DO PRIMITIVO, E SEMPRE A EXPENSAS DA PARTE INTERESSADA.
FACE AO EXPOSTO,
ACORDAM EM JULGAR O AGRAVO PROVIDO DEVENDO, EM CONFORMIDADE, O DESPACHO RECORRIDO SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ORDENE O PROSSEGUIMENTO DA INSTÂNCIA.
Sem custas.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
António José Pires Condesso
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida (vencido : Afigura-se-me que o registo da acção será, no caso, obrigatório ou não, em conformidade com o disposto no artº 3º do CRP.
Entende-se que sim, à semelhança da posição que fez vencimento.
Todavia, o registo da acção, provisório por dúvidas, não satisfaz o fim e função visados pelo aludido preceito. O registo da acção tem natureza cautelar, traduzindo-se numa antecipação do registo da sentença de procedência (ac. Rel. Lisboa de 27-6-91, CJ XVI, 3, 174). Só que não sendo sanadas, as dúvidas mantêm-se até à sentença e serão impeditivas do registo da decisão, que é feito por averbamento ao registo da acção.
A validade deste registo provisório por dúvidas, como se diz no ac. desta Relação de 19-10-00 (Agravo n.º 1175/00-3ª) encerra em si a provisoriedade e a doutrina da conversão a que vive condicionado. Se a impossibilidade de conversão se mantém ou projecta impossível, as condições determinantes da suspensão não podem deixar de se lhe estender.
Negando, assim, provimento ao agravo.
Fernando Manuel Pinto de Almeida)
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031786
Nº Convencional: JTRP00031386
Relator: COELHO DA ROCHA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
SERVIDÃO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP200101250031786
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MARCO CANAVESES 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 221/99
Data Dec. Recorrida: 27/01/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1381 A ART1547 N2.
Sumário: I - Para que se dê como verificada a causa impeditiva do direito de preferência de proprietário confinante consistente em esse terreno se destinar a construção por parte do comprador, necessário é que este propósito exista desde logo no acto da compra.
II - As servidões legais não podem ser constituídas por usucapião.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
No 2º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, pendem autos de acção declarativa constitutiva, com processo comum sob a forma ordinária, entrados em Juízo em 11.9.1995, em que são AA, João C................. e mulher Maria José ............, proprietários, residentes no ..........., ................; Marco de Canaveses, e RR:
1º.-Maria F................., viúva,
-Maria L........... e marido José A..............,
-José M......... e mulher Maria J......, todos residentes na Rua ........., ..., sendo aquela no 2º andar Esquerdo e os outros no 5º andar, da cidade do Porto;
2º.-Ana ........ e marido Agostinho ........., também residentes no referido lugar ...... .
Pedem os AA
-que sejam colocados no lugar do casal dos 2º RR, na compra e venda do prédio, titulada pela escritura notarial do Marco de Canaveses, de 24.9.1994, exarada a fls 3-5, do Lº 203-A (junta aos autos a fls 10-13);
-como lhes seja adjudicado o direito de propriedade e posse sobre tal prédio, com o consequente cancelamento de qualquer registo efectuado posteriormente a tal acto de compra, porquanto os AA são donos do prédio rústico denominado C.........., a mato e pinhal, sito no referido lugar do ........., inscrito na respectiva matriz no art. 39 e descrito na Conservatória sob o nº 00153/151287, enquanto os RR são donos do prédio rústico denominado L......., ali também sito, de cultivo e pinhal, inscrito na matriz no art 502 e descrito na Conservatória sob o nº oo312/041194.
Este prédio comprou-o a 2ª Ré Ana ...... aos 1º RR pela referida escritura de 24.9.1994. Ele confina, a poente, com o identificado prédio dos AA. Como tal, são contíguos; e ao mesmo nível, distintos e demarcados. Enquanto o dos AA tem a área de 2.300 m2, o dos RR tem a de 6 900 m2. Aquele está afecto a mato e pinhal; o dos RR, a cultivo de cereais, vinha, mato e pinhal. Por isso, ambos, de forma permanente e regular, estão destinados a agricultura.
A soma de ambas as áreas fica aquém da unidade de cultura de 2 ha, vigente na região.
Além de os AA serem confinantes com o prédio dos RR negociado; também este está parcialmente encravado no prédio dos AA, pois "é através deste prédio que as leiras cimeiras do prédio vendido têm acesso a via pública, através de um caminho de servidão, que margina o prédio dos AA, e que faz parte integrante dele.
Aos AA, por isso, assiste o direito de preferência na venda do prédio dos RR - art.s 1380º, 1 e 2 a) e 1555º, 1, CC.
Como preço de aquisição do prédio consta da escritura o de 2 500 contos.
Os AA só tiveram conhecimento da venda em 20.3.1995; tendo no dia seguinte comunicado aos RR pretenderem adquirir tal prédio, no exercício do direito de preferência, aguardando, lhes fosse comunicado o preço, despesas de escritura e sisa.
Até agora desconheciam, por não lhes terem sido comunicados, estes elementos, como ainda as demais cláusulas do contrato, identificação dos compradores, condições de pagamento do preço tempo e local da escritura.
A unificação dos prédios permitirá uma maior rentabilidade agrícola e um mais fácil acesso.
Os AA querem preferir e pelo preço declarado na escritura.
Os 2º RR adquirentes" não pagaram a sisa, correspondente ao preço constante da escritura, uma vez que beneficiaram da isenção do seu pagamento, nos termos do art. 2º, da Lei 21-B, de 9.4.1977".
Singularmente contestaram os RR, compradores por um lado e vendedores por outro, não obstante o fazerem em comunhão de alegação de excepção e impugnação.
Excepcionando, articularam o decurso do prazo dos seis meses sobre a data da escritura para a propositura da acção, invocando a caducidade do respectivo direito.
Impugnando, fazem-no parcialmente quanto aos factos articulados na petição inicial; rejeitando a existência dos eventos fundamentais em que os AA alicerçam os seus pedidos. Isto porque - dizem - compraram o prédio para nele construirem a sua habitação, já com projecto camarário viabilizado; o que constitui excepção ao direito de preferência dos AA - art. 1381º, a), CC. Além de que as leiras cimeiras do prédio, pelo projecto aprovado, têm acesso directo à via pública; sendo que tal servidão de passagem, constituida por usucapião, também beneficiava pessoas que habitam mais duas outras casas, de pé e carro, e cujo encrave é absoluto.
Acrescentam que o valor declarado na escritura não é o real; que é o de 5.000 contos; que os AA teriam de pagar aos RR, caso a acção vingasse. Nesta caso, e quanto a isso, deduzem pedido reconvencional.
Responderam os AA, negando o decurso do prazo da caducidade; não aceitando a finalidade construtiva da aquisição do prédio pelos 2º RR, que dizem ser exclusivamente agrícola, e afirmando manter-se a servidão de passagem; tendo como valor correcto do negócio celebrado o preço declarado na escritura.
Foi apresentada tréplica, na defesa do valor dos 5 000 contos, como o preço real.
Admitiu-se a reconvenção.
Proferiu-se saneador, relegando-se para final o conhecimento da arguida excepção da caducidade do direito de preferência.
Elaborou-se o condensador; que foi objecto de reclamação por parte do casal dos RR adquirentes; e atendida.
Produzida a prova em audiência de discussão e julgamento, o Tribunal "a quo" teve por provada a seguinte factualidade:
A).-No ....., ....., Marco de Canaveses, existe um prédio rústico denominado C............. , a mato e pinhal, que confronta: a nascente, com José P......... e RR; norte, com estrada; poente, com estrada, caminho e José P.......; inscrito na matriz predial rústica no art. 39 e descrito na Conservatória sob o nº 00153 / 15 12 87, e registado a favor dos AA pela cota G3.
B).-Os 2º RR são donos do prédio rústico denominado L......, a cultivo e pinhal, que confronta: a sul, com Joaquim ..........; a norte, com José ......... e Ce.....; e poente, com com os AA, sito no referido lugar ............., inscrito na matriz no art.502 e descrito na Conservatória sob o nº 00312 / o4.11.94.
C).-A 2ª Ré mulher, Ana ............, comprou-o aos 1º RR, por escritura de compra e venda notarial do Marco de Canaveses, de 24.9.1994.
D).-O prédio dos RR confronta do lado poente com o prédio dos AA.
Ambos são contíguos, e situam-se ao mesmo nível, são distintos e estão demarcados.
E).-A área do prédio dos RR é de 6 900 m2.
F).-Na escritura de compra e venda referida em C) foi declarado o preço de 2.500.000$00 pela aquisição do prédio referido em B).
1.-A área do prédio referido em A) é de 2.300 m2.
2.-A parte agrícola do prédio dos RR - B) - destina-se à produção de vinho e cereais, mato e pinhal.
3.-O prédio referido em A) destina-se à produção de mato e pinhal.
4.-Ambos os prédios têm sido, de forma regular e permanente, objecto de exploração agrícola,
5.-deles se extraindo todos os produtos inerentes à agricultura da região.
6.-Também, através do prédio dos AA - A) - se faz o acesso de e para a via pública, das leiras cimeiras do prédio dos 2º RR - B),
7.-através de um caminho, que margina o prédio dos AA - A) - e que faz parte integrante dele.
7-A.-Este caminho, além dos co-RR e Maria F........, serve também os habitantes de mais duas casas.
7-B.-O acesso para os prédios onde estão implantadas estas casas, há mais de 50 anos, durante todo o tempo do ano, sempre à vista de toda a gente, de pé e carro, faz-se pelo caminho referido,
7-C.-sem a menor oposição de alguém e de forma continuada,
7-D.-assim procedendo, na convicção de exercer o direito de por ali passar.
7-E.-Pelo menos uma das casas, só tem como único acesso directo à via pública o referido caminho.
8........
9.-O prédio rústico referido em B) foi adquirido pelos 2º RR, com intenção de construir uma casa para sua habitação,
10.-cujo projecto de construção já foi viabilizado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses.
11, 12.-O projecto da construção aprovado pela respectiva Câmara contempla a abertura de um acesso directo à via pública, do prédio dos 2º RR - B).
13.- O preço efectivamente pago pelos 2º RR pela aquisição do prédio referido em B) foi de Esc: 5.000.000$00;
14.-preço pelo qual efectivamente quiseram contratar;
15.-e que foi determinante para os 1º RR realizarem a venda; já que a não fariam por preço inferior.
Com base no que se sentenciou:
-...."os AA não alegaram, mas deviam-no ter feito, antes de mais que os compradores não são proprietários confinantes...."
-..."os RR alegaram que entre Outubro e Dezembro de 1994, os AA souberam da alienação, e só intentaram a acção, em 10.9.1995.
...não provaram tal facto - resposta negativa ao quesito 8º - pelo que tem a alegada excepção de improceder."
"Dispõe o art. 1380º, CC, que os proprietários dos terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência, nos casos de venda...de qualquer dos prédios, a quem não seja proprietário confinante.
...o direito de preferência conferido por este artigo não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes.
...o elemento constitutivo do direito de preferência do proprietário do prédio confinante consiste em ser a área do terreno alienado inferior à unidade de cultura...
dos autos resulta inequívoco que os prédios - o alienado e o dos AA - são confinantes e com áreas inferiores à unidade de cultura (20.000 m2).
O casal dos 2º RR (adquirentes) alegaram que destinam o prédio em questão, para nele construirem habitação, destinando-o a fim diferente da agricultura.
Quando no art 1381º, CC, se diz, em destinar o prédio a algum fim diferente, que não seja agricultura, pretende significar-se que o prédio tenha finalidade ou aplicação diversa da cultura.
Tal finalidade tem de existir de imediato, e não ser meramente potencial ou virtual, embora não tenha de constar da escritura.
...A exclusão do direito de preferência do proprietário confinante, por se destinar o terreno vendido a algum fim que não seja a cultura, prevista na alínea a), do art 1381º, CC, tem como factos constitutivos a intenção de se dar a esse terreno determinado destino, diverso da cultura, e ser essa afectação legalmente admissível.
...há que ver em que termos na prática se traduziu esse desígnio.
Ora, no caso concreto, provou-se que os 2º RR têm intenção de construir uma casa no prédio que adquiriram; que o projecto de construção foi aprovado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses ( o projecto deu entrada na Câmara em 1995, e foi deferido o pedido).
Tudo indica que não existe qualquer obstáculo de ordem administrativa a construção.
Conclui-se pela verificação da excepção do art. 1381º, a), CC...
Alegam ainda os AA que o seu prédio está onerado com uma servidão de passagem, a favor de parte do prédio dos RR.
Efectivamente resulta do disposto no art. 1555º, CC, que o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda...do prédio dominante.
A servidão de passagem é legal,
-não só quando constituida por decisão judicial,
-mas também quando, tendo-o sido por qualquer outro título, poderia ser judicialmente imposta, se não fôra a existência desse título.
O direito de preferência, concedido ao proprietário do prédio onerado com servidão legal de passagem, tem o fim de eliminar esse encargo, mediante a aquisição pelo dono do prédio onerado da propriedade do prédio dominante e o de atribuir àquele uma certa compensação do ónus imposto.
Aqui, o caminho ora em causa apenas era utilizado para acesso às leiras cimeiras (apenas a uma parte) do prédio adquirido pelos 2º RR.
Mas este prédio tem comunicação directa com a via pública; e acesso directo pelo mesmo prédio.
No projecto de construção está previsto o acesso directo à via pública, com exclusão dessa servidão; uma vez que o prédio vai ser destinado à construção de uma casa de habitação.
Por outro lado, o referido caminho é utilizado pelos proprietários de outras casas. O que se faz há mais de 20 anos. Pelo que o prédio dos AA sempre continuaria, como vai continuar, com esse encargo, a favor doutros.
O caminho de servidão, que era também utilizado para acesso a parte do prédio dos RR, deixa de ter qualquer utilidade com a construção a que está destinado.
Por estes motivos a acção tem de improceder...(prejudicado ficando o conhecimento das reconvenções)....e, em consequência, se absolvendo os RR dos pedidos».
Inconformados os AA, interpuseram recurso; em cujas alegações concluem:
1.-Resulta do processo de licenciamento de obras nº 591/95 da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, apenso a estes autos, que o requerimento do pedido de licenciamento deu entrada em 25.9.1995. Isto é, decorrido um ano e um dias, após a data da celebração da escritura.
2.-Isto é, os RR não procuraram, logo após a efectivação da compra, proceder às diligências necessárias.
3.-Os RR, só depois de receberem a carta registada com A/R enviada pelos AA, em 21.3.1995 (junta a fls 14 e 15), é que providenciaram no sentido de iniciar a obtenção dos documentos necessários ao aludido licenciamento.
4.-Ou seja, não fosse o A marido denunciar antecipadamente o desejo de exercer a preferência, os RR não teriam feito as diligências necessárias, tendo em vista a obtenção da licença de construção, de forma a inviabilizar o direito de preferência dos AA
5.-Isto é, daqui decorre desde logo, sob pena de exclusão do direito de preferência ficar na dependência da vontade do adquirente, que não basta a intenção de construir ou até a obtenção do licenciamento para construção, mas também a verificação de tais factos, dentro de um prazo considerado razoável e suficiente.
6.-O comportamento dos RR configura abuso de direito.
7.-Não ficou provado que o acesso referido tenha início nas leiras cimeiras.
8.- Ou seja, as leiras cimeiras continuam a ter acesso pelo prédio dos AA, tal como acontecia anteriormente.
Violou a sentença recorrida o disposto nos art.s 1380º, 1381º, 1555º, CC..
Deve esta ser revogada.
Contraalegando o casal dos RR adquirentes, conclui.
1.-A carta supostamente enviada aos RR (mas não recebida por estes) não pode ser acolhida, pois não consta da matéria especificada nem da quesitada.
2.-Da data de entrada do pedido de licença de construção na Câmara Municipal competente não se pode depreender que os RR só nessa altura passaram a ter a intenção de construir.
3.-No projecto de construção está previsto o acesso directo à via pública, com a exclusão da servidão que o onerava, uma vez que o prédio está destinado à construção de uma casa de habitação.
4.-Por outro lado, o prédio dos AA é utilizado pelos proprietários de outras casas; o que se faz, há mais de 20 anos; pelo que o prédio dos AA sempre continuaria, como vai continuar, com esse encargo a favor de outros.
Deve manter-se a decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os AA/apelantes não questionam a matéria de facto tida por provada "a quo".
Como assente, ora, se tem.
Pretendem os AA, com a presente acção que lhes seja concedida a posição dos 2º RR/compradores, na compra e venda que foi outorgada pelos 1º aos 2º RR.
Agora, não está em causa, segundo a posição processual assumida pelas partes, a configuração dos elementos constitutivos do direito de preferência atribuido pelo art 1380º, 1, CC, conjugado com o art. 18º, do Dec lei n~384/88, de 25.10, aos proprietários de terrenos confinantes.
Se bem que se não tenha feito prova - por o facto não ter sido sequer alegado pelos AA - de que os adquirentes não são proprietários confinantes, em relação ao terreno alienado.
Só por esta falha - não alegação e prova de um dos pressupostos de que o nº 1, do art 1380º referido faz depender o direito de preferência - mesmo independentemente do disposto no art 1381º, a), ibidem, a pretensão dos AA devia improceder.
Omitiram estes a alegação e a prova deste pressuposto ou facto constitutivo do direito que se arrogam. O suficiente para o insucesso da pretensão formulada.
Contudo, e apesar disso, avancemos na análise do tema do recurso (art.s 684º, 2 e 690º, 1, CPC).
As partes já não questionam que os prédios aqui em causa, o dos AA (C...............) e o alienado dos RR (de L.........), sejam confinantes e tenham, cada um de per si e até no todo, área inferior à unidade de cultura (20.000 m2) para a região.
Discute-se, no entanto, a verificação da excepção prevista no art. 1381º, a), CC, segundo o qual «não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes, quando algum dos terrenos... se destina a algum fim que não seja a cultura».
Se o legislador quis conceder o direito de preferência aqui, para fomentar o emparcelamento da propriedade rústica, de modo a tornar mais rentável a sua exploração; já limitou a concessão de tal direito, se a afectação do terreno já não é a cultura, por o objectivo da maior rentabilidade do emparcelamento se não verificar.
Razão pela qual, agora e assim, se deve atentar primacialmente, na perspectiva dos interesses do adquirente, facilitando a este o seu uso e consecução.
O que, aliás, melhor se harmoniza com o teor do normativo do art. 1305º, ib, que permite ao proprietário gozar "de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".
A intenção do adquirente só não será atendível, se "ex lege" ao terreno que era agrícola, não puder ser dado outro destino.
O que, aliás, dos autos se não comprova que assim seja; isto é, o prédio alienado não está sujeito, por lei, a confinar-se a exploração agrícola.
Antes, devem ter-se como comprovados os factos impeditivos do direito de preferência (art. 1381º, a) e 342º-2, CC): a intenção de dar ao terreno um determinado destino, diverso da cultura; e ser essa afectação legalmente admissível.
Demonstrado está nos autos que o casal dos 2º RR adquiriu o prédio rústico alienado pelos 1º (B), com a intenção de nele construirem a sua casa de habitação (resposta positiva ao quesito 9º); sendo que, para isso, o projecto de construção já foi viabilizado pela Câmara Municipal do Marco de Canaveses, conforme consta do projecto apenso (10).
E, para a convicção do Tribunal Colectivo, quanto a tais respostas e tal matéria, contribuiu o depoimento de todas as testemunhas (AA e RR) inquiridas, que "foram unânimes em afirmar que os 2º RR adquiriram o prédio, para aí construirem uma casa, até porque o 2º Réu marido é emigrante, não se dedicando à agricultura. O que também é confirmado pelo projecto apenso...."(sic) decisão da matéria de facto, a fls 143 e 144.
Indubitavelmente os RR alegaram e provaram um facto impeditivo do direito de preferência que, sem ele, este caberia aos AA.
Consabido é que só depois da aquisição do terreno os compradores/RR gozam dos poderes inerentes ao direito de propriedade, relativamente ao qual lhe é facultado obter licenças administrativas, com vista à consecução do fim que sobre ele se propõem.
Logicamente, condicionantes da realização de projectos de construção, que, normalmente, se seguirão.
A espaços, individualmente, sofrerão as delongas moratórias que os serviços administrativos e o técnico do projecto lhes impuserem.
Tal não é novidade para quem tal "modus faciendi" já teve de enfrentar...
Perante a matéria de facto provada, não são legítimas quaisquer dúvidas sobre a verificação dos apontados requisitos de exclusão do direito de preferência dos AA: a intenção do casal comprador do terreno, de lhe dar um destino diverso do da cultura (construir a sua casa para habitação), com passos dados já em vista dessa concretização e a admissibilidade legal desse destino, reconhecida pelas entidades competentes para o efeito, designadamente através da aprovação camarária do projecto de construção.
