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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051405 Nº Convencional: JTRP00030900 Relator: PINTO FERREIRA Descritores: CONTRATO DE CONTA CORRENTE Nº do Documento: RP200101150051405 Data do Acordão: 15/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 8J Processo no Tribunal Recorrido: 601/97-2S Data Dec. Recorrida: 11/04/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR COM. Legislação Nacional: CCOM888 ART344 ART348. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1960/03/22 IN BMJ N95 PAG298. AC RE DE 1996/03/14 IN CJ T2 ANOXXI PAG274. Sumário: I - O contrato de conta corrente, previsto no artigo 344 do Código Comercial não se pode confundir com escrituração em forma de conta corrente; nesta, os lançamentos, tanto dos débitos como dos créditos, são feitos em forma de conta corrente, donde resulta sempre um saldo credor ou devedor e naquele, as partes obrigam-se a lançar a débito e a crédito os valores que mutuamente entregam e a exigir o seu pagamento somente com o saldo final resultante da sua liquidação. II - Embora o contrato de conta corrente não necessite de forma expressa, podendo resultar de mero consenso, dos factos provados haverá que resultar, de forma inequívoca, que a vontade dos contraentes foi no sentido de ser firmado um verdadeiro contrato de conta corrente. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório U..........., L.da, com sede à ....., ......., Matosinhos, deduziu a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a ré C... & P....., L.da., sociedade com sede na Rua ........, ...., Oliveira de Azeméis, alegando que no exercício da sua actividade de produção e comercialização de cervejas e refrigerantes, águas minerais e vinhos, celebrou com esta sociedade cuja actividade é o comércio por grosso de produtos alimentares, nomeadamente bebidas, em 1 de Fevereiro de 1985, um contrato de distribuição do produtos da sua actividade, em consequência do qual esta encomendou e aquela forneceu à autora sucessivas e diversas quantidades de cervejas, refrigerantes e águas. O pagamento seria efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto da conta corrente e respectivo aviso de saldo remetidos quinzenalmente à ré e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo, sendo que, devido à falta de pagamento atempado de fornecimentos efectuados, cujo montante ascendia em 02.12.92 a 15 784 691$00, rescindiu o contrato em 11 de Dezembro de 1995, mostrando-se a ré devedora em 15.12.95 da quantia de Esc. 24 645 002$90, e em 18 de Fevereiro de 1997 da quantia de 12 718 158$00, depois de deduzidas subsídios de distribuição, abonos de frete, descontos e a quantia de 5 000 000$00 respeitante ao pagamento de uma garantia bancária. Entende que lhe são devidos Esc. 7 402 741 $00 de juros de mora vencidos a partir de 10.01.93, os quais computa sobre a quantia de 12 718 158$00 Temina pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de Esc. 20 120 900$30. Contestou a ré impugnando o saldo invocado pela A., a débito da ré em 02.12.92, alegando que as transacções e operações comerciais entre ambas eram escrituradas em forma de conta-corrente, o que fazia variar automaticamente o saldo da mesma em função dos lançamento nesta efectuados, pelo que, aceitando dever o montante de 12.718.158$00, impugna os juros reclamados pela autora desde 10.01.93, sustentando que só em 18.02.97 a dívida se tomou certa, líquida e exigfvel. Pede que a acção seja julgada improcedente, por não provada, e ainda que a A. seja condenada como litigante de má-fé. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré no capital em divida mas nos juros apenas a partir de 18-2-97 e até pagamento . Inconformada recorre a autora, recurso que foi recebido como de apelação e efeito suspensivo. Apresentou a apelante alegações e a apelada contra alegações. Este tribunal superior manteve a espécie e efeito de recurso. Colheram-se os vistos legais. Cumpre decidir. II - Fundamentos do recurso São as conclusões formuladas com as alegações de recurso que demarcam e delimitam o seu âmbito - artigos 684° n.º 3 e 690º n.º 1, ambos do C.P.C. - Deste facto resulta a relevância e importância da sua transcrição que, no caso concreto, foram do seguinte teor: 1° - O contrato de conta corrente pressupõe que os dois contraentes estipularam lançar a débito e a crédito os valores que foram entregando mutuamente e se obrigaram a exigir somente o saldo final. 2° - Para existir um contrato de conta corrente, não basta que haja uma escrituração em forma de conta corrente, sendo necessário e requisito imprescindível que a vontade conjunta seja inequivocamente a de converterem, ambos, em artigos de "deve" e "há-de haver" as entregas que reciprocamente fizeram, por forma a que só o saldo final seja exigível. 3° - Dos factos dados como provados, resulta inequívoco que as partes não celebraram, nem pretenderam celebrar, um contrato de conta corrente, contrariamente ao sustentado na douta sentença. 4° - Do facto constante no artigo 1º da B.I., dado como provado, decorre que as partes não quiseram que só o saldo final da liquidação fosse exigível, pelo contrário, estabeleceram inequivocamente que os fornecimentos dos produtos e vasilhame efectuados pela Recorrente à Recorrida teriam que ser pagos 25 dias após o final da quinzena a que respeitavam, ou seja, venciam-se e eram exigíveis decorridos esses 25 dias. 5° - Aliás, se a Recorrente só pudesse exigir o pagamento dos fornecimentos efectuados à Recorrida após cessação do contrato de distribuição, como se sustenta na douta sentença, não faria qualquer sentido que a Recorrente tivesse exigido por diversas vezes o pagamento do saldo devedor à Recorrida e que o contrato fosse resolvido com justa causa precisamente pelo não pagamento do saldo devedor, como se encontra provado- 6° - A partir de 4 de Dezembro de 1992, os pagamentos efectuados pela Recorrida destinavam-se a pagar os fornecimentos efectuados desde então, uma vez que conforme se encontra provado, a Recorrida tinha que os liquidar a pronto. 7° - Assim sendo, resulta manifesto que o saldo devedor da Ré" ora Recorrida, naquela data de 4 de Dezembro de 1992, venceu-se, pelo menos, em 10 de Janeiro de 1993, decorridos 25 dias do final da última quinzena em causa. 8° - Conforme resulta dos restantes factos como provados, o saldo devedor acabou por reduzir-se dos referidos 15.874.691$90 para 12.718.158$50, em virtude da Recorrente ter creditado à Recorrida determinadas quantias posteriormente àquela data. 9° - A quantia peticionada pela Recorrente e em que a Recorrida foi condenada encontrava-se, assim, totalmente vencida desde 10 de Janeiro de 1993. 10° - Deste modo e uma vez que a Recorrida, de acordo com o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 805° do Código Civil, se encontrava em mora desde então, deveria ter sido condenada no pagamento de juros desde a referida data, ou seja, 10 de janeiro de 1993 e não apenas a partir de 18 de Fevereiro do 1997. 11º - Ao condenar a Recorrida a pagar juros apenas desde 18.02.97 e não desde 10.02.93, o Meritissimo Juiz aquo violou, pelo menos, as seguintes disposições legais: - Artigo 344º do Código Comercial; - Artigos 804º, nº 2, 805º, n° 2, alínea a), e 806º, nº1, do Código Civil ; - Artigo 659°, nº3, do Código de Processo Civil. Termos em que deve o presente recurso de apelaqlo merecer integral provimento, revogando-se parcialmonte a douta sentença e condenando-se a recorrida a pagar à recorrente juros desde 10 de janeiro de 1993 e não apenas 18.02.97. Posição diferente manifesta, obviamente, a parte contrária para quem a decisão deve ser mantida. III - Factos Provados. O tribunal, após a audição de julgamento e tendo como fundo a matéria considerada assente no saneador e na base instrutória, considerou provada a seguinte matéria factua1: a) - A A. e uma sociedade comercial que se dedica à actividade de produção e comercialização de cervejas e refrigerantes, bem como à comercialização de águas minerais e vinhos; b) - A ré é uma sociedade comercial que exerce o comércio de compra e venda por grosso de diversas mercadorias, designadamente produtos alimentares e bebidas; c)- No exercício das respectivas actividades, a A. e a R. celebraram, em 01 de Fevereiro de 1985, um contrato de distribuição { cujo clausulado, constante do documento de fls. 5 a 10. se dá aqui por integralmente reproduzido), mediante o qual a autora passou a fornecer à ré os produtos que comercializa, a fim de esta os distribuir na área acordada entre ambas do Concelho de Oliveira de Azeméis; d) - Ficou convencionado entre a A. e a R., sendo essas, aliás, as condições de venda consignadas nas tabelas em vigor para todos os distribuidores da A., que o pagamento dos fornecimentos deveria ser efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto da conta-corrente e respectivo aviso e saldo remetidos quinzenalmente à R. e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo; e )- Ao abrigo do aludido contrato de distribuição, a R. encomendou à A. e esta, em execução dessas encomendas, forneceu àquela sucessivas e diversas quantidades de cervejas, refrigerantes e águas, designados abreviadamente por Produtos, e os respectivos vasilhames (grades, garrafas, barris, tanquetas, tubos e paletes); f) - Todos os produtos e vasilhames foram entregues pela A. à R. nos armazéns daquela sitos no seu estabelecimento industrial de ......., Matosinhos, e facturados à R. pelos preços acordados e pactuados com a R. e, ademais, constantes das tabelas de preços da A. em vigor à data dos fornecimentos; g) - As transacções e operações comerciais entre a A. e Ré ficaram escrituradas em forma de conta corrente; h)- Em virtude de a R. não ter liquidado os valores em dívida referentes às 1ª e 2ª quinzenas de Outubro de 1992 no prazo previsto no quesito antecedente, a partir de 04 de Dezembro de 1992 os fornecimentos da A. à R. passaram a ficar condicionados pelo regime de pronto pagamento; i)- A R. não pagou os fornecimentos da A. efectivados na 1ª e 2ª quinzenas de Novembro de 1992, bem como, a factura n.º 64947 de 02/12/92. j) - De tal forma que, em 02/12/92, a conta-corrente da R. apresentava um saldo devedor de 15.784.691$90, conforme extractos quinzenais de Outubro, Novembro e da 1ª quinzena de Dezembro de 1992, remetidos à R. nos termos referido na alínea d) supra, cujo teor se dá aqui por reproduzido; k) - O aludido saldo devedor de 15.784.691$90, respeita, por um lado, aos fornecimento de produtos e vasilhames, efectivados entre 01/10/92 e 02/12/92, produtos e vasilhames discriminados nas facturas n.ºs 55513, 56252, 56589, 56606, 57048, 57048, 57363, 57553, 58152, 58426, 58469, 59010, 59207, 59418, 1264, 60058, 60254, 60703, 61342, 61814, 62257, 1356, 62672, 63265, 63278, 63470, 64358, 64575, 64947, tudo no importe global de 26.909.332$50, conforme documentos juntos a fls. 16 a 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido; I) - Respeita, ainda, ao débito discriminado na nota de débito n.º 224, no importe de 15.083$10, bem como a várias diferenças de regularização no importe de 179.318$00 verificadas nos pagamentos das facturas anteriores a Outubro de 1992, totalizando este conjunto de débitos a quantia global de 194.401$90; m) E respeita, por outro lado, aos créditos efectuados 01/10/92 até 02/12/92 na conta- corrente da R. resultantes de: i - devoluções de vasilhames, discriminados nas notas devolução de vasilhame nos. 45613, 46241, 46531, 46941, 7140, 47209, 47376, 47911, 48146, 48680, 48865, 49061, 49829, 50188, 50774, 51119, 51462, 51818, 51836, 52396, 52589, 53319, 53510 e 53794, no montante global de 10.686.160$00; ii - abonos de frete e bónus discriminados nas notas de crédito nos 3185, 3358, 3526, 1578, 1630 e 3696, no montante global de 632.882$50; n) - No período de 08/03/95 a 15/12/95 devido à falta de provisão dos cheques entregues pela R., ficaram também por pagar os fornecimentos de produtos e vasilhames discriminados nas facturas n.ºs 90014470, 90036907, 900400060, 90048394, 90048775, 90091644, 90093413, 90093864, 90101174, 90104616, 90112837, no importe global de 8.860.311$00; o) - Acrescentando o débito referido na alínea anterior ao saldo devedor em 02/12/92, no importe de 15.784.691$90" resulta um saldo devedor de 24.645.002$90; p) - Ao saldo devedor de 24.645.002$90 referido, foram deduzidos vários subsídios de Distribuição, Abonos de Frete e outros Descontos, tudo no valor global de 6.926.844$40; q) -Foi ainda deduzida a quantia de 5.000.000$00 relativa a uma garantia bancária com o n.º 405-7948/91, do Crédito Predial Português S.A.) de que a A. era beneficiária, cujo pagamento se verificou em 28/02/96; r) - A partir de Dezembro de 1992 alguns pagamentos passaram a ser feitos pela R. através de cheques pós-datados; s) - Em 11 de Dezembro de 1995 a A. rescindiu o contrato de distribuição acima referido com efeitos imediatos. t) - A A. solicitou várias e insistentes vezes no sentido de a R. regularizar a situação faltosa; u) - Em 04/10/95, a autora exigiu à ré e pela primeira vez por escrito, o pagamento do saldo devedor de Esc.: 32.910.768$50; v) A Ré deve à A. a quantia de Esc. 12.718.158$501, relativa ao capital. (por manifesto lapso, na alínea h) da matéria de facto assente, escreveu-se 12 178 58$50). w) - A aqui Ré instaurou uma acção contra a A. conforme o documento junto a fls. 155 e seguintes. x) - Ao comunicar à ré a resolução do contrato, a autora exigiu-lhe o pagamento do saldo final do extracto de conta corrente no prazo de 30 dias ( doc. de fls. 125); y) - Através da carta fotocopiada a fls. 175, datada de 13.05.96, a autora comunicou à ré que subsistia um saldo a seu favor de Esc. 12.725.476$00, pedindo o pagamento imediato de Esc. 4.987.453$00, respeitante a cheques devolvidos por falta de provisão, e manifestando o propósito de analisar uma proposta de regularização da quantia remanescente, de Esc. 7. 738.023$00. IV - O Direito O tribunal entendeu que entre autora e réu se terá firmado um contrato de conta corrente e daí que os juros devidos o sejam apenas desde o encerramento definitivo dessa conta corrente, por se tomar então a dívida exigível, contando-se desde a sua liquidação, tudo nos termos dos artigos 344° e 348° do C. Comercial. Para a apelante não se está perante um contrato de conta corrente, por não se haver demonstrada vontade nem factores essenciais que integram esse tipo contratual, mas sim e antes que os fornecimentos dos produtos e vasilhames efectuados pela autora à ré teriam de ser pagos 25 dias após o fmal de quinzena a que respeitavam, para além de várias vezes ter exigido o pagamento do saldo devedor, originando a resolução até do contrato. Daqui resulta que a questão essencial deste recurso consiste em averiguar, face à matéria dada como provada, que contrato existiu e se fixou entre as partes, ou melhor, se o contrato celebrado entre as partes se pode classificar de contrato de conta corrente, sem esquecer que apenas releva para efeitos de determinação desde quando são devidos juros. Vejamos. O artigo 344º do C. Comercial define o contrato de conta corrente da seguinte forma: " Dá-se o contrato de conta corrente todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver» , de sorte que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível” Vários tratadistas, desde Cunha Gonçalves em Comentário Código Comercial, 2, pág. 355 e segts, Vaz Serra no BMJ 72, pág. 53 a Alberto dos Reis, Procossos Especiais, 1°, pág. 315, tentam definir e limitar o âmbito deste tipo contratual. E dos seus ensinamentos, podemos retirar que este contrato tem como bases fundamentais duas características essenciais e podemos até aceitar e assentar que ele pressupõe: 1° - que duas pessoas tenham de entregar valores uma à outra; 2° - que se obriguem a transformar os seus créditos em «deve» e «há-de haver». 3° - que apenas o saldo final resultante da liquidação seja exigível. Resulta daqui que para se estar na presença de um contrato de conta corrente necessário se torna que resulte da matéria factual que as partes tenham estipulado, ainda que de forma meramente consensual, na medida em que este tipo de contrato não está sujeito a forma específica, lançar a débito e crédito os valores que forem entregando mutuamente, obrigando-se a exigir somente o saldo final. Tendo só o saldo final individualidade, quando apurado e pago, apenas deste haverá quitação, constituindo este pressuposto mesmo, o seu traço fundamental, na medida em que os juros do saldo correm apenas da data da liquidação - art. 348° & único do C. Comercial-. Ora, dos elementos constantes dos autos, verificamos a fls. 5 e seguintes que entre a autora e a ré foi firmado um "contrato de distribuição n.º 372/2" que na sua cláusula 7ª n.º 3 determina que " no caso de extinção, por qualquer forma, do presente contrato, a U..... enviará ao Distribuidor o saldo da sua conta corrente, o qual deverá ser regularizado no prazo de 30 dias". Deste facto e ainda da comunicação da autora na fase pré-contenciosa em que exigiu. Apenas o pagamento do saldo, excluindo os juros e na interpelação feita no sentido de regularização do saldo final do extracto de conta corrente, conclui o tribunal recorrido que se está perante um verdadeiro contrato de conta corrente. Ora, embora não sejam despiciendos os argumentos usados, outros factos existem na matéria provada que nos levam a não concordar com a posição tomada pelo tribunal a quo e que teve o apoio expresso da apelada, mas antes com os argumentos da apelante. Desde logo, a cláusula 7ª nº 3 do contrato refere-se apenas para a situação de "caso de extinção, por qualquer forma, do presente contrato" que nada poderá ter a haver com o pagamento dos produtos durante a pendência e duração desse mesmo contrato, podendo constituir uma previsão localizada no tempo, isto é, apenas para a situação de extinção do contrato. Depois, não se pode esquecer a matéria factual constante de d), pela qual " ficou convencionado que o pagamento deveria ser efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto de conta corrente e respectivo aviso e saldo remetidos quinzenalmente à ré e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo" E da al. h) pela qual; " em virtude de a ré não ter liquidado os valores em divida referentes às 1ª e 2ª quinzenas de Outubro de 1992, a partir de 4 de Dezembro os fornecimentos da autora à ré passaram a ficar condicionados pelo regime de pronto pagamento " . E ainda das alíneas i) e j) pelas quais se verifica que a ré não paga os fornecimentos de 1ª e 2ª quinzena de Novembro de 1992, nem da factura n.º 64947 de 2-12-92, apresentando um saldo devedor de Esc. 15784 691$90, conforme extractos quinzenais de Outubro, Novembro e da 1ª quinzena de Dezembro de 1992. Relevante para todo este entendimento, ou seja, que se não está perante um contrato de conta corrente, mostram-se os factos dados como provados e inseridos em r) e t) donde resulta que a partir de Dezembro de 1992 alguns pagamentos passaram a ser feitos através de cheques pré-datados e que a autora solicitou várias e insistentes vezes a regularização da situação faltosa. Da conjugação de todos estes factos, resulta, desde logo, que não há prova nos autos de que as partes tenham convencionado e estipulado que apenas se pudesse exigir o pagamento dos fornecimentos com a cessação do contrato de distribuição, tendo a autora exigido várias vezes à ré o pagamento do saldo devedor, para além de existir uma resolução desse mesmo contrato por falta de cumprimento atempado dos seus débitos. Saldo este obtido em 4 de Dezembro de 1992 e que se encontrava vencido desde 10 de Janeiro de 1993, decorridos os 25 dias do final da última quinzena em causa. Para além de tudo em defesa ainda desta tese, haverá que interpretar a matéria provada de g) donde resulta claro o que efectivamente existia entre as partes: " as transacções e operações comerciais entre a autora e a ré ficaram escrituradas em forma de conta corrente". Ora, também deste facto provado não se pode concluir que entre ambas as partes se estabeleceu um verdadeiro contrato de conta corrente, mas antes constitui um fortíssimo argumento de que se está aqui perante uma mera "escrituração em forma de conta corrente". E como ensina Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª ed., pág. 220; "Não deve, pois, confundir-se o contrato de conta corrente com o simples processo de escrituração ou forma contabilística vulgarmente apelidado também de conta corrente ( a que ainda se chama « sistema diagráfico de escrita »". No mesmo sentido se tem pronunciado diversos autores em que anotam a necessidade de se não confundir o contrato de conta corrente com a conta corrente meramente contabilistica [Entre outros, citaremos o Prol. Pires Cardoso, Compêndio de Noções de Direito Comercial: Ac. STJ, de 22-3-60, BMJ, 95, 298; Ac. R.E. de 14-3-96, CJ. 1996, Vol. II, pág. 274], que consiste em efectuar lançamentos, tanto de débitos como de créditos, em forma de conta corrente, da qual resultará um saldo credor ou devedor. Por tudo isto não temos dúvidas que entre as partes nunca foi convencionado nenhum contrato de conta corrente e que ambas nunca celebraram nem nunca quiseram que entre si vigorasse este tipo de contrato. Retira-se esta conclusão da posição da autora nestes autos e neste recurso e da ré na acção que intentou contra a aqui autora em que pede uma indemnização de clientela. De facto e conforme consta da petição junta aos autos a fls. 155 e segts. e na fase em que descreve o tipo de relacionamento existente entre a ela e a aqui ré, começa por classificar o contrato existente entre ambos de "concessão comercial" (4ª), para depois reconhecer ser-lhe devedora de montante na ordem das duas dezenas de milhares de contos (5ª), que entre ambos ficou assente que aquele débito iria ser amortizado, sem fixação de data limite, com os abonos dos fretes e “rappels” (6ª) e quanto aos produtos daí em diante comprados à ré seriam as facturas de cada fornecimento pagas, no fornecimento seguinte, com cheques pré-datados, primeiro a 8 dias e depois a 15 dias(7ª) e tudo se foi normalizando com o débito antigo a ser amortizado, os cheques pré-datados iam tendo provisão assegurada na data prevista e o contrato entre ambas ia sendo, no final de cada ano, sucessivamente renovado. Ora, não pode a ré ter uma posição quanto ao tipo de contrato que entre ambos vigorou para receber e justificar o pagamento de uma indemnização de clientela e outra posição quando se trata de pagar os juros de um saldo devedor de mercadoria adquirida e não paga. Isto é, não pode a ré entender nem sustentar, pese embora tratar-se de processos e pedidos diferentes e mesmo em que num é réu e noutro autor que, para receber, o contrato foi de concessão comercial, para pagar, foi de um contrato de conta corrente. O contrato firmado entre ambos tem que ser o mesmo e a tomada de tal posição expressa nas suas contra alegações bordeja a litigância de má-fé. Não deverão ser aplicados aos juros o disposto no art. 348 & único do C. Comercial, mas antes o disposto no art. 805° n.º 2 al. a) e 806°, ambos do C. Civil. Assim, entendemos que se não pode concluir que entre ambas as partes se tenha firmado um contrato de conta corrente, pelo que serão devidos juros desde 10 de Janeiro de 1993 e até pagamento e não como entendeu a sentença recorrida apenas desde 18 de Fevereiro de 1997. E como se trata de dívida comercial, serão tidos como comerciais os juros, aplicando--se-lhe a devida taxa - art. 102° & 3° do C. Comercial. Por fim, podemos retirar deste processo as seguintes conclusões: - O contrato de conta corrente previsto no art. 344º do C. Comercial não se pode confundir com escrituração em forma de conta corrente; - Nesta, os lançamentos, tanto dos débitos como dos créditos, são lançados em forma de conta corrente, donde resulta sempre um saldo credor ou devedor, naquele, as partes obrigam-se a lançar a débito e crédito os valores que mutuamente entregam e a exigir o seu pagamento somente com o saldo final resultante da sua liquidaçdo. - Embora o contrato de conta corrente não necessita de forma expressa, podendo resultar de mero consenso, da factualidade provada haverá que resultar, de forma inequívoca, que a vontade dos contraentes foi no sentido de ser firmado um verdadeiro contrato de conta corrente. V – Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença apenas na parte da condenação em juros, que deverão ser a partir de 10 de Janeiro de 1993 e até integral pagamento, à taxa legal fixada para os actos comerciais - art. 102° do C. Comercial. Custas pela ré. Porto, 15 de Janeiro de 2001 Rui de Sousa Pinto Ferreira Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051241 Nº Convencional: JTRP00030905 Relator: FERREIRA DE SOUSA Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO CADUCIDADE ÓNUS DA PROVA POSSE DE ESTADO Nº do Documento: RP200101150051241 Data do Acordão: 15/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J ESPINHO Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR FAM. Legislação Nacional: CCIV66 ART298 N2 ART333 N1 ART1817 N1 A N3 N4 ART1873 ART342 N2. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1983/06/30 IN BMJ N328 PAG583. AC STJ DE 1984/01/05 IN BMJ N333 PAG465. AC STJ DE 1988/01/06 IN BMJ N373 PAG538. AC STJ DE 1989/11/15 IN BMJ N391 PAG155. AC STJ DE 1991/12/05 IN BMJ N412 PAG477. AC STJ DE 1993/05/20 IN CJSTJ T2 ANOI PAG121. AC STJ DE 1999/11/25 IN CJSTJ T3 ANOVII PAG109. AC RP DE 1994/01/04 IN CJ T1 ANOXIX PAG187. AC RP DE 1994/02/01 IN CJ T1 ANOXIX PAG221. AC RP DE 1994/03/07 IN CJ T2 ANOXIX PAG191. Sumário: I - Na hipótese de ser o investigante tratado como filho pelo pretenso pai a acção pode ser intentada no prazo de um ano a contar da data em que cessou esse tratamento - n.4 do artigo 1817 do Código Civil. II - Aquela norma abrange a cessação voluntária de tratamento e a motivada por morte do investigado. III - Os prazos para propositura da acção de investigação são prazos de caducidade, pois o direito ao reconhecimento da paternidade deve ser exercido dentro de certo prazo, sendo aquela de conhecimento oficioso. IV - Recaí sobre o réu o ónus da prova do decurso do prazo de caducidade previsto no n.1 do artigo 1817 do Código Civil, e incumbe ao autor a prova das situações aludidas nos ns. 3 e 4, como excepções àquela regra. V - Embora o artigo 1817 não preveja directamente a hipótese de o pretenso pai sobreviver ao investigante, nada impede que o tratamento como filho pelo pretenso pai possa perdurar para além da morte daquele. Assiste, por isso, aos descendentes do investigante o direito de propor a acção invocando esse tratamento. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011008 Nº Convencional: JTRP00030995 Relator: CÉSAR TELES Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO-BASE AJUDAS DE CUSTO Nº do Documento: RP200101150011008 Data do Acordão: 15/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB V N GAIA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 258/97 Data Dec. Recorrida: 08/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR TRAB - ACID TRAB. Legislação Nacional: L 2127 DE 1965/08/03 BXXIII. LCT69 ART87. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1993/01/13 IN CJSTJ T1 ANOI PAG227. Sumário: As ajudas de custo pagas com regularidade entram para o cálculo das pensões por acidente de trabalho, por o conceito de retribuição-base, para efeitos de acidentes de trabalho, ser mais amplo do que o conceito de retribuição contido no Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051458 Nº Convencional: JTRP00030904 Relator: CUNHA BARBOSA Descritores: DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA CESSAÇÃO DE PAGAMENTOS Nº do Documento: RP200101150051458 Data do Acordão: 15/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T COMÉRCIO V N GAIA 1J Processo no Tribunal Recorrido: 23/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC ESP. Legislação Nacional: CPEREF98 ART8 N1 A. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/07/02 IN CJSTJ T2 ANOVI PAG157. Sumário: A cessação de pagamentos é aquela que ocorre por falta de cumprimento (pagamento) voluntário e pontual generalizado, por parte do devedor, das suas obrigações, e a cuja verificação não obsta, antes pelo contrário, o pagamento coercivo posterior e no âmbito de acção executiva. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:023924 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:JORGE DE SOUSA Descritores:IRS ABATIMENTOS RENDA SENHORIO RESIDÊNCIA Sumário:O abatimento ao rendimento líquido total de I.R.S. previsto no Decreto-Lei n. 337/91, de 10 Setembro, é aplicável a quaisquer rendimentos de sujeitos passivos daquele imposto provenientes de rendas recebidas de arrendamentos efectuados nos termos do Decreto-Lei n. 321-B/90, de 15 de Outubro, independentemente de residirem ou não em território nacional. Nº Convencional:JSTA00052085 Nº do Documento:SA219990708023924 Data de Entrada:21/04/1999 Recorrente:FAZENDA PUBLICA Recorrido 1:GONÇALVES , JOSE E OUTRA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TT1INST BRAGA PER SALTUM. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Indicações Eventuais:JURISPRUDÊNCIA UNIFORME. Área Temática 1:DIR FISC - IRS. Legislação Nacional:DL 337/91 DE 1991/09/10 ART1 ART2 ART3. RAU90. CIRS88 ART40 ART55 N1 ART80 N1. CCIV66 ART9 N3. TCSTA59 ART2. Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PÁG182. Texto Integral
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S4293 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: PINTO HESPANHOL Descritores: NASCITURO ACIDENTE DE TRABALHO CADUCIDADE DA ACÇÃO Nº do Documento: SJ200802060042934 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Decisão: CONCEDIDA A REVISTA. Sumário : 1. Tendo a morte do sinistrado ocorrido em 15 de Julho de 1993 e sendo a participação do acidente recebida em 27 de Outubro de 1994, verifica--se a caducidade do direito à acção relativa às prestações fixadas na lei. 2. Embora a familiar beneficiária legal da pensão tenha nascido em 20 de Dezembro de 1993, sendo nascitura, à data da morte do sinistrado, e o reconhecimento da respectiva paternidade resulte de sentença transitada em julgado em 1 de Março de 1995, só nos casos em que a lei se limite a fixar o prazo de caducidade, sem indicar a data a partir da qual o prazo se conta, «é que interessa distinguir entre a constituição ou a existência do direito e a possibilidade legal do seu exercício», sendo que o n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 fixa esse momento na data da cura clínica ou, se do evento resultar a morte, na data desta, pelo que, no caso concreto, não há lugar à sobredita distinção. 3. Face ao preceituado nos artigos 328.º e 329.º do Código Civil, a falta de personalidade jurídica ou capacidade para aquisição de direitos por banda do nascituro, bem como o não estabelecimento da sua filiação, não suspendem o mencionado prazo de caducidade, nem sequer por impossibilidade legal do exercício do direito. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 27 de Outubro de 1994, no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, AA participou o acidente sofrido por seu filho BB, no dia 15 de Julho de 1993, pelas 15,50 horas, na estrada que liga Pedrógão Pequeno à Barragem de Cabril, concelho da Sertã, quando se dirigia para o local de trabalho, conduzindo um velocípede com motor, e que embateu num veículo ligeiro misto que circulava em sentido contrário, de que resultou a morte imediata do sinistrado, o qual exercia a actividade de vigilante para a empresa Empresa-A, L.da, com sede em Coimbra. Naquela participação consta que o sinistrado, para além de outros familiares beneficiários legais de pensões, «quando faleceu deixou um filho nascituro, cujo nascimento ocorreu em Dezembro/93, desconhecendo, por agora, o local do seu registo, a identidade completa da mãe, bem como o n.º do processo pendente no Tribunal da Sertã para determinar a sua paternidade». Frustrada a tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, em que esteve presente CC, em representação de sua filha menor, DD, nascida em 20 de Dezembro de 1993, também filha do sinistrado, cuja paternidade foi estabelecida por sentença transitada em julgado em 1 de Março de 1995, todos os familiares beneficiários legais prescindiram do patrocínio do Ministério Público, sendo declarada suspensa a instância, em 14 de Junho de 1995, e determinado o arquivamento do processo, em 1 de Julho de 1996. A fase contenciosa do processo iniciou-se, em 1 de Julho de 2005, com a instauração da presente acção por DD, representada por sua mãe, contra a Empresa-B, S. A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a pensão e demais quantias discriminadas na petição inicial, devidas pela reparação do alegado acidente de trabalho participado nos autos. A ré contestou, invocando a caducidade do direito de acção e que o acidente não dava direito a reparação, já que proveniente, exclusivamente, de comportamento temerário e inútil do trabalhador e, bem assim, sem ligação directa com o trabalho. A autora respondeu à excepção deduzida, mantendo a sua posição inicial. No despacho saneador, foi julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção, «declarando-se a caducidade da presente acção». 2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação julgou procedente, revogando a decisão recorrida, por entender «que não se verifica[va] a excepção peremptória da caducidade invocada pela Ré seguradora», e determinando que a acção prosseguisse seus regulares termos, «para apreciação da sua questão fulcral (determinação se se está ou não perante um acidente de trabalho indemnizável com as legais consequências respeitantes à reparação infortunística relativa à A.), se a tal qualquer outra circunstância não obstar». É contra esta decisão que a ré seguradora agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam a transcrever: «1.º A caducidade é uma excepção de conhecimento oficioso; 2.° A participação de sinistro foi efectuada em 27 de Outubro de 1994, conforme resulta dos autos; 3.º O acidente de que resultou a morte do inditoso BB ocorreu no dia 15 de Julho de 1993; 4.º O direito de acção respeitante às prestações fixadas na Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, conforme o disposto na Base XXXVIII, n.º 1, caduca no prazo de um ano a contar da morte do sinistrado; 5.º O prazo de caducidade não se suspende, nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine; 6.º Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo; 7.º No caso dos autos o acto impeditivo da caducidade do direito de acção era a participação, pelos beneficiários, por si ou através do representante legal, feita ao Tribunal do Trabalho dentro do prazo de um ano a seguir à morte do sinistrado; 8.º Tal participação, por quem podia e devia, não foi feita dentro do prazo legal; 9.º A acção foi proposta decorridos 10 anos após o trânsito em julgado da acção de investigação de paternidade; 10.º A segurança do direito não é compatível com tal morosidade sob pena de se instaurar uma acção muitos anos após a morte do sinistrado, nos casos em que existe representante legal para exercer os direitos em nome dos beneficiários que não tenham capacidade de exercício dos seus direitos; 11.º Entender-se de forma diversa, salvo o devido respeito, era não reconhecer que a lei permite o exercício de direitos através dos representantes legais dos incapazes; 12.º O douto Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 da Base XXXVIII da Lei 2127, de 3/08/1965 e os artigos 328.°, 329.°, 331.° e 333.º, n.º 1, do Código Civil e o n.º 3 do artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272--A/81, de 30 de Setembro.» Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que seja mantida a decisão proferida na primeira instância. A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, por não se verificar a pretendida caducidade do direito de acção, tendo ambas as partes respondido: a ré seguradora para reafirmar as alegações apresentadas e a autora para subscrever, na íntegra, o teor daquele parecer. 3. No caso vertente, a única questão a decidir é a de saber se se verificou a caducidade do direito de acção por o acidente de trabalho ter sido participado pelos familiares do sinistrado mais de um ano depois da ocorrência da sua morte. O acidente dos autos ocorreu em 15 de Julho de 1993, pelo que o regime jurídico aplicável é o previsto na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, e no Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, diplomas, entretanto, revogados pelo artigo 42.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, a qual só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro. No plano adjectivo, uma vez que o processo em apreciação foi instaurado em 27 de Outubro de 1994, é aplicável o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: a) No dia 27-10-1994, deu entrada em Juízo a participação relativa ao acidente de trabalho discutido nos autos; b) O acidente ocorreu no dia 15-07-1993, tendo falecido no acidente o sinistrado dos autos, BB; c) No dia 20-12-1993, nasceu DD (ora A.), sendo registada apenas como filha de CC; d) Na acção ordinária de investigação de paternidade n.º 154/94, do Tribunal de Círculo de Castelo Branco, foi proferida sentença, transitada em 1-03-1995, ali se decidindo que a menor DD, nascida no dia 20-12-1993, é filha de BB (o sinistrado dos autos); e) No dia 18-05-1995, teve lugar tentativa de conciliação nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, a qual não surtiu efeito, estando presente, entre outros, CC, em representação da filha do sinistrado, DD; f) Por despacho de 14-06-95, foi declarada suspensa a instância (despacho de fls. 73, cujo teor aqui se dá por reproduzido); g) Por despacho de 1-07-96, foi ordenado o arquivamento dos autos (despacho de fls. 73 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido); h) No dia 1-07-2005, DD (que antes se chamava apenas DD), representada por sua mãe, CC, instaurou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra a «Empresa-B, S. A.». 2. A seguradora recorrente alega que, no caso em apreço, «o acto impeditivo da caducidade do direito de acção era a participação, pelos beneficiários, por si ou através do representante legal, feita ao Tribunal do Trabalho dentro do prazo de um ano a seguir à morte do sinistrado», sendo que tal participação não foi apresentada dentro do prazo legal; por outro lado, «[a] acção foi proposta decorridos 10 anos após o trânsito em julgado da acção de investigação de paternidade» e «[a] segurança do direito não é compatível com tal morosidade, sob pena de se instaurar uma acção muitos anos após a morte do sinistrado, nos casos em que existe representante legal para exercer os direitos em nome dos beneficiários que não tenham capacidade de exercício dos seus direitos», pelo que o acórdão recorrido violou o n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127, os artigos 328.º, 329.º, 331.º e 333.º, n.º 1, do Código Civil e o n.º 3 do artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho de 1981. É, pois, esta argumentação que importa analisar. 2.1. A Lei n.º 2127 estabelecia que os trabalhadores e seus familiares tinham direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho (Base I, n.º 1) e que os filhos, incluindo os nascituros, tinham direito a receber uma pensão anual, se do acidente resultasse a morte, até perfazerem 18 ou 22 e 25 anos, enquanto frequentassem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, e os afectados de doença física ou mental que os incapacitasse para o trabalho [Base XIX, n.º 1, alínea c)], sendo que as pensões por morte começavam a vencer-se no dia seguinte ao do falecimento do sinistrado, inclusive as referentes aos nascituros (artigo 56.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto). Claro que, nos termos gerais, os direitos que a lei reconhece aos nascituros estão dependentes da condição do nascimento (artigo 66.º, n.º 2, do Código Civil). Doutro passo, o n.º 1 da Base XXXVIII, sob a epígrafe «Caducidade e prescrição», dispunha que «[o] direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta». Por sua vez, o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, previa diversos deveres de participação do acidente, que incidiam sobre a vítima e os seus familiares, como também sobre as entidades empregadoras, as empresas de seguros e ainda outras entidades que tivessem tido conhecimento do acidente. Assim, o seu artigo 14.º começava por impor à vítima ou aos familiares beneficiários de pensões o dever de participar o acidente, nas 48 horas seguintes, à entidade empregadora ou à pessoa que a representava na direcção do trabalho, «salvo se estas o presenciarem ou dele vierem a ter conhecimento no mesmo período», e os artigos 15.º e 18.º seguintes estipulavam, respectivamente, a obrigação de a entidade patronal participar o acidente à seguradora para quem tivesse sido transferida a responsabilidade e de esta o participar ao tribunal competente. Portanto, nos termos do citado Decreto n.º 360/71, a participação do sinistro ao tribunal incumbia, em primeira linha, à seguradora (ou ao empregador quando este não tivesse seguro de acidentes e não funcionasse, como tal, o dever de prévia comunicação a uma empresa seguradora — artigo 16.º), mas a lei permitia que a participação pudesse ser feita pela vítima, directamente ou por interposta pessoa, pelos seus familiares ou por qualquer entidade com o direito a receber as prestações, pela autoridade que tivesse tomado conhecimento do acidente sendo a vítima um incapaz, e pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado estivesse internado (artigo 21.º), sendo a comunicação obrigatória para estas últimas entidades, em caso de morte (artigo 22.º). Note-se, ainda, que o prazo de caducidade fixado no n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127, como prazo substantivo que é, está sujeito às regras dos artigos 328.º e seguintes do Código Civil, resultando da aplicação dessas regras que «[o] prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine» (artigo 328.º) e que, «se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido» (artigo 329.º). Resta salientar que, consoante estipulam as ditas normas do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal, de acto a que a lei atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1) e que a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (artigo 333.º, n.º 1). 2.2. Como é sabido, o princípio da indisponibilidade dos direitos e garantias conferidos pela lei reguladora da reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, bem expresso nas Bases XL e XLI da Lei n.º 2127, que previam a nulidade dos actos e contratos que visassem a renúncia àqueles direitos e a inalienabilidade, impenhorabilidade e a irrenunciabilidade dos respectivos créditos, justificava que o n.º 1 do artigo 27.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, determinasse que os processos emergentes de acidentes de trabalho tinham natureza urgente e corriam oficiosamente, salvas as excepções prescritas naquele Código, sem necessidade do impulso processual das partes. Nesta conformidade, «não estando condicionada pela vontade das partes o impulso processual das acções emergentes de acidentes de trabalho — que terão de correr oficiosamente —, a negligência das partes não pode exercer qualquer influência sobre o processo, nomeadamente o efeito de interromper a instância, nos termos do artigo 285.º do Código de Processo Civil» (cf. acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Novembro de 1994, que se acha disponível em www.dgsi.pt, sob o número convencional JSTJ00026019). Por outro lado, atento, ainda, o interesse público subjacente à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, o Código de Processo do Trabalho de 1981 dispunha que, naquelas acções, a instância se iniciava com o recebimento da participação (artigo 27.º, n.º 2) e que o processo emergente de acidente de trabalho se iniciava por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente (artigo 102.º, n.º 1). Se não fosse possível obter acordo entre as pessoas e entidades envolvidas, seguia-se a fase contenciosa, que se iniciava com a apresentação da petição inicial, em que o sinistrado ou os beneficiários expunham os fundamentos do pedido, ou com o requerimento de realização de junta médica quando a discordância subsistisse apenas quanto à questão da incapacidade (artigo 120.º). É, assim, patente, face à específica estrutura do processo especial de acidente de trabalho, que a instância se inicia com a apresentação da participação e que tal apresentação funciona como acto impeditivo da caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas na lei. Trata-se, pois, de um claro desvio à regra contida no n.º 1 do artigo 267.º do Código Civil, justificável pela especial natureza do processo em causa, que se desdobra em duas fases distintas: a fase conciliatória e a fase contenciosa. Por conseguinte, «o momento atendível para efeito da caducidade do direito de acção da vítima ou dos seus familiares beneficiários legais de pensões não é o da data da proposição da acção — início da fase contenciosa —, mas sim o da data do recebimento da participação do acidente — início da instância e da fase conciliatória (cf. citado acórdão deste Supremo Tribunal e a jurisprudência nele recenseada). Aliás, tal como se pondera no mesmo acórdão deste Supremo Tribunal: «No âmbito dessa espécie de processos, somente releva, para efeitos da caducidade do direito de acção, nos termos do n.º 1 da Base XXXVIII da citada Lei n.º 2127, o prazo decorrido entre a cura clínica ou a morte do sinistrado e a data do recebimento no tribunal competente da participação do acidente, o qual marca o momento exacto do início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidentes de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de acção.» Apenas se acrescentará, porque a recorrente alega que o acórdão recorrido viola o disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, norma que disciplina a recusa do patrocínio por parte do Ministério Público que, no caso, não se verifica essa recusa, pelo que não se descortina a alegada violação. 2.3. No caso, o acidente e a morte do sinistrado ocorreram no dia 15 de Julho de 1993 [facto provado b)], sendo que a participação relativa ao acidente foi recebida no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, em 27 de Outubro de 1994 [facto provado a)], quando, portanto, já havia decorrido o prazo de um ano previsto no n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127. É certo que a autora nasceu em 20 de Dezembro de 1993 [facto provado c)], sendo nascitura, à data da morte do sinistrado, e que o reconhecimento da respectiva paternidade resultou de sentença transitada em julgado em 1 de Março de 1995 [facto provado d)]. Porém, só nos casos em que a lei se limite a fixar o prazo de caducidade, sem indicar a data a partir da qual o prazo se conta, «é que interessa distinguir entre a constituição ou a existência do direito e a possibilidade legal do seu exercício» (cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 329.º, p. 214), sendo que o n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 fixa esse momento na data da cura clínica ou, se do evento resultar a morte, na data desta, pelo que, no caso concreto, não há lugar à sobredita distinção. Tal como se aduz no acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Novembro de 2004, Revista n.º 2661/04, da 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, sob o número de documento SJ200411090026611: « A caducidade, como é repetidamente afirmado pelos autores, é um instituto cujo fundamento específico é o da necessidade de certeza jurídica. Escreveu o Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3.ª reimpressão, Coimbra 1972, II, pág. 464: “Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo”. Impede-se a caducidade propondo a acção dentro do prazo respectivo. É fundamental, assim, apurar quando tem lugar o começo do prazo. Estipula, a propósito, o artigo 329.º do C. Civil que o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. […] A problemática do início da contagem do prazo de caducidade não é nova e tem sido amplamente abordada pela doutrina e jurisprudência. O Prof. Vaz Serra — Boletim n.º 107, pág. 174 e seguintes — sustentou que, sendo a caducidade determinada por razões objectivas de segurança jurídica, o prazo de caducidade não poderia ser suspenso, “nem sequer por impossibilidade jurídica de dentro dele se propor a acção”. A solução fixada no artigo 329.º veio consagrar a tese do Prof. Vaz Serra, distinguindo o Código Civil as figuras de prescrição e de caducidade e definindo as regras essenciais que correspondem a cada uma delas (artigo 300.º e segs. e 328.º e segs.). Procura-se assim separar os direitos que por uma questão de segurança e de urgência na clarificação de certas situações devem ser exercidos num curto lapso de tempo dos que, por virtude do período relativamente longo de inércia do seu titular, devem poder extinguir-se a requerimento daqueles a quem vinculam.» É um facto que a autora era nascitura, à data da morte do sinistrado, pelo que os direitos conferidos por lei dependiam do seu nascimento (artigo 66.º, n.º 2, do Código Civil), e que a atendibilidade da filiação ou do parentesco nela fundado só ocorre se se encontrar legalmente estabelecida (artigo 1797.º, n.º 1, do Código Civil). Contudo, prevendo o n.º 1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127 que o prazo de caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas naquela lei se conta «da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta», face ao preceituado nos artigos 328.º e 329.º do Código Civil, a falta de personalidade jurídica ou capacidade para aquisição de direitos por banda do nascituro, bem como o não estabelecimento da sua filiação, não suspendem o sobredito prazo de caducidade, nem sequer por impossibilidade legal do exercício do direito. Tal não significa que, no caso vertente, se esteja perante um direito de acção que apenas se constituiria com o nascimento da autora ou com o estabelecimento da sua filiação, na medida em que, como bem decorre do ponto I.1. do presente aresto, à data da morte do sinistrado, para além da beneficiária legal nascitura, havia outros beneficiários legais que tinham a possibilidade de exercer, em tempo útil, o direito de acção respeitante às prestações fixadas na lei. Daí que, tendo a morte do sinistrado ocorrido em 15 de Julho de 1993 e sendo a participação do acidente recebida em 27 de Outubro de 1994, verifica-se a caducidade do direito à acção referente às prestações fixadas na lei, o que implica a absolvição da ré do concreto pedido formulado pela autora na petição inicial. Procedem, pois, as conclusões da alegação do recurso de revista. III Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e, declarando a caducidade do direito de acção respeitante às prestações fixadas na lei, absolver a ré do pedido formulado pela autora na petição inicial. Sem custas, nas instâncias e no Supremo, por delas estar isenta a autora, nos termos do disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, cujas alterações só se aplicam aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004 (artigos 14.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003). Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008 Pinto Hespanhol (relator) Vasques Dinis Bravo Serra
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011354 Nº Convencional: JTRP00030997 Relator: SOUSA PEIXOTO Descritores: FUNCIONÁRIO BANCÁRIO PENSÃO DE REFORMA CÁLCULO DA PENSÃO Nº do Documento: RP200101150011354 Data do Acordão: 15/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG424 Tribunal Recorrido: T TRAB BRAGA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 556/99 Data Dec. Recorrida: 10/07/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: ACTV PARA O SECTOR BANCÁRIO IN BTE N31 IS DE 1990/08/22 CLAUS137 CLAUS138. Sumário: I - A pensão de reforma dos trabalhadores bancários é calculada sobre a retribuição base fixada no Anexo VI do ACTV e não sobre a retribuição global por eles auferida. II - À pensão calculada naqueles termos só acresce o valor das diuturnidades correspondentes ao tempo de serviço à data da reforma. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031685 Nº Convencional: JTRP00030968 Relator: ALVES VELHO Descritores: ARRENDAMENTO RURAL FORMA ESCRITA JUNÇÃO DE DOCUMENTO ACÇÃO DE PREFERÊNCIA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA Nº do Documento: RP200101110031685 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG178 Tribunal Recorrido: T J FAFE 1J Processo no Tribunal Recorrido: 151/97 Data Dec. Recorrida: 18/07/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: LAR88 ART3 ART35 N5 ART36. CPC95 ART287. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1999/02/23 IN CJ T1 ANOXXIV PAG121. Sumário: I - Desde 1 de Julho de 1989, é sempre exigível a forma escrita em todos os contratos de arrendamento rural, mesmo que sejam ao agricultor autónomo e qualquer que tenha sido a data da sua celebração. II - A exigência de junção de um exemplo desse contrato, ou a alegação de a omissão de redução do contrato a escrito ser imputável à parte contrária, é aplicável a todas as acções referentes a arrendamentos rurais, designadamente às acções de preferência intentadas pelo arrendatário. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. - No Tribunal Judicial da Comarca de Fafe (1º Juízo), JOAQUIM... e mulher, MARIA... intentaram contra ABÍLIO... e mulher, MARIA SOUSA... e ARMINDO... e mulher ROSALINA... acção declarativa, com processo ordinário, para preferência, pedindo: - A declaração e reconhecimento do contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo existente entre os 1ºs RR e os AA. sobre os prédios identificados na petição inicial; - O reconhecimento aos AA. do direito de preferência na venda dos referenciados prédios; - A declaração de substituição dos 2ºs RR. compradores na titularidade desses prédios, tomando os AA. a posição que aqueles ocupam; e - A declaração de cancelamento de quaisquer registos sobre os prédios objecto da acção operados após a celebração da compra e venda. Fundamentando a sua pretensão, os AA. alegaram, em síntese, que, desde 1966, habitam a casa e trabalham os campos e terrenos de mato identificados na petição, mediante o pagamento de metade da respectiva produção, tendo os 1ºs RR. vendido aos 2ºs os bens arrendados antes de decorrido o prazo para os AA. se pronunciarem sobre a notificação para preferir que o R. Abílio lhes fez. Contestaram apenas os RR. compradores, além do mais por excepção, pedindo a extinção da instância e a improcedência da acção, quer porque não está junto aos autos exemplar do contrato de arrendamento nem se imputa a falta à outra parte, quer porque quando o A. enviou a carta a declarar a vontade de preferir já o direito exercitado tinha caducado. Proferiu-se, então, despacho em que foi declarada extinta a instância, com fundamento na omissão de junção de exemplar do contrato de arrendamento e de alegação de que a falta era imputável à parte contrária e nos art.s 3º-1 e 3 e 35º-5 do Regime de Arrendamento Rural. Agravaram os AA., pedindo a revogação do despacho impugnado, para o que formularam estas conclusões: 1 – Os AA. alegaram factos com vista à comprovação da não exigibilidade da apresentação de um exemplar de um contrato de arrendamento, 2 – Tais factos contêm o fundamento pelo qual os AA. não podiam imputar à parte contrária a falta de tal documento, pelo que tal facto não carece de ser expressamente alegado; 3 – Tais factos não foram, como não podiam ser, impugnados pelos RR. contestantes, que os não conheciam, nem podiam conhecer; 4 – Em conformidade, não estão reunidos os requisitos para extinção da instância; 5 – O M.mo Juiz entendeu não se pronunciar sobre tais factos, pelo que a decisão recorrida violou o disposto no art. 668º-1-d) CPC, além do art. 35º-5 do DL n.º 385/88. Os Agravados responderam, sustentando e desenvolvendo a posição vertida na contestação e o Ex.mo Juiz manteve a decisão. 2. - Os elementos de facto a considerar, por relevantes, para o conhecimento do objecto do recurso são os que seguem: - Datada de 13/9/96, e recebida pelos destinatários em 16 do mesmo mês, o R. Abílio enviou aos AA. uma carta, comunicando-lhes pretender «vender os prédios que lhe dei de arrendamento» e notificando-os que o pretendente era o R. Armindo, «sendo o preço de 15 500 000$00, a pagar no acto da escritura, que terá lugar no prazo de 15 dias a contar de hoje. Como V.ªs Ex.ªs, face à lei, gozam do direito de preferência, ainda os notifico para, no prazo de oito dias a contar da data da recepção desta carta , dizerem se pretendem exercer tal direito na venda dos ditos prédios, sob pena de caducidade do mesmo direito»; - O R. respondeu, comunicando estar interessado na aquisição dos ditos prédios pelo preço proposto, por carta datada de 24/9/96 e recepcionada em 27 do mesmo mês; - A escritura de compra e venda dos prédios em causa, em que figuram como vendedores os 1.ºs RR. e como comprador o R. Armindo, foi celebrada em 27/9/96. - Os prédios descritos nessa escritura de compra e venda correspondem ao que os AA. identificam como tendo-lhes sido dados de arrendamento, para os cultivarem directamente, em 1966, por José..., então seu dono, um dos antecessores, como senhorio, do R. Abílio.... 3. - A questão a solucionar é a de saber se nesta acção de preferência há lugar à exigência de instrução da acção com um exemplar do contrato de arrendamento rural. 3. 1. - O art. 35º-5 do Dec.-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (LAR) veio estipular que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária. Trata-se de um preceito de natureza processual, que se traduz num pressuposto específico das acções referentes a arrendamentos rurais ou a que esteja subjacente a existência desses contratos – como sucede na preferência - para que os efeitos desses contratos possam ser invocados em juízo ou prosseguir as acções que neles se fundem. Criou-se uma nova causa de extinção da instância, a juntar às previstas no art. 287º CPC (ARAGÃO SEIA e COSTA CALVÃO “Arrendamento Rural”, 2ª ed., pp.18). Assim, em regra, intentada a acção para exercício do direito de preferência na venda de prédio arrendado, nos termos previstos noa art.s 28º e 35º-1 da LAR, impende sobre o arrendatário-preferente instruir a petição inicial com um exemplar do contrato ou alegar logo que falta de formalização do contrato é imputável à outra parte, sob pena de ter de ver aplicada a sanção de extinção do processo. 3. 2. - Sustentam os Agravantes que a junção da apresentação do contrato não lhes era exigível, quer porque não era obrigatória a celebração sua escrita, quer porque o senhorio Abílio nunca os notificou para tal efeito, não podendo, por isso, este R. ou o comprador Armindo invocar a nulidade, nem os Agravantes podiam imputar ao Abílio a falta de redução a escrito por o contrato ter sido celebrado com o José... em 1966. Como já resulta do que se deixou escrito, não lhes assiste razão. Sendo embora certo que à data do início de vigência do contrato (1966) o mesmo não estava sujeito a forma escrita, pois vigorava, então, o regime da Lei n.º 2114, de 15-06-62, regime que se manteve no domínio do Código Civil, após sucessivos avanços e recuos - que aqui, por irrelevantes para o caso, não interessa analisar - de que a matéria foi objecto na vigência dos Dec.-Lei n.º 201/75, Lei n.º 76/77 e Lei n.º 76/79, encontra-se presentemente estabelecida a obrigatoriedade de atribuição da forma escrita ao contrato em causa desde 1 de Julho de 1989. Com efeito, o art. 3º da LAR impõe a obrigatoriedade, de redução a escrito dos contratos de arrendamento rural, ainda que ao agricultor autónomo. Por outro lado, o seu art. 36º-1 e 3 determina que a lei, onde se inclui, por expressa referência, aquele art. 3º, se aplique aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, relegando especificamente para 1 de Julho de 1989 o início da aplicabilidade das normas referentes à exigência de forma e às consequências da sua inobservância. De concluir, pois, que, perante a clara eficácia retroactiva das enunciadas normas, é hoje, e desde 01-07-89, sempre exigível a forma escrita em todos contratos de arrendamento ao agricultor autónomo, qualquer que tenha sido a data da sua celebração (cfr. ob. cit, 171 e ss. e Ac. RL, 23-2-99, in CJ XXIV-1º, 121). 3. 3. - O que está em causa neste processo não são questões relativas à validade do contrato, sua invocabilidade e consequências mas, tão só, sublinha--se, a sobredita sanção de carácter estritamente processual. Invoca-se um contrato em vigor que estava sujeito à forma escrita, donde que os AA. só podiam livrar-se da declaração de extinção da instância processual alegando que a omissão era imputável aos RR. Para tanto, bem podiam os AA. ter lançado mão da faculdade prevista no n.º 3 do art. 3º da LAR, notificando o senhorio para a redução do contrato a escrito, colocando-se em condições de, em caso de recusa, poderem fazer recair sobre aquele as consequências do incumprimento da forma, designadamente adquirindo a possibilidade de alegar que a falta lhe era imputável. A tanto não obstava, nem obsta, a transmissão da posição contratual do locador decorrente das sucessivas transmissões do prédio. Tal modificação subjectiva não tem qualquer reflexo no cumprimento do desígnio legal quanto à exigência da forma: - Enquanto o contrato estiver em vigor a obrigação de lhe conferir a forma tornada obrigatória mantém-se, radicando-se a respectiva legitimidade em quem, a cada momento, detiver a qualidade de locador. É que o contrato subsiste o mesmo desde 1966, não sofrendo qualquer alteração apenas pelo facto da (posterior) redução a escrito do respectivo clausulado. 3. 4. - Aplicando o regime legal enunciado ao caso concreto, dir-se-á que pressupondo o exercício do direito de preferência que o contrato esteja em vigor no momento da alienação dos prédios arrendados e não se extinguindo o vínculo contratual por via dessa alienação, já que apenas se transmite a posição do locador, então, se o contrato não estava anteriormente reduzido a escrito, o que aos ora Agravantes se impunha, para satisfazer o requisito processual e evitar a sanção de extinção da instância, era notificar o actual senhorio para aquele efeito e, a partir daí, proceder em conformidade com a posição da outra parte. 4. - Não merece, consequentemente, censura a decisão impugnada, a qual dada a natureza exclusivamente processual da questão, apesar da parcimónia na fundamentação, não enferma da nulidade imputada, pois conheceu da questão que tinha de conhecer e que precedia e prejudicava quaisquer outras, designadamente a das repercussões da omissão da forma na validade e efeitos do contrato, questões que, como se escreveu atrás, e ora se repete, não interferem com o pressuposto processual criado pelo n.º 5 do art. 35º da LAR (DL n.º 385/88). 5. - Termos em que se decide negar provimento ao agravo e condenar os Recorrentes nas custas. Porto, 11 de Janeiro de 2001 António Alberto Moreira Alves Velho Camilo Moreira Camilo António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031561 Nº Convencional: JTRP00030878 Relator: LEONEL SERÔDIO Descritores: EXECUÇÃO VENDA JUDICIAL FORMALIDADES ACTO JUDICIAL FALSIDADE ARGUIÇÃO PRAZO PROVAS ANÚNCIO PUBLICAÇÃO NULIDADE Nº do Documento: RP200101110031561 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J GONDOMAR Processo no Tribunal Recorrido: 110/97 Data Dec. Recorrida: 03/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART201 ART252 ART551-A ART890 N3 ART205 N1 ART254 N2. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1994/02/10 IN CJSTJ T1 ANOII PAG98. AC RC DE 1986/02/18 IN BMJ N354 PAG625. AC RE DE 1990/11/08 IN CJ T5 ANOXV PAG251. AC RL DE 1992/06/08 IN BMJ N418 PAG886. Sumário: I - A prova de afixação dos editais (acto prévio à realização da venda judicial, que agora é apenas a venda por meio de propostas por carta fechada) é efectuada pela junção aos autos da cópia de um dos editais e declaração do funcionário judicial dos dias e lugares onde os afixou. II - A desconformidade entre aquilo que o funcionário declara ter praticado através do meio fixado na lei e a realidade integra falsidade. III - A falsidade de acto judicial deve ser suscitada através do respectivo incidente, no prazo de dez dias a contar da intervenção do interessado no processo, agora regulado no artigo 551-A do Código de Processo Civil. IV - A publicação dos anúncios para a venda judicial tem de ser efectuada, segundo o artigo 890 n.3 do Código de Processo Civil, num dos jornais mais lidos, publicados na localidade da situação dos bens e só se ai não houver periódicos é que se pode recorrer a um jornal que nela seja mais lido. V - Sendo publicados periódicos em Gondomar, localidade da situação do prédio a vender, os anúncios devem ser publicados num jornal desta cidade. VI - Não o tendo sido foi cometida uma nulidade secundária, cuja arguição deve ser feita no prazo de dez dias a contar da data em que o interessado intervenha em acto processual posterior ou seja notificado para acto processual posterior; neste último caso, o prazo só começa a correr quando, atentas as circunstâncias concretas, se deva presumir que então tomou conhecimento do acto ou omissão ou podia ter tido dele conhecimento se tivesse uma actuação normalmente diligente. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031152 Nº Convencional: JTRP00030882 Relator: PINTO DE ALMEIDA Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL PETIÇÃO INICIAL INTERRUPÇÃO LEGITIMIDADE DESPACHO SANEADOR Nº do Documento: RP200101110031152 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 469/98 Data Dec. Recorrida: 08/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: DL 251/97 DE 1997/09/26 ART1. DL 522/85 DE 1985/12/31 ART21 ART22 ART25 ART27 ART29 N6 N8 N11. CPC95 ART6. Sumário: Na acção dirigida contra Instituto de Seguros de Portugal e outro, se o juiz, no despacho saneador, analisando a petição, entendeu que a entidade demandada era, inquestionavelmente, o Fundo de Garantia Automóvel, que, afinal, veio a ser condenado, a decisão é correcta, gozando ele de legitimidade para a causa. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031683 Nº Convencional: JTRP00030872 Relator: LEONEL SERÔDIO Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA CREDOR DEVEDOR SOLIDARIEDADE ÓNUS DA PROVA EFEITOS REGISTO PREDIAL CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO Nº do Documento: RP200101110031683 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J CAMINHA Processo no Tribunal Recorrido: 249-B/96 Data Dec. Recorrida: 19/06/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART611 ART512 ART518 ART442 N2. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/05/11 IN BMJ N447 PAG508. AC STJ DE 1998/11/25 IN CJSTJ T3 ANOVI PAG134. AC STJ DE 1998/06/17 IN CJSTJ T2 ANOVI PAG127. Sumário: I - Na acção de impugnação pauliana ao credor incumbe apenas o ónus da prova do montante das dívidas competindo ao devedor ou ao adquirente, interessado na manutenção do acto, provar que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. II - Não basta, para se excluir a impugnação pauliana, que os outros devedores solidários ainda mantenham bens suficientes para garantir o pagamento da dívida. III - A única, consequência da impugnação pauliana é a de responder o imóvel transmitido pela dívida do alienante, na medida do interesse do credor; assim, não há que ordenar o cancelamento do registo efectuado com base na compra e venda impugnada. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031596 Nº Convencional: JTRP00030869 Relator: SOUSA LEITE Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA INCUMPRIMENTO RESOLUÇÃO DO CONTRATO TRIBUNAL COMPETENTE Nº do Documento: RP200101110031596 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 V MISTA V N GAIA Processo no Tribunal Recorrido: 53/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART74 N1. Sumário: Radicando-se no Cartório Notarial de Espinho o local onde a obrigação a cargo do réu devia ser cumprida, traduzida na celebração de escritura pública de compra e venda de coisa prometida vender, local este coincidente, aliás, com o do seu domicílio, é a comarca de Espinho a territorialmente competente para conhecer da acção destinada a exigir a resolução do contrato-promessa por falta de cumprimento do mesmo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031314 Nº Convencional: JTRP00030888 Relator: PINTO DE ALMEIDA Descritores: INDEMNIZAÇÃO ACTUALIZAÇÃO JUROS DE MORA INÍCIO CITAÇÃO SENTENÇA Nº do Documento: RP200101110031314 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC Tribunal Recorrido: 9 V CIV PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 661/96-3S Data Dec. Recorrida: 03/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV / DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART566 N2 ART805 N3. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1993/03/31 IN BMJ N425 PAG544. AC STJ DE 1993/05/26 IN CJSTJ T2 ANOI PAG130. AC STJ DE 1993/12/09 IN CJSTJ T3 ANOI PAG174. AC STJ DE 1994/05/10 IN CJSTJ T2 ANOII PAG90. AC STJ DE 1994/10/06 IN BMJ N440 PAG408. AC STJ DE 1995/01/18 IN CJSTJ T1 ANOIII PAG31. AC STJ DE 1995/02/09 IN CJSTJ T1 ANOIII PAG79. Sumário: I - Os artigos 566 n.2 e 805 n.3 do Código Civil, fixam duas formas diferentes de actualização da indemnização por facto ilícito. II - A actualização estabelecida no artigo 566 n.2, reporta-se ao período de tempo que decorre até à data da prolação da sentença em 1ª instância; caso se opte por esse critério, os juros moratórios previstos no artigo 805 n.3, são contados, a partir dessa mesma sentença. III - Não se fazendo na sentença, no que respeita aos danos não patrimoniais, alusão expressa a qualquer data ou qualquer referência actualizadora, tendo sido fixados juros desde a citação, acolhendo-se o pedido formulado, terá de presumir-se que os montantes indemnizatórios foram fixados com referência à data da citação, pelo que os juros são devidos desde essa data. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031522 Nº Convencional: JTRP00030885 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: EXECUÇÃO PENHORA VENDA EMBARGOS DE TERCEIRO EXTEMPORANEIDADE PROCEDÊNCIA EFEITOS Nº do Documento: RP200101110031522 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 228-B/97-2S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART353 N2 ART354 ART356 ART909 N1 A D. Sumário: I - Instaurados embargos de terceiro apenas cinco dias antes da data designada para a abertura das propostas para venda do imóvel a que dizem respeito, isso não pode significar que sejam extemporâneos, não se justificando nunca a sua rejeição com esse fundamento. II - Realizada a venda antes de os embargos serem recebidos, devem realizar-se as diligências probatórias necessárias destinadas a fundamentar o recebimento ou rejeição dos embargos, em conformidade com o disposto no artigo 354 do Código de Processo Civil. III - Sendo recebidos e se, a final, vierem a ser julgados procedentes produzirão os efeitos que lhes são próprios, determinando a anulação da penhora e, como necessária consequência, a ineficácia da venda subsequentemente realizada. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031600 Nº Convencional: JTRP00030884 Relator: JOÃO VAZ Descritores: EXECUÇÃO DEPÓSITO BANCÁRIO PENHORA RECUSA DE COOPERAÇÃO SEGREDO PROFISSIONAL Nº do Documento: RP200101110031600 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 518-A/97 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: CPC95 ART519 N3 ART861-A N2. DL 298/92 DE 1992/12/31 ART78 ART79. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/04/19 IN BMJ N446 PAG186. AC STJ DE 1997/01/14 IN BMJ N463 PAG472. Sumário: O Banco de Portugal tem obrigação de, a pedido do tribunal, informar em que instituições de crédito o executado tem depósitos bancários a fim de eles serem objecto de penhora, não podendo, baseado em segredo profissional (bancário), recusar essa informação. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I-Relatório: No 3º Juízo da Comarca do Porto, corre termos a acção executiva, em que é exequente o Banco A..., S.A., e executados Américo... e mulher Argentina.... Por despacho de 8-2-2000, foi ordenado que se solicitasse ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que os executados são detentores de contas bancárias e, se possível a identificação das mesmas, nos termos do artº 861º A nº6 do C.P.Civil, com a redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro. Por ofício de 6-4-2000, o Banco... recusou-se a prestar a informação solicitada, apresentando justificação. Por despacho de 16-5-2000, o Sr. Juiz “a quo” decidiu que a recusa do Banco... não é justificada e condenou-o na multa de 1 Uc. Inconformado com este despacho, o Banco... interpôs recurso que foi recebido como agravo e em cujas alegações conclui pela forma seguinte: 1 - A decisão recorrida é a que, rejeitando a justificação apresentada pelo Banco de Portugal para a não prestação de informação anteriormente pedida quanto às instituições de crédito em que o executado no presente processo é detentor de contas bancárias, confirmou ou renovou a solicitação feita ao Banco.... 2 - A decisão recorrida fez, salvo melhor juízo, errada interpretação do nº6 do artº 861º A do C.P.Civil, ao afirmar que este preceito veio atribuir ao Banco de Portugal poderes de autoridade para exigir das instituições de crédito informações acerca dos detentores de contas bancárias nelas existentes, sendo que tal interpretação, a prevalecer, colocaria aquele preceito em desconformidade com o princípio da legalidade de poderes públicos administrativos (artº 226º nº2 da Constituição), por envolver uma atribuição de prerrogativas de autoridade sem a necessária especificação do seu conteúdo e limites. 3 - Com efeito, o que o nº6 do artº 861º A se estabelece é uma obrigação para o Banco..., não sendo de modo nenhum possível, em sede interpretativa, inferir de tal obrigação o poder de fazer exigências a terceiros. 4 - O Tribunal “a quo” fez igualmente errada interpretação do artº 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec. Lei nº 298/92, de 31-12, ao considerar que a informação sobre se determinada pessoa é cliente de um banco não contende com o sigilo bancário, pois o segredo profissional das instituições de crédito abrange todos os “factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes”, o que manifestamente inclui a titularidade de contas de depósito. 5 - Não é defensável, a título interpretativo, dizer que o nº6 do artº 861 A do C.P.Civil, ao mandar pedir através do Banco de Portugal uma informação que até aqui era pedida directamente às instituições de crédito, alterou o regime de segredo bancário em Portugal, pelo que, decidindo o contrário, a decisão recorrida fez errada interpretação do citado preceito. 6 - Ainda que as alegações anteriores não procedessem, o Banco... só estaria em condições de se responsabilizar pela informação prestada aos tribunais se dispusesse dos poderes de fiscalização e sancionatórios necessários para impor o cumprimento do dever às instituições de crédito, não sendo lícito, em sede interpretativa, pretender que lhe foram conferidos, de forma indirecta, pelo nº 6 do artº 861º A do C.P.C., sob pena de se colocar este preceito em desconformidade com o princípio da legalidade dos poderes públicos administrativos (artº 266º nº2 da Constituição), por envolver uma atribuição de prerrogativas de autoridade sem a necessária especificação do seu conteúdo e limites. Termina por pretender que se revogue a decisão recorrida e se substitua por outra que aceite a justificação apresentada para não prestar a informação que lhe foi solicitada, devendo ainda ser revogada na parte em que o condenou na multa de 1 Uc.. O M.P. apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção do despacho recorrido. II-Fundamentação: A) Os factos a atender para a decisão, neste recurso, são os atrás descritos. B) Apreciação dos factos e sua qualificação: O artº 861º A do C.P.Civil, cuja redacção foi introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95 de 12-12, determinava, no seu nº 2 que “A instituição detentora do depósito penhorado deve comunicar o saldo da conta objecto da penhora na data em que esta se considera efectuada, notificando-se o executado de que as quantias nelas lançadas ficam indisponíveis desde a data da penhora ...” Por sua vez, o Dec. Lei nº 375-A/99, de 20-9, veio alterar a redacção deste preceito, aditando no indicado nº2 a imposição de o estabelecimento bancário proceder à comunicação, no prazo de 15 dias, e acrescentando-lhe os nºs 6 e 7, sendo aquele com a seguinte redacção: “Se tiverem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias”. Visou, este último diploma que conteve a alteração apontada, aperfeiçoar alguns aspectos da reforma do C.P.Civil introduzida pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12-12, na perspectiva de lhe conferir maior simplificação e eficácia na execução da penhora de depósitos existentes em instituições legalmente autorizadas a recebê-los. Pelo Dec. Lei nº 298/92, de 31-12, estabeleceu-se o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras”, fixando, no âmbito das regras de conduta, o “segredo profissional”, como comportamento geral a seguir em todos os actos da vida das Instituições de Crédito, nas suas relações com os clientes e terceiros - nesse segredo profissional se contem (no que ora interessa) informações sobre factos ou elementos respeitantes aos seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou prestação dos seus serviços, nomeadamente os nomes e as contas de depósito daqueles. - artº 78º deste diploma legal. Mas este mesmo diploma estabelecia excepções a esta regra, conforme fez constar do respectivo artº 79º, entre as quais a da sua alínea e): “Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”. Antes da entrada em vigor do Dec. Lei nº 329-A/95, atrás referido, que veio reformular o C.P.Civil no intuito de lhe conferir maior celeridade, simplificação e eficácia, não existia a norma do artº 861º A, pelo que o segredo profissional (bancário) em análise se impunha respeitar, como regra geral (no entendimento de que vigorava o princípio da total supremacia do dever de sigilo bancário sobre o da cooperação, a que aludia o artº 519º nº3 do C.P.Civil), entendimento que era seguido por parte da jurisprudência, referindo-se, a título de exemplo, o Ac. do STJ, de 19-4-95, in BMJ 446, pág 186, - mas, progressivamente, a jurisprudência tendeu a seguir opinião inversa, com fundamento na cedência do segredo bancário perante os interesses relativos à penhora, na perspectiva de que aquele não pode ser considerado absoluto em relação a outros direitos fundamentais como o direito à justiça (p.e. Ac. STJ, de 14-1-97, in BMJ 463, pág 472). Esta divergência de entendimento deixou de ter razão de ser, a partir da entrada em vigor do mencionado artº 861º A do C.P.Civil. Nos termos deste normativo, as instituições de crédito deixaram de poder invocar o “sigilo bancário” como forma de oposição legítima à determinação do tribunal para que informem sobre a existência de depósitos de que o executado seja titular. Tal dever de informação está, agora, bem expresso na lei, por forma a constituir a excepção prevista, naquela alínea e) do nº2 do artº 79º do Dec. Lei nº 298/92. Daí que, face ao conteúdo desta disposição legal, os Tribunais possam, agora e sem que se suscitem mais dúvidas quanto à legalidade do acto, exigir às instituições de crédito que informem sobre a existência de contas bancárias dos executados, a fim de sobre elas recair, por forma eficaz, a penhora previamente requerida. E, porque, na maioria dos casos, o exequente desconhece em que instituição bancária o executado é titular de contas de depósito e, como é evidente, os tribunais não dispõem de meios técnicos para (por forma eficaz e em tempo razoável) obterem essa informação, é que o legislador centralizou no Banco... o encargo de identificar essas instituições, servindo de intermediário entre estas e o Tribunal, Assim sendo, impende sobre o Banco de Portugal a obrigação de dar essa informação, como o determina o preceito legal indicado, para o que a deverá colher mediante solicitação às instituições de crédito, sobre quem, posteriormente recairá a obrigação de as transmitir ao tribunal, de harmonia com o nº2 do mesmo artº 861º A do C.P.C.. E não se impõe ao Banco de Portugal outra coisa que não seja esse dever de informar, satisfazendo, assim, o comando do referido preceito como o de “cooperação” a que alude o artº 519º do C.P.Civil, cujo nº3 alínea c) (recusa legitima) neste caso não se aplica, por haver norma legal que produz o efeito de o isentar do dever de “segredo profissional”. Deste modo, porque não se trata de “exigir” mas antes de solicitar a pretendida informação, não se coloca qualquer problema inerente a relação de poder subordinado, nomeadamente de âmbito administrativo, pelo que, no caso de as instituições bancárias não virem a satisfazer a solicitação que o recorrente lhes venha a dirigir, a este se impõe, apenas, o dever de comunicar ao tribunal, essa omissão. E, tendo em consideração que o procedimento adoptado pelo recorrente foi violador da lei, ao recusar (mesmo com a apresentação de justificação - mas sem fundamento atendível) cumprir uma ordem legitima, também se mostra pertinente a aplicação da sanção pecuniária. III-Decisão: Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido. Custas do recurso pelo agravante. Porto, 11 de Janeiro de 2001 João Carlos da Silva Vaz Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:024021 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:BRANDÃO DE PINHO Descritores:CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL DIREITO REAL DE GARANTIA DIREITO DE SEQUELA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO REVERSÃO DE EXECUÇÃO Sumário:O privilégio imobiliário geral previsto no art. 11 do Dec.Lei n. 103/80, de 9 de Maio, não confere o direito de sequela, não sendo oponível a terceiro adquirente de um direito real de gozo sobre o respectivo imóvel. Nº Convencional:JSTA00052086 Nº do Documento:SA219990708024021 Data de Entrada:12/05/1999 Recorrente:FAZENDA PUBLICA Recorrido 1:ESPINHEIRO , JOAQUIM Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TT1INST PORTO DE 1999/02/27. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Indicações Eventuais:JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. Área Temática 1:DIR FISC - RECEITA PARAFISCAL. DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO. Área Temática 2:DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional:DL 103/80 DE 1980/05/09 ART10 ART11. CPC67 ART713 N6 ART726. CCIV66 ART9 N3 ART12 ART610 ART735 N2 N3 ART743 ART744 ART748 ART749 ART750 ART751. DL 512/76 DE 1976/07/03 ART2. Jurisprudência Nacional:AC STJ DE 1980/05/29 IN BMJ N297 PÁG278. AC STJ DE 1981/11/17 IN BMJN311 PÁG358. AC STJ DE 1985/08/18 IN BMJ N352 PÁG250. AC STA DE 1990/09/26 IN AP-DR PÁG914. AC STA DE 1996/03/13 IN BMJ N455 PÁG326. AC STA PROC23147 DE 1999/01/13. AC STA PROC23250 DE 1999/02/03. AC STA PROC23146 DE 1999/03/17. AC STA PROC23148 DE 1999/02/10. AC STA PROC23140 DE 1999/03/03. AC STA PROC23247 DE 1999/04/21. AC STA PROC23684 DE 1999/04/21. AC STA PROC23142 DE 1999/05/26. AC STA PROC21602 DE 1997/10/22 IN AD N432 PÁG1445. Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI 4ED PÁG765 NOTA3 PÁG770 PÁG771. MENEZES CORDEIRO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES IIV PÁG500-501. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031448 Nº Convencional: JTRP00030876 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: ACTIVIDADE BANCÁRIA CHEQUE CHEQUE VISADO FALSIFICAÇÃO PAGAMENTO RESPONSABILIDADE CIVIL BANCO Nº do Documento: RP200101110031448 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J CHAVES 2J Processo no Tribunal Recorrido: 273/99 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA. Área Temática: DIR CIV . DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCOM888 ART407. CCIV66 ART348 ART483 N1 ART486. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/11/10 IN BMJ N413 PAG441. Sumário: I - Está estabelecido pelos usos específicos da actividade bancária que, nos cheques, os espaços em branco, antes e depois das quantias em numerário e por extenso (pelo menos no extenso), devem ser inutilizados por traço contínuo e também uma cautela acrescida deve levar o banco a acrescentar, a par do escrito "visado", com idêntica letra, por cima do cheque, uma vez mais o valor do cheque visado, sendo tais regras sancionadas pelo Banco de Portugal. II - Estando-se perante simples usos específicos da actividade bancária e relativos a cheques visados, devem esses usos ser comprovados, por quem os invoque, por interpretação extensiva do artigo 348 do Código Comercial. III - Em carta circular relativa ao cheque visado, o Banco de Portugal recomenda às instituições de crédito "... que na zona de extenso qualquer espaço deixado em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo...". IV - Qualquer cheque pode ser preenchido manualmente ou por meios técnicos (máquina de escrever ou computador) e, sendo este o caso, nada impede que o trancamento dos espaços em branco se efectue pelo mesmo meio técnico utilizado no preenchimento. V - O instituto do visto não tem existência jurídica entre nós. VI - Tendo, um cheque sido falsificado quanto ao seu montante após a aposição de "visado" pelo Banco sacado, estando trancado o espaço em branco, este não é civilmente responsável pelo pagamento. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Relatório Daniel .…….., intentou no Tribunal de Círculo de Chaves a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra o Banco A, alegando em resumo: - O A. é dono e portador do cheque nº………, sacado por Hilário ………, sob a conta nº….….. de que é titular no banco R. -agência de Guimarães- . - Tal cheque tem a indicação de ter sido emitido em 10/11/95 com o valor nominal de 4.908.000$00, pagável à ordem de “……… – Agência de Câmbios S.A.” a qual por sua vez o endossou ao A. em pagamento da quantia que lhe era devida no quadro de relações comerciais que mantinham. - O referido cheque foi visado em 10/11/95 pelo R. - O A. aceitou o endosso do cheque por este se encontrar visado e na convicção que, por isso, estava assegurado o pagamento da quantia titulada. - Veio, porém, a ser recusado o pagamento do cheque, por ter sido falsificado. - De facto, o cheque em causa, quando foi visado pelo Réu estava passado pelo valor de 3.900$00 e a favor de outro beneficiário, sofrendo falsificação após a aposição do visto e a entrega à “.…….. Agência de Câmbios S.A.”. - De acordo com a prática bancária em Portugal e segundo as regras das próprias instituições bancárias, incluindo do R., a aposição do visto num cheque pretende informar acerca da existência de provisão na data do visto e de que essa provisão fica cativa sob responsabilidade do sacado e afecta ao pagamento desse cheque. - Ainda de acordo com aquela prática e regras, o acto de “visar” um cheque é rodeado de medidas destinadas a evitar a falsificação do cheque, daí que esteja estabelecido que os espaços em branco antes e depois das quantias em numerário e por extenso (pelo menos, no extenso) devam ser inutilizados por traço contínuo, e uma cautela acrescida deve mesmo levar o banco a acrescentar, a par do escrito visado, com idêntica letra, por cima do cheque, uma vez mais o valor do cheque visado. - Tais regras são sancionadas pelo Banco de Portugal. - A Ré não teve essas cautelas, já que nem sequer inutilizou os espaços em branco, o que permitiu ou pelo menos favoreceu as circunstâncias que permitiram a ulterior falsificação do cheque. - Agiu, pois, o R. de forma negligente e ficou obrigada a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos nos termos do art. 483º do C.C. Citado o R. veio contestar, defendendo-se por excepção (caso julgado) e por impugnação, como consta de fls. 15 e seg. Houve Réplica Na audiência preliminar, não tendo sido possível a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a excepção de caso julgado do deduzido pelo banco R. Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto que não sofreu reclamações. Foi, de seguida, proferida sentença que julgou procedente a acção, condenando o banco R. a pagar ao A. o valor do cheque em questão, ou seja, 4.908.000$00. É desta decisão que recorreu o R., recurso esse que veio a ser admitido como de apelação e com efeito suspensivo. Conclusões Apresentadas tempestivas alegações formulou o apelante as seguintes conclusões: 1º- As alíneas u) e x) dos factos assentes respeitam a matéria que só pode ser provada por documento (regras do Banco de Portugal); 2º- O aviso circular do Banco de Portugal junto pelo apelado e que suporta tais factos apenas determina que “na zona do extenso qualquer espaço em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo”. 3º- Assim, a redacção das referidas alíneas deve passar a ser o seguinte: u) entre essas medidas, está estabelecido que os espaços em branco, antes e depois do valor inscrito por extenso deve ser inutilizado a traço contínuo. x) a regra da alínea u) é emanada do Banco de Portugal. 4º- O cheque dos autos quando foi apresentado para ser visado já se encontrava trancado com traços a seguir ao valor do extenso, com a mesma tinta com que tinham sido dactilografados os demais dizeres dos cheques, pelo que não fazia sentido que os funcionários do apelante procedessem a nova inutilização desse espaço. 5º- As recomendações do Banco de Portugal transmitidas às instituições de crédito não são fonte de direito. 6º- A regra do Banco de Portugal a que se alude na sentença em crise visou a uniformidade de procedimentos por parte das instituições de crédito relativamente aos cheques visados e não à protecção de interesses particulares. 7º- Violou a sentença, por erro de aplicação e de interpretação o disposto nos art.1º e 483 nº1 do C.C. e do art 77º do D.L. nº 232/96 de 5/12. Conclui pela revogação da sentença recorrida. Nas contra-alegações, defende o A. /apelado a confirmação do decidido. Os Factos Foram tidos como provados os factos seguintes: a) O A. é portador do cheque nº .…….., sacado por Hilário .…….., sobre a conta nº .…….., de que é titular na agência de Guimarães do Banco A, aqui R. b) Do referido cheque consta que foi emitido na cidade de Guimarães, em 10/11/95, pelo valor nominal de 4.908.000$00, a favor da sociedade “.…….. – Agência de Câmbios S.A.”. c) Do rosto do mesmo cheque consta ainda um carimbo a óleo com os dizeres: «cheque visado (ver verso)». d) No respectivo verso, contém as seguintes menções: «visado, 10/11/95 p. p. Banco A – Guimarães – 21.00». e) Subjacentes ao reproduzido texto figuram duas assinaturas manuscritas por dois funcionários da agência de Guimarães do R., com poderes para obrigar o R. nesta espécie de actos; f) Sobre as aludidas assinaturas foi aposto o selo branco em uso no Banco A.; g) O referido cheque assim preenchido com todos os dizeres anteriormente referidos, foi entregue à sociedade .…….. – Agência de Câmbios, S.A. pelo sacador, em troca da correspondente quantia em dinheiro que esta sociedade entregou àquele; h) Posteriormente, esta sociedade endossou o mesmo cheque ao A., em pagamento de uma quantia que lhe devia, no quadro de relações comerciais que mantinham; i) Na qualidade de portador legítimo deste cheque, o A. apresentou-o imediatamente a pagamento; j) Porém, foi-lhe recusado o pagamento do referido cheque por parte do R., com o fundamento de que se tratava de “documento falsificado”, conforme carimbo no respectivo verso, em 16/11/95; l) Só então o A. soube, através do R., que o cheque em causa tinha sido falsificado quanto ao nome do beneficiário e quanto ao valor em numerário e por extenso, enquanto estava na posse do sacador, Hilário ……… . m) Foi, então, comunicado ao A. que este Hilário deslocou-se no dia 10/11/95 à agência de R. em Guimarães, onde era titular da conta referida em a), e solicitou que lhe fossem visados vários cheques, entre os quais figurava o cheque também referido em a), tendo, para o efeito, preenchido o empresso cuja cópia consta de fls. 28. n) Então, o cheque aqui em causa, encontrava-se com todos os dizeres preenchidos à máquina e nele figurava como beneficiário Fernando ……… . o) Nos lugares do montante do cheque, em numerário e por extenso, tinha inscrito o valor de 3.900$00. p) Foi com o cheque preenchido com os dizeres referidos em n) e o) que a agência do R. em Guimarães o visou, nos termos que constam das alíneas c), d) e f). q) Foi entre o momento em que o cheque assim visado foi levantado na dita agência do R. pelo sacador e o momento em que este o entregou à sociedade ………-Agência de Câmbios, S.A., que sofreu uma manipulação, em que foi alterado o nome do beneficiário do cheque de "Fernando ………" por "……… -Agência de Câmbios, S.A., e o seu valor em numerário e por extenso, de "3.900$00 (três mil e novecentos escudos)" para "4.908.000$00 (quatro milhões novecentos e oito mil escudos)". r) Até ao momento o A. ainda não conseguiu receber o valor de 4.908.000$00 titulado pelo cheque. s) De acordo com a prática bancária e segundo as regras das instituições bancárias, incluindo a própria R., a aposição do "visto" num cheque por parte de um banco, pretende informar acerca da existência de provisão na data do visto e de que essa provisão fica activa, sob responsabilidade do sacado, e afecta ao pagamento desse cheque. t) Por isso, o acto de "visar" um cheque é rodeado de medidas destinadas a evitar a falsificação do cheque visado. u) Entre essas medidas, está estabelecida que os espaços em branco, antes e depois dos valores inscritos, quer em numerário, quer por extenso, devem ser inutilizados com um traço contínuo. v) Também como medida de segurança, deve o banco acrescentar, a par do escrito "visado", com idêntica letra, por cima do cheque, o valor do cheque visado. x) Tais regras são emanadas do Banco de Portugal. z) No momento em que foi visado o cheque pelos funcionários do banco R., não foi escrito nem por extenso nem em numerário, o valor do cheque que estava a ser visado. (cof. Acta de fls. 118 - 118 v.). Matéria provada decorrente das respostas à matéria da base instrutória. 1) Ao aporem o "visto" no cheque, nos termos que constam das alíneas c), d) e f) da matéria assente, os funcionários do R. que o assinaram não inutilizaram os espaços em branco a que se alude na alínea u). (q. 1º). 2) Foi essa omissão dos funcionários do R. que favoreceu e permitiu a ulterior falsificação do cheque, nos termos referidos na alínea q). (q. 2º). 3) Quer a sociedade ……… -Agência de Câmbios, S.A., quer, depois o A., só aceitaram receber o cheque em causa, por se encontrar visado, nos termos acima referidos. (q. 3º). 4) O "visto" assim aposto no cheque pela agência do R., criou no A. a convicção de que o banco sacado tinha cativa a quantia de 4.908.000$00 nele inscrita, para ser paga ao legítimo portador desse cheque. (q. 4º). Fundamentação Como se vê das alegações e conclusões pretende antes de mais o apelante que se altere as alíneas u) e x) da matéria assente, na medida em que, de acordo com os documentos juntos aos autos, designadamente a carta - circular nº 544/D.I.C. de 16/4/85 emanada do Banco de Portugal, apenas consta que na zona do extenso, qualquer espaço deixado em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo e não o que se escreveu nas referidas alíneas. Chamou também a atenção para o que consta da fundamentação das respostas aos quesitos 1º e 2º, a qual na sua óptica, retira eficácia às suas próprias respostas. Vejamos então, o que há a dizer sobre as referidas alíneas u) e x). Alegou o A. nos artigos 17º, 18º, 19º, 20º e 26º da sua petição inicial, no essencial, que segundo a prática bancária, a aposição do visto num cheque por parte de um banco, pretende informar acerca da existência de provisão na data do visto, daí que, o acto de visar seja rodeado de medidas destinadas a evitar uma falsificação posterior do mesmo. Por isso, está estabelecido que os espaços em branco, antes e depois das quantias em numerário e por extenso (pelo menos no extenso) devem ser inutilizados por traço contínuo e também, uma cautela acrescida deve levar o banco a acrescentar, a par do escrito "visado", com idêntica letra, por cima do cheque, uma vez mais o valor do cheque visado, sendo que tais regras são sancionadas pelo Banco de Portugal. Posteriormente e com a intenção declarada de provar aqueles" deveres e precauções", o A. Juntou aos autos os documentos de fls. 39,40,41 e 57 a 82, ou seja, juntou a carta - circular nº 544 do Banco de Portugal contendo recomendações com vista à uniformização de procedimentos relativamente aos cheques visados, bem como diversas instruções internas de serviço, também relativas aos cheques visados, em uso em vários bancos, sendo certo que tais documentos não foram impugnados pelo R. Estamos, portanto, perante simples usos bancários de controle interno, relacionados com o cheque visado, que, salvo melhor opinião, não valem como fontes de direito, visto que não se conhece preceito legal que para eles remeta. (O art. 407º do C. Comercial, que tem sido interpretada no sentido de se reportar aos usos bancários, quando fala em "estatutos" não parece aplicável ao caso específico do cheque visado). Por conseguinte, estando-se perante simples usos específicos da actividade bancária e relativos a cheques visados, devem esses usos ser comprovados por quem os invoque, por interpretação extensiva do art. 348º do C.C., como observa Menezes Cordeiro (Manual de Direito Bancário - 293). Ora, a prova, no caso documental, que sobre o assunto fez o A., a quem competia o respectivo ónus, é apenas a que acima se referiu. E, dessa prova, a respeito da prática bancária referente ao cheque visado, no que aqui interessa considerar, verifica-se que, enquanto uns bancos dão instruções aos seus serviços no sentido de inutilizarem qualquer espaço deixado em branco na zona do extenso, a traço contínuo (fls. 39,62 e 68), outros estendem o mesmo procedimento também em relação à zona ou parte numérica (fls. 75). Por outro lado, no que se refere à outra menção cautelar referida no artigo 20º da contestação e constante da alínea v) da matéria assente ( inscrição no próprio cheque do valor pelo qual é visado), das cinco instruções de serviço documentados, apenas duas ( as do Banco B e do Banco C - fls.60 e 79 respectivamente - ) dão instruções nesse sentido. No que toca à carta - circular do Banco de Portugal, recomenda tão somente o seguinte "tendo em vista a uniformidade de procedimentos por parte de todas as instituições de crédito relativamente ao cheque visado recomenda-se … quer na zona do extenso qualquer espaço deixado em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo …" sem fazer qualquer referência à zona do numerário nem à inscrição do valor pelo qual o cheque foi visado. Vê-se assim, que em relação às duas formalidades em questão, a prática bancária não é uniforme, sendo apenas certo que todas as instituições de serviços documentados, acolheram a recomendação do Banco de Portugal quanto à inutilização do extenso. Portanto, a matéria das alíneas u) v) e x) dos factos assentes não corresponde rigorosamente à prova documental disponível. E não se diga que tal matéria deve ter-se como provada por confissão. Por um lado, deve ter-se por impugnada face ao teor e sentido do artigo 12º da contestação, como aliás, parece ter sido o entendimento do próprio A. a julgar pelo que, a respeito da matéria, alegou na réplica (cof. Artigos 11º,12º e 13º). Por outro, não se compreenderia que se tivessem por confessados factos que não correspondem rigorosamente à realidade, estando esta inequivocamente provada documentalmente. Assim sendo, e uma vez que em relação à matéria em causa não foi obviamente produzida prova testemunhal, resultando apenas da prova documental oferecida pelo A. e aceite pelo R., nada impede que se corrija ou altere a alínea x) da matéria de facto, única que essencialmente vem impugnada no recurso, visto que se dispõe de todos os elementos para o efeito. Trata-se, da aplicação do princípio geral consignado no art. 712º n.1 b) do C.P.C.. Quanto à matéria das alíneas u) e v), traduzindo, de facto, a prática bancária na matéria, embora não uniformizada, não se impõe qualquer alteração, bastando ter presente que, como resulta dos documentos juntos aos autos, não é prática uniforme de todos os bancos inutilizar os espaços em branco, junto ao numerário, nem inscrever no próprio cheque o valor pelo qual ele é visado. Consequentemente a alínea x) da matéria de facto assente passará a ter a seguinte redacção: “Em matéria de cheques visados, o Banco de Portugal, pela sua carta-circular nº 544 recomendou o seguinte: Apartir de 1/7/85, na zona do extenso qualquer espaço deixado em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo”. Quanto à fundamentação das respostas aos quesitos 1º e 2º. Na verdade, a fundamentação do colectivo a respeito das respostas a estes dois quesitos invalida logicamente o sentido das respostas. Como sobre a matéria apenas responderam com utilidade as duas testemunhas referidas na fundamentação e nesta se explicita exaustivamente o que disseram e o raciocínio que conduziu às respostas, parece que nada impede que a Relação as discuta em sede de recurso, por estarem presentes todos os elementos que serviram de fundamento à decisão do facto sobre a matéria. É certo que não é a fundamentação quer releva, mas sim as respostas em si mesmas consideradas, todavia, perante uma fundamentação exaustiva do tipo da produzida, não pode deixar de ser considerada, sob pena de uma incorrecta interpretação dos factos provados. Aqui interessa apenas considerar a resposta do quesito 1º, e, quanto a ela, nada há a alterar, uma vez que, de facto, ao aporem o "visto" no cheque em causa, os funcionários do R. que o assinaram, não inutilizaram os espaços em branco antes e depois dos valores, quer em numerário, quer por extenso. No entanto, face ao que consta da fundamentação, impor-se-ia uma resposta explicativa, porque uma coisa é não terem os funcionários do R. inutilizado os referidos espaços, deixando-os em branco, outra bem diferente, é não terem eles próprios efectuado essa inutilização, por ela já constar do cheque apresentado ao visto (e o que consta da fundamentação é exactamente que o título, quando foi apresentado no banco já estava preenchido à máquina, com os espaços em branco junto do extenso trancados com traços efectuados com a mesma máquina, tendo sido por isso que os funcionários do R. não inutilizaram esses espaços a tinta, com o seu punho). Uma tal explicação cabia perfeitamente no âmbito da resposta ao quesito e a sua omissão pura e simples destorceria relevantemente a verdade apurada se não fosse de considerar o que consta da fundamentação. Por conseguinte, embora não seja de alterar as respostas ao quesito 1º, não poderá deixar de atender-se, na decisão, ao que consta da fundamentação como extensão lógica da resposta Quanto à questão de fundo Considerando a alteração da alínea x) da matérias de facto e as considerações acima referidas a respeito da interpretação da resposta ao quesito 1º, no essencial, temos que o sacador do cheque em causa, solicitou ao banco R, onde possuía conta, que o visasse. Para o efeito apresentou o título já preenchido à máquina, emitido a favor de Fernando ………, contendo no lugar dos montantes em numerário e por extenso a inscrição do valor de 3.900$00 e três mil e novecentos escudos, respectivamente. Pelo menos na zona do extenso o espaço em branco imediatamente a seguir à inscrição do valor estava trancado com traços ali apostos por quem preencheu o cheque, com a mesma máquina com a qual tinham sido dactilografados os demais dizeres do cheque. O R. visou o cheque, pelo valor nele inscrito, de acordo com os procedimentos usualmente praticados pelas instituições bancárias e descritas nos pontos c), d), e) e f) da matéria de facto assente. Porém, os funcionários do R. que visaram o título, não inutilizaram, eles próprios, com traço contínuo, a tinta, os espaços em branco na zona dos valores inscritos, quer em numerário quer por extenso, nem escreveram junto do carimbo de "visado" o valor do cheque, nem por extenso nem o numerário. Posteriormente o mesmo cheque foi entregue à sociedade ………- Agência de Câmbios S.A. pelo sacador, em troca da correspondente quantia em dinheiro que esta entregou àquele. Quando ocorreu a entrega do cheque à beneficiária, era o nome desta que constava do título e o valor por ele titulado era de 4.908.000$00. Por sua vez, a sociedade tomadora do cheque endossou-o ao A. em pagamento de quantia que lhe devia. Assim, na qualidade de portador legítimo o A. apresentou-o a pagamento, que foi recusado visto que o cheque, como resulta do que se deixou dito, foi falsificado quanto ao nome do beneficiário e quanto ao valor (em numerário e por extenso) enquanto esteve na posse do sacador, Hilário………, após a aposição do visto. Perante este circunstancionalismo pretende o A. que o R. o indemnize, pagando-lhe o valor do cheque ao abrigo do disposto no art. 483º do C. Civil. É que, destinando-se a aposição do visto a garantir a existência de provisão na data do visto, o acto de visar um cheque é rodeado de cuidados destinados a evitar a falsificação do mesmo. Por isso, está estabelecido na prática bancária que os espaços em branco antes e depois das quantias em numerário e por extenso (pelo menos no extenso) devem ser inutilizados por traço contínuo assim como deve o banco acrescentar a par do escrito "visado", com idêntica letra e por cima do cheque, o valor dele. Como o R. não tomou estes cuidados, que são sancionados pelo Banco de Portugal, tal omissão permitiu a posterior falsificação do cheque, daí a sua responsabilidade extra-contratual. Mas não é assim, salvo o devido registo. Antes de mais, genericamente se referirá que a Lei Uniforme sobre Cheques proibiu o respectivo aceite, assim como não admite que o sacado o avalize (art. 4º e 25º), sendo certo, por outro lado, que não regulamenta o visto dos cheques. A este respeito, porém, a Convenção de Genebra, no seu anexo II (art. 6º) admitiu que os Estados Contratantes pudessem reservar a faculdade de legislar no sentido de admitir que o sacado pudesse inscrever sobre o cheque uma menção de certificação, confirmação ao visto e regular os respectivos efeitos jurídicos, desde que tal identificação não tivesse os efeitos do aceite. Todavia, o Estado Português não fez qualquer reserva neste sentido, e por isso não legislou sobre o visto em cheque, embora a ele se refira em vários diplomas legais. Significa isto, que, o instituto do visto não tem existência jurídica entre nós. Apesar disso é certo que é prática corrente dos bancos visar cheques, o que afinal, corresponde a certificar que aquele título terá provisão pelo valor do visto. Isso envolve, desde logo, por parte do banco que tal atesta, um conjunto de regras a adoptar no sentido de exteriorizar essa certificação, cativar os fundos garantidos, documentar internamente a operação etc. Assim, foram os bancos adaptando todo um conjunto de regras procedimentais internas sobre o cheque visado, nem sempre coincidentes. Por isso, tudo em vista a uniformização desses procedimentos, passou o Banco de Portugal a emitir recomendações com tal finalidade. É esse o sentido da recomendação de Abril de 1985, constante da carta-circular nº 544, documentada nos autos e que aqui interesse considerar. Será, então, que o R. violou ou omitiu tais regras procedimentais? Como resulta da prova (devidamente corrigida a alínea x) da matéria de facto assente e considerada a resposta do quesito 1º tendo em conta o que consta da sua fundamentação) os funcionários da R. não violaram as recomendações do Banco de Portugal, nem os usos bancários em matéria de cheque visado. Na verdade, no que aqui interessa, a recomendação do Banco de Portugal refere que "na zona do extenso qualquer espaço deixado em branco, deve ser inutilizado completamente a traço contínuo" sendo certo que ficou provado que o cheque em questão foi apresentado para visar já preenchido e trancado quanto ao extenso. Sendo assim, é evidente que os funcionários do R. não tinham de trancar ou riscar eles próprios o que já estava trancado ou riscado. Mas será que, estando o cheque trancado com riscos feitos à máquina com o qual foram escritos os demais dizeres do título, estariam os funcionários do R. obrigados a riscar eles próprios, manualmente, com tinta, os espaços em branco em causa, como referem os senhores juízes do colectivo na fundamentação da resposta? Cremos que não. Qualquer cheque pode ser escrito manualmente ou por meios técnicos (máquina de escrever ou computador) e sendo este o caso, nada impede que o trancamento dos referenciados espaços brancos se efectue pelo mesmo meio técnico utilizado no preenchimento do título, visto que tal prática não está proibida quer pela carta-circular do B. P. quer pelas regras procedimentais internas dos vários bancos. Por outro lado, como se vê da referida carta-circular, não existe recomendação do B.P. no sentido da inscrição do valor pelo qual o cheque é visado junto ao carimbo do visto ou em qualquer outro local do título, nem esse é um procedimento uniforme na prática bancária sobre a matéria, como resulta da documentação junta aos autos pela própria A.. Sendo assim, também neste aspecto não ocorreu qualquer violação ou omissão censurável. Consequentemente, não existe qualquer fundamento para imputar ao banco R. responsabilidade civil. Porém, ainda que se entendesse, como na sentença recorrida, que o banco R. violou as regras procedimentais em causa, restava saber se se verificavam os requisitos capazes de gerar a obrigação de indemnizar o A. e, como vamos ver, não existiam. Os princípios gerais sobe a matéria são os contidos nos arts. 483º nº1 e 486º do C.C., segundo os quais e no que aqui interessa, a obrigação de indemnizar resultaria da violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou da omissão de um dever jurídico de agir imposto por lei ou por negócio jurídico. Ora, no caso, as regras procedimentais respeitantes ao cheque visado não passam de simples usos bancários desprovidos de jurisdicidade visto que não se conhece preceito legal que para eles remeta. Por outro lado, as recomendações do Banco de Portugal constantes da carta-circular em causa, embora legítimas porque emanadas do poder de supervisão que lhe compete (art. 23º do D.L. nº 377/90 de 30/10), não são, seguramente, fontes de direito. Vigoram apenas nas relações internas, fora das quais são inoperantes. Tais recomendações não conferem ao A. qualquer direito e, aliás, nem se destinam a proteger qualquer interesse particular do portador do cheque visado. Não foi o B.P. que criou as normas procedimentais em matéria do cheque visado. Elas foram surgindo da prática bancária, limitando-se o B.P. a recomendar a sua uniformização. É esse o sentido declarado da carta-circular aqui em apreço. Como escreve José Maria Pereira (Direito Bancário - 2º -vol - 345) "o cheque visado é aquele em que, a pedido do seu sacador ou do portador, o banco sacado insere uma menção de "visto", assegurando, assim, ao interessado que o sacador tem fundos disponíveis em depósito equivalentes à quantia visada". Portanto, a razão de ser e a finalidade do cheque visado é facilitar a circulação do título, pela garantia da sua provisão, não é função do visto garantir a genuinidade do documento ou evitar a sua falsificação (cf. Ac. S.T.J. de 10/11/98 -B.M.J. 403-441). Por isso, os procedimentos internos usualmente utilizados pelos bancos, visam acima de tudo, a exteriorização da operação, dando a conhecer que o cheque foi visado e a protecção dos seus próprios interesses, sejam os de gerar confiança na sua prática comercial seja a de garantir efectivamente a provisão do título pelo montante visado, sem prejuízos para si próprios. Daí a documentação interna comprovativa do valor visado, a cativação imediata dos fundos necessários, bem como as medidas tendentes a dificultar eventuais fraudes, designadamente a falsificação dos cheques visados, sem que isso vise directamente a protecção de interesses de terceiros. Estes, apenas reflexivamente poderão beneficiar destas medidas, mas não são, seguramente os seus destinatários. Por conseguinte, no caso concreto dos cheques visados não existem normas de protecção de interesses alheios que o banco possa violar, ou normas que imponham comportamentos destinados a evitar a falsificação do documento. Por outro lado, uma vez que a convenção de cheque apenas se estabelece entre o banqueiro e o titular da provisão, inexiste qualquer negócio jurídico que imponha ao banco qualquer comportamento destinado a evitar prejuízos de terceiros com a eventual falsificação do título. Não parece, pois, possível imputadas ao R. qualquer obrigação de indemnizar o A.. Apesar de tudo, como defende Menezes Cordeiro (Manual de Direito Bancário, pag. 39) “A violação de regras aprovadas pelo B.P. é a violação das normas que, ao B.P., conferem os poderes por ele exercidos. Ora, tais regras visam a protecção de “interesses alheios”. Trata-se, pois, de clássicas normas de protecção, cuja violação induz responsabilidade”. Por outro lado, ao nível da omissão, tem defendido a doutrina que, ao lado da lei criadora do dever jurídico de agir, e do negócio jurídico, pode admitir-se também um dever jurídico geral “no sentido de ordenar certas relações da vida de modo a que se evitem, na medida do possível, os prejuízos para outrem” (Cf. Vaz Serra – B.M.J. nº 84 – 109). Tais deveres jurídicos gerais, como diz Von Tuh, citado por Vaz Serra “fundam-se muitas vezes nos princípios que o direito recolhe da experiência, a saber; que aquele, que realiza um acto perigoso, deve tomar a tempo as precauções usuais...” As doutrinas expostas, perfeitamente válidas em relação a inúmeras situações correntes, designadamente no domínio da responsabilidade bancária, parecem-nos, todavia dificilmente aplicáveis ao caso concreto dos autos. É que, embora as recomendações do B.P. aqui em causa, emanem do poder se supervisão que legalmente lhe é conferido, não parece que essas recomendações possam ver-se, ainda que reflexivamente, como regras de protecção de interesses alheios, visto que, por um lado, não foram estabelecidos pelo B.P. no uso do seu poder directivo, e por outro, visam pura e simplesmente a uniformidade dos procedimentos internos dos diversos bancos em matéria de cheque visados, como se lê expressamente na carta-circular em causa, acrescendo que tais regras procedimentais constituem simples práticas ou usos bancários de controle interno, que não se destinam a evitar a falsificação do título após a aposição do visto, como acima referiu, o que , aliás, seria meramente utópico. Tal não significa que alguns desses procedimentos visam também dificultar fraudes na matéria dos cheques visados. O que não visam seguramente é garantir a terceiros portadores a autenticidade do título visado. Também ao nível das omissões, dificilmente se concebe a existência de um dever jurídico geral, decorrente das regras da vida, que imponha comportamentos destinados a evitar a falsificação de documentos (a menos que, aquele que se abstenha de determinado comportamento, soubesse que essa abstenção determinaria, com toda a probabilidade a falsificação do documento em causa e a pudesse evitar com o comportamento omitido), designadamente, no que se refere à prática bancária, a evitar a falsificação do cheque visado, após a certificação, o que , como se disse, se afigura impossível de conseguir, pelo menos através das medidas procedimentais aqui em causa. Seja como for, mesmo que fosse de entender diferentemente, isto é, mesmo que se tivesse, de admitir que os funcionários do banco R. violarem normas de protecção de interesses alheios ou omitirem o dever jurídico de agir em determinado sentido, como se conclui na sentença recorrida e como defende o A., mesmo então não seria nunca possível estabelecer entre a pretensa violação ou omissão e o prejuízo alegado pelo A. o necessário nexo causal. É que não basta violar norma de protecção do interesse de outrem ou omitir o comportamento juridicamente devido, sendo ainda essencial que aquela violação tenha sido causa adequada do dano, ou que o acto omitido tivesse evitado com certeza ou com grande probabilidade o dano. É certo que, no caso concreto se teve por provado que foi a omissão dos funcionários do R. que favoreceu e permitiu a ulterior falsificação do cheque, como resulta de resposta ao quesito 2º. Todavia e em primeiro lugar, salvo melhor opinião, o quesito 2º é meramente conclusivo na medida em que indaga directamente sobre o nexo de causalidade, devendo, por isso, ter-se como não escrita a respectiva resposta. De facto, saber-se se determinada conduta ou omissão foi a causa adequada de um qualquer prejuízo, constitui matéria de direito, é uma conclusão jurídica a retirar dos factos concretos provados. Em segundo lugar, o raciocínio que levou à resposta ao quesito, que se encontra completamente explicitado na fundamentação, não se nos afigura nem lógico nem correcto. De facto, partiu-se do princípio que o cheque foi escrito com uma máquina de escrever eléctrica que permite apagar o que se escreveu, sendo certo que nem isso foi alegado, nem pode ter-se por demonstrado. É certo que as testemunhas referiram isso, mas nem sequer em termos peremptórios, limitando-se a dizer que lhes pareceu ter sido utilizada máquina com aquelas características. De resto, trata-se de matéria a exigir exame pericial especializada, não sendo um simples palpite que permite concluir pela forma como foi efectuada a falsificação, tanto mais que o A. alegou não ter sido possível reconstituir os processos utilizados na falsificação praticada (artigo 14º de p. 7). Portanto, não se sabe qual o processo técnico utilizado pelo falsificador para levar a cabo a falsificação, nem era matéria que pudesse averiguar-se neste processo, por não ter sido alegada, daí que, nada garante que, ainda que os espaços em branco fossem trancados a tinta pelos funcionários do R. o falsificador não pudesse eliminá-los, como eliminou os demais dizeres do cheque. Depois, ainda que o falsificador não pudesse eliminar os traços a tinta, se tivessem sido feitos, podia de certeza, fazer desaparecer as inscrições impressas à máquina, como de facto fez. Então, podia sempre preencher manualmente o cheque de modo a inscrever entre os traços de trancamento quantia diferente da original, alargando ou apertando a caligrafia conforme o necessário. No caso concreto, estando o cheque preenchido originalmente com letra de máquina idêntica à da falsificação, pelo valor de 3.900$00 no numerário e três mil e novecentos escudos no extenso, ainda que os espaços sobrantes tivessem sido trancados a tinta e tais traços não pudessem ser eliminados, fazendo-se desaparecer os escritos originais, no espaço livre entre os traços de trancamento era perfeitamente possível escrever à mão, com algarismos e letra mais apertada e pequena, os valores que vieram a aparecer na versão falsificada. Podia até o falsificador optar por quantias diferentes, porventura superiores aos valores da falsificação como por exemplo 5.000.000$00, 6.000.000$00 .... 9.000.000$00, já que, quanto ao extenso tinha até menos letras que o primitivo valor de 3.900$00. E, com toda a probabilidade, podia fazer o mesmo à máquina, sabido como é que as máquinas de escrever modernas ou os computadores permitem a opção por diversos tipos de caligrafia, cujos caracteres ocupam mais ou menos espaços. Parece, pois, muito claro que, mesmo que os espaços em branco tivessem sido trancados com traço contínuo, a tinta, pelos funcionários do R., tal precaução não impedia a falsificação do título, sendo irrelevante que, nessas circunstâncias, tivesse de ser usada outro tipo de escrita para obter o mesmo resultado ilícito. Consequentemente, não dispunha o colectivo de toda a factualidade que lho permitisse concluir pela resposta dada ao quesito 2º, e, por outro lado, usou de presunções que pecam por vício lógico do raciocínio, na medida em que não podiam conduzir àquela conclusão. Ora, como a resposta em causa assentou no raciocínio completamente explicitado na fundamentação, bem como no depoimento das duas testemunhas, também ali completamente descrito, pode com segurança concluir-se que nenhuma outra prova foi relevante para a formação da convicção do tribunal. Por isso, dispõe a Relação de todos os elementos, que lhe permitam concluir ter sido deficiente tal resposta e por conseguinte interpretá-la devidamente em consonância com as considerações expostas. Tal não implica a anulação da decisão, porquanto, a mencionada deficiência se nos afigura irrelevante para a decisão, mesmo que não fosse caso de a ter por mão escrita dado o seu teor conclusivo. Na verdade, ainda que fosse de considerar aquela resposta inatacável em sede de recurso, o que não nos parece, pelas razões expostas, mesmo então seria sempre possível averiguar, se a omissão a que ali se faz referência, não obstante ser uma causa da falsificação, foi ou não a sua causa adequada. E é, de facto, o que resta averiguar, considerando a justificativa da sentença recorrida e a posição A.. Na doutrina da causalidade adequada perfilhada no nosso direito, o prejuízo (dano) só pode considerar-se efeito do acto ilícito ou da omissão do comportamento devido, se estas normalmente o produzem, o que significa que a adequação da actividade do agente à produção do dano é uma qualidade daquela, que tem de ser abstractamente considerada, ou então, como defende Pessoa Jorge, embora deva atender-se ao caso concreto, averiguando se o dano resultou concretamente daquele acto ilícito, mas “pelo processo ou forma que atribui a este abstractamente a natureza de causa adequada”. Como, ensina o Prof. A. Varela (Das Obrigações em Geral – 6 ed. I-859) “O pensamento fundamental da teoria é que, para impor a alguém a obrigação de repor o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do dano; é necessário ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano. Há que escolher, entre os antecedentes históricos do dano, aquele que, segundo o curso normal das coisas, se pode considerar apto para o produzir, afastando aqueles que só por virtude de circunstâncias extraordinárias o possam ter determinado. Que o facto seja condição do dano será requisito necessário, mas não é requisito suficiente para que possa ser considerado como causa desse dano”. No fundo, o que acaba de se expor constitui o núcleo essencial da teoria da causalidade adequada na sua formulação positiva, segundo a qual, portanto, o facto será adequado ao dano quando este constitui uma consequência normal ou típica daquele. No ante-projecto do C.C., de autoria do Prof. Vaz Serra continha-se o art. 569º com a seguinte formulação “A obrigação de indemnização não existe quando o facto que a determinaria era, segundo a sua natureza geral e as regras da vida corrente, indiferente para que surgissem danos da espécie dos prejuízos, de sorte que apenas por circunstâncias extraordinárias se tornou tal facto numa condição dos mesmos danos. Tomam-se em conta para este efeito, as circunstâncias que, na data do facto, eram conhecidas ou podiam ser”. Trata-se de formulação negativa da teoria da causalidade adequada proposta por Enneccerus, que define a inadequação pela ideia de indiferença. Como assinala o Prof. A. Varela, não é seguro que o art. 563º do C.C. tenha optado pela fórmula positiva ou negativa, podendo, porém, dizer-se com segurança que optou pelo pensamento nuclear da causalidade adequada. Enunciados os princípios e regressando ao caso concreto na configuração factual que lhe foi dado na sentença recorrida, verifica-se que não é normal que um cheque visado venha a ser falsificado (note-se que nem sequer se sabe o processo técnico utilizado na falsificação), pela circunstância de , nesse título não terem sido trancados a tinta ou por qualquer outro processo os espaços em branco junto da inscrição em numerário ou no extenso, ou por não ser aditado ao carimbo do visto o valor do cheque. Não é previsível de acordo com o curso normal das coisas ou com as regras da experiência comum que tais circunstâncias venham a desencadear a falsificação do título. No caso, o dano ou prejuízo do A. resultou de uma conduta imprevisível, anormal ou extraordinária do sacador (como tudo leva a crer). Resultou, a final, da prática de um crime de falsificação, que não pode conferir causalidade adequada à (pretensa) omissão dos funcionários do R.. Acresce que essa (pretensa) omissão é de todo indiferente à verificação do dano em questão, visto que, como desenvolvidamente se referiu, ainda que os espaços em branco junto ao numerário e ao extenso fossem trancados sempre haveria a mesma possibilidade de falsificação. Por conseguinte a acção sempre teria de improceder seja qual for a perspectiva fáctica que se considere. Improcede porque não ocorreu qualquer violação ou omissão relevante dos funcionários do banco R, conforme se defendeu. Improcederia na mesma, mesmo tendo ocorrido a violação ou omissão àqueles imputada, porque, então, jamais existiria nexo causal, em termos de causalidade adequada, entre a conduta da R. e o dano pelo A.. Decisão Termos em que , acordam no Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e consequentemente revogar a sentença recorrida e absolver o R. do pedido. Custas pelo A. em ambas as instâncias. Porto, 11/01/2001 António Manuel Machado Moreira Alves José Joaquim Sousa Leite António Alberto Moreira Alves Velho
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S3904 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: PINTO HESPANHOL Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA DEVER DE OBEDIÊNCIA DEVER DE ASSIDUIDADE Nº do Documento: SJ200802060039044 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Decisão: NEGADAS AS REVISTAS. Sumário : 1. Não tendo o trabalhador alegado e provado que o trabalho suplementar em causa foi prestado por determinação prévia e expressa do empregador ou, pelo menos, com o seu conhecimento e sem a sua oposição, ou, conforme exige o actual regime do Código do Trabalho, que tal prestação foi «realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador», não se verificam os pressupostos legais da peticionada remuneração do trabalho suplementar. 2. Atendendo a que o comportamento do trabalhador, aferido em função das circunstâncias concretas em que ocorreu (gozo de férias num período em que tinha serviço distribuído, sendo que, duas semanas antes, comunicou à gerente que pretendia entrar de férias durante uma semana a partir de determinado dia e tinha proposto à mesma gerente que um seu cunhado poderia substituí-lo na semana em que estaria de férias) não configura «um afrontamento ostensivo, rebelde, sem qualquer justificação», não se justifica a aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares. 3. No caso concreto, seria suficiente a aplicação de uma medida disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 10 de Novembro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Águeda, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, L.da, pedindo se declarasse ilícito o seu despedimento e se condenasse a ré a pagar-lhe a quantia de € 17.315,05, com juros à taxa legal. Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, em 12 de Março de 2002, para exercer as funções de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que, em 22 de Novembro de 2004, a ré lhe aplicou a sanção de despedimento, que é ilícita, porque sem justa causa, acrescentando que a ré não lhe pagou o trabalho prestado em dias de descanso semanal, feriados e dias de descanso complementar não gozados e outras quantias que discrimina. A ré contestou, por impugnação, invocando também a compensação com valores relativos a diversos prejuízos alegadamente provocados pelo autor. Realizado julgamento, exarou-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente e também parcialmente procedente a excepção de compensação invocada, e decidiu: A) declarar ilícito o despedimento do autor pela ré; B) condenar a ré a pagar ao autor a quantia global de € 22.296,70, assim discriminada: (a) € 500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; (b) € 8.450,25, a título de retribuições compensatórias vencidas até à data da sentença, previstas no artigo 437.º do Código do Trabalho; (c) € 1.768,66, a título de indemnização substitutiva da reintegração; (d) € 2.282,34, a título de montantes atinentes aos subsídios de férias e de Natal correspondentes à parte da retribuição respeitante à cláusula 74.ª, n.º 7 do CCT; (e) € 9.295,45, a título de remuneração do trabalho prestado em fins-de-semana e feriados, bem como dos descansos compensatórios respectivos, durante os anos de 2002, 2003 e 2004; C) condenar o autor a pagar à ré as despesas realizadas por esta, quando a sua legal representante se deslocou de França a Barcouço para vir buscar o veículo normalmente conduzido pelo autor, bem como os prejuízos causados à ré pela paragem do camião afecto ao autor, durante não mais de 4 dias e pela paragem, durante 3 dias, do camião afecto ao segundo motorista que acompanhou a gerente da ré, despesas e prejuízos estes (com o limite global máximo de € 3.912,20) a liquidar em execução de sentença; D) determinar a compensação entre os créditos referidos em B) — apenas nas suas alíneas c) e d) — e C) da parte decisória; E) condenar a ré a pagar ao autor juros moratórios, à taxa legal, sobre as quantias acima fixadas em B), desde o seu vencimento. 2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida, «na parte em que condenou a R. no pagamento ao A. da quantia de € 9.295,45 relativa ao trabalho suplementar e respectivos descansos compensatórios, de cujo pedido vai por isso absolvida», confirmando, quanto ao mais, a decisão recorrida. É contra esta decisão da Relação que o autor e a ré agora se insurgem, mediante recursos de revista, ao abrigo das seguintes conclusões: RECURSO DO AUTOR: «I - A douta decisão ora posta em causa pela Recorrente interpretou e aplicou erroneamente o disposto no artigo 781 [deve ler-se 712.º], n.º 1, alínea a), do Código do Processo Civil ao conhecer de matéria de facto quando a então recorrente, ora recorrida, não recorreu da matéria de facto e nem deu cumprimento a tal normativo legal, violando assim a lei; II - Do mesmo modo, a douta decisão ora posta em causa pela Recorrente viola a lei substantiva ao interpretar e aplicar erroneamente o disposto no artigo 258.º, n.º 5, do Código do Trabalho porquanto não considerou que a ora recorrida tinha conhecimento da prestação de trabalho suplementar por parte do trabalhador, ora recorrente, nem que era previsível a sua não oposição a tal prestação, quando ela própria o confessa; III - Atenta tal confissão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do supra citado artigo 712.º, a mesma deveria ter sido considerada por constar do próprio processo; IV - Pelo exposto, deve ser proferido douto acórdão que revogue a decisão ora recorrida, dando-se total provimento ao presente recurso, decidindo nos precisos termos em que o foi pelo Tribunal de l.ª instância, tudo com as legais consequências.» A ré não contra-alegou. RECURSO DA RÉ: «1. A desobediência do Autor, que consistiu em ir para férias em período durante o qual tinha serviço distribuído, traduzindo-se ainda em faltas injustificadas e em prejuízos para a Ré, no pagamento dos quais foi condenado, constitui justa causa para despedimento; 2. O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3, alíneas a), e), e g) do Código do Trabalho.» O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado, na parte objecto de impugnação no recurso de revista interposto pela ré. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto sustentou que ambos os recursos devem improceder, não tendo qualquer das partes respondido. 3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se o acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente o disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil [conclusão I da alegação do recurso de revista do autor]; – Se o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil [conclusões II, na parte atinente, e III da alegação do recurso de revista do autor]; –Se o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 258.º, n.º 5, do Código do Trabalho [conclusões II, na parte atinente, e IV da alegação do recurso de revista do autor]; – Se ocorre justa causa para o despedimento do autor [conclusões 1) e 2) da alegação do recurso de revista do réu]. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto: 1) A R. dedica-se à actividade de comércio de transportes internacionais de mercadorias; 2) O A. foi admitido ao serviço da R. em 12 de Março de 2002; 3) O A., no exercício da sua profissão, enquadrava-se na categoria de motorista de transportes pesados internacionais, sob autoridade, direcção e fiscalização da R., auferindo o vencimento mensal base de € 489,82, acrescido das restantes retribuições mensais previstas no CCTV; 4) O A. encontrava-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro, o qual, por sua vez, se encontra filiado na Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos; 5) Por sua vez, a R. encontra-se filiada na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias; 6) Em Outubro de 2004, a R. enviou ao A. uma nota de culpa em que acusava o A. de desobedecer a ordens emanadas da entidade empregadora no dia 24 de Setembro de 2004; 7) Com a nota de culpa veio também a suspensão preventiva do A., bem como a intenção, por parte da R., de proceder ao seu despedimento, findo o procedimento disciplinar; 8) Em 29 de Outubro de 2004, o A. respondeu à nota de culpa através de carta que se anexa e se dá por integralmente reproduzida; 9) Finalmente, em 22 de Novembro de 2004, o A. tomou conhecimento das conclusões e decisão final do procedimento disciplinar, aplicando ao A. a sanção de despedimento; 10) Em 24 de Setembro de 2004, a R. comunicou ao A. que não poderia gozar férias a partir do dia seguinte, já que precisava dele ao serviço; 11) Sucede, porém, que não obstante a Lei exigir a elaboração do mapa de férias até 15 de Abril, sempre o trabalhador as marcou por acordo com a empresa; 12) O trabalhador gozou parte das suas férias de 5 a 25 de Agosto de 2004 (pois chegou de viagem no dia 4 e começou a trabalhar no dia 26 de Agosto); 13) Cerca de duas semanas antes de 25 de Setembro, o A. comunicou à gerente, Sr.ª D. BB, que pretendia entrar de férias durante uma semana a partir do referido dia 25 de Setembro; 14) Ora, para o gozo deste período de férias, havia já o A. organizado a sua vida, tendo inclusivamente adquirido bilhete de avião; 15) O A. tinha proposto à D. BB que o seu cunhado, Sr. CC, poderia fazer a semana em que aquele estaria de férias, tendo inclusivamente o referido cunhado ido com o A. a França para conversar com o gerente da R.; 16) No dia 24 de Setembro, o A. recebeu ordens da R. para se dirigir, na segunda-feira seguinte, dia 27, ao Porto, Avintes, logo de manhã, para carregar garrafas vazias e levá-las a Marmande, em França, onde um cliente da empresa as aguardava; 17) O A. disse à entidade empregadora que só deixaria de ir de férias se esta o reembolsasse das despesas já feitas com a viagem de avião e a semana de férias, o que a R. recusou; 18) O trabalhador A. tem família; 19) A R. não pagou ao A. os proporcionais de férias e subsídio de férias do ano de 2004; 20) Nos proporcionais de subsídio de Natal pagos, a R. só pagou ao A. o correspondente à retribuição base; 21) Em nenhum subsídio de férias ou de Natal a R. pagou ao A. a retribuição correspondente à Cl.ª 74.ª; 22) O A. trabalhou nos seguintes dias de descanso e feriados do ano de 2002: Março – sábado, dia 23; Abril – sábado, dia 6; Domingo, dia 7; feriado, dia 25; Maio – feriado, dia 1; sábado, dia 4; feriado, dia 30; Junho – sábado, dia 1; Domingo, dia 2; feriado, dia 10; Domingo, dia 30; Julho – sábado, dia 6; sábado, dia 13; Domingo, dia 14; Domingo, dia 28; Agosto – sábado, dia 3; sábado, dia 24; Domingo, dia 25; Setembro – sábado, dia 14; Domingo, dia 15; sábado, dia 28; Outubro – feriado, dia 5; sábado, dia 12; Domingo, dia 13; Domingo, dia 27; Novembro – sábado, dia 9; Domingo, dia 10; sábado, dia 23; sábado, dia 30; Dezembro – feriado, dia 1; sábado, dia 7; feriado, dia 8; sábado, dia 14; 23) E, relativ[amente] aos 34 dias supra referidos, o A. não gozou 34 dias de descanso complementar; 24) O A. trabalhou nos seguintes dias de descanso e feriados do ano de 2003: Janeiro – sábado, dia 25; Março – feriado, dia 4; sábado, dia 15; Domingo, dia 23; sábado, dia 29; Domingo, dia 30; Abril – sábado, dia 5; Domingo, dia 6; feriado, dia 18; feriado, dia 25; Maio – feriado, dia 1; sábado, dia 10; Domingo, dia 11; Domingo, dia 25; Junho – feriado, dia 10; feriado, dia 19; sábado, dia 21; Julho – sábado, dia 19; Domingo, dia 20; Setembro – sábado, dia 6; sábado, dia 13; Domingo, dia 14; sábado, dia 27; Outubro – sábado, dia 18; Domingo, dia 19; sábado, dia 25; Domingo, dia 26; Novembro – sábado, dia 8; Domingo, dia 9; sábado, dia 22; Dezembro – feriado, dia 1; sábado, dia 13; 25) O A. não gozou os correspondentes 32 dias de descanso complementar; 26) O A. trabalhou nos seguintes dias de descanso e feriado do ano de 2004: Janeiro – Domingo, dia 4; sábado, dia 10; sábado, dia 17; Domingo, dia 18; sábado, dia 24; sábado, dia 31; Fevereiro – sábado, dia 21; Domingo, dia 22; sábado, dia 28; Domingo, dia 29; Março – sábado, dia 6; sábado, dia 27; Abril – sábado, dia 17; sábado, dia 24; feriado, dia 25; Maio – Domingo, dia 2; sábado, dia 8; sábado, dia 22; Domingo, dia 23; Junho – sábado, dia 5; feriado, dia 10; Domingo, dia 20; Julho – sábado, dia 10; sábado, dia 17; Agosto – sábado, dia 28; Domingo, dia 29; Setembro – sábado, dia 4; Domingo, dia 5; sábado, dia 18; 27) O A. não gozou os correspondentes 29 dias de descanso complementar; 28) A empresa R. é uma empresa quase familiar, com apenas cinco trabalhadores ao seu serviço; 29) As férias do A., tal como as dos outros, eram marcadas, em parte, pela empresa (cerca de 15 dias em Agosto) e as restantes por acordo; 30) Uma vez que todos pretendem gozar férias no período de Verão (em especial entre finais de Julho e inícios de Setembro), a entidade empregadora vê-se obrigada a ratear esse período; 31) Assim, regra geral, os trabalhadores gozam cerca de metade dos dias nessa altura; 32) Sendo depois os restantes dias gozados numa outra altura do ano; 33) Em datas a acordar entre ambos ou, não sendo possível o acordo, em altura a designar pela entidade empregadora de acordo com as necessidades e exigências do funcionamento da empresa; 34) Durante o ano de 2004, o A. aceitou, como sempre, gozar férias interpoladas; 35) Gozou 15 dias úteis de férias em Agosto (mais de 10 dias úteis consecutivos); 36) No dia 24 de Setembro, sexta-feira, cumprindo ordens da entidade patronal, foi descarregar a mercadoria que trazia de França a Lisboa; 37) Nesse dia, a entidade empregadora deu-lhe ordens para se dirigir, na segunda-feira seguinte, dia 27, ao Porto (Avintes) logo de manhã para carregar garrafas vazias e levá-las a Marmande, em França, onde um cliente da empresa as aguardava; 38) Setembro costumava ser um mês de trabalho intenso por se seguir ao período de paragem de Agosto, não se encontrando então ao serviço um dos trabalhadores da empresa (DD); 39) O A. era conhecedor desta realidade; 40) Não obstante, após descarregar em Lisboa, levou o camião para perto da sua casa, em Barcouço; 41) Na segunda-feira seguinte, não foi trabalhar, incumprindo as instruções da entidade empregadora; 42) E nem sequer levou o camião para a sede da empresa; 43) O A. deixou o camião perto da sua casa, em Barcouço; 44) Com esta atitude, o A. causou transtornos e prejuízos à R.; 45) A representante da R. deslocou-se propositadamente de França a Barcouço, no seu carro particular, com outro motorista, para ir buscar o veículo, com todos os transtornos e despesas que isso causou (gasóleo, portagens, ajudas de custo com alimentação e alojamento do 2.º motorista); 46) Enquanto isso, o motorista deixou de efectuar o transporte que lhe estava destinado, no veículo que lhe estava afecto e que ficou imobilizado 3 dias por falta de quem o conduzisse; 47) Por outro lado, o transporte que deveria ter sido feito pelo A., sofreu atrasos, o que levou a que a empresa que o havia solicitado enviasse um fax à empresa R. demonstrando o seu descontentamento, o que é muito mau para a imagem e bom nome da empresa; 48) A R. deixou de efectuar as viagens Avintes-França-Maia; 49) O camião afecto ao A. ficou parado alguns dias (não mais que quatro), o que provocou prejuízos à R.; 50) O camião do segundo motorista ficou também parado durante 3 dias, provocando prejuízos à R.. 1.1. Em primeira linha, o autor defende que o acórdão recorrido interpretou e aplicou erroneamente o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, «ao conhecer de matéria de facto quando a então recorrente, ora recorrida, não recorreu da matéria de facto e nem deu cumprimento a tal normativo legal, violando assim a lei». Nos termos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º citado, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, «se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A [do Código de Processo Civil], a decisão com base neles proferida». Todavia, no caso, a Relação não alterou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto; pelo contrário, acolheu-a, expressamente, tendo consignado que «[v]em seleccionada a seguinte factualidade, que assim se fixa». E, quanto ao reclamado pagamento de trabalho suplementar, o acórdão recorrido limitou-se a aplicar o regime jurídico julgado adequado aos factos materiais fixados nas instâncias. Uma vez que o acórdão recorrido não modificou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, nem aplicou o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, improcede a conclusão I) da alegação do recurso de revista do autor. 1.2. Por outro lado, o autor alega que o acórdão recorrido violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, «porquanto não considerou que a ora recorrida tinha conhecimento da prestação de trabalho suplementar por parte do trabalhador, ora recorrente, nem que era previsível a sua não oposição a tal prestação, quando ela própria o confessa», constando tal confissão do próprio processo. A este propósito, no corpo da sua alegação de recurso, o autor afirma: «Como acima se disse, foi a própria então recorrente que assumiu nas suas alegações [em sede de recurso de apelação] que a maior parte das viagens do ora alegante ocorria no circuito Portugal-França e que, por tal facto, algumas delas poderão ter implicado a permanência deste no estrangeiro durante os fins-de-semana. Ora, Tal confissão, não consubstanciando uma autorização prévia e expressa à prestação do trabalho suplementar efectuado pelo ora alegante, constitui, no entanto, um assentimento, conhecimento e não oposição da ora recorrida àquela prestação. Assim, a própria recorrida, ao alegar perante o Tribunal da Relação de Coimbra, assumiu a sua não oposição à prestação de trabalho por parte do ora alegante, encontrando-se assim preenchida a previsão do artigo 258.º, n.º 5, do Código do Trabalho, “(…) ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador”. […] Durante tantos meses a prestar esse trabalho suplementar nunca a recorrida se opôs ao mesmo, nunca exigiu a entrega do camião adstrito ao ora alegante, nem nenhuma outra posição contrária assumiu. E, Além disso, sabia muito bem dessa prestação de trabalho suplementar por parte do ora alegante, tanto que o admitiu, conforme supra alegou. E, Atento esse conhecimento, porque confessado pel[a] ora recorrida nas suas próprias alegações, constantes do próprio processo, fornecendo, por isso, ao mesmo tais dados, deveria o Tribunal a quo ter admitido tal confissão, alterando, em caso disso, a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 daquele artigo 712.º» O autor pretende, em suma, que uma alegada confissão da ré, produzida na sua alegação de recurso de apelação, fosse tomada em conta pela Relação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º citado, para alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, dando como provado o conhecimento e não oposição da ré em relação à prestação do trabalho suplementar efectuado. Segundo a alínea b) do n.º 1 do referido artigo 712.º, a Relação pode alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, «se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas». Acontece que, tal como se ponderou no acórdão recorrido, o autor não alegou, nem provou, como lhe competia, factos «reveladores de que o R. sabia da sua (dele, A.) actividade, desenvolvida para além do período normal de trabalho e/ou em dias de descanso e feriado, ou, não a tendo determinado prévia e expressamente, que não seria previsível, no mínimo, que a essa prestação se opusesse». Isto é, o autor limitou-se a alegar ter trabalhado nos dias que discriminou. Ora, o tribunal só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, «salvo o disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa» (artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), situações excepcionais que não se verificam no caso, sendo que também não foi ampliada a base instrutória, nos termos do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, pelo que a pretendida factualidade não podia ser considerada pela Relação, nem havia fundamento legal para accionar o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Fica, assim, prejudicada a consideração da alegada confissão, já que não se reporta a factos alegados pelas partes e de que estas se pudessem aproveitar até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento. Nesta conformidade, improcedem as conclusões II, na parte atinente, e III da alegação do recurso de revista do autor. Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as restantes questões suscitadas nos recursos em apreciação. 2. Importa, então, ajuizar se, no caso, se verificam os pressupostos legais da peticionada remuneração do trabalho suplementar efectuado pelo autor. Em matéria de retribuição do trabalho suplementar, a norma disciplinadora é agora o artigo 258.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003. A Lei n.º 99/2003 contém, porém, normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da sua entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas. No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», pelo que o Código do Trabalho não se aplica às retribuições do trabalho suplementar vencidas antes da sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003). Assim, as retribuições do trabalho suplementar que deveriam ter sido pagas até 1 de Dezembro de 2003 encontram-se submetidas ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e o regime do trabalho suplementar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto. Já quanto às retribuições do trabalho suplementar vencidas após 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o Código do Trabalho. Nos termos do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 421/83, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, não era exigível «o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação não [tivesse] sido prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora». Ora, tem sido pacífica a jurisprudência recente deste Supremo Tribunal no sentido de que, para ser exigível o pagamento do trabalho suplementar, nos termos do n.º 4 do artigo 7.º citado, não é necessário que o mesmo tenha sido prévia e expressamente determinado pela entidade empregadora, bastando que tenha sido prestado com o seu conhecimento e sem a sua oposição (cf., entre muitos outros, os Acórdãos de 8 de Fevereiro de 2006, Processo n.º 3494/05, e de 15 de Março de 2006, Processo n.º 3140/05, ambos da 4.ª Secção). Esta orientação surgiu na sequência do entendimento sufragado no Acórdão n.º 635/99 do Tribunal Constitucional (Diário da República, II Série, de 21 de Março de 2001) que julgou inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 421/83, na sua versão primitiva, que apresentava uma formulação similar à do n.º 4 do mencionado artigo 7.º, quando interpretada em termos de considerar não exigível o pagamento do trabalho suplementar prestado com conhecimento do empregador e sem a sua oposição, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alíneas a) e d), e dos princípios da justiça e da proporcionalidade plasmados nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, todos da Lei Fundamental. Para tanto, o Tribunal Constitucional invoca que uma interpretação restritiva do preceito deixava fora do âmbito do trabalho suplementar remunerado todas aquelas situações em que o trabalhador, para cumprir as tarefas que lhe são impostas pelo empregador, é forçado a prestar trabalho para além do horário normal. Nesta conformidade, no regime jurídico anterior ao Código do Trabalho, o preenchimento dos pressupostos normativos que conferiam o direito ao pagamento de trabalho suplementar exigia, no mínimo, que se provasse que o trabalho para além do horário normal fosse prestado com conhecimento e sem oposição do empregador. E, segundo o n.º 5 do artigo 258.º do Código do Trabalho, «[é] exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador». No caso, provou-se apenas que o autor trabalhou nos dias de descanso e feriados dos anos de 2002, 2003 e 2004 discriminados nos n.os 22, 24 e 26 da matéria de facto assente e que não gozou os dias de descanso complementar indicados nos n.os 23, 25 e 27 da mesma matéria de facto. Não tendo o autor alegado e provado que o trabalho suplementar em causa foi prestado por determinação prévia e expressa da empregadora ou, pelo menos, com o seu conhecimento e sem a sua oposição, ou, conforme exige o actual regime do Código do Trabalho, que tal prestação foi «realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador», não se verificam os pressupostos legais da peticionada remuneração do trabalho suplementar. No quadro de repartição do ónus da prova, sendo tais factos constitutivos do direito invocado, competia ao autor fazer a respectiva alegação e prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), ónus que não se mostram cumpridos. Não se descortina, pois, a violação do n.º 4 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 421/83, nem do n.º 5 do artigo 258.º do Código do Trabalho, pelo que improcedem as conclusões II, na parte atinente, e IV da alegação do recurso de revista do autor. 3. Resta apreciar se os factos pelos quais o autor foi despedido integram o conceito de justa causa de despedimento. Estando em causa um despedimento posterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico aprovado por aquele Código. 3.1. A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes: «A ora R. imputou ao A. a seguinte conduta dirimente (como tal constante da decisão final proferida no processo disciplinar): No dia 24 de Setembro de 2004 o A. recusou-se a cumprir ordens da Entidade Empregadora, a saber, ir carregar garrafas vazias a Avintes/Porto, na segunda-feira seguinte (27), e ir descarregá-las a Marmande/França, onde um cliente as aguardava. Nesse dia 24 o A. comunicou à R. que já tinha bilhetes de avião e ia de férias uma semana. A Entidade Empregadora não lhe permitiu que tirasse essa semana de férias por Setembro ser um mês com muito trabalho (por se seguir ao encerramento da empresa no mês de Agosto) e ainda por um dos trabalhadores da mesma também não se encontrar ao serviço. Tanto mais que o A. tinha gozado quinze dias de férias em Agosto. Constituirá esta desobediência do A. um comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho? A resposta não é imediata, exigindo ponderada reflexão sobre as circunstâncias relevantes, a que sempre deve aliás atender-se na apreciação da justa causa, como manda o n.º 2 do art. 396.º do Código do Trabalho. O contexto: O A. integrava uma pequena empresa, ‘quase familiar’, com apenas cinco trabalhadores ao seu serviço. As suas férias, como as dos demais, eram marcadas em parte pela empresa (cerca de 15 dias em Agosto) e as restantes por acordo. Dado que todos pretendem gozar férias no período de Verão (em especial entre finais de Julho e início de Setembro), a Entidade Empregadora vê-se obrigada a ratear esse período, pelo que os trabalhadores gozam, em geral, cerca de metade dos dias de férias nessa altura, sendo depois os restantes dias gozados numa outra altura do ano, em data a acordar entre o interessado e a Entidade Empregadora, ou, não sendo possível o acordo, em altura a designar pelo empregador, em conformidade com as necessidades e exigências do funcionamento da empresa. Durante o ano de 2004 o A. aceitou, como sempre, gozar férias interpoladas, gozando 15 dias úteis de férias em Agosto, como se disse já (mais de 10 dias úteis consecutivos). Sempre antes o A. marcara as suas férias por acordo com a empresa. Sendo esta a ‘praxis’, regular e consensualmente seguida, vejamos o que ‘correu mal’ no caso sujeito, e quem foi que, afinal, deu azo ao contencioso que ora nos ocupa. É regra jurídica basilar que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, as partes devam proceder de boa fé — art. 762.º, n.º 2, do Cód. Civil. (Diremos, parenteticamente, que terá sido o desrespeito deste convocado princípio, por ambas as partes, em maior ou menor medida embora — como vamos dilucidar — a causa primeira desta (evitável) desinteligência). Com efeito: A pequena dimensão da empresa e uma prática anterior sem incidentes, explicarão, de algum modo, por que não era formalmente elaborado um mapa de férias (com indicação do início e termo dos períodos de férias de cada trabalhador) e depois afixado no local de trabalho entre as datas de 15 de Abril e 31 de Outubro, como manda o n.º 7 do art. 217.º do Código do Trabalho. Era assim todavia que as coisas se passavam na empresa da R., ou seja, sem elaboração e afixação de mapa de férias. (Mas não é isso que releva, como facilmente se entenderá). As férias eram marcadas, como se factualizou, em parte pela empresa R. (cerca de 15 dias em Agosto) e as restantes por acordo. Rateadas as férias a gozar no período mais solicitado, nele gozando os trabalhadores cerca de metade dos dias de férias nessa altura, os demais dias seriam gozados noutra altura do ano, em data a acordar ou, não sendo possível o acordo, em altura a designar pela Entidade Empregadora, em conformidade com as necessidades e exigências do funcionamento da empresa. Era este o critério aí reinante. Tudo bem. Sendo que, relembre-se, também no ano de 2004 (como sempre), o A. aceitou gozar férias interpoladas — item 34 do alinhamento de facto constante da sentença. É a partir daqui (do gozo de parte das férias em Agosto) que as coisas começam a ser mal conduzidas, com responsabilidades desde logo imputáveis ao A.. Reportados aos factos que nos são presentes (outras subliminares motivações de uma ou outra ou de ambas as partes não são conhecidas), diremos que, como temos por evidente, o A. não deveria ter admitido e dado como adquirido que tinha o direito de gozar as férias restantes quando entendesse. Está fora de questão que, à míngua de acordo sobre tal ponto, a última palavra cabia necessariamente ao empregador. Precipitou-se e, subvertendo as posições, não procedeu correctamente ao destinar a sua vida, assumindo compromissos sem negociar a condição prévia, a de poder ir gozar férias naqueles dias. Por isso, ante as ordens dadas no sentido de proceder ao carregamento das garrafas vazias, no dia 27, e ao seu transporte para França (com a implicitada recusa da R. em consentir--lhe que gozasse férias naqueles dias), o A., desrespeitando-as e procedendo como vem descrito, afrontou o empregador e infringiu o dever de obediência a que estava adstrito. Porém, há que ponderar o seguinte: A sua (ousada) atitude — apostando quiçá no esperado efeito do facto consumado — foi rodeada, contudo, de alguns cuidados preliminares que, sem contudo o justificar, atenuam de algum modo os efeitos deletérios e a censura e reprovação da sua determinação/desobediência. Na verdade, o A., cerca de duas semanas antes do projectado gozo das férias restantes a partir de 25 de Setembro, comunicou à gerente da R. em Portugal, Sr.ª D. BB, que pretendia entrar de férias durante uma semana a partir do referido dia 25 de Setembro, como se estampou no item 13. do referido alinhamento da fundamentação de facto. E, independentemente do resultado da sua diligência, teve mesmo a preocupação de tentar que o seu cunhado, CC, o substituísse na semana em que iria estar ausente, o que propôs à referida gerente, acabando por levá-lo a França consigo para conversar sobre isso com o gerente da R.. Ora, ante este quadro, o silêncio da R. — de quem se esperava que, em termos da normal boa fé, lisura e transparência, reagisse o mais prontamente possível à comunicação/disposição do A., feita quinze dias atrás, por forma clara e determinante, num ou noutro sentido — terá deixado crescer no espírito do A. o convencimento de que nada obstaria ao seu anunciado propósito. O que, quer se queira quer não, contribuiu significativamente para aproximar o nefasto resultado final. Por isso, a ordem dada a 24 de Setembro, sendo formalmente legítima, não está isenta de crítica, não dirime de todo alguma responsabilidade da R. no adensar de um clima psicologicamente favorável à consumada desobediência disciplinar do A., comportamento que não assume, por isso, um afrontamento ostensivo, rebelde, sem qualquer justificação, com a gravidade demandada pela normatividade ínsita na noção de justa causa, constante do art. 396.º/1 do Código do Trabalho. Neste contexto, como bem se ajuizou, a conduta do A., culposa embora, não deveria ter sido cominada com a ‘pena maior’ das sanções disciplinares. Foi desrespeitado o princípio da proporcionalidade, inscrito no art. 367.º do Código do Trabalho. O despedimento é, assim, ilícito, como acertadamente se decidiu.» A ré alega, porém, que a desobediência do autor, que consistiu em ir para férias em período durante o qual tinha serviço distribuído, traduzindo-se ainda em faltas injustificadas e em prejuízos para a ré, no pagamento dos quais foi condenado, constitui justa causa para despedimento, pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3, alíneas a), e), e g) do Código do Trabalho. 3.2. A proibição dos despedimentos sem justa causa recebeu expresso reconhecimento constitucional no artigo 53.º da Lei Fundamental, subordinado à epígrafe «Segurança no emprego» e inserido no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores»), do Título II («Direitos, liberdades e garantias») da Parte I («Direitos e deveres fundamentais»). Por seu turno, a disciplina legal do despedimento por facto imputável ao trabalhador acha-se contida no artigo 396.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem. De harmonia com o preceituado no artigo 396.º constitui justa causa de despedimento «[o] comportamento culposo do trabalhador que, pela gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (n.º 1). O conceito de justa causa formulado neste normativo compreende, segundo o entendimento generalizado tanto na doutrina, como na jurisprudência, três elementos: a) um elemento subjectivo, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, por acção ou omissão; b) um elemento objectivo, traduzido na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; c) o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Ora, verifica-se a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele. Os comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento acham-se enumerados, a título exemplificativo, no n.º 3 do artigo 396.º, relevando, no caso, a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores [alínea a)], a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa [alínea e)] e faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas [alínea g)]. Por outro lado, o elenco dos deveres do trabalhador estão enumerados no artigo 121.º, figurando, entre eles, o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade e de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias [artigo 121.º, n.os 1, alíneas b) e d), e 2]. Para apreciação da justa causa, deve atender-se, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 396.º, «no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes». Nesta conformidade, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes - intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes -, se conclua pela premência da desvinculação. Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível. Refira-se que, na acção de impugnação do despedimento, o ónus probatório cabe ao trabalhador quanto à existência do contrato de trabalho e ao despedimento, recaindo sobre o empregador quanto à verificação da justa causa de despedimento (artigos 435.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho e 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil). 3.3. Face à matéria de facto provada, deve concluir-se que o autor violou culposamente os deveres de assiduidade e de obediência previstos no artigo 121.º, n.os 1, alíneas b) e d), e 2, do Código do Trabalho e causou diversos prejuízos à ré. Todavia, a valoração do conjunto da matéria de facto apurada permite concluir que a conduta do autor, aferida em função das circunstâncias concretas em que ocorreu, não consubstancia «um afrontamento ostensivo, rebelde, sem qualquer justificação», tal como se ponderou no acórdão recorrido - o autor, cerca de duas semanas antes de 25 de Setembro, comunicou à gerente, Sr.ª D. BB, que pretendia entrar de férias durante uma semana a partir do referido dia, e tinha proposto à mesma gerente que um seu cunhado poderia substituí-lo na semana em que estaria de férias, tendo esse cunhado ido com o autor a França para conversar com o gerente da ré (n.os 13 e 15 da matéria de facto) -, não sendo de molde a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a natureza da relação de trabalho pressupõe, nem é susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que não se justifica a aplicação da mais gravosa das sanções disciplinares. Tudo para concluir que, no caso em apreço, seria suficiente a aplicação de uma medida disciplinar de índole conservatória, possibilitando a permanência da relação laboral, não se configurando um comportamento integrador de justa causa de despedimento, o que determina a ilicitude do mesmo, com as consequências previstas nos artigos 436.º e seguintes do Código do Trabalho. Assim, improcedem as conclusões 1) e 2) da alegação do recurso da ré. III Pelos fundamentos expostos, decide-se negar ambas as revistas e confirmar o acórdão recorrido. Custas de cada um dos recursos pelos respectivos recorrentes. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008 Pinto Hespanhol (relator) Vasques Dinis Bravo Serra