Isto é, tudo indica que não há obstáculos de índole administrativa à construção, tomada que está a decisão da aprovação do projecto apresentado, tomada em função dos interesses gerais da comunidade, de acordo com os planos de ordenamento do território e do PDM autárquico.
Perante a defesa assumida pelos RR, invocando os aludidos factos impeditivos, sempre cumpriria aos AA invalidarem que tais factos se não verificam ou que não são legalmente operantes.
Aos AA, que é quem invoca a preferência, é que competiria provar que só posteriormente à aquisição foi decidido dar ao prédio um fim diverso da cultura.
O que no caso não fizeram; nem em tempo oportuno e legal, formularam reclamação...
Antes, como já se referiu, comprovado está, positivamente, que no acto de aquisição do terreno, os compradores RR já tinham a intenção de o afectarem para construção da sua habitação; com projecto viabilizado pela Câmara, em sequência de tal desígnio.
Não estipula a lei prazo algum para que tal ocorra ou aconteça.
Por isso, neste quadro, a conduta dos RR compradores é incensurável.
Assim, o aludido direito (real de aquisição) de preferência dos AA/apelantes, fundamentado na confinância, também não existe; dado o propósito, desde logo (data da compra), de dar ao prédio um fim diverso do da cultura e ser essa afectação legalmente admissível.
Não se poderá esquecer que somente dentro do quadro da matéria de facto tida por provada na acção, se poderão relevar, perante a lei aplicável, situações existenciais. O que fizemos.
Fora disso, com legitimidade, é pretensioso ajuizar, e despido de sentido útil, ineficaz e irrelevante.
Também provado ficou, e repetindo o já atrás relatado, que
-através do prédio dos AA (A) se faz acesso de e para a via pública das leiras cimeiras do prédio dos 2º RR(6º); através de um caminho, que margina o prédio dos AA, e que faz parte integrante dele (7) - item 17 da petição inicial;
Só que
-este caminho, além dos co-RR Maria F......... e marido (vendedores), serve também os habitantes de mais duas casas (7-A); que, há mais de 50 anos, fazem acesso às suas casas, a pé ou de carro, durante todo o tempo do ano e sempre à vista de toda a gente (7-B); sem a menor oposição de alguém e de forma continuada (7-C); com a convicção de exercer o direito de por ali passar (7-D).
Pelo menos uma destas casa, só tem como único acesso directo à via pública, o referido caminho (7-E) - "ut" itens 28-31 da contestação do casal de RR/adquirentes.
Além de que
-o projecto de construção, aprovado pela Câmara contempla a abertura de um acesso directo à via pública do prédio dos 2º RR (11 e 12) - item 25 e 26 da contestação.
Os AA pretendem preferir na compra do prédio vendido pelos 1º RR ao casal dos 2º RR, por escritura de 24.9.1994.
Fundamentam, além do mais já considerado atrás, o seu direito de preferência no facto de o prédio dos RR ser parcialmente encravado (pois este prédio tem comunicação directa para a via pública e acesso directo pelo mesmo prédio - vide apenso do projecto de construção aprovado pela Câmara, a fls 16, onde se visiona, a norte do prédio dos RR a confinância deste com a estrada municipal nº 1261, que liga Qu...... a M.....) no prédio dos AA; sendo através deste que as leiras cimeiras do prédio vendido têm acesso para a via pública, através de um caminho de servidão, que margina o prédio dos AA, e que faz parte integrante dele.
Direito este invocado pelos AA, que os RR declaram não existir, e nesta matéria, por
-a servidão de passagem com que se encontra parcialmente onerado o prédio dos AA ter sido constituida por meio de usucapião;
-e a mesma servidão de passagem, onerando o prédio dos AA, constituir acesso único e exclusivo, a pé ou carro, a pessoas de outras casa, ali próximas sitas, que outra possibilidade de acesso directo à via pública não têm;
-destinando-se o prédio adquirido (que abrange as leiras cimeiras) à construção nele de sua casa de habitação; cujo projecto está aprovado; e contempla a abertura de acesso directo à via pública.
Os AA invocam o disposto no art. 1555º, nº 1, CC «o proprietário do prédio onerado (somente) com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo tem direito de preferência, no caso de venda do prédio dominante».
Pelo art. 1547º, 1 ibidem, «as servidões prediais podem ser constituidas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família»;
enquanto pelo seu nº 2 « as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituidas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos».
Terá de entender-se assim, que estas servidões legais de passagem, no pensamento e queridos pela lei vigente e ora aplicável (como a anterior do Dec Lei de 23.5.1911) só propiciam o direito de preferência aos prédios com elas onerados.
Daí, ter que precisar-se o conceito de servidão legal de passagem, sobretudo no que respeita aos títulos constitutivos desta servidão.
"Ex lege", tem de entender-se a expressão "servidão legal" como se tratando, na realidade, da atribuição ao proprietário do prédio encravado de um direito potestativo, para exigir, coactivamente, o estabelecimento da servidão, através do prédio que sofra menor prejuízo e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados (art. 1553º, CC), se tal passagem não for acordada pelos interessados.
Neste quadro - e o do art. 1547, 2 transcrito, que dispõe que as servidões legais podem ser constituidas por sentença judicial, não se molda nem cabe a constituição de servidão por usucapião, por sentença que esta declare.
Esta (a usucapião) não opera "ipso iure", antes resulta do exercício de uma faculdade atribuida ao possuidor ou a terceiros com interesse na usucapião; que a terão de invocar, para que seja declarada existir pelo Tribunal. Nesta, a sentença a proferir é meramente declarativa do direito possuido.
Sentença balizada com estes parâmetros não pode, pois, constituir uma servidão legal.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, III, 2ª edição 628, as servidões legais só podem constituir-se por três vias:
-por negócio jurídico, se as partes nisso se acordarem;
-por decisão judicial (sentença constitutiva);
-ou, na falta de acordo, por decisão administrativa, quando o suprimento do acordo, nos termos da lei, pertence às autoridades administrativas.
A constituição da servidão legal de passagem referida no nº 2, do art 1547º citado, por sentença judicial, à data da propositura da acção "sub judice" (11.9.1995), era referenciada ao "modus faciendi" e sentença a proferir numa acção de arbitramento por expropriação por utilidade particular (art. 1052º, CPC), para constituição de servidão legal de passagem (art. 1550, CC), além do mais que ora não vem ao caso referir.
Hoje, pela reforma processual de 1995, vigente desde 1997, a acção de expropriação por utilidade particular (art 1550º) passou a seguir a forma comum de declaração, surgindo, aí, a prova pericial, como um dos meios probatórios utilizáveis.
Por isso, seja antes nas acções de arbitramento seja hoje através da acção declarativa - para constituição da servidão legal - a causa de pedir residirá nos factos que integram a faculdade dos AA poderem exigir a sua constituição; isto é, no direito potestativo para exercício desse direito. Seja, por exemplo, na acção para a constituição da servidão legal de passagem, os AA teriam que alegar a existência de um prédio seu, sem comunicação com a via pública, e que o modo mais fácil de estabelecer essa comunicação era através do prédio dos RR, pelo modo e lugar menos inconvenientes para o prédio onerado, a determinar por peritos (com mais rigor).
Aí, ao abrigo e nos termos do art 1550º, CC é necessário invocar-se a situação de oneração do prédio em benefício do qual é constituida para o exercício do direito potestativo, destinado a obter a constituição da servidão legal de passagem; já sendo irrelevante essa invocação na constituição por usucapião de uma servidão de passagem.
Nesta servidão de passagem adquirida por usucapião - a passagem faz-se através da faixa de terreno possuida e revelada por sinais visíveis e permanentes (nº 2, art. 1548º, CC); e não pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados, como acontece na servidão legal.
Pode a servidão de passagem adquirida por usucapião suprir a falta de uma servidão legal de passagem, nos termos do art 1550º referido, como no caso concreto; mas isso não lhe confere a natureza de servidão legal.
A servidão assim constituida por usucapião cria um direito de passagem "ex novo", por ser a usucapião um modo de aquisição originária de direitos reais. Nada tendo a ver com o exercício do direito potestativo conferido pelo art 1550º citado.
Sabemos da matéria provada ainda que a servidão de passagem sobre o prédio dos AA em benefício parcial do prédio dos RR, quanto às leiras cimeiras, que do prédio fazem parte, e constituida por usucapião, também serve as pessoas que habitam umas outras duas casas próximas; desde há mais de 50 anos; e não tendo pelo menos uma delas qualquer outra possibilidade de acesso à via pública.
Na mente do legislador do art 1555º, CC (à semelhança do do Dec lei de 23.5.1911) estava a ideia de acabar com o encargo da servidão de passagem, restaurando a propriedade perfeita do prédio onerado.
No caso, porém, onerado o prédio dos AA e outros, para além dos RR, pela mesma servidão, não é de conceder o direito de preferência do art. 1555º citado, uma vez que o escopo deste - tornar livre o prédio onerado com a servidão -, em tal desiderato não é atingido no caso "sub judice", visto que, pelo que se referiu, o prédio serviente não deixaria de ter de continuar a suportar a servidão de passagem já constituida, ainda que a favor doutrem.
Nestes moldes, e por isso, cremos não desvirtuar o pensamento e a vontade do legislador, tendo-a, em função da "ratio", como a mais acertada ao momento em análise, que não é afastada pela letra da lei - art. 9º com referência ao art. 1555º citado.
Referencialmente se aponte, porque resulta dos autos, que o prédio dominante adquirido pelos RR não sofre de encrave absoluto, antes parcialmente confina com a via pública, e no projecto aprovado para construção nele de casa de habitação, está contemplado acesso à via pública, com exclusão da servidão que o onera.
Quanto à preferência do titular do prédio onerado com a servidão legal de passagem dir-se-á também em súmula:
-A evolução da História e os princípios gerais, designadamente o da livre disponibilidade dos bens e o da igualdade, com expressão constitucional, são contrários à proliferação de direitos de preferência legais; as competentes normas devem, assim, ser interpretadas de modo não extensivo, nunca se alargando por analogia;
-Os trabalhos preparatórios do actual Código Civil mostram que, ao contrário do anteprojecto Pires de Lima, não vingou a ideia de que as servidões legais, para além da sentença e da decisão administrativa, se pudesse constituir por qualquer uma das formas previstas para as servidões não-legais; apenas poderão sê-lo por "modos voluntários", o que não é equivalente.
-A usucapião não pode ser considerada como um modo voluntário de constituir servidões; ela implica tanta voluntariedade como a própria sentença judicial, uma vez que, desencadeadas pelos interesses, ambas se vão impôr à vontade alheia. Outras razões intrínsecas depõem no mesmo sentido.
-O regime das servidões legais de passagem, tal como resulta dos artigos 1550,1551,1552,1553, 1554 e 1569-3, do Código Civil, não tem aplicação possível às servidões constituidas por usucapião... Tais servidões não são, pois, legais; não se lhe aplicado também o art. 1555º, relativo à preferência.
-A preferência legal visa pôr côbro a situações em que, potestativamente, se constituem servidões contra a vontade alheia ou em que, sob a iminência do recurso a Tribunal, se alcance o acordo alheio; tal "ratio" não opera por natureza perante servidões constituidas por usucapião...
-Finalmente, todos os elementos de interpretação depõem, assim, no sentido de não se poderem considerar como legais, pelo menos para efeitos de preferência,, as servidões constituidas por usucapião...
Por tudo o que se expôs, e sobretudo porque a enumeração taxativa do nº 2, do art, 1547º não inclui a usucapião, como título constitutivo de servidões legais, não admitimos que a servidão de passagem, existente no caso concreto, seja uma servidão legal de passagem.
Direito de preferência, no caso de venda do prédio dominante, só o proprietário do prédio onerado com uma servidão legal de passagem a tem (art 1555º, 1).
A expressão "qualquer que tenha sido o título constitutivo", aí contida, remete para os títulos de constituição das servidões legais, previstas no nº 2, do art 1547º somente; estando afastada a sua abrangência a títulos constitutivos de outras servidões consideradas por lei.
Só o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem goza do direito de preferência, no caso de venda do prédio dominante.
Como assim não goza deste direito de preferência o proprietário do prédio onerado com servidão de passagem constituida por usucapião.
È que esta não é genèticamente nem pelo seu regime servidão legal.
Somente às servidões legais de passagem o legislador quis pôr côbro; o que não é o caso.
Por tal, os AA/apelantes não gozam do direito de preferência na compra do prédio vendido pelos 1º aos 2º RR.
Na medida do expresso, improcedem as conclusões da alegação do recurso.
Termos em que se decide
-julgar improcedente a apelação
-e se confirma a sentença recorrida.
Custas pelos AA/recorrentes.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031228
Nº Convencional: JTRP00030728
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
EXECUÇÃO
ADJUDICAÇÃO DE RENDIMENTOS
Nº do Documento: RP200101250031228
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T F M BRAGA
Processo no Tribunal Recorrido: 541-F/98-2S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART824 N1 A ART1118 N1 D.
CCIV66 ART2004.
Sumário: Na execução especial por dívida de alimentos, a adjudicação de vencimentos prevista na alínea d) do n.1 do artigo 1118 do Código de Processo Civil não tem o limite de 2/3 estabelecido no artigo 842 n.1 alínea a) do mesmo Código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031622
Nº Convencional: JTRP00030725
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ACÇÃO
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RP200101250031622
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CIV STO TIRSO
Processo no Tribunal Recorrido: 639-A/99
Data Dec. Recorrida: 03/02/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: CPC95 ART383.
Sumário: A relação providência cautelar - acção principal é estabelecida pela parte requerente; apenas se exige que a acção tenha por fundamento o direito acautelado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031646
Nº Convencional: JTRP00031374
Relator: JOÃO VAZ
Descritores: EXECUÇÃO
BENS COMUNS DO CASAL
PENHORA
Nº do Documento: RP200101250031646
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG193
Tribunal Recorrido: T J V VERDE 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 204-D/99-2S
Data Dec. Recorrida: 14/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART825.
CCIV66 ART1715.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1995/04/13 IN CJ T2 ANOXX PAG208.
Sumário: Não tendo o cônjuge do executado requerido a separação de bens na sequência da primeira nomeação à penhora de bens comuns do casal, nada obsta a que a mesma seja ainda requerida, agora na dependência de citação requerida em simultâneo com a nomeação, pelo exequente, de outro bem comum do casal, susceptível de penhora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031621
Nº Convencional: JTRP00030724
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: PENHORA
DIREITO LITIGIOSO
Nº do Documento: RP200101250031621
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J
Processo no Tribunal Recorrido: 1038-C/97-2S
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART858 ART860-A N1.
Sumário: Penhorado o direito ao arrendamento e trespasse de estabelecimento, ou seja, o próprio estabelecimento enquanto unidade jurídica, sendo contestada a existência de um dos seus elementos - o direito ao arrendamento do local onde funciona - estabelecimento - a execução deve prosseguir, considerando-se litigioso o direito penhorado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B050
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
CONTRATO ATÍPICO
ENERGIA ELÉCTRICA
PREÇO
ERRO MATERIAL
DEVER ACESSÓRIO
BOA FÉ
CULPA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
LEI PROCESSUAL
VIOLAÇÃO
Nº do Documento: SJ2008020700507
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
1. É atípico, envolvido de elementos próprios dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, o designado contrato de fornecimento de energia eléctrica com a contrapartida de pagamento pela cliente do respectivo preço.
2. O défice de contagem da energia eléctrica consumida pela cliente, empreendida pela fornecedora, por virtude de erro sobre a eficiência do respectivo equipamento de medida, por ela exclusivamente gerido, é insusceptível de envolver, em relação àquele contrato, a violação por ela de alguma obrigação ou dever acessório de conduta, incluindo o geral de boa fé.
3. Como não pode ser imputada à fornecedora da energia eléctrica, por virtude do seu erro sobre a regularidade do funcionamento do aludido equipamento de medida, a prática de acto ilícito culposo contratual, ela não pode ser responsabilizada pelo eventual prejuízo da cliente decorrente da sua não imputação no custo dos produtos que fabrica, para apuramento do preço respectivo, do valor da energia eléctrica oportunamente não facturada pela primeira.
4. Está excluído do âmbito do recurso de revista o segmento decisório da Relação relativo ao recurso de agravo do despacho interlocutório proferido no tribunal da primeira instância que indeferiu a requisição de documentos à parte contrária
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA, S A intentou, no dia 29 de Outubro de 1999, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua a condenação a pagar-lhe 52 466 207$, com fundamento em fornecimento de energia eléctrica, na sua contagem deficitária de um terço desde Setembro de 1991 a Maio de 1999 e na desvalorização da moeda.
A ré invocou a caducidade do direito de acção e a prescrição, negou a errada contagem, e, em reconvenção, pediu a condenação da autora no pagamento da mesma quantia por esta peticionada, com fundamento na circunstância de a energia eléctrica se ter destinado ao exercício da sua actividade industrial de cutelaria e só haver imputado no preço do produto o custo por ela facturado.
No despacho saneador foram as excepções de prescrição e de caducidade julgadas improcedentes.
A autora requereu a notificação da ré para juntar os balanços analíticos relativos aos anos de 1994 a 1998 e as facturas de venda do produto transformado nos anos de 1998 e 1999 para prova dos quesitos nºs 50 e 51 e contra-prova dos quesitos 26 a 30, o que foi indeferido por despacho proferido no tribunal da primeira instância, no dia 12 de Maio de 2003, do qual a autora agravou.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 28 de Abril de 2005, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora € 24 383,06 acrescidos de juros à taxa anual de 12% desde 29 de Novembro de 1999 e € 12 461, 92 concernentes a imposto sobre o valor acrescentado, e a última foi absolvida do pedido reconvencional.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 18 de Julho de 2007, negou provimento ao referido recurso de agravo e deu parcial provimento ao recurso de apelação, alterando o segmento concernente a juros e revogando a sentença concernente ao pedido reconvencional, condenando a autora a pagar à ré quantia a liquidar para compensação.
Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a complexidade dos documentos cuja junção foi requerida é mais aparente do que real, pode ser feita prova testemunhal sobre eles, e a sua análise pericial pode ser requerida na sequência da sua junção;
- deve ser revogado o acórdão recorrido na parte que conheceu do recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da primeira instância;
- os factos provados não revelam os prejuízos decorrentes do atraso na exigência dos valores devidos pelo fornecimento da energia eléctrica, pelo que não pode proceder o pedido reconvencional;
- o valor da factura da energia apresentada mensalmente à recorrida não influencia o melhor valor do mercado, porque aquele é determinado por este, pelo que admitir a existência de tais prejuízos é ir para além dos factos provados, o que implica estarem os fundamentos de facto em oposição com a decisão e ser o acórdão é nulo, nos termos do artigo 668º, nº 1,alínea c), do Código de Processo Civil;
- imputar à recorrente o incumprimento de um dever acessório emergente do princípio da boa fé resultante do atraso na exigência de parte do valor devido em consequência de um defeito de fabrico de um equipamento de contagem é esquecer que a relação contratual é bilateral e colocar todas as obrigações numa só das partes;
- a recorrida é uma empresa organizada e de grande dimensão e tem as obrigações daí decorrentes;
- a recorrente assegurava à data dos factos o exclusivo do serviço público de distribuição de energia eléctrica no território nacional, e era complexa a equipa de medida e de contagem própria de uma instalação de média tensão, composta por contador de energia activa, contador de energia reactiva, transformadores de intensidade e relógio de contacto, complexidade que dificulta a detecção de problemas de fabrico do equipamento em causa;
- a detecção do erro de facturação decorrente do defeito de fabrico é evidente e mais fácil de detectar pela recorrida;
- explorava a instalação, sabia a sua potência global e de cada uma das máquinas, o que lhe permitia constatar não ser a energia eléctrica suficiente para manter a instalação em normal funcionamento;
- a recorrida tinha condições para detectar o erro, não o detectou, e ficou a beneficiar dele e da especial dificuldade de a recorrente o detectar por virtude do número excepcional de clientes que servia;
- os deveres laterais de conduta também impendem sobre o devedor e a leitura dos factos feita no acórdão recorrido colide com o instituto do abuso do direito
- a haver obrigações acessórias decorrentes do princípio da boa fé, previsto no artigo 762º do Código Civil, decorrem para a recorrida;
- fazer suportar à recorrente os custos daquele erro é obnubilar as características da relação de fornecimento em causa, as características da recorrente e as exigências de justiça do caso concreto;
- deve prevalecer a sentença proferida no tribunal da primeira instância, com excepção da parte relativa aos juros.
Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão:
- a recorrente incumpriu a sua obrigação de proceder à correcta contagem da energia consumida, o que resultou do incumprimento do dever de conservar os equipamentos de contagem existentes no posto de transformação;
- em consequência, incumpriu deveres acessórios da prestação principal, cujo cumprimento lhe impunha respeito pelos interesses da recorrida e dever jurídico de cooperar com o devedor no cumprimento da sua obrigação;
- a fixação do preço da energia não era fixado no exclusivo interesse da recorrente, mas também importava à recorrida no cumprimento da sua obrigação, porque dele era devedora e para a fixação do preço dos produtos que fabricava e vendia;
- a correcta determinação da energia consumida e posterior e consequente facturação não se podem configurar como meros pressupostos da cobrança do respectivo preço, porque se trata de deveres acessórios essenciais ao cumprimento integral das obrigações contratuais da recorrente, no seu interesse e da recorrida;
- como consequência directa e necessária do não cumprimento pela recorrente daqueles deveres, a recorrente, no período considerado, só considerou o custo da energia facturada;
- o melhor preço do mercado não seria sempre o mesmo, porque tendo custos menores fixaria um preço que lhe permita gerar riqueza e aumentar a quota de mercado;
- não considerou nem pode agora considerar o maior custo da energia no tempo em que a recorrente incumpriu a sua obrigação acessória de contar e facturar a totalidade de energia por si fornecida;
- deve a decisão da Relação relativa ao recurso de agravo ser mantida, sob pena de violação dos artigos 41º a 43º do Código Comercial e 534º do Código de Processo Civil.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A CC, SA e, depois, a autora, no exercício da actividade social de distribuição e venda de energia eléctrica, vem fornecendo à ré energia eléctrica, nomeadamente nas instalações desta sitas na Avenida da Igreja, Benedita, concelho de Alcobaça.
2. A autora e ré acordaram no fornecimento de energia à tensão nominal de 30 KVA, a última conhecia a potência global das instalações abastecidas e podia utilizar equipamento próprio para contar a energia fornecida e a tomada.
3. A maquinaria que se encontra desde o início dos fornecimentos em funcionamento nas instalações abastecidas é explorada e pertence à ré, e o posto de transformação que abastece as mesmas instalações pertence à ré, que deve zelar, pelo menos, pela sua boa conservação exterior.
4. Tal energia foi recebida pela ré, que a consumiu, no exercício da sua actividade de indústria de cutelaria, e se obrigou a pagá-la à autora no Centro de Distribuição de Caldas da Rainha ou na Unidade Comercial de Alcobaça.
5. As importâncias em dívida por fornecimento de energia eléctrica em muito alta, alta e média tensão, e as devidas pelos consumidores não domésticos em baixa tensão com potências contratadas superiores a 39,6 KVA são pagas no prazo de 30 dias da data de emissão dos correspondentes facturas, sob pena de interrupção do fornecimento de energia e de pagamento de juros de mora.
6. As facturas respeitantes à instalação da ré foram apresentadas a pagamento no mês seguinte àquele a que diziam respeito, e a ré procedeu ao pagamento das emitidas e respeitantes aos fornecimentos correntes posteriores a Junho de 1998, inclusive.
7. Entre Agosto de 1989 e Julho de 1991, foi ligado um novo posto de transformação da ré para abastecimento das suas instalações, resultando da deslocação do que existia anteriormente e que tinha as mesmas finalidades e características técnicas do que foi ligado.
8. O posto de transformação da ré tinha 800 KV de potência desde data anterior a finais de 1983, e desde a data referida na resposta ao quesito segundo encontrava-se montada no posto de transformação uma equipa de contagem composta por contador de energia activa, contador de energia reactiva, transformadores de intensidade e relógio de contacto, equipamento esse com as especificações técnicas constantes do documento junto a folhas 7.
9. Incumbia à autora a conservação os equipamentos de contagem existentes no posto de transformação mencionado, cujos serviços têm o direito de mexer, cuidar e zelar pelos equipamentos referidos na resposta ao quesito 38°, e a ré está proibida de ter neles qualquer intervenção, uma vez que os mesmos estão selados pela autora.
10. Em 26 de Abril de 1999, uma brigada efectuou uma vistoria às instalações e ao posto de transformação da ré, tendo detectado que uma dos fases não se encontrava a ser contada e que o contador só totalizava dois terços da energia consumida.
11. A referida brigada substituiu os contadores de energia activa e reactiva, após o que procedeu a novos ensaios, verificando que as três fases estavam a ser contadas, e que o consumo de energia contado aumentara em um terço.
12. Os contadores substituídos foram testados, tendo-se verificado que uma bobine de tensão do contador de energia activa se encontrava queimada, o que determinava que o contador estivesse a totalizar apenas dois terços da energia consumida, situação que se mantinha desde Setembro de 1991 e se prolongou até Maio de 1999, período durante o qual apenas foi paga a percentagem referenciada.
13. Após 26 de Abril de 1999, a energia contada e a potência tomada/facturada, aumentou em um terço, sendo que após Setembro de 1991 diminuiu um terço, considerando o período anterior.
14. A ré conhecia a potência da mesma maquinaria, e a energia facturada durante o período mencionado nas respostas aos quesitos 15 e 16 era insuficiente para manter a instalação em normal funcionamento.
15. Ficou por pagar, durante o mesmo período, o montante de 49 967 816$, correspondente à soma dos valores aí identificados como diferença a facturar, ao que acresce o imposto sobre o valor acrescentado à taxa de 5%.
16. A ré possui uma unidade industrial moderna e bem equipada, imputa nos produtos que fabrica os componentes relativos aos custos de produção, sendo que a energia eléctrica é um dos elementos imputados no preço dos produtos, tendo tal imputação em conta a facturação de energia eléctrica mensalmente processada pela autora.
17. Durante o período mencionado de 15° a 16°, apenas foi ponderado, como custo de energia eléctrica, o valor constante das facturas emitidas pela autora, e após a data mencionada na resposta ao quesito 15, bem como anteriormente a essa data, a ré procedia à leitura mensal da contagem de energia eléctrica e confrontava essa sua leitura com aquela que constava da facturação da energia eléctrica.
18. Entre 1989 e 1991, a ré realizou um conjunto de investimentos em nova maquinaria, a qual era mais moderna e podia permitir, consoante a sua utilização, menor consumo de energia, e nesse período introduziu novos métodos de produção, e ocorreram alterações nos valores da energia eléctrica facturada.
19. Só após a determinação do custo de cada produto, determina a ré o preço de venda dos mesmos aos seus clientes, adicionando a sua margem de comercialização.
20. No exercício da actividade mencionada em H, a ré promove a venda dos seus produtos ao melhor preço de mercado, e depois de obter um valor de acordo com o referido nas respostas aos quesitos 36 e 37, e fixa o valor dos seus produtos ao melhor preço do mercado.
III
As questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente deve ou não indemnizar a recorrida por virtude de ter contado e facturado deficientemente a energia eléctrica que lhe forneceu entre Setembro de 1991 e Maio de 1999.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação negativa do objecto do recurso;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade?
- natureza e efeitos principais do contrato que vincula a recorrente e a recorrida;
- os pressupostos da responsabilidade civil contratual;
- incumpriu ou não a recorrente alguma das suas obrigações contratuais directas ou indirectas?
- o incumprimento da recorrente implicou ou não para a recorrida prejuízo reparável?
Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.
1.
Comecemos pela delimitação negativa do objecto do recurso.
Não está em causa no recurso a condenação da recorrida no pagamento à recorrente da quantia determinada pela Relação, porque dessa parte a primeira não recorreu (artigos 676º, nº 1, 677º e 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).
A recorrente inseriu no recurso de revista a impugnação da decisão da Relação relativa ao recurso de agravo, que incidiu sobre o despacho proferido no tribunal da primeira instância que indeferiu o seu requerimento no sentido da notificação da recorrida para juntar determinados documentos.
Ainda não é aplicável na espécie o novo regime de recursos, em que já não existe recurso de agravo, visto que ele só rege para os processos instaurados depois de 1 de Janeiro de 2008 (artigo 12º do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto).
A existir fundamento de recurso do referido segmento decisório da Relação para este Tribunal seria, como é natural, de agravo (artigos 721º, nº 2 e 754º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Todavia, expressa a lei que, sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admitido recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, de modo a interpor do mesmo acórdão um mesmo recurso (artigo 722º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Trata-se do princípio designado da unidade ou absorção, em que o recurso de revista, em razão do seu objecto essencial relativo à violação de normas jurídicas substantivas, arrasta para a sua órbita o conhecimento da violação de normas jurídicas adjectivas, próprio do recurso de agravo.
Todavia, para o efeito, exige a lei, como condição do conhecimento da violação de normas jurídicas processuais, que a decisão da Relação sobre essa matéria seja impugnável nos termos do n.º 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
A este propósito, estabelece a lei, por um lado, ser admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação (artigo 754º, nº 1, do Código de Processo Civil).
E, por outro, não ser admissível recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme (artigo 754º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Ora, estamos no caso vertente perante um segmento decisório de um acórdão da Relação que conheceu de um recurso de agravo de um despacho interlocutório proferido no tribunal da 1ª instância que conheceu de uma questão processual.
O referido segmento decisório não se integra na excepção à proibição da admissibilidade de recurso a que se reporta o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.
Em consequência, não pode este Tribunal, no recurso de revista, nesta matéria de natureza processual, conhecer da parte da decisão proferida pela Relação de manutenção do despacho proferido no tribunal da primeira instância.
2.
Continuemos, com a subquestão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A recorrente imputou ao acórdão recorrido a referida nulidade por contradição entre os factos e a decisão, sob o fundamento de o custo da energia eléctrica não influenciar o melhor valor de mercado, por ser este a influenciar aquele.
A lei estabelece, por um lado, que o acórdão e nulo, além do mais, quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigos 668º, nº 1, alíneas c) e d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Resulta do primeiro dos referidos normativos que os fundamentos de facto e de direito utilizados no acórdão da Relação devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que as decisões judiciais em geral devem ser fundamentadas de facto e de direito.
Com efeito, o referido requisito não se verifica no caso ocorrer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Todavia, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o referido vício, certo que ele só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
O acórdão recorrido, partindo dos factos provados e das normas que considerou aplicáveis, concluiu no sentido de que o custo da energia eléctrica influenciava o preço de mercado dos produtos fabricados pela recorrente.
E tal conclusão, independentemente de resultar ou não de erro de julgamento, é o corolário lógico da interpretação pela Relação do sentido dos factos provados e das normas jurídicas aplicadas na espécie.
Assim, ao invés do que a recorrente alegou, a decisão da Relação, nesta parte, é logicamente harmónica com os fundamentos em que a fundou.
Na realidade, porém, o que resulta neste ponto do alegado pela recorrente é a sua discordância do decidido no confronto do quadro de facto provado, o que poderá eventualmente enquadrar o erro de julgamento, mas não o vício de nulidade do acórdão por ela invocado.
Assim, como do contexto do acórdão resulta a conformidade lógica entre a parte da motivação de facto – e de direito - e a parte decisória, não se verifica, na espécie, o vício de nulidade a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
3.
Atentemos agora na natureza e efeitos do contrato que vincula a recorrente e a recorrida.
A recorrente e a recorrida convencionaram fornecer a primeira à última energia eléctrica de determinada potência, mediante determinado preço por unidade de medida, a pagar pela última à primeira, em conformidade com a quantidade consumida.
No tribunal da 1ª instância foi entendido que se estava perante um contrato atípico, permitido pelo artigo 405º do Código Civil, dele decorrendo como obrigações principais, para a recorrente, o fornecimento da energia eléctrica e, para a recorrida, pagamento da energia consumida.
Na Relação considerou-se, porém tratar-se de um contrato de compra e venda do que resultaram para a recorrente a obrigação principal duradoura de disponibilizar à recorrida a mencionada energia eléctrica, e para a recorrida a de pagar o respectivo preço (artigo 879º, alíneas b) e c), do Código Civil).
A lei expressa, sob a perspectiva da função económico-social típica do contrato de compra e venda, ser esta o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º do Código Civil).
Trata-se, pois, de um contrato oneroso, bilateral, com recíprocas prestações e eficácia translativa, envolvendo a dupla e correlativa transmissão de duas prestações - o direito de propriedade ou de outro direito e o preço.
No que também concerne às respectivas vertentes estrutural e obrigacional, a lei estabelece como seus efeitos essenciais a transmissão da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a de pagar o preço (artigo 879º do Código Civil).
Em regra, o comprador adquire a propriedade da coisa logo que celebre o contrato; mas nem sempre assim é, como ocorre, por exemplo, com os contratos de compra e venda de coisas genéricas ou futuras.
As partes e a própria lei designam as relações contratuais em causa por contratos de fornecimento de energia eléctrica.
O fornecimento é o acto ou o efeito de fornecer alguma coisa. Daí que, em sentido não jurídico, se possa qualificar de contrato de fornecimento todo aquele que tenha por objecto essa coisa ou um serviço.
Essa designação também tem sido atribuída aos contratos geradores de obrigações duradouras em que o âmbito das prestações de cada uma das partes depende do consumo efectivo de uma delas.
Mas o contrato que visa directamente a transmissão do direito de propriedade sobre essa coisa ou a prestação de algum serviço há-de traduzir-se em contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, conforme os casos, ainda que se trate de contratos de execução continuada ou emparelhada com a sua especificidade de não homogeneidade quantitativa de prestações.
O designado contrato de fornecimento reconduz-se, em regra, a um contrato de compra e venda desenvolvido por sucessivas, contínuas e periódicas prestações autónomas de coisas pelo vendedor mediante o pagamento pela contraparte do respectivo preço.
Tendo em conta as declarações negociais em causa, certo é que se está perante um contrato, porque a recorrente, distribuidora de energia eléctrica, e a recorrida, sua cliente, regulamentaram os seus interesses com a garantia legal de dela resultarem efeitos jurídicos.
Não se trata, porém, não obstante a qualificação operada pela recorrente e pela recorrida, em sentido jurídico, de um contrato de fornecimento, porque essa designação não assume, no quadro legal, conformação jurídica.
Também não se trata de um mero contrato de compra e venda de coisa, porque a recorrente, para além da disponibilização à recorrente da energia eléctrica convencionada, devia proceder à respectiva contagem e à vistoria e reparação dos equipamentos de contagem propriedade da recorrida.
Configura-se como um contrato com elementos próprios dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, pelo que, tal como foi considerado no tribunal da primeira instância, do que se trata é de um contrato atípico, de natureza comercial (artigos 405º, nº 1, do Código Civil, 2º, 3º e 13º, nº 2, do Código Comercial).
Do mencionado contrato resultou, pois, para a recorrente a obrigação principal de fornecimento à recorrida da energia que esta consumisse, e para a última a obrigação principal de pagamento à primeira do preço respectivo.
4.
Vejamos agora os pressupostos da responsabilidade civil contratual em aproximação ao caso vertente.
Se o devedor não realizar pontualmente a sua prestação no confronto do credor por culpa e se com isso gerar ao último prejuízo, constitui-se na obrigação de o indemnizar no quadro da responsabilidade civil contratual.
São, assim, seus pressupostos o facto ilícito contratual, a culpa, o dano ou prejuízo reparável e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele (artigos 562º, 563º, 564º, n.º 1, 566º, 798º, 799º e 808º, n.º 1, do Código Civil).
O acto ilícito traduz-se, grosso modo, na violação de um dever, ou seja, na omissão do comportamento devido; e a culpa na ligação do referido acto ilícito a quem o pratica, em termos de censura ético-jurídica.
O conceito de culpa em sentido amplo envolve o dolo e a culpa stricto sensu, ali com intenção de produzir o resultado ilícito, aqui quando o agente não o prevê, ou admite que se verifique, mas confiante que tal não ocorra, podendo e devendo, em qualquer caso configurá-lo, se actuasse com a diligência devida em face das circunstâncias do caso, por referência ao homem médio (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
A diligência é a tensão da inteligência e da vontade para cumprimento do dever, e, em sentido normativo, o comportamento que deve ser adoptado para o cumprimento de determinado dever, definida em última análise pelo objectivo de evitar a lesão de direitos subjectivos alheios.
Dir-se-á, em síntese, que a responsabilidade civil contratual ou obrigacional é a situação em que se encontra alguém que, tendo praticado um acto ilícito e culposo, é obrigado a indemnizar outrem dos prejuízos que lhe causou (artigos 483º, nº 1, 762º, nº 1 e 798º do Código Civil)
Entre os factos derivantes da responsabilidade civil obrigacional contam-se o não cumprimento de obrigações, a mora no seu cumprimento, o seu cumprimento defeituoso e a impossibilidade da prestação imputável ao devedor (artigos 798º, 801º, nº 1, 804º, nº 1, 898º, 899º, 908º e 913º, do Código Civil).
5.
Atentemos agora se a recorrente incumpriu ou não alguma das suas obrigações contratuais.
As obrigações consubstanciam-se em vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação (artigo 397º do Código Civil).
Os contratos, isto é, as obrigações deles decorrentes, devem ser pontualmente cumpridas (artigo 406º, nº 1, do Código Civil).
Devem, por isso, ser cumpridas todas as cláusulas contratuais tal como foram pensadas e com os efeitos pretendidos pelas partes.
A regra é a de que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, sendo que nesse cumprimento, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (artigo 762º do Código Civil).
Agir de boa fé é fazê-lo com a lealdade, correcção, diligência e lisura exigíveis às pessoas normais face ao circunstancialismo envolvente; abrange o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, por via do comportamento devido e esperado às partes nas relações jurídicas em que estão envolvidas.
É um imperativo que envolve não só o devedor, isto é o sujeito do dever de prestar, como também o credor no que concerne ao exercício das faculdades contidas no respectivo direito de crédito.
O conceito de boa fé a que o referido normativo se reporta é ético-objectivo e o seu conteúdo variável ou flexível e adequado às circunstâncias de cada tipo de situação.
Dir-se-á, em síntese, por um lado, ser a boa fé uma exigência do direito imposta pela necessidade de impedir que a obrigação sirva para a consecução de resultados intoleráveis para as pessoas de consciência razoável, e, por outro, que age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade em termos de salvaguardar os legítimos interesses da contraparte.
No acórdão recorrido reconhece-se que a recorrente cumpriu sem defeito a sua obrigação principal. Na verdade, considerando o período temporal de referência, ou seja, entre Setembro de 1991 e Maio de 1999, a recorrente realizou pontualmente a prestação de fornecimento de energia eléctrica convencionada.
Não obstante, em quadro de afectação do seu interesse de credora do preço, por virtude de falsa representação do funcionamento da estrutura mecânica do aparelho de contagem, ou seja, por erro, apenas facturou e cobrou da recorrida dois terços do preço da energia eléctrica que lhe forneceu.
A Relação, ao invés do que foi decidido no tribunal da primeira instância, considerou não ter sido o preço da energia eléctrica fixado no exclusivo interesse da recorrente, sob o argumento de a sua correcção também importar à recorrida, como devedora, para o tabelamento dos seus produtos.
A partir disso, concluiu, por um lado, ter a recorrente violado um dever de conduta, por
não poder deixar de saber, por ser facto notório, que a recorrida faria repercutir no preço dos produtos fabricados os custos da energia consumida e debitada e que não o podia fazer depois da respectiva venda.
E, por outro, estar obrigada, segundo os ditames da boa fé, a fixar o preço devido e a facturá-lo de acordo com a energia efectivamente consumida, medindo-a com rigor e aplicando a tal medida a tarifa acordada, mas que assim não procedeu, deixando decorrer quase oito anos para detectar uma falha do equipamento de medição, do qual tinha o dever de vigilância e fiscalização.
Vejamos os factos relevantes para a decisão desta questão, além de que a recorrente, tal como a sua antecessora, como é notório, exploravam uma vasta rede de distribuição de energia eléctrica, não só plano da localização do mercado como também no plano do número de clientes.
Um novo posto de transformação da recorrida foi ligado antes de Julho de 1991, para abastecimento das suas instalações, com as mesmas características do anterior, incumbindo à recorrente, em exclusivo, zelar e conservar os equipamentos de contagem existentes naquele, sendo que esta não podia neles intervir.
Uma bobine de tensão do contador de energia activa encontrava-se queimada, o que determinava que o contador apenas registasse dois terços da energia consumida.
Entre 1989 e 1991 a recorrida investiu em nova maquinaria, mais moderna, introduzindo novos métodos de produção, que podiam permitir, consoante a sua utilização, menor consumo de energia.
A energia facturada entre Setembro de 1991 e Maio de 1999 era insuficiente para manter a instalação da recorrida em funcionamento, e a última conhecia a potência da sua maquinaria.
No dia 26 de Abril de 1999, uma brigada efectuou uma vistoria às instalações e ao posto de transformação, altura em que detectou não estar a ser contada uma das fases respectivas.
Independentemente da circunstância de a recorrida formar o preço dos seus produtos com base no custo da energia eléctrica, certo é que o preço desta, convencionado com a recorrente, interessava a ambas naturalmente, como elemento essencial do contrato entre ambas celebrado.
A recorrente, na sua posição de fornecedora de energia, dada a especificidade deste produto e a técnica que envolve a sua produção, transporte e distribuição, deve proceder à respectiva contagem e, naturalmente, à preservação e à manutenção dos equipamentos de medição nas melhores condições.