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031567 Nº Convencional: JTRP00030890 Relator: JOÃO VAZ Descritores: PRIVILÉGIO CREDITÓRIO TRABALHADOR SALÁRIO RESCISÃO DE CONTRATO INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200101110031567 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 433-S/97 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: DL 47344 DE 1966/11/25 ART8. CCIV66 ART12 ART737 N1 D ART751 ART747. L 17/86 DE 1986/06/14 ART12 N1 ART1 N1. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/03/03 IN BMJ N475 PAG548. AC STJ DE 1999/02/09 IN CJSTJ T1 ANOVII PAG86. Sumário: I - O que o artigo 8 da Lei Preambular do Código Civil de 1996 quer significar ao dizer "Não são reconhecidos para o futuro, os privilégios e hipotecas legais que não sejam concedidos no novo Código Civil, mesmo quando conferidos em legislação especial", não é outra coisa senão a de impor a revogação de todos os diplomas então existentes, que contenham regime jurídico diverso do introduzido pelo Código Civil. II - A Lei n.17/86, de 14 de Junho (Lei dos Salários em Atraso), ao estabelecer um privilégio creditório geral (mobiliário e imobiliário), contempla não só os créditos de salários dos trabalhadores mas também as indemnizações devidas por rescisão. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031580 Nº Convencional: JTRP00030886 Relator: NORBERTO BRANDÃO Descritores: MATÉRIA DE DIREITO MATÉRIA DE FACTO DEPOIMENTO DE PARTE ADMISSIBILIDADE CONFISSÃO Nº do Documento: RP200101110031580 Data do Acordão: 11/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MONÇÃO Processo no Tribunal Recorrido: 58/97-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. APELAÇÃO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART553 N3 ART554 N1. CCIV66 ART352 ART353 N2. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1979/06/15 IN CJ T3 ANOIV PAG814. AC RC DE 1976/10/13 IN CJ T3 ANOI PAG571. AC STJ DE 1982/12/02 IN BMJ N322 PAG308. Sumário: I - Não envolve matéria de direito que justifique ter-se por não escrita a respectiva resposta, a inclusão no questionário de expressão que, podendo envolver determinado conceito técnico-jurídico, tem também um sentido corrente ligado à concretização de certos factos. II - Assim, deve manter-se o quesito em que se pergunta se «a cessão de exploração referida em G), e que ambos os Réus levaram a cabo, teve como fim único e visível desviar bens de que o Réu J. sempre foi titular, para assim os subtrair à sua comunhão conjugal com a Autora?» e a resposta dada pelo Colectivo «Provado apenas que a cessão de exploração referida em G), e que ambos os Réus levaram a cabo, teve por fim desviar bens para assim os subtrair à comunhão do Réu J. com a Autora». III - Tendendo o depoimento de parte à obtenção da confissão de factos quesitados, segundo resulta do artigo 352 do Código Civil, e do artigo 554 n.1 do Código de Processo Civil, é manifesto que o depoimento de parte há-de incidir sobre factos alegados pela outra parte, pois só esses se apresentarão desfavoráveis àquele que há-de prestar depoimento. IV - Se A requereu o depoimento de parte de B, sobre factos que ambos conjuntamente alegaram na contestação, esse depoimento nunca pode ter lugar, pois nunca ele poderia reconhecer a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, o que constitui a essência da confissão - artigo 352 do Código Civil. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040816 Nº Convencional: JTRP00031174 Relator: MANSO RAÍNHO Descritores: ESTABELECIMENTO HOTELEIRO JOGO LICENÇA LICENÇA DE UTILIZAÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO CONCURSO DE INFRACÇÕES UNIDADE DE INFRACÇÕES Nº do Documento: RP200101100040816 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J FAFE 2J Processo no Tribunal Recorrido: 138/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR ORDEN SOC. Legislação Nacional: DL 315/95 ART2 ART3 N1 N2 N3. DL 445/91 ART54 N1 C N4. DL 433/82 DE 1982/10/27 ART32. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1996/04/18 IN CJSTJ T2 ANOIV PAG172. Sumário: I - Provado que o arguido mantinha em funcionamento cinco bilhares sem possuir licença de utilização para recinto de divertimentos públicos no seu estabelecimento comercial licenciado apenas para café-bar, há que concluir ter incorrido na prática da contra-ordenação previsto e punido pelos artigos 1 n.1 alínea b) e 54 n.1 alínea c) e n.4 do Decreto-Lei n.445/91, e 3 ns.1 e 2 do Decreto-Lei n.315/95. II - Café-bar e bilhares são realidades fácticas e físicas diferentes: o primeiro é um sítio destinado à restauração e bebidas, os bilhares constituem um divertimento, sendo o sítio onde estão instalados o respectivo recinto, muito embora este possa estar contida no recinto do café. Por isso o licenciamento do café não dispensa o licenciamento para divertimento público. III - Embora o arguido mantivesse em funcionamento os bilhares em dias diferentes do mesmo mês, trata-se apenas de uma contra-ordenação de execução duradoura, e não de um concurso real de contraordenações. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041157 Nº Convencional: JTRP00031171 Relator: MANSO RAÍNHO Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO VALOR CONSIDERAVELMENTE ELEVADO ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL Nº do Documento: RP200101100041157 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CR PORTO Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR PENAL - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CPP98 ART368 N1. CP95 ART2 N4. Sumário: Acusado o arguido por crime de emissão de cheque sem provisao previsto e punido pelo artigo 11 n.1 alínea a) do Decreto-Lei n.451/91, de 28 de Dezembro, com referência aos artigos 313 e 314 alínea c) do Código Penal de 1982, acusação que foi recebida e designado dia para julgamento, nada impede que antes da audiência de julgamento seja proferido despacho a declarar extinto por prescrição o procedimento criminal com base em nova qualificação jurídica dos factos por efeito da aplicação do regime mais favorável ao arguido decorrente de alteração legislativa entretanto ocorrida (o valor do cheque deixou de ser consideravelmente elevado). Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação do Porto: O Ministério Público deduziu acusação, em 7 de Dezembro de 1993, contra Vitor ............., imputando-lhe a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo artº 11°, n° 1 a) do DL nº 451/91, com referência aos artºs 313° e 314° c) do CP de 1982. A acusação foi recebida e designado dia para julgamento. Por razões decorrentes da ausência do arguido em parte incerta, não se logrou efectivar o julgamento. No dia 1 de Junho de 2000 foi proferido, pelo Mmo juiz do 2° Juízo Criminal do Porto, despacho a declarar extinto por prescrição o procedimento criminal. Exarou-se nesse despacho que na data da prática dos factos a UC era de 10.000$00, pelo que, atento o disposto no artº 202°, al b) do CP, na versão pós--revisão de 1995, o valor do cheque não excede as 200 UC's - 2.000.000$00- não podendo por isso o cheque ser considerado de valor considerávelmente elevado , logo era p. e p. pelo artº 313° do CP, na versão anterior à revisão de 1995, com prisão até 3 anos. E não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, prescreveu em 26.7.98 o procedimento criminal. É desta decisão que vem interposto pela digna Procuradora-Adjunta o presente recurso que, motivado, apresenta as seguintes conclusões: 1. Proferida acusação, a mesma é sujeita à apreciação judicial da verificação dos necessários pressupostos da fase de julgamento, da regularidade do exercício da acção penal para submissão do feito a julgamento. 2. Pelo que, nos termos do artº 311° do CPP, ao ser recebido tal despacho acusatório no tribunal de julgamento, o juiz, em 1° lugar, aprecia todas as questões prévias ou incidentais que possam obstar ao mérito da causa, sejam elas de natureza substantiva ou adjectiva. 3. Assim, estipula o artº 313° do CPP que "o despacho que designa dia para audiência contém, sob pena de nulidade, a indicação dos factos e disposições legais aplicáveis, o que pode ser feito por remissão para a acusação ou para a pronúncia, se a houver". 4. Fundamentam-se estes normativos no facto que o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitiva) e a extensão do caso julgado (actividade decisória). É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal, princípios segundo em julgado de sentença (sic), deve ser conhecido e julgado na totalidade - vidé Prof. Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal", Vol I, pág 145. 5. Não existindo questões prévias ou incidentais que obstem ao mérito da causa e não sendo caso de rejeição, o juiz recebe a acusação; e uma vez fixadas na acusação as disposições legais aplicáveis e reafirmadas pelo despacho que designa dia para a audiência de julgamento, qualquer alteração na qualificação jurídica dos factos na acusação só pode ter lugar na sentença final. 6. Face ao exposto, tendo sido recebida a acusação imputando ao arguido a prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelos artºs 11°, nº 1 al a) do DL 454/91 e 314°, al c) do CP de 82, não pode o Sr. Juiz aquo, antes da sentença final, alterar aquela qualificação jurídica, fazendo-se uma ponderação dos factos constantes da acusação, e decidir que os factos praticados pelo arguido integram aquele crime mas punido pelo artº 313° do CP de 82 e, tendo assim, atenta a moldura abstractamente aplicável, decorrido o prazo prescricional, declarar extinto o procedimento criminal. 7. Nesta conformidade, a decisão recorrida violou as normas legais dos artºs 311°, 312° e 313° do CP. Não foi oferecida resposta ao recurso. O Mº juiz sustentou a decisão. Nesta Relação o Exmo Procurador Geral-Adjunto declarou concordar com a motivação de recurso. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. É certo, sabido e consabido que vigora entre nós um processo penal de estrutura acusatória, do que decorre essencialmente que o âmbito de intervenção do julgador (poder de cognição) é definido (delimitado) em função da imputação (factual e jurídica) acusatória. A este propósito ensina Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I, pág 145), como muito justamente salienta a digna recorrente, que deve firmar-se que objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitória) e a extensão do caso julgado (actividade decisória), sendo que é a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciarn os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, princípios segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade e deve considerar-se irrepetivelmente decidido. Mas se esta doutrina é rigorosamente certa, menos certo não é que o que está em questão em tudo isto é a vinculação do tribunal na sua actividade de julgamento de certa conduta imputada a certa pessoa. Isto está aliás muito claro na lição de Figueiredo Dias (ob. e loc citados), como se retira do excerto que se passa a transcrever, doutrina que a digna recorrente estranhamente omite na sua motivação: "Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, facilmente se apreendem quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido (...), que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência; e quando se pense que também só assim o Estado pode ter a esperança de realizar os seus interesses de punir só os verdadeiros culpados (...)". Também Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, pág 57) salienta: "Pela acusação se define e fixa o objecto do processo - o objecto do julgamento - e, portanto, passível de condenação é tão-só o acusado e relativamente aos factos constantes da acusação. Esta consequência - a decisiva -do princípio da acusação está inequívocamente reconhecida no CPP (...). Assim, é nula a pronúncia na parte em que pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação ou no requerimento para abertura de instrução e é também nula a sentença que condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (...)". Ora, como se vê, a falada vinculação temática do tribunal não tem o exacto alcance (extensão) que a digna recorrente afinal lhe empresta, qual seja, o de que (também) a qualificação jurídica dos factos, definida na acusação, é sempre algo -de intangível fora da sentença, sob pena de violação desse princípio. É que o que a vinculação do tribunal à acusação significa verdadeiramente é que o arguido não pode ver-se confrontado (isto é, ser julgado) por razões (de facto e de direito) diversas daquelas de que o acusaram. O que está em questão é o mérito (a substância) da causa, não a ocorrência de qualquer excepção, ou o iter processual. Se, como no caso vertente sucede, a qualificação jurídica dos factos nada tem a ver com o julgamento do acusado (apreciação do mérito da acusação), então não é adequado falar-se em violação do objecto da acusação. Efectivamente, o que se passa in casu é que o Mº juiz decidiu ser de qualificar de forma diversa da constante da acusação a factualidade desta constante, para tanto fazendo apelo à regra do n° 4 do artº 2° do CP (aplicação do regime mais favorável ao arguido), tudo em vista apenas de um efeito: a procedência de uma excepção, qual seja, a da prescrição. Nem mais, nem menos. E como diz ainda Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág 702) "a prescrição constitui um pressuposto negativo de toda a condenação e execução, devendo dela conhecer-se em qualquer estado do processo". Mas é naquele preciso equívoco que cai a digna recorrente. Podemos assim dizer que o que se mostra alegado nas conclusões 1ª a 4ª do recurso é exacto, mas nada tem a ver com a real situação de que resultou o recurso. E o que se mostra alegado nas conclusões 5ª e 6ª não se pode ter por exacto quando, como é o caso, tem por pressuposto uma pretensa (mas inexistente) violação do princípio da vinculação temática do tribunal. Mas, mesmo arredada do caso a aplicação de tal princípio, sempre se poderá questionar se processualmente tem cabimento a (re)qualificação jurídica dos factos, fora da sentença, em vista do conhecimento da excepção da prescrição. O que está aqui em destaque agora é, pois, apenas uma questão processual, por isso que tem a ver com o iter processual fixado na lei. A digna recorrente entende (embora, repete-se, fundada no equívoco de que está em causa o princípio da vinculação da actividade judicial ao objecto da acusação) que uma vez recebida a acusação (não havendo assim questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa) sómente na sentença final se poderia proceder à alteração da qualificação. Mas temos que discordar . A sentença é a sede natural para declarar o direito (declarar se se cometeu ou não o crime). Mas nem por isso o tipo de crime é insusceptível de ser equacionado anteriormente, na medida em que tal seja necessário. E uma tal necessidade verifica-se quando, face ao direito substantivo aplicável, há lugar à prescrição do procedimento. É a própria lei a impôr ao tribunal o conhecimento das questões prévias (e entre estas conta-se a prescrição, conforme salienta Maia Gonçalves, Codigo de Processo Penal Anotado, 10ª ed, pág 610) antes de passar a julgar o mérito da causa (artº 338° do CPP), o que significa que não é apenas a sentença a sede própria para esse efeito (artº 368° nº 1 do CPP). O que se passa é que a lei processual fixa certos momentos em que o tribunal é obrigado a conhecer dessas questões. Mas não proibe que fora desses momentos a mesma actividade seja levada a cabo. Podemos até dizer que não apenas não proibe como, de certa forma, até impõe, pelo menos indirectamente: é o que se deve concluir do disposto no artº 136° do CPCivil, aplicável também ao processo penal ex vi do artº 4° do CPP. Aí se estabelece que é proibida a prática de actos processuais inúteis, incorrendo até em responsabilidade quem os praticar. E não é isto que se passa quando, havendo uma qualquer razão para se pôr termo ao processo (rectius, a ocorrência de uma questão prévia prejudicial, como é a prescrição), se dá seguimento ao mesmo? Transposta a questão para o caso vertente, ter-se-à que admitir, como aliás não deixa de salientar o Mº juiz no despacho de sustentação, que se o procedimento se encontra extinto por prescrição, é actividade inútil prosseguir com o processo para julgamento. O que acontece - e isto é que, complicando a situação, acaba por impressionar a digna recorrente - é que subjacente ao conhecimento da prescrição está uma actividade judicial de requalificação jurídico-criminal dos factos. Mas isto, salvo melhor opinião, nada tem de estranho ou de anormal. De ordinário o juiz tem que lidar com o mundo do direito, em maior ou menor grau, para o efeito de conhecer da excepção da prescrição. A requalificação jurídica dos factos acusados, por efeito da aplicação do regime mais favorável ao arguido, em face da alteração entretanto ocorrida do regime jurídico-penal, é apenas uma normal manifestação dessa necessária incursão no mundo do direito. Ora, foi justamente isto que se passou no caso vertente. O tribunal recorrido limitou-se a fazer em momento anterior, aquilo que sempre teria que fazer na sentença. Desde que a digna recorrente não põe em causa a bondade substantiva da decisão recorrida (isto é, não recorre com o fundamento de que não se verifica a declarada prescrição), que vantagem haveria então no seguimento do processo para julgamento? Não vemos nenhuma. Nem a digna recorrente nos explica onde reside essa vantagem. Consequentemente, improcede o recurso. E escusado será dizer que, não sendo objecto deste recurso a apreciação da validade substantiva do decidido, não nos compete aferir dela. O que é dizer, passa ao lado da apreciação desta Relação a questão de saber se é legal a decisão recorrida enquanto juízo atinente à verificação da prescrição do procedimento. Decisão: Pelo exposto acordam os juizes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte objecto do recurso. Sem custas de recurso. Este documento foi elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto (artº 94°, n° 2 do CPP). Porto, 10 de Janeiro de 2001 José Inácio Manso Raínho Pedro dos Santos Gonçalves Antunes José Alcides Pires Neves Magalhães
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040724 Nº Convencional: JTRP00031156 Relator: TEIXEIRA MENDES Descritores: AMEAÇA CRIME DE RESULTADO CRIME DE DANO CRIME DE PERIGO Nº do Documento: RP200101100040724 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS. Legislação Nacional: CP82 ART155. CP95 ART153. Sumário: I - O crime de ameaças era previsto no Código Penal de 1982 como crime de resultado e de dano. II - Porém, após a revisão de 1995, passou a ser um crime de perigo e de mera acção, bastando, agora, tão só que a ameaça seja "adequada" a causar medo e inquietação, não sendo necessário que, concretamente, estes resultem. III - O critério da "adequação" tem de ser "objectivo-individual": - objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa; - individual, no sentido de que devem relevar as características físico-mentais do ameaçado. IV - Sendo um crime de perigo, tem este de ser concreto e não meramente abstracto, uma vez que, hoje, não basta a simples ameaça da prática do crime, exigindo-se, igualmente, que a ameaça seja, na situação concreta, adequada a provocar medo ou inquietação. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010042 Nº Convencional: JTRP00031144 Relator: MATOS MANSO Descritores: DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO DESPACHO DE PRONÚNCIA EQUIVALÊNCIA INTERPRETAÇÃO DA LEI INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO Nº do Documento: RP200101100010042 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR VIANA CASTELO Processo no Tribunal Recorrido: 232/96 Data Dec. Recorrida: 06/10/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART311 ART312. CPP29 ART390 ART391. CP82 ART120 N1 C ART119 N3. Sumário: I - O despacho que designa dia para julgamento, nos termos dos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal de 1987, equivale ao despacho equivalente ao de pronúncia, no Código de Processo Penal de 1929. II - Comparando as disposições contidas nos artigos 390 e 391 do Código de Processo Penal de 1929 e nos artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal de 1987, não se encontram diferenças relevantes: ambos conhecem das nulidades, da legitimidade, das excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa e que possam ser conhecidas desde logo; em ambos os regimes se aprecia a prova recolhida e, havendo indícios suficientes, é recebida a acusação e é designado dia para julgamento. III - Esta interpretação não é uma interpretação actualista, dado que não se está, agora, a fazer abranger pelo artigo 120 n.1 alínea c) do Código Penal de 1982, uma realidade nova, que o legislador do Código Penal de 1982 não tinha previsto. IV - O despacho que designa dia para julgamento interrompe e suspende, pois, a prescrição. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041158 Nº Convencional: JTRP00031167 Relator: PINTO MONTEIRO Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL CONTUMÁCIA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO Nº do Documento: RP200101100041158 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CR PORTO Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: L 43/86 DE 1986/09/26 ART2 N2 ART59. CPP87 ART336 ART337. CP82 ART119 ART120. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 2000/11/10 N10. Sumário: I - Encontrando-se extinto o procedimento criminal, não faz sentido obrigar o arguido submeter-se a julgamento, já que se trataria de uma formalidade sem quaisquer efeitos práticos e, por isso, absolutamente inútil, podendo, pois, declarar-se a extinção daquele por despacho. II - Não é de acolher a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 10 de Novembro de 2000, n.10/2000, no sentido de que a declaração de contumácia, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal. III - Com efeito, o instituto da contumácia não existia à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982. IV - Deste modo, sendo tal instituto inexistente não podia o legislador, ao referir-se "aos demais casos especialmente previstos na lei", estar a pensar nele. V - Acusa que, na Lei n.43/86, de 26 de Setembro, que deu autorização ao Governo para aprovar o novo Código de Processo Penal, não está prevista a declaração de contumácia como forma de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041202 Nº Convencional: JTRP00031163 Relator: NEVES MAGALHÃES Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO IMPUGNAÇÃO PRAZO Nº do Documento: RP200101100041202 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T PEQ INST CRIMINAL PORTO Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR ORDEN SOC. Legislação Nacional: DL 433/82 DE 1982/10/27 ART59 N3 ART60. DL 244/95 DE 1995/09/14. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1994/03/10 IN DR IS-A 1994/05/07. ASS STJ N2/00 IN DR IS-A 2000/02/07. AC RL DE 1995/11/24 IN BMJ N481 PAG527. AC RP IN PROC9711055 DE 1998/04/07. AC RP IN PROC9941377 DE 2000/03/22. Sumário: I - O prazo de 20 dias, fixado no artigo 59 n.3 do Regime Geral das Contraordenações, é um prazo de natureza administrativa e não um prazo judicial, pelo que se lhe aplicam as normas do Código de Procedimento Administrativo e não as regras do Código de Processo Civil. II - Com efeito, no artigo 60, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), definem-se as regras atinentes ao prazo de recurso, pelo que, nesta matéria, não existe qualquer lacuna a integrar pelas normas do Código de Processo Penal ou do Código de Processo Civil. III - Atenta a natureza administrativa do prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa não tem aplicação o Assento n.2/00, Diário da Republica I Série-A, de 7 de Fevereiro de 2000. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:013491 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:JORGE DE SOUSA Descritores:RECURSO CONTENCIOSO SISA DESPACHO AUTORIZO AVALIAÇÃO DE FOGOS ACTO INTERNO Sumário:I - O despacho que autoriza a avaliação de prédio, nos termos do § único do art.57 do C.I.M.S.I.S.S.D., é um acto interno, pressuposto da avaliação, que não define qualquer situação jurídica nem tem efeitos na esfera jurídica do seu proprietário. II - Assim, tal acto autorizativo, por carecer de definitividade material, não é contenciosamente recorrível (art. 25, n. 1, da L.P.T.A.). Nº Convencional:JSTA00052087 Nº do Documento:SA219990708013491 Data de Entrada:02/05/1991 Recorrente:FIGUEIREDO , ANTONIO Recorrido 1:DIRECTOR DISTRITAL DE FINANÇAS DE LISBOA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC TT2INST. Decisão:REJEIÇÃO REC CONT. Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO. Legislação Nacional:CIMSISD91 ART57. CONST82 ART17 ART18 N2 ART20 N2 ART268 N3. LPTA85 ART25 N1. RSTA57 ART57 PAR4. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011124 Nº Convencional: JTRP00031140 Relator: MANUEL BRAZ Descritores: DANOS MORAIS DANOS PATRIMONIAIS JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200101100011124 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VIEIRA MINHO Processo no Tribunal Recorrido: 18/99 Data Dec. Recorrida: 10/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART496 N3 ART494 ART804 N1 ART805 N3. Sumário: I - As indemnizações por danos não patrimoniais têm de ter um alcance significativo e não meramente simbólico. II - O regular aumento do seguro obrigatório reflectirá mesmo um propósito legislativo nesse sentido. III - Os juros de mora são devidos tanto em relação ao valor da indemnização por danos patrimoniais como em relação à indemnização por danos não patrimoniais. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010080 Nº Convencional: JTRP00031142 Relator: MATOS MANSO Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO PREJUÍZO MINISTÉRIO PÚBLICO PRONÚNCIA FALTA Nº do Documento: RP200101100010080 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T I CR PORTO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 14/98 Data Dec. Recorrida: 22/09/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO. DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: DL 454/91 DE 1991/12/28 ART11 N1. DL 316/97 DE 1997/11/19. CPP87 ART120 N1 ART287 N1 B. Sumário: I - Tanto na vigência do regime estabelecido no Decreto-Lei n.454/91 de 28 de Dezembro, como na vigência do actual regime (Decreto-Lei n.316/97 de 19 de Novembro), ofendido é o portador do cheque cujo património é directamente prejudicado pela recusa de pagamento por falta de provisão. II - Assim, é irrelevante para o preenchimento do elemento típico "prejuízo patrimonial" que, pelo facto de o pagamento do cheque ter sido recusado pelo banco sacado, tenha resultado para o credor do portador, indirecta ou reflexamente, prejuízo patrimonial. III - A falta de pronúncia, expressa pelo Ministério Público, quanto à questão de saber se estavam preenchidos todos os elementos típicos e condições objectivas de punibilidade, relativos aos tipos de crime indicados na participação e se se verificava concurso real ou concurso aparente de infracções, será, quando muito, mera irregularidade dependente de arguição. IV - Ora, se o ofendido, notificado da acusação deduzida pelo Ministério Público, discordava da posição por este assumida, devia ter requerido a abertura da instrução. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S3899 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: PINTO HESPANHOL Descritores: JUS VARIANDI CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR SUBSÍDIO DE FÉRIAS TRABALHO SUPLEMENTAR Nº do Documento: SJ200802060038994 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Decisão: NEGADA A REVISTA. Sumário : 1. Sendo patente que as novas funções atribuídas ao trabalhador implicaram uma modificação substancial da sua posição contratual, que não foi justificada a ordem de modificação, nem indicado o tempo previsível da sua duração, não se verificam os pressupostos da mobilidade funcional previstos no artigo 314.º do Código do Trabalho, pelo que a conduta assumida pelo empregador configura um exercício ilegítimo do poder de variação. 2. Provando-se que a conduta do empregador foi ilícita, culposa e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da gravidade e consequências da violação culposa do direito do trabalhador à sua categoria profissional, verifica-se justa causa para resolver o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 441.º, n.º 4, e 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho. 3. O suplemento remuneratório auferido mensalmente pelo trabalhador a título de ajudas de custo, por forma regular e periódica, entre 1996 e 2005, e destinado a remunerar o trabalho suplementar, releva para o cômputo do subsídio de férias. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 20 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, L.da, pedindo a condenação da ré: (a) a reconhecer a resolução do contrato de trabalho por justa causa; (b) a pagar--lhe uma indemnização correspondente à antiguidade no montante de € 8.280,00; (c) a reconhecer que o autor tem direito a auferir nas férias, subsídios de férias e de Natal os valores relativos a ajudas de custo e prémios de produtividade que recebeu, em média, nos últimos 12 meses e a pagar-lhe as correspondentes diferenças; (d) a pagar-lhe as férias, subsídios de férias e de Natal em dívida; (e) a pagar-lhe os valores em dívida no montante global de € 15.044,96; (f) a pagar-lhe juros de mora relativos àqueles valores, desde a data do seu vencimento até à data da propositura da acção, no valor de € 2.970,51, bem como os que se vencerem até integral pagamento. Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, (1) declarou que o autor procedeu à resolução do contrato de trabalho com justa causa, (2) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 8.334,65, a título de indemnização pelos danos emergentes da resolução do contrato de trabalho, (3) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 12.667,41, a título de diferenças da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, férias e respectiva retribuição relativas ao ano de 2004, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativamente ao trabalho prestado pelo autor no ano de 2005, valor da retribuição do trabalho prestado no mês de Abril e despesas tidas pelo autor com almoços, (4) condenou a ré a pagar ao autor os juros moratórios vencidos e vincendos relativamente aos valores referidos em 2) e 3), às sucessivas taxas legais, contados desde o respectivo vencimento, até integral e efectivo pagamento, e julgou improcedente o pedido reconvencional da ré, dele absolvendo o autor. 2. Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente, tendo decidido: (i) absolver a ré da condenação no pagamento do subsídio de Natal na parte em que foram contabilizadas para o seu cálculo as ajudas de custo e o prémio de produtividade; (ii) absolver a ré da condenação no pagamento do subsídio de férias, relativamente à parcela que diz respeito ao prémio de produtividade; (iii) manter no restante a sentença recorrida. É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam a transcrever: «1. Entre 14 de Março e 1 de Abril [de 2005], o recorrido executou tarefas que não correspondem à sua categoria de chefe de equipa, porém, não se pode perder de vista o circunstancialismo particular inerente a esta situação, ou seja, que o recorrido estava a realizar o período de aprendizagem de um novo serviço (pavimentação) para assumir a chefia dessa equipa; 2. Num sector específico, como é o caso [da] pavimentação, o comando de uma equipa de trabalhadores só pode ser executado por alguém [que] saiba executar as funções inerentes à equipa que dirige; 3. Tal situação configura uma situação de mobilidade funcional, prevista no artigo 314.º do Código do Trabalho; 4. A mobilidade funcional ou ius variandi está sujeita a critérios de utilização rigorosos, uma vez que é admitida a variação in peius, no entanto, tais critérios foram integralmente respeitados no caso em apreço; 5. Importa igualmente realçar que o trabalhador exerceu as funções descritas no artigo 11. dos factos provados durante cerca de dez dias de trabalho, o que é manifestamente escasso para se considerar que exercia estas tarefas a título definitivo e como tal não era uma variação transitória; 6. Pelo exposto, não existia uma impossibilidade de manutenção do vínculo laboral resultante do comportamento supostamente culposo do empregador, razão pela qual se deve concluir que o trabalhador não dispunha de justa causa para resolver o contrato de trabalho; 7. No que concerne às ajudas de custo, não concorda a recorrente que o valor médio das mesmas deva ser computado no cálculo do subsídio de férias; 8. De facto, as ajudas de custo destinavam-se ao pagamento do trabalho suplementar realizado ao longo do mês (facto provado n.º 29); 9. No domínio da legislação em vigor anterior ao Código do Trabalho, bem como neste, a remuneração pelo trabalho suplementar não integra o conceito de remuneração e como tal não deve ser tida em linha de conta para cálculo dos subsídios de férias; 10. O Acórdão recorrido violou os artigos 314.º, 249.º, 255.º, 261.º do Código do Trabalho, artigo 86.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1968, e artigo 80.º, c), da Constituição da República Portuguesa.» O autor não contra-alegou. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista deve ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta. 3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar: – Se o autor operou a resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa [conclusões 1) a 6 e 10), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]; – Se o acréscimo remuneratório pago pela ré ao autor, no período de 1996 a 2005, a título de ajudas de custo, e destinado a remunerar o trabalho suplementar, releva para o cômputo do subsídio de férias [conclusões 7) a 10), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]; – Se ocorre a violação do artigo 80.º, alínea c), da Constituição [conclusão 10), na parte atinente, da alegação do recurso de revista]. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto: 1) A Ré é uma empresa que se dedica à construção de vias de comunicação e obras públicas; 2) Em 2-1-1996, o Autor foi admitido ao serviço da Ré para desempenhar as funções de «Manobrador», sob a direcção e autoridade desta, tendo sido promovido à categoria de «Chefe de equipa», há cerca de 4 anos; 3) No exercício destas funções, o Autor tinha a incumbência de dirigir uma equipa de trabalhos nas actividades de terraplanagem e saneamento; 4) Dando instruções ao pessoal que dirigia, quanto às tarefas em concreto a executar, a forma como as executar e assegurando que o pessoal por si dirigido cumpria as tarefas que lhe eram incumbidas; 5) A sua equipa era constituída por 4/5 homens que exerciam as referidas actividades; 6) O A. sempre desempenhou as suas funções com zelo e diligência, no sentido de garantir os bons resultados da empresa; 7) De uma forma efectiva e ininterrupta, nunca tendo havido quaisquer razões de queixa por parte de colegas, subordinados, gerência, donos de obras, fiscalização ou terceiros; 8) Em Janeiro de 2005, a Ré, devido à diminuição do volume de trabalho, extinguiu a equipa de trabalho chefiada pelo A., tendo este sido informado que passaria a integrar uma outra equipa, a de pavimentação; 9) O A. foi colocado nessa equipa com vista à aprendizagem e futura chefia da mesma; 10) A partir de Março de 2005, a Ré passou a cometer ao A. funções de servente, de pedreiro e de manobrador e foi-lhe determinado por aquela que passaria a estar sujeito às ordens do até então seu colega e chefe de equipa BB e que deveria executar as tarefas que este concretamente lhe determinasse; 11) No cumprimento dessas ordens, entre os dias 14 de Março e 1 de Abril d[e] [2005], em diversas obras levadas a cabo pela Ré, o A. procedeu à aplicação de massas betuminosas, mediante a utilização de ferramentas manuais, como pás, rodos e vassouras, conduziu um camião pesado de mercadorias no transporte de emulsão líquida e manobrou a máquina «Bobcat» destinada à limpeza de pavimentos; 12) No final do dia 1-4-2005, após ter comentado com o Sr. BB, que a sua situação na empresa era incompreensível, o A. foi chamado à presença da Gerência para uma reunião na qual lhe comunicaram que tinha sido colocado na equipa do Sr. BB para fazer o que ele mandasse, o que também lhe foi dito pelo mesmo BB; 13) E que, caso não obedecesse e não se quisesse sujeitar a tal, ficaria no estaleiro sem qualquer trabalho distribuído, cumprindo apenas o horário das 8 horas às 17 horas; 14) Face a isto o Autor optou por ficar efectivamente no estaleiro a aguardar que a Ré invertesse a situação, atribuindo-lhe tarefas da sua categoria profissional; 15) O que não aconteceu, ficando o Autor de segunda (4-4-05) a quarta-feira (6-4-05) no estaleiro, sem fazer nada, porque a Ré não lhe distribuiu qualquer tarefa própria da sua categoria profissional; 16) Por carta junta a fls. 15 a 18, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o A. resolveu o contrato que o ligava à Ré, tendo a Ré recebido essa carta no dia 6 de Abril de 2005; 17) A Ré respondeu à carta do A. nos termos de fls. 55 a 58, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido; 18) O chefe de equipa no qual o A. foi incorporado, BB, veio a sair da empresa da Ré cerca de um mês após a saída do A.; 19) A Ré pagava ao Autor a retribuição mensal certa de 900,00 €, a qual era acrescida de uma verba, variável de mês para mês, a título de ajudas de custo e, para além das ajudas de custo, a Ré ainda pagava um prémio de produtividade; 20) As ajudas de custo eram fixadas em função do número de dias que o Autor estava deslocado em serviço; 21) Todas as despesas relacionadas com as deslocações em serviço, nomeadamente transportes e alojamento, eram suportadas directamente pela Ré independentemente do valor das ajudas pagas; 22) O prémio de produtividade deixou [de] ser pago pela Ré a partir do mês de Janeiro de 2005, altura em que o retirou da Chefia de Equipa; 23) Ao longo da sua relação laboral com a Ré, o Autor recebeu a título de ajudas de custo e de prémios de produtividade os valores discriminados nos mapas de fls. 21 a 26 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, salvo no que respeita ao valor das ajudas de custo pagas no mês de Janeiro de 2001, que foram no valor de € 299,28, das pagas em 31 de Janeiro de 2004 que foram no valor de € 111,20 e das pagas em 31 de Janeiro de 2005 que foram no valor de € 196; 24) A Ré nunca incluiu o valor médio das ajudas de custo, nem o valor médio do prémio de produtividade na retribuição das férias, dos subsídios de férias e dos subsídios de Natal que processou ao Autor; 25) No ano de 2005, o Autor não gozou as férias vencidas em 1-1-2005 e a Ré não lhe pagou a correspondente retribuição; 26) A Ré também não pagou qualquer quantia a título de férias, subsídio de ferias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2005; 27) A Ré não pagou ao A. a retribuição correspondente a 5 dias de trabalho do mês de Abril de 2005; 28) O A. realizou despesas com almoços ao serviço da Ré, nos meses de Março e de Abril de 2005, no montante de € 74,50 e que aquela não lhe pagou; 29) As ajudas de custo destinavam-se a remunerar o trabalho suplementar que o A. realizava ao longo do mês; 30) A Ré, em 1 de Janeiro de 2005, pagou ao A. a quantia de € 900, a título de subsídio de férias vencidas naquela data. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso. 2. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso. Actualmente, o regime jurídico do contrato de trabalho consta do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1), sendo que, no caso, discute-se se a resolução do contrato de trabalho operada pelo trabalhador, em 6 de Abril de 2005, se fundou em justa causa, e, por outro lado, se o acréscimo remuneratório pago pela ré ao autor, no período de 1996 a 2005, a título ajudas de custo, destinado a remunerar o trabalho suplementar, releva para o cômputo do subsídio de férias. A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas. No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento». A norma transcrita corresponde ao artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho, e acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. Deste modo, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas nos artigos subsequentes ao artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 e tendo em conta que a relação jurídica em apreciação se iniciou em 2 de Janeiro de 1996 e cessou em 6 de Abril de 2005, aplica-se o regime instituído no Código do Trabalho, salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho. Assim, o regime do Código do Trabalho aplica-se à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor, bem como aos subsídios de férias vencidos após a sua entrada em vigor. Quanto aos subsídios de férias que deveriam ter sido pagos entre 1996 e 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o anterior Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime jurídico das férias, feriados e faltas estabelecido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto. 3. A recorrente sustenta que a atribuição ao autor de tarefas diferentes das que correspondiam à sua categoria profissional se ficou a dever ao facto de a equipa que chefiava ter sido extinta e ainda à circunstância de o mesmo estar a realizar um período de aprendizagem de um novo serviço (pavimentação) para assumir a chefia dessa equipa, situação que se reconduz à figura da mobilidade funcional, prevista no artigo 314.º do Código do Trabalho. E, acrescenta, que o trabalhador exerceu as funções descritas no ponto 11) dos factos provados durante cerca de dez dias de trabalho, o que é manifestamente escasso para se considerar que desempenhava essas tarefas a título definitivo e não transitório, impondo-se, assim, concluir que «não existia uma impossibilidade de manutenção do vínculo laboral resultante do comportamento supostamente culposo do empregador», pelo que o autor «não dispunha de justa causa para resolver o contrato de trabalho». Por seu lado, o acórdão recorrido entendeu que, perante a factualidade apurada, se verificava a justa causa invocada pelo autor para a resolução do contrato de trabalho, já que a ré, ao encarregar aquele de exercer as funções descritas nos pontos 10) e 11) da matéria de facto provada, não compreendidas na sua categoria profissional de «Chefe de equipa», e tendo-lhe determinado «que passaria a estar sujeito às ordens do até então seu colega e chefe de equipa BB e que deveria executar as tarefas que este concretamente lhe determinasse», procedeu a uma modificação substancial da sua posição contratual, violando, culposamente, os artigos 122.º, alínea e), e 314.º, n.º 1, do Código do Trabalho. 3.1. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador, nos termos dos conjugados artigos 384.º, alínea c), e 441.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem. Segundo o n.º 1 do artigo 441.º, quando ocorra justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2). Consoante o disposto no n.º 2 do artigo 441.º, «[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo.» Trata-se da chamada justa causa subjectiva (culposa). Constituem justa causa objectiva (não culposa) de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme estipula o n.º 3 do artigo 441.º, as circunstâncias que se seguem: «(a) necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.» Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 441.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 396.º, até porque, consoante o previsto no n.º 4 do artigo 441.º, a justa causa é apreciada de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, atendendo-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral. Refira-se, ainda, que a mobilidade funcional a que alude o artigo 314.º se traduz na faculdade conferida ao empregador, quando o interesse da empresa o exija, de poder encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique «modificação substancial da posição do trabalhador» (n.º 1), não haja estipulação que restrinja essa faculdade (n.º 2) e diminuição da retribuição, «tendo o trabalhador o direito a auferir das vantagens inerentes à actividade temporariamente desempenhada» (n.º 3), e devendo a ordem de alteração de funções ser justificada, com indicação do tempo previsível (n.º 4). 3.2. No caso, resultou provado que o autor foi contratado pela ré, em 2 de Janeiro de 1996, para desempenhar as funções de «manobrador», sob a direcção e autoridade desta, tendo sido promovido, entretanto, à categoria de «chefe de equipa» [facto assente 2)]; no exercício dessas funções, competia-lhe dirigir uma equipa de trabalho nas actividades de terraplanagem e saneamento, constituída por 4/5 homens, «dando instruções ao pessoal que dirigia, quanto às tarefas em concreto a executar, a forma como as executar e assegurando que o pessoal por si dirigido cumpria as tarefas que lhe eram incumbidas» [factos assentes 3) a 5)]. Também ficou provado que, em Janeiro de 2005, a ré, devido à diminuição do volume de trabalho, extinguiu a equipa de trabalho chefiada pelo autor, tendo este sido informado que passaria a integrar uma outra equipa, a de pavimentação, com vista à aprendizagem e futura chefia da mesma [factos assentes 8) e 9)], mas a partir de Março de 2005, a ré passou a cometer ao autor funções de servente, de pedreiro e de manobrador e comunicou-lhe que passaria a estar sujeito às ordens do até então seu colega e chefe de equipa BB e que deveria executar as tarefas que este concretamente lhe determinasse [facto assente 10)], sendo que, no cumprimento dessas ordens, entre os dias 14 de Março e 1 de Abril de 2005, em diversas obras levadas a cabo pela ré, o autor procedeu à aplicação de massas betuminosas, mediante a utilização de ferramentas manuais, como pás, rodos e vassouras, conduziu um camião pesado de mercadorias no transporte de emulsão líquida e manobrou a máquina «Bobcat» destinada à limpeza de pavimentos [facto assente 11)]. Ora, tal como salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «é manifesto que o exercício das tarefas de servente, pedreiro e manobrador, descritas no ponto 11) da factualidade provada, representa uma modificação substancial da posição contratual do Autor, por se tratar de tarefas indiferenciadas de dignidade inferior às compreendidas na sua categoria profissional de “Chefe de equipa” e por implicarem uma degradação profissional do Autor, quer na escala técnica, quer na escala hierárquica da empresa, afectando o seu prestígio e dignidade profissionais. E se é correcta a afirmação produzida pela Ré de que, ao abrigo do jus variandi, podia atribuir ao Autor funções inferiores às da categoria profissional, também é verdade que o exercício de tais funções não podia acarretar uma alteração substancial da posição do trabalhador, o que, no caso concreto não sucedeu, uma vez que o Autor, ao exercer as novas funções que lhe foram atribuídas, ficou numa posição mais penosa do que aquela que detinha anteriormente». Sendo patente que as novas funções atribuídas ao trabalhador implicaram uma modificação substancial da sua posição contratual, que não foi justificada a ordem de modificação, nem indicado o tempo previsível da sua duração, não se verificam os pressupostos da mobilidade funcional previstos no artigo 314.º do Código do Trabalho, pelo que a conduta assumida pela empregadora configura um exercício ilegítimo do poder de variação. 3.3. E não se diga que a circunstância do autor ter exercido as novas funções durante cerca de dez dias de trabalho «é manifestamente escasso para se considerar que exercia estas tarefas a título definitivo e como tal não era uma variação transitória». Na verdade, apurou-se que, «no final do dia 1 de Abril de 2005, após ter comentado com o Sr. BB, que a sua situação na empresa era incompreensível, o A. foi chamado à presença da Gerência para uma reunião na qual lhe comunicaram que tinha sido colocado na equipa do Sr. BB para fazer o que ele mandasse, o que também lhe foi dito pelo mesmo BB» [facto assente 12)] e que, «caso não obedecesse e não se quisesse sujeitar a tal, ficaria no estaleiro sem qualquer trabalho distribuído, cumprindo apenas o horário das 8 horas às 17 horas» [facto assente 13)], tendo o autor optado «por ficar efectivamente no estaleiro a aguardar que a Ré invertesse a situação, atribuindo-lhe tarefas da sua categoria profissional», o que não aconteceu, «ficando o Autor de segunda (4-4-05) a quarta-feira (6-4-05) no estaleiro, sem fazer nada, porque a Ré não lhe distribuiu qualquer tarefa própria da sua categoria profissional [factos assentes 14) e 15)]. Ora, não se extrai da factualidade enunciada a pretendida transitoriedade da modificação substancial da posição do trabalhador operada pela recorrente. Conclui-se, por conseguinte, que a conduta da recorrente foi ilícita, culposa e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da gravidade e consequências da violação culposa do direito do trabalhador à sua categoria profissional, e daí a verificação de justa causa para resolver o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 441.º, n.º 4, e 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho. Improcedem, pois, as conclusões 1) a 6 e 10), na parte atinente, da alegação do recurso de revista. 4. Importa, agora, ajuizar se o acréscimo remuneratório pago pela recorrente ao autor, no período de 1996 a 2005, a título de ajudas de custo releva para o cômputo do subsídio de férias, sendo que, conforme resulta da matéria de facto assente, «as ajudas de custo destinavam-se a remunerar o trabalho suplementar que o A. realizava ao longo do mês» [facto assente 29)]. 4.1. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76 estabelecia que «[a] retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo» (n.º 1), tendo os trabalhadores «direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição» (n.º 2). Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do termo «retribuição» empregue na lei das férias, feriados e faltas, termo esse que pode corresponder, tão só, à retribuição base ou abranger a retribuição base e as outras prestações regulares e periódicas auferidas pelo trabalhador como contrapartida do seu trabalho. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392). Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes). Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3). Conforme estipula o artigo 82.º da LCT, o conceito de retribuição abrange «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), compreendendo «a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3). Do conceito de retribuição eram excluídas as ajudas de custo, salvo quando essas importâncias, na parte em que excedessem as despesas normais do trabalhador deslocado, tivessem sido previstas no contrato ou se devessem considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (artigo 87.º da LCT). Igualmente não se considerava retribuição «a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se devesse entender que integrava a retribuição do trabalhador» (artigo 86.º da LCT). A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido, por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador, por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo», o que significa que o legislador teve em vista que o trabalhador em férias não fosse penalizado em termos retributivos, sendo-lhe por isso devida a retribuição como se estivesse ao serviço. Doutro passo, o subsídio de férias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º citado, é precisamente igual à retribuição durante as férias. Assim, face ao teor literal das normas examinadas e tendo sobretudo em conta a unidade intrínseca do ordenamento jurídico e o fim visado pelo legislador ao editar as anteditas normas (ratio legis), tem, necessariamente, de considerar-se que na retribuição de férias e no respectivo subsídio deve atender-se ao todo retributivo, nelas se incluindo os componentes que, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 2, da LCT a devam integrar, o que significa que a lei ficciona, para o apontado efeito, a correspectividade entre essa retribuição e a efectiva prestação do trabalho. 4.2. O Código do Trabalho disciplina a matéria respeitante à retribuição na Secção I («Disposições gerais») do Capítulo III («Retribuição e outras atribuições patrimoniais») do Título II («Contrato de Trabalho») do Livro I («Parte geral»). Nos termos do seu artigo 249.º, considera-se retribuição «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3). Por seu turno, o n.º 1 do artigo 250.º seguinte determina que, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades», cuja noção é dada pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo. Quanto à retribuição do período de férias, o Código do Trabalho continua a estabelecer no artigo 255.º que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo» (n.º 1) e relativamente ao subsídio de férias, o n.º 2 do citado artigo 255.º estatui que «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução de trabalho». Finalmente, deve referir-se que o artigo 261.º disciplina a qualificação como retribuição das gratificações e prémios, preceito também invocado pela recorrente. 4.3. No caso, provou-se, não só que as ajudas de custo se destinavam a remunerar o trabalho suplementar que o autor realizava ao longo do mês [facto provado 29)], mas também que as ajudas de custo eram fixadas em função do número de dias que o autor estava deslocado em serviço [facto provado 20)] e que todas as despesas relacionadas com as deslocações em serviço, nomeadamente transportes e alojamento, eram suportadas directamente pela ré independentemente do valor das ajudas pagas [facto provado 21)]. Significa isto, conforme se afirma no acórdão recorrido, «que não estamos nem perante ajudas de custo propriamente ditas, nem que tais importâncias — uma vez que eram fixadas em função do número de dias em que o A. estava deslocado em serviço — tinham por finalidade pagar o trabalho extraordinário, ou seja aquele que é prestado para além do horário de trabalho (artigos 197.º, n.º 1, [do Código do Trabalho] e 2.º, n.º 1, do D.L. 421/83 de 2/12)». Por outro lado, provou-se que a retribuição mensal do autor era acrescida de uma verba, variável de mês para mês, a título de ajudas de custo [facto provado 19)] e que, ao longo da relação laboral com a ré, o autor recebeu a título de ajudas de custo os valores mensais discriminados nos mapas de fls. 21 a 26 [facto provado 23)], sendo que a ré nunca incluiu o valor médio das ajudas de custo no cálculo dos subsídios de férias que processou ao autor [facto provado 24)]. Assim, está demonstrado que as denominadas ajudas de custo eram pagas todos os meses ao autor, revestindo o carácter de prestações pecuniárias, regulares e periódicas, embora de valor naturalmente variável, que integravam legitimamente a expectativa de ganho, fazendo parte da retribuição mensal e configurando-se como contrapartida do modo específico da execução de trabalho, devendo a correspondente retribuição média relevar para o cômputo do valor do subsídio de férias. Nesta conformidade, os suplementos remuneratórios auferidos pelo autor a título de ajudas de custo, por forma regular e periódica, entre os anos de 1996 e 2005, e destinados a remunerar o trabalho suplementar, relevam para o cômputo do subsídio de férias, não havendo motivo para alterar o julgado. Improcedem, pois, as conclusões 7) a 10), na parte atinente, da alegação do recurso de revista. 5. Resta examinar a alegada violação do estipulado na alínea c) do artigo 80.º da Constituição, que consubstancia uma mera afirmação conclusiva produzida na conclusão 10) da alegação do recurso de revista, sendo certo que a recorrente não fundamenta, nem esclarece, em que termos é que ocorre essa violação. Aquele artigo 80.º, que sumaria os princípios fundamentais em que assenta a organização económico-social, refere-se, na sua alínea c), à «[l]iberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista». Ora, não se vislumbra que o complexo normativo aplicado possa configurar a violação daquele preceito constitucional, uma vez que a liberdade de iniciativa, tal como a liberdade de organização empresarial, não são absolutas, sendo sujeitas a várias restrições «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral», conforme prevê o n.º 1 do artigo 61.º da Lei Fundamental, pelo que improcede a conclusão 10) da alegação do recurso de revista, na parte atinente. III Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas da revista a cargo da recorrente. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008 Pinto Hespanhol (relator) Vasques Dinis Bravo Serra
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010727 Nº Convencional: JTRP00031139 Relator: NAZARÉ SARAIVA Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL NULIDADE ARGUIÇÃO Nº do Documento: RP200101100010727 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR VIANA CASTELO Processo no Tribunal Recorrido: 91/99 Data Dec. Recorrida: 13/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART283 N3 C ART120. CPP98 ART287 N2. Sumário: I - A não indicação, no requerimento para abertura da instrução, das disposições legais aplicáveis constitui nulidade. II - Esta omissão está dependente de arguição, pelo que é insusceptível de reparação oficiosa, designadamente, através do convite aos requerentes para completarem o requerimento, no que a tal omissão concerne. III - Todavia, a referida nulidade não constitui fundamento de rejeição da abertura da instrução, pois, a insuficiência dos factos, suas consequências e seus autores, não integra o conceito de inadmissibilidade legal, estando, por isso, a sua apreciação vedada ao juiz, para justificar a recusa da instrução. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041170 Nº Convencional: JTRP00031160 Relator: TEIXEIRA PINTO Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO JULGAMENTO TRIBUNAL COLECTIVO TRIBUNAL SINGULAR COMPETÊNCIA Nº do Documento: RP200101100041170 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA. Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART16. L 59/98 DE 1998/08/25 ART4. Sumário: I - Com a nova redacção dada ao artigo 16 do Código de Processo Penal, pela Lei n.59/98, de 25 de Agosto, o crime de emissão de cheque sem provisão ficou sujeito à regra geral de competência material, estabelecida no Código de Processo Penal. II - A norma do artigo 4 da mesma Lei n.59/98, é uma norma transitória, aplicável aos processos relativos ao crime de emissão de cheque sem provisão, cometidos até à data da entrada em vigor daquela Lei, ou seja, até 1 de Janeiro de 1999. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040383 Nº Convencional: JTRP00031158 Relator: PINTO MONTEIRO Descritores: INFRACÇÃO CONTRA A ECONOMIA PUBLICAÇÃO Nº do Documento: RP200101100040383 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V N FAMALICÃO Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CRIM - DIR PENAL ECON. Legislação Nacional: DL 28/84 DE 1984/01/20 ART3 N2 ART24 N1 C N2 C N4 ART82 ART2. Jurisprudência Nacional: AC RC DE2000/04/05. Sumário: I - Para que as pessoas colectivas beneficiem da exclusão da responsabilidade criminal ou contra-ordenacional, prevista no n.2 do artigo 3 do Decreto-Lei n.28/84, de 20 de Janeiro, não basta a prova de que transmitiu aos seus empregados instruções no sentido de procederem com o máximo cuidado quanto ao estado dos produtos, já que o que há que provar é que os mesmos actuaram contra ordens ou instruções expressas, directas, concretas, determinadas por ela. II - No caso do crime previsto e punido pelo artigo 24 ns.1 alínea c) e 2 alínea c) do Decreto-Lei n.28/84, a publicação da sentença é de aplicação automática. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010759 Nº Convencional: JTRP00031141 Relator: MANUEL BRAZ Descritores: CRIME CONTINUADO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CONSTITUCIONALIDADE IMPOSTO APROPRIAÇÃO ILÍCITA Nº do Documento: RP200101100010759 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 397/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR CONST - DIR FUND. DIR CRIM. DIR TRIB - DIR FISC. Legislação Nacional: CP82 ART118 N2 B ART120 N1 C. DL 20-A/90 DE 1990/01/15 ART15 N1 ART24. CONST76 ART1 ART2 ART26 N1 ART25 ART27 N1. Jurisprudência Nacional: AC TC DE 2000/06/20 IN DR II-S 2000/10/17. AC TC DE 1999/04/07 IN DR II-S 1999/11/05. AC TC DE 2000/02/23 IN DR II-S 2000/06/06. Sumário: I - No crime continuado o prazo de prescrição criminal só corre desde o dia da prática do último acto. II - Assim, nos casos de crime continuado, a questão da prescrição não pode ser vista facto a facto, mas em relação ao crime, que é constituído por todos os factos da continuação. III - A interrupção da prescrição do procedimento criminal não viola os artigos 1, 2, 25, 26 n.1 e 27 n.1 da Constituição da República Portuguesa. IV - Não viola a dignidade ou a integridade moral de uma pessoa, visto que quem comete um crime deve responder por ele, pertencendo ao Estado o direito de punir. V - O artigo 24 do Decreto-Lei n.20-A/90, não se satisfaz com o simples não pagamento do imposto retido ou liquidado. Exige-se que a não entrega seja acompanhada da intenção de obter uma vantagem patrimonial indevida, sendo necessária a apropriação da prestação que devia ter sido entregue ao Estado e não foi. VI - O que aquele artigo prevê e pune não é, pois, a simples falta de entrega ao Estado da prestação tributária, mas antes a sua apropriação, aproveitando-se o agente do facto de aquela ter sido colocada à sua guarda, através de mecanismos legais. VII - A norma constante do artigo 24 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade, pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011193 Nº Convencional: JTRP00031133 Relator: CLEMENTE LIMA Descritores: CONTUMÁCIA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA Nº do Documento: RP200101100011193 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 252/97 Data Dec. Recorrida: 13/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CP82 ART119 N1 A. CP95 ART120 N1 A C. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 2000/10/19 IN DR IS-A 2000/11/10. AC RP DE 1995/02/22 IN CJ T2 ANOXX PAG219. AC RP DE 1994/11/02 IN CJ T2 ANOXIX PAG219. AC STJ IN PROC0050031 DE 2000/04/27. AC RL DE 1993/07/06 IN BMJ N429 PAG209. AC RE DE 1994/09/20 IN CJ T4 ANOXIX PAG283. Sumário: A declaração de contumácia, antes do início da vigência da redacção introduzida no Código Penal pelo Decreto-Lei n.48/95, não podia considerar-se, causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, pelo que se afasta a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 2000, Diário da República, I-Série A, de 10 de Novembro de 2000. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011187 Nº Convencional: JTRP00031151 Relator: CORREIA DE PAIVA Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA TRANSCRIÇÃO TRIBUNAL Nº do Documento: RP200101100011187 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MOGADOURO Processo no Tribunal Recorrido: 19/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPP98 ART99 N1 N2 ART100 N1 ART101 N1 N2 ART4. Jurisprudência Nacional: AC TC DE 2000/04/05 IN DR II-S 2000/11/02. Sumário: I - Em processo penal, não tem aplicação as regras de processo civil, que regulam a matéria da transcrição, não existindo lacuna a colmatar, face ao disposto nos artigos 99 ns.1 e 2, 100 n.1 e 101 ns.1 e 2 todos do Código Penal. II - Assim, deve proceder-se à transcrição para a acta, em escrita comum, da prova oral gravada. III - É ao tribunal (ao funcionário ou, na sua falta, ou impossibilidade, pessoa idónea) que incumbe proceder a tal transcrição, a qual deve ser feita na sua totalidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011155 Nº Convencional: JTRP00031148 Relator: COSTA MORTÁGUA Descritores: DIFAMAÇÃO DOLO GENÉRICO DOLO ESPECÍFICO Nº do Documento: RP200101100011155 Data do Acordão: 10/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PENAFIEL 3J Processo no Tribunal Recorrido: 141/98 Data Dec. Recorrida: 22/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS. Legislação Nacional: CP82 ART164 N1. Sumário: I - Para que se verifique, no crime de difamação, o elemento subjectivo, não é necessário que o agente, com o seu comportamento, queira ofender a honra e consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade da lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstas nas normas incriminatórias respectivas. II - Para se verificar o dolo basta que o agente adira aos factos perigosos e já não também ao perigo. III - Ao julgador incumbe, provada que fique a conduta ou a acção por parte do agente, referenciadas às normas incriminatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são, ou não, genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 1445/20.5YRLSB.S1 Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL DESPORTO DECISÃO ARBITRAL IMPUGNAÇÃO JOGADOR DE FUTEBOL CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA CONCEITO INDETERMINADO INTERPRETAÇÃO DA LEI PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS IMPARCIALIDADE Data do Acordão: 30/05/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no art. 46.º, n.º 3, al. b), ii), da LAV “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional”. II - Trata-se de um conceito indeterminado, que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto. III - Nas arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português, o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais. IV - Um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos no art. 46.º, n.º 3, al. b), ii), da LAV, é o princípio da proporcionalidade, no sentido de corrigir composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual, de modo a evitar que a liberdade de conformação de um contrato venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para uma parte, em detrimento da outra. V - A articulação do disposto nos arts. 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), 14.º da LAV e 26.º da Lei do TAD conduz-nos à conclusão alcançada no acórdão recorrido de que apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros que componham o tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no art. 46.º, n.º 3, al. a), parágrafo iv), nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido. Decisão Texto Integral: Acórdão Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA instaurou ação de anulação de acórdão arbitral, contra Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, peticionando a anulação dos acórdãos arbitrais proferidos pelo Tribunal Arbitral do Desporto ("TAD") em 18 de março de 2020 e 6 de julho de 2020. Alega, para tanto e em síntese, que: - em 7/08/2018, intentou ação arbitral contra a Requerida, a qual correu termos no Tribunal Arbitral do Desporto sob o número 6.../2018, em que peticionou o reconhecimento da justa causa de resolução de contrato de trabalho desportivo e a condenação da Requerida a pagar ao Requerente (i) €290 000,00 a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho nos termos do n.o 1 do artigo 24.° da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho e (ii) €100.000,00 a título de indemnização pela prática de assédio moral contra o Requerente nos termos do n.º 4 do artigo 29.° do Código do Trabalho. 2. A Requerida deduziu pedido reconvencional em que peticionou a condenação do Requerente a pagar à Requerida uma indemnização de €45 292.516 acrescida de juros desde a citação pelos prejuízos causados com a cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo. 3. Em 18/03/2020, o Requerente foi notificado do Acórdão Arbitral, proferido nessa data, nos termos do qual a Requerida foi condenada a pagar ao Requerente uma indemnização pela prática de assédio moral no valor de €40 000,00 e o Requerente foi condenado a pagar à Requerida uma indemnização pela alegada cessação ilícita do Contrato de Trabalho Desportivo no valor de €16 500.000,00. 4. Em 3/04/2020, o Requerente apresentou ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18/03/2020, que correu termos neste Tribunal sob o número de processo 960/20.5... 5. A Requerida solicitou, em 24/04/2020, no processo arbitral a prolação de sentença adicional, tendo em vista a condenação do Requerente no pagamento de juros, e, em 28/04/2020, o Requerente constituiu novos mandatários no processo arbitral, através dos quais tomou conhecimento de circunstâncias que desconhecia relativamente à imparcialidade e independência do árbitro nomeado pela Requerida e com base nos quais o Requerente então deduziu, em 5/06/2020, incidente de recusa do árbitro no processo arbitral. 6. Em 5/06/2020, foi apresentado um requerimento de arguição de nulidade do Acórdão Arbitral. 7. O Requerente, em 29/05/2020, desistiu da instância em relação à ação de anulação intentada em 18/03/2020, tendo a desistência sido homologada por sentença proferida em 24/06/2020. 8. Tendo sido o incidente de recusa indeferido pelo Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em 6/07/2020, o Tribunal Arbitral proferiu na mesma data Decisão Adicional condenando o Requerente no pagamento de juros e, simultaneamente, decisão indeferindo as nulidades arguidas pelo Requerente e confirmando integralmente o Acórdão Arbitral de 18/03/2020. 9. O Requerente veio apresentar a presente ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18/03/2020, alterado por Decisão Adicional de 6/07/2020, nos termos e para os efeitos do artigo 48.° da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, doravante “Lei do TAD”), do artigo 33.° do Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante “Regulamento de Arbitragem Voluntária”) e do artigo 46.° da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária, doravante “LAV”). Requerendo a anulação das duas decisões com fundamento em falta de fundamentação, conhecimento de questões de que o Tribunal Arbitral não podia tomar conhecimento, ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português e violação da independência e imparcialidade dos árbitros. 10. Citada, a requerida deduziu oposição, propugnando pela improcedência da presente ação. 11. O Requerente respondeu, propugnando pela improcedência das exceções que entendeu deduzidas na oposição. 12. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir Acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Pelo exposto, os Juízes da 6.a Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020”. 13. Inconformado, o Requerente veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª Este recurso de revista é admissível, por força do disposto no n.º 1, g), e no n.º 8 do art. 59.º da LAV e no n.º 1 do art. 671.º, do CPC, conforme a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, na seguimento do acórdão proferido em 10.11.2016, no processo 1052/14.1... 2.ª Pelo recurso de revista, vem o Recorrente pedir ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça que revogue (i) a decisão contida no acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido pelo Requerente, ora Recorrente, com fundamento em falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD e (ii) a decisão contida no mesmo acórdão que negou provimento ao pedido de anulação deduzido com fundamento em ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do princípio da proporcionalidade. 3.ª Este recurso de revista não abrange os segmentos decisórios do acórdão recorrido, em que se negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em falta fundamentação e em fundamentação contraditória ou ininteligível, em ter o Tribunal Arbitral conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento e em ter esse acórdão ofendido outros princípios da ordem pública internacional do Estado português, não reconduzíveis ao princípio da proporcionalidade. 4.ª Relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD’, pede a Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça casse tal decisão ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que, de modo muito deficiente e incorreto, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito pedida pelo Recorrente. 5.ª Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento deste recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada. 6.ª Quanto ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do ‘princípio da proporcionalidade’, pede o Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682.º n.º 1, do CPC, revogue aquela decisão, por ter desaplicado o estabelecido no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV, substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada. 7.ª Os factos que o Tribunal a quo considerou como provados no acórdão que proferiu, foram unicamente os que constavam da sentença arbitral, omitindo esse Tribunal, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, quase tudo o se passou no processo arbitral, desde a notificação às partes da sentença arbitral até ao encerramento do processo. 8.ª Omitiu, portanto, o Tribunal a quo, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, nomeadamente, os seguintes factos que haviam sido alegados e provados documentalmente pelo Recorrente, ora Recorrente, na ação de anulação proposta perante aquele tribunal: a) Em 29.04.2020 ‒ depois da notificação da sentença arbitral principal, mas ainda com o processo arbitral a decorrer ‒ o Requerente, submeteu ao Tribunal Arbitral requerimento em que pediu esclarecimentos ao árbitro BB, como veio a alegar no art. 59.º da Petição da ação de anulação, juntando cópia de tal pedido como Doc.14 anexo a tal Petição. Nesse contexto, o Requerente solicitou ao Dr. BBque esclarecesse, designadamente, o seguinte: (i) em que datas foi indicado como árbitro pela Sporting SAD no âmbito dos processos no TAD com os números 49/2018, 51/2018 e 64/2018, com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; (ii) em que datas aceitou desempenhar as funções de árbitro nos processo referidos em (i); e (iii) se é ou foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A. ou de alguma outra empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação (direta ou indireta) ou seja/fosse membro de órgão social ou funcionário, em outros processos, para além do processo identificado na Declaração de Independência e Imparcialidade, que correram termos ou estão ainda em curso nos seis anos anteriores. b) Em 05.06.2020, o Requerente, deduziu incidente de recusa contra o árbitro designado pela Sporting SAD, Dr. BB, como alegou nos arts. 60.º e 61.º da Petição da ação de anulação, constituindo a cópia desse incidente o Doc. 7 anexo a tal Petição. O incidente de recusa teve como fundamento a circunstância de o Dr. BB não ter revelado na sua Declaração de Independência e Imparcialidade informações que suscitam fundadas dúvidas aos olhos do Requerente (ora Recorrente) e de um terceiro razoável, sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB: por um lado, a circunstância de ter sido designado pela Sporting SAD como árbitro noutros processos pendentes no TAD com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; por outro lado, a circunstância de ser um dos advogados de referência do Dr. CC, frequentemente assessorando e representando quer o próprio, quer as suas empresas. c) Em 08.06.2020, o árbitro Dr. BBveio ao processo arbitral prestar alguns dos esclarecimentos pedidos pelo Requerente, como se alegou no arts. 62.º a 68.º da Petição da ação arbitral, tendo a cópia desses esclarecimentos sido junta como Doc. 15 anexo a tal Petição. Nesse contexto, o Dr. BB reconheceu, por um lado, ter sido indicado como árbitro pela Sporting SAD nos processos 49/2018, 51/2018 e 64/2018 e indicou as datas em que foi notificado das nomeações e as datas em que aceitou as nomeações (donde é possível inferir que quando apresentou a respetiva Declaração de Independência e Imparcialidade já havia sido nomeado pela Sporting SAD nos processos 49/2018 e 51/2018 e, inclusivamente, já tinha aceitado a nomeação no processo 51/2018) e reconheceu, por outro lado, que é desde 20.11.2017 mandatário da sociedade M..., S.A., numa arbitragem em ..., confirmando a ligação desta sociedade ao Dr. CC. d) Em 18.06.2020, o árbitro Dr. BBpronunciou-se no processo arbitral sobre o incidente de recusa deduzido pelo Requerente, pugnando pelo seu indeferimento, como alegou no art. 78.º da Petição da ação de anulação e provou através do Doc. 20 anexo a tal Petição. No contexto desta pronúncia, o Dr. BB alegou, em suma, que na sua Declaração de Independência e Imparcialidade indicou ter sido nomeado noutras arbitragens no TAD em que era parte a Sporting SAD e, além disso, que não é nem foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A., ou de alguma empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação. e) Em 18.06.2020, o Requerente, ora Recorrente, complementou o incidente de recusa do referido árbitro, que havia deduzido em 05.06.2020, com base em informações entretanto reveladas pelo Dr. BB no requerimento descrito em c), ou seja, que o Dr. BB foi nomeado pela Sporting SAD em outros processos com objeto idêntico ao que opôs AA e a Sporting SAD e que o Dr. BB representa a sociedade M..., S.A., que pertence à família do Dr. CC, numa arbitragem em ..., como alegou nos arts. 29.º e 80.º da Petição da ação de anulação e provou pelo Doc. 10 anexo a essa Petição. f) Em 06.07.2020, o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto proferiu despacho, como se alegou no arts. 30.º e 85.º e se provou através do Doc. 11 anexo à Petição da ação de anulação. Neste despacho, o Presidente do TAD sustentou a não verificação de circunstâncias que colocassem em causa a independência e imparcialidade do Dr. BB, relevando, para esse efeito, por reputar como “decisiva”, a avaliação da conduta do árbitro no processo, tendo em consideração o exposto pelo árbitro Presidente do colégio arbitral e pelo árbitro indicado por AA, os quais não confirmaram a existência de qualquer circunstância suscetível de ser considerada índice de dependência ou falta de imparcialidade. g) Em 06.07.2020, o Tribunal Arbitral proferiu a sentença adicional que lhe fora pedido pela Requerida, ora Recorrida, condenando AA a pagar à Sporting SAD, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, a quantia indicada no acórdão arbitral, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação, como se alegou no art. 31.º, tendo a cópia dessa sentença sido junta como Doc. 3 anexo à Petição da ação de anulação. 9.ª Ora, ao ler-se o acórdão recorrido, constata-se que a grande maioria dos factos acima mencionados foram aí omitidos pelo Tribunal a quo. 10.ª Esse Tribunal deveria não só ter incluído os referidos factos no elenco epigrafado de “Factos”, inscrito no acórdão recorrido, mas também deveria dar como adquiridos para a decisão da ação de anulação proposta pelo Requerente, aqueles de entre esses factos que tivessem ficado suficientemente provados por documentos ou por haverem sido admitidos pelas pessoas visadas. 11.ª Relativamente às alegações produzidas pelo Requerente no processo arbitral, particularmente, no incidente de recusa de árbitro aí deduzido, posteriormente desenvolvidas nos arts. 39.º a 162.º da ação de anulação proposta pelo Requerente, que não pudessem dar-se como provadas, o Tribunal a quo deveria ter permitido que sobre elas se pudesse produzir a prova cuja produção que o Requerente, ora Recorrente, ofereceu no final da Petição da ação de anulação. 12.ª Ao delimitar a factualidade controvertida na ação de anulação, da maneira tão deficiente e truncada como ficou vertida no acórdão recorrido, esse Tribunal não deu correto cumprimento ao preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC. 13.ª No acórdão recorrido, o Tribunal a quo reconheceu que a alegação da falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida, que o Requerente explanou na ação de anulação, já fora por este feita no incidente de recusa daquele árbitro que o Requerente deduzira em anterior momento em que o processo arbitral ainda decorria, donde se segue que não considerou que a dita alegação tivesse sido feita fora de tempo pelo Requerente, num ou noutro daqueles momentos. 14.ª Mas o Tribunal a quo considerou que a questão da alegada falta de independência e de imparcialidade árbitro designado pela Sporting SAD, “foi definitivamente decidida pelo órgão competente” ‒ o presidente do TAD, segundo o mesmo acórdão ‒ concluindo daí que tal questão, enquanto estribada nos mesmos factos, não poderia ser depois invocada como fundamento de pedido de anulação da sentença arbitral. 15.ª Com isso, o Tribunal a quo cometeu um erro de direito de enorme gravidade, violando frontalmente o disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, que não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente. 16.ª Devendo o Tribunal a quo ter observado fielmente o disposto na al. a) iv) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, deveria também ter reconhecido que a apontada irregularidade na designação de um membro do Tribunal Arbitral que proferiu a sentença impugnada teve necessariamente “influência decisiva na resolução do litígio” vertida nessa sentença. 17.ª A “restrição” que nas págs. 103 e 105 no acórdão recorrido se tentou fazer, e referida na Conclusão 14) supra, sem se explicar com que base e em homenagem a que superiores valores ou princípios se fez tal restrição, não passa de uma flagrante violação da lei do art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, sendo de notar que 18.ª Aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (art. 203.º da Constituição da República Portuguesa e art. 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). 19.ª A exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no art. 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, e que 20.ª A exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República). 21.ª Não é, de todo, concebível que os Estados possam aceitar “validar cegamente” os desfechos das arbitragens realizadas nos seus territórios, quaisquer que estes fossem e qualquer que fosse a forma por que foram atingidos. 22.ª Por isso, todas a leis de arbitragem preveem um controlo de anulação das sentenças arbitrais por parte dos tribunais estaduais, traduzido na possibilidade de impugnação dessas sentenças tendente à sua anulação com os fundamentos legalmente previstos, em ordem a assegurar-se que nas arbitragens sediadas nos respetivos países são respeitados os princípios e valores fundamentais dessas ordens jurídicas. 23.ª As opiniões publicadas dos três comentadores citados no acórdão recorrido não suportam minimamente ilegal entendimento adotado pelo Tribunal a quo ‒ antes depõem no sentido precisamente oposto ‒, para desconsiderar quase toda a factualidade alegada pelo Requerente, que em grande medida ficou provada nos autos. 24.ª Merece total rejeição a ideia ínsita no acórdão recorrido, de que a questão da apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida foi, completa e definitivamente, “resolvida” pela decisão proferida pelo Presidente do TAD proferiu sobre o assunto, porquanto 25.ª Este é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros. 26.ª A natureza puramente administrativa das funções exercidas pelo Presidente do TAD não é prejudicada pelo facto de a Lei que criou o TAD e definiu o seu estatuto, ter disposto no seu art. 26.º, n.º 3, que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, porque isso não implica esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida. 27.ª O Tribunal a quo errou gravemente, ao pronunciar-se como fez sobre a apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida e, em grande medida por essa razão, delimitou a matéria de facto relevante para decisão de maneira tão truncada e deficiente, que não permitirá ao Supremo Tribunal de Justiça, se entender dar provimento ao presente recurso, com este fundamento, proferir uma decisão substitutiva deste segmento decisório do acórdão recorrido, 28.ª Por essa razão, deverá o Supremo Tribunal de Justiça cassar tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que selecionou para decisão, por isso se afigurar como indispensável para constituir base suficiente de uma correta decisão sobre a questão submetida, como o Recorrente atrás pediu e aqui respeitosamente reitera. 29.ª Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento do presente recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada. 30.ª O Tribunal a quo cometeu outro grave erro de direito, ao atribuir à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado (d.i.p.). 31.ª O Tribunal a quo extraiu tal significado de um manual de direito internacional privado, sem atender a que este ramo do direito e os seus institutos nenhuma aplicação podem ter em casos como o discutido nestes autos, que respeita a um litígio puramente interno, em que ambas as partes têm nacionalidade portuguesa, em que a obrigação cujo incumprimento se discutiu na arbitragem antecedente foi constituída em Portugal e aqui inexecutada e em que o litígio daí resultante foi dirimido por um tribunal arbitral sediado em Portugal, aplicando direito substantivo e normas processuais portuguesas. 32.ª A ‘reserva de ordem pública internacional’ ‒ instituto específico do d.i.p. previsto no art. 22.o do C.C bem como no art. 980.º, f) do CPC e no art. 56.º. n.º 1, b) ii) da LAV ‒ é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos o ao reconhecimento de uma decisão estrangeira. 33.ª Distinta dela é a ‘ordem pública internacional do Estado Português’ prevista na al. b) ii) do n.º 3 do art. 46 da LAV, que é uma noção de direito material e que funciona como bitola de determinação da tolerabilidade pela nossa ordem jurídica do resultado produzido por sentenças arbitrais que versam sobre situações regidas quer pelo direito português quer por direito estrangeiro, proferidas por tribunais arbitrais sediados no nosso país. 34.ª Na grave confusão em que, neste ponto, caiu o Tribunal a quo, não incorreu a grande maioria das decisões dos nossos tribunais superiores que decidiram sobre a aplicação da norma do art. 46.º, n.º 3, b) ii, da LAV. 35.ª A noção de ‘ordem pública de direito material’ pode definir-se como sendo o conjunto de princípios de um sistema jurídico, estabelecidos em função da proteção de interesses públicos fundamentais, sendo, portanto, contrários à ordem pública os factos ou situações intoleráveis perante princípios determinados por interesses sentidos pela comunidade como fundamentais. 36.ª É pacífico, na doutrina da especialidade, que a ‘ordem pública’ que intervém em sede de controlo de anulação das sentenças é composta não só por princípios, mas também por regras jurídicas, dotadas de maior ou menor precisão. 37.ª O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ de uma dada ordem jurídica tem, porém, um âmbito muito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica. 38.