A recorrente era, efectivamente, responsável pela conservação das instalações de distribuição e pela medição da energia e da pauta a tarifar (artigos 11º e 17º do Decreto-Lei nº 43 335, de 19 de Novembro de 1960, e 68º do Decreto-Lei nº 182/95, de 27 de Julho).
Todavia, daí não resulta, só por si, como é natural, a sua obrigação de indemnização invocada pela recorrida no confronto da recorrente. Há, naturalmente de ter em conta o quadro de facto disponível face às normas jurídicas aplicáveis.
São factos notórios os que são do conhecimento geral ou judicial (artigo 514º do Código de Processo Civil).
Inexiste fundamento para que se considere de notoriedade geral, não podendo considerar-se como tal, face a tal critério económico e empresarial, em relação à generalidade dos cidadãos medianamente informados, a circunstância de a recorrida fazer repercutir no preço dos produtos fabricados os custos da energia consumida.
Resulta dos factos provados que os representantes da recorrente ignoraram, até que foi realizada uma vistoria ao posto de transformação da recorrida, o irregular funcionamento do equipamento de medida, e por virtude dessa ignorância, a primeira deixou de receber o que lhe era realmente devido pela última.
Há, na realidade um erro de facto sobre o regular funcionamento do mencionado instrumento de medida da energia eléctrica, e estamos perante uma relação jurídica envolvente de duas empresas organizadas, a primeira com a amplitude de mercado acima referida em território e clientes.
A recorrida, conhecedora da energia necessária ao seu funcionamento e que a facturada era insuficiente para o efeito, poderia autonomamente, isto é pelos seus próprios meios, não obstante não poder operar sobre o seu posto de transformação, conhecer do respectivo consumo de energia eléctrica e, consequentemente, alertar a recorrente da mencionada vicissitude.
Perante este quadro, a conclusão no que concerne aos agentes e representantes da recorrente, isto é, em relação a esta, é no sentido de que se está perante um erro de facto desculpável.
Acresce que, tendo presente a natureza da relação jurídica duradoura que se desenvolveu entre a recorrente e a recorrida por virtude do contrato que celebraram, a incumbência de contagem da energia eléctrica, é insusceptível de ser configurada como um dever acessório de conduta dele derivado.
É que os deveres acessórios de conduta a que lei se reporta, designadamente os derivados da boa fé, têm vista, conforme acima já se referiu, actuações de lealdade e de colaboração, na celebração dos contratos e na sua execução, de molde a não afectarem ou prejudicarem a contraparte.
O que aconteceu no caso vertente foi uma ocorrência estranha à normalidade das coisas, em que a recorrente, na relação jurídica em causa, ficou com o seu direito de crédito negativamente afectado, por não se ter realizado o equilíbrio das prestações pressuposto do contrato que celebrou.
Os deveres acessórios de conduta derivados para a recorrente do mencionado contrato que celebrou com a recorrida não iam para além da realização pontual da obrigação de fornecimento da energia eléctrica na espécie convencionada e para o fim pela última pretendido.
Tendo em conta o ocorrido, a que acima se fez referência, inexiste fundamento legal, ao invés do que foi entendido no acórdão recorrido, para se concluir ter a recorrente violado algum dever de conduta, incluindo o de boa fé, antes foi penalizada pelo seu próprio erro, na medida em que não realizou oportunamente o seu direito de crédito.
Assim, não cometeu a recorrente algum facto ilícito contratual censurável do ponto de vista ético-jurídico, pelo que não está legalmente vinculada a indemnizar a recorrida de algum prejuízo que eventualmente lhe tenha resultado de não ter imputado no preço dos seus produtos o custo da energia eléctrica que, por erro da primeira, não lhe foi pontualmente facturada.
6.
Vejamos, ora, a problemática do dano ou prejuízo dito sofrido pela recorrida por virtude do erro de contagem da energia eléctrica da recorrente.
Tendo em conta o que se deixou expresso – falta de ilícito contratual culposo relativo à obrigação principal e a qualquer dever acessório de conduta - prejudicada está a análise da problemática aqui enunciada (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).
Dela não conhecemos, pois, ou seja, da questão de saber se os factos provados revelam ou não a existência do dano, designadamente a quantidade dos produtos produzidos e vendidos pela recorrida no referido período, o preço global da vendas realizadas, o lucro efectivamente obtido e o que ela obteria se tivesse aumentado preço dos aludidos produtos em função do valor integral da energia eléctrica consumida, em termos de se justificar a aplicação na espécie do disposto no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil.
7.
Finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Não está em causa no recurso a condenação da recorrida no pagamento à recorrente da quantia determinada pela Relação, porque dessa parte a última não recorreu (artigos 676º, nº 1, 677º e 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Está excluído do âmbito do recurso de revista o segmento decisório da Relação relativo ao recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da primeira instância que indeferiu a requisição de documentos à parte contrária, porque dessa matéria não era admissível recurso autónomo para este Tribunal.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por contradição entre os respectivos fundamentos e decisão.
A recorrente e a recorrida celebraram um contrato atípico de fornecimento de energia eléctrica, com elementos de contrato de compra e venda e de prestação de serviços.
O défice de contagem da energia eléctrica consumida pela recorrida, por parte da recorrente, por virtude de deficiência do equipamento de medida, exclusivamente gerido pela última, é insusceptível de ser qualificado de violação de algum dever acessório de conduta, incluindo o de boa fé.
Como não pode ser imputada à recorrente, por virtude do seu erro sobre a regularidade do funcionamento do aludido equipamento de medida, a prática de acto ilícito culposo contratual, não deve ser responsabilizada pelo eventual prejuízo da recorrida derivado da não imputação no custo dos produtos que fabrica, para apuramento do respectivo preço, do valor da energia eléctrica não facturada oportunamente pela primeira.
Prejudicado está, por isso, o conhecimento da subquestão de saber se os factos provados revelam ou não o dano em termos de se relegar para liquidação posterior a sua quantificação.
Não podia proceder, por isso, o pedido reconvencional formulado pela recorrida, pelo que procede o recurso de revista.
Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dando provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido na parte que condenou a recorrente no pagamento à recorrida do pedido formulado a título reconvencional, e condena-se a última no pagamento das custas respectivas, mantendo-se no mais o conteúdo do acórdão recorrido.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008.
Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045234
Data do Acordão:28/07/1999
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO ADMINISTRATIVO
ACTO NULO
PEDIDO
PRAZO
RECURSO CONTENCIOSO
Sumário:I - A norma do n. 3 do art. 79 da LPTA é também aplicável aos casos em que o acto recorrível seja nulo.
II - É que se assim não fosse, e porque o acto nulo é, em regra, impugnável a todo o tempo, o interessado, uma vez obtida a suspensão de eficácia, bem poderia poupar-se à interposição do recurso, o que
é manifestamente inaceitável.
III - Assim, o prazo máximo que o requerente dispõe para pedir a suspensão de eficácia de um acto ao tribunal é de dois meses, independentemente da sua anulabilidade ou nulidade.
Nº Convencional:JSTA00052931
Nº do Documento:SA219990728045234
Data de Entrada:25/06/1999
Recorrente:PALMA , LEONOR
Recorrido 1:MINAPA
Votação:UNANIMIDADE
Ano da Publicação:99
Privacidade:01
Meio Processual:SUSPEFIC.
Objecto:DESP MINAPA DE 1993/09/22.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO SUSPEFIC.
Legislação Nacional:LPTA85 ART28 N1 A ART29 N1 ART76 N1 ART77 N1 B ART79 N3.
CPA91 ART133 N2 A.
Referência a Doutrina:JOÃO CAUPERS E OUTRO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO PAG182.
Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031608
Nº Convencional: JTRP00029891
Relator: ALVES VELHO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP200101250031608
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CIV V CONDE
Processo no Tribunal Recorrido: 421/99
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ART660 N2 ART668 N1 D.
Sumário: I - Há omissão de pronúncia quando o juiz não conhece de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras.
II - Para concretizar e delimitar as "questões" há que atender aos fundamentos da acção, tendo em conta não só os pedidos como as causas de pedir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f25a67bc6106d75080256f88003d79f6?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031791
Nº Convencional: JTRP00029887
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
DESCOBERTO BANCÁRIO
CHEQUE
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP200101250031791
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J VALONGO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 339/98
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO.
DIR ECON - DIR BANC.
Legislação Nacional: CCOM888 ART346.
LUCH ART32 N1.
Sumário: I - Passando o montante de um cheque depositado a fazer parte da provisão da conta em que foi efectuado o depósito, o levantamento posterior de quantia (inferior àquele montante) é proveniente dos fundos disponíveis e não de qualquer empréstimo (descoberto em conta).
II - A tal não obsta o facto de o sacador do cheque o ter revogado (antes do fim do prazo de apresentação), uma vez que este facto não impedia o banco sacado de pagar o cheque.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227fccd79c15587880256f82004da8c0?OpenDocument |
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031337
Nº Convencional: JTRP00030868
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
EMBARGOS DE EXECUTADO
CHEQUE
FALTA
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
EXEQUIBILIDADE
Nº do Documento: RP200101250031337
Data do Acordão: 25/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG192
Tribunal Recorrido: 2 J CIV V CONDE
Processo no Tribunal Recorrido: 224-A/99
Data Dec. Recorrida: 02/06/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART46 C ART45 N1.
LULL ART29 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 2000/02/29 IN CJSTJ T1 ANOVIII PAG124.
AC RC DE 2000/06/27 IN CJ T3 ANOXXV PAG37.
Sumário: O cheque que não foi apresentado a pagamento não pode titular execução se dele não consta a razão determinante da sua emissão nem tal foi alegado no requerimento inicial do processo executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
Em 19.05.1999, no Tribunal Judicial da comarca de Vila do Conde, Stella ............. intentou execução, contra Adelina ...................., para pagamento de quantia e esc. 2.823.835$00, acrescida de juros vincendos, à taxa de 7%, desde 28.04.99 até efectivo pagamento.
Apresentou, como título executivo, o cheque junto por fotocópia a fls. 130 e alegou que, nesse “documento particular”, a executada se reconhece devedora à exequente, desde 31.01.99, da importância de esc. 2.750.000$00 e que os juros já vencidos ascendem a esc. 73.835$00.
A executada deduziu oposição por embargos alegando, designadamente, que a execução deveria ser suspensa por terem sido pedidos juros vencidos e a exequente não ter feito prova da apresentação da declaração de IRS; que há perda do direito de acção por falta de apresentação do cheque a pagamento ao banco sacado; que o cheque não contém virtualidade executiva, uma vez que é passível de dúvida quanto ao seu montante, pois que há contradição entre o montante numérico e o montante por extenso; e que o cheque teve apenas a função de garantia de um empréstimo de esc. 2.500.000$00 contraído por uma irmã da embargante.
A exequente contestou os embargos, dizendo, em síntese, não haver fundamento para a suspensão da instância; que o cheque foi dado à execução enquanto documento quirógrafo, sendo título executivo nos termos da actual redacção da al.c) do art. 46º do CPC; e que o empréstimo foi feito à própria embargante, tendo o cheque sido emitido “como garante”.
No despacho saneador, a Sra Juíza a quo decidiu:
- não haver lugar à suspensão da instância, por os arts. 280º, 281º e 282º do CPC terem sido revogados;
- que a circunstância de o cheque não ter sido apresentado a pagamento ao banco sacado não lhe retirou a sua força executiva; e
- que a discrepância entre o montante numérico e o montante por extenso não punha em causa a existência do título executivo ou destruía a sua força executiva, apenas contendendo com o montante da obrigação exequenda (matéria cuja apreciação se relegou para sentença).
Inconformada, interpôs a embargante recurso, que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo, mas nesta Relação alterado para apelação, com o referido efeito.
A embargante formulou as seguintes conclusões:
1. Sustentando-se o pedido executivo apenas na relação cartular espelhada no cheque, este determina o fim e os limites da acção executiva;
2. Constando do cheque “cruzado”, emitido em 31.1.99, a ordem da executada – “B....., pague por este cheque a quantia de ... a Stella ...........” – se esta não apresenta sequer o cheque a pagamento no indicado banco, desrespeita o acordo ou convenção cartular, condição prévia da excução;
3. Um cheque, para além de conter uma declaração geral de dívida incluída na ampliação do elenco dos títulos executivos do art. 46º, al. c) do CPC (nova redacção), não deixa de ser uma declaração especificamente regulada numa lei especial (LUC), objecto de convenção internacional, pelo que a reforma de 1995, quanto ao art. 46º, al. c) do CPC, não visou alterar os normativos próprios da LUC, que se mantêm em vigor.
4. Não tendo a exequente posto à cobrança o cheque nos 8 dias seguintes à sua emissão ou não o tendo sequer posto à cobrança no banco, como se verificou, perde o direito à acção executiva, nos termos do art. 29º da LUC, sem prejuízo de, obviamente, o crédito incorporado no cheque e causal da sua emissão não se extinguir, mas só por outra via poderá ser cobrado.
5. Sem prescindir,
Face àquela prescrição, com vista a conferir virtualidade executiva, sempre seria exigido à exequente a alegação da relação causal da obrigação no requerimento inicial, ainda que a título subsidiário.
6. Alegando na Pi apenas a relação cartular (cheque), o montante nele impresso deve ser claro e inequívoco – o que não acontece se existe contradição entre o montante numérico e o montante por extenso.
7. Não tendo sequer a exequente alegado na Pi executiva por que razão optou pelo pedido de 2.750.000$00 ( e não 2.000.750$00), há lugar à incerteza do crédito exequendo, em violação do art. 802º doo CPC.
8. Tendo a exequente feito um pedido de juros – rendimento este sujeito a IRS – e não tendo exibido duplicado ou certidão de apresentação da respectiva declaração fiscal, a Pi não poderá ser atendida, nos termos do art. 127º do CIRS em vigor.
Pede se revogue a decisão recorrida e se absolva a executada embargante do pedido executivo.
Contra-alegou a embargada, pugnando pela confirmação daquela decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
A situação da facto a ter em consideração é a descrita na parte inicial do antecedente relatório, havendo apenas a acrescentar o seguinte:
- No título dado à execução (cheque cruzado) consta, em algarismos, a importância de esc. 2.750.000$00 e, por extenso, dois milhões setecentos e cinquenta escudos;
- Dele consta, como sacadora, a executada/embargante.
- Tal cheque não foi apresentada a pagamento ao banco sacado.
III.
Como é sabido, o âmbito do objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).
Face a elas, temos que as questões a apreciar são as seguintes:
- se há razão para a suspensão da instância;
- se, atenta a divergência entre a importância numérica e por extenso constante do título (cheque) dado à execução, o mesmo tem, ou não, virtualidade executiva;
- se, apesar de não apresentado a pagamento ao banco sacado, o cheque em causa pode ser considerado título executivo.
A) Quanto à primeira questão:
Segundo a embargante, impunha-se a suspensão da instância dado que a exequente formulou um pedido de juros vencidos e não fez prova da apresentação da declaração de rendimentos (IRS), sendo que, nos termos do art. 127º do CIRS, “as petições relativas a actos susceptíveis de produzir rendimentos sujeitos a este imposto não poderão ter seguimento ou ser atendidas perante qualquer autoridade (...) sem que o respectivo sujeito passivo faça prova da apresentação da declaração (...)”.
Também o art. 281º do CPC estatuía que não podia ter seguimento qualquer acção em que se pedissem juros sem que no processo constasse que se achava feito o respectivo manifesto.
Sucede, contudo, que este art. 281º, bem como o art. 282º, foram revogados na reforma processual operada pelos D.L. nº 329-A/95 e 180/96, tendo também sido dada nova redacção ao art. 280º, o qual passou a prescrever que “não obsta ao recebimento ou prosseguimento das acções (...) a falta de demonstração pelo interessado do cumprimento de quaisquer obrigações de natureza tributária que lhe incumbam (...)”.
Como se escreveu no preâmbulo do citado DL nº 329-A/95, porque o direito de acesso aos Tribunais envolve a “eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito”, procedeu-se, designadamente, “à revogação dos preceitos que, no regime vigente, condicionam o normal prosseguimento da instância e a obtenção de uma decisão de mérito, ou o uso em juízo de determinada prova documental, à demonstração do cumprimento de determinadas obrigações tributárias (...)”.
Vê-se, pois, quer pelo novo texto do art. 280º, quer pelo fim visado pelo legislador, que foi intenção inequívoca deste (art. 7º, nº 2 do CC) revogar qualquer norma - ainda que especial, como o art. 127º do CIRS - que constitua obstáculo à prossecução daquele desiderato.
Assim sendo, resta concluir que não procede o invocado fundamento para a suspensão da instância.
B) Segunda questão:
Alegou a embargante que o cheque não tem virtualidade executiva, “uma vez que o seu conteúdo é contraditório, quanto ao montante numérico (2.750.000$00) e ao montante por extenso (dois milhões setecentos e cinquenta escudos)”.
Entendeu-se, na decisão recorrida, que tal divergência não se repercute ao nível da exequibilidade do título, apenas podendo colocar em crise o montante da obrigação exequenda, tendo-se remetido para final a apreciação desta questão.
Ora – e independentemente da decisão dada pelo tribunal a quo relativamente ao montante da obrigação, questão que não cabe aqui apreciar, porque fora do objecto do recurso – diremos que não seria por existir divergência entre a importância expressa por extenso e em algarismos que o cheque perderia a sua força executiva.
Para assim concluir basta atentar no que dispõe o art. 9º - I da Lei Uniforme sobre Cheques, segundo o qual, havendo aquela divergência, o cheque vale “pela quantia designada por extenso”.
Deste modo, e se outras razões não houvesse em contrário, o cheque em causa valeria, e seria título executivo, pela importância de dois milhões setecentos e cinquenta escudos.
C) Quanto à última questão:
Dispõe o art. 29º, I, da LUC, que “o cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias”.
A apresentação do cheque a pagamento dentro desse prazo constitui um requisito de exequibilidade, como tem sido decidido pela nossa jurisprudência (por todos, Acs. do STJ, de 14.6.83, 4.5.99 e 29.2.2000, BMJ, 328º-599, CJ/STJ, 1999, II, 82 e CJ/STJ, 2000, I, 124).
No caso sub judice, o cheque em causa não foi apresentado a pagamento, nem naquele nem noutro prazo, pelo que é evidente que o mesmo, enquanto título cambiário, não pode servir como título executivo.
A questão que se coloca é a de saber se, apesar dessa falta de apresentação a pagamento, tal cheque pode ser considerado como título executivo, agora enquanto mero quirógrafo ou simples documento particular (não cambiário), à luz do art. 46º, al. c) do CPC.
Nos termos desta última disposição legal, com a redacção dada pela reforma processual de 95/96, podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º (...)”.
O documento particular é, pois, título executivo, quer quando formaliza a constituição de uma obrigação, quer quando o devedor nele reconhece uma dívida preexistente (Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código revisto, 2ª ed., pág. 51).
Recentemente, em acórdãos de 4.5.99 e 29.2.2000, já acima citados, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se negativamente sobre aquela questão.
A esse propósito, escreveu-se naquele último aresto: “É certo que, com tal reforma, optou-se «pela ampliação significativa do elenco dos títulos executivos», como se escreve no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro. Simplesmente, como o cheque já era título executivo, «não esteve na mente, nem nos propósitos do legislador, alterar a Lei Uniforme Sobre os Cheques», nem bulir no regime aí consagrado, pelo que não se assistiu a uma modificação dos requisitos necessários para que um cheque possa ser considerado título executivo”.
Cremos ser de seguir a doutrina do Supremo (em sentido contrário, porém, vd, p. ex., Ac. da RC, de 27.6.2000, CJ, 2000, III, 37).
Não nos parece, na verdade, que o legislador haja querido atribuir força executiva a um cheque que não obedece aos requisitos para tanto exigidos pela LUC. Tal traduzir-se-ia, na prática, na revogação de uma Convenção Internacional.
Por outro lado, é de notar que um requisito de fundo para que os documentos particulares constituam títulos executivos é que “importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”.
Porque assim, um cheque, enquanto simples quirógrafo, para ter força executiva teria que conter aquela constituição ou reconhecimento, ou seja, a obrigação de pagamento de quantia determinada ou determinável.
Ora, um cheque, como o dos autos, apenas enuncia ou contém uma ordem de pagamento. Por si só não constitui ou reconhece uma obrigação pecuniária, tanto mais que dele não consta a razão da ordem de pagamento (vd. Ac. do STJ, de 29.2.2000, já citado, e Acs. da RC, de 9.3.99 e 27.6.2000, CJ, 1999, III, 18 e 2000, III, 37). E, se é certo que a função normal de um cheque é a do pagamento, pode ele ser emitido por outras causas, v. g. a de garantia de cumprimento de uma obrigação, como, de resto, terá sucedido com o cheque dos autos (a função de garantia foi alegada no art. 12º da petição de embargos e expressamente admitida no art. 9º da contestação).
Segundo Lebre de Freitas, ob. cit, pág. 54, no caso de títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, e emergindo esta dum negócio jurídico não formal, “a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458º-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução e poder ser impugnada pelo executado (...).
Aplicando tal doutrina ao caso dos autos, teríamos que o cheque dado à execução valeria como título executivo caso a exequente tivesse alegado, no requerimento executivo, a relação subjacente ou causal (a necessidade dessa alegação não existe na obrigação cambiária ou cartular, caracterizada pela literalidade e abstracção).
Salvo o devido respeito, julgamos não ser essa a melhor doutrina.
Com efeito, como dispõe o nº 1 do art. 45º do CPC, é pelo título que “se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
No dizer de Anselmo de Castro, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, ed. de 1970, pág. 10, o título executivo “é condição necessária da execução, na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção não podem ser praticados senão na presença dele (...)” e “ (...) condição suficiente da acção executiva, no sentido de que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução (...)”.
Para que o cheque, enquanto mero quirógrafo, constituísse título executivo, deveria importar, por si só, a constituição ou reconhecimento da obrigação pecuniária (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.2.2000 e da RC, de 27.6.2000, acima citados). O que não é o caso.
Seja como for, o certo é que, no caso dos autos, pese embora dos termos do requerimento executivo (maxime do seu art. 1º) se deva aceitar que a exequente se terá querido valer do cheque emitido pela executada não como título cambiário, mas apenas enquanto mero quirógrafo, daquele cheque não consta a razão determinativa da sua emissão, nem, tão-pouco, tal foi alegado no requerimento inicial da execução.
Assim sendo, e qualquer que fosse a corrente, das referidas, que se perfilhasse ou perfilhe, sempre se chegaria à conclusão que o documento dado à execução não constitui um verdadeiro título executivo.
Nesta conformidade, terão os embargos de proceder.
IV.
Em face do exposto, e na procedência da apelação, revoga-se o despacho saneador na parte em que julgou que o documento dado à execução revestia força executiva e, consequentemente, decidindo-se que tal documento não pode ser considerado título executivo, julgam-se procedentes os embargos e extinta a execução.
Custas, em ambas as instâncias, a cargo da recorrida.
Porto, 25 de Janeiro de 2001
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0041083
Nº Convencional: JTRP00031319
Relator: DIAS CABRAL
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP200101240041083
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 V CR PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 56/00
Data Dec. Recorrida: 15/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. ALTERADA A INCRIMINAÇÃO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 15/93 DE 1993/01/22 ART25 A.
CP95 ART50 ART71.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/10/08 IN CJSTJ T3 ANOVI PAG188.
AC STJ IN PROC43875 DE 1993/03/18.
Sumário: I - Integra o crime de tráfico de menor gravidade da previsão do artigo 25 alínea a) do Decreto-Lei n.15/93, de 22 de Janeiro, a conduta do arguido a quem foi apreendida uma saca de plástico contendo 16 embalagens de heroína com o peso líquido de 7,564 gr, o qual tinha perfeito conhecimento da natureza e características desse estupefaciente que detinha.
II - É considerado pessoa séria e bem comportado, reformado por invalidez, sendo que na busca domiciliária efectuada à sua residência nada de ilícito foi encontrado, não se tendo dado como provado que se dedicasse ao comércio de heroína ou ao seu consumo e que a apreendida fosse para vender; tinha 47 anos de idade, e já sofrera condenação por crime de condução sob o efeito de álcool.
III - Face a tal circunstância justifica-se a sua condenação na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspenso na sua execução pelo período de 3 anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0041184
Nº Convencional: JTRP00031213
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
RECURSO
ADMISSIBILIDADE
OBJECTO DO PROCESSO
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
QUALIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP200101240041184
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CR GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recorrido: 103/00
Data Dec. Recorrida: 07/06/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP95 ART288 ART289 ART291 N2 ART292 N2 ART303 N1 ART358 N1 N3 ART400 N1.
Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1998/02/03 IN CJ T1 ANOXXIII PAG149.
AC RC DE 1999/09/05 IN CJ T4 ANOXXIV PAG57.
Sumário: I - É inadmissível o recurso tendente às diligências de prova requeridas pelo assistente na fase de instrução, por decorrer de decisão dependente da livre resolução do tribunal.
II - Não está vedada ao juiz de instrução a inclusão na pronúncia de factos que tenha por indiciados e que não constem da acusação ou do requerimento para a abertura de instrução, desde que tais factos não constituam alteração substancial da acusação ou daquele requerimento do assistente, assim como não lhe está vedada a supressão de factos que constem daquelas peças processuais e que entende não indiciados e bem assim a própria rectificação dos factos.
III - Pode o juiz de instrução alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou no requerimento do assistente para abertura de instrução, desde que tal alteração seja comunicada ao arguido nos termos dos artigos 303 n.1 e 358 ns.1 e 3 deste Código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011229
Nº Convencional: JTRP00031332
Relator: COSTA MORTÁGUA
Descritores: TESTEMUNHA
NOTIFICAÇÃO POSTAL
FORMALIDADES
Nº do Documento: RP200101240011229
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESPINHO 2J
Processo no Tribunal Recorrido: 114/00
Data Dec. Recorrida: 01/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP98 ART111 N1 B ART112 N1 N3 B ART113 N1 A N2 ART116 N1.
Sumário: Não tendo a pessoa indicada como testemunha recebido o aviso postal simples (o sobrescrito devolvido pelos CTT (Correio de Portugal) referencia "desconhecido, endereço insuficiente, carece de nome de rua e número") não poderá, em circunstância alguma, ser considerado notificado e, por faltoso, condenado em multa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0010970
Nº Convencional: JTRP00031345
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
MEIOS DE PROVA
TESTEMUNHAS
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
DEPRECADA
RECUSA DE CUMPRIMENTO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200101240010970
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG228
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Indicações Eventuais: O CONFLITO FOI SUSCITADO ENTRE O T I CR PORTO 1J E O T J STA MARIA FEIRA.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP98 ART34 N1 ART35 ART36 ART111 ART121 ART318 N1 A C.
CPC95 ART177 N4 ART184.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1991/10/16 IN DR I-S 1991/11/22 E RPCC T2 ANO2 PAG253.
AC STJ DE 1988/06/01 IN BMJ N378 PAG606.
Sumário: Quando o tribunal deprecado não invoca como fundamento da sua recusa ao cumprimento da carta precatória a falta de competência para o acto requisitado, antes a reconhece implicitamente ao decidir que, apesar de a possuir ou deter, a requisição não pode ser atendida por se referir a acto que a lei interdita, tal situação não configura um conflito de competência, mas sim afim desta para efeitos de integração na categoria dos "quaisquer outros conflitos", a que se refere o corpo do artigo 121 do Código de Processo Civil, merecendo o mesmo tratamento que os conflitos de competência ou de jurisdição propriamente ditos, cuja resolução cabe ao tribunal superior.
O tribunal deprecado não tem competência para conhecer da legalidade ou ilegalidade do despacho do juiz deprecante, que ordenou o acto; pelo que não pode negar cumprimento à carta com fundamento numa razão de direito que o tribunal deprecante arredou.
Durante a fase de instrução não obsta a que o juiz de instrução depreque a outra comarca a inquirição de testemunhas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Relação do Porto:
I
1. Nos autos em referência, requerida a abertura da instrução pelos arguidos José .............. e António .........., o Senhor Juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto determinou, sob requerimento daqueles, remessa de carta precatória para inquirição de duas testemunhas, ao Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira (fls. 4, destes autos recursais).
2. Remetida a carta, o Senhor Juiz do Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira, lavrou Despacho do seguinte teor:
«A fase da Instrução não comporta a expedição de Carta Precatória. Mesmo que assim se entenda, a sua expedição tem de obedecer às regras do art. 318.º n.º 1, al. a) a c), do CPP. Ora, isso não se encontra demonstrado. Assim, por não existir, em nossa opinião, fundamento legal para a sua expedição, devolva ao Tribunal Deprecante» (fls. 9).
3. Vieram então de novo os autos ao Senhor Juiz do TIC, que proferiu despacho do seguinte teor (no segmento que aqui importa):
«(...) Salvo o devido respeito, não partilho da opinião do Ex.mo Colega do 2.º Juízo Criminal da comarca de Santa Maria da Feira.
O CPP, no seu art. 11.º (para onde, inclusive, remete o art. 318.º), no Livro II, “Dos actos processuais”, estabelece que a comunicação dos actos processuais entre autoridades judiciárias se efectua mediante carta, quando se tratar de acto a praticar fora dos limites da competência territorial da entidade que proferir a ordem, denominando-se precatória quando a prática do acto em causa se confinar dentro dos limites do território nacional.
Esta norma está inserida na Parte Geral do CPP e, por isso (é) aplicável a qualquer das fases do processo.
Daí que o legislador não teve necessidade de, nem no inquérito nem na instrução, prever a possibilidade de expedição de cartas precatórias, já que tal possibilidade resulta daquela norma geral, a qual no entanto já não se aplica na fase do julgamento porque nessa fase foi intenção do legislador restringir a expedição de cartas precatórias a determinadas situações, especificando-as – cfr. art. 318.º, do CPP.
Por esta última norma citada ter carácter excepcional, não poderá ser aplicada por analogia, como fez o Ex.mo Colega do 2.º Juízo Criminal da comarca de Santa Maria da Feira.
É que, na fase de julgamento, onde vigora por excelência o princípio da imediação, intimamente ligado ao princípio da oralidade, as provas são produzidas oralmente na audiência, implicando que a decisão jurisdicional só possa ser proferida por quem tenha assistido à produção dessas provas.
Ao contrário, na fase da instrução, a produção da prova é toda ela reduzida a escrito, com excepção do debate instrutório que, necessariamente, reveste forma oral e contraditória – art. 298.º, do CPP –não se fazendo aí sentir, por isso, aquele princípio da imediação.
Também dos arts. 290.º n.º 2 e 291.º n.º 2, do CPP, não resulta a impossibilidade de uso de cartas precatórias, apenas estabelecendo que actos de instrução devem ser praticados pelo juiz, não podendo ser delegados nos órgãos de polícia criminal.
Assim sendo, entendo ser o Ex.mo Colega competente para efectuar a diligência solicitada.
Verifica-se por isso uma situação que só poderá ser resolvida através do conflito negativo de competência (art. 34.º do CPP), que cumpre suscitar, nos termos do disposto no art. 35.º, do mesmo diploma, junto do Tribunal da Relação do Porto. (...)» (fls. 121/122).
4. Ambos os referidos despachos transitaram em julgado (fls. 21).
5. Os arguidos, requerentes da expedição da carta precatória, apresentaram alegações, propugnando pelo cumprimento daquela.
6. Subidos os autos a esta Relação, determinou-se o cumprimento do disposto no art. 36.º n.ºs 2 e 4, do CPP.
7. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o conflito deve ser resolvido no sentido de considerar que o Senhor Juiz deprecado deve proceder à inquirição solicitada.
II
8. Importa, antes de mais, discernir se estamos em presença de um conflito de competência.
Dispõe, a este respeito, o art. 34.º n.º 1, do CPP, que «há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».
Assim, o conflito de competência prevenido, maxime, nos arts. 34.º a 36.º, do CPP, supõe duas decisões opostas, de tribunais diferentes, sobre a competência do tribunal para o conhecimento da causa.
Quando, como no caso dos autos, o tribunal deprecado não invoca como fundamento da sua recusa ao cumprimento da carta precatória a falta de competência para o acto requisitado, antes a reconhece, implicitamente, ao decidir que, apesar de a possuir ou deter, a requisição não pode ser por ele atendida por se referir a acto que a lei interdita, não se verifica um tal conflito [Vd., neste sentido, Acórdãos, do STJ, de 16-10-91 (Pleno das Secções Criminais), no D.R. I, de 22-11-91, anotado, por M. Simas Santos, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 2, 2.º tomo, pp. 253 e ss. e, de 1-6-88, relatado pelo Senhor Cons.º Manso Preto, no BMJ 378-606 e ss., que nesta decisão se segue de perto.] - cfr. arts. 184.º e 185.º, do CPC.
9. Não se estando, porém, em face de um conflito de competência, deparamos com um impasse, formado por posições opostas de dois tribunais que recaem, não sobre matéria de competência, mas antes sobre matéria de legalidade acerca da requisição do acto deprecado.
Uma tal situação tem de considerar-se afim daquela, para efeitos de integração na categoria dos «quaisquer outros conflitos», a que se refere o corpo do art. 121.º, do CPC [Neste sentido, vd. José Lebre de Freitas et alia, no Código de Processo Civil, anotado, I, Coimbra Editora, 1999, pp. 216 e ss. e José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, I, 1960, 383 e ss.. ], merecendo o mesmo tratamento que os conflitos de competência ou de jurisdição propriamente ditos, cuja resolução cabe a esta Relação.
10. Resta averiguar se o tribunal deprecado, ao recusar o cumprimento da carta, procedeu, ou não, de harmonia com a lei.
E a lei ( arts. 184.º, do CPC [Não importam, para o caso, os comandos constantes do art. 185.º, do mesmo CPC]), especifica, taxativamente, os casos em que o tribunal deprecado pode deixar de cumprir a carta:
Se não tiver competência para o acto requisitado, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 177.º;
Se a requisição for para acto que a lei proíba absolutamente.
Como acima se deixou referido, o Tribunal de Santa Maria da Feira recusou o cumprimento da carta por entender que a fase da instrução em que foi solicitada não comporta a expedição de cartas precatórias e por a carta em causa desconsiderar as regras estabelecidas no art. 318.º n.º 1 alíneas a) e c), do CPP.
Afigura-se que um tal entendimento não pode, de todo, ser sufragado.
E bem o demonstra o Senhor Juiz deprecante, no despacho acima transcrito, cujos fundamentos têm inteiro valimento.
Com efeito, o art. 111.º, do CPP, é uma norma de carácter geral, que se aplica irrestritamente na fase de instrução, comportando apenas, na fase da audiência e por via, designadamente, do mencionado princípio da imediação, as restrições enunciadas no art. 318.º, do mesmo Código, sendo certo que esta, por ser especial relativamente àquela outra, não pode ser-lhe sobreposta.
Repare-se, por outro lado, que a mencionada alínea b) do n.º 1 do art. 184.º, do CPC, exige, para a recusa do cumprimento da carta, que se esteja em presença de acto absolutamente proibido por lei, e não de acto simplesmente proibido.
Por isso que o Prof. Alberto dos Reis adverte que a referida norma «só pode ter aplicação nos caos de interdição absoluta» [Obra citada, II, pág. 301].
A deprecada inquirição de testemunhas não é, manifestamente, em si, um acto proibido.
Por outro lado ainda, tem de salientar-se que a proibição invocada no tribunal deprecado repousa, não em circunstâncias relativas às pessoas ou aos factos, mas tão somente numa dada interpretação da lei.
Ora, como assinala o referido Mestre, o tribunal deprecado não pode sobrepor o seu veredicto ao tribunal deprecante.
«O contrário implicaria a subversão dos princípios e a inversão das posições; o tribunal ad quem tem, em regra, de acatar o pedido feito pelo tribunal a quo: a sua posição normal é a de conformidade.»
Assim, o tribunal deprecado não pode negar cumprimento à carta com fundamento numa razão de direito que o tribunal deprecante arredou.
O mesmo é dizer que o juiz deprecado não tem competência para conhecer da legalidade ou ilegalidade do despacho do juiz deprecante, que ordenou o acto.
Resta pois decidir.
III
11. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se o conflito em presença no sentido de o Senhor Juiz do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira dar cumprimento à carta precatória para inquirição de testemunhas que lhe foi remetida pelo Senhor Juiz do Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
Sem tributação.
Observe-se o disposto no art. 36.º n.º 5, do CPP.
Após trânsito, remetam-se cópias certificadas a ambos os Tribunais em conflito. Porto, 24 de Janeiro de 2001
António Manuel Clemente Lima
José Manuel Baião Papão
António Joaquim da Costa Mortágua
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011020
Nº Convencional: JTRP00031336
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CRIME DE PERIGO
PENA ACESSÓRIA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CAUÇÃO DE BOA CONDUTA
Nº do Documento: RP200101240011020
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 3 J CR BRAGA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART50 ART69 N1 A ART292.
CE98 ART142 N2.
Jurisprudência Nacional: ASS STJ N5/99 IN DR IS-A 1999/07/20.
AC RC DE 1996/11/07 IN CJ T5 ANOXXI PAG46.
AC RC DE 2000/06/14 IN CJ T3 ANOXXV PAG53.
Sumário: O crime do artigo 292 do Código Penal (condução de veículo em estado de embriaguez) é um crime de perigo abstracto, limitando-se o legislador a tipificar uma conduta que, a verificar-se, preenche, sem mais, o respectivo crime.
A proibição de conduzir veículos motorizados constitui uma pena acessória incluída entre as penas acessórias previstas nos artigos 65 e seguintes do Código Penal.
A referida pena acessória não pode ser suspensa, mesmo condicionada à prestação de caução de boa conduta, nos termos do artigo 142 n.2 do Código da Estrada, medida esta que se inscreve no regime das contraordenações estradais, inaplicável no âmbito da responsabilidade criminal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
No 3.Juízo Criminal da Comarca de Braga, submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido António... foi condenado, pela prática de um crime p. e p. no art. 292 do C. Penal:
- Na pena de 70 dias de multa, à razão diária de 1.000$00, no total de 70.000$00;
- Na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias;
- Em 1 UC de taxa de justiça, reduzida a metade, nos termos do art. 344, n.º 2, al. c) do CPP, bem como as custas do processo, com 1.759$00 de procuradoria e em 1% da taxa de justiça, nos termos do DL 423/91;
Recorreu o arguido, inconformado, finalizando deste modo, a sua motivação:
1.Provou-se que o grau de culpa do arguido é muito diminuto.
2.O arguido é primário.
3.Sendo detentor da carta de condução há mais de 13 anos, não possui antecedentes criminais, nem se tendo registado qualquer infracção às normas estradais.
4.O arguido é um condutor prudente e cumpridor das normas legais estabelecidas.
5.O crime de que vem acusado não foi mais do que um acidente na sua vida - um aniversário de um amigo.
6.O veículo automóvel é indispensável para o exercício das sua actividade, percorrendo cerca de 100Km diários.
7.Confessou os factos, sem reservas, factor importante para a descoberta da verdade.
8.Pelo que a pena aplicada satisfaz os objectivos da prevenção geral e especial.
9.Devendo a execução da sanção de inibição de conduzir ser suspensa condicionada à prestação de caução de boa conduta, nos termos do art. 142 do Código da Estrada.
O MP, na 1.ª instância e nesta 2.ª instância, defendeu a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
Prescindida a documentação, o recurso restringe-se à matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410, n.º 2 e 3 do CPP (por força do disposto nos arts. 364, n.º 1 e 428, n.º 1 e 2, todos do CPP).
Estão dados como provados os seguintes factos:
No dia 24 de Setembro de 1999, pelas 02, 38 horas, na EN 103, Ferreiros, na cidade de Braga, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-LT.
Ao ser interceptado pelos agentes da GNR, na sequência de uma operação de fiscalização de rotina e submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, acusou uma taxa de álcool igual a 1, 22 g/l.
O arguido tinha conhecimento do seu estado e mesmo assim não se absteve de conduzir o seu veículo, tendo ainda consciência da censurabilidade penal da sua conduta. O arguido é sócio gerente de pelo menos uma empresa denominada ..., Indústria Têxtil, Lda, onde aufere pelo menos um salário liquido mensal de 118.000$00 a 120.000$00.
A sua empresa tem actualmente o movimento anual de 110.000.000$00 e tem cinco trabalhadores.
É casado e tem dois filhos menores a seu cargo.
Vive em casa arrendada.
Utiliza diariamente a viatura para a sua actividade profissional.
Confessou espontaneamente os factos.
Não tem, em 13.04.00, registo de antecedentes criminais.
Não foram indicados factos não provados.
Os factos e o direito:
Não ocorrendo qualquer dos vícios do art. 410, n.º 2 e 3 do CPP, que tão pouco, foram alegados, tem-se por definitivamente assente a matéria de facto dada como provada.
Antes de mais, refira-se que, como é jurisprudência corrente desta Relação, o objecto do recurso se encontra balizado pelas conclusões da motivação do recurso.
Não está em causa o enquadramento jurídico dos factos efectuado na sentença recorrida, que se nos afigura correcto. Nem a aplicação ao arguido da pena de multa e da pena acessória de proibição de conduzir, que se nos afiguram equilibradas.
Em causa está, apenas, a não suspensão desta última, que o arguido pretende lhe seja concedida, ao abrigo do disposto no art. 142 do C. da Estrada.
Mas, sem razão.
Conforme Assento n.º 5/99, publicado no DR, I-A, de 20/07/99, “O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292 do Código Penal, deve ser sancionado, a titulo de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69, n.º 1 alínea a) do Código Penal”.