ª O conceito de ‘ordem pública’ que é operativo em sede de controlo de anulação das sentenças arbitrais, funciona como bitola ou padrão para se se determinar a legitimidade/validade da sentença arbitral, correspondente à reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no âmbito do qual aquela foi proferida, cuja falta gerará a sua anulabilidade com efeitos erga omnes. 39.ª Trata-se nesta sede de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários. 40.ª Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever um núcleo menos compreensivo designado por “ordem pública internacional”, que tem um conteúdo mais restrito (menos abrangente) do que a ‘ordem pública interna’. 41.ª É ao reduto normativo mais restrito e menos compreensivo ou abrangente geralmente designado por à ‘ordem pública internacional (de direito material)’ que se refere o art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV. 42.ª O facto de o legislador português se ter reportado no art. 46.º, n.o 3, b), ii) da LAV à noção de ‘ordem pública internacional’, suscitou fortes críticas de boa parte da doutrina portuguesa, tendo sido essa opção legislativa provavelmente devida ao receio de que os tribunais estaduais portugueses pudessem vir a anular, com excessiva largueza, sentenças arbitrais impugnadas com este fundamento. 43.ª Ao procurar identificar os princípios jurídicos que devem considera-se como abrangidos pela noção “ordem pública internacional”, a doutrina portuguesa têm acompanhado o entendimento seguido neste domínio pelas doutrinas alemãs, suíças e francesas e pelas jurisprudências dessas ordens jurídicas. 44.ª De acordo com esse entendimento, é de considerar como princípios ou regras integrantes da “ordem pública internacional”, além dos consagrados nas respetivas Constituições, as respeitantes ao combate às práticas corruptivas, aos tráficos criminosos e ao branqueamento de capitais, bem como o princípio pacta sunt servanda (compreendendo a fidelidade ao contratado e a lealdade contratual), o princípio da boa fé, o princípio da proporcionalidade, a proibição do abuso de direito, a proibição de vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e de medidas espoliadoras, as normas destinadas a proteger os civilmente incapazes ou os contratantes mais fracos e as destinadas a proteger os credores, no domínio dos regimes de falência ou insolvência. 45.ª Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça respeitante a esta matéria, seguiram este entendimento, nomeadamente, os acórdãos proferidos em 26.09.2017 (proc. 1008/14.4YRLSB.L1.S1), em 01.10.2019 (proc. 1254/17.9YRLB.S1) e em 07.09.2020 (proc. 1714/18.4YRLSB.S1). 46.ª No âmbito do direito civil, o ‘princípio da proporcionalidade’, enquanto veículo do controlo judicial do conteúdo dos contratos e fonte de critérios normativos para tal controlo seja exercido pelo julgador em conformidade com os valores fundamentais do sistema jurídico, remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual. 47.ª A aplicação deste princípio permite evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra. 48.ª Conforme têm realçado civilistas muito autorizados, é com esse sentido ou finalidade que o princípio da proporcionalidade pode intervir em sede de controlo judicial de cláusulas contatuais gerais, nomeadamente à luz do disposto nos arts. 15.º e 16.º do Regime Legal das Cláusulas Contratuais Gerais. 49.ª É igualmente o objetivo de evitar que uma das partes do contrato obtenha, num concreto caso de inexecução contratual, um ganho excessivo ou desmedido, à custa da outra parte, que está na base da possibilidade de redução equitativa da cláusula penal pelos tribunais, prevista no art. 812.º do C. Civil. 50.ª A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral julgou como parcialmente procedente a reconvenção reduzida pela Requerida contra o Requerente, formulada com base na cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, condenando o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de € 16.500.000,00. 51.ª É algo obscuro e muito incongruente raciocínio explanado pelo Tribunal Arbitral, na sentença que proferiu, para fundamentar, no plano do Direito, essa condenação. 52.ª O Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato que fora celebrado entre o Requerente e a Requerida (doravante “o Contrato”), por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do art. 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo disposição considerada como imperativa. 53.ª E daí deduziu que um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela proava fixando a quantia a pagar em tal eventualidade. 54.ª Aí chegado, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão). 55.ª Se porventura da sentença arbitral coubesse recurso ordinário segundo as normas aplicáveis do CPC, este mirabolante raciocínio do Tribunal Arbitral ruiria estrepitosamente, quando fosse submetido ao atento escrutínio do competente tribunal superior. 56.ª Mas se da sentença arbitral não cabe recurso ordinário, isso não significa que o resultado que produziu não possa ser escrutinado, no âmbito da presente tendente à sua anulação. 57.ª É patentemente errada a asserção frequentemente usada, quase como um slogan, de que “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”. 58.ª Isto, por ser por demais evidente que, para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença. 59.ª Sendo a parte dispositiva da sentença arbitral (tal como a parte dispositiva da sentença de um tribunal estadual), na maioria das vezes, neutra relativamente à substância da decisão, só um atento exame das circunstâncias do caso e de toda a fundamentação apresentada pelo tribunal arbitral para a decisão proferida, permite ao tribunal estadual supervisor determinar o real significado e alcance dessa decisão. 60.ª Além disso, importa ter presente que, segundo o art. 46.º, n.º 3, a) v) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada, se for alegado e provado que o tribunal arbitral ordenou a uma parte que pagasse um montante que excedia o que fora pedido ou decidisse questões não lhe haviam sido submetidas (decisão ultra petitum), ou ordenou algo diferente do que fora pedido (decisão sobre aliud), ou omitiu decisão sobre pedidos apresentados ou questões importantes suscitadas pelas partes (decisão infra petitum). 61.ª Em todos esses casos, é evidente que o tribunal estadual supervisor não pode verificar se aquelas alegações são bem fundadas, sem ter examinado a totalidade da sentença arbitral e sem haver comparado o âmbito da decisão dos tribunais arbitral com o conteúdo das peças escritas apresentadas pelas partes. 62.ª A suposta ‘proibição de exame do mérito da decisão dos árbitros’ afirmada por alguns, seria ainda mais absurda no caso de o fundamento com que a sentença arbitral foi impugnada não ter natureza processual, respeitando antes à sua substância, 63.ª É o que acontece quando a impugnação é baseada em alegada violação da ‘ordem pública’ do foro (i.e., do Estado a que pertence o tribunal estadual supervisor) pelo resultado da sentença; em tal caso, a reavaliação do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é forçosa, implicando a reapreciação do mérito dessa decisão. 64.ª Por essas razões, é muito mais correto afirmar que ‘ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito’ decidido pela sentença arbitral, que é a proposição que, como muito maior frequência, se encontra na literatura da especialidade e em documentos internacionais de referência, a este propósito, e é também a expressão utilizada pela LAV, no seu art. 28.º n.º 2. 65.ª Quando decide sobre um recurso de apelação, o tribunal de recurso tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado quer foi atingido pela decisão recorrida; por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se fosse o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal. 66.ª Ao fazer isso, o tribunal de recurso substitui pela sua decisão a decisão proferida pelo tribunal inferior, que é revogada ou anulada, sendo a resolução do litígio é reescrita pelo tribunal de recurso; pode, por isso, dizer-se que a essência da missão do tribunal de recurso é efetuar a ‘revisão do mérito’ do litígio decidido pelo tribunal inferior. 67.ª Bem diferente é a tarefa a efetuar pelo tribunal estadual que tem de decidir sobre um pedido de anulação de uma sentença arbitral, porquanto, neste caso, o tribunal estadual de controlo não exprime a sua opinião sobre o modo como o litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral, não efetuando, portanto, a revisão do mérito decidido por essa sentença. 68.ª A exercer esta missão, o tribunal estadual de controlo apenas verifica (i) se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litígio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro (i.e., a lei da sede da arbitragem ou do lugar de execução da sentença), (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se as) decisão(ões) contida(s) na sentença está(ão) em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes, e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ‘ordem pública’ do Estado a que pertence o tribunal supervisor. 69.ª Em vez de verificar se o tribunal arbitral esteve certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada, o tribunal estadual de controlo verificará apenas se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. 70.ª É apenas a verificação da existência destas condições que constitui o objeto da análise do tribunal estadual de controlo. 71.ª Quando o tribunal estadual é chamado a apreciar se a sentença arbitral impugnada é contrária a ‘ordem pública internacional do Estado português’, não relevam os erros de facto ou de direito que essa sentença possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico-normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’). 72.ª O conteúdo da sentença arbitral tem de ser controlado, mas é em função do seu concreto resultado que ela deverá ser sancionada; embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio. 73.ª Ora, o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que condenou o Requerente, ora Recorrente, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade’, atrás mencionado. 74.ª Como salienta a melhor doutrina da especialidade, a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’. 75.ª A este princípio deve necessariamente atender-se, na composição de interesses feita através da estipulação e na subsequente aplicação, em concreto, do montante da cláusula de rescisão incluída num contrato de trabalho desportivo, devido ao clube cujo jogador faça cessar unilateralmente o vínculo contratual que o ligava a ele, 76.ª O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal. 77.ª “Salta aos olhos” de qualquer pessoa razoável e de equilibrado juízo que o montante de 45.000.000 Euros previsto nas cláusulas 8, b) e 11 do Contrato constituía uma verdadeira ‘barbaridade’, que ninguém conseguiria justificar, em relação a um praticante desportivo colocado nas circunstâncias em que o Requerente estava, na data da cessação do Contrato. 78.ª Mas o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b) do Contrato ou da cláusula penal, ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. 79.ª A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo. 80.ª Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável. 81.ª Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente. 82.ª Fica demonstrado, por tudo o que se deixa exposto, que a sentença arbitral produziu um resultado material que ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português, o que justifica que seja anulada ao abrigo do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV. E conclui: “vem o Recorrente pedir que: a) Relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral, com fundamento em ‘falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD’, casse o Supremo Tribunal de Justiça tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que, com incumprimento do preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC, e desconsideração do disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, selecionou para decisão, por isso se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito pedida pelo Recorrente. Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento deste recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada. b) Quanto ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do ‘princípio da proporcionalidade’, pede o Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682.º n.º 1, do CPC, revogue aquela decisão, por ter violado o estabelecido no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada”. 14. A Requerida contra-alegou, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: A) O presente recurso, interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a ação de anulação proposta e determinou a manutenção das decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18/03/2020 e 06/07/2020, mais não é do que a derradeira tentativa de o Recorrente escapar ao cumprimento da decisão arbitral que sabe ser justa e que é, no que releva para a presente ação, uma decisão formal e materialmente irrepreensível, isenta de qualquer mácula. B) A conduta ilícita do Recorrente – reconhecida pelas decisões arbitrais anulandas – foi recentemente reconhecida também pelo COURT OF ARBITRATION FOR SPORT (“CAS”), em decisão datada de 21/02/2022, ora junta como DOCUMENTO N.º 1. C) E, analisando-se os fundamentos aduzidos nas alegações de recurso ora sob resposta, é fácil constatar que os mesmos não têm qualquer cabimento, antes revelando (mais uma) tentativa flagrante de obter a reapreciação do mérito das questões decididas pelo TAD, à revelia do disposto no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”). — DA ALEGADA FALTA DE IMPARCIALIDADE E INDEPENDÊNCIA DO ÁRBITRO INDICADO PELA SPORTING, SAD D) Os factos que o Recorrente entende terem sido omitidos da decisão do Tribunal a quo mais não são do que, por um lado, a mera descrição dos acontecimentos processuais prévios à ação de anulação e, por outro lado, a identificação de parte do objeto da mesma. E) Nem as incidências processuais nem a identificação do objeto do litígio devem ser incluídas no elenco formal de factos provados, precisamente porque não integram a causa de pedir da ação. É manifesto que os fundamentos fácticos da ação de anulação apresentada pelo Recorrente não são o pedido de esclarecimentos por si apresentado, nem o incidente de recusa deduzido, nem a respetiva decisão, nem tão-pouco a decisão adicional proferida pelo Tribunal Arbitral e igualmente impugnada pelo Recorrente. F) Consequentemente, tanto as incidências processuais descritas nos factos a) a f), como a identificação do objeto do litígio inserta no facto g) apenas deveriam ser incluídas – como foram – no Relatório da decisão (e, eventualmente, como também foram, na apreciação das questões submetidas ao Tribunal) e já não no elenco de matéria de facto provada. G) Em todo o caso, é evidentemente falso que o Tribunal a quo tenha desconsiderado as incidências processuais descritas nos factos a) a f). Pelo contrário, as mesmas foram fundamentais para a decisão do Tribunal a quo, na medida em que foi precisamente por ter já existido um incidente de recusa de árbitro, em que o Recorrente aduziu exatamente os mesmos argumentos, que se concluiu que “a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Requerida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020”. H) Não assiste, pois, qualquer razão ao Recorrente, sendo forçoso concluir que o Tribunal a quo deu cabal cumprimento ao dever estatuído no artigo 607.º, n.º4, do CPC. Ademais, I) O mecanismo processual adequado para suscitar a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros é o incidente de recusa, devendo esse incidente ser suscitado durante a pendência do processo arbitral, antes da prolação da sentença final, uma vez que, de acordo com o estatuído no artigo 44.º, n.ºs 1 e 3 da LAV, com a sua prolação extingue-se o poder jurisdicional dos árbitros, sem prejuízo do estatuído nos artigos. 45.º, 46.º, n. 8 e 47.º, n.º 2 desse diploma. J) No âmbito da LTAD, o incidente de recusa está regulado no artigo 26.º, preceituando o seu n.º 3 que “A decisão do presidente do TAD prevista no número anterior [sobre a recusa] é insuscetível de recurso”. K) A ratio subjacente ao n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e similarmente ao n.º 3 do artigo 14.º da LAV – é a de estabilizar o quanto antes o processo, pretendendo o legislador evitar motivos de entorpecimento do processo arbitral ou esquemas contra arbitratorem que mais não são do que manobras dilatórias utilizadas pelas partes de forma abusiva, como o presente caso bem evidencia. L) A doutrina nacional tem vindo a entender que a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros pode naturalmente fundamentar um pedido de anulação de decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), da LAV. Isso (e tão-só isso) é aquilo que sustentam os citados autores ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA. M) Este entendimento não pode, porém, deixar de ser lido à luz da lei, designadamente do disposto no n.º 3 do artigo 26.º da LTAD, o qual determina a insusceptibilidade de recurso da decisão do Presidente do TAD sobre o pedido de recusa de árbitro. N) Assim, só é possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento no disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), parágrafo iv), da LAV nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, por ter tido conhecimento de circunstâncias suscetíveis de afetar a imparcialidade ou independência dos árbitros apenas após a prolação do acórdão arbitral. O) Esse é o único entendimento compatível com o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e com o n.º 3 do artigo 14.º da LAV –, sendo igualmente esse o entendimento perfilhado, a título exemplificativo, por LUÍS CORTES MARTINS57 e MANUEL PEREIRA BARROCAS58. P) E tal entendimento tem perfeita aplicação ao caso concreto: tal como sucede ao abrigo do artigo 14.º, n.º 3, da LAV, nos termos do qual o tribunal estadual decide de forma irrecorrível sobre o incidente de recusa, também o Presidente do TAD decide o incidente de forma irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 3, da LTAD. Q) Por outro lado, é inquestionável que o Presidente do TAD não é um mero órgão administrativo, antes sendo uma entidade dotada pelo legislador de poderes jurisdicionais, semelhantes aos poderes dos tribunais estaduais, no que à matéria em apreço diz respeito. R) O Presidente do TAD, eleito de entre os 40 árbitros que compõem o tribunal, é, assim, um órgão institucional que, na matéria em apreço, funciona como órgão jurisdicional, sendo os poderes que lhe são atribuídos nos termos do artigo 26.º verdadeiros e próprios poderes jurisdicionais. S) O Tribunal da Relação de Guimarães, em recente Acórdão de 13/01/2022 (Processo n.º 177/21.1YRGMR; Relatora: Maria Cristina Cerdeira)59, reconheceu isso mesmo, atestando expressamente que as decisões do Presidente do TAD no processo arbitral têm caráter jurisdicional. T) Da mesma forma que a decisão do tribunal estadual competente proferida nos termos do artigo 14.º da LAV é insuscetível de impugnação, não podendo ser repristinada em sede de ação de anulação, não poderá igualmente olvidar-se o efeito de caso julgado produzido pela decisão do Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, que tem cariz jurisdicional, como se viu, e cuja irrecorribilidade o Recorrente aceitou ao aceitar submeter o litígio à jurisdição do TAD. U) In casu, as circunstâncias que o Recorrente apontou como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do Ex.mo Senhor Árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas, tendo, pelo contrário, sido tempestivamente suscitadas pelo Recorrente em sede de incidente de recusa, definitivamente decidido pelo órgão legalmente competente. V) Pelo exposto, não pode o Recorrente lançar mão da ação de anulação, como se de um verdadeiro recurso se tratasse, tendo andado bem o Tribunal a quo ao concluir que a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Recorrida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020. Sem prejuízo, W) A invocação pelo Recorrente da alegada falta de independência e imparcialidade do Árbitro designado pela Recorrida é manifestamente abusiva. X) A dedução do incidente de recusa pelo Recorrente teve lugar, no processo arbitral, apenas depois da prolação do acórdão final, e, aliás, inclusivamente depois da instauração de uma primeira ação de anulação perante o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. Docs. 1, 2 e 7 da P.I.) Y) Antes disso, porém, ao longo de quase dois anos de lide arbitral, nunca o Recorrente se incomodou em indagar ou questionar quaisquer dos factos que depois apresentou, como fundamento de recusa, em suposto desfavor da idoneidade e da independência do árbitro Dr. BB. Z) Acresce que o Recorrente em momento algum alega, e muito menos demonstra, quando e como supostamente adquiriu conhecimento “de circunstâncias não reveladas [...] que suscitam fundadas dúvidas sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB”. AA) Mais: os factos nesta sede indicados pelo Recorrente, além de inidóneos para o desiderato pretendido, são factos que sempre foram do seu conhecimento, sendo que, mesmo que por absurdo se concebesse que não o haviam sido, não deixaram os mesmos de estar sempre ao seu alcance – como, aliás, estiveram depois, alegadamente apenas após o conhecimento da decisão desfavorável proferida. BB) Na declaração de independência e imparcialidade subscrita em 17.09.2018 (cfr. Doc. 12 da P.I.), o Ex.mo Senhor Árbitro revelou expressamente que (i) era mandatário constituído do Dr. CC num outro processo; e que (ii) teve intervenção como Árbitro noutros processos em que havia sido parte a Recorrida, conforme listagem pública acessível no website do tribunal. A referida declaração não suscitou, nessa altura, qualquer reparou ou objeção por parte do Recorrente. CC) Além disso, o Recorrente conhecia a intervenção do Dr. BB, como Árbitro, especificamente nos Processos n.ºs 51/2018 e 64/2018, que lidavam também com o tema das rescisões laborais promovidas por jogadores da SPORTING, SAD. É que, como inclusivamente vem referido na decisão proferida pelo Presidente do TAD (cfr. Doc. 11 da P.I.), a realidade é que nesses processos “não só os árbitros eram comuns aos dois Colégios Arbitrais, como as Partes tinham pleno conhecimento da designação por os mandatários serem os mesmos nos dois processos”. DD) Tanto assim que, no seu requerimento inicial de arbitragem, que se juntou como DOC. N.º 2 da Oposição, o ora Recorrente havia igualmente manifestado a sua intenção de designar como árbitro o Ex.mo Senhor Dr. DD, que foi justamente o Árbitro designado pelos jogadores demandantes (EE e FF) nos referidos processos n.ºs 51/2018 e 64/2018 (cfr. arts. 51.º e 53.º da P.I.). EE) Ou seja, o Recorrente adotou o mesmo procedimento, que agora imputa em jeito de crítica à Recorrida, de nomear o mesmo Árbitro para intervir em três arbitragens incidentes sobre a mesma matéria, todas elas iniciadas entre julho e agosto de 2018. FF) Foi apenas a posteriori que o Recorrente veio requerer a substituição do referido Árbitro, “por impossibilidade deste”, pelo Ex.mo Senhor Dr. GG (cfr. DOC.N.º 4, junto à Oposição). GG) O Recorrente concordou, ao longo de todo o processo, com a identidade do árbitro nomeado pela Recorrida e com a respetiva atuação processual, que nenhuma reserva lhe motivou até ao momento do conhecimento da decisão final. HH) Ademais, prevê-se no artigo 46.º, n.º 4 da LAV que “4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral”. II) Dúvidas não restam de que o Recorrente teve cabal conhecimento das circunstâncias que alega como afetando a independência do árbitro visado, e que o teve muito antes de 18.03.2020, data da prolação do Acórdão Arbitral, pelo que a situação sub judice enquadra-se na previsão do artigo 46.º, n.º 4 da LAV, devendo considerar-se que se encontra precludida a faculdade de o Recorrente impugnar, com estes fundamentos, o Acórdão Arbitral. JJ) O Recorrente teve a possibilidade de suscitar as suas reservas quanto à independência e imparcialidade dos árbitros muito antes da data em que o fez, mas preferiu, ao invés, aguardar pela prolação do Acórdão Arbitral para suscitar a questão, o que configura um claro caso de abuso de direito, na modalidade de supressio. KK) Face ao exposto, conclui-se pela existência de abuso do direito de pedir a anulação do Acórdão Arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade do Árbitro BB, devendo aplicar-se a respetiva consequência, isto é, a impossibilidade de exercício do direito do Recorrente, com o consequente indeferimento do pedido de anulação do Acórdão com tal fundamento. — DA ALEGADA OFENSA DE PRINCÍPIOS INTEGRANTES DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS LL) O Recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português, mais precisamente, por ofensa ao princípio da proporcionalidade. MM) Sucede que, além da alegação do Recorrente a este propósito mais não ser do que um evidente copy paste de uma monografia já publicada, a leitura da mesma põe em evidência que o que o Recorrente verdadeiramente aborda é o mérito das decisões arbitrais proferidas e que aquilo que pretende obter por via da presente ação não é outra coisa que não a sua reapreciação. NN) Tal pretensão não poderá proceder, sendo vedado ao Tribunal ad quem – como era vedado ao Tribunal a quo – o conhecimento do mérito das questões decididas pelo Tribunal Arbitral. OO) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao decidir pela inexistência de qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado português, porquanto “atribu[iu] à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b), ii) da LAV o significado que caracteriza a “reserva ordem pública internacional”, que é específica do direito internacional privado” e que se encontra “prevista no artigo 56.º, n. 1, b), ii) da LAV”. PP) Desconsidera, pois, o Recorrente que a decisão do Tribunal a quo não só aplicou efetivamente o conceito subjacente ao artigo 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LAV, como considerou que da aplicação do mesmo resultava que a alegação do Recorrente se traduzia num pedido de reapreciação do mérito. QQ) O Tribunal a quo identificou corretamente que “[n]os termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV, uma sentença arbitral é efetivamente suscetível de anulação quando o seu conteúdo ofenda os princípios da ordem pública internacional do Estado português”, e propôs-se avaliar se, in casu, o conteúdo da sentença arbitral era suscetível de ofender esses princípios – que, como reconhece o próprio Recorrente, são comuns aos princípios que integram o conceito de reserva de ordem pública internacional. RR) No entanto, verificou o Tribunal a quo – e, reitera-se, bem – que à luz da alegação do Recorrente na petição inicial, não existia fundamento para determinar a anulação da decisão arbitral, porquanto “[a]o longo de toda a sua exposição na petição inicial, o que o requerente verdadeiramente aborda na sua alegação a este respeito é o mérito das decisões arbitrais proferidas e o mesmo pretende obter por via da presente ação não é outra coisa que não a sua reapreciação, por alegado desrespeito dos princípios jurídicos invocados”60. SS) Na sua decisão, o Tribunal a quo teve em consideração que (i) o conceito de ordem pública internacional tem um conteúdo mais restrito (i.e., menos abrangente) do que a ordem pública interna; e que (ii) a incompatibilidade de determinada decisão (arbitral) com a ordem pública internacional de um Estado apenas em concreto pode ser determinada. TT) Além disso, teve o Tribunal a quo presente que, para uma anulação de um acórdão arbitral possa proceder, sempre teremos de estar perante uma situação que, tendo em conta os precisos contornos do caso concreto, crie uma situação de ofensa intolerável, na expressão consagrada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 09.10.2003, aos “princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações”61. UU) Estando o Tribunal impossibilitado de operar uma revisão material do acórdão arbitral (cfr. artigo 46.º, n.º 9 da LAV), as hipotéticas ofensas aos princípios da ordem pública internacional devem ser gritantes para que, sem mergulhar numa revisão de mérito, o Tribunal possa atingir essa conclusão. VV) Lógica que é reforçada pelo facto de o fundamento de anulação em apreço, plasmado no artigo 46.º, n.º 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV, ser, também, um fundamento de conhecimento oficioso, pois que a situação de excecionalidade deve saltar aos olhos do Tribunal aquando da análise do acórdão arbitral. WW) In casu, o Tribunal a quo simplesmente entendeu não ter sido alegada pelo Recorrente qualquer violação patente de princípios da ordem pública internacional, tendo concluído que o que o Recorrente verdadeiramente abordava na sua alegação era o mérito das decisões arbitrais proferidas, e que aquilo que o mesmo pretendia obter por via da ação não era outra coisa que não a sua reapreciação – entendimento que não merece qualquer censura ou reparo. XX) Sem prejuízo, presumir-se-ia, à luz da alegação do Recorrente, que no seu entendimento o conteúdo normativo da ordem pública internacional do Estado português fosse distinto do conteúdo normativo da reserva de ordem pública internacional, de tal sorte que a análise a empregar pelo Tribunal a quo fosse substancialmente distinta consoante estivesse em causa um ou outro instituto. Mas não é esse o caso. YY) O Recorrente entende que “sob o ponto de vista normativo, a reserva de ordem pública internacional oponível ao reconhecimento de decisões jurisdicionais estrangeiras não difere muito significativamente da ordem pública internacional de direito material, que constitui um núcleo mais restrito dentro da “ordem pública de direito material” e é a noção que opera em sede de controlo de anulação de sentenças arbitrais”. ZZ) Esse é também o entendimento, a título exemplificativo, de A. SAMPAIO CARAMELO62, MANUEL P. BARROCAS63, AFONSO PATRÃO64 E LUÍS DE LIMA PINHEIRO65. AAA) Ora, na medida em que, como bem reconhece o Recorrente, o conceito de ordem pública internacional do Estado português e o conceito de reserva de ordem pública internacional partilham o mesmo conteúdo normativo, não se compreendem as razões da sua discórdia com a decisão recorrida. BBB) Se para o Recorrente, a única diferença entre a ordem pública internacional do Estado português e a reserva de ordem pública internacional “concerne à relatividade que caracteriza a atuação da exceção ou reserva de ordem pública internacional, devido ao facto de a sua atuação limitadora ou condicionadora do reconhecimento da sentença estrangeira depender da intensidade dos laços que a situação por esta contemplada apresenta com o Estado do reconhecimento (pois será aí que irá produzir efeitos)”66, então o argumento aduzido nas alegações sob resposta apenas faria sentido se o Tribunal a quo tivesse concluído pela inexistência de qualquer violação de princípios da ordem pública em virtude da intensidade do nexo entre a situação e o Estado português. CCC) Sucede que não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, não existindo qualquer confusão no Acórdão recorrido acerca dos conceitos convocados pelo Recorrente. DDD) O Recorrente simplesmente não se conforma quer com as decisões arbitrais anulandas, quer com a decisão recorrida, capeando o seu argumento com um suposto erro conceptológico do Tribunal a quo, o qual, acaba por reconhecer, nenhum relevo prático tem para a decisão da causa. EEE) Pelo que nenhum reparo merece a decisão do Tribunal a quo também neste particular, tendo este andado bem ao concluir pela inexistência de qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado português. Sem prejuízo, FFF) Contrariamente ao que alega o Recorrente, o resultado alcançado pelo Tribunal Arbitral não se materializa em qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado Português, em concreto, ao princípio da proporcionalidade. GGG) Desde logo, desconsidera o Recorrente, nas suas alegações, que o Tribunal Arbitral operou efetivamente uma redução equitativa do valor da compensação por liquidar por banda do Recorrente, pelo que o que o Recorrente sindica não é já o valor de uma concreta penalidade ou sanção contratual – cujo excesso poderia efetivamente, em tese, se não reduzido, admitir-se poder afrontar a ordem pública –, mas o valor de uma decisão judicial. HHH) É do juízo equitativo levado a cabo pelo tribunal que o Recorrente verdadeiramente discorda. Tal juízo, porém, não pode implicar uma violação da ordem pública internacional do Estado português, desde logo pela razão de que não existe nenhuma norma ou princípio vigente no direito português que vede ou proíba, per se, a aplicação de indemnizações elevadas. III) Pelo contrário, pelas razões que clara e desenvolvidamente se retiram das decisões arbitrais proferidas, tal valor revela-se totalmente adequado às especificidades do caso decidido, pecando apenas por defeito, tendo em conta as coordenadas fácticas específicas do caso, em face da prova produzida e, em especial, da prova pericial que analisou o valor de mercado do Recorrente à data da rescisão. JJJ) Sendo certo que, ainda que assim não fosse, um eventual erro de julgamento por parte do Tribunal na aferição equitativa do valor correto a fixar jamais seria sindicável, ou revisível, em sede de instância de anulação. KKK) A válvula de escape que o ordenamento jurídico português prevê para fazer face a estipulações contratuais excessivas é a possibilidade da sua redução em função da equidade (artigos 812.º do Código Civil e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho), sendo que a eventual má aplicação do juízo segundo a equidade não é questão de ordem pública, e muito menos de ordem pública internacional. Ademais, LLL) Como resulta dos factos provados 1. e 3. do acórdão arbitral, o valor de €45.000.000,00 acordado pelas partes na Cláusula 8.º do contrato de trabalho desportivo (cláusula de rescisão) e, igualmente, na sua Cláusula 11.º, embora aí condicionado à posterior inscrição do jogador num terceiro clube (cláusula penal), corresponde a um valor que tem em conta a realidade do futebol profissional, e, mais concretamente a inflação galopante na valorização dos direitos de participação desportiva dos jogadores de elite, refletida nos preços cada vez mais elevados pagos pelos clubes com vista à sua transferência entre equipas, particularmente no caso dos avançados. MMM) É crucial ter-se presente o mercado concreto em que o Recorrente e a Recorrida se enquadravam, designadamente através da comparação do referido valor de € 45.000.000,00 com os valores das cláusulas de rescisão praticadas pelos clubes rivais S... e F... (cfr. DOC. N.º 5, junto à oposição à ação de anulação). NNN) Nesse sentido, o valor clausulado pelas partes no contrato de trabalho desportivo considerava-se já perfeitamente enquadrado e em linha com o mercado, de mais a mais tendo em conta o investimento realizado pela Recorrida na formação desportiva do Recorrente e o seu potencial desportivo, que se vem confirmando a cada jogo. OOO) Desconsiderar as cláusulas de rescisão livremente acordadas entre jogadores e clubes, condenando os infratores apenas no pagamento dos salários vincendos quando os mesmos vêm a ingressar em seguida num novo clube, seria ir em sentido frontalmente inverso àquela que tem vindo a ser a orientação da FIFA e daquela que é a mais alta instância desportiva a nível mundial, o CAS, com sede em .... PPP) Donde, é manifesto que aderir ao iter argumentativo apresentado pelo Recorrente teria como resultado, além do mais, uma desvirtuação completa da concorrência – cujos princípios basilares integram, aqui sim, a ordem pública internacional do Estado português68 - e tornaria o mercado anárquico, totalmente permeável aos impulsos e desvarios de agentes e clubes. QQQ) O resultado seria evidentemente catastrófico, e a situação agrava-se quando se equacione que estes jogadores, saindo a qualquer momento e a custo zero dos respetivos clubes, poderiam ser inscritos por terceiros clubes que beneficiariam do seu contributo desportivo, bem como lucrariam numa futura venda dos respetivos direitos desportivos, sem nada pagar aos clubes com quem os jogadores ilicitamente teriam rescindido (!). RRR) E é precisamente o caso dos autos, em que o L..., da primeira liga francesa, contratou o Recorrente a custo zero, escassas semanas após este ter resolvido sem justa causa o seu contrato com a Recorrida, tendo beneficiado do seu contributo desportivo numa época em que alcançou o segundo lugar no campeonato francês e o inerente acesso à Liga dos Campeões, e tendo posteriormente lucrado, com a sua venda, por €35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) ao A..., clube da liga italiana em que o Recorrente presentemente se integra. SSS) Acresce, ainda, que a alegação apresentada nestes autos pelo Recorrente ignora um outro ponto que se mostra, também ele, decisivo na apreciação da questão sub judice, e que integra, também ele, a especificidade do desporto e do presente caso concreto. É que, como o Recorrente bem sabe, a verdade é que não é o Recorrente quem, na prática, terá de suportar o pagamento da compensação reconhecida à SPORTING, SAD, no valor de €16.500.000,00. TTT) Pelo contrário, quem irá suportar esse valor será o L..., o clube ... para o qual o jogador se “transferiu” na sequência da rescisão com a Recorrida, a custo zero, e que foi recentemente condenado, em decisão do Court of Arbitration for Sport de 21/02/2022 (ora junta como DOC. N.º 1), no pagamento solidário de indemnização à Recorrida em virtude da cessação contratual ilícita do Recorrente. UUU) Mas, independentemente da referida decisão, sempre seria o L... a suportar o pagamento da compensação reconhecida à Recorrida no processo arbitral, porquanto esse clube se responsabilizou perante o jogador a fazer face a quaisquer encargos ou responsabilidades em que o jogador viesse a ser condenado em decorrência do presente litígio. VVV) Isso mesmo foi o que resultou da prova produzida em sede de processo arbitral, que vale igualmente para os efeitos dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 421.º do CPC, que estabelece o regime do aproveitamento extraprocessual das provas. WWW) Essa prova extrai-se justamente das transcrições de julgamento juntas pelo Recorrente (cfr. Doc. 23 da P.I.), das quais resulta, desde logo, a referida confissão dessa realidade pelo Recorrente, em sede de declarações de parte no dia ........2019 (03:53:57–03:54:56), tendo essa factualidade sido confirmada pela testemunha HH, colaborador da I..., empresa do seu agente II (sessão de ........2019: 01:35:21 e 02:35:01–02:35:07), e pela testemunha JJ, pai do Recorrente, que, à data, atuava igualmente como seu representante – (sessão do dia ........2019: 00:58:29-00:59:30 e 01:02:06-01:02:42). XXX) Por detrás de tal assunção não está um qualquer ato de altruísmo ou especial benevolência por parte do L..., mas sim a consequência do regime de responsabilidade solidária passiva estatuído no artigo 17.º, n.º 2, das RSTP, bem como no artigo 26.º, n.º 1 e 2, do RJCTPD. YYY) Daqui resulta, pois, por demais evidente que as alegações apresentadas pelo Recorrente nos presentes autos se mostram, também sob este ponto de vista, totalmente deslocadas da realidade do caso concreto. ZZZ) Pois que, como se vê, não só existem mecanismos legais que permitem que não seja o Recorrente a liquidar o valor da sua condenação, como o próprio clube contratante do jogador na janela de transferências de 2018 foi já condenado enquanto responsável solidário, tendo inclusive assumido perante si essa responsabilidade. AAAA) E a verdade é que assumiu essa responsabilidade porque terá antevisto na contratação do Recorrente, desde logo, uma possibilidade de ganho não só desportivo, mas fundamentalmente financeiro, que se veio a concretizar, apenas um ano mais tarde, na transferência milionária do jogador – naturalmente com o seu acordo e consentimento – para o A..., clube da primeira liga italiana, e reconhecidamente uma das mais importantes do mundo, pelo valor de € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros)69. BBBB) Por aqui se comprova não só que o Recorrente e o L... já lucraram, e muito, com a situação que dá azo aos presentes autos, como, por outro lado, que o valor de €16.500.000,00 fixado pelo TAD se revela modesto por comparação com o que resulta do valor de mercado do Recorrente, concretizado na aludida transferência para o A..., apenas um ano depois da resolução do contrato com a SPORTING, SAD! CCCC) A isto acresce, por fim, que a alegação do Recorrente de que o valor em que se viu condenado lhe demandaria 275 anos a liquidar, não corresponde senão a uma alegação deliberada e conscientemente falsa, falaciosa e enganadora. DDDD) Desde logo, porque para chegar a tão brilhante conclusão, os dados que o Recorrente toma em consideração são unicamente os resultantes daquela que havia sido acordada como a remuneração – referente a salários (portanto, excluindo prémios) – na primeira época do primeiro contrato de trabalho desportivo da sua carreira! Naturalmente, esse valor sempre seria ascendente, aumentando a cada ano até ao final do contrato. EEEE) Por outro lado, terá de se ter em consideração as condições acordadas entre o Recorrente e o L... no contrato de trabalho desportivo então assinado: pelo simples facto de assinar contrato com o L... na sequência da rescisão promovida com a Recorrida, o Recorrente auferiu uma módica quantia de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros). FFFF) No que respeita à remuneração acordada para o primeiro ano de contrato, o valor auferido pelo Recorrente foi de, pelo menos, € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros), ao qual acresceram prémios de desempenho, coletivos e individuais. GGGG) Mesmo estes valores se encontram já desatualizados, uma vez que, como se referiu, o jogador transferiu-se no final dessa época, portanto, no verão de 2019, para o referido A..., por um estrondoso valor de € 35.000.000,00 (trinta e cinco mil euros). HHHH) A Recorrida desconhece qual seja o valor de remuneração que o Recorrente aufere atualmente ao serviço do A..., mas seguramente será superior, em muito, ao estabelecido no anterior contrato com o L..., sendo certo que o Recorrente já vai na terceira época ao serviço do A..., onde se destaca como um dos jogadores mais proeminentes da equipa. IIII) Mais: de acordo com a informação veiculada na imprensa, o Recorrente está a negociar uma renovação de contrato com o A..., por mais quatro épocas, até 2026, passando a receber anualmente € 4.000.000,00, tudo perfazendo o total de... € 16.000.000,00 (dezasseis milhões de euros). JJJJ) A isto acresce que a tese do Recorrente ignora aquela que é uma das fatias mais significativas dos rendimentos dos jogadores profissionais de futebol: as receitas resultantes da gestão dos seus direitos de imagem. KKKK) No caso, os direitos do Recorrente são geridos pela P..., a qual vem naturalmente garantindo ao Recorrente, inter alia, a celebração de contratos publicitários e de patrocínio, de que poderá referir-se, a título de exemplo, a relação comercial mantida entre o Recorrente e a conhecida marca de produtos desportivos Ad (cfr. DOCS.N.º 8e 9, juntos à oposição à ação de anulação). LLLL) Em face de tudo o que se deixa exposto, mostra-se inquestionável que o resultado alcançado pelo Tribunal Arbitral não se materializa em qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado Português, tendo andado bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a pretensão do Recorrente. MMMM) O Tribunal Arbitral não violou quaisquer princípios de proporcionalidade, uma vez que teve em consideração todas as circunstâncias do caso concreto e, com base nelas, fixou a indemnização que considerou justa e adequada, que apenas peca por defeito. NNNN) Em face do exposto, improcede em toda a linha a pretensão da Recorrente, devendo ser mantido o Acórdão recorrido. E conclui: “... deve ser negado provimento ao presente recurso de revista, mantendo-se na íntegra o Acórdão recorrido.” 15. Cumpre apreciar e decidir. II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: a) Ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, a ofensa do princípio da proporcionalidade, nos termos previstos no art. 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii) da LAV, pedindo o recorrente que o STJ revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada; b) Caso não proceda esse fundamento de recurso, pede o Recorrente que seja ordenada a baixa do processo ao tribunal da Relação para que este amplie a matéria de facto que, “de modo muito deficiente e incorreto”, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD. III. Fundamentação 1. Foram dados provados os seguintes factos: 1.1. O Demandante e a Demandada celebraram, no dia 14 de setembro de 2017, contrato de trabalho desportivo para a prática da atividade de futebol profissional, na categoria sénior, para as épocas desportivas de 2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021e2021/2022; 1.2. O Contrato de Trabalho Desportivo encontrava-se registado junto da Federação Portuguesa de Futebol (adiante "FPF") e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (adiante "LIGA"). 1.3. O contrato de trabalho era regido pelas seguintes cláusulas: 1. «O JOGADOR obriga-se a continuar a prestar com regularidade a actividade de futebolista da SPORTING, SAD, em representação e sob autoridade e direcção desta, com início no dia 1 de Julho de 2017 e termo no dia 30 de Junho de 2022. 2. A SPORTING, SAD obriga-se a pagar ao JOGADOR, durante a vigência do contrato, as seguintes remunerações globais ilíquidas: a) Época 2017/18: €60,000,00 (sessenta mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.000,00 (cinco mil euros) cada, sendo que juntamente com a remuneração do mês de Setembro de 2017 será pago o montante ilíquido de 1.666,00 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros) relativo ao diferencial entre as remunerações de Julho e Agosto de 2017 já liquidadas ao JOGADOR, ao abrigo do contrato de trabalho desportivo ora revogado e as ora acordadas, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito; b) Época 2018/2019: € 65.004,00 (sessenta e cinco mi/ e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de €5.417,0 (cinco mil, quatrocentos e dezassete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito; c) Época 2019/20: € 70.008,00 (setenta mil e oito euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.834,00 (cinco mil, oitocentos e trinta e quatro euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito; d) Época 2020/21: €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de €6.250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito. e) Época 2021/22: € 80.004,00 (oitenta mil e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 6.667,00 (seis mil, seiscentas e sessenta e sete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito. 3. Ao JOGADOR é conferido o direito a receber prémios de performance, caso venha a participar, no mínimo de 45 (quarenta e cinco) minutos por jogo, a contar para a liga NOS e competições europeias, na equipa principal sénior da SPORTING, SAD, na mesma época desportiva, cujo valor é determinado em função do número mínimo de jogos oficiais em que participe, nos seguintes termos: a) 5 (cinco) jogos: € 20.000,00 (vinte mil euros), ou, b) 10 (dez) jogos: € 40.000,00 (quarenta mil euros), ou, c) 20 (vinte) jogos: € 60.000,00 (sessenta mil euros), ou, d) 25 (vinte e cinco) jogos: € 80.000,00 (oitenta mil euros), ou, e) 35 (trinta e cinco) jogos: € 100.00,00 (cem mil euros). § Todos os prémios aferem-se dentro da mesma época desportiva, não são cumulativos entre si, são ilíquidos e serão pagos juntamente com a remuneração que se vence no mês seguinte ao da concretização de cada objectivo. 4. A SPORTING, SAD poderá, ainda, pagar ao JOGADOR prémios de classificação que sejam por si estabelecidos para a equipa principal/sénior, se nela se encontrar efectivamente integrado, em função dos resultados por aquela obtidos, sendo a definição dos critérios de atribuição e pagamento desses prémios feita pela SPORTING, SAD no início de cada época ou jogo a jogo. 5. Ao JOGADOR é assegurado o período de férias previsto no CCT aplicável 6. Ao JOGADOR fica vedado, no período de duração do contrato, a prática de qualquer actividade desportiva, não previamente autorizada pela SPORTING, SAD bem como o exercício de qualquer actividade laborai ou empresarial, salvo se para tal obtiver o consentimento escrito desta Sociedade. 7. 0 JOGADOR obriga-se a usar nos jogos, treinos, estágios e deslocações o vestuário, equipamento e calçado da marca que a SPORTING, SAD lhe fornecer, com exceção das chuteiras, cuja cor fica sujeita à aprovação da SPORTING, SAD, e a respeitar os contratos de publicidade celebrados pela mesma ou qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si ou pelo Sporting Clube de Portugal, cedendo, ainda, à SPORTING, SAD, quer durante a vigência, quer após a cessação do mesmo, desde que referentes a acções realizadas durante a vigência do contrato, o direito de explorar comercialmente os seus direitos de imagem, som e voz, seja individualmente, seja em conjunto com os restantes jogadores, podendo a exploração dos direitos cedidos ser feita através da SPORTING, SAD ou através de qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si, ou pelo SPORTING CLUBE DE PORTUGAL. 0 JOGADOR obriga-se a prestar toda a colaboração e participar nas ações promocionais e publicitárias que lhe sejam solicitadas no âmbito da exploração comercial dos direitos ora cedidos. 8. Ao JOGADOR é conferido o direito de rescindir unilateralmente o presente contrato sem necessidade de invocação de justa causa, ficando imediatamente desvinculado laborai e desportivamente da SPORTING, SAD nas seguintes condições: a) A rescisão só poderá ter lugar nos períodos compreendidos entre os dias 15 de Maio e 15 de Junho de cada época desportiva, devendo ser enviada comunicação à SPORTING, SAD com 15 dias de antecedência à data em que a mesma deva operar os seus efeitos; b) Cumulativamente com a comunicação referida na alínea anterior, deverá ser efectuado à SPORTING, SAD um pagamento imediato no montante de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros); c) Feita a comunicação com o aviso prévio e nos prazos previstos na alínea a) e paga a verba mencionada na alínea b) antecedente, a SPORTING, SAD obriga-se a desvincular laborai e desportivamente o JOGADOR e, ainda, caso para tal seja solicitada, a autorizar a F.P.F. a proceder ao envio do respectivo Certificado Internacional para qualquer Clube estrangeiro que o tenha requerido. 9. As partes obrigam-se mútua e reciprocamente, face a qualquer situação de litígio, incumprimento ou divergência relativamente aos termos, condições e execução do presente contrato, e previamente a qualquer outra iniciativa de natureza contenciosa, a interpelar a outra parte tendo em vista uma solução consensual do diferendo no prazo de trinta dias contados dessa interpelação, sem que o incumprimento ou divergência seja invocável como motivo de ruptura do contrato por qualquer das partes, aceitando ambos as outorgantes que esta cláusula foi essencial para a celebração do presente contrato, nos exactos termos e condições ora exarados. 10. Sem prejuízo do disposto no número 9 antecedente, as Partes acordam conferir competência exclusiva e definitiva para dirimir todo e qualquer litígio emergente deste Contrato ou com ele relacionado ao Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), de acordo com o disposto na Lei do TAD, aprovada pela Lei n.° 74/2013, de 6 de Setembro, e no Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do TAD. 11.No caso de uma das partes rescindir o presente contrato alegando para tal justa causa e a Tribunal Arbitrai da Desporto, de acordo com o estabelecido no número 10 antecedente, não reconhecer a sua existência, ficará constituída na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos causados pela conduta ilícita, fixando-se, desde já, a título de cláusula penal, o montante indemnizatório a pagar e que será o seguinte: - na hipótese de ser a SPORTING, SAD a rescindir ilicitamente, fica obrigada a pagar ao JOGADOR uma indemnização correspondente ao valor das remunerações vincendas até final do contrato, podendo, no entanto, proceder à dedução na indemnização dos valores que o JOGADOR venha a receber pela prestação da mesma actividade a outra entidade desportiva durante o período correspondente ao prazo do contrato rescindido; - na hipótese de ser o JOGADOR a rescindir ilicitamente fica obrigado, no âmbito jurídico-laboral, a pagar à SPORTING, SAD uma indemnização correspondente ao valor das remunerações que haveria de receber até final do contrato rescindido, ficando a sua inscrição por parte de um terceiro Clube dependente, no âmbito jurídico-desportivo, do pagamento do montante de 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros), correspondente à valorização dos direitos de participação desportiva do JOGADOR feita pelas partes no presente contrato. 12. A SPORTING, SAD obriga-se a ter a ficha médica do JOGADOR devidamente actualizada, a qual será remetida para apreciação das entidades competentes sempre que para tanto seja solicitada e, ainda, que o JOGADOR está vacinado contra o tétano, frequenta com assiduidade e aproveitamento o curso de ginástica, reúne as condições necessárias para a prática do futebol e tem capacidade para a celebração do presente contrato. 13. Em tudo o que não estiver previsto no presente contrato aplicar-se-á o CCT outorgado entre o Sindicato Nacional dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional. 14. A SPORTING, SAD obriga-se a subscrever, bem como a suportar os respectivos custos dos seguros obrigatórios, ou seja, o Seguro Desportivo, bem como o Seguro de Acidentes de Trabalho, cujo beneficiário é o próprio Jogador ou a sua família. 0 JOGADOR habilita, desde já, a SPORTING, SAD a subscrever outras apólices de seguro que entenda por convenientes, ficando esta Sociedade responsável pelo pagamento dos respectivos custos, bem como a única e exclusiva Beneficiária. 15. Para efeitos do presente contrato, as partes declaram que não se fizeram representar por intermediários. 16. O JOGADOR obriga-se, directamente ou por interposta pessoa, a não fazer apostas ou de qualquer modo participar em jogos de azar referentes às competições em que as equipas da SPORTING, SAD participem ou previsivelmente venham a participar, nomeadamente, apostas online, casas de jogos, casas de apostas e afins. 17. O JOGADOR obriga-se a manter sigilo sobre os assuntos e informações do foro interno da SPORTING, SAD, seu clube fundador e sociedades do Grupo Sporting, que venha a ter conhecimento ou acesso no exercício das suas funções, na vigência do contrato e depois da sua cessação. 18. O JOGADOR obriga-se, ainda, a cumprir e respeitar o estipulado no Regulamento Interno da SPORTING, SAD, bem como as normas de conduta na Academia Sporting, e os procedimentos e determinações por esta emanados, de que tem conhecimento. 19. O JOGADOR declara aceitar, integralmente e sem reservas, os compromissos arbitrais previstos no Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional relativamente a todos os litígios emergentes da aplicação dos referidos Regulamentos. 20. As partes acordam, desde já, que todas as disposições relativas ao contrato de trabalho desportivo, celebrado no dia 23 de Outubro de 2015 e eventuais contratos-promessa e aditamentos celebrados nessa mesma data, se encontram expressamente revogadas devido à celebração do presente Contrato.». - Cfr. o Doc. n-1 junto com a petição inicial. 1.4. Na mesma data, 14 de setembro de 2017, foi celebrado, entre as mesmas partes, um aditamento ao contrato de trabalho desportivo, com a seguinte cláusula única: " A título de contrapartida pela celebração do Contrato de Trabalho Desportivo até ao dia 30 de Junho de 2022, a SPORT1NG, SAD atribui ao JOGADOR a título de prémio de assinatura, o montante ilíquido de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), a liquidar em 50% juntamente com a remuneração de Setembro de 2017 e 50% juntamente com a remuneração de Dezembro de 2017." 1.5. Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de junho de 2018, o Demandante comunicou à Demandada a resolução com justa causa do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes em 14 de setembro de 2017 e em vigor para as épocas de 2017/2018 a 2021/2022, carta com o seguinte teor: "I – Introito Tendo o signatário celebrado com a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD um contrato de trabalho desportivo em 17 de Setembro de 2017 ■ cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida ■ considera que um conjunto de factos aos quais é completamente alheio, ocorridos nos últimos meses de vigência do referido contrato, e que só à entidade patronal podem ser imputados (infra melhor descritos), são gravemente violadores dos seus direitos laborais, nomeadamente no que concerne à sua dignidade profissional e enquanto pessoa, colocando em causa a sua integridade física e segurança, e tomando praticamente impossível a subsistência da relação laborai desportiva com V. Exas. II— nota prévia O signatário, oriundo de uma família humilde e pobre, integrou desde criança o centro de formação do Sporting Clube de Portugal, usualmente conhecido por ..., onde residiu praticamente até aos dias de hoje e ali fez toda a sua formação pessoal e profissional. Reconhecimento e gratidão que apenas considera abalados pelo desequilíbrio comportamental de alguns dirigentes da Sporting SAD, a que a grande instituição Sporting Clube de Portugal é alheia. O signatário foi crescendo e evoluindo enquanto profissional e pessoa, tomando como referência os seus ídolos que entretanto se vieram a tornar colegas de trabalho, nomeadamente aqueles que foram os ... da equipa sénior. Tomando por referência os mais virtuosos valores da centenária instituição, bem como de todos aqueles que para si sempre foram ídolos, julgou nela poder continuar a crescer pessoal e profissionalmente com a necessária segurança e estabilidade. Valores que nos últimos meses viu ruir, com a certeza que com o estado atual das coisas o seu temor, medo e insegurança são irreversíveis. O que, muito a contragosto e com uma infinita mágoa, obriga o signatário a decidir-se pela desvinculação contratual com esta SAD. Os adeptos, simpatizantes e sócios da instituição não podem ser nem inflamados, nem "arremessados" pelos dirigentes contra aqueles que diariamente trabalham em prol do engrandecimento da mesma, unicamente para gáudio e ego (desses dirigentes). Assim, num ápice, os atuais dirigentes da SAD do Sporting Clube de Portugal conseguiram destruir um sonho que o signatário veio alimentando e construindo até aos 19 anos de idade. III Dos factos O Sporting Clube de Portugal foi, é, e será uma grandiosa e respeitosa Instituição. Bem o sabe o signatário, e atesta pessoalmente. Do ponto de vista estritamente profissional, porém, e como é publicamente sabido, os atos dos Órgãos que representam a entidade patronal do signatário têm afetado em muito a sua dignidade profissional e pessoal, a sua confiança, o seu bom nome, e até, infelizmente, a sua segurança. é público que o signatário, e plantei em geral, nunca beneficiaram do apoio do P..., mesmo em momentos cruciais para o decorrer da época desportiva. Ao invés, sente o signatário que o seu bom nome, honra, e lealdade foram ofendidas quando de forma reiterada o P... da Sporting Clube de Portugal ■ Futebol SAD atribuiu a culpa de maus resultados à sua falta de profissionalismo e dos seus colegas de trabalho. Como é compreensível, a crítica pública - sempre severa - de uma entidade patronal com o alcance nacional e internacional que tem a SAD do Sporting coloca uma pressão profissional e pessoal altamente adversa aos atletas. Adversa até ao livre exercício de uma vida pessoal e familiar normal. Especialmente nos atletas profissionais de futebol, atenta a sua maior exposição pública. Essa mesma entidade patronal, que ao não assegurar segurança no local de trabalho, permitiu que o signatário, e seus colegas de equipa, tenham vivenciado um episódio de verdadeiro horror, declarou publicamente que foi "chato''. Entende o signatário, enquanto jogador da Sporting SAD, que os factos que vivenciou tornam impossível manter a relação de trabalho. É público que o P..., deforma reiterada, interpelava toda a equipa, acusando os jogadores - sem fundamento, diga-se - de não aplicarem esforço no exercício do seu trabalho. É público que o P... interpelava toda a equipa (diretamente ou através dos ...], insinuando e frequentemente afirmando que o grupo não tinha atitude e compromisso. Sempre ameaçando que não toleraria menos do que a vitória em todas as competições. Cada competição não ganha, nas palavras dirigidas ao grupo de trabalho pelo P..., constituiria algo "totalmente imperdoável". Noutras ocasiões, apelidou o grupo de "convencidos que não respeitam nada nem ninguém". É público que o P... exercia autoridade, afirmando que os jogadores teriam de aprender regras rapidamente. Acusou o signatário e os seus companheiros de equipa de ignorar ações de solidariedade, de não ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo clube. Tais afirmações ofendem o signatário na sua honra, bom nome, e zelo enquanto jogador do Sporting - e são falsas! O signatário não se conforma com o facto de exercer a sua profissão num contexto em que sente, individualmente e em todo o grupo que integra, uma culpabilização constante, injusta, e até algo instigadora. 0 contexto de crítica, pública e cerrada, sob o qual o signatário e os seus colegas foram colocados pelo P... afetou o seu desempenho, pois deixou de poder exercer a sua profissão de forma livre, realizada, e focada. Veja-se, a título de exemplo, as mensagens enviadas aos ... de equipa na sequência de uma vitória sobre o ... (2-0): "... DE MARÇO DE 2018 Boa noite. E depois dizem-me que eu não defendo o grupo. Vocês são uns convencidos que não nada nem ninguém. Agora podem ir mostrar isto ao grupo, ficarem amuados mas realmente é uma decepção as vossas atitudes. Quanto ao jogo, feliz pela exibição, plena de Atitude e Compromisso, Um dia importante dedicado aos pais (com os jogadores a entrarem com os filhos), e ao enorme KK (pontapé de saída pelo seu filho, camisolas e inauguração da ...). Que melhor forma de fazer estas duas homenagens do que ganhar e proporcionar um sorriso e uma alegria a todos os que vivem este Clube. Mas hoje também era o início de uma acção de solidariedade que os jogadores decidiram ignorar. Aqui não existem toupeiras, emails estranhos, jogos pagos para perder, vouchers, frutas ou seja lá o que for, mas temos de ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo Clube. Ganhar jogos é bom, mas faz parte de servir este Clube. Mas isso não esconde tudo, nem servirá de desculpa para este tipo de atitudes.». «O Sporting CP é um Clube com princípios, valores e regras, e quem não souber o que são regras vai ter de as aprender rapidamente. Um dia que tinha tudo para ser um grande dia, mas que fica manchado e não existe razão para isto. Eu vivo 24h para este Clube. Amo-o com todas as minhas forças. Não posso assistir deforma impávida e irresponsável a estes actos de vedetismo Para mim, as vedetas do Sporting CP sempre foram e sempre serão aqueles que lhe juraram ser fiel e amor eterno! Os Adeptos e, sobretudo, os Sócios! São estas atitudes que me deixam cada vez mais intrigado, pois nas restantes modalidades nunca se assistiu a coisas destas. Quererá isto dizer que o dinheiro que se ganha é proporcionalmente inverso ao respeito que acham que têm de dar pelos pedidos do clube? E qual é o papel dos capitães no seio dos grupos?». «Vocês são uns felizardos numa sociedade cada vez mais pobre e com carências... O que vocês fazem, provam o que é pobreza de espírito. Que merda andar sempre a sentir isto de vocês. É um desalento que já não existe paciência. Não tinha custado nada e eu escusava de me sentir assim. Ficou devidamente anotado.». Repare-se que nesta altura da época desportiva o Sporting tinha vencido a Taça ..., e disputava a vitória na Liga ..., na Taça ... e na Liga.... Nesta fase - e com razão - o signatário sentia já que a equipa (perdendo ou ganhando) não tinha o apoio do P.... Pelo contrário, qualquer facto servia para que o signatário e os seus colegas de trabalho fossem severamente criticados, de forma pública. Com as suas constantes intervenções públicas, a Sporting Clube de Portugal -Futebol SAD (através do seu P...) provocou um constante afastamento dos adeptos face aos elementos da equipa, criando a imagem que os jogadores não eram profissionais, e que essa atitude afastava as hipóteses de conquistas desportivas. Salvo o devido respeito por opinião diversa, é importante que nas relações jurídico-desportivas haja lealdade, o que neste caso não existia. O subscritor trabalha, e vive, em .... À semelhança, aliás, da sua família, são pessoas conhecidas e integradas nos meios em que se inserem, e que prezam boas relações sociais, em especial a sua intimidade e segurança. Foi comum que o subscritor fosse interpelado na rua acerca da prestação da equipa, abordado por adeptos insatisfeitos e que repetiam as palavras que o P..., publicamente, proferia. Passou o subscritor a ter dificuldade em levar uma vida normal, por ser alvo de animosidade na rua, em restaurantes, e até nos meios de comunicação social. A crítica sobre os jogadores passou a ser objecto permanente de tópicos de conversa nas diversas redes sociais, inclusivamente, pelo menos desde Março de 2018, o signatário passou a recear deslocar-se em locais públicos, pois fosse onde fosse era abordado por adeptos. Ou seja, a pressão e temor que o P... incutiu internamente passou a manifestar-se também externamente, provocando angústia, indignação, e sentimento de desrespeito profissional ao signatário, e a toda a equipa em geral. Tal crispação teve o apogeu no jogo que se realizou em ..., na primeira mão dos ... da Liga ..., em que a equipa viria a perder par 2 a 0. Infelizmente, o signatário lesionou-se no dia ... de Março de 2018, ao serviço da Seleção ..., o que afastou a possibilidade de representar o SCP numa das competições mais emblemáticas do mundo do futebol. Acalentava fortes expectativas de poder atuar num dos mais reconhecidos palcos Europeus, mas, acima de tudo, poder ajudar a equipa na conquista de um troféu tão prestigiado como aquele - o que, nessa fase da época, significava que o trabalho feito até então estava no caminho correto, com provas já dadas, aliás, mediante a vitória no primeiro título nacional em disputa no ano civil de 2018 - título esse que foi o primeiro da história do clube nessa competição. Por isso, foi com enorme desilusão que o subscritor se viu impedido de participar no referido jogo, não deixando contudo de se sentir envolvido no grupo que ia jogar, e no trabalho coletivamente realizado para atingir mais um objetivo. Pese embora se compreenda a frustração de uma derrota - nós, jogadores, somos os primeiros a sofrê-la - nada prepara um grupo coletivo de trabalho para o que se viria a seguir por parte do P... da Sporting Futebol Clube - Futebol SAD, que publicou o seguinte nas redes sociais: "LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...! O que queria ter visto: Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22. O que vi: Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada. LL e MM afazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não é pouco) marcarem. FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava. De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro... OO e PP? "não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito. QQ a ser "intocável", sendo que "pediu" amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante. Um livre não assinalado encostado à grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos. Uma falta aos ...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes. LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN. E, para terminar, RR aos ...m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto. O ... não dominou mas venceu por 2-0. O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez. Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. É possível? É! Era necessário este resultado de hoje? Não! Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento. Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!' Como já supra mencionado, enquanto atleta, profissional e dedicado, o signatário não pôde deixar de se sentir vexado e indignado, como o ficaram também os seus colegas de equipa, jamais imaginaria o grupo que o responsável máximo do SCP-SAD, ao invés de tentar agregar jogadores, direção e adeptos para os desafios que se avizinhavam: optasse por assumir uma atitude crítica, severa, e que em nada ajuda os atletas a manter uma postura emocional adequada em alta competição. Em resultado dessa mesma publicação, os jogadores solicitaram ao T... SS, uma reunião com o P... para o dia ... de Abril de 2018, ficando a mesma adiada para o dia ..., ou seja, após o jogo frente ao .... Assim sendo, os jogadores reuniram-se em ..., nesse mesmo dia, para discutir as ações a tomar para poder restabelecer o bom nome e honra dos mesmos. Em resultado dessa mesma reunião, foi elaborado um texto com o seguinte teor: "Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantel, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos. Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir! Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumir as nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer! Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos! Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito é uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu”, mas sim "Nós" e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer. No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante. Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e glória sempre! Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre! Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta... Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a publico as declarações do nosso P..., após o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege pelo esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo. Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar. Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo pelo Sporting Clube de Portugal. Somos Sporting Clube de Portugal." Também o subscritor assumiu esta mensagem no dia ... de Abril de 2018, através da conta do Instagram (...). Minutos antes da referida publicação, os capitães receberam uma mensagem do P... com o seguinte teor: "Boa tarde. Após o jogo do ... vamos ter a conversa mais séria que vocês tiveram na vossa vida. Tenho 4 filhas e não tenho paciência para amuos ou falsos profetas. Vão perceber de vez, o vosso lugar. Crianças amuadas não pertencem ao Sporting a não ser o da .... Abr". Com o supra mencionado comunicado, os atletas tentaram apenas repor a sua honra e bom nome, manifestando o seu desagrado pelo facto de o P... ter colunado na praça pública algo que, salvo o devido respeito, deveria ter sido dirigido apenas ao plantei. Nenhuma expressão vexatória foi usada, nem foi ofendida a honra ou o bom nome de ninguém. No mesmo dia e apesar de se recusar a reunir com os jogadores, o presidente de pronto respondeu ao comunicado dos jogadores, com o seguinte texto: "MENINOS AMUADOS, ENTÃO VAMOS RESOLVER... No Sporting CP não se vive na república das Bananas. Todos os atletas que escreveram o que em baixo descrevo, estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube. já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como por exemplo os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários mais baixo possível. Estas crianças mimadas julgam que vão longe, mas desta vez a minha paciência esgotou-se para quem acha que está acima do clube e de qualquer crítica. Começam com Somos Sporting e que não existe um EU mas um Nós, sendo que isso não passa de uma mera fantasia pois na realidade não o são. São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhes interessa o Eles." Foi assim, novamente, o signatário afetado na sua honra, bom nome, e dignidade profissional. Pior, aparentemente havia sido sujeito a uma medida disciplinar, comunicada, pasme-se, pelas redes sociais. Passou o subscritor a temer, naturalmente, pela manutenção do vínculo contratual com a SCP - SAD, porquanto aquilo que se tratou de uma defesa ao bom nome e honra originou, de imediato, uma decisão de suspensão. A situação ficou deveras pior, quando o pai do subscritor recebeu um telefonema do P..., afirmando e ameaçando: "o puto que tire o comentário, senão vai haver problemas". Assim sendo, o signatário ficou, também, com a sua liberdade coartada. Não só a liberdade de expressão, mas também de vida privada, porquanto como se poderá imaginar a contestação pública aos jogadores, especialmente após um mau resultado, tornou praticamente impossível circular na via pública sem sentir receio, justificado, de represálias dos adeptos. Nesse mesmo fatídico dia ... de Abril de 2018, o subscritor recebeu no email uma nota de culpa de abertura de procedimento disciplinar em que, no seu essencial, era imputado o facto de o post supra mencionado constituir "clara afronta e desrespeito dirigidos à mais alta figura da Sporting SAD, o seu P..., que foi publicamente criticado (...) Nesse preciso momento, o subscritor temeu, intensamente, pela carreira profissional, e nessa noite não dormiu, sequer, um minuto - relembre-se, a vida era praticamente vivida ..., .... Apenas no dia seguinte, ... de Abril, véspera do supra mencionado jogo com o ... para a Liga ..., foram os jogadores informados que não seriam suspensos. Contudo, foram igualmente advertidos, mesmo em véspera de um jogo importante, que os procedimentos disciplinares iriam prosseguir. No supra referido dia ... de Abril à tarde, decorreu uma reunião no estádio de ... em que esteve presente o plantei, ..., Team Manager e o P... do SCP, que se encontrava visivelmente alterado - acusou os capitães de organizarem o protesto, demonstrando por diversas vezes reações agressivas. Sempre argumentou o P... que "eu sou ..., eu faço o que quiser e escrevo o que quiser, onde quiser", abandonando mesmo a referida reunião. Só com a intervenção do..., que acalmou o grupo, foi decidido seguir para a ... para poder treinar, desconhecendo se seriam deduzidas, ou não, efetivamente, as mencionadas notas de culpa. Depois do treino, foram informados que existiria nova reunião com o P... no ..., o que efetivamente ocorreu, mas sem qualquer resultado prático, concluindo o P... que "Vou tirar a suspensão, o ... pode convocar quem quiser, é o Rei do Clube, mas os processos vão continuar". Após a viagem da ... e já em ..., os jogadores tinham adeptos à espera, quer no aeroporto, quer no próprio estádio de ..., em zona interdita, que gritavam palavras de ordem, quer, de apoio ao P... TT, quer de impropérios, e insultos aos jogadores, nomeadamente aos ... e jogadores UU e VV. Reafirma-se que estes factos são públicos e notórios e, em circunstância alguma, especialmente acautelados ou reprimidos pela Direção do Sporting Clube de Portugal, deixando os jogadores à sua sorte e à mercê dos acontecimentos, premeditadamente à espera do lamentável desfecho que se tornou inevitável. Vivia-se um ambiente de enorme crispação e "guerrilha", em relação a toda a equipa de futebol profissional do SCP. Na segunda feira, dia ... de Maio de 2018, para as ...horas, foi marcada uma reunião, entre os jogadores e a direção do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, onde estiveram presentes o seu P..., acompanhado por 3 membros da direção e o T..., SS, bem como todos os jogadores. Logo de início foram os jogadores surpreendidos com a antecipação do treino de quarta para terça feira. E como quem adivinha engulhos e maus presságios, o ... lá foi dizendo: "aconteça o que acontecer... estão todos preparados para jogar no fim de semana?... "VV porque fizeste aquilo ao chefe da claque? Logo a ele., tenho um problema tremendo... ou tentar resolver a situação”. Terminou a reunião dizendo:"... amanhã vão treinar ...e preparar bem o jogo para ganhar a taça"; referindo, também que nessa semana lá passaria, só não saberia quando. Na terça feira, dia ..., não compareceu o T... SS contrariando o que sagradamente fazia em todos os treinos anteriores. Antes desta reunião, tiveram os jogadores conhecimento da notícia de que a direção do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD deixava de contar com a equipa técnica de futebol profissional. No seio dos jogadores e no próprio signatário, gerou-se um clima de desconforto, estupefação e desamparo. Estávamos a 6 dias do clube disputar a final da taça ... que tanto significado tinha para os jogadores e adeptos. Nessa terça feira, ... de maio de 2018, WW informou alguns jogadores que tinha sido suspenso na reunião do dia anterior e que ia comunicar isso mesmo a todos os jogadores no treino, mas como não havia nota de culpa, manter-se-ia em exercício de funções. Vejamos os factos ocorridos nesse dia ... de Maio de 2018, terça feira: - O treino de campo estava marcado para as 18horas; - O... WW estava no seu gabinete a preparar o treino; - Pelas ... horas os jogadores foram para o ginásio; - Quando acabaram o trabalho específico de ginásio, dirigiram-se ao balneário para se equiparem para o treino; - De repente, rebentando tudo quanto lhes aparecia pela frente, começou a entrar um grupo de cerca de 40/50 indivíduos encapuzados no balneário, agredindo jogadores, elementos da equipa técnica, médica e funcionários. - Vinham munidos de cintos e bastões, utilizando-os para perpetraras agressões, lançando petardos e tochas; - Ao mesmo tempo gritavam: "VOCÊS SÃO UNS FILHOS DA PUTA CABRÕES; VOCÊS SÃO UM MONTE DE MERDA, VAMO-VOS MATAR, VOCÊS ESTÃO FODIDOS, VAMO-VOS ARRENBENTAR A BOCA TODA, NÃO GANHEM NO DOMINGO QUE VOCÊS VÃO VER" - Nesse momento, encontrando-se o signatário já no balneário com os seus colegas, aterrorizado com o que se lhe deparava, foi abordado por um invasor que o fitou deforma trespassante que, apesar de encapuzado, reconheceu como um seu colega da escola secundária de ..., referenciado como muito problemático. Intimado para permanecer quieto, não foi agredido. Provavelmente devido a essa circunstância. - Indivíduo que, horas mais tarde, foi identificado pelo signatário na esquadra da polícia. - O signatário permaneceu imóvel e gélido, observando as cenas de horror que ocorriam no balneário, não lhe saindo da memória o sangue, os gritos de aflição e dor dos seus colegas e o sofrimento por nada poder fazer. - Os agressores agarraram e bateram no XX e ordenaram-lhe que tirasse a camisola por não ser digno dela. - Deforma impiedosa, foram ainda agredidos, a soco, pontapés, bastonadas, em qualquer parte do corpo, entre outros, jogadores como PP, VV, UU, YY, ZZ, RR, AAA e o próprio treinador que acorrera ao balneário. - O signatário, tal como todos os presentes no balneário, temeu pela vida. - A partir de certo momento o descontrolo e a sede de vingança por parte dos agressores era tal que julgou não conseguir sair dali vivo. Para memória futura e dada a sua importância, anexam-se recortes da revista "V..." e jornal "E...", bem elucidativos do que acaba de se expor. Nos 3 dias seguintes em que o signatário permaneceu na ... em ... não conseguiu sequer dormir ou reagir. As cenas do dia ... atormentavam-no a cada Instante. Decidiu sair e refugiar-se em casa do pai JJ. Por ter identificado um dos agressores, o temor adensa-se em cada dia que passa e a verdade é que, nos dias de hoje, acorda em sobressalto e teme sair à rua. Por muito que tente convencer-se da possibilidade, a verdade é que não vai conseguir mais voltar ao local onde passou 8 anos da sua vida, que apesar de ter sido a casa que o acolheu, foi onde passou pela experiência mais traumática que alguma vez possa ter memória. Nem nos dias em que a fome tanto o atormentou. Não suporta ver partir os seus ídolos ou viver na incerteza de que, se amanhã, o jogo ou jogos lhe corram menos bem, como reagirão aqueles dirigentes que não o apoiaram quando mais precisou e que foram os autores de toda esta instabilidade De notar, que no final da taça de Portugal, apesar de não ter jogado, foi apupado, ameaçado e insultado. Após essa final e a conselho de alguns amigos refugiou-se no ... do país onde passou alguns dias. Ainda assim, as terríveis memórias não desapareciam. Regressou a ... a casa do pai, de onde só sai, para procurar manter a forma física, sem que não haja um instante sequer que não olhe para o seu futuro com enorme desconfiança no Sporting Clube de Portugal Sentimentos que o percorrem até ao dia de hoje, até porque continua a receber mensagens ameaçadoras no seu telemóvel. Todas as condutas acima descritas do P... do Sporting Clube de Portugal e da sua SAD, reforçadas pelo que resulta do magistrado de Instrução Criminal, titular do processo, são suficientes para destruir irremediavelmente a relação de trabalho existente, bem como a segurança e confiança que o signatário neles deveria depositar. A forma como o ataque a ... ocorreu não pode deixar de configurar negligência grosseira que confere justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 394, n.o92, al. b) e d) do Código de Trabalho. Veja-se a título de exemplo: - A facilidade com que os agressores entraram na ...; ■ O conhecimento que tinham e que as levaram aquilo que habitualmente e na gíria se intitula do 'santuário sagrado" do futebol - o BALNEÁRIO; ■ Que o que aconteceu foi uma coisa "chata”; - A falta de imagens e controle na segurança da ...; - A forma como alguns agressores e co - autores entraram e saíram da ...; - As críticas publicamente feitas à equipa de futebol Não é indiferente o facto de alguns dos responsáveis pelo ataque de ... terem fugido com a agravante de o signatário ter identificado um agressor que está detido. O signatário foi e continua a ser alvo de violência psicológica, o que não pode deixar de constituir justa causa, para que, preservando a sua dignidade pessoal e profissional, o libere do contrato que o liga ao Sporting de Portugal – Futebol SAD. Não pode o signatário hipotecar a sua carreira que agora começa. Tem o direito de exercer a sua profissão em condições de certeza, dignidade que lhe não estão a ser proporcionadas. Cresceu no Sporting com o objetivo de se tornar homem, um futebolista de referência na história do clube, mas cujo projeto deixou de existir e de que já não acredita. Pelo exposto, e pese embora o grande respeito que lhe merecem os muitos sportinguistas de todo o mundo, declara o signatário resolvido o seu contrato 'de trabalho desportivo que celebrou com o Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, nos termos do disposto no artigo 23B, n° 1, alínea d)e B3 do RJCTD. Em consequência, aguarda que lhe sejam liquidados todos os créditos laborais a que tem direito, assim como a indemnização a que alude o disposto no artigo 24- do RJCTD, reservando-se-lhe o direito de peticionar o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial que sofreu. Com os meus melhores cumprimentos (AA)" 1.6. O contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Demandante e a Demandada esteve em vigor entre 14 de setembro de 2017 e 15 de junho de 2018; 1.7. Em 28 de junho de 2018, o Demandante remeteu, por meio de carta registada com aviso de receção, cópia da carta de rescisão às seguintes entidades: LIGA, FPF e SJPF; 1.8. Em 1 de agosto de 2018 a Comissão Arbitral Paritária (adiante "CAP") proferiu no âmbito do Processo 12-CAP/2018 a seguinte decisão: "Tudo visto e ponderado, acordam os membros desta Comissão Arbitrai Paritária do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, em julgar válida, para efeitos meramente desportivos, a rescisão do contrato operada pelo Jogador AA, e, em conformidade, reconhecer o direito do mesmo à desvinculação desportiva. 