Embora a sentença recorrida, decerto por lapso, não tenha indicado a norma legal em que se baseou para aplicar ao arguido a proibição de conduzir por 45 dias, essa é, sem dúvida, a do art. 69, n.º 1 al. a) do C. Penal, nos termos do qual:
“1.É condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido:
a)Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; (...)”
A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão (cfr. n.º 2 do art. 69 do C. Penal), encontrando-se a sua execução estabelecida no art. 500 do CPP.
A proibição de conduzir veículos motorizados constitui uma pena acessória, incluída entre as penas acessórias previstas no art. 65 e ss. do C. Penal.
Dependem as penas acessórias, como é sabido, da aplicação de uma pena principal.
Controvertida é a questão de saber se pode ser suspensa a pena acessória da proibição de conduzir veículos motorizados.
Quanto a nós, perfilhamos a posição daqueles que defendem não ser autorizada tal suspensão, à luz do direito estatuído.
É a posição, de resto, majoritária.
Atende-se, nomeadamente, a que o C. Penal de 1982 admite, apenas, a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. art. 50, no texto introduzido pelo DL 48/95, de 15/03). Não prevê a lei a suspensão da proibição de conduzir veículos motorizados.
Como se considerou no douto Ac da RC de 7 de Novembro de 1996, CJ Ano XXI, Tomo V, p. 46 e ss:
“(...), enquanto a pena acessória visa, tão só, prevenir a perigosidade do agente (muito embora se lhe assinale também um efeito de prevenção geral), a pena principal tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40 do Código Penal).
Ora, se a pena acessória apenas visa prevenir a perigosidade, sendo-lhe pois alheia a finalidade de reintegração do agente na sociedade, parece-nos evidente que à pena acessória concretamente cominada ao recorrente, nunca pode ser aplicável o instituto da suspensão (art. 50 do Código Penal).
Por outro lado, certo é que a perigosidade que a pena acessória in casu visa prosseguir, está intimamente conexionada com o perigo que subjaz ao próprio facto ilícito típico de que depende a sua aplicação.
Com efeito, é o crime do art. 292 e a sua comissão pelo recorrente (consabido que a condução de veículos em estado de embriaguez constitui só por si grave violação das regras do trânsito rodoviário), que impõe e justifica a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, isto é, o perigo que imanente está àquela norma incriminatória e que a mesma pretende evitar.
Ora, o crime do art. 292 é um crime de perigo abstracto, já que, como decorre do respectivo texto, o perigo surge-nos ali como mero motivo da incriminação, renunciando o legislador a concebê-lo como resultado da acção. O perigo é pois requisito explícito da fattispecie incriminadora, limitando-se o legislador a tipificar uma conduta, a qual a verificar-se preenche, sem mais, o respectivo crime”. (Neste sentido, cfr. também, entre outros, Ac. da RC de 14/06/2000, CJ Ano XXV, Tomo III, p. 53 e ss.). É, igualmente, a posição sustentada por Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, p. 28.
Defendendo nós não poder ser suspensa a execução da proibição de conduzir veículos motorizados, logicamente, se conclui, não julgarmos, igualmente, admissível a suspensão da mesma pena acessória, condicionada, embora, à prestação de caução de boa conduta, nos termos do art. 142 , n.º 2 do C. da Estrada, medida que se inscreve no regime das contraordenações estradais, inaplicável, no âmbito da responsabilidade criminal.
Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juizes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Fixa-se em 4 UCs a taxa de justiça a pagar pelo recorrente.
Atribui-se a quantia de 12.000$00 de honorários a favor do ilustre defensor nomeado em audiência.
Porto, 24 de Janeiro de 2001
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Francisco Marcolino de Jesus
Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva
Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0010870
Nº Convencional: JTRP00031342
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: SEQUESTRO
RAPTO
CUMPLICIDADE
Nº do Documento: RP200101240010870
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J CAMINHA
Processo no Tribunal Recorrido: 103/99
Data Dec. Recorrida: 16/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART27 N1 ART158 N1 N2 ART160 N1 C D N2 A.
Sumário: I - Integra prática de um crime de sequestro previsto e punido no artigo 158 n.1 do Código Penal a actuação de um arguido que a partir do momento que chega a casa de seu filho depara com o ofendido algemado, acorrentado e vendado, situação que se devia à vontade do seu referido filho, e que no entanto aceitou, sozinho e com armas municiadas à disposição, vigiá-lo, colaborando desse modo na manutenção da situação do sequestro, tendo essa colaboração durado algumas horas.
II - Deve ser considerado cúmplice de um crime de rapto previsto no artigo 160 ns.1 alíneas c) e d) e 2 alínea a), com referência ao artigo 158 n.2 do Código Penal, o arguido que após a consumação do crime de rapto, no qual não teve qualquer intervenção, se limita a dar auxílio aos seus autores para que pudessem alcançar os objectivos que estavam subjacentes à prática desse crime, designadamente, conhecendo os factos integradores da prática desse crime, tendo aceitado, visando um ganho económico, contactar os familiares da vítima para que aqueles alcançassem tais objectivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0010952
Nº Convencional: JTRP00031343
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DE PROVA
TRANSCRIÇÃO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DE AFIRMAÇÃO
Nº do Documento: RP200101240010952
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CR MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 85/98
Data Dec. Recorrida: 01/03/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP98 ART403 ART412 N1 N3 A B N4.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1996/03/27 IN CJ T2 ANOXXI PAG235
Sumário: Incumbe ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas, a concretização destas terá de ser feita por referência aos suportes técnicos, havendo então lugar à transcrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f07824d51768654b8025808a00374644?OpenDocument |
Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:044972
Data do Acordão:28/07/1999
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:ACLARAÇÃO DE ACÓRDÃO.
Sumário:O pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da decisão proferida seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do seu autor) ou ambíguo por comportar dois ou mais sentidos).
Nº Convencional:JSTA00052285
Nº do Documento:SA119990728044972
Data de Entrada:05/05/1999
Recorrente:CEMFA
Recorrido 1:ARAÚJO , FRANCISCO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO.
Objecto:AC SUBSECÇÃO DO CA.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
Legislação Nacional:CPC96 ART669 N1 A ART716.
Aditamento:
Texto Integral
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/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d9a3124595703abf80256f880055184d?OpenDocument |
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4772
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA GERAL
AMBIGUIDADE
NULIDADE DE CLÁUSULA
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
FURTO QUALIFICADO
CASA DE HABITAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ20080207047727
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Não está afectada de ambiguidade ou nulidade a cláusula geral incluída em contrato de seguro multi-riscos habitação reportada ao conceito de furto qualificado densificado pela expressão “apropriação ilegítima de coisa alheia através de destruição ou rompimento de obstáculos, escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde ela se encontre, ou emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes que tenha deixado vestígios materiais inequívoco ou sido constatado por inquérito policial”.
2. O modo como devia ser revelada a entrada na casa de residência da recorrente por via de chaves falsas, gazua ou instrumento semelhante, incluindo a averiguação em inquérito policial, não integra o conceito de condição impossível.
3. No quadro da sua liberdade contratual, nos limites da lei, podem as partes incluir nos contratos de seguro de coisas as cláusulas que entenderem, independentemente de as haverem decalcado total ou parcialmente de normas constantes da globalidade do ordenamento jurídico, incluindo o penal, pelo que a mencionada sob 1 não está afectada de inexistência jurídica.
4. Incumprido pela segurada o ónus de prova dos factos relativos à dinâmica da entrada de outrem na sua casa de residência para cometer o furto, nos termos da referida cláusula contratual, não pode impor à seguradora que a indemnize do dano derivado da perda de coisas objecto da subtracção fraudulenta
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA intentou, no dia 13 de Outubro de 2004, contra VV - Seguros, S.A., acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 49.924,32, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos.
Fundou a sua pretensão no furto de objectos com o valor de € 49.924,32 da sua casa de residência, no dia 22 de Setembro de 2002, em contrato de seguro multi-riscos habitação celebrado com a ré e na recusa desta de lhe pagar aquele montante.
A ré, na contestação, afirmou não haver vestígios de arrombamento, pôs em causa a ocorrência do sinistro, e pediu a condenação da autora com base na litigância de má fé no pagamento da indemnização no montante correspondente a vinte unidades de conta.
A autora, na réplica, negou o afirmado pela ré relativamente ao sinistro e expressou imputar à ré a litigância de má fé.
Realizado o julgamento, as partes alegaram de direito e, no dia 19 de Janeiro de 2007, foi proferida sentença, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora a quantia de € 130, acrescida de juros de mora, relativos à substituição da fechadura da porta da sua casa e no que se liquidasse relativamente às coisas que se provassem ter sido objecto de subtracção.
Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Julho de 2007, revogou a referida sentença, absolvendo a apelante do pedido, sob o fundamento de a apelada não ter provado a entrada ilícita na sua casa de residência.
Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- é nula a cláusula que define o conceito de furto qualificado, por integrar uma condição impossível, nos termos dos artigos 12º, 15º e 20º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro;
- é uma cláusula ambígua, por modificar um conceito previsto no Código Penal, em cuja interpretação, na dúvida, nos termos do artigo 11º 20º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, deve relevar o sentido mais favorável ao aderente;
- à recorrente não podem ser impostos deveres de investigação criminal próprios das autoridades policiais e judiciais, mas tão só participar o sinistro e promover a abertura do inquérito, o que cumpriu;
- ao admitir o uso de chave falsa sem mais definições, a recorrida tem de aceitar a aplicação do conceito legal previsto na alínea f) do artigo 202º do Código Penal;
- a utilização de chave falsa, conforme conceito legal, permite a entrada em portas fechadas no trinco, sem deixar vestígios, sendo considerada chave falsa a verdadeira quando utilizada ilegitimamente;
- é materialmente impossível que a utilização de uma chave falsa deixe vestígios materiais inequívocos ou que tal facto seja constatado em inquérito por autoridade policial;
- as portas podem ser abertas por via de utilização de objectos que, deslizando pela fechadura, movimentam o trinco sem deixar vestígio;
- o não apuramento sobre se a entrada na residência ocorreu mediante chave falsa, gazua ou instrumento semelhante não permite concluir no sentido da incúria dos residentes e exoneração da responsabilidade da seguradora;
- na dúvida quando ao modus operandi do furto qualificado, como ocorreu a entrada na residência, perante a certeza da sua ocorrência, face às alíneas a) e e) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, cabe à recorrida provar os factos que a desonerem da responsabilidade de indemnizar;
- os seguros cobrem os sinistros, ainda que decorrentes de negligência, o que não ocorre no caso nem foi alegado em sede própria, pelo que a recorrida não está exonerada de responsabilidade;
- ainda que assim fosse, cabia à recorrida provar a incúria que a desresponsabilizasse do pagamento, nos termos do artigo 342, nº 2, do Código Civil;
- o conceito de furto qualificado indicado pela recorrida impõe às autoridades policiais um tipo de procedimento na condução e redacção dos inquéritos e relatórios;
- tal procedimento penaliza os segurados por a documentação emitida pelas autoridades policiais, apesar de atestar e confirmar a verificação do furto, não o fazer nos moldes que a seguradora entende adequados;
- ocorreu um furto qualificado na casa da residência da recorrente, está coberto pela apólice de seguro, e os danos devem ser objecto de indemnização, pelo que deve ser concedida revista.
Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação:
- as condições gerais do seguro multi-riscos habitação foram autorizadas pelo Insituto de Seguros de Portugal;
- o conteúdo, âmbito e delimitações da garantia de furto qualificado está padronizado e é extensível a todas as seguradoras;
- a sua amplitude é extensível a todo o acto cometido com destruição ou rompimento de obstáculos ou mediante escalamento ou utilização de outras vias não destinadas a servir de entrada natural ao local onde se encontrarem os bens cobertos ou mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes desde que a utilização destes meios tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou que tenham sido constatados por inquérito policial;
- o requisito comum para que haja enquadramento na garantia é que se verifique a destruição ou rompimento de obstáculos, mesmo no caso de utilização de chave falsa, gazua ou instrumento semelhante;
- à falta de vestígios materiais inequívocos tem de ser constatado por inquérito policial;
- há clausulado que garante situações de negligência, ma essa garantia têm em conta o interesse de terceiro, da vítima, do beneficiário e não o do próprio segurado;
- quando em casos especiais se garante a negligência, está contratualmente afastada da cobertura a negligência grave ou grosseira, pelo que não pode proceder a generalização operada pela recorrente;
- os seguros servem para providenciar o sinistrado dos danos sofridos, estimulando e reconhecendo os comportamentos diligentes e de cuidado, não dando cobertura a comportamentos de risco e irresponsáveis;
- a condição de furto qualificado e de ser constatado por inquérito policial serve para controlar as situações menos claras;
- dado o controle dispensado à actividade seguradora, que tem em conta a defesa do consumidor e dos segurados no seu conjunto, as regras pré-existentes legitimamente disciplinam e combatem acções de risco e fraudes;
- o evento tem de conter os contornos definidos na apólice portadores da sua essencialidade caracterizadora;
- o clausulado indica as provas que os segurados têm de apresentar em caso de sinistros;
- a lei não proíbe que as seguradoras condicionem a regularização do furto qualificado na gestão do seu negócio, ao que nada foi objectado pelo Instituto de Seguros de Portugal;
- não há dúvida interpretativa ou ambiguidade do clausulado e este não está em oposição ao Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro;
- não é responsável porque a recorrente não logrou provar a forma de introdução na sua residência, se mediante emprego de chave falsa, gazua ou instrumento semelhante, nem afastou a hipótese de incúria dos residentes que tenham deixado a porta encostada ou aberta, e tinha o ónus de prova, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil;
- a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do artigo 516º do Código de Processo Civil.
II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido:
1. No dia 22 de Setembro de 2000, a autora e representantes da ré declararam por escrito, consubstanciado na apólice nº 00000000, celebrarem um contrato de seguro multi-riscos habitação, com início no mesmo dia, pelo prazo de um ano e seguintes, destinado a segurar a residência da primeira, sita na Avenida ..., nº.00, 7º. Direito, Amadora, no montante de 13 000 000$ e respectivos bens móveis – conteúdo – no valor de 15 000 000$, com as demais cláusulas constantes dos documentos de folhas 15 a 16 e 83 a 100.
2. Consta das condições gerais 1.4 ser o objecto do seguro os bens móveis ou imóveis expressamente designados nas condições particulares, entendendo-se por bens móveis o conjunto dos objectos de uso pessoal e uso doméstico afectos à habitação do segurado, bem como as benfeitorias e quaisquer outros bens descritos nas condições particulares, pertencentes à pessoa segurada.
3. E o sinistro ser qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato, e como lesão material a ofensa que afecta qualquer coisa móvel, imóvel ou animal, provocando directamente um dano, e dano patrimonial o prejuízo que, sendo susceptível de avaliação pecuniária, pode ser reparado ou indemnizado.
4. Nos termos da cláusula 2.4.1., Secção I das Condições Gerais do Contrato, a ré garantia despesas ou danos sofridos nos bens seguros em consequência directa de perdas ou danos resultantes de roubo ou furto qualificado, quer o evento se tenha consumado, quer se tenha verificado a simples tentativa.
5. E da cláusula 1.4., para efeito do contrato, entende-se por furto qualificado o acto de apropriação ilegítima, para si ou para outrem, com intenção criminosa, de coisa alheia, cometido com destruição ou rompimento de obstáculos, ou mediante escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde se encontrem os bens seguros, ou mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes, desde que a utilização de qualquer destes meios tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou sido constatada por inquérito policial.
6. No dia 3 de Outubro de 2003, entre as 16 horas e as 21 horas, pessoa, ou pessoas, cuja identidade não se apurou, introduziram-se - de modo que também não foi apurado - na residência da autora referida sob 1 e apropriaram-se ou danificaram os bens, tal como se mostra descrito nas relações juntas a folhas 30 a 31, 40 a 43 e 44 a 45, que pertenciam à autora, e alguns deles também ao seu marido - não se tendo logrado apurar o valor dos mesmos.
7. No dia 3 de Outubro de 2003, a autora apresentou queixa na Esquadra da Polícia de Segurança Publica da Reboleira por furto na sua residência ocorrido nesse mesmo dia, conforme documentos de folhas 18 e 20 a 25, e, pelas 21 horas e 15 minutos, dois agentes daquela Polícia deslocaram-se à sua residência, tendo elaborado o respectivo auto de notícia, registado sob o NUIPC 1067/03.5PCAMD.
8. A brigada de investigação da Polícia de Segurança Pública, especializada em inspecções lofoscópicas, esteve na residência da autora na manhã do dia 4 de Outubro de 2003 e, concluídos os procedimentos de investigação no local, os agentes informaram-na de que poderia proceder à remoção do lixo, arrumação do imóvel e substituição da fechadura, e, nesse mesmo dia, a autora procedeu à substituição do segredo da fechadura da porta de entrada da sua residência, no que despendeu o montante de € 130,00.
9. No dia 4 de Outubro de 2003, a autora comunicou à ré que se tinha verificado um assalto à sua residência e que tinham desaparecido diversos bens, e, por fax enviado no dia 6 de Outubro de 2003, comunicou-lhe que a sua residência “tinha sido assaltada” e elencou os objectos em falta, com o respectivo valor estimado, conforme documento de folhas. 30 a 32.
10. A ré vistoriou a residência da autora no dia 9 de Outubro de 2003, e, por carta datada de 13 de Outubro de 2003, esta comunicou àquela uma descrição pormenorizada dos objectos em falta elencados no fax referido sob 7 e acrescentou outros, com o respectivo valor estimado, conforme documento de folhas 40 a 43, e, por fax enviado a 17 de Outubro de 2003, a autora comunicou à ré uma descrição pormenorizada de alguns objectos referidos na aludida carta, conforme documento de folhas 44 a 46.
11. Por carta datada de 28 de Outubro de 2003, a ré comunicou à autora que iria encerrar o processo, sem direito a qualquer indemnização, dado não existirem quaisquer vestígios que confirmem a ocorrência de sinistro válido, conforme definido nas Condições Gerais da apólice. Além disso, e ainda com base na informação dos peritos, seria extremamente difícil, para não dizer impossível, que o “sinistro” ocorresse, nos moldes em que V.ª Exa. o participou”.
12. Correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal, junto do Tribunal de Instrução Criminal, o inquérito registado com o nº. 1067/03.5 PCAMD (06), em que foi denunciante a autora, contra desconhecidos, tendo sido proferido despacho de arquivamento em 15 de Outubro de 2003.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrente tem ou não direito a exigir da recorrida o valor que dela reivindica.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida;
- está ou não a cláusula relativa ao furto qualificado afectada de ambiguidade?
- está ou não a mencionada cláusula afectada de nulidade?
- está ou não o dano da recorrente coberto pelo referido contrato?
Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos pela questão da natureza e dos efeitos do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida.
O contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento, por outra, de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco.
É um contrato consensual, porque se realiza por via do simples acordo das partes, e formal, porque a sua validade depende de redução a escrito consubstanciado na apólice a que se reporta o artigo 426º, proémio, do Código Comercial.
É essencialmente regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respectiva apólice, e, nas partes omissas, pelo disposto no Código Comercial (artigo 427º do Código Comercial).
O seguro contra riscos pode ser feito sobre a totalidade conjunta de objectos ou totalidade individual de cada objecto, sobre parte da cada objecto, conjunta ou separadamente, sobre o lucro esperado ou sobre os frutos pendentes (artigo 432º do Código Comercial).
As declarações negociais da recorrente e da recorrida constantes de II 1 a 3 integram um contrato de seguro de dano em coisas próprias, celebrado no dia 22 de Setembro de 2000, em que a última figura como seguradora e a primeira como tomadora do seguro.
O objecto mediato do referido contrato de seguro é o dano até ao montante de € 139 663,41, sendo € 64 843, 72 relativo à própria casa de residência e € 74 819, 68 concernentes às coisas móveis integrantes do respectivo recheio.
A garantia decorrente do mencionado contrato abrange as despesas ou danos sofridos nos bens seguros em consequência directa de perdas ou danos resultantes de roubo ou furto qualificado, consumado ou tentado.
As obrigações decorrentes do mencionado contrato de seguro foram para a recorrente a de pagar o prémio convencionado, e para a recorrida a de indemnizar a primeira pelo dano convencionado, verificados os respectivos pressupostos de tempo, modo e lugar.
Dir-se-á, em suma, dever a recorrida indemnizar a recorrente no caso de verificação do furto qualificado de bens móveis que se encontrassem no interior da casa de residência da última, a esta pertencentes, afectos à sua habitação e uso pessoal.
2.
Prossigamos com a subquestão de saber se a cláusula relativa ao furto qualificado está ou não afectada de ambiguidade.
Ignora-se quando foi adoptada para integrar os contratos de seguro do tipo do que está aqui em causa a mencionada cláusula.
Confrontar-se-á com a lei relativa às cláusulas contratuais gerais que estava em vigor aquando da celebração do contrato de seguro em causa, ou seja, o Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, e 249/99, de 7 de Julho.
As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (artigo 10º).
As cláusulas contratuais ambíguas têm o sentido que lhes daria um contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, e, na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente (artigo 11º).
Vejamos então, a partir dos factos provados e das considerações de ordem jurídica que antecedem se ocorre ou não o mencionado vício de ambiguidade relativamente à mencionada cláusula.
Há acordo das partes no que concerne ao teor das declarações negociais expressas no clausulado geral e particular do contrato de seguro em causa, mas não o há quanto ao seu sentido, a que a recorrente imputa a ambiguidade.
Não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, pode este Tribunal operá-la, por estar em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do Código Civil (artigos 722º, n.º 2, e 729º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º, nº 2, do Código Civil).
O sentido decisivo da declaração negocial é o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações negociais em causa foram produzidas.
No que concerne aos negócios jurídicos formais, como ocorre no caso vertente, há, porém, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).
Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.
Estamos no caso vertente perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato consubstanciado na respectiva apólice.
Na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente os termos da apólice e da lei aplicável, as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.
As declarações negociais ambíguas são aquelas que envolvem mais do que um sentido, ou seja, as que são significativamente imprecisas.
A cláusula contratual em causa expressa por um lado, entender-se por furto qualificado o acto de apropriação ilegítima, para si ou para outrem, com intenção criminosa, de coisa alheia.
E, por outro, que a apropriação deve ser cometida com destruição ou rompimento de obstáculos, ou mediante escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde se encontrem os bens seguros.
E, finalmente, mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes, desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou sido constatada por inquérito policial.
Assim, o conceito de furto qualificado constante da mencionada cláusula contratual envolve a apropriação ilegítima de coisa alheia através dos seguintes meios:
- destruição ou rompimento de obstáculos, escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde ela se encontre;
- emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes que tenha deixado vestígios materiais inequívoco ou sido constatado por inquérito policial.
Perante o referido quadro declarativo, ao invés do que é alegado pela recorrente, não ocorre a duplicidade de sentido ou ambiguidade da cláusula contratual geral em causa.
Com efeito, um declaratário normal, colocado na posição da recorrente como aderente real, ou mesmo da recorrida como proponente real, dela extrairia o único sentido que comporta, ou seja, aquele que lhe foi atribuído no acórdão recorrido.
A conclusão é, por isso, no sentido de que a mencionada cláusula não está afectada de ambiguidade.
3.
Atentemos agora sobre se a referida cláusula está ou não afectada de nulidade.
A recorrente deriva a sua conclusão sobre a nulidade, além do mais, da circunstância de se não conformar com aquilo que se prescreve na lei penal a propósito do crime de furto qualificado.
Conforme já se referiu, ignora-se quando a mencionada cláusula foi adoptada para integrar os contratos de seguro do tipo que está aqui em causa. Confrontar-se-á, por isso, com as normas da lei penal que se referem ao furto qualificado vigentes ao tempo da celebração do contrato de seguro em análise.
A recorrente invocou a nulidade da cláusula que define o conceito de furto qualificado por integrar uma condição impossível ou ambígua por modificar um conceito previsto no Código Penal, com base no disposto nos artigos 11º, 12º, 15º e 20º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Prescreve a lei penal ser furto qualificado o que incidir sobre coisa móvel alheia penetrando em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (artigo 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal).
Além disso, expressa, nas alíneas d) a f) do artigo 202º do Código Penal, ser:
- o arrombamento o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependentes;
- o escalamento a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem;
- as chaves falsas as imitadas, contrafeitas ou alteradas, as verdadeiras quando, fortuita ou sub-repticiamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar, as gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança.
Por seu turno, consta da mencionada cláusula geral, por um lado, entender-se por furto qualificado o acto de apropriação ilegítima, para si ou para outrem, com intenção criminosa, de coisa alheia.
Assim, para efeitos do contrato de seguro, a apropriação deve ser cometida com:
- destruição ou rompimento de obstáculos, ou mediante escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde se encontrem os bens seguros; ou
- emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes, desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou sido constatada por inquérito policial.
Estamos, no que concerne à concretização do furto qualificado, perante uma cláusula contratual geral elaborada sem prévia negociação individual que a recorrida subscreveu e a recorrente aceitou, pelo que se lhe aplica o disposto no Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma não nulas nos termos nele previstos, e são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé (artigos 12º e 15º).
Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, se não forem entre empresários ou entidades equiparadas, aplicam-se as proibições das secções anteriores e as constantes desta secção (artigo 20º).
No nosso ordenamento jurídico, embora a liberdade contratual releve dos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade a que se reportam os artigos 13º, 61º e 62º da Constituição, está, naturalmente, sujeita a alguns limites.
A lei ordinária consagra uma das vertentes do princípio da liberdade contratual no artigo 405º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou neles incluir as cláusulas que lhes aprouver (artigo 405º, n.º 1, do Código Civil).
O referido normativo traça logo no começo a medida da limitação do princípio da liberdade contratual, em termos de a própria fixação do conteúdo contratual estar sujeita a restrições impostas pelas exigências da boa fé, da justiça real, da parte social ou economicamente mais fraca, da moral pública e dos bons costumes.
Mas, em princípio, nada obsta a que as partes insiram no clausulado particular do contrato de seguro as declarações negociais que entenderem, desde que não contrariem o disposto em lei imperativa.
O que releva no caso vertente, porque estamos perante um contrato estritamente formal, é a interpretação das respectivas cláusulas à luz das normas substantivas que regem sobre a matéria.
A recorrente afirmou, a título de justificação da nulidade que invocou, a desconformidade da mencionada cláusula com normas penais incriminadoras do tipo de furto qualificado.
As partes, a propósito da entrada na casa por via de emprego de chave falsa, de gazua ou de instrumentos semelhantes convencionaram que deviam ter deixado vestígios materiais inequívocos.
A lei penal não exige para que se verifique o crime de furto qualificado que a mencionada acção de entrada na casa de referência por via da abertura portas ou outras estruturas com os referidos instrumentos tenham deixado vestígios materiais inequívocos, o que é natural, porque essas circunstâncias relevam essencialmente para efeitos de prova dos factos constitutivos do crime de furto qualificado.
Conforme a recorrente alegou, a abertura de uma porta através da fechadura, por exemplo por via de chaves falsas, tal como a lei penal as caracteriza para efeito de qualificação do crime de furto, pode não deixar vestígios materiais.
Referiu a recorrente, por isso, envolver a mencionada cláusula uma condição impossível.
A condição é o acontecimento futuro e incerto a que as partes subordinam a produção de efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução, e, se for impossível, física ou legalmente, é nula, se for suspensiva e inexistente se for resolutiva (artigos 270º e 271, nº 2, do Código Civil).
A condição é materialmente impossível se for desconforme com a própria natureza das coisas e jurídica se contrária à própria lei.
Na cláusula contratual geral em causa, as partes convencionaram que, para efeitos de definição do sinistro, a referida entrada por algum dos mencionados meios, se não deixasse esse tipo de vestígios, fosse averiguada em inquérito policial.
O modo como devia ser revelada a entrada na casa de residência da recorrente por via de chaves falsas, gazua ou instrumento semelhante não se integra no conceito de condição a que a lei se reporta, pelo que não faz sentido a qualificação de impossível.
Acresce que, quanto a tal revelação, as partes convencionarem, para o caso de não resultarem vestígios materiais, o apuramento da utilização de algum dos mencionados instrumentos em inquérito policial, o que excluía a argumentação da recorrente da impossibilidade de verificação.
E quanto à desconformidade da mencionada cláusula com o que se prescreve na lei penal a propósito do furto qualificado, não tem apoio legal a argumentação da recorrente, visto que, no quadro da sua liberdade contratual, nos limites da lei, as partes incluem nos contratos de seguro de coisas as cláusulas que entenderem, independentemente de as haverem decalcado de normas constantes da globalidade do ordenamento jurídico.
A conclusão é, por isso, no sentido de que não estamos perante uma cláusula contratual impossível, nula ou inexistente.
4.
Vejamos agora se o contrato de seguro causa é ou não susceptível de cobrir o dano invocado pela recorrente.
Conforme acima se referiu, a recorrida vinculou-se, no confronto da recorrente, a indemnizá-la por virtude dos danos resultantes de furto de coisas qualificado na forma consumada ou tentada.
Mas convencionaram, para esse efeito, que o furto qualificado envolvia a subtracção de coisas da recorrente com intenção criminosa por via destruição ou rompimento de obstáculos, de escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde se encontrem os bens seguros, ou mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes, desde que a utilização de qualquer destes meios tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial.
A ignorância do meio utilizado para a entrada no interior da residência da recorrente não pode irrelevar para a definição da responsabilidade da recorrida decorrente do contrato de seguro em que outorgou.
É certo que o objecto da garantia do contrato de seguro são, além do mais, bens móveis integrantes do recheio da casa de residência da recorrente e o risco é a eventualidade do prejuízo decorrente da sua subtracção fraudulenta.
Todavia, a responsabilidade assumida contratualmente pela recorrida no confronto da recorrente depende da dinâmica do acesso à casa em que os bens subtraídos ou danificados se encontravam.
Não foi apurado em inquérito policial o modo como a pessoa ou pessoas entraram na casa de residência da recorrente nem se para o efeito utilizaram algum dos mencionados instrumentos.
Os factos provados apenas revelam que em determinado dia de Outubro de 2003, pessoa ou pessoas entraram na casa de residência da recorrente onde se apropriaram de bens e danificaram outros da titularidade dela e do seu cônjuge.
O ónus de prova dos referidos factos, porque condicionavam a existência do seu direito de indemnização no confronto da recorrida, incumbia à recorrente (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
A dúvida sobre os referidos factos deve, por isso, ser resolvida contra a recorrente, porque não cumpriu o mencionado ónus de prova (artigo 516º do Código de Processo Civil).
A conclusão é, por isso, no sentido de que a recorrente não tem o direito de exigir da recorrida a indemnização que, com base no mencionado contrato de seguro, lhe veio pedir judicialmente.
4.
Finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.
A recorrente e a recorrida, aquela na posição de tomadora e esta na posição de seguradora, celebraram um contrato de seguro denominado multi-riscos com cobertura de danos em coisas derivados de furto qualificado.
Não é ambígua, nula ou inexistente por ser condição impossível a cláusula contratual geral caracterizadora do crime de furto qualificado por via dos elementos destruição ou rompimento de obstáculos, escalamento ou utilização de outras vias que não as destinadas a servir de entrada ao local onde se encontrem os bens seguros ou mediante o emprego de chave falsa, gazua ou instrumentos semelhantes, desde que a utilização de qualquer destes meios tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial.
A recorrente incumpriu o seu ónus de prova dos factos relativos à dinâmica da entrada do agente ou dos agentes na sua casa de residência, pelo que a dúvida sobre esses factos tem de ser resolvida contra ela.
Não tem, por isso, o direito de exigir da recorrida a indemnização convencionada no contrato de seguro.
Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008.
Salvado da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011408
Nº Convencional: JTRP00031348
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: INQUÉRITO
FURTO
CARTÃO DE CRÉDITO
MULTIBANCO
SIGILO BANCÁRIO
DISPENSA
CONFLITO DE INTERESSES
Nº do Documento: RP200101240011408
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG229
Tribunal Recorrido: T J PÓVOA VARZIM
Processo no Tribunal Recorrido: 378/00
Data Dec. Recorrida: 13/11/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE.
Decisão: DEFERIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS / TEORIA GERAL.
DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: RGICSF ART78 N1 N2 ART79 N2 D ART84.
CP95 ART36 N1 ART195 ART196.
CPP98 ART135 N1 N2 N3 ART181 ART182 N2.
Jurisprudência Nacional: AC RC IN PROC9510834 DE 1995/11/29.
AC RP IN PROC9710395 DE 1997/02/17.
AC RP IN PROC9450151 DE 1993/10/08.
AC RP IN PROC9510309 DE 1995/05/24.
AC RP IN PROC9510706 DE 1995/12/20.
Sumário: Investigando-se no inquérito o furto de um cartão "multibanco" da queixosa, que ficou retido na ATM de uma agência bancária, tendo o acto de utilização do mesmo cartão ficado gravado pelo sistema de vigilância "video" ali instalado, pertença da "SIBS - Sociedade Interbancária de Serviços, S.A", deve esta ser dispensada do cumprimento do dever de sigilo bancário a fim de satisfazer a pretensão da entidade que dirige a instrução, fornecendo-lhe a gravação "video" solicitada.
O visionamento do "video" afigura-se, no caso, como único meio descortinável para lograr a identificação do indivíduo que tentou usar a caixa ATM com um cartão furtado, sendo que o interesse do Estado em exercer o "jus puniendi" é sensivelmente superior ao interesse da manutenção do segredo bancário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Relação do Porto:
I
1. Nos autos de inquérito em referência, investiga-se um crime de furto que terá ocorrido a 3-5-2000, denunciado por Isabel ........., contra incertos.
No âmbito de tal investigação, apurou-se que o cartão «multibanco» da queixosa, que terá sido objecto do furto, ficou retido na ATM da agência do «Banco ...., S.A.», da Rua ........., na ....., e que o acto de utilização do mesmo cartão terá ficado gravado pelo sistema de vigilância «video» ali instalado, pertença da «S..... – Sociedade ..........., S. A.».
Por isso que se solicitou a esta entidade a correspondente gravação, elemento que esta recusou, com fundamento em que tal elemento se encontra abrangido pelo dever de segredo bancário das instituições financeiras, estabelecido pelos arts. 78.º a 84.º, do DL n.º 298/92, de 31-12.
Em face de tal recusa, o Ministério Público suscitou o presente incidente, para quebra do referido dever de sigilo, com vista à obtenção do aludido elemento de prova, nos termos prevenidos nos arts. 135.º n.º 5 e 182.º, do CPP.
2. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que deve conceder-se a quebra do sigilo bancário.
Cumpre apreciar.
II
3. O dever de sigilo bancário traduz uma obrigação de facto negativo, um non facere, e encontra-se disciplinado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 [Sobre o segredo/sigilo bancário, vd. Alberto Luís, O Segredo Bancário em Portugal, na ROA, 41.º (1981), 451 ss.; António de Campos, Direito Bancário – Notas de Doutrina e de Jurisprudência, Rev. Banca, n.ºs 5, 103 ss. e 8, 135 ss.; António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, pp. 309 e ss.; Anselmo da Costa Freitas, O Sigilo Bancário, na ROA, 19.º (Out. 1983), 4 ss.; Anselmo Rodrigues, Sigilo bancário e Direito Constitucional, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 47 ss.; Augusto de Athayde Luis Branco, Direito Bancário, I, Lisboa, 1990; Benjamim Rodrigues, O sigilo bancário e o sigilo fiscal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 101 ss.; Carlos Pamplona Corte-Real et al, Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, Ciência e Técnica Fiscal n.º 368, pp. 9 ss.; Diogo Leite de Campos, O Sigilo Bancário, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 12 ss.; Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, AAFDL, 1994 e em Os deveres de segredo profissional no regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, Rev. Banca, 29, 1994, 39 ss.; Fernando Conceição Nunes e Paulo Câmara, Direito Bancário, AAFDL, 1995; Jorge Patrício Paúl, O Sigilo Bancário – Sua Extensão e Limites no Direito Português, Rev. Banca 12 (Out./Dez 1989), 71 ss.; José António Pereira da Silva, Regime Jurídico do Sigilo Bancário, Maio de 1988; José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 1998, 391 ss. e 616 e ss.; José Luis Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal n.º 377, 25 ss. e A actual situação do sigilo bancário: a singularidade do regime português, nos Estudos de Direito Bancário, 1999, pp. 361 ss.; Júlio de Castro Caldas, Sigilo Bancário: problemas actuais, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 33 ss.; Maria Célia Ramos, O sigilo bancário em Portugal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 115 ss.; Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Ciência e Técnica Fiscal, 346-348 (Out./Dez 1987), 73 ss.; Miguel Pedrosa Machado, Sigilo bancário e Direito Penal, no Sigilo Bancário, Cosmos, 1997, 71 ss.; Vasco Soares da Veiga, Direito Bancário, 1994, pp. 189 ss.; Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, 1996, cap. IX .
Cfr., por mais recentes e significativos, os Acórdãos, da Relação do Porto, de 14-5-97 (CJ XXII-3-229), 12-3-97 (BMJ 465-649), 11-11-91 (CJ XVI-5-215), da Relação de Lisboa, de 24-9-97 (BMJ 469-646), 20-5-97 (BMJ 467-622), 7-5-97 (BMJ 467-621), 28-1-97 (CJ XXII-1-155), 10-12-96 (BMJ 462-481), 4-12-96 CJ XXI-5-152), 22-10-96 (BMJ 460-799), 29-3-89 (BMJ 385-602), da Relação de Coimbra, de 17-4-96 (CJ XXI-2-57) e, da Relação de Évora, de 28-3-95 (CJ XX-2-277), 12-5-92 (CJ XVII-3-353), 5-11-91 (CJ XVI-5-257) e de 20-2-90 (CJ XV-1-314).
Vd. Acórdão, do T. Constitucional, n.º 278/95 (D.R., 2.ª série, de 28-7-95).
Vd. Pareceres do C.C. da PGR, VI, Os Segredos e a sua tutela, pp. 365 e ss..].
O n.º 1 do art. 78.º deste diploma, epigrafado de dever de segredo, dispõe que «os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.»
Determina o n.º 2, do mesmo preceito, que «estão, designadamente, sujeitos a segredo, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.»
O dever de segredo profissional em referência não é, porém, um dever absoluto, não prevalece sempre sobre qualquer outro dever conflituante.
Sofre, desde logo, as excepções elencadas no art. 79.º, do referido RGICSF, onde se estabelece, nomeadamente, que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados «nos termos previstos na lei penal e de processo penal» - n.º 2 alínea d).
Estabelece, por sua vez, o art. 84.º, do referido RGICSF que « (...) a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal», remetendo para o Código Penal vigente, de 1982, na revisão decorrente do DL n.º 48/95, de 15-3, cujos arts. 195.º e 196.º prevêem e punem como crime, quer a violação de segredo profissional, quer o seu aproveitamento indevido, desconsiderando (em inflexão relativamente ao regime pré-vigente, estabelecido pela versão original do CP/82, no art. 185.º) a fixação de uma causa específica de exclusão da ilicitude.
Haverá assim que atentar nas causas gerais de exclusão da ilicitude. [Cfr. Acórdão, da Relação de Coimbra, de 29-11-95, no Proc. 9510834 e vd. Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, pág. 772 e M. Lopes Rocha, Estudios Penales en Memoria Agustin Fernandez-Albor, 1989, 434, ali citado].
Na abordagem do conflito de deveres, dispõe o n.º 1 do art. 36.º, do CP [ Já se defendeu que o n.º 3 do art. 135.º, do CPP remete para o direito de necessidade previsto no art. 34.º, do CP – cfr. Acórdão, desta Relação, de 17-2-97, no Proc. 9710395], que «não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar». Como assim, não será ilícita a violação do segredo profissional se, perante um conflito de deveres, o agente satisfizer o dever de valor igual ou superior ao do dever que sacrifica.
No Código de Processo Penal, generalizou-se a possibilidade de quebra do segredo profissional.
Com efeito, as pessoas indicadas no referido art. 78.º n.º 1 podem recusar-se a depor sobre factos objecto de segredo profissional mas, se a autoridade judiciária, concluindo embora pela legitimidade da recusa, não prescindir desse depoimento, pode requerer ao tribunal que o ordene – e o tribunal deverá ordenar a prestação do depoimento, com quebra do segredo profissional, sempre que entender que esta se mostra justificada em face das normas e princípios aplicáveis da lei penal e, nomeadamente, em face do princípio da prevalência do interesse preponderante – art. 135.º n.ºs 1 a 3, do CPP.
A possibilidade de apreensão, pela autoridade judiciária, de títulos, valores, quantias ou outros objectos, depositados em bancos ou outras instituições de crédito, relacionados com um crime e que possam revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, bem como a possibilidade de exame pelo juiz de correspondência e documentação bancárias, estão prevenidas no art. 181.º, do CPP.
As pessoas obrigadas ao dever de segredo profissional podem recusar a apresentação de tais documentos ou objectos em seu poder, se invocarem, por escrito, segredo profissional.
Neste caso, perante o conflito de interesses e deveres será dirimido pelo tribunal, em termos idênticos aos previstos para a recusa de depoimento – arts. 182.º n.º 2 e 135.º, do CPP.