1.9. O Demandante começou a jogar futebol com seis anos de idade no ..., tendo transitado para as escolas do ... e não tendo aí permanecido por falta de condições; 1.10. Com cerca de doze ou treze anos de idade o Demandante foi viver para a ..., onde passou a ter formação e onde viveu até aos dezoito anos de idade, sendo que era na ... que pernoitava, onde comia as suas refeições e de onde saia e para onde regressava da escola; 1.11. O Autor fez praticamente toda a sua carreira de futebolista no Sporting, tendo ingressado nos escalões de formação da Ré aos 9 anos de idade, na época desportiva de 2008/2009. 1.12. Toda a evolução desportiva do Demandante foi ao serviço da Demandada, tendo começado a sua carreira no escalão de juvenis, passando a júnior, até que começou a jogar na equipa de futebol profissional B da Demandada, tendo sido treinado, desde 2011, por BBB; 1.13. Ao longo dos anos em que representou o Sporting, o Autor integrou, por diversas vezes, o plantel das equipas de escalões superiores ao seu, tal tendo sucedido também aquando da sua chamada à principal equipa Sénior, 1.14. O Autor era uma clara aposta desportiva para integrar o plantel da equipa principal do Sporting; 1.15. O Autor era e é um atleta jovem e promissor, relativamente ao qual a Ré perspetivou uma valorização económica e desportiva exponencial; 1.16. Na época desportiva 2017-2018, o Demandante foi chamado pelo ... WW para a equipa profissional A da Demandada; 1.17. Em ... de março de 2018, ao serviço da equipa A da Demandada, o Demandante sofreu uma lesão muscular no jogo diante o F..., a contar para a Liga ..., posteriormente agravada ao serviço da ..., em jogo disputado na ..., em... de março de 2018, do qual saiu lesionado aos ... minutos; 1.18. Tal lesão incapacitou o Autor até ao final da época 2017/2018, tendo reiniciado os trabalhos na última semana de treinos da equipa, em maio de 2018, e de forma condicionada; 1.19. Durante todo o período referido, de... de março até ao final da época, o Autor continuou integrado na equipa de futebol profissional ... da Demandada, mas não integrou qualquer convocatória relativa aos jogos do Sporting. 1.20. Durante o período, o Autor realizou trabalho específico de reabilitação, submetendo-se aos respetivos tratamentos. 1.21. Durante tal período a Ré envidou esforços no sentido da plena reabilitação do Autor, tendo-lhe proporcionado as condições que estavam ao seu alcance para uma célere e eficaz recuperação. 1.22. Durante o período da lesão, o Autor não acompanhou a equipa nas deslocações fora de casa e não acompanhou os seus colegas nos respetivos estágios de preparação para os jogos; 1.23. Durante o período da lesão o Autor equipou-se no mesmo balneário dos restantes colegas e compareceu nos jogos que se realizavam no ..., apesar de não treinar com a equipa; 1.24. Até à sua lesão, o Autor disputou, na época desportiva de 2017/2018, pelo menos um total de 24 partidas oficiais, em jogos a contar para diversas competições internas e internacionais; 1.25. O Demandante, na época desportiva 2017/2018 jogou dois jogos ao serviço da equipa... da Demandada; 1.26. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de março de 2018; 1.27. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado em ... de abril de 2018, pelo que não se deslocou à capital ...; 1.28. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de maio de 2018, no ...; 1.29. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de maio de 2018, no ...; 1.30. Durante a época desportiva 2017/18 a gestão do futebol profissional do Sporting estava sob o controlo direto do P... da Demandada, TT; 1.31. O P... mantinha contacto direto com a equipa profissional de futebol da Demandada, utilizando como meio de comunicação o instrumento "sms's” e "whatsapp", por intermédio dos ..., YY e XX; 1.32. Os ..., que eram os porta-voz do plantei, transmitiam o teor das mensagens do P... da Demandada à restante equipa; 1.33. Em ... de Março de 2018, após o jogo do Sporting vs. ..., no qual o Sporting ganhou por 2-0, o P... TT enviou, via whatsapp, aos ... as seguintes mensagens: «Boa noite. E depois dizem-me que eu não defendo o grupo. Vocês são uns convencidos que não respeitam nada nem ninguém. Agora podem ir mostrar isto ao grupo, ficarem amuados mas realmente é uma deceção as vossas atitudes. Quanto ao jogo, feliz pela exibição, plena de Atitude e Compromisso, Um dia importante dedicado aos pais (com os jogadores a entrarem com os filhos), e ao enorme KK (pontapé de saída pelo seu filho, camisolas e inauguração da ...). Que melhor forma de fazer estas duas homenagens do que ganhar e proporcionar um sorriso e uma alegria a todos os que vivem este Clube. Mas hoje também era o início de uma acção de solidariedade que os jogadores decidiram ignorar. Aqui não existem toupeiras, emails estranhos, jogos pagos para perder, vouchers, frutas ou seja lá o que for, mas temos de ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo Clube. Ganhar jogos é bom, mas faz parte de servir este Clube. Mas isso não esconde tudo, nem servirá de desculpa para este tipo de atitudes.». «O Sporting CP é um Clube com princípios, valores e regras, e quem não souber o que são regras vai ter de as aprender rapidamente. Um dia que tinha tudo para ser um grande dia, mas que fica manchado e não existe razão para isto. Eu vivo 24h para este Clube. Amo-o com todas as minhas forças. Não posso assistir deforma impávida e irresponsável a estes actos de vedetismo Para mim, as vedetas do Sporting CP sempre foram e sempre serão aqueles que lhe juraram ser fiel e amor eterno! Os Adeptos e, sobretudo, os Sócios! São estas atitudes que me deixam cada vez mais intrigado, pois nas restantes modalidades nunca se assistiu a coisas destas. Quererá isto dizer que o dinheiro que se ganha é proporcionalmente inverso ao respeito que acham que têm de dar pelos pedidos do clube? E qual é o papel dos ... no seio dos grupos?». «Vocês são uns felizardos numa sociedade cada vez mais pobre e com carências... O que vocês fazem, provam o que é pobreza de espírito. Que merda andar sempre a sentir isto de vocês. É um desalento que já não existe paciência. Não tinha custado nada e eu escusava de me sentir assim. Ficou devidamente anotado.». 1.34. No dia ... de abril de 2018, a equipa ... da Demandada perdeu por 2-0 com o ..., na primeira mão ... da Liga ..., não tendo o então P... TT acompanhado a equipa; 1.35. Nesse mesmo, ... de abril de 2018, o P... da Ré, TT, publicou na sua página da rede social Facebook o texto com o seguinte teor: «LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...! O que queria ter visto: Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22. O que vi: Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada. LL e MM afazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não ó pouco) marcarem. FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de "fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava. De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro... OO e PP “não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito. QQ a ser "intocável", sendo que "pediu" amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante. Um livre não assinalado encostado a grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos. Uma falta aos...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes. LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN. E, para terminar, RR aos ... m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto. O ... não dominou mas venceu por 2-0. O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez. Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. E possível? É! Era necessário este resultado de hoje? Não! Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento. Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!'». 1.36. Os ... do Sporting transmitiram o conteúdo da mensagem e das afirmações do P... TT aos restantes jogadores do plantei, que reuniram de imediato no quarto do hotel em que se encontravam hospedados em ..., para discutir a ação do P..., tendo ficado decidido que seria solicitada uma reunião ao P... do Sporting; 1.37. No seguimento da decisão tomada pelos jogadores no hotel em ..., estes reuniram com o T..., SS, por forma a que este contactasse TT a solicitar, em nome dos jogadores, a realização de tal reunião no dia seguinte ao jogo. 1.38. Em resposta, TT informou que a reunião não poderia realizar-se no dia ... de abril de 2018, em virtude de compromissos previamente agendados, nomeadamente, a presença numa audiência realizada no presente Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do Processo n.o 62/2017, e, por outro lado, uma reunião na Procuradoria-Geral da República, na sequência de pedido de audiência endereçado àquela entidade em ... de março de 2018. 1.39. já em ... os jogadores, incluindo o Demandante, reuniram-se em ..., nesse mesmo dia ... de abril, para discutir as ações a tomar para poder restabelecer o bom nome e honra dos mesmos. 1.40. Entretanto, os ... receberam uma mensagem do então P... cio Sporting mostrando-se disponível para reunir com os atletas após o jogo com o ... pela qual demonstrou não ler paciência para amuos. 1.41. No dia... de abril de 2018, um grupo de jogadores do Sporting, entre os quais o Autor, partilhou nas respetivas páginas da rede social instagram um texto com o seguinte teor: «Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantei, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos. Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir! Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumir as nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer! Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos! Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito e uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu", mas sim "Nós" e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer. No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante. Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e glória sempre! Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre! Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta... Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a público as declarações do nosso P..., apos o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege peio esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo. Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar. Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo peio Sporting Clube de Portugal! Somos Sporting Clube de Portugal.» 1.42. O pai do Demandante recebeu um telefonema do P... TT a exigir a retirada do comentário do instagram. 1.43. No mesmo dia ... de abril de 2018, o então P... a Ré, TT publicou na sua página da rede social Facebook um outro post, com o seguinte teor: «MENINOS AMUADOS, ENTÃO VAMOS RESOLVER... No Sporting CP não se vive na república das Bananas. Todos os atletas que escreveram o que em baixo descrevo, estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube. Já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como por exemplo os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários mais baixo possível. Estas crianças mimadas julgam que vão longe, mas desta vez a minha paciência esgotou-se para quem acha que está acima do clube e de qualquer crítica. Começam com Somos Sporting e que não existe um EU mas um Nós, sendo que isso não passa de uma mera fantasia pois na realidade não o são. São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhes interessa o Eles.» 1.44. No dia ... de abril de 2018, a Ré moveu um processo disciplinar ao Autor, mediante o envio da respetiva nota de culpa nos seguintes termos: No seguimento da deliberação do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal — Futebol, SAD, de ... de Abril de 2018, foi intentado na mesma data contra AA (doravante "JOGADOR", ■TRABALHADOR ARGUIDO" ou simplesmente, TRABALHADOR"), processo disciplinar. Assim, nos termos previstos no Contrato Colectivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, na Lei 54/2017 de 14 de julho e no Código do Trabalho, foi elaborada a Nota de Culpa anexa que aqui se entrega. Ademais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de jogadores Profissionais de Futebol no seu artigo 16 n.°4 "com a notificação cia nota cie culpa, pode a entidade patronal suspender preventivamente o trabalhador, sem perda de retribuição, se a presença se mostrar inconveniente". Nesta medida, e por tudo o exposto na nota de culpa, o TRABALHADOR deverá considerar-se suspenso sem perda de retribuição a partir do dia 6 de Abril de 2018 uma vez que a sua presença criará instabilidade revestindo um inconveniente ao normal desenvolvimento da atividade. A resposta à nota de culpa deverá ser enviada ao cuidado dos instrutores atualmente nomeados no processo, a saber, Dr. CCC, Dr. DDD e Dra. EEE. Por fim, resta salientar que o processo se encontra à disposição para consulta na sede da Instaurante Sporting Clube de Portugal — Futebol SAD, nos dias úteis, das 15:00 às 18:00, mediante marcação prévia.». 1.45. Em anexo à carta referida no número anterior foi remetida ao Demandante uma Nota de Culpa, pela qual se imputam os seguintes factos: «1. No dia 05 de Abri) de 20113, a equipa da Sporting SAD defrontou o ..., em ..., em jogo a contar para os quartos de final da Liga ..., tendo sido derrotada por 2-0. 2. Após o fim do encontro, o P... da Sporting SAD publicou na sua página pessoal da rede social Facebook a seguinte publicação: LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...! O que queria ter visto: Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22. O que vi: Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada. LL e MM a fazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não é pouco) marcarem. FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de "fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava. De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro... OO e PP "não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito, QQ a ser "intocável", sendo que "pediu” amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante. Um livre não assinalado encostado a grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos. Uma falta aos ...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes. LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN, E, para terminar, RR aos ...m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto. O ... não dominou mas venceu por 2-0. O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez. Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. E possível? E! Era necessário este resultado de hoje? Não! Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento. Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!' 3. Ainda na noite do mesmo dia... de Abril, o Presidente da Sporting SAD tomou a iniciativa de, por via telefónica, intervir em directo num programa televisivo do debate desportivo, na ..., por entender que a sua publicação — que ali era objecto de discussão — estava a ser mal interpretada, procurando de viva voz esclarecer que na mesma se tinha limitado a fazer uma apreciação da prestação da equipa e que nela não podia ser lida qualquer tipo de critica dirigida aos jogadores. 4. Na madrugada do dia... de Abril, por volta das 2:00 horas, no hotel em que a equipa se encontrava alojada em ..., o team manager SS foi informado pelos capitães de equipa que o plantei pretendia reunir com o Presidente da Sporting SAD. 5. Após indagar junto do P... da Sporting SAD da sua disponibilidade para a pretendida reunião, e ter apurado que o mesmo sugeria que eia tivesse lugar no ... após o jogo seguinte da equipa — no Domingo seguinte, dia ... de Abril —, o T... SS transmitiu essa informação ao ... de equipa, YY, telefonicamente, peias ... do dia ... de Abril. 6. No mesmo dia ...de Abril de 2018, algumas horas após aquele contacto, o JOGADOR publicou no seu perfil pessoal da rede social Instagram uma fotografia com o símbolo do Sporting Clube de Portugal, acompanhado do seguinte texto: «Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantei, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos. Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir! Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumiras nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer! Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos! Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito e uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu", mas sim "Nós” e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer. No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante. Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e gloria sempre! Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre! Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta... Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a público as declarações do nosso P... apos o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege peio esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo. Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar. Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo pelo Sporting Clube de Portugal! Somos Sporting Clube de Portugal.» 7. A publicação realizada pelo JOGADOR é demonstrativa de uma clara afronta e desrespeito dirigidos diretamente à mais alta figura da Sporting SAD, o seu P..., que foi publicamente criticado pelo jogador. 8. A conduta assume-se como tanto mais grave quanto, por um lado, o P... da Sporting SAD tinha já na véspera assumido espontaneamente a pública defesa dos jogadores e, por outro, umas horas antes consentido na marcação de uma reunião para esclarecer eventuais questões de toda a equipa. 9. A conduta do JOGADOR é assim reveladora de profunda deslealdade para com a Sporting SAD e o seu P..., o que consubstancia inequívoca infração dos deveres que àquele se impõem em virtude da relação laborai que o une à Sporting SAD.» 1.46. Logo no dia seguinte, ... de abril de 2018, véspera do jogo com o ... para a Liga ..., o Demandante recebeu uma comunicação da Demandada com o seguinte teor: «No seguimento da comunicação de instauração de Processo Disciplinar ontem remetida por esta via, vimos pelo presente, em nome e a pedido do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informar que o mesmo deliberou fazer cessar a suspensão preventiva a que estava sujeito.» 147. No dia... de abril de 2018, realizaram-se duas reuniões entre o então P... da SPORTING, SAD e os jogadores, uma primeira no ... e a segunda na ..., nas quais o Autor esteve presente; 1.48. O objetivo das reuniões foi o de abordar o conflito criado entre o plantel e o P... da Ré, na tentativa de procurar soluções para o mesmo, tendo aquele explicitado os motivos por que publicou o post na sua conta de Facebook após o jogo com o ...; 1.49. Na primeira das reuniões havidas, ocorrida no..., o ambiente era de alguma tensão, em especial entre os ..., YY e XX, e o P... da Ré; 1.50. Nessa reunião ouviram-se os pontapés e os gritos do então P... TT no corredor enquanto os jogadores se encontravam à espera que ele entrasse no auditório. 1.51. Nesta reunião, o capitão XX acusou o P... TT de dar ordens ao FFF, líder da ..., para bater nos jogadores ou destruir os carros. 1.52. Ainda nessa reunião e na presença dos jogadores o P... telefonou, em alta voz, ao FFF, ... da claque ..., tendo este dito que não era verdade, que tal era mentira. 1.53. Na segunda reunião ocorrida no dia... de abril de 2018, na ..., o então P... da Ré informou os jogadores de que a suspensão seria levantada, embora os processos disciplinares fossem continuar; 1.54. Com as publicações nas redes sociais, com o telefonema para o pai de AA, com o instauração e subsequente arquivamento de processo disciplinar e com a aplicação e subsequente levantamento da pena de suspensão, a demandada, por via do então P... TT, colocou em causa o bom nome, honra e consideração do autor AA, causando-lhe angústia e vergonha. 1.55. A ... de abril de 2018 realizou-se em ... o jogo com o ..., tendo os jogadores sido aplaudidos pelos adeptos, inclusivamente aquando de uma "volta olímpica” ao estádio; 1.56. No princípio e no final do jogo disputado entre o Sporting e o ..., no dia... de abril de 2018, no estádio ..., o então P... da Ré foi vaiado pelos adeptos do Sporting; 1.57. No dia ... de Abril de 2018, o Demandante recebeu em mão uma comunicação da Demandada, datada do dia 12 de Abril com o seguinte conteúdo: «No seguimento da comunicação de instauração de Processo Disciplinar ontem remetida por esta via, vimos peio presente, em nome e a pedido do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informar que o mesmo deliberou arquivar o processo disciplinar a que estava sujeito.» 1.58. Nos jogos seguintes, a equipa teve uma série vitoriosa de cinco partidas consecutivas; 1.59. Depois do dia 7 de abril de 2018 deixou de haver contactos entre o plantel do Sporting e a ... da Ré; 1.60. Em... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 2 - 0; 1.61. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0; 1.62. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0; 1.63. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0; 1.64. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 2-1; 1.65. Apesar de após o jogo com o ... ter existido uma degradação do ambiente e das relações entre o então P... e o plantel, bem como entre as claques e o plantei, a... de maio de 2018, o ambiente entre a equipa e os adeptos estava a restabelecer-se; 1.66. No jogo disputado contra o ..., em ... de maio de 2018 os adeptos atiraram tochas para o relvado, mais concretamente para a ...do YY, mesmo após este YY se ter afastado; 1.67. Antes do jogo disputado na ..., a ... de maio de 2018, contra o ..., o ambiente entre a equipa e os adeptos era bom, tanto que bastava apenas que o Sporting vencesse esse jogo para assegurar o segundo lugar na Liga e, bem assim, ter acesso direito ao playoff da Liga dos...na época seguinte; 1.68. Em ... de maio de 2018, o Sporting é derrotado por 2-1 no estádio do ..., na última jornada da I liga, e perde o segundo lugar para o ... e a possibilidade de disputar a Liga dos ...; 1.69. Ao perder por 2-1 o jogo disputado contra o ..., o Sporting terminou em terceiro lugar na tabela classificativa da Liga ..., criando-se, em consequência, um clima de descontentamento no seio dos adeptos; 1.70. Ainda o jogo não tinha terminado, já os jogadores estavam a ser alvo de insultos por partes dos adeptos; 1.71. No final do jogo, o jogador VV dirigiu-se às bancadas onde estavam os adeptos do Sporting, tendo respondido e bracejado de forma exaltada; 1.72. Após o jogo, ainda no aeroporto da ..., alguns adeptos aproximaram-se dos jogadores e proferiram várias palavras de ordem, visando, em particular, VV; 1.7. Em face do sucedido, o jogador UU decidiu intervir e respondeu de forma agressiva ao ex-líder da claque ..., GGG; 1.74. O voo de regresso da equipa a ... ocorreu sem incidentes; 1.75. À chegada a ..., ainda no dia ... de maio de 2018, as provocações por parte de adeptos repetiram-se, quer no aeroporto de ..., quer na entrada da garagem do ...; 1.76. A responsabilidade pela gestão do espaço de estacionamento existente na garagem do estágio ... pertence a uma entidade terceira, a S..., S.A., no âmbito de um contrato de concessão celebrado com a Ré; 1.77. O Autor não vivenciou nenhum dos acontecimentos ocorridos no aeroporto da ..., no aeroporto de ... ou na garagem do ...; 1.78. HHH é ... da equipa ... de futebol profissional da Demandada efetuando a comunicação entre a equipa técnica e os jogadores; 1.79. A comunicação é feita pessoalmente, por telemóvel ou via whatsapp pelo próprio HHH; 1.80. Os jogadores têm conhecimento dos horários dos treinos através da afixação de um mapa semanal afixado no balneário no início da semana de acordo com as instruções dadas pelo treinador WW, com exceção do primeiro treino após o último jogo da semana; 1.81. A marcação do primeiro treino após um jogo é dado a conhecer aos jogadores através de mensagem enviada para os respetivos telemóveis, 1.82. A final da Taça de Portugal estava agendada para o domingo dia... de maio de 2018, a qual iria ser disputada pela equipa ... de futebol profissional da Demandada. 1.83. Antes do jogo da final da ... é obrigatório as equipas fazerem um treino oficial, um treino de adaptação no ..., o qual permite o acesso da comunicação social durante quinze minutos. 1.84. Por esse motivo, a data da realização do treino oficial no ... já se encontrava definida com antecedência pelo ... WW e por HHH, treino que iria ocorrer na terça-feira dia ... de maio de 2018, da parte da tarde. 1.85. No entanto, aquando do regresso da ... a ..., no dia ... e ainda no avião, WW comunicou ao então ... da equipa, HHH, vários planos quanto ao horário e localização do treino que se encontrava previsto para o dia ...de maio de 2018; 1.86. Assim, durante a viagem de regresso a ... após o jogo com a ..., o... WW decidiu alterar o locai do treino do ... para a ...; 1.87. Ainda durante essa mesma viagem, o ... WW informou HHH que terça-feira dia ... de maio seria dia de folga e que o primeiro treino após o jogo com o ... ocorreria na quarta feira dia ... de maio, da parte ..., tendo, logo de seguida pedido a HHH para não dar qualquer informação aos jogadores pois iria pensar qual seria o dia e hora do treino; 1.88. Acontece que, na tarde do dia ... de maio de 2018, o então P... da Ré reuniu, separadamente, com jogadores, equipa técnica e respetivo staff, no ...; 1.89. Nessas reuniões, o então P... da Ré procurou preparar a equipa para um cenário de despedimento do então..., WW; 1.90. Após as referidas reuniões, WW solicitou a HHH para informar os atletas para estarem na ... às 16 horas do dia ... de maio; 1.91. Pelas ...m do dia ...de maio, HHH comunicou aos jogadores, ao staff de apoio (refeitório e tratamento de relva) e à ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal) para estarem na ... às 16 horas; 1.92. A mensagem SMS enviada a todos os jogadores tinha o seguinte teor: «treino amanhã, para estar na academia às quatro»; 1.93. P... e administração da Demandada, presentes na reunião, sabiam que o treino se iria realizar na parte da tarde do dia ... de maio; 1.94. Na terça-feira, dia ... Maio de 2018, todos os jogadores e equipa técnica da equipa profissional da Demandada encontravam-se nas instalações da Academia, local onde se realizam os treinos; 1.95. Ao contrário do que era habitual não se encontrava presente o T... SS; 1.96. O T... SS passou a prestar serviços nestas funções para a Demandada pelo P... da Demandada TT; 1.97. O T... da equipa, SS, não esteve presente à hora do treino agendado para dia ... de maio de 2018, por se encontrar em reunião por conta do processo designado por ...; 1.98. SS interrompeu essa reunião na sequência da notícia da invasão, tendo-se deslocado à Academia em seguida; 1.99. A equipa técnica e os elementos do staff que fazem a preparação e a marcação do terreno antes do início treino encontravam-se no campo de treinos; 1.100. O acesso à ...da Demandada em ... é efetuado através de um portão automático; 1.101. No dia ... de maio de 2018, aquando da invasão de adeptos à ..., pelas cerca das ...horas, encontrava-se um vigilante de serviço na portaria da..., III; 1.102. Nessa portaria, para além do controlo efetuado às entradas das viaturas e às pessoas que se deslocam à ..., é efetuado, vinte e quatro horas por dia, um controlo às instalações por sistema de videovigilância, através de um sistema de monitores e de uma consola que permite direcionar as câmaras nos diferentes complexos da ...; 1.103. No dia ... de maio de 2018, à hora dos acontecimentos, o sistema de videovigilância encontrava-se em funcionamento; 1.104. Após o portão automático encontra-se uma cancela a qual é operada por um segurança que se encontra no edifício da portaria situado do lado direito de quem transpõe o referido portão de acesso; 1.105. Escassos minutos antes das ...h, o ... de ... da Academia, JJJ encontrava-se nas instalações quando foi contactado pelo Oficial de... com os Adeptos, KKK, avisando-o de que um grupo de adeptos se encontraria a caminho da ...; 1.106. O KKK foi colocado nas funções de ... no mandato do P... da Demandada TT, pela mão do team manager SS. 1.107. Em face desse telefonema, o Diretor de ... JJJ contactou os Secretários ..., LLL e HHH, comunicando o teor da conversa tida com KKK, tendo ficado acordado que HHH contactaria SS, por forma a apurar se este estaria a par da vinda de adeptos à ..., e que JJJ contactaria de imediato a GNR, o que ambos fizeram; 1.108. MMM, encontrava-se na ..., era subordinado e reportava no diretor do departamento de ... da Demandada NNN; 1.109. NNN, diretor do departamento de... da Demandada, não se encontrava nas instalações da ..., mas sim no ..., não se tendo dirigido em nenhum momento à ..., nem posteriormente no posto da GNR; 1.110. JJJ contactou telefonicamente o comandante do posto da GNR do ..., OOO, requerendo a deslocação imediata da GNR ao local; 1.111. HHH e LLL fecharam as portas do edifício afeto à equipa principal que dão acesso ao exterior, sendo que este último contactou ainda PPP, ... da equipa, solicitando-lhe que trancasse igualmente as portas interiores; 1.112. Nesse dia, encontravam-se vários jornalistas no exterior da ..., em face da especulação existente em torno do eventual despedimento do de WW, e, ainda, motivados pela cobertura jornalística da operação policiar denominada de ...; 1.113. Aquando da chegada à ... do grupo, composto por cerca de ... adeptos, o ..., III, encontrava-se a identificar uma viatura, no espaço que intermedeia o portão e a cancela da ...; 1.114. Nesse momento, o portão da ... encontrava-se aberto, como habitualmente sucede no horário diurno; 1.115. A entrada dos indivíduos deu-se forma compacta pelo portão de entrada, tendo sido possível a captação integral das movimentações do grupo, através do sistema de videovigilância; 1.116. Aquando da chegada do grupo de adeptos à ..., III avisou de imediato JJJ, que se encontrava junto dos jogadores; 1.117. JJJ telefonou novamente à GNR avisando o Primeiro-sargento que os membros da claque haviam acabado de aceder às instalações da ..., 1.118. Entre o telefonema do ... KKK e a chegada dos adeptos encapuzados à entrada das instalações da ... decorreram dez a doze minutos. 1.119. O portão principal de acesso à ... permaneceu aberto, não tendo sido dada nenhuma instrução para ser fechado. 1.120. As instalações da ... são cercadas por um muro de reduzida altura; 1.121. Após a entrada do grupo de adeptos, III permaneceu atento no seu posto, seguindo o grupo pelas câmaras de videovigilância, procurando registar todos os movimentos dos adeptos e recolhendo, ininterruptamente, imagens do ataque 1.122. Até à chegada do grupo de adeptos às instalações da ..., não era possível saber se se tratava de uma visita pacífica, como aconteceu por outras vezes no passado, ou, ao invés, de uma invasão como a que se veio a verificar; 1.123. A unidade de polícia comummente designadamente por "spotters" não tinha qualquer conhecimento da invasão à ... que estava prestes a acontecer. 1.124. Os invasores, correndo pela estrada de acesso junto à vedação, dirigiram-se à ala profissional, virando à direita na área da formação em direção aos campos de treino da formação e, contornando os edifícios, avançaram para os campos de treina da área profissional; 1.125. JJJ foi ao encontro dos primeiros elementos do grupo, tendo procurado demover o mesmo, embora sem sucesso; 1.126. Preocupado com a possível presença dos jogadores nos campos de treino, HHH contactou telefonicamente LLL, solicitando que este fosse para junto dos campos, uma vez que os indivíduos estavam a aproximar-se; 1.127. O grupo dirigiu-se primeiramente aos campos de treinos n.os 2 e 3, encontrando apenas LLL, QQQ, assessor de comunicação da Ré, e WW, a quem atiraram "tochas”; 1.128. Posteriormente, parte do grupo de invasores dirigiu-se para a ala profissional, onde estes tentaram arrombar as portas que encontravam, embora sem sucesso, uma vez que as mesmas já haviam sido previamente fechadas por funcionários da Ré; 1.129. JJJ continuou a tentar demover o grupo de indivíduos à medida da sua progressão no terreno ..., inclusivamente, com a ameaça de que os elementos da GNR estavam prestes a chegar ao local, sem, no entanto, lograr qualquer sucesso, tendo, inclusivamente, sido agarrado, empurrado e ameaçado com uma tocha aberta junto à sua cara; 1.130. Alguns indivíduos do grupo arremessaram "tochas", quer para a cobertura do edifício, quer para uma zona nas proximidades com vegetação, quer ainda para debaixo das viaturas que se encontravam estacionadas; 1.131. Alguns elementos do grupo, após verem jogadores empoleirados a tentar espreitar peias janelas do balneário, dirigiram-se para o interior do edifício; 1.132. Um grupo de invasores alcança a entrada principal do edifício da ala profissional, a qual tem portas de vidro de abertura automática por sensor de movimento, o qual não foi desativado, nem as portas trancadas, e que dá acesso ao átrio do edifício; 1.133. A chave que permite trancar esta porta de vidro está dentro de um chaveiro; 1.134. HHH fechou várias portas para exterior mas não a referida anteriormente; 1.135. Uma outra porta, já no interior do edifício, que dá acesso ao corredor que, por sua vez, dá acesso a gabinetes de trabalho e ao balneário, havia sido fechada por dentro, sendo apenas possível proceder à sua abertura pelo interior da mesma; 1.136. Porém, RRR e SSS, funcionários da Ré que se encontravam a trabalhar nos seus escritórios, saíram por essa porta, após sinalizarem o fumo das tochas atiradas, tendo deixado a mesma aberta; 1.137. Os invasores acederam ao corredor de acesso aos gabinetes e ao balneário pela referida porta. 1.138. A porta do balneário foi forçada pelos invasores 1.139. Ainda assim, HHH procurou fechar a porta de acesso ao balneário, tendo sido impedido pelo então ... da equipa, TTT, por temer as consequências que isso poderia acarretar para o ..., WW, que ainda se encontrava no exterior. 1.140. Dentro do vestuário do balneário encontravam-se, pelo menos, vinte jogadores mais dez elementos do staff. 1.141. O Demandante encontrava-se dentro da zona do balneário onde os jogadores se equipam; 1.142. O ambiente era de uma confusão generalizada; 1.143. Um dos indivíduos deflagrou uma tocha dentro da zona dos cacifos do balneário. 1.144. Com o arremesso de material pirotécnico, o alarme de incêndio da ... disparou; 1.145. No interior do balneário, o grupo ameaçou e agrediu alguns jogadores, em particular, VV, ZZ, UU, XX, YY e PP; 1.146. Ao lado do Demandante encontrava-se o jogador ZZ, que foi agredido com um cinto na cara; 1.147. O Demandante viu os seus colegas AAA, XX, VV e UU a serem agredidos; 1.148. O Autor não foi alvo de quaisquer agressões ou ameaças, tendo sido cumprimentado por um dos invasores e informado de que o que se estava a passar não lhe dizia respeito; 1.149. Após as agressões ocorridas no balneário da... o Demandante encontrava- se agastado, tal como os demais jogadores e membros do staff que ali estavam presentes, tendo-se deslocado ao posto da GNR do ... com os Colegas e demais membros do staff. 1.150. O grupo de adeptos esteve dentro dos balneários cerca de três minutos, após os quais saíram das instalações e puseram-se em fuga; 1.151. JJJ, avistando as forças da GNR a chegarem à..., alertou de imediato III para que este informasse os guardas da GNR de que no interior da ... já não se verificava qualquer invasão e que os membros do grupo se encontravam em fuga; 1.152. Disso informados, os guardas da GNR inverteram a marcha, tendo procedido à detenção de grande parte dos elementos do grupo; 1.153. Já na ..., os membros da GNR foram recebidos pelo Diretor de Segurança, que os encaminhou para uma sala onde se encontravam os jogadores e a equipa técnica; 1.154. Os funcionários da Ré, JJJ, HHH e LLL, juntamente com elementos da GNR, organizaram o transporte dos jogadores para o posto da GNR do ..., com vista à prestação de declarações e à identificação de alguns membros do grupo de invasores; 1.155. Elementos do Departamento jurídico ... da Ré, CCC e DDD, deslocaram-se igualmente ao posto da GNR no ... para acompanhar os jogadores e formalizar a competente participação criminal dos factos; 1.156. Os Secretários ... da Ré, HHH e LLL, bem como o ... e o Coordenador de..., JJJ e UUU, respetivamente, acompanharam nessa noite os jogadores, treinadores e demais funcionários da Ré, na deslocação destes ao posto da GNR; 1.157. A Ré emitiu um comunicado público a manifestar o seu repúdio face aos atos de violência perpetrados em ...; 1.158. A Ré colaborou com a PSP na colocação à disposição dos jogadores, através do PNIF ("Ponto Nacional de Informações do Futebol”], de um programa especial de proteção com acompanhamento próximo de agentes policiais no período subsequente à invasão da ...; 1.159. Nesse contexto, o Secretário ... HHH forneceu ao Autor um número de contacto direto da PSP, para o qual poderia ligar caso necessitasse de auxílio ou acompanhamento, 1.160. O Autor não chegou a fazer qualquer uso do contacto telefónico que lhe foi cedido; 1.161. Na noite da invasão à ..., o P... da Ré enviou uma mensagem ao Autor com o seguinte teor: Em meu nome pessoal e do Sporting quero pedir desculpa por este acto criminoso que hoje sucedeu. Garanto que todos os envolvidos serão severamente punidos. Podemos não estar sempre de acordo mas somos família. Muita força pois tens sido um jogador muito profissional e que veste a camisola com orgulho e atitude. Um abraço solidário TT; 1.162. A Ré retirou o seu apoio à claque ...; 1.163. No dia seguinte à invasão, dia ... de maio, em reposta ao contacto de VVV, o Demandante fez saber, por referência ao ataque: "foi muito complicado, eles foram muito violentos, mas depois falo contigo 1.164. Após a sequência de eventos que culminaram com ataque à ... da Demandada, existia uma situação de indefinição quanto à permanência ou a saída do P... TT, último responsável pela área do futebol profissional, bem como de toda a estrutura diretiva da Demandada; 1.165. Após o ataque à ..., o Autor permaneceu na mesma durante três dias, até dela ser retirado para a cidade do ... por iniciativa e decisão do seu pai; 1.166. A final da taça de..., em que participaria a equipa profissional ... da Demandada, encontrava-se marcada para o domingo seguinte (... de maio de 2018) ao ataque à ...; 1.167. Após uma recusa inicial dos jogadores em participar neste último jogo da temporada, estes acederam, numa reunião com WWW, no Sindicato dos Jogadores, em realizar o jogo; 1.168. Para efetuar os treinos para a final da Taça, os jogadores não quiseram utilizar mais os espaços da Demandada, em particular as instalações da ...; 1.169. Os jogadores e o ... não regressaram nem à ... nem ao ... da Demandada porque não se sentiam bem; 1.170. A Demandada providenciou o Hotel ..., no qual os jogadores teriam um piso de estacionamento e de quartos para seu uso exclusivo, e onde os jogadores se concentraram e de onde saiam de autocarro para o treino e para onde regressavam; 1.171. Era um hotel que dava garantias de privacidade e segurança; 1.172. Na final da taça de Portugal, apesar de não ter jogado, o Demandante foi apupado e insultado, tendo sido chamado de "filho da puta", "cabrões", "traidores”; 1.173. No dia ... de junho de 2018, por ocasião do aniversário do Autor, este recebeu do então P... da Ré, TT, uma mensagem de parabéns com o seguinte conteúdo "Forte abraço de parabéns campeão! TT, 1.174. O Demandante respondeu ao então P... da seguinte forma: "Obrigado Estamos juntos Boss 1.175. O Autor, já de férias, regressou no seu dia de aniversário à ... juntamente com os seus amigos; 1.176. No período que mediou entre 15 de maio e 15 de junho, o Autor partilhou fotografias na sua conta da rede social ..., nas quais figura a disfrutar do seu tempo livre; 1.177. Ainda antes do seu aniversário, o Autor viajou para ... e para o ..., onde disfrutou de um período de férias; 1.178. No dia ... de junho de 2018, o Autor reuniu-se com o seu pai, com o seu empresário, II, e com o seu advogado, XXX, no escritório deste último, sito em ..., onde foi redigida a carta de rescisão do contrato; 1.179. A carta foi enviada após terem ponderado quais os clubes que o jogador tinha hipótese de vir a integrar; 1.180. Entre essas equipas que teriam referenciado ou manifestado interesse em contratar o Autor, surgem o ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., L..., ... e ...; 1.181. De entre as alternativas que então se perfilaram, a preferência do Autor era por integrar os quadros da equipa do ...; 1.182. Mais tarde, o ... comunicou que não teria interesse em contratar o Autor, por força do litígio que o opõe à ora Ré; 1.183. O Autor viajou pela ..., juntamente com o seu pai e o seu empresário, com o intuito de apresentar a sua disponibilidade para se juntar aos quadros de algumas equipas europeias de futebol, nomeadamente, o ... e o ..., avaliando as suas opções no mercado; 1.184. O Autor entrou em negociações com a equipa do L..., por intermédio do seu agente, II que conhecia YYY, Diretor Desportivo do L...; 1.185. O L... tinha já referenciado e demonstrado interesse em contratar o Autor para a sua equipa principal de futebol; 1.186. No início de agosto de 2018, o Autor assinou um contrato de trabalho com o L...; 1.187. Entre as condições do contrato assinado com o L... constou um prémio de assinatura para o jogador, no valor de €1.500.000,000 (um milhão e quinhentos mil euros); 1.188. Por via da assinatura desse contrato, foi acordado para a I..., empresa do seu agente II, o recebimento de uma comissão no valor € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros); 1.189. Para o pai do Autor, foi acordada entre este e II, uma quota-parte dessa comissão, no valor de €325.000,00 (trezentos e vinte e cinco mil euros), enquanto prémio a incidir sobre a comissão conferida àquele agente; 1.190. Foi acordado que o Autor auferiria, na sua primeira época (com aumentos anuais), uma remuneração ilíquida de €100.000,00 (cem mil euros) mensais, a cujo valor acrescem prémios em função dos resultados da equipa e do desempenho do jogador; 1.191. O contrato celebrado entre o Autor e o L... não prevê qualquer cláusula de rescisão até porque a legislação francesa não prevê tal possibilidade; 1.192. Após a assinatura do contrato com o L..., surgiram algumas dificuldades com o registo e homologação do contrato de trabalho desportivo do Autor, em função de medidas de controlo financeiro aplicadas ao L... pela ...; 1.193. Em agosto de 2018, já com a comissão de gestão instalada no Sporting, em face das dificuldades em obter o registo e respetiva homologação do seu contrato de trabalho desportivo, o Autor contactou a Ré, na pessoa do seu ..., VVV, manifestando o seu desejo em regressar à equipa do Sporting; 1.194. Na sequência do contacto do Autor, e após confirmar o interesse do então P... da Ré, ZZZ, e do então... da equipa, AAAA, VVV, juntamente com o advogado BBBB, deslocou-se a ..., para averiguar do efetivo interesse do Autor em reingressar ao serviço da Ré; 1.195. Já em ..., o Autor almoçou com o seu "tio” (amigo de família), CCCC, com VVV e com BBBB, tendo sido discutido nesse almoço o eventual regresso do Autor ao Sporting e as condições necessárias para esse efeito; 1.196. Nesse almoço, ficou acordado que, na sexta-feira seguinte, por ocasião de uma pausa nos campeonatos nacionais decorrente da disputa de jogos pelas Seleções Nacionais, o Autor se reuniria com o então P... da Ré, ZZZ; 1.197. O Autor em nenhum momento nesse almoço, ou nas demais conversas que teve com o seu anterior ..., abordou qualquer questão relativa às condições de segurança propiciadas pela Ré; 1.198. No final de agosto de 2018, o Demandante deslocou-se a Portugal para participar num jogo da seleção nacional, tendo sido contatado pelo P... ZZZ para agendar uma reunião. 1.199. No dia ...de setembro de 2018, o Autor, acompanhado do seu “..." CCCC e do seu advogado XXX, reuniu-se com ZZZ, no seu escritório sito em ..., e com o advogado BBBB e DDDD; 1.200. Em resultado dessa reunião, o Autor enviou ao L... uma carta de rescisão do seu contrato de trabalho desportivo; 1.201. Após a receção da carta referida no ponto anterior, o L... entrou em contacto com o agente do jogador, II, o qual, de imediato, contactou por telefone o pai do jogador, JJ, que de nada sabia, por tal lhe ter sido omitido pelo Autor; 1.202. Em seguida, JJ telefonou ao Autor, não tendo este atendido a chamada, e, em seguida, a CCCC, que lhe confirmou que o Autor se encontrava reunido em ..., indicando-lhe a morada em questão; 1.203. JJ dirigiu-se então ao escritório de ZZZ, não tendo o Autor permitido a sua entrada; 1.204. Momentos após, visivelmente alterado e contra a vontade do Autor, JJ veio a aproveitar a entrada de um estafeta de pizzas para se introduzir no interior das instalações do então P... da Ré; 1.205. O Autor encontrava-se diante de um novo contrato de trabalho desportivo com a Ré no momento em que JJ irrompeu pela sala, interrompendo a reunião e impedindo o seu filho de assinar tal contrato; 1.206. No dia seguinte, ou seja, no dia ... de setembro de 2018, pela parte da manhã, o Autor reuniu-se com o seu agente, II, e com o seu pai, no Hotel ..., em ...; 1.207. Nessa reunião, o Autor, o seu pai e os seus agentes redigiram uma nova carta a revogar a carta de resolução do contrato de trabalho com o L... enviada no dia anterior; 1.208. Por ocasião da carta de rescisão enviada pelo Autor ao L..., o prémio de assinatura do agente do Autor ainda não tinha sido pago pelo L... e, por conseguinte, o pai do Autor tão-pouco tinha recebido a sua respetiva comissão; 1.209. No dia... de setembro, o contrato de trabalho desportivo que vinculava o Demandante ao L... foi homologado pela Federação Francesa de Futebol 1.210. O Autor era e continua a ser um dos jogadores mais valiosos e prometedores da sua geração; 1.211. O valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os €18.000.000,00 (dezoito milhões de euros); 1.212. A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional; 1.213. O Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré; 1.214. Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas; 1.215. À data da sua fixação, os valores estabelecidos nas cláusulas de rescisão são sempre superiores ao valor de mercado dos jogadores; 1.216. Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor €60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (...), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros); 1.217. Em agosto de 2019, o Autor foi transferido para o A..., tendo assinado um novo contrato de trabalho desportivo com esse clube a vigorar por 5 épocas desportivas. 2. Apreciação do recurso Uma vez que a eventual ampliação da matéria de facto pedida pelo Recorrente apenas se tornará necessária caso se conclua não se verificar o fundamento de anulação da decisão arbitral relativo à ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, importa começar por apreciar este último fundamento, apesar de não ter sido essa a ordem seguida pelo Recorrente nas suas alegações de recurso 2.1. A ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’ Sobre este tema, o recorrente formulou as seguintes conclusões: 30) O Tribunal a quo cometeu outro grave erro de direito, ao atribuir à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado (d.i.p.) 31) O Tribunal a quo extraiu tal significado de um manual de direito internacional privado, sem atender a que este ramo do direito e os seus institutos nenhuma aplicação podem ter em casos como o discutido nestes autos, que respeita a um litígio puramente interno, em que ambas as partes têm nacionalidade portuguesa, em que a obrigação cujo incumprimento se discutiu na arbitragem antecedente foi constituída em Portugal e aqui inexecutada e em que o litígio daí resultante foi dirimido por um tribunal arbitral sediado em Portugal, aplicando direito substantivo e normas processuais portuguesas. 32) A ‘reserva de ordem pública internacional’ ‒ instituto específico do d.i.p. previsto no art. 22.º do C.C bem como no art. 980.º, f) do CPC e no art. 56.º. n.º 1, b) ii) da LAV ‒ é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos o ao reconhecimento de uma decisão estrangeira. 33) Distinta dela é a ‘ordem pública internacional do Estado Português’ prevista na al. b) ii) do n.º 3 do art. 46 da LAV, que é uma noção de direito material e que funciona como bitola de determinação da tolerabilidade pela nossa ordem jurídica do resultado produzido por sentenças arbitrais que versam sobre situações regidas quer pelo direito português quer por direito estrangeiro, proferidas por tribunais arbitrais sediados no nosso país. 34) Na grave confusão em que, neste ponto, caiu o Tribunal a quo, não incorreu a grande maioria das decisões dos nossos tribunais superiores que decidiram sobre a aplicação da norma do art. 46.º, n.º 3, b) ii, da LAV. 35) A noção de ‘ordem pública de direito material’ pode definir-se como sendo o conjunto de princípios de um sistema jurídico, estabelecidos em função da proteção de interesses públicos fundamentais, sendo, portanto, contrários à ordem pública os factos ou situações intoleráveis perante princípios determinados por interesses sentidos pela comunidade como fundamentais. 36) É pacífico, na doutrina da especialidade, que a ‘ordem pública’ que intervém em sede de controlo de anulação das sentenças é composta não só por princípios, mas também por regras jurídicas, dotadas de maior ou menor precisão. 37) O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ de uma dada ordem jurídica tem, porém, um âmbito muito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica. 38) O conceito de ‘ordem pública’ que é operativo em sede de controlo de anulação das sentenças arbitrais, funciona como bitola ou padrão para se se determinar a legitimidade/validade da sentença arbitral, correspondente à reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no âmbito do qual aquela foi proferida, cuja falta gerará a sua anulabilidade com efeitos erga omnes. 39) Trata-se nesta sede de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários. 40) Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever um núcleo menos compreensivo designado por “ordem pública internacional”, que tem um conteúdo mais restrito (menos abrangente) do que a ‘ordem pública interna’. 41) É ao reduto normativo mais restrito e menos compreensivo ou abrangente geralmente designado por à ‘ordem pública internacional (de direito material)’ que se refere o art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV. 42) O facto de o legislador português se ter reportado no art. 46.º, n.º 3, b), ii) da LAV à noção de ‘ordem pública internacional’, suscitou fortes críticas de boa parte da doutrina portuguesa, tendo sido essa opção legislativa provavelmente devida ao receio de que os tribunais estaduais portugueses pudessem vir a anular, com excessiva largueza, sentenças arbitrais impugnadas com este fundamento. 43) Ao procurar identificar os princípios jurídicos que devem considera-se como abrangidos pela noção “ordem pública internacional”, a doutrina portuguesa têm acompanhado o entendimento seguido neste domínio pelas doutrinas alemãs, suíças e francesas e pelas jurisprudências dessas ordens jurídicas. 44) De acordo com esse entendimento, é de considerar como princípios ou regras integrantes da “ordem pública internacional”, além dos consagrados nas respetivas Constituições, as respeitantes ao combate às práticas corruptivas, aos tráficos criminosos e ao branqueamento de capitais, bem como o princípio pacta sunt servanda (compreendendo a fidelidade ao contratado e a lealdade contratual), o princípio da boa fé, o princípio da proporcionalidade, a proibição do abuso de direito, a proibição de vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e de medidas espoliadoras, as normas destinadas a proteger os civilmente incapazes ou os contratantes mais fracos e as destinadas a proteger os credores, no domínio dos regimes de falência ou insolvência. 45) Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça respeitante a esta matéria, seguiram este entendimento, nomeadamente, os acórdãos proferidos em 26.09.2017 (proc. 1008/14.4YRLSB.L1.S1), em 01.10.2019 (proc. 1254/17.9YRLB.S1) e em 07.09.2020 (proc. 1714/18.4YRLSB.S1). 46) No âmbito do direito civil, o ‘princípio da proporcionalidade’, enquanto veículo do controlo judicial do conteúdo dos contratos e fonte de critérios normativos para tal controlo seja exercido pelo julgador em conformidade com os valores fundamentais do sistema jurídico, remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual. 47) A aplicação deste princípio permite evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra. 48) Conforme têm realçado civilistas muito autorizados, é com esse sentido ou finalidade que o princípio da proporcionalidade pode intervir em sede de controlo judicial de cláusulas contatuais gerais, nomeadamente à luz do disposto nos arts. 15.º e 16.º do Regime Legal das Cláusulas Contratuais Gerais. 49) É igualmente o objetivo de evitar que uma das partes do contrato obtenha, num concreto caso de inexecução contratual, um ganho excessivo ou desmedido, à custa da outra parte, que está na base da possibilidade de redução equitativa da cláusula penal pelos tribunais, prevista no art. 812.º do C. Civil. 50) A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral julgou como parcialmente procedente a reconvenção reduzida pela Requerida contra o Requerente, formulada com base na cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, condenando o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de € 16.500.000,00. 51) É algo obscuro e muito incongruente raciocínio explanado pelo Tribunal Arbitral, na sentença que proferiu, para fundamentar, no plano do Direito, essa condenação. 52) O Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato que fora celebrado entre o Requerente e a Requerida (doravante “o Contrato”), por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do art. 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo disposição considerada como imperativa. 53) E daí deduziu que um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela proava fixando a quantia a pagar em tal eventualidade. 54) Aí chegado, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão). 55) Se porventura da sentença arbitral coubesse recurso ordinário segundo as normas aplicáveis do CPC, este mirabolante raciocínio do Tribunal Arbitral ruiria estrepitosamente, quando fosse submetido ao atento escrutínio do competente tribunal superior. 56) Mas se da sentença arbitral não cabe recurso ordinário, isso não significa que o resultado que produziu não possa ser escrutinado, no âmbito da presente tendente à sua anulação. 57) É patentemente errada a asserção frequentemente usada, quase como um slogan, de que “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”. 58) Isto, por ser por demais evidente que, para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença. 59) Sendo a parte dispositiva da sentença arbitral (tal como a parte dispositiva da sentença de um tribunal estadual), na maioria das vezes, neutra relativamente à substância da decisão, só um atento exame das circunstâncias do caso e de toda a fundamentação apresentada pelo tribunal arbitral para a decisão proferida, permite ao tribunal estadual supervisor determinar o real significado e alcance dessa decisão. 60) Além disso, importa ter presente que, segundo o art. 46.º, n.º 3, a) v) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada, se for alegado e provado que o tribunal arbitral ordenou a uma parte que pagasse um montante que excedia o que fora pedido ou decidisse questões não lhe haviam sido submetidas (decisão ultra petitum), ou ordenou algo diferente do que fora pedido (decisão sobre aliud), ou omitiu decisão sobre pedidos apresentados ou questões importantes suscitadas pelas partes (decisão infra petitum). 61) Em todos esses casos, é evidente que o tribunal estadual supervisor não pode verificar se aquelas alegações são bem fundadas, sem ter examinado a totalidade da sentença arbitral e sem haver comparado o âmbito da decisão dos tribunais arbitral com o conteúdo das peças escritas apresentadas pelas partes. 62) A suposta ‘proibição de exame do mérito da decisão dos árbitros’ afirmada por alguns, seria ainda mais absurda no caso de o fundamento com que a sentença arbitral foi impugnada não ter natureza processual, respeitando antes à sua substância, 63) É o que acontece quando a impugnação é baseada em alegada violação da ‘ordem pública’ do foro (i.e., do Estado a que pertence o tribunal estadual supervisor) pelo resultado da sentença; em tal caso, a reavaliação do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é forçosa, implicando a reapreciação do mérito dessa decisão. 64) Por essas razões, é muito mais correto afirmar que ‘ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito’ decidido pela sentença arbitral, que é a proposição que, como muito maior frequência, se encontra na literatura da especialidade e em documentos internacionais de referência, a este propósito, e é também a expressão utilizada pela LAV, no seu art. 28.º n.º 2. 65) Quando decide sobre um recurso de apelação, o tribunal de recurso tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado quer foi atingido pela decisão recorrida; por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se fosse o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal. 66) Ao fazer isso, o tribunal de recurso substitui pela sua decisão a decisão proferida pelo tribunal inferior, que é revogada ou anulada, sendo a resolução do litígio é reescrita pelo tribunal de recurso; pode, por isso, dizer-se que a essência da missão do tribunal de recurso é efetuar a ‘revisão do mérito’ do litígio decidido pelo tribunal inferior. 67) Bem diferente é a tarefa a efetuar pelo tribunal estadual que tem de decidir sobre um pedido de anulação de uma sentença arbitral, porquanto, neste caso, o tribunal estadual de controlo não exprime a sua opinião sobre o modo como o litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral, não efetuando, portanto, a revisão do mérito decidido por essa sentença. 68) A exercer esta missão, o tribunal estadual de controlo apenas verifica (i) se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litígio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro (i.e., a lei da sede da arbitragem ou do lugar de execução da sentença), (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se as) decisão(ões) contida(s) na sentença está(ão) em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes, e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ‘ordem pública’ do Estado a que pertence o tribunal supervisor. 69) Em vez de verificar se o tribunal arbitral esteve certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada, o tribunal estadual de controlo verificará apenas se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. 70) É apenas a verificação da existência destas condições que constitui o objeto da análise do tribunal estadual de controlo. 71) Quando o tribunal estadual é chamado a apreciar se a sentença arbitral impugnada é contrária a ‘ordem pública internacional do Estado português’, não relevam os erros de facto ou de direito que essa sentença possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’). 72) O conteúdo da sentença arbitral tem de ser controlado, mas é em função do seu concreto resultado que ela deverá ser sancionada; embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio. 73) Ora, o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que condenou o Requerente, ora Recorrente, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade’, atrás mencionado. 74) Como salienta a melhor doutrina da especialidade, a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’. 75) A este princípio deve necessariamente atender-se, na composição de interesses feita através da estipulação e na subsequente aplicação, em concreto, do montante da cláusula de rescisão incluída num contrato de trabalho desportivo, devido ao clube cujo jogador faça cessar unilateralmente o vínculo contratual que o ligava a ele, 76) O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal. 77) “Salta aos olhos” de qualquer pessoa razoável e de equilibrado juízo que o montante de 45.000.000 Euros previsto nas cláusulas 8, b) e 11 do Contrato constituía uma verdadeira ‘barbaridade’, que ninguém conseguiria justificar, em relação a um praticante desportivo colocado nas circunstâncias em que o Requerente estava, na data da cessação do Contrato. 78) Mas o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b) do Contrato ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. 79) A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo 80) Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável. 81) Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente. 82) Fica demonstrado, por tudo o que se deixa exposto, que a sentença arbitral produziu um resultado material que ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português, o que justifica que seja anulada ao abrigo do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV.” No acórdão recorrido, citando-se o Professor Luís Lima Pinheiro, considerou-se que a referência contida na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV aos princípios da ordem pública internacional do Estado português constitui “um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira”, não estando em causa nos presentes autos a aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e o seu conflito com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional. Conclui o Tribunal da Relação que o Requerente pretende com a presente ação a reapreciação do mérito das decisões arbitrais proferidas, por alegado desrespeito dos princípios jurídicos invocados, motivo pelo qual improcede a sua pretensão. De acordo com a referida subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV: “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: (...) b) O tribunal verificar que: (...) ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.” Assiste razão ao Recorrente quando afirma existir erro de direito no Acórdão recorrido quanto atribuiu à noção de “ordem pública internacional do Estado português” constante da referida norma, o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado, o que conduziu o Tribunal da Relação a rejeitar a aplicação deste fundamento de anulação da decisão arbitral por não estar em causa nos presentes autos, a aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e o seu conflito com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional. Com efeito, a generalidade da jurisprudência do STJ e a doutrina afirma que o conceito de ordem pública internacional do Estado português, previsto na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, não se reconduz apenas ao conceito de direito internacional privado nos termos considerados no Acórdão recorrido. Aplicando o conceito previsto na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV a arbitragens realizadas em Portugal e conexas com o nosso território, sendo aplicável a lei portuguesa, embora podendo estar em causa interesses do comércio internacional, vejam-se os Acórdãos do STJ, de 26/09/2017 (Revista n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1), de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1), de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1). De modo a delimitar o conceito aqui em apreciação, importa atender aos motivos que levaram o legislador português a consagrar como fundamento de anulação de decisões arbitrais internas a ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português. A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), adotou por Resolução da sua Assembleia Geral n.º 40/72, de 11 de dezembro de 1985, uma Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, recomendando aos Estados que a tenham em consideração, tendo em vista a uniformização da lei sobre processos arbitrais e as necessidades específicas da prática da arbitragem comercial internacional. Essa Lei Modelo, com as alterações introduzidas pela Resolução 61/33 de 4 de dezembro de 2006 da Assembleia Geral da mesma Comissão, prevê no seu artigo 34.º, n.º 2, al. b), subalínea ii) que “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal referido no artigo 6.º se (...) (b) O tribunal constatar: (...) ii. Que a sentença contraria a ordem pública do presente Estado.” A Lei Modelo adotada pela UNCITRAL prevê, assim, como fundamento de anulação da decisão arbitral a contrariedade à ordem pública interna, o que não foi seguido pela nossa lei. Segundo aponta o Prof. Menezes Cordeiro (Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 443), esta indicação da Lei-Modelo foi acolhida pela generalidade das leis, apontando como exemplos, o § 1059/2, b) da ZPO alemã, o artigo 41.º/1, f), da Lei espanhola, a secção 68/2, (g), do Arbitration Act inglês, o artigo 1492.o /5.o, do CPC francês, o artigo 1065.o/1, (e), do CPC holandês, o § 611/2,8 da ZPO austríaca, a secção 37.º/3, (b) da Lei dinamarquesa da arbitragem, e a Secção 33.º/2 da Lei Sueca. As razões que levaram o legislador português a afastar-se da recomendação da Lei Modelo podem ter a ver com a posição assumida pela maioria dos membros da Direção da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA) que na fase de discussão prévia da atual LAV (ver Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, vol. III, 2010, p. 210) se opôs à invocação da violação de ordem pública como fundamento de anulação de sentença arbitral, alegando que a LAV de 1986 era omissa a esse respeito e argumentando com o risco de um abuso na invocação deste fundamento de anulabilidade, dada alguma indeterminação do próprio conceito de ordem pública, o que poderia conduzir os tribunais estaduais a sindicar o mérito das sentenças arbitrais por via da apreciação desse fundamento de anulação. Apesar de na versão final da LAV não ter sido acolhida a posição defendida pela APA, o legislador português acabou por mitigar a previsão deste fundamento com a referência aos “princípios da ordem pública internacional do Estado português”, ao invés de referir apenas a ordem pública como consta da Lei Modelo. Sobre esta matéria, António Sampaio Caramelo refere que a solução legal vertida na al. b) ii) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, constitui uma “defeituosa via de compromisso” perante a controvérsia instalada face à posição da maioria dos membros da Direção da APA acima referida (“A impugnação da Sentença Arbitral”, 4.ª ed., Almedina, 2023, pp. 145 e 146). Porém, segundo o mesmo autor, em relação ao conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV: “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional que se trata aqui, porque, tendo a maioria das sentenças arbitrais proferidas em Portugal e abrangidas por essa disposição aplicado direito português, falta nesses casos, por completo, o 'salto para o desconhecido' (segundo a conhecida expressão de Leo Raape) que é inerente à remissão para uma lei estrangeira e que também existe, de algum modo, quando uma ordem jurídica se dispõe a reconhecer efeitos a uma decisão jurisdicional estrangeira. Parece, pois, poder concluir-se que aquela disposição da LAV tem em a vista a ordem pública de direito material” (op. cit., p, 144). Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, a noção de ordem pública referida no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) para sindicar o conteúdo de decisões internas não equivale à usada para ponderar o resultado de decisões internacionais, tendo um conteúdo próprio, designando a mesma como “ordem pública internacional-interna”. Sustenta como fundamento de tal conclusão, razões sistemáticas, razões literais, razões jurídico-científicas e razões práticas. Quanto às primeiras, afirma que “a interpretação dos preceitos legais deve considerá-los na íntegra e deve inseri-los no contexto a que pertençam: por isso existe uma hermenêutica jurídica, diversa da meramente vocabular e linguística. A essa luz, a ordem pública, inserida na lei para sindicar o conteúdo de decisões internas não equivale à usada para ponderar o resultado de decisões internacionais.” Quanto às razões literais, refere que “o próprio legislador, na letra dos diplomas em causa, deu-nos as pistas para superar o problema. Com efeito, enquanto elemento sindicante interno, ela traduz-se em “o tribunal verificar” (...) que “o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português”. Ora, no 54..º como no 56.º/1, b), ii), a decisão arbitral pode ser bloqueada (pela anulação ou pelo não-reconhecimento, respetivamente) se conduzir (...) a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional, acrescentando o último dos preceitos do Estado português. Ou seja, perante as decisões internas, basta que o conteúdo contrarie a o.p.; para as internacionais, é necessário que o resultado ofenda manifestamente a o.p, internacional. A o.p. requerida pelo 46.°/3, b), ii) é, mesmo literalmente, menos exigente do que a dos 54.º e 56.º/1, b), ii).” Quanto às razões jurídico-científicas, afirma que “a o.p. internacional próprio sensu visa prevenir que, no espaço jurídico nacional, surjam elementos legitimados por ordenamentos estrangeiros, mas que contundam com dados estruturantes do sistema: respeito pela pessoa humana, pela igualdade, pela dignidade da mulher, pela segurança e bem-estar dos filhos e por dados básicos do património da pessoa. A o.p. “internacional-interna” pretende constatar se a decisão arbitral, assente no Direito e no ordenamento português, é reconhecida como axiologicamente jurídica. Além de todos os elementos que encontramos na internacional, a "internacional-interna" joga, ainda, com os princípios totalmente injuntivos, isto é: aqueles que se impõem e que não poderiam ser postergados pelo recurso a árbitros. O Estado não pode oferecer os seus Tribunais e as suas estruturas coercivas para fazer impor decisões contrárias a dados básicos do sistema. Digamos que a ordem pública internacional-interna fica próxima da ordem pública interna: dela só se distingue por ter, implícita, uma mensagem legislativa de só se recorrer a ela em casos substancialmente sérios.” Por último, aponta razões práticas, referindo que “o juiz, confrontado com um pedido de anulação de uma decisão por grave contrariedade a valores básicos do sistema, nunca poderia ficar inerme. No limite, ele poderia sempre invocar o abuso do direito de executar semelhante decisão. Mas isso poderia remetê-lo para algum casuísmo, instilador de instabilidade na arbitragem. Deste modo, a remissão para um corpo de princípios permite uma aplicação mais generalizada e previsível.” Sobre este fundamento de anulação da sentença arbitral, também Manuel Pereira Barrocas (Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, pp. 528 e 529), define a “ordem pública internacional do Estado português” referida na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV como “a ordem pública da lei portuguesa que não admite a validade de uma sentença arbitral em qualquer circunstância, ou seja, quer se trate quer não se trate de uma sentença arbitral proferida em arbitragem doméstica localizada em Portugal, quando confrontada com a ordem pública internacional do Estado português. O que significa que esta aceção de ordem pública é mais restrita do que a ordem pública interna do Estado português, que também inclui normas imperativas, e que, na grande maioria dos casos, não são consideradas como integrantes do conteúdo da ordem pública internacional do Estado português. Deste modo, apenas certas e limitadas normas e princípios e valores essenciais da ordem jurídica nacional integram o núcleo restrito da ordem pública internacional do Estado português.” Podemos, assim, concluir que o conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional”, como se entendeu no Acórdão recorrido, pelo que importa definir o concreto conteúdo do conceito previsto na nossa lei. Trata-se de um conceito indeterminado, que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto - Acórdão do STJ, de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1) Como se entendeu nos Acórdãos de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1), a “ordem pública” pode ser definida, nas palavras de Baptista Machado citado nesses Acórdãos (Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, pág. 642), como o “conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social”. Prosseguem os Acórdãos, defendendo que estão em causa “normas e princípios inderrogáveis pela vontade individual, constituindo, pois, um limite à autonomia privada. Normas e princípios que, porém, não se identificam com o conjunto de normas imperativas da mesma ordem jurídica: têm um âmbito mais restrito, como é entendido pacificamente, integrando uma cláusula geral adicional, formulada em termos suficientemente amplos e elásticos, por forma a abarcar situações não identificadas previamente. Dentro do conjunto de regras e princípios que integram a ordem pública, é habitual circunscrever-se "um núcleo menos compreensivo", que constitui a ordem pública internacional. A ordem pública interna (cfr. arts 280º, nº 2 e 281º do CC) e a ordem pública internacional fazem parte de um dado ordenamento jurídico: "são ambas nacionais de um determinado Estado"(Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 434). Esta distingue-se daquela por ter um "conteúdo mais restrito (menos abrangente)", integrando "princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados absolutamente fundamentais e inderrogáveis" (Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 2ª ed., 97)”. António Sampaio Caramelo (A impugnação da Sentença Arbitral, 4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 119/122), defende a este respeito que “o conjunto de princípios e regras que integram a ordem pública tem um âmbito bastante mais restrito do que o universo das normas positivas imperativas de uma ordem jurídica. O conjunto das normas legais imperativas e a ordem pública acha-se muito claramente feita nos n.ºs 1 e 2 do art. 280.º do nosso Código Civil.” Por outro lado, salienta o mesmo autor, que “quando intervém em sede de controlo de anulação de uma sentença arbitral, esta cláusula de salvaguarda funciona como bitola (de valoração) segundo a qual se apura a legitimidade da sentença arbitral, exprimindo a sua reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no quadro do qual foi proferida; se ela faltar, a sentença poderá ser anulada. Cuida-se então de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários. Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever - acompanhando a maioria da doutrina da especialidade - um núcleo menos compreensivo designado por "ordem pública internacional (de direito material)". Este conceito tem um conteúdo mais restrito (i.e., menos abrangente) do que a 'ordem pública interna', porque as necessidades do comércio internacional impõem que, quando o objeto do litígio tenha ligações com outras ordens jurídicas, o sistema jurídico do Estado da sede da arbitragem seja menos exigente na verificação da não contrariedade da sentença arbitral aos seus princípios basilares, do que seria perante uma situação puramente interna, só determinando a anulação de uma sentença proferida em arbitragem internacional quando ela afronte princípios estabelecidos para proteção de interesses ou valores considerados como absolutamente fundamentais e inderrogáveis”. No mesmo sentido, José Robin de Andrade (in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coord. Dário Moura Vicente, 5.ª ed., Almedina, 2021, p. 187), defende a este respeito, que “não é a violação de qualquer princípio de ordem pública que pode ser invocado como fundamento do pedido de anulação, mas apenas do núcleo mais restrito daqueles princípios de ordem pública interna que sejam também princípios de ordem pública internacional.” Nesta matéria, importa atender à clara intenção do legislador português de limitar o alcance do conceito de ordem pública previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV, nos termos acima expostos, restringindo tal conceito à ordem pública internacional. Ou seja, como se defende nos Acórdãos do STJ, de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1), acima citados, nas “arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português, o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais.” O Recorrente alega que um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português” é o principio da proporcionalidade que foi violado no caso concreto dos autos, princípio que “remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual”, visando a aplicação deste princípio “evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra.” No que concerne aos concretos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos na disposição legal em apreço, afirma-se no Acórdão de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1), acima citado, que podem distinguir-se os seguintes princípios: i. “o princípio pacta sunt servanda; ii. o princípio da boa-fé; iii. a proibição do abuso do direito; iv. o princípio da proporcionalidade; v. a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras; vi. a protecção dos civilmente incapazes; vii. a proibição das vinculações perpétuas; viii. a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível; ix. as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos. Nesta matéria, Sampaio Caramelo, na obra “Impugnação da sentença arbitral (4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 136/139), que é amplamente citada e seguida nas alegações do Recorrente, afirma a este respeito que, para além das normas e princípios fundamentais de direito internacional, dos princípios fundamentais do direito europeu e dos princípios e normas constitucionais, “não podem deixar de fazer parte da ordem pública (internacional ou interna) do nosso ordenamento jurídico os princípios e regras que recebem essa caracterização nas ordens jurídicas francesa, suíça e alemã.” Quanto à ordem jurídica francesa, realça o autor que “a jurisprudência tem considerado que fazem parte da 'ordem pública internacional' deste sistema jurídico princípios fundamentais como os da proibição da corrupção e do branqueamento de capitais, as medidas de sanção emanadas do Conselho de Segurança da ONU e do Conselho da União Europeia, a proibição do financiamento do terrorismo, as violações dos Direitos do Homem, a proibição de juros e penalidades compensatórias desproporcionadas, a interdição da fraude à lei, os princípios fundamentais do regime das empresas em dificuldade (e.g., aquele que impõe tratamento igualitário dos credores comuns), os respeitantes à proteção do ambiente, e bem assim as lois de police (e.g. as que integram o direito da concorrência, as visam proteger a parte contratual mais fraca, como o assalariado ou o consumidor).” Quanto à jurisprudência suíça, afirma que o Tribunal Federal Suíço tem afirmado, “repetidamente, que integram a ordem pública deste ordenamento jurídico os princípios pacta sunt servanda (ou princípio da fidelidade ou lealdade contratual, Vertragstreue), a proibição do abuso de direito, o princípio da boa-fé, a proibição da discriminação e de medidas espoliadoras bem como a proteção dos civilmente incapazes”. Por último, quanto à jurisprudência alemã, afirma que “no entender da doutrina e dos tribunais, princípios fundamentais como os de pacta sunt servanda, da boa fé e da proporcionalidade, fazem parte da respetiva ordem pública, (...) as regras e princípios dos direitos europeu e alemão visando a defesa da concorrência e a limitação da concentração de empresas, bem como as que estabeleçam controlos de exportações e de importações, a antiga legislação sobre o controlo de câmbios e a atual legislação sobre branqueamento de capitais.” Também o Prof. Menezes Cordeiro (op. cit. págs. 454/455), defende que de entre os princípios que integram, no terreno, a ordem pública internacional-interna, se contam os princípios patrimoniais que “vedam condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários: cláusulas penais excessivas, punitive damages, expropriações sem indemnização minimamente razoável, manutenção de quadros ruinosos e similares.” Podemos, assim, concluir deste breve excurso doutrinário e jurisprudencial com o qual concordamos, que um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV, é o princípio da proporcionalidade com o conteúdo indicado pelo Recorrente, no sentido de corrigir composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual, de modo a evitar que a liberdade de conformação de um contrato venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para uma parte, em detrimento da outra. Importa, assim, apreciar se no caso concreto dos autos, houve violação do princípio da proporcionalidade nos termos invocados pelo Recorrente. No entanto, estando em causa um princípio com um conteúdo tão amplo ou indeterminado, como se defende no Acórdão do STJ de 1/10/2019 (Revista n.o 1254/17.9YRLSB.S1), citando Sampaio Caramelo, a invocação desse princípio “terá de ser sujeita a acentuadas restrições, para que, por essa via, não se fomente, perniciosamente, a impugnação de sentenças arbitrais sem justificação bastante, por parte de quem, insatisfeito com a decisão dos árbitros, recorra a este meio processual para tentar obter a reapreciação pelos tribunais estaduais do litígio decidido pelos árbitros”. Com efeito, a jurisprudência do STJ tem acentuado que no controlo que os tribunais estaduais exercem sobre o conteúdo da sentença arbitral, para aferir da eventual violação dos aludidos princípios, é vedada ao juiz a revisão do mérito dessa sentença. Como se refere no Acórdão do STJ, de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1), estando vedado ao tribunal “proceder à revisão do mérito do litígio decidido pela sentença arbitral: cabe-lhe apenas verificar se o resultado material (ou seja, os efeitos jurídicos criados pela decisão arbitral nas esferas jurídicas das partes) da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ordem pública internacional do Estado português. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio. O controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efectuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso.” Em idêntico sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ, de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 26/09/2017 (Revista n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1), ambos acima citados. Esta posição segue o entendimento que tem vindo a ser defendido por Sampaio Caramelo e amplamente referido nas alegações do Recorrente, e com o qual concordamos. Como é defendido pelo referido autor, importa começar por realçar que “para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de reexaminar o mérito do caso decidido por tal sentença” (op. cit., p. 179), o que sucede em especial quando a impugnação é baseada na violação da ordem pública como sucede no caso em apreço, caso em que o “reexame do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é imprescindível, implicando isso a reapreciação do mérito dessa decisão” (op. cit., pág. 180). Para o referido autor, o que tem merecido acolhimento pela jurisprudência do STJ nos termos acima expostos, “é muito mais correto afirmar que ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito decidido pela sentença arbitral” (op. cit., pág. 184). O autor concretiza que “quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não raciocina sobre o 'litígio primário (...) e não exprime a sua opinião sobre o modo como que esse litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral” (op. cit. pág. 185). Esse “litígio primário” consiste para o autor citado no objeto da apreciação do tribunal de recurso quando decide um recurso de apelação, em que esse tribunal “tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado que foi atingido pela decisão recorrida. Por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se houvesse sido o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal inferior” (op. cit., págs. 184 /185). Já no âmbito da impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual, “em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao 'litigio primário', como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verifica se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por litígio secundário e que é o exclusivo objeto da análise do tribunal estadual de controlo” (op. cit., p. 186). Sendo certo que “o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adotaram quanto ao fundo da questão colide, ou não, com a ordem pública. A 'parte dispositiva' da sentença arbitral raramente consagra uma solução contrária à ordem pública, sendo geralmente 'neutra' em relação a esta. Portanto, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se decisão constante da parte dispositiva da sentença ofende ou não a ordem pública” (op. cit. págs. 190 /191). Em suma, “o controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efetuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objetivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso. É o resultado concreto consagrado pela sentença que deve ofender real e materialmente os objetivos prosseguidos pela regra de ordem pública aplicável. Além disso, em homenagem ao 'princípio da atualidade da ordem pública', essa ofensa deve existir no momento em que se exerce o controlo do juiz. Para esse efeito, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que ele teria adotado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios de ordem pública ao caso em apreço. Só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a situação criada por esta colidir com os fins prosseguidos por aquelas regras ou princípios. Todo o conteúdo da sentença arbitral deve ser examinado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio” (op. cit., págs. 193 e 194). No sentido de a determinação sobre a eventual ofensa da ordem pública internacional implicar um controlo sobre o sentido da decisão arbitral, veja-se também José Robin de Andrade (in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coord. Dário Moura Vicente, 5.ª ed., Almedina 2021, p. 187), que refere que “a ofensa aos princípios não é o mesmo que o simples erro na interpretação e aplicação dos mesmos: é algo mais grave, é a sua grosseira desconsideração ou a sua abusiva distorção. Essa apreciação terá por isso de se resumir a uma avaliação prima facie da sentença e do processo, e de se limitar a casos de aparente ou manifesta contradição com os princípios dessa ordem pública internacional do Estado Português. A determinação sobre a eventual ofensa da ordem pública internacional, implica algum controlo sobre o sentido da decisão arbitral, mas apenas na medida estritamente necessária para avaliar se tal contradição se verifica. Voltando ao caso concreto dos autos, o Recorrente alega que o tribunal arbitral condenou o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, de acordo com a equidade, a quantia de €16 500 000,00. Alega o Recorrente que o Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do artigo 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, disposição considerada como imperativa. Pois um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela prova fixando a quantia a pagar em tal eventualidade. Mas, segundo o recorrente, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, “permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão).” Afirma o Recorrente que para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença. Como fundamento dessa conclusão, o Recorrente expõe nas suas alegações de recurso a argumentação exposta por Sampaio Caramelo na obra “Impugnação da sentença arbitral” (4.ª ed., Almedina, 2023), nos termos acima expostos, concluindo que na análise a efetuar pelo Tribunal estadual, não relevam os erros de facto ou de direito que a sentença arbitral possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’). Sobre o caso dos presentes autos, afirma o Recorrente que o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que o condenou, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade. Argumenta para o efeito que “a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’. O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal.” Conclui que o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b), do Contrato ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, “continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. Pois a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo. Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável. Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.” Ora, embora concordemos com a alegação do Recorrente acerca do reexame que necessariamente deve ser realizado quanto ao conteúdo da sentença arbitral para se concluir, em função do resultado dessa decisão, ou seja, da solução dada ao litígio, se houve ou não ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português, adotando-se a posição defendida por Sampaio Caramelo e acolhida na jurisprudência do STJ nos termos acima expostos, discordamos da aplicação que o Recorrente fez desses critérios à situação concreta dos autos. Com efeito, em primeiro lugar, como acima foi dito, o reexame necessário da decisão arbitral não se pode confundir com a revisão do mérito dessa sentença, pelo que não cabe a este Tribunal sindicar se houve ou não erro de julgamento na apreciação que o tribunal arbitral fez da invalidade da cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes em relação ao disposto n.º 1 do artigo 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, e na interpretação do disposto nessa cláusula 11 com o disposto na cláusula 8. Importa aqui considerar que a solução final ao litígio dada pelo tribunal arbitral foi a de condenar o aqui Recorrente a pagar à Recorrida, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de €16 500 000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil euros). Reexaminada a fundamentação da decisão arbitral, verificamos que o montante dessa indemnização resultou da redução equitativa pelo tribunal do montante da cláusula de rescisão prevista no contrato celebrado entre as partes que ascendia ao valor de €45 000 000,00. Alega o Recorrente que mesmo depois de operada a referida redução, “continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. Pois a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo.” Ora, importa verificar todo o conteúdo da sentença arbitral para compreender se o montante dessa indemnização é ou não desproporcional face aos danos efetivamente causados à Recorrida pela conduta do Recorrente, salientando-se uma vez mais que não pode este Tribunal sindicar se houve ou não justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo por parte do Recorrente. Assim, na apreciação agora levada a cabo por este Tribunal, está assente que a indemnização é devida pela resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, tal como se concluiu na decisão arbitral. Alega o Recorrente que “não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.” Se é verdade que o Tribunal Arbitral considerou estar verificada uma situação de assédio moral praticado pela aqui Recorrida contra o Recorrente, o que consubstanciou um incumprimento do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, também é certo que essa conduta ilícita motivou a condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização ao Recorrente. A relevância dessa conduta ilícita consubstanciada no assédio moral na eventual justa causa de resolução contratual diz respeito ao mérito da decisão arbitral que não compete a este tribunal sindicar. Ou seja, foi considerado pelo Tribunal Arbitral que esse incumprimento contratual consubstanciado no assédio moral praticado contra o Recorrente não justifica a extinção do contrato pelo aqui Recorrente por resolução por justa causa. Trata-se do chamado “litígio primário”, a que acima aludimos e que não pode integrar o objeto de apreciação deste recurso. Assim, na consideração da alegada desproporção entre o montante da indemnização a que o Recorrente foi condenado com o efetivo montante dos danos sofridos pela Recorrida, não pode ser tomado em consideração o incumprimento contratual decorrente do assédio moral praticado contra o Recorrente e os danos daí resultantes para este último, pois o ressarcimento destes danos foi objeto de outra indemnização cujo montante não se encontra sequer em causa na presente ação. Começou por considerar o Tribunal Arbitral que “o Autor, à data dos factos (junho de 2018) era um atleta jovem e promissor, relativamente ao qual a Ré perspetivou uma valorização económica e desportiva exponencial, A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional e o Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré. Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas. No entanto, certo é também que a política da ré era fixar cláusula de rescisão por posição no campo do atleta em causa. Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (avançados), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros). No caso concreto, o AA tinha ainda 4 épocas de contrata para cumprir. No entanto ao atleta auferia apenas a quantia ilíquida de € 5.000,00 (cinco mil euros) mensais, valor esse que atingiria € 6,667,00 na última época. E diz-se apenas quando comparado com o valor estipulado da cláusula de rescisão (€ 45,000.000,00). Ora, o valor inscrito numa cláusula de rescisão de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões] inserida num contrato de um atleta que prevê o vencimento de cerca de € 5.000,00 euros mensais ilíquidos, atleta esse que, apesar de ser uma promessa, apenas na época desportiva - 2017/2018 - passou a integrar o plantel da equipa principal da demandada, não pode deixar de ser considerado como manifestamente excessivo. Na verdade, ao estabelecer-se a possibilidade de um atleta que aufere cerca de € 5.000,00 ilíquidos mensais poder fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato mediante o pagamento de € 45.000,000,00 está-se a blindar o contrato, criando uma situação de "encarceramento contratual", com efeitos negativos na liberdade de trabalho e de exercício da profissão.” O Tribunal arbitral concluiu, assim, pela necessidade de reduzir equitativamente o montante dessa indemnização e na fixação do valor concreto que foi objeto da condenação do aqui Recorrente, considerou que “conforme ficou provado, o valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os € 18,000.000,00 (dezoito milhões de euros). (...) Assim, era este o valor que o Sporting poderia ter como expectativa de receber à data da cessação do contrato de trabalho, operado pelo atleta. É verdade que este valor poderia ser muito distinto caso o contrato terminasse apenas no final da época 2021/2020. Tal valor poderia ser mais elevado, no caso de o atleta ter um rendimento desportivo que justificasse esse aumento; mas também poderia ser um valor muito menor, basta pensar na hipótese de o atleta ter uma lesão grave. (...) O valor situado entre 15 a 18 milhões de euros também se afigura razoável à luz da liberdade de trabalho e da livre escolha e exercício da profissão, desde logo porque sendo um valor que o mercado estava disposto a atribuir naquele momento, o mesmo não se torna um obstáculo à desvinculação do atleta, possibilitando-o de poder a passar a exercer a respetiva atividade profissional ao serviço de outra entidade empregadora desportiva.” Como se afirma no Acórdão do STJ, de 10/11/2020 (Revista n.º 2004/08.6TVLSB.L2.S1), “o princípio da proporcionalidade - que mais não representa que uma manifestação particular do princípio da justiça - significa que, até onde isso seja compatível com a prossecução dos interesses em jogo, se deve procurar provocar a menor lesão que for possível às pessoas envolvidas. Para isso terá que se usar como critério de decisão a adequação (a solução adotada deve ser a idónea ou apropriada à finalidade tida em vista), a necessidade (com a consequente proibição do excesso) e o equilíbrio (deve haver uma ponderação sobre os benefícios ou vantagens para o interessado e os custos ou prejuízos impostos pela medida a adotar).” Nas palavras do próprio Recorrente, o princípio da proporcionalidade visa “evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra”. Não vislumbramos que o referido princípio da proporcionalidade tenha sido violado pelo resultado da decisão arbitral, não existindo vantagens excessivas para a aqui Recorrida, nem um sacrifício desmesurado para o aqui Recorrente. De salientar que o valor de €16 500 000,00 fixado pelo Tribunal Arbitral se situa entre o intervalo de €15 000 000,00 (quinze milhões de euros) e €18 000 000,00 (dezoito milhões de euros), que corresponde ao valor de mercado do Recorrente, à data da rescisão contratual por si promovida, pelo que a indemnização fixada corresponde ao valor que a Recorrida poderia ter como expectativa de receber à data da cessação do contrato de trabalho, operado pelo atleta, caso este se transferisse para outro clube nacional ou estrangeiro. Sendo certo que o atleta efetivamente se transferiu para outro clube, no caso, o clube de futebol ... L..., não tendo a recorrida auferido qualquer parte daquele valor de mercado. É esse o valor do dano sofrido pela Recorrida a título de lucros cessantes, tanto mais que resultou provado na decisão arbitral que o Autor, aqui Recorrente, era e continua a ser um dos jogadores mais valiosos e prometedores da sua geração, tendo a Requerida investido elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional. Além que o Requerente era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Requerida e há muito que esta tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas. Por outro lado, a consideração que o Recorrente faz da enorme desproporção entre o valor da indemnização fixado (16,5 milhões de euros) e o montante da remuneração global ilíquida, no valor de €60 000,00, estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018, pelo que demoraria 275 anos a pagar aquele primeiro valor, não toma em consideração que o elevado valor de mercado do Recorrente, na data da rescisão do contrato, potenciou, como efetivamente se veio a verificar, a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho desportivo com valores remuneratórios muito superiores ao que auferia no clube de futebol Sporting. Com efeito, resultou provado que o Requerente, aqui Recorrente, celebrou para vigorar logo na época seguinte (2018/2019) um novo contrato de trabalho desportivo com o L... no qual constou “um prémio de assinatura para o jogador, no valor de €1.500.000,000 (um milhão e quinhentos mil euros), além que foi acordado que o Autor auferiria, na sua primeira época (com aumentos anuais), uma remuneração ilíquida de €100.000,00 (cem mil euros) mensais, a cujo valor acrescem prémios em função dos resultados da equipa e do desempenho do jogador, não se prevendo nesse contrato qualquer cláusula de rescisão. Mais se provou que em agosto de 2019, o Autor foi transferido para o A..., o qual notoriamente é uma das principais equipas de futebol de ... e da ..., tendo assinado um novo contrato de trabalho desportivo com esse clube a vigorar por 5 épocas desportivas. Em suma, correspondendo o valor da indemnização fixada pelo tribunal arbitral ao valor resultante da redução equitativa do valor da cláusula de rescisão acordada entre as partes para um valor equivalente aos danos sofridos pela Recorrida com a resolução ilícita pelo Recorrente do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, cremos não ter sido ofendido o princípio da proporcionalidade enquanto princípio da ordem pública internacional do Estado Português. Improcede, assim, nesta parte, o recurso de revista. 2.2. Eventual necessidade de ampliação da matéria de facto que constitua base suficiente para a decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Recorrida Alega o Recorrente que, caso não proceda o fundamento de recurso previamente apreciado, deverá ser ordenada a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que este amplie a matéria de facto que, “de modo muito deficiente e incorreto”, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD. Como fundamento dessa pretensão, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “7) Os factos que o Tribunal a quo considerou como provados no acórdão que proferiu, foram unicamente os que constavam da sentença arbitral, omitindo esse Tribunal, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, quase tudo o se passou no processo arbitral, desde a notificação às partes da sentença arbitral até ao encerramento do processo 8) Omitiu, portanto, o Tribunal a quo, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, nomeadamente, os seguintes factos que haviam sido alegados e provados documentalmente pelo Recorrente, ora Recorrente, na ação de anulação proposta perante aquele tribunal: a) Em ....04.2020 ‒ depois da notificação da sentença arbitral principal, mas ainda com o processo arbitral a decorrer ‒ o Requerente, submeteu ao Tribunal Arbitral requerimento em que pediu esclarecimentos ao árbitro BB, como veio a alegar no art. 59.o da Petição da ação de anulação, juntando cópia de tal pedido como Doc.14 anexo a tal Petição Nesse contexto, o Requerente solicitou ao Dr. BB que esclarecesse, designadamente, o seguinte: (i) em que datas foi indicado como árbitro pela Sporting SAD no âmbito dos processos no TAD com os números 49/2018, 51/2018 e 64/2018, com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; (ii) em que datas aceitou desempenhar as funções de árbitro nos processo referidos em (i); e (iii) se é ou foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A.. ou de alguma outra empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação (direta ou indireta) ou seja/fosse membro de órgão social ou funcionário, em outros processos, para além do processo identificado na Declaração de Independência e Imparcialidade, que correram termos ou estão ainda em curso nos seis anos anteriores. b) Em ....06.2020, o Requerente, deduziu incidente de recusa contra o árbitro designado pela Sporting SAD, Dr. BB, como alegou nos arts. 60.º e 61º da Petição da ação de anulação, constituindo a cópia desse incidente o Doc. 7 anexo a tal Petição O incidente de recusa teve como fundamento a circunstância de o Dr. BB não ter revelado na sua Declaração de Independência e Imparcialidade informações que suscitam fundadas dúvidas aos olhos do Requerente (ora Recorrente) e de um terceiro razoável, sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB: por um lado, a circunstância de ter sido designado pela Sporting SAD como árbitro noutros processos pendentes no TAD com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; por outro lado, a circunstância de ser um dos advogados de referência do Dr. CC, frequentemente assessorando e representando quer o próprio, quer as suas empresas. c) Em ....06.2020, o árbitro Dr. BB veio ao processo arbitral prestar alguns dos esclarecimentos pedidos pelo Requente, como se alegou no arts. 62.º a 68.º da Petição da ação arbitral, tendo a cópia desses esclarecimentos sido junta como Doc. 15 anexo a tal Petição Nesse contexto, o Dr. BB reconheceu, por um lado, ter sido indicado como árbitro pela Sporting SAD nos processos 49/2018, 51/2018 e 64/2018 e indicou as datas em que foi notificado das nomeações e as datas em que aceitou as nomeações (donde é possível inferir que quando apresentou a respetiva Declaração de Independência e Imparcialidade já havia sido nomeado pela Sporting SAD nos processos 49/2018 e 51/2018 e, inclusivamente, já tinha aceitado a nomeação no processo 51/2018) e reconheceu, por outro lado, que é desde ....11.2017 mandatário da sociedade M..., S.A., numa arbitragem em ..., confirmando a ligação desta sociedade ao Dr. CC. d) Em ....06.2020, o árbitro Dr. BB pronunciou-se no processo arbitral sobre o incidente de recusa deduzido pelo Requerente, pugnando pelo seu indeferimento, como alegou no art. 78.º da Petição da ação de anulação e provou através do Doc. 20 anexo a tal Petição. No contexto desta pronúncia, o Dr. BB alegou, em suma, que na sua Declaração de Independência e Imparcialidade indicou ter sido nomeado noutras arbitragens no TAD em que era parte a Sporting SAD e, além disso, que não é nem foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A., ou de alguma empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação. e) Em ....06.2020, o Requerente, ora Recorrente, complementou o incidente de recusa do referido árbitro, que havia deduzido em ....06.2020, com base em informações entretanto reveladas pelo Dr. BB no requerimento descrito em c), ou seja, que o Dr. BB foi nomeado pela Sporting SAD em outros processos com objeto idêntico ao que opôs AA e a Sporting SAD e que o Dr. BB representa a sociedade M..., S.A., que pertence à família do Dr. CC, numa arbitragem em ..., como alegou nos arts. 29.º e 80.º da Petição da ação de anulação e provou pelo Doc. 10 anexo a essa Petição. f) Em ....07.2020, o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto proferiu despacho, como se alegou no arts. 30.º e 85.º e se provou através do Doc. 11 anexo à Petição da ação de anulação. Neste despacho, o Presidente do TAD sustentou a não verificação de circunstâncias que colocassem em causa a independência e imparcialidade do Dr. BB, relevando, para esse efeito, por reputar como “decisiva”, a avaliação da conduta do árbitro no processo, tendo em consideração o exposto pelo árbitro Presidente do colégio arbitral e pelo árbitro indicado por AA, os quais não confirmaram a existência de qualquer circunstância suscetível de ser considerada índice de dependência ou falta de imparcialidade. g) Em ....07.2020, o Tribunal Arbitral proferiu a sentença adicional que lhe fora pedido pela Requerida, ora Recorrida, condenando AA a pagar à Sporting SAD, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, a quantia indicada no acórdão arbitral, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação, como se alegou no art. 31.º, tendo a cópia dessa sentença sido junta como Doc. 3 anexo à Petição da ação de anulação. 9) Ora, ao ler-se o acórdão recorrido, constata-se que a grande maioria dos factos acima mencionados foram aí omitidos pelo Tribunal a quo. 10) Esse Tribunal deveria não só ter incluído os referidos factos no elenco epigrafado de “Factos”, inscrito no acórdão recorrido, mas também deveria dar como adquiridos para a decisão da ação de anulação proposta pelo Requerente, aqueles de entre esses factos que tivessem ficado suficientemente provados por documentos ou por haverem sido admitidos pelas pessoas visadas. 11) Relativamente às alegações produzidas pelo Requerente no processo arbitral, particularmente, no incidente de recusa de árbitro aí deduzido, posteriormente desenvolvidas nos arts. 39.º a 162.º da ação de anulação proposta pelo Requerente, que não pudessem dar-se como provadas, o Tribunal a quo deveria ter permitido que sobre elas se pudesse produzir a prova cuja produção que o Requerente, ora Recorrente, ofereceu no final da Petição da ação de anulação. 12) Ao delimitar a factualidade controvertida na ação de anulação, da maneira tão deficiente e truncada como ficou vertida no acórdão recorrido, esse Tribunal não deu correto cumprimento ao preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC. 13) No acórdão recorrido, o Tribunal a quo reconheceu que a alegação da falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida, que o Requerente explanou na ação de anulação, já fora por este feita no incidente de recusa daquele árbitro que o Requerente deduzira em anterior momento em que o processo arbitral ainda decorria, donde se segue que não considerou que a dita alegação tivesse sido feita fora de tempo pelo Requerente, num ou noutro daqueles momentos. 14) Mas o Tribunal a quo considerou que a questão da alegada falta de independência e de imparcialidade árbitro designado pela Sporting SAD, “foi definitivamente decidida pelo órgão competente” ‒ o presidente do TAD, segundo o mesmo acórdão ‒ concluindo daí que tal questão, enquanto estribada nos mesmos factos, não poderia ser depois invocada como fundamento de pedido de anulação da sentença arbitral. 15) Com isso, o Tribunal a quo cometeu um erro de direito de enorme gravidade, violando frontalmente o disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, que não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente. 16) Devendo o Tribunal a quo ter observado fielmente o disposto na al. a) iv) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, deveria também ter reconhecido que a apontada irregularidade na designação de um membro do Tribunal Arbitral que proferiu a sentença impugnada teve necessariamente “influência decisiva na resolução do litígio” vertida nessa sentença. 17) A “restrição” que nas págs. 103 e 105 no acórdão recorrido se tentou fazer, e referida na Conclusão 14) supra, sem se explicar com que base e em homenagem a que superiores valores ou princípios se fez tal restrição, não passa de uma flagrante violação da lei do art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, sendo de notar que 18) Aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (art. 203.º da Constituição da República Portuguesa e art. 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). 19) A exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no art. 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, e que 20) A exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República). 21) Não é, de todo, concebível que os Estados possam aceitar “validar cegamente” os desfechos das arbitragens realizadas nos seus territórios, quaisquer que estes fossem e qualquer que fosse a forma por que foram atingidos. 22) Por isso, todas a leis de arbitragem preveem um controlo de anulação das sentenças arbitrais por parte dos tribunais estaduais, traduzido na possibilidade de impugnação dessas sentenças tendente à sua anulação com os fundamentos legalmente previstos, em ordem a assegurar-se que nas arbitragens sediadas nos respetivos países são respeitados os princípios e valores fundamentais dessas ordens jurídicas. 23) As opiniões publicadas dos três comentadores citados no acórdão recorrido não suportam minimamente ilegal entendimento adotado pelo Tribunal a quo ‒ antes depõem no sentido precisamente oposto ‒, para desconsiderar quase toda a factualidade alegada pelo Requerente, que em grande medida ficou provada nos autos. 24) Merece total rejeição a ideia ínsita no acórdão recorrido, de que a questão da apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida foi, completa e definitivamente, “resolvida” pela decisão proferida pelo Presidente do TAD proferiu sobre o assunto, porquanto 25) Este é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros. 26) A natureza puramente administrativa das funções exercidas pelo Presidente do TAD não é prejudicada pelo facto de a Lei que criou o TAD e definiu o seu estatuto, ter disposto no seu art. 26.º, n.º 3, que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, porque isso não implica esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida. 27) O Tribunal a quo errou gravemente, ao pronunciar-se como fez sobre a apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida e, em grande medida por essa razão, delimitou a matéria de facto relevante para decisão de maneira tão truncada e deficiente, que não permitirá ao Supremo Tribunal de Justiça, se entender dar provimento ao presente recurso, com este fundamento, proferir uma decisão substitutiva deste segmento decisório do acórdão recorrido, 28) Por essa razão, deverá o Supremo Tribunal de Justiça cassar tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que selecionou para decisão, por isso se afigurar como indispensável para constituir base suficiente de uma correta decisão sobre a questão submetida, como o Recorrente atrás pediu e aqui respeitosamente reitera.” Compulsado o teor da fundamentação do Acórdão recorrido, facilmente constatamos que o Tribunal da Relação omitiu no Acórdão recorrido a factualidade acima indicada na conclusão n.º 8, alegada pelo aqui Recorrente na petição inicial que deu origem à presente ação, por ter considerado tal factualidade irrelevante para a decisão da causa. Em primeiro lugar, antes de apreciar se houve erro de julgamento no Acórdão recorrido quanto à irrelevância da matéria de facto alegada pelo Recorrente na sua petição inicial e acima indicada, importa considerar que, em abstrato, nada impede o Tribunal da Relação de considerar que a factualidade em causa é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de a considerar, não sendo necessária a produção de prova sobre a mesma, por se tratar de ato inútil. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência do STJ de que é exemplo o Acórdão de 30/06/2020 (Revista n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1) em cujo sumário se pode ler que “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (factos complementares e concretizadores de factos essenciais) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (por a mesma, por si só, na ausência de demonstração de factualidade essencial para o efeito, não poder alterar o sentido da decisão, ou seja, afastar a qualificação da insolvência como culposa)”. Conforme também foi decidido no Acórdão do STJ, de 14/03/2019 (Revista n.º 8765/16.1T8LSB.L1.S2): “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.a instância.” No mesmo sentido pronunciaram-se os Acórdãos do STJ, de 28/01/2020 (Revista n.º 287/11.3TYVNG-G.P1.S1), de 5/02/2020 (Revista n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2), e de 13/07/2017 (Revista n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1). No caso concreto dos autos, considerou o Tribunal da Relação que “apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na ausência de independência e imparcialidade dos árbitros, nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objectiva ou subjectiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.” Sendo que, no caso concreto, “o incidente de recusa foi suscitado pelo requerente previamente à prolação do acórdão adicional cuja anulação ora é peticionada, O requerente, tendo deduzido pedido de recusa junto do tribunal arbitral, o qual foi definitivamente decidido pelo órgão competente, pretende lançar mão da ação de anulação, como se de um verdadeiro recurso se tratasse. Mas não estamos perante um daqueles casos - os únicos que justificam o recurso à ação de anulação com o fundamento alegado pelo requerente - em que a circunstância inquinadora da independência ou imparcialidade do árbitro só vem a ser descoberta após a pronúncia final do tribunal arbitral. Sendo que as circunstâncias que o requerente aponta como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas”. Conclui o Tribunal da Relação que “a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela requerida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020.” E por esse motivo, torna-se inútil a apreciação da factualidade alegada pelo aqui Recorrente quanto à alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro designado pela Recorrida. O Recorrente invoca este fundamento de anulação da decisão arbitral ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV. Dispõe esta norma que: “3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: a) A parte que faz o pedido demonstrar que: (...) iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; (...)” A generalidade da doutrina inclui na previsão desta norma os casos de falta de independência e imparcialidade de um dos árbitros como uma desconformidade da composição do Tribunal com a Lei – Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 441; Mário Esteves de Oliveira, coord., Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, Almedina, 2014, págs. 214/562; Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, págs. 306/307; Luís Miguel Cortes Martins, “Incidente de recusa de árbitro: Uso e abuso”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 81 n.ºs 1-2 (Jan.-Jun. 2021), págs. 241 e segs (244); António Sampaio Caramelo, A impugnação da Sentença Arbitral, 4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 76 /79. Sampaio Caramelo, na obra citada no parágrafo anterior, apesar de admitir que as situações de falta de independência ou de imparcialidade de átrbitros são, em princípio, enquadráveis no primeiro segmento da subalínea a) iv) do n.o 3 do artigo 46.o, admite “que os tribunais estaduais competentes venham a preferir caraterizar como ofensiva da ordem pública (internacional) processual e, por isso, a subsumir à subalínea b) ii) do mesmo número e artigo da LAV os casos mais chocantes de preterição daqueles requisitos basilares, em que a ostensiva parcialidade mostrada por um ou mais árbitros ou o claro desrespeito da independência a que estavam obrigados põe gravemente em causa a integridade e a credibihdade social da arbitragem, enquanto forma de exercício da jurisdição.” A inclusão dos casos de falta de independência e imparcialidade de um dos árbitros na previsão do artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV foi também recentemente defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 9/02/2023 (proc. 3215/22.7...-2). O Recorrente alega que a referida norma não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente. Cremos que não lhe assiste razão pois na interpretação da lei importa ter em conta o elemento sistemático porque a ordem jurídica forma um sistema unitário, pelo que cada norma deve ser tomada como parte de um todo, como parte desse sistema (cf. Acórdão do STJ, de 30/06/2020, Proc. n.º 62/19.7...). Assim, a referida norma prevista artigo 46.o, n.o 3, al. a), subalínea iv), da LAV deve ser conjugada com o disposto no artigo 14.º do mesmo diploma, no qual se dispõe o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, as partes podem livremente acordar sobre o processo de recusa de árbitro. 2 - Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o tribunal arbitral, com participação do árbitro visado, decide sobre a recusa. 3 - Se a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insusceptível de recurso. Na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença.” Por sua vez, importa ter presente o artigo 26.º da Lei do TAD, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que dispõe o seguinte: “1 - A parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao presidente do TAD, no prazo de três dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição do colégio arbitral ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo anterior. 2 - Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o presidente do TAD no prazo máximo de cinco dias, mediante ponderação das provas apresentadas, sendo sempre garantida a audição do árbitro, quando a invocação da causa do incidente não tenha sido da sua iniciativa, e ouvida a parte contrária, quando deduzido por uma das partes, decide sobre a recusa. 3 - A decisão do presidente do TAD prevista no número anterior é insuscetível de recurso.” A articulação destas normas conduz-nos à conclusão alcançada no Acórdão recorrido de que apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros que componham o Tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), parágrafo iv), nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido. Como se afirma no Acórdão recorrido, “um pedido de anulação fundamentado em alegada falta de imparcialidade e independência de árbitro será inadmissível sempre que: i. a parte deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, não ocorrendo circunstâncias supervenientes, diferentes das arguidas nesse incidente, que legitimem o recurso à ação de anulação com tal fundamento; ii. a parte tenha conhecimento de circunstâncias que suscitem dúvidas acerca da independência e imparcialidade dos árbitros, mas não deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, antes se conformando com a intervenção do árbitro no processo.” Esta é a posição assumida por Menezes Cordeiro (Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 441), ao referir que podemos incluir na previsão do artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV, “os casos de inadequação ou de falta de independência ou de imparcialidade dos árbitros ou de algum deles, mas desde que a invocação desse vício não tenha ficado precludida, nos termos do 14.°/2; em qualquer caso, a desconformidade da composição do tribunal só releva se ela tiver tido influência decisiva na resolução do litígio, o que deve ser alegado e provado pelo autor da ação de impugnação. Este fundamento funciona, nas mesmas condições, perante irregularidades supervenientes” (negrito e sublinhado nossos). No mesmo sentido pronunciou-se Manuel Pereira Barrocas (Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, págs. 306/307), citado no Acórdão recorrido, quando defende que “atento o regime do artigo 14.º acabado de descrever e tendo em atenção o que estabelece o artigo 46.º, número 3, alínea a), subalínea iv), LAV, pergunta-se se cabe ação de anulação baseada na falta de independência de árbitro atento o regime do processo de recusa e, igualmente, o disposto no número 4. do mesmo artigo 46.o. É claro que uma sentença arbitral proferida ou em que participou, como co-árbitro, um árbitro não independente deve, em tese, ser considerada nula ao abrigo daquela subalínea iv). Mas se a questão da falta de independência já tiver sido decidida pelo próprio tribunal arbitral e, em obediência ao número 3. do artigo 14.º, também pelo tribunal estadual, ainda assim cabe ação de anulação da sentença arbitral que tenha decidido o litígio? Entendemos que não cabe ação de anulação. Efetivamente, se a parte interessada não se socorreu do processo de recusa dentro do prazo legal, não pode posteriormente discutir, numa ação de anulação, o que só poderia fazer, em princípio, no processo de recusa. Todavia, se a parte interessada não teve conhecimento do facto indiciador da falta de independência a não ser após a sentença arbitral ter sido proferida, ficaria impedida de suscitar a questão perante o tribunal arbitral. Este esgota o seu poder jurisdicional com a prolação da sentença arbitral, sem prejuízo do disposto no artigo 45.º LAV. Nesse caso particular, entendemos que cabe ação de anulação ao abrigo da citada subalínea iv) da alínea a) do número 3. do artigo 46.º LAV.” Esta parece também ser a posição de Luís Miguel Cortes Martins (“Incidente de recusa de árbitro: Uso e abuso”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 81 n.ºs 1-2 (Jan.-Jun. 2021), págs. 241 e segs (255), quando o autor defende que a sentença arbitral é um verdadeiro termo ad quem, a partir do qual já não será possível deduzir o incidente de recusa, “desde logo, porque esse seria um expediente que a parte que não teve vencimento tenderia a usar, com todos os inconvenientes que daí advêm. e, depois, se se vier a demonstrar que existia um fundamento de recusa de que a parte só tem conhecimento após a prolação da sentença, terá sempre recurso à acção de anulação. É certo que com um prazo preclusivo. Mas cremos que a certeza do direito não se compadece com soluções alternativas, sob pena de se estar a introduzir grave incerteza no sistema.” No presente caso, os fundamentos em que se baseia o Recorrente nesta ação para sustentar a falta de independência e imparcialidade do árbitro designado pela Recorrida são os mesmos fundamentos que sustentaram o incidente de recusa deduzido em 5/06/2020 no processo arbitral que culminou com a prolação em 6/07/2020 pelo Presidente do TAD de decisão a indeferir o incidente. O Recorrente alega que a interpretação das normas acima referidas levada a cabo pelo Acórdão recorrido, impedindo no caso concreto a alegação da falta de imparcialidade e independência de um dos árbitros como fundamento de anulação da sentença arbitral, constitui uma “restrição” que viola o artigo 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, além de que a exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP. Alega ainda o Recorrente que a exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República). Refere ainda que aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Ora, a obediência à lei pressupõe a sua prévia interpretação, sendo que julgamos que a interpretação proposta pelo Recorrente é que viola de forma flagrante o disposto na Lei do TAD e na LAV, além de afrontar os princípios que regem a arbitragem voluntária. Foi preocupação do legislador criar no âmbito das arbitragens voluntárias que tenham lugar no TAD um processo específico quanto à recusa de árbitros, previsto no artigo 26.º da Lei do TAD, que visou garantir o controlo da independência e imparcialidade dos árbitros no âmbito do próprio processo arbitral, prevendo-se um processo com uma tramitação simples e com prazos curtos de modo a imprimir a maior celeridade ao processo arbitral (João Martinho do Rosário, in Lei do Tribunal Arbitral do Desporto - Introdução, Referências e Notas, José Manuel Meirim, coord., Almedina, 2017, p. 166). Nos casos em o árbitro recusado não renuncia à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insiste em mantê-lo, como sucedeu no presente caso, prevêem os n.ºs 2 e 3 do referido artigo 26.º da Lei do TAD que o presidente do TAD decide sobre a recusa no prazo máximo de cinco dias, mediante ponderação das provas apresentadas, sendo sempre garantida a audição do árbitro, quando a invocação da causa do incidente não tenha sido da sua iniciativa, e ouvida a parte contrária, quando deduzido por uma das partes, sendo aquela decisão insuscetível de recurso.” Como nota João Martinho do Rosário na obra supra citada (p. 167), a insusceptibilidade de recurso da decisão do Presidente do TAD sobre o incidente de recusa, prevista no n.º 3 do artigo 26.º, distingue-se da solução prevista no n.º 3 do artigo 14.º da LAV de acordo com a qual “não será possível recorrer se a resposta ao pedido de recusa for positiva; já se admite, no entanto, o recurso da decisão que mantenha o árbitro em funções (decida negativamente o pedido de recusa), embora com efeito meramente devolutivo (o processo arbitral poderá prosseguir, inclusive com a prolação de sentença). A solução apresentada no n.º 3 do presente artigo 26° parece-nos inculcar uma ideia de uma maior igualdade no tratamento entre todas as partes.” Como afirma a Recorrida nas suas contra-alegações, a ratio subjacente ao n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e similarmente ao n.º 3 do artigo 14.º da LAV – é a de estabilizar o quanto antes o processo, pretendendo o legislador evitar motivos de entorpecimento do processo arbitral ou esquemas contra arbitratorem. O Recorrente refere que o Presidente do TAD é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros, pelo que o n.º 3 do artigo 26.º, ao prever que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, não implica que esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida. Ora, a interpretação feita pelo Recorrente esvaziaria de conteúdo todo o processo de recusa previsto no artigo 26.º da Lei do TAD, que se tornaria inútil, caso os mesmos fundamentos que justificaram a dedução do pedido de recusa e foram objeto de decisão do presidente do TAD nos termos aí previstos pudessem novamente ser apresentados como fundamento de anulação de sentença arbitral. Tal solução preconizada pelo Recorrente acarreta a total desconsideração pelas decisões tomadas pelo TAD, sendo certo que o presidente deste organismo não é um órgão administrativo qualquer, mas um árbitro que integra o TAD, eleito pelos seus pares (artigo 13.º, n.º 1 da lei do TAD). De realçar que estamos no âmbito de uma arbitragem voluntária, livremente estalecidas pelas partes, tendo sido estas, incluindo o aqui Recorrente, a querer submeter os litígios emergentes do contrato de trabalho desportivo ao TAD, o que inclui naturalmente a vinculação às decisões do respetivo Presidente. Esta decisão prevista no n.º 3 do artigo 26.º da lei do TAD, não se assume como uma mera decisão administrativa, mas uma decisão que decide um incidente suscitado por uma parte, com exercício do contraditório pela parte contrária e pelo árbitro visado, com repercussão na relação processual arbitral, tendo por isso o mesmo valor que a decisão de um tribunal estadual prevista no artigo 14.º n.º 3, da LAV. Este último preceito prevê igualmente que da decisão que rejeita a recusa pode haver recurso para um tribunal estadual, cuja decisão é insuscetível de recurso. Como o próprio Recorrente refere, a arbitragem voluntária representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, pelo que não procede a sua argumentação no sentido de não se respeitar a decisão proferida no âmbito do processo de recusa previsto no artigo 26.º da Lei do TAD. Também o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 13/01/2022 (processo n.o 177/21.1YRGMR), citado pela Recorrida nas suas contra-alegações, a propósito de uma decisão do Presidente do TAD que prorrogou o prazo global para conclusão de um processo arbitral por 6 meses, considerou que tal despacho do Presidente do TAD constituía uma decisão jurisdicional arbitral que tem implícito o reconhecimento da competência do Tribunal Arbitral para continuar a dirimir o litígio. Acresce que, sendo a decisão do presidente do TAD uma decisão administrativa, a admitir-se o recurso da mesma, o meio processual adequado não se traduziria na presente ação de anulação que tem como objeto a decisão arbitral e não aquela decisão do presidente do TAD, além que nem seriam os tribunais da jurisdição comum os competentes para a apreciação desse recurso. Como afirmam Artur Flamínio da Silva e Daniela Mirante (O Regime Jurídico do Tribunal Arbitral do Desporto anotado e comentado, Petrony Editora, 2016, p. 69), reportando-se à norma prevista no n.º 3 do artigo 26.ºd a Lei do TAD: “consubstanciando esta decisão do presidente do TAD um acto materialmente administrativo deverá haver, sob pena de violação do artigo 20.°, da CRP, a possibilidade de impugnar a mesma junto dos tribunais administrativos.” Porém, o aqui Recorrente não interpôs qualquer recurso dessa decisão do Presidente do TAD, na qual discutisse a alegada inconstitucionalidade do preceito legal que prevê a insusceptibilidade de recurso, não sendo possível nesta ação de anulação de decisão arbitral discutir novamente os fundamentos do pedido de recusa do árbitro designado pela Recorrida que já foram apreciados e objeto de decisão no âmbito do processo arbitral. Apenas seria possível ao aqui Recorrente fundamentar o seu pedido de anulação da decisão arbitral com base na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros, caso não tivesse podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido, ou caso tivesse ocorrido alguma irregularidade no âmbito do incidente de recusa, em violação da convenção de arbitragem ou de norma legal, o que não sucedeu no caso em apreço. Pois como se afirma no Acórdão recorrido e não é negado pelo Recorrente no seu recurso de revista, “as circunstâncias que o requerente aponta como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas. Tanto que foram tais questões ainda tempestivamente suscitadas pelo requerente em sede de incidente de recusa. Comparando-se o articulado da petição inicial com o do requerimento de recusa apresentado pelo requerente a ....06.2020 (cfr. Doc. 7 junto com a petição inicial), facilmente se constata que este é uma repetição dos mesmos argumentos já esgrimidos pelo requerente em sede arbitral, que vêm apresentados nos mesmos exatos termos.” Assim, não merece censura a decisão do Acórdão recorrido no sentido da alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Requerida não constituir fundamento de anulação das decisões arbitrais objeto dos autos. Dessa forma, torna-se desnecessária qualquer ampliação da matéria de facto por não ter qualquer relevância para a decisão de direito nos termos acima expostos. Deste modo, o recurso tem de improceder. IV. Decisão Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 30 de maio de 2023 Pedro de Lima Gonçalves (Relator) Maria João Vaz Tomé António Magalhães
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:021491 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:LUCIO BARBOSA Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL IMPOSTO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA GERENTE DE FACTO E DE DIREITO ÓNUS DE PROVA Sumário:I - As contribuições para a Segurança Social têm a natureza de impostos especiais. II - No domínio do art. 16 do CPCI, era ao responsável subsidiário que cabia o ónus de provar que não exercera a gerência de facto. III - A responsabilidade do gerente, prevista no mencionado artigo, era uma responsabilidade "ex-lege", baseada num critério de culpa funcional. IV - O Dec.Lei n. 68/87, de 9/2, veio exigir que a administração fiscal alegasse e provasse a responsabilidade do gerente pela dívida do imposto. V - Nesta última hipótese, e se a administração fiscal não lograsse tal prova, o gerente não era responsável por tal dívida. VI - Quanto à responsabilidade subsidiária pelas dívidas respeitantes às contribuições para a Segurança Social têm aplicação os princípios atrás expostos. Nº Convencional:JSTA00052088 Nº do Documento:SA219990708021491 Data de Entrada:12/02/1997 Recorrente:MACEDO , ANTONIO Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:AC TT2INST. Decisão:PROVIDO. Área Temática 1:DIR FISC - IMPOSTOS. DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO. Legislação Nacional:CPC96 ART524 ART722 ART727. DL 103/80 DE 1980/05/09 ART13. CPCI63 ART16. DL 68/87 DE 1987/02/09 ARTÚNICO. Jurisprudência Nacional:AC TC DE 1996/02/14 IN DR IIS DE 1996/05/23. AC STA PROC21343 DE 1997/12/03. AC STA PROC15953 DE 1993/06/02. AC STA PROC16070 DE 1993/09/22. AC STA PROC14606 DE 1993/10/13. AC STA PROC19511 DE 1996/03/14. AC STA PROC18760 DE 1995/03/02. AC STA DE 1990/04/24 IN AD N355 PÁG862. Referência a Doutrina:RUBEN DE CARVALHO E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO DAS CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS ANOTADO 2ED PÁG133. ALBERTO XAVIER MANUAL DE DIREITO FISCAL V1 PÁG388. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021069 Nº Convencional: JTRP00030920 Relator: EMÍDIO COSTA Descritores: FALÊNCIA CADUCIDADE DA ACÇÃO Nº do Documento: RP200101090021069 Data do Acordão: 09/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG176 Tribunal Recorrido: T J BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 505/99 Data Dec. Recorrida: 24/03/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM. DIR PROC CIV - PROC ESP. Legislação Nacional: CPEREF93 ART9. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1996/11/26 IN BMJ N461 PAG384. Sumário: A caducidade do prazo para ser requerida a falência, por cessação da actividade do devedor, prevista no artigo 9 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência, apenas se aplica no caso de o devedor ter exercido uma actividade empresarial de forma profissional e organizada, não abrangendo o devedor insolvente que não tiver sido titular de uma empresa. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO "B..... - Banco ............., S.A." intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, a presente acção de declaração de falência contra: - Maria ........., pedindo se decrete a falência desta e se reconheça o crédito do requerente, no montante de Esc. 43.332.240$00. Alegou, para tanto, em resumo, que tem sobre a requerida um crédito daquele montante, resultante de aval por ela prestado a duas livranças já vencidas; essas livranças não foram pagas na data do respectivo vencimento nem posteriormente, tendo o requerente instaurado contra a requerida acção executiva para cobrança daquela quantia, na qual não logrou penhorar qualquer bem ou direito pertencente à requerida; esta não possui qualquer património ou rendimento conhecido que permitam a cobrança do crédito invocado, bem como não cumpre as suas obrigações para com outros credores, sendo elevado o montante dos seus débitos; é, por isso, manifesta a inexistência de activo para satisfação integral do seu passivo. A requerida deduziu oposição, alegando, também em resumo, que a falta de cumprimento pela requerida das suas obrigações se verifica há mais de um ano, com referência à data da instauração da acção, o que é do conhecimento do requerente; pela acção executiva referida pelo requerente, este tomou conhecimento de que a requerida, há mais de uma ano, não dispõe de quaisquer bens ou rendimentos, não exerce qualquer actividade remunerada e que tem outras dívidas que não cumpre e que são reveladoras da sua impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das sua obrigações; termina pedindo se declare a caducidade do direito de a requerente pedir a falência. Na resposta, o requerente veio dizer que o disposto no art.º 9.º do C.P.E.R.E.F. não é aplicável à requerida, uma vez que esta ainda não faleceu. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, após o que se verteu nos autos despacho saneador que julgou procedente a arguida excepção de caducidade e ordenou o arquivamento dos autos. Inconformado com o assim decidido, interpôs o requerente recurso para este Tribunal, o qual foi recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - " A apelada encontra-se impossibilitada de satisfazer pontualmente as suas obrigações face aos credores há mais de um ano, não exerce qualquer actividade remunerada e não dispõe de qualquer rendimento; 2.ª - O art.º 9 do D.L. n.º 315/98 de 28/10, refere-se à morte do devedor singular; 3.ª - Não tendo falecido a devedora/apelada, nem tendo deixado de exercer actividade empresarial, por a não possuir, verifica-se a possibilidade de ser requerida a sua falência dada a verificação objectiva dos pressupostos previstos no art.º 8.º do D.L. n.º 315/98 de 28/10". Contra-alegou a apelada, pugnando pela manutenção do julgado. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos art°s 684°, n.º3, e 690°, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal é apenas a de saber se ocorre a arguida caducidade do direito de requerer a falência. -Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir . OS FACTOS No saneador-sentença recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.º - A requerida não se encontra registada como comerciante na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos e não exerce qualquer profissão remunerada; 2.º - A requerida avalizou duas livranças, subscritas pela sociedade "C........., L.da", sendo a primeira de 4.02.94, com vencimento em 8.03.94, no valor de 8.500.000$00, e a segunda de 10.10.94, com vencimento em 12.12.95, no montante de 22.675.961$00; 3.º- O requerente instaurou acção executiva contra, para além de outros obrigados cambiários, a requerida baseando-se nos títulos cambiários referidos, que corre os seus termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos sob o n.º 643/95, intentada em 20.12.95; 4.º- Nessa execução não foram nomeados bens à penhora pela requerida, nem lhe foram penhorados quaisquer bens, conforme certidão constante de fls. 209 dos presentes autos; 5.º - Tendo o requerente sido notificado no mencionado processo executivo da inexistência de bens que nomeou à penhora em 22.04.96. Para além dos factos supra transcritos, há a consignar que a presente acção deu entrada em juízo no dia 19 de Outubro de 1999 (v. fls. 2). O DIREITO A questão posta pela apelante à consideração deste Tribunal consiste em saber se é de aplicar o disposto no art.o 9.0 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo Dec. Lei n.º 132/93, de 23/4, com a actualização do Dec. Lei n.º 315/98, de 20/10, ao devedor individual que não desenvolve qualquer actividade empresarial. O saneador-sentença recorrido respondeu afirmativamente a esta questão. Mas não nos parece que tal entendimento colha apoio legal. Vejamos. O C.P.E.R.E.F. eliminou, como é sabido, a distinção que até à sua entrada em vigor se vinha estabelecendo entre insolvência (atinente a devedores não comerciantes) e falência (respeitante a comerciantes), passando, agora, o instituto da falência a abranger uns e outros, quer se trate de pessoas singulares quer colectivas. Como referem Carvalho Femandes e João Labareda C.P.E.R.E.F. Anotado, 3.8 ed., 55 e 56), no C. de Proc. Civil, a falência era encarada como estado próprio dos comerciantes impossibilitados de cumprir as suas obrigações. Isto implicava que, se, por um lado, todo o comerciante, matriculado ou não, estava sujeito à falência, por outro, só excepcionalmente a falência abrangia outras entidades, sendo para isso necessária uma expressa previsão da lei. Paralelamente à falência, a lei destinava a insolvência - regulada nos art.os 1313.º e seguintes do C.P.C. - aos devedores não comerciantes, quando o activo do seu património fosse inferior ao passivo. Falência e insolvência eram, pois, assumidamente, estados de carácter patrimonial, demarcados primariamente pela qualidade do devedor . Porém, com o C.P.E.R.E.F ., a falência passou a ser um instituto de carácter geral, o que implica que qualquer insolvente, exerça ou não uma actividade (empresarial ou outra) está sujeito a ser declarado falido. Por outro lado, ao invés do que antes sucedia, não é, agora, estabelecido um prazo de caducidade para instauração da acção: enquanto se verificar a situação de insolvência, é possível requerer a falência, desde que tenha ocorrido qualquer dos eventos enumerados no art.º 8.º daquele código (v. ob. cit., 88). Nos termos daquele preceito, qualquer credor pode requerer, em relação à empresa que considere economicamente viável, a aplicação da providência de recuperação adequada, desde que se verifique algum dos seguintes factos reveladores de insolvência do devedor: a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; b) Fuga do titular da empresa ou dos titulares do seu órgão de gestão, relacionada com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo, ou abandono do local em que a empresa tem a sua sede ou exerce a sua principal actividade; c) Dissipação ou extravio de bens, constituição fictícia de créditos ou qualquer outro procedimento anómalo que revele o propósito de o devedor se colocar em situação que o impossibilite de cumprir pontualmente as suas obrigações. Sempre que se verifique algum dos factos referidos nas transcritas alíneas, pode a falência da empresa ser requerida por qualquer credor, ainda que preferente e seja qual for a natureza do seu crédito, quando a não considere economicamente viável (n.º 3 do mesmo preceito )- Por sua vez, dispõe o art.º 9.º do mesmo diploma legal que, "no caso de o devedor ter falecido ou cessado a sua actividade, a falência pode ainda ser requerida por qualquer credor interessado ou pelo Ministério Público, dentro do ano posterior a qualquer dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) do artigo anterior, quer a situação de insolvência se tenha revelado antes, quer depois da morte ou da cessação de actividade do devedor". É aplicável ao devedor insolvente não titular de empresa, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos anteriores relativamente à falência (art.º 27.º, n.º 2, do mesmo código )- São duas as situações em que pode invocada a caducidade do direito de requerer a falência: o falecimento ou a cessação de actividade do devedor (cit. art.º 9.º). O falecimento está, no caso presente, fora de questão. A actividade do devedor a que alude aquele preceito deve sei entendida em sentido empresarial, ou seja, do exercício de qualquer actividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços, para que tenha organizado as fontes de produção - capital e trabalho (v., neste sentido, Ac. do S.T.J. de 26/11/96, B.M.J; n.º 461.º, 384.º, que confirmou o Ac. desta Relação de 26/02/96, 5.ª Secção). Como lucidamente se escreveu naquele aresto, proferido em caso idêntico ao que ora se discute, a dilatação do prazo para requerer a falência, resultante da morte do devedor, tanto é susceptível de aplicação na empresa como sujeito ou agente jurídico, isto é, na «empresa sob o perfil da pessoa que exerce uma actividade económica de produção ou distribuição de bens ou serviços, reconduzindo-a, portanto, à própria pessoa daquele que organiza e conduz a actividade, suportando o respectivo risco» (cfr. Dr. Pupo Correia, Direito Comercial, 2.ª ed., 187), como, por força do n.º 2 do art.º 27.º, na insolvência do devedor não titular de empresa, pois a morte é sempre do devedor . Mas a dilatação do prazo resultante da cessação da actividade do devedor já não será possível de aplicação a devedor insolvente não titular de empresa, porque esta cessação de actividade pressupõe a existência de uma empresa, ou seja (Dr. Pupo Correia, ob. cit., 188), de «actividade económica exercida pelo empresário de forma profissional e organizada, com vista à realização de fins de produção ou troca de bens e serviços», o que se não verifica naquele situação. Por isso, não tendo falecido o devedor, nem tendo ele deixado de exercer actividade empresarial, por antes a não possuir, continua a verificar-se a possibilidade de ser requeri da a falência, desde que verificados os respectivos pressupostos legais (neste sentido, v. também o Ac. desta Relação de 28/10/99, citado pela apelante). Ora, não se mostrando provado, o que, aliás, nem sequer foi objecto de alegação, que a requerida, ora apelada, deixou de exercer qualquer actividade empresarial, com o alcance supra referido, não podia a invocada excepção de caducidade ter sido, como foi, julgada procedente. Procedem, pois, no que à questão em análise respeita, as conclusões da apelante, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se, antes tendo de ser substituída por outra que julgue improcedente a excepção de caducidade, devendo os autos seguir os seus ulteriores termos. DECISÃO Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que julga improcedente a arguida excepção de caducidade, pelo que os autos deverão prosseguir os seus ulteriores termos. Custas pela apelada, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Porto, 9 de Janeiro de 2001 Emídio José da Costa Maria Fernanda Pereira Soares Armando Fernandes Soares de Almeida
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 9920924 Nº Convencional: JTRP00031067 Relator: RAPAZOTE FERNANDES Descritores: ARRENDAMENTO COISA COMUM INEFICÁCIA Nº do Documento: RP200101099920924 Data do Acordão: 09/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 101-B/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART1024. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1984/01/19 IN BMJ N333 PAG428. AC RC DE 1980/10/14 IN CJ T4 ANOV PAG30. Sumário: O arrendamento de coisa comum feito por um dos comproprietários sem o consentimento dos outros não é nulo, mas apenas ineficaz em relação a estes. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0020230 Nº Convencional: JTRP00031370 Relator: GONÇALVES VILAR Descritores: ÁGUAS SERVIDÃO DE AQUEDUTO USUCAPIÃO Nº do Documento: RP200101090020230 Data do Acordão: 09/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 697/98 Data Dec. Recorrida: 01/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS. Legislação Nacional: CCIV66 ART1543 ART1547 ART1557. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1998/03/03 IN CJ T2 ANOXXIII PAG187. Sumário: Enquanto na constituição legal de uma servidão a servidão surge por imperativo de criar condições para a fruição de um outro direito -o direito a certa água, para certo prédio- na constituição da servidão por usucapião trata-se de regular jurídica e definitivamente a situação de facto já criada. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07P4374 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: PIRES DA GRAÇA Descritores: ADIAMENTO PROVA DESPACHO QUE DESIGNA DIA PARA A AUDIÊNCIA OMISSÃO DE PRONÚNCIA OBJECTO DO PROCESSO REGISTO CRIMINAL ALEGAÇÕES ROUBO SEQUESTRO CONSUMPÇÃO Nº do Documento: SJ200802060043743 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - Dispõe o artº 328º do CPP a propósito da continuidade da audiência, no seu nº 6 que “O adiamento não pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo perde a eficácia a produção de prova realizada. “ II - Esta disposição é justificada pela oralidade e imediação da prova, que necessariamente tem de estar presente na memória dos julgadores III - Por isso, a perda de eficácia da prova produzida, abrange apenas a prova oral realizada em audiência, e não os documentos juntos aos autos. IV -O comportamento criminal do arguido, anterior e posterior à factualidade imputada, circunscreve-se no objecto do processo, por ser um elemento relevante na determinação da medida concreta da pena, face a eventual condenação. –v. artº 71º nº1 e 2 al.s e) e f) do Código Penal. V - A junção do certificado de registo criminal do arguido, pode ser efectuada posteriormente ao encerramento da discussão da causa, como se depreende do disposto no artigo 369º nº 1 do CPP. VI- O certificado de registo criminal não se encontra submetido ao princípio do contraditório, porque dccumenta decisões já proferidas, assentes em factos resultantes de provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento, doe harmonia com o exercício do contraditório pelo que já não podem ser objecto de prova. VII - Tendo ocorrido a junção do certificado de registo criminal do arguido, posteriormente ao encerramento da decisão da causa, não se justificavam alegações finais sobre toda a prova, por tal não se revelar indispensável, não sendo assim caso de aplicação do disposto no artº 360º nº 4 do C.P.P. VIII - O despacho que designa dia para a audiência nos termos do artº 313º do CPP, que não remete expressamente para acusação, não constitui omissão de recebimento da acusação pública, nem violação ao disposto no artº 313 do CPP.,uma vez que esse despacho fixa o objecto do processo que a acusação define, introduzindo esta em juízo, acolhendo por isso, necessária e implicitamente essa acusação, donde ser redundante, por desnecessário expressamente referi-la. IX – A alínea a) do nº 1 do artº 313º do CPP. tem a sua razão de ser quando haja mais do que uma acusação, como quando haja acusação particular e acusação pública. X - O crime de roubo - artº 210 do CP - é um crime complexo que aglutina bens jurídicos diferentes: uns de natureza patrimonial, (o direito de propriedade, a posse ou, mera detenção, de coisas móveis), outros de natureza pessoal- ( o direito à liberdade de autodeterminação na acção e decisão, e à integridade física .) No crime de roubo o agente age com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtraindo, ou constrangendo a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio da violência ou ameaça com um perigo iminente para a integridade física ou para a vida ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir. –artº 210º nº 1 do CP.. XI - Ao proteger vários bens jurídicos, o crime de roubo pode consumir outros ilícitos típicos. XII - Há concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o crime de sequestro (artº 158º do CP) e o crime de roubo, quando aquele constituir o meio necessário à apropriação da coisa móvel alheia. XIII - Há concurso real entre os crimes de roubo e de sequestro, se o agente tendo já praticado o roubo, apropriando-se da coisa subtraída ao ofendido, continua a manter este aprisionado contra sua vontade, mantendo-se assim, o sequestro para além do necessário á prática do roubo. XIV - Sendo desnecessárias ou desproporcionais as agressões que originaram as ofensas à integridade física do ofendido, e ainda a privação deste da sua liberdade de movimentos no contexto factual ocorrido, não podem considerar-se como violência “adequada” ou “necessária” ao crime de roubo, e autonomizam-se em ilícitos típicos próprios. XV - Integra o crime de sequestro qualificado, p. e p. pelo artº 158, nºs 1 e 2 aI. b), - a conduta do arguido que durante a privação de liberdade do ofendido, infringe ao ofendido um tratamento cruel e degradante XVI -.Constitui tratamento cruel e degradante do ofendido, após o crime de roubo, e, de harmonia com o juízo de qualquer cidadão comum, se o arguido em execução de condutas criminosas actuou voluntária, consciente e intencionalmente aviltando a dignidade humana na sua integridade psico-física, de forma variada e acutilante, como demonstra a situação verificada nos autos em que, após o crime de roubo, transportando-se no veículo automóvel do ofendido, com este também no seu interior contra a sua vontade, após uma ou outra paragem, o arguido circulou com o veículo até (…), parando junto a uma mata existente nas proximidades daquela localidade; Ali chegados, sem que nada o justificasse e sem que o ofendido oferecesse qualquer tipo de resistência, o arguido e acompanhantes retiraram o mesmo do veículo e, já no seu exterior, agrediram-no fisicamente, desferindo-lhe diversos socos e pontapés, batendo-lhe ainda com um pau e apertando-lhe o pescoço com um cinto de cabedal; Depois, sempre contra a sua vontade, arrastaram-no para o interior da mata e, exibindo uma faca, amordaçaram-lhe a boca com um pano, ataram-lhe os pulsos com uma fita e amarraram-no a uma árvore, utilizando para o efeito uma câmara de ar de um velocípede; Alguns minutos volvidos, desamarraram-no e, mais uma vez, agrediram-no fisicamente; Após, fazendo uso da força física e contra a sua vontade, obrigaram-no a entrar novamente para o interior do veículo, retomando a sua marcha em direcção a (…); Durante o trajecto aludido, o arguido e acompanhantes por várias vezes transmitiram ao ofendido que o matariam se ele se queixasse à polícia, intimidando-o e fazendo-o temer pela sua vida; Quando já eram cerca de 10 h, abandonaram a vítima junto à linha férrea, a cerca de 1 km da estação de caminho de ferro da localidade de (…), colocando-se em fuga naquela viatura automóvel e levando consigo os objectos e a quantia em dinheiro que lhe haviam retirado, dos quais se apoderaram e fizeram seus. Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021510 Nº Convencional: JTRP00031061 Relator: LEMOS JORGE Descritores: EXPROPRIAÇÃO TERRENO PARA CONSTRUÇÃO PDM LOTEAMENTO URBANO Nº do Documento: RP200101090021510 Data do Acordão: 09/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J GONDOMAR Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR EXPROP. Legislação Nacional: CEXP91 ART24 N1 A ART25 N3. Sumário: I - Se um terreno for expropriado para nele se instalar um equipamento urbano previsto no plano municipal, temos que concluir que adquiriu aptidão construtiva, isto é, que vai dispor das necessárias infra-estruturas. II - Os custos de um loteamento e de infra-estruturação não têm que ser deduzidos ao valor da parcela uma vez que já entraram em conta para a fixação desse valor por não aplicação de percentagens previstas no n.3 do artigo 25 do Código das Expropriações de 1991. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051452 Nº Convencional: JTRP00030937 Relator: FERREIRA DE SOUSA Descritores: INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO MEIOS DE PROVA Nº do Documento: RP200101080051452 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MATOSINHOS 3J Processo no Tribunal Recorrido: 1304/94 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART236. Sumário: Na interpretação de qualquer documento é lícito o recurso a meios complementares de prova para se poder apurar a vontade real do declarante. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051576 Nº Convencional: JTRP00030935 Relator: NARCISO MACHADO Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE ESBULHO VIOLÊNCIA Nº do Documento: RP200101080051576 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J CAMINHA Processo no Tribunal Recorrido: 89-A/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART393. CCIV66 ART1261 N2. Sumário: I - Para efeito de restituição provisória de posse, há esbulho violento sempre que a privação da coisa seja obtida com violentação da liberdade de consentimento do possuidor, ou seja, sempre que este seja desapossado por não poder exercer, por acto do esbulhador, a sua liberdade de consentimento. II - Há tal violência com o facto de mudança da fechadura da porta de acesso à coisa possuída, com recusa de entrega das chaves da nova fechadura. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051356 Nº Convencional: JTRP00030934 Relator: PINTO FERREIRA Descritores: LETRA RELAÇÕES MEDIATAS OPOSIÇÃO MÁ FÉ Nº do Documento: RP200101080051356 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J LOUSADA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 98-C/99 Data Dec. Recorrida: 25/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM - TIT CRÉDITO. Legislação Nacional: LULL ART17. Jurisprudência Nacional: AC RL DE 1997/06/24 IN BMJ N468 PAG458. Sumário: Nas relações mediatas, ou seja, quando a letra se encontra na posse de pessoa estranha à convenção extracartular, a possibilidade de oposição ao portador das excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador ou os portadores anteriores depende de o portador ter adquirido a letra de má fé, com a consciência de prejudicar o devedor. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0050856 Nº Convencional: JTRP00030933 Relator: AMÉLIA RIBEIRO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANOS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200101080050856 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV STA MARIA FEIRA Processo no Tribunal Recorrido: 215/98 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART566. Sumário: I - No cálculo da indemnização pela perda de capacidade para o trabalho, o critério básico prende-se com o tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense o lesado, até ao esgotamento, dos ganhos do trabalhador que durante esse tempo perdeu. II - Para esse efeito, não reveste natureza vinculativa ou obrigatória a utilização de tabelas ou fórmulas financeiras e deve recorrer-se à equidade quando não se possa averiguar o valor exacto do dano. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051409 Nº Convencional: JTRP00030932 Relator: RIBEIRO DE ALMEIDA Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA AGENTE PODERES DE REPRESENTAÇÃO PREÇO Nº do Documento: RP200101080051409 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J AMARANTE 1J Processo no Tribunal Recorrido: 246/98 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ANULADO O JULGAMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. DIR COM. Legislação Nacional: CCIV66 ART769 ART770 F. DL 178/86 DE 1986/07/03 ART3 N2 ART23. Sumário: No contrato de agência, a faculdade de o agente cobrar créditos, mesmo no caso de presunção legal dessa faculdade, não o autoriza a alterar o direito de crédito do principal, nomeadamente concedendo condições especiais de pagamento ou da sua prorrogação. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:023533 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:LUCIO BARBOSA Descritores:FALTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS Sumário:I - Faltando as testemunhas à respectiva inquirição, deve ser designado novo dia para a dita inquirição, se o oponente dela não prescindir. II - A lei (art. 138 do CPT) não distingue entre testemunhas a notificar ou testemunhas a apresentar. III - Decidindo-se em contrário, ocorre violação do citado comando legal, com inerente influência no exame ou decisão da causa. Nº Convencional:JSTA00052089 Nº do Documento:SA219990708023533 Data de Entrada:19/02/1997 Recorrente:PENDLEDER , LORENZ Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:DESP SENT TT1INST PORTO PER SALTUM. Decisão:PROVIDO. / NÃO TOMAR CONHECIMENTO. Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT. Legislação Nacional:CPTRIB91 ART138. CPC96 ART201. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051001 Nº Convencional: JTRP00030930 Relator: AMÉLIA RIBEIRO Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA Nº do Documento: RP200101080051001 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MAIA 3J Processo no Tribunal Recorrido: 404/97 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART474. Sumário: A prestação de assistência a uma pessoa, mesmo que seja de família, não se presume gratuita e pode fundamentar uma situação de enriquecimento sem causa. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051561 Nº Convencional: JTRP00030928 Relator: NARCISO MACHADO Descritores: EXECUÇÃO TÍTULO EXECUTIVO DESPESA HOSPITALAR CERTIDÃO Nº do Documento: RP200101080051561 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 669-A/99-2S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC. Legislação Nacional: DL 194/92 DE 1992/09/08 ART2 ART4. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1996/03/28 IN CJ T2 ANOXVII PAG210. Sumário: As certidões relativas a despesas hospitalares, emitidas pelas instituições integradas no Serviço Nacional de Saúde, constituem título executivo mesmo no caso de colisão de veículos e de o sinistrado ser o condutor de um dos veículos, sendo executada a seguradora do outro veículo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0051457 Nº Convencional: JTRP00030921 Relator: ANÍBAL JERÓNIMO Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA REQUISITOS SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL Nº do Documento: RP200101080051457 Data do Acordão: 08/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T COMÉRCIO V N GAIA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 156-A/00 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART381 ART396. Sumário: I - Um dos requisitos da providência cautelar não especificada é não ser adequada ao caso nenhuma das providências tipificadas na lei. II - A mera convocação, ainda que irregular, de assembleia geral de uma associação, não justifica a providência de intimação do presidente dessa assembleia para a sua não realização, por ser adequada ao caso a providência de suspensão da execução da deliberação que porventura tiver sido tomada. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011120 Nº Convencional: JTRP00030986 Relator: CIPRIANO SILVA Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL DURAÇÃO Nº do Documento: RP200101050011120 Data do Acordão: 05/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 431/99 Data Dec. Recorrida: 24/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. Legislação Nacional: DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART55 N2 B NA REDACÇÃO DO DL 403/91 DE 1991/10/16. Sumário: I - A função de um vigilante de instalações públicas ou privadas, industriais ou comerciais, não tem o grau de responsabilidade que exiga um período de experiência ou de prova de 6 meses para mostrar que possui aptidões para o exercício de tais funções. II - É nula a cláusula que estipula o período experimental de 6 meses por as funções de vigilante se não encaixarem na alínea b) do n.2 do artigo 55 do Decreto-Lei n.64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção do Decreto-Lei n.403/91, de 16 de Outubro. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07P2604 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SORETO DE BARROS Descritores: EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL CONTUMÁCIA ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONALIDADE APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL Nº do Documento: SJ200803060026043 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO O RECURSO Sumário : I - A verificação da prescrição é de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo, pois que é causa de extinção do procedimento criminal. II - No Assento n.º 10/2000, de 10-11, o STJ fixou jurisprudência no sentido de que «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal». III - A decisão que resolver o conflito – no caso do Assento n.º 10/2000, decorrente das “soluções opostas” tomadas nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos nos recursos n.ºs 4805/99 e 4445/99 – não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (n.º 3 do art. 445.º do CPP). IV - Tal comando é igualmente aplicável às secções criminais deste Supremo Tribunal, havendo lugar, também aqui, à necessidade de ‘fundamentar as divergências’. V - Ora, os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isto é, quando: - o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; - a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada. VI - O citado acórdão uniformizador, embora sem tratar da questão nos fundamentos da decisão que fez vencimento, não deixa de dar nota das dificuldades de acomodação constitucional – que, recorrentemente, lhe viriam a ser opostas – já que alguns dos juízes subscritores as anteciparam e deixaram consignadas nos ‘votos de vencidos’, embora nos limites concedidos pela natureza desse registo (actualmente, dos Juízes Conselheiros que subscreveram o acórdão apenas parte dos que apresentaram voto de vencido integram ainda as secções criminais do STJ). VII - O tema voltou a ser tratado no Ac. do TC n.º 110/2007, de 15-02-2007, que, a final, decidiu, julgar inconstitucional, por violação do art. 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, a norma extraída das disposições conjugadas do art. 119.º, n.º 1, al. a), do CP, e do art. 336.º, n.º 1, do CPP, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia. VIII - Entende-se, pois, ser de afastar a aplicação da jurisprudência fixada no referido Assento n.º 10/2000. IX - No caso dos autos é imputada à arguida a autoria de um crime de homicídio qualificado, previsto pelo art. 132.º, n.º 2, als. a) e g), do CP82, punido (então) com pena de prisão de 12 a 20 anos, sendo que nos termos do disposto no art. 117.º, n.º 1, al. a), do CP82 – actualmente art. 118.º, n.º 1, al. a) – o procedimento criminal extinguir-se-ia, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tivessem decorrido 15 anos. X - Resultando dos autos que: - a morte que deu objecto ao presente processo ocorreu em 03-05-1988; - neste, foi proferida declaração de contumácia da arguida em 19-02-1990, situação que veio a cessar por despacho 14-07-2005; - antes do decurso daquele prazo de prescrição do procedimento criminal (15 anos) não ocorreu causa relevante de suspensão ou interrupção do mesmo (o interrogatório da arguida, pelo MP, ocorreu em 24-05-1988 [Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a notificação para as primeiras declarações, para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal, ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma – Ac. do Pleno das Secções Criminais do STJ, de 12-11-1998, DR I-A, n.º 3/99, de 05-01] e a notificação pessoal da acusação concretizou-se em 03-01-2006, sendo certo que o período em que esteve contumaz não determinou a suspensão da prescrição do procedimento criminal; impõe-se concluir que na data da prolação do acórdão final do tribunal colectivo, 18-12-2006, o procedimento criminal já se encontrava extinto, por prescrição. Decisão Texto Integral: 1. O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida AA, identificada nos autos, imputando-lhe um crime de homicídio qualificado, previsto pelos artigos 131° e 132°, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e g) do C. Penal . O Tribunal da Comarca de Leiria procedeu ao julgamento e, por acórdão de 18.12.06, proferido no processo n.º 253/99, condenou-a - 'fazendo intervir a atenuação especial da pena, ao abrigo do disposto no art.º 73°, n.ºs 1 e 2, alínea d), do C. Penal de 1982' - na pena de oito anos de prisão, 'como autora de um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do C. Penal de 1982' . 1.1 Desta decisão, recorreram o Ministério Público e a arguida . 1.1.1 O Ministério Público fechou a motivação com as seguintes conclusões : 1ª. Só sob um prisma «pluridimensional», numa perspectiva que, nunca descurando as específicas exigências de retribuição e, portanto, a total correspondência que deve existir, em princípio, entre a pena e a culpa do agente (enquanto esta constitui fundamento, limite ou legitimidade daque­la), compatibilize os interesses de defesa da sociedade (seja através da ameaça abstracta da pena relativamente a todos os seus membros, seja pela recuperação ou intimidação do delinquente para a não prática do crime) com os de reintegração do condenado nela (ainda que, para este fim e excepcio­nalmente, seja necessário o sacrifício daquela total correspondência) e tenha, desta forma, em conta o que, hoje, é evidenciado pelo disposto no artigo 40º., nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, se pode avaliar e determinar o grau «acentuado» de «diminuição» da «necessidade da pena» da circunstância a que alude o artigo 73º., nºs. 1 e 2, alínea d), do Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção (hoje, artigo 72º., nºs. 1 e 2, alínea d)). 2a O bom comportamento, evidenciado, nomeadamente, através de um «certificado de registo criminal limpo», não constitui, porém, a «boa conduta» a que alude a referida alínea, 3a• Já que o dever de observar as leis criminais é um dever de qualquer cidadão e aquele que o cumpre nada mais faz do que observar as regras de convivência social necessárias ao relacionamento entre ele e os outros. 4a• Antes se torna necessário um comportamento «melhor do que o da nor­malidade dos indivíduos com iguais condições de vida, idade, cultura, etc., e colocados nas mesmas condições de criminalidade», 5ª. Pois só assim se pode dizer que o «muito tempo» «mexeu profundamen­te no agente» e, portanto, que a sua personalidade se modificou para muito melhor (Acs. do S.T.J., de 18/07/1984 e 13/11/1985), 6a• O que não se pode afirmar quando, como acontece no caso dos autos: a) - para o decurso do «muito tempo», contribui, exclusiva ou preponderantemente, a arguida ao ausentar-se, pouco tempo após a prática do crime ("in casu", em 3 de Maio de 1988) e o seu inter­rogatório (em 24 do mesmo mês), primeiro, para parte incerta do Pais e, de seguida, do estrangeiro, retardando, assim, pelo menos, durante mais de 16 anos, a efectivação do seu julgamen­to; b) - se dá apenas por provada a sua inserção social no País onde viveu e que, à data de emissão do respectivo certificado, no registo criminal nada consta; e c) - nem sequer se pode invocar que se está perante um agente em que o crime praticado aparece como desajustado à sua personalidade. 7a• Daí que não se encontre preenchido a referida circunstância do citado artigo 73°. e não deva, em consequência, ter lugar a atenuação nele prevista, 8ª. Atenuação que, «in casu» e para além de funcionar como um verdadei­ro prémio da declaração de contumácia que, em 19 de Fevereiro de 1990, a arguida foi objecto e apenas veio a cessar em 14 de Julho de 2005, fere, na nossa opinião, o sentimento de Justiça que deve estar subjacente à punição do crime por ela praticado, 9a• Um dos que mais repugnam à sensibilidade humana e à consciência ético-social, não só pela malvadez e baixeza de sentimentos revelados, mas também pela total indiferença ao sofrimento que foi provocado à vítima (filho com apenas 6 anos e paralisia cerebral, tetraplésia, afasia e deficiência visual grave) com o não fornecimento, ao longo de meses, da alimentação indispensável à sua sobrevivência. 10ª. Está-se, pois, perante um crime com um dolo muito intenso que, não fora o disposto no artigo 72°., n°. 1, do Cód. Penal (na redacção vigente à data do crime), enquanto manda atender às exigências de pre­venção, reclamaria, em face dos critérios retributivos, uma pena não inferior a 16 anos, considerando a moldura penal abstracta de 12 a 20 anos de prisão prevista pelo artigo 132º., nº. 1, do mesmo diploma (17 anos e 6 meses, atendendo à moldura da redacção actualmente vigente). 11ª. Atendendo, porém, a essas (primeiras) exigências, mais concretamente, às que se prendem com a prevenção especial (face à inserção social da arguida e à circunstância de o tempo decorrido ter esbatido, em certa medida, a intensidade com que elas se faziam sentir à data da prática do crime pelo qual aquela foi condenada), parece-nos que elas têm algum «peso», sendo de molde a que a pena a aplicar se aproxime do limite mínimo legalmente previsto e, desta forma, a que uma pena não inferior a 13 anos de prisão se possa e deva ter como justa, inclusive, tendo em conta as exigências de prevenção geral. 12ª• Do que se segue que, ao fazer funcionar a referida regra de atenuação (especial) nas circunstâncias acima referidas e, em consequência, ao condenar a arguida (tão só) na pena de oito anos de prisão, o Acórdão recorrido violou, na nossa opinião, o disposto no artigo 73°., nºs. 1 e 2, alínea d), do Cód. Penal de 1982, na sua primitiva redacção (hoje, artigo 72º., nºs. 1 e 2, alínea d), com referência ao artigo 40º., nºs. 1 e 2) e, por via desta violação, também o preceituado no artigo 72º., nº. 1, do mesmo diploma, 13ª• Pelo que deve ser revogado nessa parte e a arguida condenada em pena que se insira na moldura penal abstracta correspondente ao cri­me de homicídio qualificado por ela praticado. (fls. 681 a 703) 1.1.2 Por sua vez, a recorrente terminou a motivação com as seguintes conclusões : 1. No caso em apreço a não aplicação do preceituado no Código Penal de 1982, aplicável á data em que os factos pelos quais a arguida foi condenada foram praticados, viola o estatuído no nº 4 do artigo 2° do actual Código Penal; 2. Ora, tendo a arguida recorrente sido condenada, por um crime cometido à luz do disposto pelo Código Penal de 1982, e sendo esta a norma mais favorável àquela, deverá ser o regime previsto por este código que deve ser aplicado, não sendo de atender ao regime consagrado no Código Penal de 1995 ou posteriores revisões. 3. Decorre de diversa jurisprudência constitucional a manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 290, n.1 e 3 da CRP, da equiparação da causa de interrupção prevista no artigo 120, n. 1 al. d) do Código Penal de 1982, com a declaração de contumácia por a omissão da contumácia entre as causas de interrupção da prescrição constituir uma "lacuna insusceptível de ser preenchida" ; 4. Não pode proceder a consideração da declaração de contumácia como uma causa de suspensão da prescrição, nos termos do Assento n. 10/2000 de 19.10.2000, que consubstancia uma aplicação analógica e retroactiva a factos anteriores a 1.10.1995, de uma causa de suspensão inexistente no Código Penal de 1982 - a declaração de contumácia, o que a ser aplicado viola o estatuído pelo nº 4 do artigo 290 da Constituição da República Portuguesa. 5. Entende a recorrente que a declaração de contumácia não é causa de suspensão do procedimento criminal, no caso em apreço e portanto na vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987; 6. Salvo melhor entendimento a arguida recorrente que, pela prática de factos ocorridos em 3 Maio de 1988, o Tribunal Colectivo considerou, ter praticado um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do Código Penal de 1982, que foi declarada contumaz por despacho de 19 de Fevereiro de 1990, que foi notificada da acusação em 3 de Janeiro de 2006, e da data designada para julgamento, em 28 de Julho de 2006, mantendo-se na situação de contumaz até 14 de Julho de 2005, essa declaração de contumácia é irrelevante para a prescrição, visto que a declaração de contumácia, com efeito interruptivo dessa mesma prescrição, só surgiu com o Código Penal de 1995 (alínea c), do n.º 1, do art.º 121), regime este que não pode, obviamente, ser aplicado ao caso, visto a Constituição e o Código Penal proibirem a aplicação retroactiva da Lei Penal (art.º 29, n.º 1, da Constituição e art.º 2, dos Códigos Penais de 82 e 95), pelo que a sujeição da arguida a julgamento viola o disposto nos referidos artigos. 7. Assim, o douto acórdão recorrido, ao não considerar prescrito o procedimento criminal, e o Tribunal ad quo, sujeitando a arguida a julgamento, está ferido de uma inconstitucionalidade orgânica, por violação do estatuído no art.º 29, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, porquanto não é de acolher a Jurisprudência do Acórdão n.º 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, I série-A, de 10 de Novembro de 2000. 8. No que respeita à medida da pena aplicada entende-se ter sido desproporcional e inadequada aos factos provados em audiência de julgamento, não tendo sido devidamente ponderadas para o caso em concreto a culpa do agente, a ilicitude dos factos e da sua actuação e as exigências de prevenção geral e especial e as condições pessoais da arguida, havendo assim uma clara violação do disposto nos artigos 700, 71º, 73º e 74º do Código de Penal de 1982; 9. Pelo exposto, entende a arguida que a pena em que foi condenada, dado o circunstancialismo que rodeou os factos pelos quais foi condenada é excessiva, devendo sim ser-lhe aplicada um pena mais próxima da média entre os limites mínimos e máximos que lhe podem ser aplicados e assim considera que a pena de 4 anos de prisão será mais adequada; 10. Com o fundamento na inobservância nas normas jurídicas que antecedem, deve: a) O presente recurso merecer provimento; b) Ser o presente processo declarado prescrito, ao abrigo do disposto no artigo 117º e 120º do Código Penal de 1982; c) Caso assim senão entenda deverá a arguida AA, ser condenada como autora de um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do Código Penal de 1982 na pena de quatro (4) anos de prisão. d) Concluir-se pela verificada inconstitucionalidade referida nos nºs 1 a 7 da presente Conclusão. Face a todos os fundamentos expostos neste recurso e face ao que fica dito, deverá a sentença ora proferida, ser revista no sentido de o presente processo ser considerado prescrito, pelo decurso do prazo do procedimento criminal (15 anos), e como tal dando sem efeito o julgamento realizado considerando a arguida livre de quaisquer imputações criminais. Caso assim senão entenda, então, ao abrigo do disposto a artigos 70º. 71º, 73º e 74º do Código de Penal de 1982, deverá a pena aplicada à arguida ser atenuada especialmente, fixando-se esta próximo dos limites mínimos, ou Seia, em 4 anos de prisão. Só assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!! (fim de transcrição) 1.2 Os recursos foram admitidos, para o Tribunal da Relação de Coimbra, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls. 729) 1.3 O Ministério Público respondeu ao recurso da arguida concluindo que : - ambos os recursos visam apenas o conhecimento de questões de direito, sendo competente para o respectivo julgamento o Supremo Tribunal de Justiça ; - a questão da extinção do procedimento criminal por efeito de prescrição já foi objecto de decisão transitada em julgado (cfr. fls. 473 e ss), não havendo que voltar a apreciar a mesma (artigos 672º., 673º., e 677º. do Cód. Proc. Civil, "ex vi" artigo 4º. do Cód. Proc. Penal) ; - se alguma crítica merece o acórdão recorrido é por ter sido demasiado benevolente na condenação que proferiu . (fls. 733) 1.3.1 Respondeu, também, a arguida, a defender as suas pretensões e a concluir pela improcedência do recurso do Ministério Público . (fls. 737 a 760) 1.4 Por decisão de 06.06.07, o Tribunal da Relação de Coimbra declarou-se incompetente para conhecer destes recursos e competente, para o efeito, o Supremo Tribunal de Justiça . (fls. 923) 2. No exame preliminar, o relator decidiu apresentar os autos a conferência, para apreciação e decisão da questão, suscitada pela recorrente, da prescrição do procedimento criminal . 3. Realizada a conferência, cumpre decidir . 3.1 A matéria de facto que o Tribunal da Comarca de Leiria deu como assente é a seguinte : 1. A arguida e BB eram pais de CC, nascido em 3 de Abril de 1982, natural da freguesia e concelho da Marinha Grande. 2. A arguida viveu maritalmente com BB pelo menos desde meados de 1981 até 3 de Maio de 1988. 3. O seu agregado familiar era composto por eles, pelo menor CC e por mais 3 filhos de ambos: duas raparigas, uma delas nascida em 1983 e outra em 1984, e um rapaz nascido a 22 de Dezembro de 1987, portador de doença congénita que morreu com cinco meses de vida. 4. As despesas desse agregado familiar eram custeada com parte do vencimento que BB auferia quando trabalhava por conta de outrém. 5. Esse vencimento foi de 1 000$00 diários líquidos desde data não apurada de 1987 até Novembro desse ano, quando exerceu a actividade de feirante, nomeadamente em Silves, por conta de DD. 6. No mês de Dezembro de 1987 auferiu 16 413$00, no mês de Fevereiro de 1988 auferiu 34 583$00 e no mês Março de 1988 auferiu 4 555$00, quando trabalhou para a sociedade J...R..., Limitada. 7. Em Abril e Maio de 1988, BB trabalhou por conta da empresa O..., auferindo o vencimento base de 30 000$00 por mês. 8. Entre data não apurada de 1987 e Novembro do mesmo ano, quando o seu companheiro exerceu a actividade de feirante por conta de DDl, a arguida trabalhou com ele, auferindo 1 000$00 diários líquidos. 9. Para além deste período, a arguida só esporadicamente trabalhava por conta de outrem. 10. Enquanto trabalharam como feirantes por conta deDD, o casal viveu junto do seu local de trabalho, numa roulote que lhes foi emprestada pela entidade patronal. Nela viveram também os filhos. 11. Era a arguida quem habitualmente cuidava das lides domésticas, nomeadamente a preparação e o fornecimento de alimentos, a par de outros cuidados necessários ao normal desenvolvimento físico dos filhos, como os relativos à sua limpeza e vestuário. 12. As suas filhas aparentavam estar bem alimentadas. 13.A arguida fumava e tomava cafés. 14. O menor CC sofria de paralisia cerebral, síndroma malformativo congénito com microftalmia (deficiência visual grave), tetraplésia, afasia e surdez. 15. Em data não apurada, mas anterior a 8 de Julho de 1987, a arguida formulou a resolução de pôr termo à vida de CC por inanição. 16. Não compareceu com ele no dia 30 de Outubro de 1987 à consulta externa que havia sido marcada para o mesmo dia no Hospital pediátrico de Coimbra, não obstante ter saído de Silves, acompanhada dele, no dia anterior, dizendo que o ia submeter a tal consulta. 17. Apesar de saber que ele necessitava de mais cuidados do que uma criança normal, começou a deixá-lo sozinho por períodos indeterminados de tempo. 18. Com o propósito de lhe pôr termo à vida deixou de lhe dar alimentos apropriados e em quantidades necessárias à sua sobrevivência, primeiramente em Silves e a partir de Dezembro de 1987 no lugar da residência de ambos, em Barosa, Leiria, o que lhe provocou um estado de completa desnutrição que lhe determinou directa e necessariamente a morte. 19. Morte que ocorreu em 3 de Maio de 1988, cerca das 17 horas 40 minutos, no lugar da Barosa. 20. O CC pesava, na altura, cerca de 6 quilogramas e encontrava-se, mais uma vez, sozinho, deitado na cama de onde raramente era levantado e, em virtude da doença de que padecia, não conseguia erguer-se. 21. O pai tinha ido trabalhar logo pela manhã. 22. A arguida tinha ido ao hospital de Leiria, deixando o menor CC fechado em casa e sem pedir a qualquer pessoa que cuidasse dele. Só regressou à sua habitação momentos depois da sua morte. 23. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, com conhecimento das deficiências físicas do filho CC e do seu estado de desnutrição. 24. Sabia que a sua conduta era proibida por lei. 25. A arguida é oriunda de uma família de baixo estrato sócio cultural. 26. Frequentou a escola até aos 14 anos de idade, tendo concluído a 4" classe. Depois de sair da escola trabalhou como empregada doméstica. 27. Com cerca de 16 anos ficou grávida, tendo sido mãe de uma criança do sexo feminino aos 17 anos. A filha viveu sempre com a avó materna. 28. Algum tempo depois do nascimento da filha, a arguida passou a viver com BB, primeiro em Mira D'Aire, e depois na Marinha Grande. 29. Na época das feiras de diversão trabalharam nesta actividade, vivendo nessas ocasiões em barracas. 30. Mais tarde vieram viver para a localidade da Barosa, numa casa tomada de arrendamento onde viveram juntos até 3 de Maio de 1988. 31. Após o falecimento de CC, a arguida deixou de viver na Barosa, tendo ido, primeiro, para casa da mãe, na Marinha Grande, e depois para Viana do Castelo, onde trabalhou num bar de alterne. Passado algum tempo passou a viver com um companheiro, tendo indo com este para Andorra onde o mesmo vivia e trabalhava. 32. Desta relação tem um filho actualmente com 16 anos de idade, a viver em Andorra. 33. Em Andorra, a arguida trabalhou como empregada doméstica durante 10 anos e mais tarde como ajudante de cozinheira. 34. Há cerca de um ano regressou a Portugal e vive na Marinha Grande em casa de uma família constituída por uma senhora de 60 anos de idade e outra de 89 anos. Além de colaborar nas tarefas domésticas, a arguida trabalha em casas particulares a fazer limpeza e a passar a ferro. 35. Em 28 de Setembro de 2006 nada constava acerca da arguida no registo criminal. * Não se provou que: 36. BB auferiu 8 000$00 numa semana de Março de 1988 por conta da Rodrifer, em Leiria. 37. BB entregava directamente à arguida parte do vencimento que auferia. 38. A arguida passou a não lavar CC com assiduidade, a não limpar-lhe os dejectos e a urina sempre que eram expelidos e posteriormente a não tratá-lo das feridas por ele provocadas. 3.2 Perante esta factualidade, o Tribunal considerou que 'a arguida seria punida pelo regime que vigorava na altura da prática dos factos e, julgando a acusação procedente - mas atenuando especialmente a pena aplicável à arguida ao abrigo do disposto no artigo 73°, n.ºs 1 e 2, alínea d), do C. Penal de 1982 - condenou-a como autora de um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132°, n.º 2, alíneas a) e g), do C. Penal de 1982 na pena de oito (8) anos de prisão' . 4. A primeira questão a abordar é da prescrição do procedimento criminal, invocada pela arguida ; e, a ela associada, a objecção que, na resposta ao recurso, o Ministério Público opôs de 'a questão da extinção do procedimento criminal por efeito da prescrição (…) já ter sido objecto de decisão transitada em julgado, razão pela qual não há que voltar a apreciar a mesma (artigos 672º., 673º. E 677º. do Cód. Proc. Civil, "ex vi" artigo 4º. Do Cód. Proc. Penal)' . 4.1 Na verdade, o Tribunal de Leiria, por despacho de 20.12.04, tinha tomado a seguinte posição : (…) "3. 0s factos em causa [na acusação] integram um crime de homicídio qualificado p. e p. nos arts. 131° e 132° n° 2 als. a) e g) do C.P., ocorrido a 3-5-1988. 4. O Ministério Público promove a prescrição do procedimento criminal. 5. A arguida foi ouvida em inquérito (cfr. fls. 78, a 24-5-1988). 6. A arguida foi notificada editalmente da acusação, e não mais foi notificada, tendo sido declarada contumaz em 19-2-1990. Foram realizadas várias diligências no sentido de ser encontrada nomeadamente pedidos à Segurança Social, a concessionárias de telecomunicações, e expedidos mandados de detenção, último dos quais às autoridades de Andorra, tendo sido solicitado a sua devolução sem cumprimento. 7. De acordo com o regime aplicável, o do C.P. de 1982 e o do C.P.P. de 1987 na sua primitiva versão, inexistem causas suspensivas ou interruptivas, sendo certo que aquelas que o C.P. prevê são tão somente as aí previstas, e não outras criadas ex novo. Assim, não é de atender ao regime consagrado no C.P. de 1995 ou posteriores revisões (assim, Assento do STJ de 17-3-1989 segundo o qual a aplicação do instituto deve ser em bloco (1), isto é, no caso concreto há que atender ao regime prescricional em vigor no momento da infracção) (2). 8. De facto, foi discutido na jurisprudência se a audição como arguido em inquérito era causa de interrupção da prescrição, questão que foi solucionada no sentido negativo essencialmente porque não é similar o regime das causas interruptivas ou suspensivas no C.P. de 1982 com o regime processual do C.P.P. de 1987 porquanto o termo "instrução preparatória" não era equivalente a "inquérito" usado no último diploma referido, cfr. Assento nº 1/1999 e nº 12/2000. 9. A arguida nunca foi notificada do despacho que designa data para a audiência de julgamento, sendo este acto suspensivo e interruptivo do instituto da prescrição. 10. O prazo prescricional é de 15 anos atento o art. 117° n° 1 a) do C.P. de 1982. 11. Tal prazo mostra-se decorrido a 3-5-2003, verificando-se a prescrição do procedimento criminal. 12. Assim, por tudo o exposto, declaro extinto o procedimento criminal, declarando-se cessada a contumácia." Acontece que o Ministério Público - não obstante ter promovido tal solução processual - veio recorrer do despacho, invocando, fundamentalmente, o Assento n.º 10/2000, de 10.11 (fls. 469 a 472) . Porém, o senhor juiz do processo, sem tomar posição sobre o requerimento de interposição do recurso e sem se deter perante o disposto no art.º 380.º, n.ºs 3. e 1., al. b), do C.P.P.(3) , veio decidir que : "Assiste razão desde já à Digna Recorrente. De facto, "no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal" (Assento 10/2000, DR 1ª série, de 10-11-2000, p. 6319). Ora, estando a arguida contumaz, verifica-se a causa suspensiva, não se verificando prescrição. Diga-se desde já que o Acórdão teve o voto vencido do Sr. Conselheiro Carmona da Mota (a que adere o Sr. Conselheiro Pereira Madeira) a que adiro, porém não tendo outra capacidade argumentativa que aí referida, e tendo sido posição vencida, e atento o disposto no art. 445° n° 3 do C.P.P., não encontrando novas razões de divergência (e é este o cerne da questão da lª instância divergir, não bastando assim reproduzir argumentos constantes em voto de vencido ou de razões paralelas ao mesmo, como seria o meu caso, pois o que se exige é uma maior densidade argumentativa que ultrapasse a posição que logrou vencimento, entendendo-se por maior densidade argumentativa o estabelecimento de novos dados sem ligação lógico"discursiva com os anteriormente reproduzidos), é assim jurisprudência obrigatória a atender nesta sede, pelo que se conclui não estar o procedimento prescrito por a arguida se encontrar contumaz. " (fim de transcrição) O despacho só foi notificado à arguida em 03.01.06 (fls. 506), e não há notícia de que a questão da prescrição do procedimento criminal tenha sido de novo suscitada, antes de o ser no presente recurso (o acórdão condenatório refere que "na ausência de questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento do mérito da causa realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal" - fls. 634) . Mas, para além de pronúncia sobre os vícios de tal decisão, há, sobretudo, que ter presentes as considerações que foram expendidas no acórdão de 24.05.06, deste Tribunal, no recurso n.º 1041/06 (4) : (…) "7. O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição). O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto á definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material – fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal. Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos. O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial. O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de acto ou decisão judicial que serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo (cfr., Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 16). No caso julgado formal (artigo 672º do Código de Processo Civil), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão (cfr. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. V, p. 156). Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) – cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2002, proc.3924/01, e de 3 de Março de 2004, proc. 215/04. O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus dos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual. Por seu lado, a prescrição do procedimento criminal constitui um instituto que, exclusiva ou ao menos predominantemente, se situa na dimensão material e não processual. Procedimento criminal – o modo de afirmação instrumental do jus puniendi do Estado – significa, em geral, tudo quanto cabe no próprio iniciar e desencadear da acção penal, enquanto modo de realização, afirmação e concretização do direito penal. O Estado, porém, não guarda para si, ilimitadamente no tempo, a actuação do seu direito de punir. Decorrido que seja certo lapso de tempo sobre o facto criminoso, maior ou menor consoante as situações previamente definidas na lei, não poderá ser desencadeada ou prosseguir a acção penal por esses factos passados porque o procedimento criminal prescreve. A prescrição do procedimento criminal, regulada anteriormente no artigo 125° do Código Penal de 1886, vem agora disciplinada nos artigos 117° e segs. do Código Penal. Este instituto (prescrição do procedimento criminal) tem vindo a ser historicamente justificado, nos sistemas onde é acolhido por razões, umas processuais, outras de natureza substancial e material e ainda outras – sem grande relevância – de carácter empírico. Assim, para além de certos limites temporais, haveria que considerar os efeitos negativos sobre a produção das provas, especialmente tratando-se de prova testemunhal, não só no esquecimento sobre os factos, mas principalmente pelo perigo de deturpação inconsciente na transmissão do testemunho. Ainda, não haveria possibilidade de movimentar todos os processos, por mais antigos que fossem; por isso, a certeza imporia um limite para o passado que não fosse o acaso a determinar quais os casos antigos que poderiam vir a ser movimentados. O pequeno valor destas razões processuais leva a considerar as razões de natureza substancial como fundamentalmente justificadoras da ocorrência da prescrição do procedimento criminal, nomeadamente as que se relacionam com os fins das penas: «a acção do tempo torna impossível ou inútil a realização destes fins», «o decurso do tempo apaga a exigência de justiça, a necessidade da retribuição penal para a satisfazer»; «passados anos o crime esqueceu, a reacção social, a inquietação, por ele provocada foram-se desvanecendo, até desaparecer; a pena perdeu o interesse e o significado» - cfr. Prof. BELEZA DOS SANTOS, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 77°, p. 321 e segs. Também o decurso do tempo apaga a utilidade preventiva geral e preventiva especial das penas. Estes fundamentos da prescrição do procedimento criminal são comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto (v.g. JESCHECK, “Tratado de Derecho Penal”, p. 1238 e segs.; CUELLO CALÓN, Derecho Penal, vol. II, pp. 758 e segs.; ROGER MERLE e ANDRÉ VITU, Traité de Droit Criminel, II vol., pp. 50 e segs.; PIERRE BOUZAT e JEAN PINATEL, Traité de Droit Pénal et de Criminologie, tomo II, pp. 1008 e segs.). Entre nós, hoje, pode considerar-se como jurisprudencialmente aceite a teoria jurídico-material da prescrição. O Assento Supremo Tribunal, de 19 de Novembro de 1975, no Boletim do Ministério da Justiça, N° 251, pp. 75 e segs., se considerava que «a lei sobre a prescrição é de natureza substantiva (…)» e «que se traduz na renúncia do Estado a um direito, ao jus puniendi, condicionada ao decurso de um certo lapso de tempo». Por isso, o reconhecimento da natureza substantiva da prescrição do procedimento criminal terá por efeito determinar a aplicação do princípio da lei penal mais favorável, mesmo no caso de uma lei nova alongar os prazos de prescrição. cfr. EDUARDO CORREIA, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 108°, pp. 361 e segs Aceita-se, assim, que a prescrição do procedimento criminal, quer seja de natureza substantiva, quer se considere eu natureza mista (substantiva e processual), sempre se há-de considerar ligada ao facto penal – independentemente ao autor do facto ou da pessoa do ofendido – , e á valoração da relação da vida que a norma incriminadora disciplina, isto é, à dignidade punitiva do facto, de tal modo que se justifica inteiramente que valham para os seus momentos decisivos de aplicação os mesmos princípios que valem para aplicação das leis substancialmente tipificadoras penais. Nomeadamente, quando se sucedam normas, aplicar aquela (ou aquele regime) que concretamente se revelar mais favorável ao arguido. A prescrição do procedimento criminal, todavia, revertendo ao decurso do tempo, está operativamente dependente da consideração e dos efeitos de momentos e actos processuais determinantes. É nesta dimensão que a prescrição do procedimento criminal, não na substância do decurso do tempo, mas nos tempos processuais relevantes, depende do processo e dos seus actos. Nesta medida, embora na substância não seja mutável, a conexão intrínseca processo-conteúdo material é, por natureza, contingente, dependendo da dinâmica dos actos do processo e dos efeitos induzidos que cada acto (dies a quo; dies ad quem; tempos de suspensão) produza em determinada situação concreta. Na correlação processo-tempo, a prescrição, com tempo material definido e fixado na lei, depende de pressupostos processualmente dinâmicos. E, acrescidamente, quando na complexa apreciação de pressupostos vários e respectivos efeitos se intrometam diversos regimes quanto à aplicação no tempo da lei penal. Sobre a aplicação da lei penal no tempo dispõe o n.° 4, parte final, do artigo 29.° da Constituição que se aplicam retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, o que foi retomado no n.° 4 do artigo 2.° do Código Penal, que prescreve: «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado, por sentença transitada em julgado». Traduzindo-se a prescrição do procedimento criminal na renúncia do Estado ao direito de punir, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, como se referiu, que as normas sobre prescrição do procedimento criminal têm natureza substantiva. Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição do regime da prescrição ao princípio da aplicação retroactiva do regime jurídico mais favorável ao agente de uma infracção. O princípio da aplicação do regime mais favorável significa, no tocante às normas sobre prescrição, que nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada, bem como impõe que deva ser aplicado retroactivamente o regime prescricional que eventualmente se mostrar mais favorável ao infractor. O regime jurídico aplicável a uma qualquer infracção penal é constituído por um complexo de normas jurídicas em que se inscrevem, entre outras, normas legais que se referem à qualificação jurídica, à determinação da sanção e seus efeitos, à extinção do procedimento, às causas de justificação, e à prescrição do procedimento. Deste modo, tendo-se sucedido regimes penais diversos, haverá sempre que ponderar até à decisão que, segundo as possibilidades processuais, possa constituir a decisão final, qual dos regimes que se sucederam no tempo é mais favorável ao agente. Mas, estando em causa a prescrição do procedimento criminal, a determinação do regime mais favorável pressupõe um procedimento metodológico complexo, dependendo da consideração de vários elementos, quer directamente materiais (o tempo da prescrição), como da conjugação do tempo com os actos processuais relevantes e de cujos efeitos depende a contagem do tempo da prescrição. Por isso, a apreciação é dinâmica e tem de ser efectuada em cada momento em que a questão possa ser suscitada – e está tributária da relevância dos factos determinantes em cada momento em que processualmente seja possível e admitida uma decisão que tenha com pressuposto precisamente a inexistência de prescrição do procedimento criminal. Só nessa medida será dado cumprimento à determinação constitucional de aplicação do regime concretamente mais favorável, e, por isso, a dinâmica da prescrição não pode, na dimensão substancial, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto á aplicação de determinado regime legal dos vários que se sucederem no tempo. Não há, nesta matéria que depende de uma apreciação essencialmente dinâmica, uma estabilidade da relação jurídica processual que impeça a decisão sobre questão substancial, e a prescrição, por natureza dinâmica, releva da substância e não da relação processual." (fim de transcrição) As considerações precedentes iluminam o quadro do caso e, assente que a verificação da prescrição é também de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo - pois que é causa de extinção do procedimento criminal - conclui-se que nada obsta ao conhecimento de tal matéria, também na sequência da invocação, pela arguida, em sede de recurso, de tal circunstância . 4.2 A segunda nota a sublinhar é a de que a opção do Tribunal de aplicar ao caso, no acórdão final, o regime penal constante do Código Penal, na versão aprovada pelo Dec. Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, não mereceu contestação (5) E, como lembrava, na fundamentação, o Assento de 15.02.89 (proc. n.º 038546), "O n. 4 do artigo 2 do Código Penal de 1982 veio estabelecer: Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível foram diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado. Deste preceito há que reter duas determinações: A escolha deverá fazer-se entre regimes; A determinação de qual o regime mais favorável devera fazer-se em concreto. Relativamente ao "projecto" de 1963, substituiu-se a expressão "normas mais favoráveis" por "regime que concretamente se mostre mais favorável". A referência a "regime", em vez de "normas", implica a ideia de que não se pode escolher de cada umas das leis os preceitos isolados que forem mais favoráveis ao agente, mas há que aplicar uma só lei, prescrevendo um conjunto normativo (bloco) definidor do regime do instituto ou infracção, que constitui o regime do instituto ou infracção. Assim, não é licito construir regimes particulares pela conjunção de elementos retirados de uma e outra lei, com o perigo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso, para o agente. Proíbe-se o que, em expressão curiosa, já se designou por "aplicação simbiótica das leis penais". Aqui se toma a lição dos autores Beleza dos Santos, Lições, 1936, paginas 194, Cavaleiro de Ferreira, Lições, 2 edição, pagina 121, e Direito Penal Português, I, edição pagina 124, e Eduardo Correia, Direito Criminal, I, página 139. Na linguagem sintética do primeiro destes autores: Convém dizer que deverá aplicar-se na sua integridade a lei antiga ou nova e não simultaneamente as disposições mais favoráveis de uma e outra. O modo de operar deve ser este: aplica-se a lei antiga e, a seguir, a lei nova, uma e outra integralmente; comparam-se os resultados e determina-se, casuisticamente, qual a mais favorável para o agente, optando-se por esta", decidindo que "em matéria de prescrição do procedimento criminal deve aplicar-se o regime mais favorável ao réu (…)". 4.3 Posto isto, há que ter presentes os seguintes momentos processuais, com relevância para a decisão : - a morte que deu objecto aos presentes autos ocorreu em 03.05.1988, cerca das 17 horas, no lugar da Barosa (ponto 19., da matéria de facto) ; - o crime foi imputado a AA, que foi inquirida, como arguida, na Delegação da Procuradoria da República do Tribunal da Comarca da Marinha Grande, no dia 24.05.1988, tendo prestado Termo de Identidade e Residência (fls. 78) ; - gorado o contacto pessoal com a arguida (fls. 160), foi a acusação (pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e g), do Código Penal) notificada editalmente (fls. 166), não tendo sido igualmente possível a notificação pessoal da data designada para audiência de julgamento (fls 180, 203 e 222) ; - por despacho de 19.02.1990, foi a arguida declarada contumaz, 'em conformidade com o disposto no artigo. 336º do Cód. Proc. Penal, suspendendo-se em relação a ela os ulteriores termos do processo até à sua apresentação ou detenção' (fls. 281v.) ; - uma vez que as diligências para localizar e capturar a arguida (incluindo pedido de ajuda internacional), se revelaram infrutíferas, o Ministério Público, em 06.05.03, promoveu a declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição (fls. 425), nos termos e com a sequência antes referidos ; - no dia 05.01.05, a arguida apresentou-se no Tribunal (fls. 467) e, por despacho de 14.07.05, foi declarada cessada a situação de contumácia (fls. 488), tendo sido notificada, em 03.01.06, 'de que o procedimento criminal se mantém', e do 'despacho que recebe a acusação' (fls. 506), tendo prestado novo Termo de Identidade e Residência (fls. 505) ; - nos dias 17.11.06 e 30.11.06 realizaram-se as sessões de audiência de julgamento (fls. 595 e 620) e, em 18.12.06, foi proferido o acórdão que, como já se disse, 'condenou a arguida como autora de um crime de homicídio qualificado previsto pelo artigo 132º, n.º 2, alíneas a) e g), do Código Penal de 1982, na pena de oito anos de prisão' . 4.4 O acórdão final proferido pelo tribunal colectivo apenas deixou consignado que "na ausência de questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal" . Mas, embora não expresso, resulta da economia das decisões proferidas ao longo do processo que tal posição é tributária do decidido no citado despacho de 06.07.05, que, com base no Assento n.º 10/2000, concluiu "não estar o procedimento prescrito por a arguida se encontrar contumaz" . E, na realidade, tal assento fixou o entendimento de que, "no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal" (assim ultrapassando 'as soluções opostas' tomadas nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, nos recursos n.ºs 4805/99 e 4445/99) . 4.4.1 A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (n.º 3., do art.º 445.º, do Código de Processo Penal) . E tal comando é igualmente aplicável às secções criminais do Supremo, havendo lugar, também aqui, à necessidade de 'fundamentar as divergências' (6). Ora, 'os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isso é, quando a) o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada ; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso ; c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada (7). . 4.4.2 O citado acórdão uniformizador, embora sem tratar da questão nos fundamentos da decisão que fez vencimento, não deixa de dar nota das dificuldades de acomodação constitucional - que, recorrentemente, lhe viriam a ser opostas - já que cinco dos juízes subscritores as anteciparam e deixaram consignadas nos 'votos de vencidos', embora nos limites concedidos pela natureza desse registo (E, anota-se à margem, apenas estes integram, actualmente, as secções criminais deste Tribunal) . O tema voltou a ser tratado no acórdão n.º 110/2007, de 15.02.07, do Tribunal Constitucional . E o desenvolvimento de tais matérias impõe, por si, que aqui se transcreva o essencial de tal peça : (…) "6. Recordem-se, antes de mais, os dados da “história” legislativa e jurisprudencial do problema a apreciar. O Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Se­tembro, na sua redacção originária, dispunha no seu artigo 119.º, n.º 1: Artigo 119.º (Suspensão da prescrição) 1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal; b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes; c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade. 2. (...) 3. (...) Esta estatuição estava em consonância com o Código de Processo Penal de 1929 e suas sucessivas alterações vigentes à data da aprovação do Código Penal de 1982. Porém, a estrutura processual penal foi profundamente alterada pelo Código de Processo Penal de 1987 – designadamente com a abolição do julgamento em processo de ausentes, substituído pelo instituto da contumácia – sem que tivessem sido introduzidas adaptações nas previsões do Código Penal de 1982. Com efeito, só com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, é que essa adaptação legal veio a ser feita através da nova redacção dada ao correspondente artigo 120.º do Código Penal, que passou a ter o seguinte teor: Artigo 120.º (Suspensão da prescrição) 1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para a audiência em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativa da liberdade. 2. (...) 3. (...) Relativamente aos processos – como o presente – nos quais esta alteração legislativa não foi aplicada, suscitou-se a questão de saber se se poderia atribuir eficácia suspensiva da prescrição do procedimento criminal à declaração de contumácia (tal como o problema se pusera também para actos processuais previstos no Código de Processo Penal de 1987 que poderiam ser tidos como “equivalentes” aos actos processuais referidos na redacção originária do artigo 119.º), ou se tal interpretação violaria o princípio da legalidade penal. As divergências jurisprudenciais a este propósito suscitadas conduziram à prolação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão de fixação de jurisprudência (o citado “Assento” n.º 10/2000, de 19 de Outubro de 2000), pronunciando-se no sentido de que mesmo no vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, “a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal”. A atribuição à declaração de contumácia, introduzida apenas pelo Código de Processo Penal de 1987, da eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal resultaria da aplicação da norma do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987 (em conjugação com a norma do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982), que dispunha, na sua redacção originária, como se segue: Artigo 336.º (Declaração de contumácia. Caducidade) 1. A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º. 2. (...) 3. (...) Como está em causa o confronto com o princípio da legalidade da interpretação normativa que foi adoptada e tratada no citado acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, há que recordar a fundamentação deste aresto. Pode ler-se nesse acórdão de fixação de jurisprudência: «(...) Para fundamentar o seu ponto de vista, escreveu-se no acórdão recorrido, a certo passo: «É que o referido n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, tem a seguinte redacção: ‘A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal [...]’ Ora, a declaração de contumácia constitui um verdadeiro impedimento legal, que obsta ao prosseguimento do processo (e, portanto, do procedimento criminal) até à apresentação ou à detenção do arguido (artigo 336.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal de 1987). Tal como, por exemplo, há um impedimento legal de julgar o Presidente da República antes de findo o mandato por crimes estranhos ao exercício das suas funções (artigo 133.º, n.º 4, da Constituição), há um impedimento legal de julgar um arguido a que não foi possível notificar pessoalmente o despacho que designa dia para julgamento. No primeiro caso há uma falta de autorização legal em virtude das funções da pessoa, no segundo caso há uma falta de autorização legal em virtude da ausência da pessoa. Sem a declaração de contumácia, portanto, o procedimento criminal não pode continuar por falta de uma autorização legal, falta essa que resulta da ausência do arguido no processo e que caduca apenas no momento em que este se apresentar ou for detido.» Por sua vez, o acórdão fundamento baseia-se nas seguintes razões para justificar o seu ponto de vista: «Cremos, porém, que não tem razão o digno recorrente. É, sem dúvida, verdadeira a primeira premissa em que assenta o seu raciocínio: o artigo 119.º [do Código Penal de 1982] não contém um numerus clausus de causas de suspensão da prescrição. Simplesmente, respeitando tal norma à ‘suspensão da prescrição’, a remissão feita no n.º 1 para os ‘casos especialmente previstos na lei’ só pode referir-se aos casos em que determinado preceito legal atribua expressamente a determinado facto eficácia suspensiva da prescrição. Assim, só poderia aceitar-se que a remissão é para os casos de suspensão de processo se: a) As expressões ‘suspensão do processo’ e ‘suspensão da prescrição’ fossem sinónimos, o que não é verdade – casos há de suspensão da prescrição que se não ligam a qualquer paragem/suspensão do processo [v. o caso paradigmático da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º]; ou b) Houvesse uma indicação do legislador ou se tivesse ao menos de concluir, face aos princípios gerais, no sentido de que toda e qualquer suspensão do processo implica necessariamente a suspensão da prescrição. Ora, se é certo que o instituto da suspensão da prescrição, para além do mais, ‘radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou a continuar, deve impedir o decurso do prazo da prescrição’ (Figueiredo Dias, Direito Penal Português/As consequências jurídicas do crime, p. 711), já parece não poder afirmar-se, peremptoriamente, que qualquer suspensão da instância deve originar a suspensão da prescrição pelo correspondente tempo: é, do ponto de vista teórico, perfeitamente admissível que algumas causas de suspensão do processo não tenham eficácia suspensiva da prescrição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigir em causa de suspensão da prescrição toda e qualquer suspensão do processo ou escolher casuisticamente quais os casos de suspensão do processo que devem relevar para esse efeito. E a verdade é que não encontramos no Código Penal de 1982 qualquer indício de que o legislador fez a primeira opção. O argumento histórico leva-nos até a concluir que essa opção foi deliberadamente rejeitada.» Posto isto, vejamos quais as normas jurídicas em causa. Dispõe o artigo 119.º do Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, no seu n.º 1, o seguinte: «A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para o juízo não penal; b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes; c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.» Este artigo correspondente ao artigo 110.º do projecto do Código Penal, parte geral, segundo o qual, «[a] prescrição suspende-se durante o tempo em que: 1.º O procedimento criminal não pôde iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, por efeito da devolução de uma questão prejudicial para um juízo não penal, bem como em todos os casos em que a suspensão do processo penal é imposta por uma disposição especial da lei; 2.º O processo penal se desenvolve, a partir da notificação do despacho de pronúncia e até à sentença final e seu trânsito em julgado, salvo no caso do processo de ausentes; 3.º O delinquente cumpre uma pena no estrangeiro.» (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 127, p. 127.) Por sua vez, dispõe o artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro: «A declaração de contumácia é da competência do presidente e implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º» E acrescenta o n.º 3: «A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no número anterior.» Como se sabe, o instituto da suspensão da prescrição foi uma novidade introduzida pelo artigo 119.º do Código Penal de 1982 no direito penal português - v. Figueiredo Dias, § 1150, p. 711, e Direito Penal Português, parte geral, «As consequências jurídicas do crime». Por sua vez, o instituto da contumácia aparece pela primeira vez na lei processual penal, em substituição do processo de ausentes, no Código de Processo Penal de 1987 e com uma regulamentação totalmente distinta da apresentada por este processo (v. os artigos 335.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1987 e os artigos 562.º e seguintes do Código de Processo Penal de 1929). Ora, toda a divergência a que os autos se referem resulta do uso da expressão «implica a suspensão dos termos ulteriores do processo» e a ausência de alteração no artigo 119.º do Código Penal de 1982 em consequência da introdução do instituto de contumácia. Como diz Figueiredo Dias, na obra citada, a p. 712, § 1151, «[a]ssim, também aqui aquela alínea [alínea b) do artigo 119.º] deveria estatuir que é causa de suspensão da prescrição a pendência do procedimento [...]; bem como, em vez da referência ultrapassada ao processo de ausentes, deveria a prescrição ficar suspensa enquanto vigorar a declaração de contumácia». No seguimento deste ponto de vista, aquando da revisão do Código Penal de 1982, foi proposta uma alteração ao n.º 2 do artigo 119.º segundo a qual, «no caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar três anos, salvo se o arguido tiver sido declarado contumaz antes de ter expirado aquele prazo». Na discussão da proposta, o Sr. Procurador-Geral da República emitiu parecer no sentido de que a «contumácia, por exemplo, não deveria interromper, mas sim suspender, pois o que se verifica é a paralisação do processo devido ao arguido» e «se a contumácia funciona também como causa autónoma da suspensão, então é melhor prevê-la no n.º 1». Acabou a comissão por entender «ser de proceder às seguintes alterações no artigo 119.º, dado o novo enquadramento dado à questão: A alínea c) passa a ter a seguinte redacção: ‘vigorar a declaração de contumácia’; No n.º 2 é eliminada a referência à contumácia.» (v. Código Penal –Actas e Projecto da Comissão Revisora, Ministério da Justiça, 1993, pp. 106 a 109.) Solução que veio a ser consagrada no Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, na alínea c) do artigo 120.º. Como resulta do conteúdo das actas, nenhum membro da comissão revisora entendeu que a situação de contumácia poderia ser abrangida nos segmentos «o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal» ou nos «casos especialmente previstos na lei» usados no transcrito artigo 119.º. Mas também parece resultar claro que foi entendimento da comissão que, dado o seu regime legal, a contumácia deveria ser considerada como causa da suspensão do procedimento criminal. Ainda recentemente, este Supremo Tribunal se pronunciou sobre esta questão no processo n.º 1169/98, 3.ª Secção, onde se defendeu que a declaração de contumácia, ao abrigo do disposto no Código de Processo Penal de 1987, tem efeitos suspensivos no procedimento criminal, pois se trata de «um dos casos especialmente previstos na lei» a que se refere o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, afirmando na sua fundamentação: «Aliás, se, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, a prescrição do procedimento criminal ‘[se] suspende durante o tempo em que o procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal’, cremos que não poderia deixar de suspender-se quando a própria lei manda suspender os termos do processo, por se tratar de impedimento legal ao exercício do procedimento criminal», e «se o legislador considerou necessário consagrar expressamente no Código Penal de 1995 a declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)], tal deve explicar-se não pelo propósito de preencher uma lacuna da regulamentação e sim como consequência da atribuição à contumácia do efeito interruptivo da prescrição no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), donde a necessidade de fazer referência expressa no artigo 120.º, n.º 1, alínea c), à declaração de contumácia como causa de suspensão da prescrição [...]» (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, t. I, p. 175.) Relativamente ao Acórdão de 27 de Abril de 2000, processo n.º 31/2000, 5.ª Secção, citado nas muito doutas alegações do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, dir-se-á que o mesmo teve em vista a interrupção da prescrição e não a suspensão da mesma. Trata-se, pois, de situações distintas. Feita esta resenha, impõe-se agora determinar qual a solução a adoptar. Princípio legal que todo o jurista tem de respeitar ao proceder à interpretação de uma norma jurídica é o consagrado no artigo 9.º do Código Civil. Ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119.º «para além dos casos especialmente previstos na lei» não se pode deixar de considerar abrangidos quer aqueles casos que de momento já se encontrem previstos em leis quer aqueles que, de futuro, venham a ser consagrados em diplomas legais. Na verdade, nada impede que, desde logo, se preveja a possibilidade de, em normas avulsas ou não, se venha a consagrar situações que determinem a suspensão da prescrição do procedimento criminal. É como que um dar aqui como reproduzido o estabelecido nas tais normas futuras. Dizendo o artigo 336.º do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119.º, n.º 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca – n.º 3 do artigo 336.º a prescrição não corre. De outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada da justiça. Não nos parece que o elemento histórico, nas suas vertentes, justifique o ponto de vista defendido no acórdão fundamento. O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o n.º 1 do artigo 119.º não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, «casos especialmente previstos na lei», não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas. Justificando a introdução do normativo da alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1995, diz Maia Gonçalves que ela resulta «de adaptação a soluções perfilhadas pelo Código de Processo Penal» Código de Processo Penal Anotado, 9.ª ed., 1996, p. 499. Parece-nos, assim, que a solução, em abstracto, defendida pelo acórdão recorrido não é de censurar.» Esta conclusão não foi, porém, pacífica, tendo logo vários Conselheiros ficado vencidos neste acórdão do plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça. A fundamentação de tal voto encontra-se na declaração de voto do Conselheiro Carmona da Mota, com o seguinte teor, que importa igualmente recordar: «1 – A análise crítica com que, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Eduardo Correia fustigou o processo de ausentes regulado no Código de Processo Penal de 1929 (sobretudo na medida em que ditava, depois de verificada a ausência do arguido, o prosseguimento do processo à sua revelia cf. os artigos 570.º e seguintes) conduziu a que o novo CPP de 1982 viesse a optar, na impossibilidade de notificação ao arguido do despacho designativo de dia para audiência ou de execução da sua detenção ou prisão preventiva, pela «suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido» (artigo 335.º, n.º 3). 2 – Tal «suspensão» (dos termos processuais ulteriores) não prejudicava, porém, nem «a realização de actos urgentes» (artigo 335.º, n.º 3) nem, tampouco, as diligências processuais que tivessem em vista a apresentação ou a detenção do arguido em ordem, exactamente, à caducidade da declaração de contumácia e à activação dos «termos ulteriores do processo» : «A detenção, que é uma das formas de se pôr termo à situação de contumácia, pode ser determinada para aplicação de uma medida de coacção.» Acórdão da Relação do Porto de 26 de Abril de 1995, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 446, p. 349; «É admissível a emissão de mandados de captura para detenção de arguido contumaz, com vista à notificação do despacho que recebeu a acusação, mesmo que o arguido esteja acusado de crime que não admita prisão preventiva.» Acórdão da Relação do Porto de 20 de Novembro de 1996, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 461, p. 517; «É admissível a emissão de mandados de comparência ou de detenção contra arguido declarado contumaz com o objectivo de lhe ser notificado o despacho de ‘pronúncia’.» Acórdãos da Relação do Porto de 20 de Novembro de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, t. V, p. 239, de 8 de Janeiro de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 617, de 14 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 627, de 11 de Junho de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, p. 475; «Durante a situação de contumácia do arguido e apesar da concomitante ‘suspensão dos ulteriores termos do processo’ , não só poderá como deverá diligenciar-se oficiosamente ou a requerimento dos interessados (Ministério Público e assistente) pela localização do arguido (e, sendo caso disso, pela sua detenção, captura e extradição), com vista à abreviação dessa situação, à apresentação ou detenção do ausente, à caducidade da declaração de contumácia e, enfim, à realização já na presença do arguido dos ‘termos ulteriores do processo’.»(8) [1] Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Maio de 1997, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 463, p. 635, e Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, t. III, p. 136. 3 O Código Penal de 1982 publicado na vigência do Código de Processo Penal de 1929 escusou-se, no âmbito do processo especial de ausentes, a inventariar qualquer factor de suspensão do prazo prescricional do procedimento criminal (artigo 119.º) e indicou, como único factor interruptivo desse prazo, a «marcação do dia para o julgamento no processo de ausentes» [artigo 120.º, n.º 1, alínea d)]. 4 O artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, em matéria de suspensão de prescrição do procedimento criminal, salvaguardou, é certo, «os casos especialmente previstos na lei» e, especialmente, «o tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal» (n.º 1). 5 Mas, ao referir-se às situações em que «o procedimento criminal não pudesse legalmente continuar por falta de uma autorização legal», não visaria, com certeza (pois que em 1982), a «suspensão dos ulteriores termos do processo» que o Código de Processo Penal de 1987 só viria a fazer operar (a partir de 1988) relativamente, no novo processo penal, em caso de «contumácia» do arguido. 6 De qualquer modo, a «falta de uma autorização legal» (ou, melhor, de uma autorização legalmente exigida) visaria paradigmaticamente as situações de imunidade penal do Presidente da República, dos Deputados e dos membros do Governo: «A iniciativa do processo (por crimes praticados pelo Presidente da República no exercício das suas funções) cabe à Assembleia da República.» Artigo 133.º, n.º 2, da Constituição, revista pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro; «Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.» Artigo 160.º, n.º 3; «Movido procedimento criminal contra um membro do Governo e indiciado este definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o membro do Governo deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.» Artigo 199.º 7 E se era esse o sentido da lei ao aludir ao «tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de uma autorização legal», não creio que o sentido e alcance dessa «autorização legal» no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e de que não poderá ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil) compreendessem (ou compreendam) os casos de suspensão do processo penal entre a constatação da ausência do arguido e a sua apresentação ou detenção. 8 E tanto assim não era (nem será) que o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, ao ajustar (com uma tardança de quase oito anos)(9) o Código Penal de 1982 ao Código de Processo Penal de 1987, fez questão de introduzir, como factor de suspensão, a par dos «casos especialmente previstos na lei» (artigo 120.º, n.º 1) e do «tempo em que o procedimento criminal não pudesse legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal» [artigo 120.º, n.º 1, alínea a), «o tempo em que vigorar a declaração de contumácia» [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)]. 9 Aliás, têm fracassado, a nível do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, as sucessivas tentativas jurisprudenciais antes da reforma de 1995 de ajustamento substantivo do Código Penal de 1982, por interpretação «actualista», às novidades adjectivas do Código de Processo Penal de 1987: «Instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crimes praticados antes de 1 de Outubro de 1995 e constituído o agente como arguido posteriormente a esta data, tal facto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento por aplicação do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.» - Acórdão/assento n.º 1/98, de 9 de Julho de 1998, votado por unanimidade, in Diário da República, 1.ª série-A, de 29 de Julho de 1998, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 479, p. 87; «Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a notificação para as primeiras declarações ou para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma.» Acórdão/assento n.º 1/99, de 12 de Novembro de 1998, votado por unanimidade, in Diário da República, 1.ª série-A, de 5 de Janeiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, t. III, p. 6, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 481, p. 118. «Seria inconstitucional (artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição) o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal interpretado no sentido de que a notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito interromperia o prazo prescricional.» TC, 7 de Abril de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, p. 51. Seria «inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da lei fundamental, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º da versão originária do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução» (10).- Tribunal Constitucional, Acórdão n.º 122/2000, de 23 de Fevereiro de 2000, processo n.º 257/99-2, in Diário da República, 2.ª série, n.º 131, de 6 de Junho de 2000. 10 Creio, por isso, que pelas mesmas razões mereceria igual sorte esta outra tentativa jurisprudencial de minorar os efeitos do tal «escandaloso erro legislativo de 1987 (11) [4] » [notas de rodapé no original] 7.Ora, analisando a fundamentação transcrita do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2000, do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre notar, desde logo, que é sobretudo tratada a questão do eventual alcance da remissão (e do seu carácter “estático” ou “dinâmico”) que se contém no artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal, para outros casos de suspensão da prescrição “especialmente previstos na lei”, mais do que especificamente a interpretação do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (ambos na sua redacção originária), onde se previa que a declaração de contumácia teria como efeito a “suspensão dos termos ulteriores do processo”. E é certo que é a questão da constitucionalidade do entendimento também deste último preceito no sentido de prever (como um desses casos “especialmente previstos na lei”) a suspensão da prescrição – e não apenas a da conformidade constitucional do citado segmento remissivo do artigo 119.º, n.º 1 (decidida no Acórdão n.º 449/2002) – que está agora em questão. Assim, não podem considerar-se decisivos, para a questão de constitucionalidade a decidir no presente recurso, argumentos como o da previsão da suspensão da prescrição em casos análogos aos da contumácia (a prescrição “não poderia deixar de suspender-se quando a própria lei manda suspender os termos do processo, por se tratar de impedimento legal ao exercício do procedimento criminal”, e “[p ]ara efeitos iguais tem de haver soluções idênticas”), ou o de que se não poderia dizer, ex adverso, que o próprio legislador sentiu necessidade de colmatar em 1995 uma lacuna, pois que tal se explicaria antes pelo intuito de atribuição à contumácia de um efeito interruptivo da prescrição. É que não só a possível diversidade de explicações para a intervenção do legislador, em 1995, nada permite concluir, só por si, sobre uma anterior previsão no artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987, respeitadora das exigências constitucionais, no sentido de que a declaração de contumácia já suspendia a prescrição, como é claro que tais exigências constitucionais de tipicidade e de legalidade se não bastam com a descoberta de razões para um tratamento idêntico de casos idênticos aos previstos na lei. Dir-se-á, mesmo, que uma das mais significativas dimensões desses princípios reside, justamente, na proscrição da analogia e na exigência de que a definição dos crimes, das penas e de outros aspectos de que depende a acção penal (entre os quais a prescrição do procedimento criminal) sejam objecto de uma previsão legal, cuja falta, ou incorrecta formulação, beneficia o arguido. Há, aliás, que recordar que o Tribunal Constitucional já se pronunciou (e já se pronunciara também antes do “Assento” n.º 10/2000) sobre a sujeição do instituto da prescrição, e da sua interrupção, ao princípio da legalidade, aplicando-se-lhe a proibição da analogia ao instituto da prescrição, e que fundamentou aí juízos de inconstitucionalidade. Assim, disse-se no citado acórdão n.º 205/99 (num discurso retomado também nos citados acórdãos n.ºs 285/99 e 122/2000; e cfr. também os acórdãos n.ºs 317/2000, 494/2000, 557/2000, 585/2000 e 412/2003): «(...) Apesar de a proibição da analogia quanto à matéria da prescrição não estar, de modo literal, incluída na proibição da analogia quanto às normas incriminadoras e ser questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na prossecução penal o beneficie, a proibição da analogia em matéria prescricional, nomeadamente quanto às causas de interrupção da prescrição, está sem dúvida justificada pelo referido controlo do poder punitivo do Estado através do Direito que criou, de modo que sem a verificação de factos previstos em lei penal (objecto de reserva de lei e inerente controlo democrático) como indiciadores de uma efectiva e sustentada vontade e capacidade punitiva do próprio Estado não será possível estabelecer causas interruptivas da prescrição. Assim, mesmo que a garantia da previsibilidade para os reais ou hipotéticos agentes dos crimes dos prazos prescricionais não baste para justificar a proibição da analogia, ela será imposta pelo menos pela segurança democrática, relativamente ao controlo do exercício do poder punitivo, o qual não pode ser exercido sem limites objectivos democraticamente estipulados. Pelo menos neste sentido, a proibição da analogia das normas relativas à prescrição partilha dos fundamentos da proibição da analogia relativamente aos fundamentos da incriminação e insere-se no objecto de reserva relativamente à definição de crimes e penas, prevista no artigo 168.°, n.º 1, alínea b), da Constituição.» E no acórdão n.º 285/99 disse-se «Em matéria da prescrição do procedimento criminal, é sem dúvida questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na perseguição penal o beneficie; mas é inquestionável que a lei reconhece que a perseguição criminal tem um “tempo” próprio e certo para ser desencadeada e promovida. Ou seja, a não prescrição do procedimento criminal é condição jurídica do exercício da acção penal “orientada pelo princípio da legalidade”, conforme exige a Constituição no artigo 219.°, n.º 1. Mas acresce que a introdução de um grau relevante de incerteza neste campo repercute-se por sua vez na consistência do princípio de legalidade que preside à aplicação da lei criminal, conforme exigência dos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.° da Constituição. A punição criminal pressupõe lei anterior, mas lei que tem de ser certa. Por isso neste domínio é incompatível com a Constituição uma interpretação “criadora”, que no caso foi tornada indispensável pela falta de adequada previsão legal inequívoca.» Também o argumento – reportado aos efeitos de uma interpretação segundo a qual a declaração de contumácia, a partir de 1987 e até à revisão do Código Penal, em 1995, não afectava o prazo de prescrição do procedimento – de que “[d]e outra maneira, acabava-se por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada da justiça” não responde ao problema constitucional (que é o único que nos pode nesta sede interessar) do respeito pelo princípio da legalidade, sabido que é como o sentido deste princípio é também o de que “[e]squecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos” (no ensinamento de Jorge de Figueiredo Dias, Direito penal. Parte geral. Tomo I: Questões fundamentais. A doutrina geral do crime, Coimbra, 2004, p. 168). Importa, pois, perguntar se o tribunal recorrido, ao adoptar um entendimento das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção originária, segundo o qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia, respeitou o princípio da legalidade, previsto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República. 8.Entende-se que a resposta à pergunta que se formulou é negativa, por razões semelhantes às que levaram este Tribunal a censurar, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade, “interpretações actualistas”, posteriores ao Código de Processo Penal de 1987, de outras normas do Código Penal de 1982 relativas à prescrição – isto é, por razões estruturalmente paralelas às que (embora para norma diversa da que está agora em causa) foram invocadas nos citados Acórdãos n.ºs 205/99, 285/99, 122/2000, 317/2000, 494/2000, 557/2000, 585/2000 e 412/2003. Trata-se, neste sentido, de conclusão que decorre desta anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre questão paralela, e da exigência de que também ele se mantenha fiel à sua própria jurisprudência. Na verdade, no artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal previa-se que a declaração de contumácia teria como consequência “a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido”. A declaração de contumácia, e tal consequência, assentam no pressuposto da impossibilidade de realização de julgamento “à revelia”, mas não se referiu o legislador a qualquer afectação do decurso da prescrição do procedimento criminal. E a suspensão dos termos ulteriores do processo tem, com aquele fundamento, um sentido, antes de mais, jurídico-processual, pelo que não se pode concordar com a afirmação de que a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido “só poderá querer ter tido em vista” uma suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. Sob este aspecto também não pode, aliás, retirar-se nada da previsão, no n.º 3 (hoje n.º 1) do artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, da caducidade da declaração de contumácia. Da perspectiva do respeito pelo princípio da legalidade, o que importa antes perguntar é se, depois de prevista esta declaração de contumácia na redacção originária do Código de Processo Penal, e antes de alterado o Código Penal de 1982, podia já dizer-se que correspondia ao significado comum atribuível às palavras utilizadas pelo legislador de 1987 no artigo 336.º, n.º 1 (“suspensão dos termos ulteriores do processo”) ou se ultrapassava tal significado entender que aí se compreendia, não só a suspensão do processo como a consequência de suspensão da prescrição do procedimento criminal. Ora, entende-se que não pode deixar de responder-se à pergunta formulada neste último sentido: isto é, que o significado comum e literal da expressão empregue pelo legislador de 1987 era ultrapassado pelo entendimento de que a declaração de contumácia importava a suspensão também da prescrição do procedimento criminal, e não apenas dos “termos ulteriores do processo”. Tal diversidade de sentido literal é, aliás, acompanhada da diferença de consequências da “suspensão dos termos ulteriores do processo” e da suspensão da prescrição do procedimento criminal. Na verdade, e como se disse na declaração de voto aposta ao “Assento” n.º 10/2000, a “suspensão dos termos processuais ulteriores” não prejudicava, «nem “a realização de actos urgentes” ([actual] artigo 335.º, n.º 3) nem, tampouco, as diligências processuais que tivessem em vista a apresentação ou a detenção do arguido em ordem, exactamente, à caducidade da declaração de contumácia e à activação dos “termos ulteriores do processo”». Por outro lado, as expressões “suspensão do processo” e “suspensão da prescrição” do procedimento não são sinónimas, nem sequer existe entre si qualquer relação de implicação: não existe norma, ou qualquer princípio geral, no sentido de que qualquer suspensão da instância (suspensão do processo) conduz a uma suspensão da prescrição (e, por definição, esta começa mesmo a correr antes do início do procedimento criminal, “desde o dia em que o facto se consumou” – artigo 118.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção de 1982), e há também casos de suspensão da prescrição que se não ligam a qualquer suspensão do processo. Como se salientou no acórdão que constitui o fundamento para o recurso de fixação de jurisprudência que deu origem ao dito “Assento” n.º 10/2000, “se é certo que o instituto da suspensão da prescrição, para além do mais, ‘radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo da prescrição’ (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 711), já parece não poder afirmar-se, peremptoriamente, que qualquer suspensão da instância deve originar a suspensão da prescrição pelo correspondente tempo: é, do ponto de vista teórico, perfeitamente admissível que algumas causas de suspensão do processo não tenham eficácia suspensiva da prescrição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigir em causa de suspensão da prescrição toda e qualquer suspensão do processo ou escolher casuisticamente quais os casos de suspensão do processo que devem relevar para esse efeito. E a verdade é que não encontramos no Código Penal de 1982 qualquer indício de que o legislador fez a primeira opção”. Não podia, pois, entender-se que a previsão de “suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido”, como efeito da declaração de contumácia, incluía, como seu sentido comum e literal, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, a qual começava a correr antes do processo e podia não ser afectada por uma sua suspensão. Tal interpretação, implicando uma “interpretação ‘criadora’, que no caso foi tornada indispensável pela falta de adequada previsão legal inequívoca” (expressão do citado Acórdão n.º 285/99), é, nesta medida, incompatível com a Constituição, pois viola o princípio da legalidade a que está também sujeita a definição das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal. 9.Em face disto, tem de concluir-se que a norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982, e 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987, na redacção originária, interpretadas no sentido de que a declaração de contumácia constituía causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal, é inconstitucional, por violação do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado (n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição). Alcançada esta conclusão, torna-se dispensável a análise de outros fundamentos de inconstitucionalidade, igualmente invocados pelo recorrente. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia. b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade." (12) (fim de transcrição) As razões em que assenta o presente acórdão, acabadas de transcrever, são, por si, convincentes (13). Assim, com os fundamentos antes expostos, decide-se afastar a aplicação da jurisprudência fixada no citado assento n.º 10/2000, com a consequência de que, no caso, a declaração de contumácia tomada por despacho de 19.02.90 (fls. 281v.) e cessada por despacho 14.07.05 (fls. 488), não determinou a suspensão da prescrição do procedimento criminal . 4.5 É imputada à arguida a autoria de um crime de homicídio qualificado, previsto pelo art.º 132.º, n.º 2., als. a) e g), do Código Penal de 1982, punido (então) com pena de prisão de 12 a 20 anos . E 'o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido (…) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos' (n.º 1., al. a), do art.º 117.º ; agora, n.º 1., al. a), do art.º 118.º) . No caso, a morte ocorreu no dia 03.05.1988 (14) e, antes do decurso daquele prazo de prescrição do procedimento, não ocorreu causa relevante de suspensão ou interrupção de tal prazo (15) - cfr. elenco dos actos processuais, enunciado sob o n.º 4.3 (o interrogatório da arguida, pelo Ministério Público (16), ocorreu em 03.05.1988 e a notificação pessoal da acusação ocorreu em 03.01.06 (17). Em suma : na data da prolação do acórdão final do tribunal colectivo, o procedimento criminal já se encontrava extinto, por prescrição . 5. Nos termos expostos - e na procedência do recurso da arguida - decide-se julgar extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado nestes autos contra AA. Supremo Tribunal de Justiça, 06 de Fevereiro de 2008 . . . Soreto de Barros (relator) Santos Monteiro Santos Cabral _________________________________ (1)- Criticamente, Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra ed., 1990, p. 156 a 158. (2)- Não é de mais repetir que a prescrição tem uma natureza mista, isto é de ordem procedimental e de ordem substantiva, daí que como pressuposto dotado punível o regime prescricional obedece ao critério do art. 2° nº 2 e n° 4, isto é, ao princípio da legalidade ao tempo do facto e ao princípio da aplicação da lei mais favorável. Ora, o regime criado após o C.P. de 1995 é mais desfavorável porque coloca como novas causas interruptivas e suspensivas, daí não mereça aplicação. (3)- I - Considerando o disposto nos arts. 380.º do CPP e 666.º, n.º 1, do CPC, este de aplicação subsidiária, ex vi art. 4.º do CPP, há que ter bem presente que todo o acto que importe intromissão no conteúdo do julgado, ainda que a pretexto de simples correcção da sentença, está vedado ao julgador. II - Os erros de julgamento, ou suas omissões – quando existam – estão subtraídos à disciplina sumária da correcção de vícios ou erros materiais da sentença, até por uma razão lógica intuitiva: evitar que uma ponderação sumária e, portanto mais abreviada, deite por terra os fundamentos de uma sentença, necessariamente mais densamente elaborada. III -“Pode qualquer dos interessados no processo penal requerer ao tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha; mas a intervenção do juiz não pode ir além, sob pena de violação das regras limitativas do seu poder jurisdicional, que nessa altura se encontra esgotado” – Ac. do STJ de 06-01-94, BMJ 433.º, pág. 423. Em sentido idêntico : 'O art. 380.º, n.º 1., al. b), do CPP não consente a correcção da sentença fundada em erro de direito . (Ac. STJ de 25.01.07, proc. n.º 1556/06) (4)- Relator, Conselheiro Henriques Gaspar . (5)- A fundamentação sucinta da opção pelo regime vigente à data da prática dos factos encontra-se a fls. 646 e 645 . (6)- Ac. STJ, de 23.10.96, BMJ, 460 . (7)- Ac. STJ, de 13.11.2003, citado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, UCE . (8)- [1] O CPP revisto determina agora, no artigo 337.º, n.º 1, que «a declaração de contumácia implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior.» («Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência.»). (9)- [2] «Os processos prescrevem [...], também e principalmente, porque foi cometido um grande erro legislativo entre 1988 e 1995, com transformações estruturais nas leis penais, em que não foram acauteladas as figuras da interrupção/suspensão da prescrição, que constavam da legislação revogada. Eis em poucas palavras o que aconteceu: a interrupção/suspensão da prescrição estava contemplada no Código Penal, que remetia a sua verificação quando ocorressem alguns actos previstos no Código de Processo Penal; em Janeiro de 1988 entrou em vigor um novo Código de Processo Penal que não previa uma série dos actos interruptivos da prescrição; não houve uma alteração simultânea do Código Penal no sentido de se adequarem as suas disposições sobre prescrição ao novo Código de Processo Penal, e as figuras da interrupção/suspensão quase desapareceram porque os actos que as determinavam desapareceram do novo Código; essa situação durou até Outubro de 1995 e durante quase oito anos tal omissão legislativa foi o pano de fundo do regime legal da prescrição.» (Francisco Bruto da Costa, O Independente, de 21 de Janeiro de 2000) . (10)-[3] «Procurando minimizar os efeitos da jurisprudência obrigatória [fixada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/99, de 5 de Janeiro], a jurisprudência tem vindo a considerar constituir causa interruptiva da prescrição o interrogatório judicial o arguido na fase da instrução. É orientação sem qualquer fundamento legal.» (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, 1999, Verbo, p. 234, n. 1). (11)- [4] «Como hoje se sabe, houve um escandaloso erro legislativo em 1987, só corrigido em 1995 e que atinge todos os casos verificados nesses oito anos.» (Ministro António Santos Costa, Público, de 17 de Janeiro de 2000). (12)- Foi lavrado um voto de vencido "quanto ao conhecimento do recurso de constitucionalidade, por entender que não constitui uma questão de constitucionalidade normativa a apreciação da correcção do processo hermenêutico desenvolvido pelo tribunal a quo, tendente a determinar o sentido das normas, bem como do resultado a que o mesmo chegou." (13)- Igualmente convincente é a afirmação de que (…) 'se trata, neste sentido, de conclusão que decorre desta anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre questão paralela, e da exigência de que também ele se mantenha fiel à sua própria jurisprudência'. (14)- O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art.º 118, n.º 1, do C.P., agora, art.º 119.º, n.º 1.) . (15)- Prazo e causas, repete-se, estabelecidos pelos art.ºs 119.º e 120.º, do Código Penal, na versão do Dec. Lei n.º 400/82 . (16)- Na vigência do Código Penal de 1982, redacção original, a notificação para as primeiras declarações, para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, no inquérito, sendo o acto determinado ou praticado pelo Ministério Público, não interrompe a prescrição do procedimento criminal, ao abrigo do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma (ac. do Pleno das Secções Criminais do STJ, de 12.11.1998, DR. I-A, n.º 3/99, de 05 de Janeiro) (17)- Portanto, já também em momento ulterior ao termo do prazo de prescrição .