Como salienta o Prof. Costa Andrade [Ob. cit., pp. 795/796], «(...) há-de ter-se presente o critério material adoptado pelo legislador e segundo o qual o tribunal competente só pode impor a quebra do segredo profissional quando esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. Uma fórmula que se projecta em quatro implicações normativas fundamentais: a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade normativa de vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não cometendo a decisão à sua livre apreciação; b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal (...) como a tese inversa, de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional (...); c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de interesses legítimos (...); d) Em quarto lugar, com o regime do art. 135.º do CPP, o legislador português reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade dos crimes a perseguir (...).»
Adere-se ao entendimento expresso na síntese impressiva alcançada pelo Senhor Cons.º J. A. Garcia Marques [Em declaração de voto, no parecer n.º 28/86 (Pareceres, cit., pág. 450)]: «Aceitando que o segredo bancário não é formulado (...) como um segredo absoluto, entendo, todavia, que não se deverá adoptar o entendimento, que reputaria de maximalista, segundo o qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre sobre o sigilo bancário (...). Penso, com efeito, que a resolução do problema se deverá encontrar com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante.»
Enquanto o dever de segredo profissional é geralmente estabelecido a favor da integridade e liberdade das pessoas a quem aproveita [Cfr. art. 26.º n.º 1 da Constituição e vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa, Anotada, 1993, pp. 181/182: «Não é fácil demarcar a linha divisória entre o campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à publicidade (...). O critério constitucional deve talvez arrancar dos conceitos de “privacidade” e “dignidade humana”, de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa, culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação.»
Sobre o conteúdo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, vd. Paulo Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, no BFDC, LXIX (1993), pp. 479 ss..], tendo-se inserido a sua regulamentação no Título VI do referido RGICSF, no qual se «prevê um conjunto de regras de conduta que devem guiar a actuação das instituições de crédito, seus administradores e empregados nas relações com os clientes», visando proteger «de forma eficaz a posição do “consumidor” de produtos financeiros» (vd. preâmbulo do referido DL n.º 298/92), no processo de inquérito a que procede o Ministério Público, está em causa a realização de diligências de prova que permitam investigar a prática de crime de furto e incriminar o respectivo agente, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da Justiça penal, do interesse público do Estado em exercer o jus puniendi relativamente ao agente que ofende, de forma não tolerável, a ordem jurídica estabelecida e em que se não pode prescindir do apuramento da verdade material. [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 8-10-93, no Proc. 9450151, com relato do (então) Desembargador, Dr. Vaz dos Santos.]
Este interesse afigura-se, no caso [A dispensa de sigilo bancário, como autêntico sigilo profissional que é, tem de ser ponderada caso a caso e não pode ser decidida em termos genéricos – mormente quando se não evidencia, fora de qualquer dúvida razoável, que só por essa via se conseguirá o desejado desfecho processual – art. 135.º n.º 2, do CPP], em que se pretende o visionamento do «video» de protecção de uma «caixa ATM», como único meio descortinável para lograr a identificação do indivíduo que a tentou usar com um cartão furtado, sensivelmente superior ao interesse da manutenção do segredo bancário, que, assim, deverá ceder perante as razões e o vigor daquele [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 24-5-95, no Proc. 9510309].
O meio de prova pretendido revela-se, assim, com interesse e decisiva utilidade para a instrução do processo [Cfr. Acórdão, desta Relação, de 20-12-95, no Proc. 9510706].
A quebra do dever de sigilo justifica-se, na situação sub indice, ponderados, nos termos sobre-expostos, os interesses em conflito.
Por isso que, nos termos conjugadamente previstos nos arts. 36.º, do CP e 182.º n.º 2 e 135.º n.ºs 2 e 3, do CPP, a SIBS deve ser dispensada do cumprimento do dever de sigilo bancário, a fim de poder satisfazer a pretensão da entidade que dirige a investigação.
Resta decidir.
III
4. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se determinar que, com quebra do sigilo bancário, a «S....... – Sociedade ............., S. A.» forneça, com destino ao processo de inquérito em referência, a gravação «video» solicitada.
5. Sem tributação.
Porto, 24 de Janeiro de 2001
António Manuel Clemente Lima
José Manuel Baião Papão
António Joaquim da Costa Mortágua
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0011403
Nº Convencional: JTRP00031334
Relator: ANDRÉ DA SILVA
Descritores: ACUSAÇÃO
ACUSAÇÃO PARTICULAR
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
SUPRIMENTO DA NULIDADE
DEBATE INSTRUTÓRIO
SUSPENSÃO
RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
Nº do Documento: RP200101240011403
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J TABUAÇO
Processo no Tribunal Recorrido: 25/00
Data Dec. Recorrida: 24/05/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ALTERADO O REGIME DE SUBIDA DO RECURSO.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPP98 ART406 N1 ART407.
Sumário: I - A inutilidade do recurso respeita ao próprio recurso e não à lide em si, só se verificando a inutilidade absoluta daquele quando, seja qual for a solução que o tribunal superior lhe der, ele é já absolutamente inútil no seu reflexo sobre o processo.
II - Deverá ser instruído e julgado conjuntamente com o recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão que tiver posto termo à causa, subindo nos próprios autos, o recurso do despacho que ordenou a suspensão do debate instrutório e a formulação de convite da assistente para no prazo de 10 dias completar o requerimento da acusação, por forma a conter as disposições legais aplicadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0010845
Nº Convencional: JTRP00031341
Relator: BAIÃO PAPÃO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CONTUMÁCIA
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA
EFICÁCIA
ALTERAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP200101240010845
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recorrido: 1 J CR STA MARIA FEIRA
Processo no Tribunal Recorrido: 154/91-2S
Data Dec. Recorrida: 04/04/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP87 ART336.
CPP98 ART445 N3.
CP82 ART119 N1.
L 43/86 DE 1986/09/26 ART1 ART2 N59 N62.
Jurisprudência Nacional: AC STJ N10/00 IN DR IS-A 2000/11/10.
Sumário: I - No domínio da vigência do Código Penal de 1982 (versão originária) a declaração de contumácia que veio a ser formulada no Código de Processo Penal de 1987 não constitui causa de interrupção ou suspensão do procedimento criminal.
II - Não é de acolher a jurisprudência do Acórdão n.10/00, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da Republica I Série-A de 10 de Novembro de 2000, por ter resultado de uma interpretação que imprime ao artigo 336 do Código de Processo Penal de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa n.43/86, de 26 de Setembro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Relação do Porto:
Nos autos de processo comum nº .../96 do 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Santa Maria da Feira, estando o arguido José... acusado de autoria material de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo art. 24 nºs 1 e 2, al.c) do Dec. 13004 de 12/1/27, na redacção introduzida pelo art. 5 do Dec-Lei 400/82 de 23/9, acusação que foi recebida – tendo sido designada data para o julgamento -, e tendo sido o arguido declarado contumaz por despacho de 20/9/91, o M.º Juiz de Direito, em 4/4/2000, julgou extinto, por prescrição o procedimento criminal, nos termos do art. 117 nº 1, al.b) do C.Penal de 1982, isto porque o cheque foi emitido e entregue em 28/2/90, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos e não ocorreu qualquer causa de interrupção ou de suspensão desse prazo à luz do regime penal coetâneo da conduta.
Desta decisão interpôs o Ministério Público o recurso em presença, em cuja motivação formulou as seguintes conclusões:-
1. O art. 119 nº 1 do Código Penal/82 prevê que além das causas de suspensão da prescrição aí indicadas, podem existir outras especialmente previstas na lei, não referindo a declaração de contumácia porquanto à data da sua elaboração esse instituto ainda não existia;
2. O C.P.Penal de 1987 veio consagrar no art. 336 nº 1 que a declaração de contumácia suspende os ulteriores do processo, o que se trata de um impedimento legal ao exercício do procedimento criminal;
3. Ou seja, o Cod.Proc.Penal de 1987 aditou uma causa de suspensão da prescrição às já referidas no C.Penal de 1982;
4. A revisão do Código Penal de 1995 veio consagrar a declaração de contumácia como causa suspensiva da prescrição, não porque isso já não sucedesse por força do exposto nas anteriores conclusões, mas sim porque aquela declaração passou também a ser consagrada como causa interruptiva e era necessário rebater a corrente jurisprudencial que se vinha formando em sentido oposto e que de outro modo sairia reforçada;
5. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre a introdução pela revisão de 95 do Código Penal de uma nova causa de suspensão da prescrição se aplicaria de imediato às situações anteriores, desde que ainda não tenha decorrido o prazo prescricional fixado na lei antiga;
6. Tal sucede porque, determinando a lei antiga que no prazo da prescrição se desconta a totalidade do tempo de suspensão, a lei nova mais não faz do que indicar mais uma causa de suspensão;
7. A declaração de contumácia não pode deixar de suspender o prazo de prescrição, mesmo no âmbito do Código Penal/82, porquanto doutro modo estar-se-ia a premiar os arguidos mais expeditos na fuga à justiça, o que não foi certamente intenção do legislador;
8. Atendendo a que o prazo prescricional começou a correr em 28.02.90 e que a contumácia foi declarada a 20 de Setº de 1991, e que o prazo prescricional é de 10 anos, o procedimento criminal pelo crime em causa nos autos não se encontra ainda prescrito;
9. Decidindo em contrário do concluído, violaram-se as normas legais constantes dos artºs 119 nº 1 do CP/82, 336 nº 1 do Cód.Proc.Penal e 120 nº 1 al.c) do CP/95.
Respondeu o arguido pugnando pelo improvimento do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, entende que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
xxxxx
A tese defendida pelo recorrente para sustentar a pretensão de ver revogado o despacho impugnado veio entretanto a obter consagração no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sob o nº 10/2000, foi publicado na I Série-A do Diário da República de 10/11/2000.
Trata-se de um acórdão proferido em recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos do art. 437 nºs 1 e 2 do C.Proc.Penal, e que foi tirado nos seguintes termos:
“No domínio da vigência do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.”
De harmonia com esta jurisprudência, pois que o cheque foi emitido, no domínio da plena vigência do Cód.Penal de 1982, com data de 28/2/90, e o prazo prescricional fixado na al.b) do nº 1 do seu art. 117 é o de 10 anos, ter-se-ia verificado a suspensão do decurso desse prazo a partir da declaração de contumácia do arguido José..., em face do que, ao invés do decidido na 1ª instância, a extinção do procedimento criminal por via de prescrição não teria chegado a ocorrer.
Sucede, porém, que se nos afigura que o acórdão do S.T.J nº 10/2000 fixou a referida jurisprudência através de uma interpretação do art. 336 do Código de Processo Penal de 1987 (“A declaração de contumácia... implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido...” e “...caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido...”), na sua relação se sentido com a parte introdutória do n.1 do artigo 119 do Cód.Penal de 1982 (“A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos previstos na lei...”), que temos por não conforme à Constituição.
Ora, sobre a eficácia da decisão proferida pelo Supremo em sede de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, em relação a casos não dependentes directamente da prolacção dessa decisão, dispõe o nº 3 do art. 445 do C.P.P (redacção da lei nº 59/98, de 25/8) que esta não constitui jurisprudência obrigatória para os Tribunais judiciais, mas que estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada.
É dessa fundamentação que passamos a ocupar-nos.
xxxxx
Olhando à argumentação explanada no acórdão 10/2000, temos que este assenta na consideração de que a declaração de contumácia, ao abrigo do disposto no C.P.P de 1987, tem efeitos suspensivos no procedimento criminal, pois se trata de «um dos casos especialmente previstos na lei» a que se refere o art. 119, nº 1 do C.P. de 1982, consideração que é alcançada no quadro da seguinte elaboração hermenêutica:- “Dizendo o artigo 336 do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119, nº 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca – nº 3 do artigo 336 – a prescrição não corre.
De outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugiria à alçada da justiça.
Não nos parece que o elemento histórico, nas suas vertentes, justifique o ponto de vista defendido no acórdão fundamento.
O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o nº 1 do artigo 119 não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, «casos especialmente previstos na lei», não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas.”
Acontece que, como tem sido jurisprudência reiteradamente afirmada no Tribunal Constitucional (v.g. o recente acórdão 122/2000 in DR, II série, de 6/6/2000, pp. 9712 e 9713), a normação da matéria que se prende com a prescrição do procedimento criminal e das penas, incluindo o estabelecimento de causas de suspensão e de interrupção, insere-se no objecto de reserva relativamente à definição de crimes e penas (art. 165 nº 1, al. c) da CRP na versão de 1997, como ocorria no art. 168 da versão de 1989 e da versão de 1982), reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que pode haver lugar a autorização ao Governo para legislar sobre tais matérias, como aliás, identicamente sucede no respeitante à regulação do processo criminal.
Precisamente, o art. 336 de onde o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça extrai o estabelecimento de uma causa de suspensão do procedimento criminal, inscreve-se no Cód. Proc. Penal de 1987, aprovado por diploma governamental – o Dec-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro -, no uso da autorização conferida pela Lei nº 43/86, de 26 de Setembro.
Esta Lei nº 43/86 define no seu art. 1 qual o objecto da autorização: -“aprovar num novo Código de Processo Penal e revogar a legislação vigente sobre essa matéria”.
E, no nº 2 do seu art. 2, ao longo de oitenta e uma alíneas, procede à definição do sentido e extensão da autorização, constatando-se que as únicas referências, expressas ou implícitas, ao instituto da contumácia se colhem nas alíneas 59 e 62, nos seguintes termos:
“59) Impossibilidade, em princípio da realização de julgamento na ausência do arguido, sem prejuízo da possibilidade de ele ser mandado retirar da sala por razões graves de indisciplina e previsão das medidas adequadas, pessoais e patrimoniais, de constrangimento do arguido à presença no julgamento.
...........................................
62) Reforço das medidas preventivas aplicáveis em caso de contumácia do réu, nomeadamente pela anulabilidade dos negócios jurídicos por aquele celebrados e pela definição de outras restrições à liberdade negocial, como o arresto preventivo, amplamente desmotivadoras da sua ausência;”.
Nenhuma referência ou alusão, pois, a autorização para a instituição, no âmbito da contumácia e como decorrência da respectiva declaração, de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, a menos que se configurasse uma tal causa de suspensão como “medida preventiva”, o que se não compagina com a dimensão de direito material ou substantivo que assiste ao instituto da prescrição, nem com o patamar mínimo de exigência de definição, previsibilidade e transparência relativamente às leis de autorização legislativa (v.Gomes Canotilho in “Direito Constitucional”, ed. de 1998 – p. 670 – e 5ª edição – p. 861 -, e António Vitorino in “As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa”, vol. II, p. 240).
De resto, se olharmos ao nº 9 – parte final do relatório preambular do Dec-Lei nº 78/87, detecta-se aí que o legislador, na perspectiva da desincentivação da ausência do arguido a julgamento concebeu um conjunto articulado de medidas – que apodou de “drásticas” – de compressão da capacidade patrimonial e negocial do contumaz, na expectativa de que iriam ser “suficientes e eficazes”, o que deixa perceber que à concepção do instituto da contumácia – enquanto alternativa ao processo especial de ausentes do CPP de 1929 – presidiu uma visão optimista que olhava a contumácia como uma situação processual tendencialmente transitória e resolúvel através de um sistema de medidas dinamizadas a partir do próprio processo.
Esta perspectiva dinâmica do instituto veio na prática a receber uma generalizada resposta de imobilização das instâncias processuais – para além da suspensão dos termos do processo -, principalmente devido à falta de mecanismos de articulação com os vários serviços da Administração Pública, o que a breve trecho se traduziu num imparável avolumar do número de processos com contumazes sem resolução, contexto este em que, só então, instalado o cepticismo quanto às virtualidades do instituto, se começou a problematizar a imperiosidade de obstar a que tais processos viessem a alcançar arquivamento no prazo normal da prescrição.
Ou seja, não só se não detecta que haja na Lei de Autorização Legislativa nº 43/86 um suporte mínimo para que seja lícito – constitucionalmente lícito – extrair do art. 336 do Cód. de Proc. Penal de 1987 a instituição de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, como tal instituição não era reclamada à luz da perspectiva de suficiência e eficácia que inicialmente suportou a estruturação do sistema da contumácia.
Ora, não sofre dúvidas que os decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas se devam subordinar às correspondentes leis, consoante se encontra expressamente determinado no art. 112 nº 2 da CRP - como ocorreria no art. 115, nº 2 da versão de 1982, vigente em 1987 -, sendo que a desconformidade com a lei de autorização implica directamente uma ofensa à competência da A.R. e, logo, uma inconstitucionalidade orgânica, pois que se não respeitarem a lei de autorização, elas deixam de ter habilitação constitucional (cfr. O acórdão do T.C. nº 213/92 in D.R., II série de 18/9/92, p. 8791, e doutrina aí citada).
E o acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça consagrou a referida decisão de fixação de jurisprudência por via de uma interpretação que imprime ao art. 336 do CPP de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa nº 43/86, de 26 de Setembro, lei que, aliás, não chegou a ser convocada naquele acórdão nº 10/2000.
In “Direito Constitucional” de Gomes Canotilho, 5ª ed., p. 235, a propósito dos princípios da interpretação constitucional, deixou-se clarificado que o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é “fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma; daí a formulação básica para este princípio: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”.
É o que ocorre na interpretação plasmada no despacho recorrido ao Ter confinado o âmbito normativo do art. 336 do CPP de 1987 a uma dimensão exclusivamente adjectiva não repercutível na previsão do art. 119 do CP/82, e por isso inteiramente abrangida pelo art. 1 e pelas alíneas 59) e 62) do nº 2 do art. 2 da Lei nº 43/86.
Por isso se não acolhe a jurisprudência do acórdão nº 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, nem a tese coincidente defendida na motivação do recurso.
E tendo presente que do nº 4 do art. 2 do Código Penal decorre que a sucessão de leis no tempo deve ser resolvida no confronto de regimes penais e nunca pela criação de regimes híbridos, a decisão impugnada deve lograr confirmação.
xxxxx
Na conformidade de tudo o exposto, os juizes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso e confirmam a decisão recorrida.
Sem custas.
Porto, 24 de Janeiro de 2001
José Manuel Baião Papão
Joaquim Manuel Esteves Marques (Na linha do acórdão proferido no Pº 1238/00 desta Secção em 00.11.29, que subscrevi como adjunto, por força do Assento 10/2000 publicado no DR I Série-A de 10/11/2000, entendo que a prescrição se suspendeu em 20 de Setembro de 1991, e, como tal, o procedimento criminal nos presentes autos não se encontra prescrito).
António Manuel Clemente Lima
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0110005
Nº Convencional: JTRP00031331
Relator: MARQUES SALGUEIRO
Descritores: MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
RECURSO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
INQUÉRITO
MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP200101240110005
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG226
Tribunal Recorrido: T J PESO RÉGUA
Processo no Tribunal Recorrido: 715/00
Data Dec. Recorrida: 17/10/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP98 ART86 N1 N2 N4 N5 N7 ART89 N1 N2.
CONST97 ART32 N1 N5.
Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1996/07/10 IN CJ T4 ANOXXI PAG238.
Sumário: I - Só conhecendo os elementos probatórios em que se apoiou a decisão que lhe impôs a medida de coacção de prisão preventiva poderá o arguido exercer efectivamente o seu direito de recurso e, exercendo o contraditório, contribuir para o debate e esclarecimento da verdade.
II - Por isso, tendo sido aplicada ao arguido, na fase de inquérito, a medida de coacção de prisão preventiva, deve ser deferido o seu requerimento em que solicita cópia das declarações das testemunhas referidas no despacho que impôs aquela medida, formulado no prazo de que dispunha para recorrer de tal decisão, sendo que decorre com suficiência desse requerimento que a finalidade em vista era a de reagir contra essa decisão.
III - Como o prazo para o recurso dessa decisão ainda não decorrera quando o arguido apresentara o dito requerimento, é este o momento determinante a considerar para ajuizar sobre o prazo do recurso e não o da prolacção do despacho que sobre tal requerimento veio a recair.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0040893
Nº Convencional: JTRP00031321
Relator: PEDRO ANTUNES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PENA DE PRISÃO
CASSAÇÃO DA LICENÇA DE CONDUÇÃO
Nº do Documento: RP200101240040893
Data do Acordão: 24/01/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CR V N GAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 431/97
Data Dec. Recorrida: 05/04/2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO. ALTERADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE / TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP95 ART44 N1 ART69 N3 ART101 N1 A B N2 C ART292.
Sumário: Provado que o arguido conduzia um veículo ligeiro de passageiros com um grau de alcoolemia de 2,1 g/l, sendo que já havia sido condenado anteriormente por quatro vezes pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em que das últimas três vezes a execução da pena lhe havia sido suspensa, acontecendo que entre os factos que originaram a segunda e a terceira condenação mediaram apenas 14 dias, há que concluir justificar-se a pena de 4 meses de prisão pelo crime agora cometido previsto no artigo 292 do Código Penal e o decretamento da cassação da licença de condução previsto no artigo 101 ns.1 e 2 do mesmo Código, já que é patente a sua insensibilidade aos comandos jurídicos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
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