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011075 Nº Convencional: JTRP00030987 Relator: CIPRIANO SILVA Descritores: CITAÇÃO JUSTO IMPEDIMENTO Nº do Documento: RP200101050011075 Data do Acordão: 05/01/2001 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T TRAB LAMEGO Processo no Tribunal Recorrido: 275/98 Data Dec. Recorrida: 27/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR TRAB - ACID TRAB. Legislação Nacional: CPC95 ART146 N1. Sumário: I - Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto. II - É evento que obsta à prática atempada do acto - apresentação tempestiva da contestação -, a falta de rigor na citação que induziu em erro quer a seguradora quer o seu mandatário. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031670 Nº Convencional: JTRP00030946 Relator: COELHO DA ROCHA Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO CONTESTAÇÃO FUNDAMENTOS IMPUGNAÇÃO PAULIANA Nº do Documento: RP200012210031670 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J OVAR Processo no Tribunal Recorrido: 148/96 Data Dec. Recorrida: 10/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART351 ART357. CCIV66 ART610. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1991/07/09 IN CJ T4 ANOXVI PAG215. Sumário: Os embargos de terceiro podem ser contestados com fundamento em impugnação pauliana, não se tornando necessário que esta seja objecto de prévia acção comum, porque tal impugnação tanto pode ser deduzida por via de acção como por excepção. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031538 Nº Convencional: JTRP00030958 Relator: PIRES CONDESSO Descritores: APOIO JUDICIÁRIO TEMPESTIVIDADE Nº do Documento: RP200012210031538 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 7J Processo no Tribunal Recorrido: 357-A/98-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR TRIB - APOIO JUD. Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART17 N2 ART8. Sumário: I - O pedido de apoio judiciário destinado a uma acção, na sua tramitação comum e normal, só pode ser formulado até ao trânsito em julgado da decisão final. II - Posteriormente a esse momento, tal pedido só será admissível se for dirigido a questão judicial nascida depois do aludido trânsito e indicada no respectivo requerimento. III - Esse pedido para questão posterior não tem qualquer efeito retroactivo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031207 Nº Convencional: JTRP00030962 Relator: PIRES CONDESSO Descritores: SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO REQUISITOS EFEITOS Nº do Documento: RP200012210031207 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J PAREDES 1J Processo no Tribunal Recorrido: 10/93-2S Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS. Legislação Nacional: CCIV66 ART1365. Sumário: I - A servidão de estilicídio apenas pode resultar de queda de água da cobertura do prédio vizinho e não já da existência de uma caleira que faça a recolha das águas dessa cobertura. II - A existência de tal servidão apenas confere ao dono do prédio dominante o direito de exigir o cumprimento do disposto no artigo 1365 n.2 do Código Civil, não conferindo o direito de pedir a destruição de toda a obra levantada no prédio serviente. Reclamações: Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBIUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Manuel ............. e mulher Maria Celeste .................... instauraram acção Sumária contra Sofia ....... pedindo a sua condenação a ver declarada e a reconhecer a propriedade sobre o prédio que identificam, a demolir a parede-norte da parede que erigiram a sul da sua casa e a repor o beiral e caleira na situação anteriormente encontrada. Alegam, em resumo, que são donos do imóvel, casa e quintal, que identificam e que adquiriram por escritura de 10/4/79 a Joaquim ......... e mulher, invocando depois factos para a aquisição por usucapião. Do lado sul do seu prédio o terreno onde foi implantada a casa possuía uma sapata em pedra morro que em parte servia de alicerce à respectiva parede. O prédio dos autores tinha duas janelas na parede sul que dão directamente para o prédio da ré e que distam pelo menos 1 ,5M da parede construída pela ré. Os AA são, além do mais, donos de uma servidão de estilicídio já que o seu beiral gotejava e possuía uma caldeira que se estendia cerca de 60cm para fora da sua parede, beiral e caldeira. A ré, proprietária de um terreno contíguo ao dos AA, procedeu a obras de ampliação do seu imóvel não respeitando a estrema do seu terreno e cortando uma parte daquele morro, fazendo subir a sua parede em terreno pertença dos AA. Contestou a ré aceitando a propriedade dos autores sobre o imóvel tal como está descrito mas não aceitando os limites por eles indicados, alegando factos destinados a provar que foram os AA que com as inovações introduzidas na sua casa invadiram o seu terreno. Deduzem reconvenção pedindo que os AA sejam condenados a reconhecer a propriedade do seu terreno e a fecharem as janelas que abriram na parede sul do seu prédio bem como a destruírem a beirada e a retirarem a caleira da parte sul da beirada nascente que se encontra a ocupar parte do seu prédio. Responderam os AA mantendo a sua posição inicial. Prosseguiram os autos com o saneador, especificação e questionário e depois o para julgamento após o que veio a ser proferida a sentença final recorrida na qual foi julgada a acção procedente e a reconvenção apenas na medida do reconhecimento da propriedade e no demais improcedente. Inconformada interpôs recurso de APELAÇÃO a Ré que apresentou as suas alegações, concluindo nos aspectos que resumimos, e que se podem como que dividir em duas ordens de questões: 1ª-- no que essencialmente se refere à parte da decisão recorrida que determinou a procedência da acção do AA invoca obscuridades, incorrecções e contradições da matéria de facto, mas tudo com o escopo fundamental de que a propriedade dos autores não tem o limite que ele pretende, impondo-se a improcedência da acção; 2ª--quanto à improcedência do seu pedido reconvencional nada alega ou conclui em concreto para além do pedido de que os factos apurados justificam a sua procedência. ........................................................................................................ ....................................................................................................... Resta-nos apreciar a pretensão de estilicídio ainda invocada e também de forma subsidiária à aquisição de propriedade. A este propósito diz-nos o actual art 1365° CC no seu N° 1 que «o proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo de 5 decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.» Acrescenta o N° 2 que constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante. Ora a pretensão dos AA----demolição da parede levantada pela ré e reconstrução do beirado e caleira na arte destruída-----assenta, segundo a sua óptica, na existência de uma servidão de estilicídio e seria a sua verificação que lhes fundamentaria o direito que invoca. Pressuposto necessário desta tese será sempre a verificação da citada servidão de estilicidio. E para que esta ocorra é necessário, desde logo, que a beira do telhado ou outra cobertura GOTEJE sobre o prédio vizinho. (N° 1 do artº 13658 CC) Se bem atentarmos nos ensinamentos de António Carvalho Martins in «Construções e Edificações» a pag 138 e segs e P. Lima e A. Varela no seu CC Anotado-art 1365°- o que se consagra no N° 1 é a orientação de que o proprietário tem obrigação de construir de modo que as águas pluviais caídas do seu prédio urbano não vão, através da sua infiltração, prejudicar o prédio vizinho, e daí que o que esteja em causa seja, por conseguinte, uma limitação ao direito de propriedade do prédio que goteja e não uma servidão sobre o outro prédio, o que recebe as aguas. Segundo aquele 1 ° autor esta limitação deriva das proibições de emissões impostas no art 1346° CC e do princípio segundo o qual os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, imposto pelo art 1351 ° CC. Surge claro que a beira ou outra cobertura do telhado não pode gotejar sobre o prédio vizinho porquanto isso traduzir-se-ia numa emissão não permitida. Já assim não será quando se deixar um intervalo de 5 decímetros perante o terreno vizinho, pois então é de presumir que as águas que assim caiem no terreno superior infiltrar-se-ão nesse terreno, espalhando-se por ele de modo a já não causarem prejuízo ao prédio vizinho. Claro que esta obrigação legal de suportar o escoamento das águas fluviais só existe quando elas caiam naturalmente no prédio superior e não já quando caiam por terem sido reunidas por acção do homem (caleira, por exemplo ). Convém referir, a este propósito, que a expressão «gotejar» usada pela lei é meramente exemplificativa pois o que se quis dizer é que a água corra naturalmente da cobertura do prédio superior, não sendo necessário que pingue gota a gota. Atentos estes princípios afigura-se-nos que o intervalo de 5 decímetros só é exigível quando as águas corram, assim, naturalmente, pois se o dono do prédio superior arranjar maneira de as recolher, por exemplo através de algerozes ou caleiras, e as conduzir de modo a que caiam noutra área do seu terreno, já não está obrigado a respeitar aquela distância de 5 dcm. Portanto, tendo em conta estes ensinamentos, a servidão de estilicídio de que nos fala o artº 1365 N° 2 CC apenas pode resultar de uma queda de água da cobertura do prédio vizinho e não já quando o dono deste prédio superior faça a o recolha de água através de caleira assim evitando que ela caia nos termos apontados no chão. Voltando-nos para o nosso caso nós vemos que desde há cerca de 15 anos que os autores têm caleiras e não vem alegado (e por isso não se podia provar) que destas goteje água para o solo. É certo que se provou, de acordo com o alegado, que desde há cerca de 30 anos existe o beirado e que ele gotejava para o espaço de 60 cm a Sul da parede dos AA mas isso tem de entender-se como apenas ocorrendo até ao momento em que há cerca de 15 anos os AA colocaram uma caleira. Pensamos até que esta circunstância nos permite presumir ( de facto) que se havendo um gotejar do beirado durante cerca de 15 anos e acabou por se colocar uma caleira é porque se reconheceu que não havia direito àquela primeira situação. Não estando então alegado nem provado que nos últimos cerca de 15 anos ocorra o gotejar de água imposto por lei como pressuposto necessário do estilicídio, havendo, pelo contrário, indícios de que os AA não tinham direito a tal gotejar , temos de concluir que se não pode ter por verificada a pretendida servidão de estilicídio. Mesmo que ocorresse tal servidão impõem-se-nos duas ordens de considerações: Uma delas prende-se com a circunstância de que, mesmo que provada a sua verificação, a consequência não é a da aquisição da propriedade em relação ao terreno sobre que se estende a servidão, que sempre terá de ser provada pelos meios normais, não nos podendo esquecer que a servidão é incompatível com a propriedade sobre o mesmo terreno, como se sabe - ou há servidão ou propriedade. Prende-se a outra consideração com as limitações resultantes da verificação da servidão de estilicídio pelo N° 2 do art 1365° CC. Na verdade, voltando aos ensinamentos colhidos nas obras citadas, perante a verificação de uma tal servidão perfilavam-se perante o legislador três soluções para o titular do prédio serviente: ----não poder este construir sem guardar a distância de 5 decímetros ( ou a abrangida pela servidão ); ----poder ele levantar o seu edifício encostado ao telhado vizinho, embora isso obstasse a que as água caíssem no seu prédio; ----poder construir desde que a construção seja acompanhada das obras necessárias para que se mantenha o escoamento das águas sobre o seu prédio. Ora, segundo o disposto no citado N° 2 e os referidos ensinamentos, esta última foi a solução eleita e daí que o proprietário de prédio onerado com a servidão possa construir no espaço por ela abrangido desde que, claro, não crie obstáculos ao escoamento das águas, o que só caso a caso se pode aferir, não se podendo sequer esquecer a faculdade concedida de obter a mudança de servidão, construindo uma caleira ou um cano através do seu próprio edifício e que conduza as águas para terreno seu. Pretendemos com isto dizer que mesmo a existir servidão de estilicídio essa circunstância não permite o pedido de destruição de toda a obra levantada nem a reposição da beirada e caleira no estado anterior . Até onde se poderá ir, com os únicos factos alegados e provados------e partindo do princípio que está verificada a servidão de estilicídio, o que já vimos não ocorrer-----é a utlilização da faculdade concedida pelo N° 2 art 1365° CC--- que a obra levantada não impeça o escoamento das águas, devendo realizar as necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo do prédio dominante-dos AA. Não foi, porém, nada disto que pediram os AA e compreende-se que assim tenha sido pois no fundo o que os move é um conflito de limites de propriedade e não qualquer problema de escoamento de águas. Concluindo nesta parte diremos que os AA não lograram provar a existência de servidão de estilicídio-----não alegaram nem provaram o gotejamento de água nos últimos 15 anos----e mesmo que ela ocorresse não tinham direito aos pedidos que formularam mas apenas ao permitido no art 1365° N° 2 CC. Pensamos ter abordado todas a questões que contendiam com o objecto do cerne da acção----os limites da propriedade-----e daí a sua improcedência quanto ao N°1 o -A) B), mantendo-se, claro, a procedência decidida quanto à questão da afirmação GENÉRICA da propriedade do autor sobre o terreno registado, isto é, quanto ao decidido no ponto -N° 1-A) da sentença, até porque nem sequer foi posto em causa. Voltando-nos, agora, para a segunda questão verifica-se que ela se prende com o vencimento do pedido reconvencional no que respeita aos aspectos em que improcedeu. Tem aqui inteiro cabimento tudo quanto começamos por dizer na 1ª parte quanto à necessidade de se alegarem os pressupostos factuais da usucapião em relação a certa área do terreno quando essa área é decisiva para que se determinem os limites de certo prédio. Para o pedido reconvencional proceder era precisamente necessário que a ré alegasse, para depois poder provar (tal como dissemos em relação ao autor para a sua pretensão) a «usucapião», digamos assim, até ao limite que pretendia para o seu terreno de modo a que as suas pretensões----condenação do AA a demolirem a parede que levantaram em terreno seu e a fecharem as janelas abertas sobre tal terreno e a demolirem o beiral e caleira----pudessem vingar . Não o tendo feito, como claramente resulta dos factos provados, e sendo certo que nem os havia alegado, tem de decair (tal como aconteceu aos AA. em idêntica mas oposta pretensão) no que respeita ao pedido reconvencional. Improcede, pois, neste aspecto, a apelação. TENTEMOS RESUMIR: ............................................................................................... -----A servidão de estilicídio (1365º CC) tem como pressuposto necessário o gotejar, o escoamento de água provindo da cobertura do prédio dominante, e assim, não se provando esse cair de água, antes pelo contrário, a existência de uma caleira em relação à qual nada se alega sobre o referido gotejamento e sendo de presumir, precisamente, que essa caleira reúne as águas do beirado, não se pode ter por verificada tal servidão; ----De qualquer modo, mesmo que se verificasse essa servidão, o dono do prédio dominante não podia, só por isso, pedir a demolição da obra levantada em violação do espaço abrangido por ela; ----Na verdade, a existência de uma servidão de estilicídio e a sua violação, só conferem ao dono do edifício dominante o direito de exigir do dono do prédio serviente o cumprimento do artº 1365° N° 2 CC; ----diga-se, por fim, que a ocorrência da mesma servidão não confere ao seu titular a propriedade sobre o terreno por ela abrangido. CONCLUINDO: FACE AO EXPOSTO, ACORDAM EM JULGAR A APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE E NESSA MEDIDA ALTERAM A DECISAO RECORRIDA QUANTO AO DECIDIDO NAS ALINEAS b) E c) DO Nº1 NO SENTIDO DE QUE QUANTO A TAIS ASPECTOS IMPROCEDE A ACÇÃO; QUANTO AO MAIS IMPROCEDE A APELAÇÃO MANTENDO-SE A SENTENÇA. Custas pelas AA e Ré na proporção de metade para cada uma. Porto, 21 de Dezembro de 2000 António José Pires Condesso Gonçalo Xavier Silvano Fernando Manuel Pinto de Almeida
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031623 Nº Convencional: JTRP00030952 Relator: VIRIATO BERNARDO Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA ACÇÕES COMPRA E VENDA NULIDADE TRIBUNAL COMPETENTE Nº do Documento: RP200012210031623 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T5 ANOXXV PAG220 Tribunal Recorrido: T COMÉRCIO V N GAIA 1J Processo no Tribunal Recorrido: 78/00 Data Dec. Recorrida: 03/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR JUDIC - ORG COMP TRIB. Legislação Nacional: LOTJ99 ART18 ART89. Sumário: Não é da competência dos tribunais de comércio mas antes dos tribunais comuns a preparação e julgamento das acções em que se peça a declaração de nulidade de contrato de alienação de acções de sociedade comercial, por não estar aí em causa o "exercício de direitos sociais". Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:024043 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:VITOR MEIRA Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL DIREITO DE SEQUELA Sumário:I - Os créditos da SeguranÇa Social previstos no artigo 11 do DL 103/80 de 9 de Maio gozam de privilégio imobiliário geral, não beneficiando do direito de sequela. II - Pode por isso o terceiro adquirente do imóvel opôr ao exequente o seu direito real de gozo do mesmo. Nº Convencional:JSTA00052090 Nº do Documento:SA219990708024043 Data de Entrada:16/09/1998 Recorrente:FAZENDA PUBLICA Recorrido 1:SOUSA , ANTONIO Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TT1INST PORTO PER SALTUM. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO. Legislação Nacional:DL 103/80 DE 1980/05/09 ART11. CCIV66 ART735 ART743 ART744 ART749 ART751. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031569 Nº Convencional: JTRP00030951 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: NULIDADE PROCESSUAL NULIDADE DE SENTENÇA MATÉRIA DE FACTO Nº do Documento: RP200012210031569 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CIV BARCELOS Processo no Tribunal Recorrido: 281/98 Data Dec. Recorrida: 14/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART668. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1993/02/02 IN CJSTJ T1 ANOI PAG123. Sumário: As causas de nulidade da sentença, previstas no artigo 668 do Código de Processo Civil, não são aplicáveis ao julgamento da matéria de facto. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031570 Nº Convencional: JTRP00030948 Relator: SOUSA LEITE Descritores: RESPOSTAS AOS QUESITOS FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO REPETIÇÃO REQUISITOS Nº do Documento: RP200012210031570 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV V N GAIA Processo no Tribunal Recorrido: 634/96 Data Dec. Recorrida: 20/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CPC95 ART712 N5. Sumário: No caso de falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal da Relação só pode ordenar que o tribunal da 1ª instância proceda à realização do acto omitido quando a falta de fundamentação recair sobre um facto essencial para a decisão da causa e haja requerimento do recorrente nesse sentido. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031263 Nº Convencional: JTRP00030943 Relator: MOREIRA ALVES Descritores: APOIO JUDICIÁRIO INSUFICIÊNCIA DE MEIOS ECONÓMICOS PRESUNÇÃO Nº do Documento: RP200012210031263 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V N GAIA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 150/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR TRIB - APOIO JUD. Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART7 ART20 ART23. Sumário: I - Para efeito de apoio judiciário, apenas aquele que tiver rendimentos mensais que sejam provenientes do trabalho, iguais ou inferiores a uma vez e meia o salário mínimo nacional, goza de presunção de insuficiência económica. II - O facto de o requerente do apoio judiciário beneficiar da aludida presunção não o dispensa de alegar quaisquer outros rendimentos, património mobilizável ou disponibilidades financeiras que eventualmente detenha. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031161 Nº Convencional: JTRP00030954 Relator: PINTO DE ALMEIDA Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES OPOSIÇÃO Nº do Documento: RP200012210031161 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 4 J CIV STO TIRSO Processo no Tribunal Recorrido: 829/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART388 N1 B. Sumário: Decretada uma providência cautelar sem prévia audição do requerido, a oposição que este pode então deduzir destina-se a assegurar o princípio do contraditório, de forma diferida, facultando-se-lhe a dedução da defesa, seja ela qual for, que antes poderia ter produzido mas não teve ocasião de produzir. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031639 Nº Convencional: JTRP00030953 Relator: ALVES VELHO Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL VENDA POR AMOSTRA Nº do Documento: RP200012210031639 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CIV V N FAMALICÃO Processo no Tribunal Recorrido: 562/96 Data Dec. Recorrida: 15/07/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM. Legislação Nacional: CCOM888 ART469 ART471. Sumário: No contrato comercial de compra e venda sobre amostra, o vendedor submete a prévio exame e apreciação do comprador um exemplar da mercadoria pretendida e o exercício do direito de reclamação contra a entrega da mercadoria não conforme com a amostra caduca no prazo de oito dias e impende sobre o comprador o ónus de exame da mercadoria e da denúncia dos defeitos. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S741 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SOUSA PEIXOTO Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE RETRIBUIÇÕES INTERCALARES CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM Nº do Documento: SJ20080206007414 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Não constitui justa causa de despedimento, o facto da autora se ter envolvido numa discussão, em voz alta, com uma colega, durante a prestação de trabalho, se forem desconhecidos os motivos e o teor da discussão, quem a provocou e o grau de culpa de cada um dos intervenientes e se a autora, com mais de 17 anos de antiguidade, não tinha antecedentes disciplinares. 2. Auferindo a autora € 615,00 mensais, a indemnização por despedimento ilícito não deverá ser fixada no seu limite mínimo (15 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade), apesar do despedimento ter sido decretado em processo disciplinar e de a justa causa ter sido considerada inexistente por insuficiência dos factos provados. 3. Não sendo a acção de impugnação de despedimento interposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, há que deduzir, ao montante das retribuições a que o trabalhador teria auferido desde a data do despedimento até à data da propositura da acção, o valor das retribuições correspondentes ao período que decorreu entre a data do despedimento e o 30.º dia que antecedeu a propositura da acção. 4. O disposto no art.º 74.º do CPT não é aplicável quando em causa estejam créditos salariais peticionados após a cessação do respectivo contrato de trabalho. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra M... – Comércio de Vestuário, S. A., pedindo que o despedimento de que foi alvo por parte da ré fosse declarado ilícito e a ré condenada a pagar-lhe, em consequência dessa ilicitude, as seguintes quantias: i) € 3.690,00 de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento; ii) € 307,50 de retribuição referente aos dias em que trabalhou no mês de Janeiro de 2004; iii) € 1.230,00 referentes a férias e subsídio das férias vencidas em 1.1.2004; iv) € 648,00 referentes a trabalho suplementar prestado no ano de 2003; v) € 10.455,00 a título de indemnização por despedimento, se ela, autora, até à data da sentença, não exercer o direito que a lei lhe confere. Na 1.ª instância, decidiu-se que os factos imputados à autora não revestiam gravidade suficiente para justificar o despedimento que, assim, foi declarado ilícito e a ré foi condenada a pagar à autora € 10.455,00 a título de indemnização de antiguidade, € 3.690,00 a título das retribuições que deixou de auferir por via do despedimento, € 1.230,00 de retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2004. No que toca ao trabalho suplementar, a ré foi absolvida do respectivo pedido. A ré apelou da sentença, por entender que os factos praticados pela autora constituem justa causa de despedimento e, sem prescindir, por entender que a indemnização de antiguidade deve ser calculada de harmonia com o disposto no art.º 439.º do Código do Trabalho, uma vez que este Código já estava em vigor, à data do despedimento, e fixada em 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade ou fracção, ou seja, em € 5.535,00, e por entender que o valor das retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da propositura da acção deve ser deduzido das retribuições correspondentes ao período decorrido entre o despedimento e o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção, uma vez que esta não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, devendo tal valor fixar-se em € 615,00, uma vez que a autora não reclamou quaisquer retribuições vincendas. A autora também recorreu, mas de forma subordinada, por entender que o M.mo Juiz devia ter condenado a ré a pagar-lhe, ao abrigo do disposto no art.º 74.º do CPT, as retribuições que a autora deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão. O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso da autora e também julgou improcedente o recurso da ré, excepto no que diz respeito ao valor das retribuições que a autora teria auferido desde a data do despedimento até à data da propositura da acção, que fixou em € 605,00, em vez dos € 3.690,00 que haviam sido fixados na sentença. Inconformadas com a decisão da Relação, ambas as partes recorreram a título principal, formulando as seguintes conclusões: Conclusões da ré: I - Ao discutir, em voz alta, com outra colega, no local e durante o horário de trabalho, num espaço físico que propiciava a constatação disso por parte da sua administração e até de terceiros, ignorando, sucessivamente, as várias instruções dos seus superiores hierárquicos para se calar e acabando por abandonar as suas funções, saindo da empresa, apesar de admoestada a não o fazer, tendo regressado cerca de 4 horas depois, a recorrida cometeu ilícito disciplinar grave, por violação culposa dos deveres de respeito, urbanidade, lealdade e obediência previstos nas alíneas a), c), e g) do n.º 1 e n.º 2, do art. 20.°, do D.L. 49 408, de 24-11-1969, a que se encontrava adstrita pelo contrato de trabalho. II - A prática de tais factos, por parte da recorrida, quebrou a confiança inerente à respectiva relação laboral, tornando-a imediata e praticamente impossível, até por não restar já o mínimo suporte psicológico para o respectivo desenvolvimento, assumindo-se como integrante de justa causa para o seu despedimento, nos termos do art. 9.°, n.ºs 1 e 2, a), b), c), e) e i), do R.J. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2. III - Ainda que houvesse lugar a indemnização por hipotética ilicitude do despedimento, a concreta e escorreita aplicação dos critérios a que alude o art. 439.° do Cód. Trabalho impunham a respectiva fixação em valor nunca superior ao de 15 dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade, ou seja, 5,535,00 €. IV - A douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 20.°, n.º 1, alíneas a), c), e g) e n.º 2, do Dec.-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969; 9.°, n.os 1 e 2, a), b), c), e) e i), do R. J. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02 e 439.°, n.º 1, do Código do Trabalho. Conclusões da autora: 1) Pelo facto de o processo de despedimento se ter iniciado antes da entrada em vigor do actual Código do Trabalho, ou seja, em 14 de Novembro de 2003, ainda sob a vigência do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, do Dec. Lei 49408 de 24/11 e do CCT entre a Associação dos Comerciais do Porto e outras e o CESNORTE - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços e outros, entende a recorrente que terá de ser aplicada, para efeitos de cálculo de retribuições que deixou de auferir, a referida legislação e não o actual Código do Trabalho. 2) Deve a ré/recorrida ser condenada a pagar as retribuições vencidas à data da propositura da acção no montante de 3.690.00 euros (três mil seiscentos e noventa euros), não devendo ser deduzido o montante de retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, já que, a ser assim, estariam goradas, não só as legítimas expectativas da aqui recorrente, como estariam a ser claramente violadas disposições legais em vigor à data em que foi remetida à recorrente - 9/12/2003- a nota de culpa com intenção do despedimento - doc. já junto aos autos - sendo que, nos termos do art.º 15.º da Lei 99/2003 nomeadamente o seu n.º 3, os trabalhadores continuam a ser abrangidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva existentes à data da entrada em vigor do Código de Trabalho e apesar deste. 3) Deve aplicar-se à sentença agora recorrida o princípio "extra vel ultra petitum" nos termos e para os efeitos do art.º 74.º do C. P. do Trabalho. 4) Na medida em que, tendo sido o despedimento considerado ilícito na douta sentença do Tribunal "a quo", deveria o Meritíssimo Juiz ter condenado a Ré, além do pedido da autora, também no pagamento retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, entendendo assim que se trata de um direito irrenunciável e que lhe assiste nos termos do n.º 1 do art.º 437.º do Cód. do Trabalho. 5) Deve prevalecer a justiça material sobre a justiça formal, sendo que é um direito da trabalhadora aqui recorrente receber todos os montantes ocasionados pela ilicitude do despedimento e que a lei contempla nas já citadas disposições legais. 6) A douta sentença do Tribunal “a quo” e o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto devem ser reformulados, condenando em quantidade superior ao pedido nos termos do art.º 74.° do C. P. Trabalho e art.os 249.° e seguintes e 437.° do C. do Trabalho, sendo que, até à presente data, essa quantia já ascende o montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil cento e quarenta euros). Não houve contra-alegações e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se a favor da não concessão das revistas, em “parecer” a que as partes não reagiram. Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes: 1. A autora foi admitida ao serviço da ré, por si e sua antecessora, em 9.5.1987, sob a autoridade e direcção desta, exercendo ultimamente as funções de 1.ª escriturária. 2. Auferindo ultimamente a retribuição mensal de Euros 615,00. 3. Em 16.1.2004, a autora foi despedida, na sequência de processo disciplinar. 4. No dia 14.11.2003 (1) , pelas 10,00 horas, a autora e uma colega, durante a prestação de trabalho, envolveram-se numa discussão, que travaram em alta voz. 5. O chefe da secção tentou acalmá-las, mas sem êxito, não logrando que aquelas baixassem o tom de voz. 6. Também o superior hierárquico da autora, Dr. M...L..., chefe da secção administrativa, acorreu e apelou às contendoras para que se calassem. 7. Então, a autora abandonou o local de trabalho, enquanto que o referido M...L... a aconselhava a não o fazer. 8. A autora regressou ao seu posto de trabalho após o almoço, pelas 14,00 horas, tendo sido então suspensa verbalmente, sem perda de retribuição. 9. A autora não tem antecedentes disciplinares. 10. O local de trabalho situa-se no edifício sede da ré, no r/c, por debaixo dos gabinetes da Administração, próximo do hall de entrada, por onde passam todas as pessoas relacionadas com a ré, incluindo clientes. 11. Na ré vive-se um ambiente de disciplina e respeito entre os trabalhadores. 12. A colega interveniente na discussão foi também alvo de despedimento, nas circunstâncias dos factos, e, tendo recorrido a juízo, aí vieram a transigir. 13. O marido da autora foi também trabalhador da ré, tendo rescindido por sua iniciativa em 1.7.2003, na sequência de um litígio extra-judicial. 3. Direito Conforme decorre das conclusões produzidas pelas recorrentes, as questões a apreciar são as seguintes: Recurso da ré: - saber se existia justa causa para a ré despedir a autora; - na hipótese de não haver justa causa, saber qual o montante atribuir à autora a título da chamada da indemnização de antiguidade. Recurso da autora: - saber qual o montante das retribuições a que a autora tem direito até à data da propositura da acção; - saber se, ao abrigo do disposto no art.º 74.º do CPT, a ré devia ter sido condenada a pagar à autora as retribuições desde a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão. 3.1 Da justa causa Como se constata da matéria de facto provada, a autora foi despedida em 16.1.2004, na sequência de processo disciplinar, pela prática de factos ocorridos em 14.11.2003 (factos n.os 3 a 8 inclusive). À data do despedimento, o Código do Trabalho já estava em vigor (3) , mas o mesmo não acontecia à data em que os factos foram praticados, o que suscita a questão de saber à luz de que lei deve ser apreciada a questão da justa causa. A resposta encontra-se no n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 99/2003, já referida em nota, nos termos do qual, “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”. Segundo o normativo transcrito, em consonância, aliás, com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do C. C., o Código do Trabalho não se aplica aos efeitos decorrentes dos factos totalmente passados antes da sua entrada em vigor. E, sendo assim, é óbvio que, nos presentes autos, a questão da justa causa terá de ser apreciada à luz da legislação em vigor antes da entrada em vigor daquele Código, uma vez que os factos imputados à autora ocorreram em 14.11.2003, ou seja, anteriormente à entrada em vigor daquele diploma e uma vez que, ao averiguar se determinados factos constituem, ou não, justa causa de despedimento, estamos a indagar dos efeitos jurídicos que desses factos decorrem. Desta forma, a apreciação da justa causa terá de ser feita à luz da LCT (3) e da LCCT(4) E nos termos do art.º 9.º, n.º 1, da LCCT, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Segundo aquele normativo e, como ainda no recente acórdão deste tribunal de 13.12.2007 (5) se escreveu, a justa causa subjectiva pressupõe, antes de mais, uma conduta por parte do trabalhador que, por acção ou omissão, se traduza numa violação culposa dos seus deveres contratuais, seja dos deveres principais, seja dos deveres secundários ou acessórios, devendo a culpa ser apreciada objectivamente e em concreto, segundo o critério de um bom pai de família, ou seja, segundo o critério de um empregador normal. Tal conduta não é, todavia, suficiente, para preencher o conceito legal de justa causa. É indispensável, também, que essa conduta, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pois, como bem salientam Bernardo Xavier (6) e Monteiro Fernandes (7) , o que verdadeiramente caracteriza a justa causa subjectiva é essa imediata impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho. É essa impossibilidade que constitui a verdadeira pedra de toque do sistema. A dificuldade está em saber, perante determinada situação concreta, quando é que aquela impossibilidade se verifica, uma vez que a impossibilidade em causa não é de ordem material, traduzindo-se, antes, numa situação de mera inexigibilidade jurídica que há-de resultar de um juízo de prognose ou de probabilidade, a efectuar pelo julgador sobre a viabilidade da relação laboral, levando em conta os interesses contrastantes em presença (a estabilidade do vínculo laboral, por um lado, e a emergência da desvinculação, por outro) e o grau de culpa do trabalhador, mas atendendo, também, “no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, conforme prescreve, no seu n.º 5, o art.º 12.º da LCCT. Não se trata, porém, de um juízo fácil de fazer, uma vez que a referida inexigibilidade é manifestamente refractária a um juízo de mera subsunção. Pelo contrário, trata-se de um juízo complexo que tem de ser feito caso a caso e que implica, como diz Monteiro Fernandes (8) , “não só uma selecção dos factos e circunstâncias a atender, mas também uma série de valorações assentes em critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários – e mesmo, não raro, relacionados com pressupostos de ordem sócio-cultural e até afectiva”, uma vez que a inexigibilidade, continua aquele autor, “surge apontada ao suporte psicológico do vínculo”. E, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo a salientar, a inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral só acontece quando, efectuada a análise diferencial dos interesses em jogo, seja de concluir que deixaram de existir as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que, de modo geral, implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos, isto é, quando seja de concluir que não é razoável exigir do empregador a manutenção da relação contratual, nomeadamente por ter sido quebrada a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato intuitu personae. Por outras palavras, a justa causa existirá quando seja de concluir que nenhuma das medidas disciplinares de carácter conservatório é suficiente para sanar a crise contratual aberta pela conduta do trabalhador. Acresce que, na formulação daquele juízo, apenas podem ser levados em conta os factos que foram invocados na decisão de despedimento e, de entre estes, apenas os que tiverem sido incluídos na nota de culpa, uma vez que, na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar os factos constantes da decisão proferida no processo disciplinar ( art.º 12.º, n.º 4, da LCCT) e dado que, nesta, não podem ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou que não tenham sido referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a responsabilidade deste (art.ºs 10.º, n.º 9, da LCCT). E acresce, ainda, que, na acção de impugnação de despedimento, compete ao empregador alegar e provar os factos por si invocados na decisão de despedimento (art.º 12.º, n.º 4, da LCCT). Revertendo, agora, ao caso do autos e tendo em conta as considerações acabadas de produzir, não podemos deixar de concluir pela inexistência da justa causa, por entendermos que uma simples discussão com uma colega de trabalho não é motivo suficiente para despedir um trabalhador com mais de 17 anos de antiguidade e sem quaisquer antecedentes disciplinares, quando se desconhecem os termos em que essa discussão decorreu, o motivo que lhe deu origem, quem a provocou e o grau de culpa de cada um dos respectivos intervenientes. A ré alega que a autora elevou o tom de voz para além dos limites impostos pela boa educação e pelo civismo, nisso persistindo mesmo depois das várias advertências dos seus superiores hierárquicos e que a mesma não podia deixar de saber que o alarido provocado era, em função da localização espacial da conduta, susceptível de ser constatado não só pelos administradores, mas também por terceiros que se dirigissem à empresa, sendo ainda incontornável que a autora desobedeceu duma forma grosseira, não só às instruções dos superiores hierárquicos que, repetidamente, mas sempre debalde, a mandaram conter-se, mas desrespeitou também o “minus” socialmente tido como constitutivo do núcleo irredutível das regras de respeito e do bom ambiente que devem prevalecer na comunidade laboral, aceites pela autora aquando do ajuste contratual. E mais alega que o comportamento da autora evidencia, ainda, um acabado e ostensivo desprezo pelas instruções dos seus superiores hierárquicos, não só pelas que apontavam no sentido de pôr cobro à discussão e alarido, mas também pelas que impunham o não abandono do trabalho e das instalações da empresa. Reconhece-se que uma discussão, ainda por cima acalorada, entre colegas, no local de trabalho, atenta contra a disciplina e o bom ambiente em que o trabalho se deve processar, constituindo, por isso, uma infracção, independentemente de se saber quem deu azo à discussão e qual o grau de culpa de cada um dos intervenientes, por constituir uma violação do dever contratual de respeitar e tratar com urbanidade os companheiros de trabalho (art.º 20.º, n.º 1, al. a), da LCT). O que não se aceita é que tal infracção, no caso em apreço, tenha assumido gravidade bastante para integrar o conceito de justa causa, uma vez que a sanção do despedimento é reservada para as infracções que, pela sua gravidade, afectam a subsistência da própria relação laboral, o que vale por dizer que só pode ser utilizada quando a infracção cometida pelo trabalhador tiver assumido uma gravidade extrema. Quando tal não aconteça, o empregador tem ao seu dispor outras sanções: repreensão, repreensão registada, multa, suspensão do trabalho com perda de retribuição (art.º 27.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), da LCT) e será a uma dessas sanções que terá de recorrer, não de forma arbitrária, mas em função da gravidade da infracção, do grau de culpa do trabalhador e das necessidades de prevenção geral e especial atinentes à disciplina da empresa. O que o empregador não pode é ignorar que existem outras sanções para além do despedimento, esquecendo que esta é uma sanção que deve ser utilizada com especial parcimónia, uma vez que a segurança no emprego constitui um direito constitucional dos trabalhadores (art.º 53.º da CRP). É certo que a lei constitucional admite os despedimentos com justa causa, mas, sob pena daquela garantia constitucional ser completamente esvaziada, a justa causa (seja a justa causa objectiva, seja a justa causa subjectiva) tem necessariamente de assentar em razões extremamente ponderosas, pois só assim se justificará o sacrifício daquela garantia fundamental dos trabalhadores (a segurança do emprego). No caso em apreço, a infracção cometida pela autora está longe de revestir a gravidade extrema exigida por lei, para a aplicação da sanção do despedimento, pois, como já foi referido, ignoram-se o teor e a razão de ser da discussão em causa, não se sabe quem a provocou e não há elementos para determinar o grau de culpa da autora. Acresce que, dos factos provados, não resulta, ao contrário do que é alegado pela ré, que a autora tenha desobedecido a quaisquer ordens dos seus superiores hierárquicos, uma vez que estes não lhe deram qualquer ordem. Com efeito, a este respeito, apenas se provou que o chefe da secção tentou, sem êxito, acalmar as desavindas e que o superior hierárquico da autora, Dr. M...L..., chefe da secção administrativa, “apelou” às contendoras para que se calassem e “aconselhou” a autora a não abandonar o local de trabalho. Por outro lado, o facto de se ter dado como provado que o local de trabalho se situava por debaixo dos gabinetes da Administração, próximo do hall de entrada, por onde passam todas as pessoas relacionadas com a ré, incluindo clientes, não é suficiente para emprestar à conduta da autora o grau de gravidade que o conceito de justa causa pressupõe. Aceita-se que o facto da discussão poder ser ouvida por pessoas estranhas à empresa constitui uma circunstância agravante da conduta da autora, uma vez que aquele facto fez perigar a imagem da empresa. Mas já não se aceita que esse risco (anote-se que não se provou que a discussão tivesse sido efectivamente ouvida por pessoas estranhas à empresa, nomeadamente por clientes) agrave a conduta da autora a tal ponto que inviabilize, por desadequada e desajustada, a aplicação de outra sanção que não seja o despedimento, tendo em conta, sobremaneira, como já foi salientado, que a autora estava ao serviço da ré há mais de 17 anos e que no decurso desses anos nunca tinha sido alvo de qualquer sanção disciplinar. Por último, dir-se-á que o facto da autora ter abandonado o local de trabalho, após a discussão, e de só ter regressado ao trabalho, depois do almoço, não assume para o caso especial relevância, apesar de tal ausência constituir uma violação do dever de assiduidade a que a autora estava sujeita (art.º 20.º n.º 1, al. b), da LCT), uma vez que a mesma foi de curta duração e algo compreensível devido ao estado de exaltação em que a autora naturalmente se encontrava. Concluindo, diremos, com as instâncias, que a ré não tinha justa causa para despedir a autora, o que torna ilícito o despedimento. 3.2 Da indemnização de antiguidade Como já foi referido, a autora foi despedida em 14 de Janeiro de 2004. Trata-se, pois, de um facto que ocorreu já depois da entrada em vigor do Código do Trabalho. E, sendo a indemnização de antiguidade um dos efeitos que decorre desse facto, é óbvio que a lei aplicável, no que concerne àquela indemnização, é o Código do Trabalho e não a LCCT. Tal resulta claramente do disposto na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 99/2003, tal como, aliás, resultaria do art.º 12.º, n.os 1 e 2, do Código Civil. Nos termos do art.º 436.º , n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, o trabalhador ilicitamente despedido tem direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. E nos termos do art.º 439.º do mesmo Código, em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante da mesma, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no art.º 429.º, devendo o tribunal atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não podendo a indemnização ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. Como decorre do disposto no art.º 439.º, no cálculo da indemnização substitutiva da reintegração não se atende a todas as prestações remuneratórias auferidas pelo trabalhador, mas tão somente à retribuição base e às diuturnidades e, ao fixar a referida indemnização (entre os 15 e os 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade), o tribunal deve levar em conta o valor da retribuição e o grau de ilicitude decorrente do disposto no art.º 429.º, ou seja, se o despedimento foi precedido, ou não, de processo disciplinar, se se fundamentou, ou não, em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso. Será em função daqueles elementos e da sua conjugação que a indemnização deve ser fixada. Assim e a título de exemplo, se a retribuição auferida pelo trabalhador se situar ao nível do salário mínimo nacional, se o despedimento não tiver sido precedido de processo disciplinar e se tiver sido decretado por razões políticas, ideológicas, étnicas ou religiosas, é óbvio que a indemnização deverá ser fixada no seu montante máximo. Pelo contrário e no extremo oposto, se a retribuição do trabalhador era muito elevada, se o despedimento foi levado a cabo em processo disciplinar, com fundamento em factos que se vieram a provar, mas a que o tribunal não atribuiu gravidade suficiente para integrar o conceito de justa causa, também parece evidente que a indemnização deverá ser fixada no limite mínimo. No caso em apreço, a retribuição da autora (€ 615,00 ilíquidos/mensais), sendo embora superior ao salário mínimo nacional, era modesta, o que aponta para que a indemnização seja fixada perto do limite máximo (45 dias por cada ano ou fracção de antiguidade). Mas, por outro lado, o despedimento foi precedido de processo disciplinar e com base em factos que, em grande parte, foram dados como provados, mas que foram julgados insuficientes para justificar o despedimento, o que aponta no sentido de que a indemnização deve ser fixada abaixo do limite máximo. Na petição inicial, a autora pediu que a ré fosse condenada a pagar € 10.455,00 a título de indemnização. Na sentença, a ré foi condenada a pagar, a esse título, a referida quantia, ao abrigo dos disposto no n.º 3 do art.º 13.º da LCCT. A Relação manteve o montante, mas ao abrigo do disposto no art.º 439.º do Código do Trabalho. A ré pretende que a indemnização seja fixada no limite mínimo (15 dias da retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade), ou seja, em € 5.535,00. A autora foi admitida ao serviço da ré em 9.5.1987. Para efeitos do cálculo da indemnização, a antiguidade conta-se até ao trânsito em julgado da decisão judicial (art.º 439.º, n.º 2, do Código do Trabalho). Na presente data, a antiguidade da autora é, pois, de 20 anos e 8 meses. A retribuição da autora era de € 615,00 mensais, devendo entender-se, à falta de outros elementos, que essa era a sua retribuição base. Por isso e neste momento, os limites mínimo e máximo da indemnização são, respectivamente, de € 6.457,50 (615,00:30x15x21) e de € 19.372,50 (615,00:30x45x21). O montante fixado nas instâncias corresponde a uma indemnização de 24,28 dias da retribuição por cada ano ou fracção da antiguidade que a autora tem na presente data e, face ao que já foi dito, aquele montante só pode pecar por defeito, sendo certo, porém, que, tendo sido esse o montante pedido pela autora, o tribunal estava impedido de condenar a ré em montante superior, dado o disposto no art.º 661.º, n.º 1, do CPC. Improcede, pois, o recurso da ré, nesta parte. 3.3 Das retribuições devidas à autora desde a data do despedimento até à data da propositura da acção Nos termos do art.º 436.º, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado “[a] indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados”. E, nos temos do n.º 1 do art.º 437.º do mesmo Código, “[s]em prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal”. Porém, nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do art.º 437.º, ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento (n.º 2), bem como o montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social (n.º 3), e o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento (n.º 4). No caso em apreço, a autora pediu a título das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, a quantia de € 3690,00. Não pediu o pagamento das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão judicial. Aquele montante refere-se, portanto, ao valor das retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da propositura da acção. Acontece que a acção não foi proposta dentro dos 30 dias subsequentes ao despedimento, uma vez que este ocorreu em 16.1.2004 e a acção só foi proposta em 14.7.2004. Deste modo, a autora só tem direito a receber a quantia correspondente à retribuição referente aos 30 dias que antecederam a data da propositura da acção, ou seja, à quantia de € 615,00 e foi esta a retribuição que, na decisão recorrida, lhe foi atribuída. A autora discorda, por entender que o montante das retribuições vencidas entre a data do despedimento e a data da propositura da acção não deve ser deduzido do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, “já que, a ser assim, estariam goradas, não só as legítimas expectativas da aqui recorrente, como estariam a ser claramente violadas disposições legais em vigor à data em que foi remetida à recorrente – 9/12/2003 – a nota de culpa com intenção de despedimento – doc. já junto aos autos – sendo que, nos termos do art.º 15.º da Lei 99/2003 nomeadamente o seu n.º 3 os trabalhadores continuam a ser abrangidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva existentes à data da entrada em vigor do Código do Trabalho e apesar deste”. Face ao disposto no n.º 4 do art.º 437.º do Código do Trabalho, não se vislumbra o menor apoio para a tese sustentada pela autora. O normativo em questão é perfeitamente claro e a sua interpretação não deixa margem para dúvidas e nem sequer faz sentido falar em expectativas goradas, uma vez que o n.º 4 do art.º 437.º se limitou a reproduzir o que já constava do art.º 13.º, n.º 2, al. a), da LCCT, sendo certo que o CCT que, segundo a autora seria aplicável ao caso (o CCT celebrado entre a Associação dos Comerciantes do Porto e outras e o CESNORTE - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços e outros) não contém qualquer disposição que contrarie o disposto no art.º 437.º, n.º 4, do Código do Trabalho. Improcede, pois, o recurso da autora nesta parte. 3.4 Das retribuições vincendas Como já foi dito, o trabalhador ilicitamente despedido tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com as deduções acima já referidas. E, como também já foi afirmado, a autora não pediu o pagamento das retribuições que se viessem a vencer no decurso da acção e, naturalmente, por isso, a sentença nada disse a tal respeito. Só no recurso subordinado de apelação é que a autora veio levantar essa questão, sustentando que o tribunal devia ter condenado a ré, ex officio, no pagamento daquelas retribuições, por força do disposto no art.º 74.º do CPT. A Relação, por maioria, desatendeu a pretensão da autora, com o fundamento de os créditos salariais emergentes do contrato de trabalho deixam de ser indisponíveis a partir da cessação do contrato, em virtude da subordinação jurídica e económica do trabalhador relativamente ao empregador ter deixado de existir, não sendo, por isso, o art.º 437.º do Código do Trabalho um preceito inderrogável, para efeitos do disposto no art.º 74.º do CPT. A decisão da Relação está de acordo com a jurisprudência que, reiteradamente, tem vindo a ser afirmada por este Supremo Tribunal, segundo a qual os créditos emergentes do contrato de trabalho passam a ser disponíveis depois de cessada a relação laboral, por não se tratar de um direito de exercício necessário (9). Não vemos razão para que tal jurisprudência seja alterada, sendo certo que a autora também não aduziu quaisquer argumentos que nos levassem e repensar o entendimento que, há muito tempo, tem vindo a ser perfilhado. Ora, tendo o contrato de trabalho da autora cessado já quando a acção foi proposta, o disposto no art.º 74.º do CPT não podia ser aplicável ao caso, o que implica a improcedência do recurso, também nesta parte. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se negar a revista da autora e a revista da ré. Custas pelas recorrentes.* Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Fevereiro de 2008 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol _____________________ (1) - Por manifesto lapso, no acórdão da Relação diz-se 14.11.2004, em vez de 14.11.2003. (2) - Nos termos do art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27/8, que aprovou o Código do Trabalho, este entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, com excepção de alguns dos seus artigos que, para o caso em apreço nos presentes autos, não relevam. (3) - Forma abreviada de designar o regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969. (4) - Forma abreviada de designar o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. (5) - Proferido no proc. n.º 3526/07, da 4.ª Secção, subscrito pelo mesmo relator e adjuntos que assinam este. (6) - Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, pag. 491e seguintes. (7) - Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª edição, pag. 556. (8) - Ob. cit., p. 559. (9) - Vide, a título de exemplo, os acórdãos: de 31.10.2007, proc. 2091/07, relatado por Bravo Serra; de 17.5.2007, proc. 738/07, relatado por Pinto Hespanhol; de 3.3.2005, proc. 3154/04, relatado por Fernandes Cadilha; de 25.10.2004 , proc. 480/05, relatado por Sousa Peixoto, de 30.9.2004, proc. 3775/03, relatado por Vítor Mesquita e de 12.12.2001, proc. 227/01, relatado por José Mesquita..
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0030977 Nº Convencional: JTRP00030966 Relator: PINTO DE ALMEIDA Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA DIVISÃO DE PRÉDIO EM LOTES TERRENO PARA CONSTRUÇÃO ALVARÁ USUCAPIÃO Nº do Documento: RP200012210030977 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J STA MARIA FEIRA 3J Processo no Tribunal Recorrido: 732/99 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS. DIR PROC CIV. DIR ADM GER - DOM PRIV. Legislação Nacional: CPC95 ART1052. CCIV66 ART1412 ART1376. DL 448/91 DE 1991/11/29 ART3 A ART53. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1989/12/12 IN BMJ N392 PAG458. Sumário: I - Na acção de divisão de coisa comum, em que se pretende o fraccionamento de um prédio rústico em várias parcelas, para construção ou em que se efectuaram já construções, tal divisão envolve uma operação de loteamento, pelo que a acção não pode prosseguir sem a junção de alvará de loteamento do prédio. II - Porém, o estado de facto criado por uma divisão feita pelos comproprietários, sem escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, pelo princípio da usucapião, o que se não reconduz a divisão de coisa comum. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Maria Celeste......., Isaura........., Alice............e Rogério.......... vieram propor acção especial de divisão de coisa comum contra Américo...... e mulher Maria Palmira....... Como fundamento, alegaram, em síntese, que requerentes e requeridos são comproprietários, em comum e partes desiguais, do prédio rústico, de cultura hortícola, com a área de 2800 m2, descrito na CRP sob o nº --- e inscrito na matriz predial rústica nos arts. 895, 896, 897 e 898. Tal prédio veio à propriedade de requerentes e requeridos por escritura de compra e venda, rectificação e troca de 29.08.80. Algum tempo após a celebração dessa escritura, os requerentes e o requerido Américo acordaram, entre si, proceder à divisão de facto do prédio referido, tendo como objectivo a desintegração para construção de habitações próprias, demarcando os artigos matriciais que o constituem da seguinte forma: - o art. 895 foi atribuído em comum e partes iguais às requerentes, Maria Celeste, Alice e Isaura; - o art. 896 foi atribuído à irmã dos requerentes, Maria Fernanda........ que, por escritura de 29 de Maio de 1989, o doou à requerente Isaura; - o art. 897 foi atribuído ao requerente Rogério; - o art. 898 foi atribuído ao requerido Américo. E, a partir desse acordo, requerentes e requeridos passaram a exercer o seu direito de compropriedade sobre cada um dos artigos, como se fossem proprietários exclusivos porque o eram de facto, embora não de direito, do artigo que entre si acordaram atribuir. Na sequência do mesmo acordo, a requerente Isaura, no ano de 1990, construiu uma casa de habitação, implantada no terreno correspondente ao artigo 896 e, do mesmo modo, o requerido Américo autorizou que um seu tio, em 1992, construísse uma casa, implantada no terreno correspondente ao artigo 898. O prédio rústico aqui em causa é perfeitamente divisível, encontrando-se os artigos que o constituem delimitados e devidamente demarcados, com inscrição própria na Repartição de Finanças. Tendo cada um dos referidos artigos acesso autónomo ao caminho que cada um dos requerentes e requeridos utiliza de per si e em exclusividade. Em consequência, são divisíveis de facto e em substância, faltando apenas a divisão jurídica. Não convém aos requerentes permanecer na indivisão dos referidos prédios, pelo que, nos termos dos arts 1412º e 1413º do Código Civil, deve proceder-se à respectiva divisão, atribuindo-se o direito de propriedade de cada um dos artigos, conforme o acordo estabelecido entre os requerentes e o requerido Américo. Os requeridos não contestaram. Foi então proferido despacho em que o Sr. Juiz, no essencial, afirmou ser possível o fraccionamento do prédio, por este visar a desintegração de terrenos para construção (art. 1377º a) do CC). Acrescentou, porém, que neste caso a divisão envolve uma operação de loteamento, nos termos do art. 3º a) do DL 448/91, de 21/11, pelo que a acção não pode prosseguir sem que se mostre junto o alvará de loteamento do prédio identificado nos autos. Assim, ao abrigo do disposto no art. 53º nº 1 DL 448/91, determinou que os requerentes fossem notificados para juntarem aos autos o referido alvará de loteamento e a certidão comprovativa do respectivo registo. Discordando desta decisão, dela interpuseram os requerentes recurso, de agravo, concluindo assim as suas alegações: 1. Ao contrário da interpretação dada pelo Mmo Juiz, os AA., com a presente acção, não pretendem obter o fraccionamento de um prédio rústico (ainda juridicamente indiviso) em quatro parcelas, nas quais se encontram já implantadas construções, o que, aliás, nunca foi requerido pelos AA.. 2. O facto de se alegar que o prédio "tem como objectivo a desintegração do terreno para construção de habitações próprias" não significa que se esteja a requerer o fraccionamento do prédio, nos termos do artigo 1377º do CC. 3. O que os recorrentes pretendem - e que resulta claramente do pedido formulado quer na petição inicial quer no requerimento de fls. 45 a 48 - é que a propriedade de cada um dos quatro artigos matriciais que compõem o prédio em causa (que pertence actualmente em comum e nas respectivas proporções a vários comproprietários) fiquem a pertencer a um só proprietário, à excepção de um deles que se pretende fique a pertencer, em comum e partes iguais, às recorrentes Maria Celeste, Alice e Isaura. 4. Para que a propriedade de cada um dos artigos matriciais que compõem o prédio em causa deixe de pertencer a todos os comproprietários e passe a pertencer apenas a um deles, não é necessária qualquer operação de loteamento, porque tal não é legalmente exigido ou imposto. 5. De facto, o art. 3º nº 1 a) do DL 448/91, de 21/11, não tem aqui aplicação porquanto dos autos resulta que os requerentes nunca pretenderam ou requereram a divisão em lotes do prédio aqui em causa. 6. Porque assim é, não podia o Mmo Juiz ter ordenado a notificação dos requerentes "para juntarem aos autos o referido alvará de loteamento e a certidão comprovativa do respectivo registo", ao abrigo do disposto no art. 53º nº 1 do citado DL. 7. Com tal disposição legal, o legislador pretende "não só que quaisquer escrituras de compra e venda de lotes de terrenos sejam celebradas mediante o comprovativo (alvará) de que tais lotes surgiram na sequência de uma operação de loteamento licenciada pela Câmara Municipal, mas que quaisquer outras acções que indiciem a prática de divisão de um prédio rústico em lotes destinados à construção urbana, sejam igualmente fiscalizadas pelo notário (ou pelo Juiz) por forma a que este, só se decida pela sua celebração (ou decisão), caso os outorgantes (ou as partes) exibam o competente alvará (José Miguel Sardinha, O Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização, comentado e anotado). 8. Tal situação verificar-se-ia, por exemplo, no caso da divisão de coisa comum - artigos 1412º e 1413º do CC - caso seja visível aos olhos do notário (ou do Juiz) que o que os comproprietários querem é efectuar uma operação de loteamento, embora "disfarçado" de divisão de coisa comum (José Miguel Sardinha, op.cit.). 9. Não é essa a situação dos presentes autos, não só porque não pretendem os recorrentes o fraccionamento do prédio, mas também porque, com a presente acção não pretendem estes obter ou efectuar qualquer operação de loteamento "disfarçado" de divisão de coisa comum. 10. Os recorrentes pretendem a definição e delimitação do direito de propriedade de cada um dos comproprietários, formalizando, de forma jurídica a divisão, definição e concretização que, de facto, já foi efectuada e existe entre os comproprietários, a qual não envolve qualquer operação de loteamento. 11. Acresce que, não tem razão o Mmo Juiz quando afirma que o prédio aqui em causa é juridicamente indiviso, porquanto o título (escritura pública de "compras e vendas, rectificações e trocas"), pelo qual os AA. adquiriram a propriedade de tal prédio, refere claramente que tal prédio se encontra inscrito na matriz sob quatro (4) artigos distintos. 12. Ou seja, já em 1980 - há cerca de vinte anos - que o prédio aqui em causa comportava e era constituído por quatro (4) prédios distintos e autónomos, motivo pelo qual lhe correspondia a inscrição em quatro (4) matrizes diferentes. 13. A situação matricial do prédio opõe-se à conclusão defendida pelo Tribunal recorrido, que o considera como "ainda juridicamente indiviso". 14. Na verdade, o prédio aqui em causa, não só está dividido de facto - face ao acordo celebrado entre os AA./recorrentes e os RR./recorridos, e por todos cumprido - como já se encontra juridicamente dividido - conforme inscrição matricial do mesmo. 15. Por todo o exposto nenhuma razão assiste ao Mmo Juiz, violando o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 3º a) e 53º nº 1, ambos do DL 448/91. Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com as consequências legais. Não foram apresentadas contra-alegações. O Sr Juiz sustentou o seu despacho. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, relevando, para este efeito, os elementos indicados no relatório precedente. II. Mérito do recurso Pressuposto da decisão recorrida é o entendimento de que os requerentes pretendem obter o fraccionamento de um prédio rústico em quatro parcelas, para construção, e que tal divisão envolve uma operação de loteamento. Os recorrentes discordam de tal decisão, sustentando que não pretendem qualquer fraccionamento, mas apenas a definição e delimitação do direito de propriedade de cada um dos comproprietários, formalizando juridicamente a divisão que, de facto, já foi efectuada e existe entre os comproprietários, a qual não envolve qualquer operação de loteamento. Acrescentam que o prédio não está juridicamente indiviso, uma vez que foi dividido de facto - face ao acordo celebrado entre requerentes e requeridos e por todos cumprido - encontrando-se também juridicamente dividido, conforme inscrição matricial. Cremos, com o devido respeito, que não têm razão. Dispõe o art. 1412º nº 1 do CC que nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão ... A divisão pode ser feita amigavelmente ou nos termos da lei do processo (art. 1413º nº 1). A divisão amigável é feita extrajudicialmente, estando sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa (nº 2 do mesmo preceito). O meio processual será a acção de divisão de coisa comum; nos termos do art. 1052º nº 1 do CPC, todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ... Como tem sido entendido, o estado de facto criado pela divisão feita pelos comproprietários sem escritura ou auto público pode converter-se em estado de direito, pelo princípio da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais [Cfr., entre outros, Pires e Lima e Antunes Varela, CC Anotado, III, 2ª ed., 390; Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, I (1979), 413]. Os recorrentes afirmam que o prédio não está indiviso, visando a acção, no fundo, formalizar apenas a divisão de facto já efectuada. Como parece evidente, não pode entender-se esta posição nos seus precisos termos. Com efeito, pressuposto lógico indispensável do pedido de divisão de coisa comum é que exista uma situação de compropriedade, de indivisão. A acção - o meio escolhido pelos requerentes - é, justamente, um dos meios de pôr fim a essa indivisão. O outro meio será a divisão amigável, mas esta está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa, dependendo assim da celebração de escritura pública - arts. 875º e 219º do CC. Poderá, como se disse, ser criada uma situação de divisão de facto do prédio, em que as fracções ficam consolidadas em propriedade individual ou singular, por usucapião. Ora, no caso, os recorrentes invocaram a divisão de facto do prédio, efectuada em data desconhecida, posterior a 1980. Afigura-se que esta alegada divisão de facto apenas reflecte a divisibilidade do prédio, não assumindo outro relevo. Trata-se, na verdade, de uma mera situação de facto, na medida em que traduz apenas uma repartição consensual do gozo do prédio sem qualquer significado jurídico [Neste sentido, o Ac. do STJ de 12.12.89, BMJ 392-458 e o Ac. da Rel. do Porto de 16.2.94, CJ XIX, 1, 39], visto que a divisão amigável só teria validade legal se fosse efectuada por escritura pública. Essa divisão de facto apenas conduziria a uma situação de direito, ou seja, à cessação ou extinção da compropriedade, juridicamente eficaz, pelo decurso do prazo de usucapião, desde que tivesse havido posse efectiva da cada parcela e essa posse se revestisse dos requisitos legais exigidos. Os requerentes não invocaram, todavia, os factos necessários ao reconhecimento de que cada um adquiriu a propriedade exclusiva sobre a fracção que lhe foi atribuída, por usucapião; nem esta via, aliás, lhes interessaria aqui, uma vez que nesse caso poriam em causa o próprio recurso a esta acção. A divisão estaria já consumada; não existira uma situação de compropriedade. Em suma, existe uma situação de compropriedade, de indivisão do prédio. A alegada "divisão jurídica", traduzida na distinta inscrição matricial de cada parcela de terreno que compõe o prédio, não assume qualquer relevância para este efeito; a inclusão na matriz não acarreta nenhuma presunção de natureza civil, tendo significado meramente fiscal [Neste sentido, o Ac. da Relação do Porto de 2.4.81, CJ VI, 2, 103; cfr. também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo II, 123]. Como afirma o Prof. Antunes Varela, deve, segundo um critério económico jurídico, ser considerado um único prédio rústico todo o conjunto de pedaços de terra contíguos, que a mesma pessoa tenha adquirido de alienantes diferentes, a partir do momento em que se opera a junção deles no mesmo domínio e na mesma unidade de exploração agrícola ou agro-industrial [(RLJ 115-221; no mesmo sentido, Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, 110), (Mesmo a adoptar-se entendimento diferente - prédios independentes em função da diferente inscrição matricial - tal não se reflectiria na decisão, como se verá adiante ao aludir-se aos elementos do conceito de loteamento)]. Está em causa, pois, um único prédio, como, aliás, os requerentes o identificam na petição inicial; assim está descrito também no registo predial. Tratando-se de um prédio, a divisão pretendida pelos requerentes traduzir-se-á, necessariamente, no seu fraccionamento. Embora cada uma das parcelas tenha área inferior à unidade de cultura (mesmo a área global é inferior a esta - cfr. Portaria nº 202/70, de 21/4), esse fraccionamento não será proibido, nos termos do art. 1377º a) do CC, visto que se destina a construção, fim diferente da cultura. Envolve todavia, necessariamente, uma operação de loteamento. Com efeito, entende-se por operação de loteamento todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana - art. 3º a) do DL 448/91, de 29/11. São assim elementos constitutivos do conceito de loteamento [Cfr. F. Alves Correia, Grandes Linhas da Reforma do Direito do Urbanismo, 79 e segs.; J Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos, 68 e segs; Maria do P. Vaz Ferreira e L. Perestrelo de Oliveira, O Novo Regime dos Loteamentos Urbanos, 8 e segs.]: - a divisão em lotes - a divisão fundiária, com origem num acto do proprietário ou proprietários do prédio ou prédios e que pode resultar de actos materiais ou de actos jurídicos (podendo estes assumir qualquer modalidade jurídica); - a divisão de um ou vários prédios - abrange um ou vários prédios contíguos, pertencentes ao mesmo proprietário ou à mesma indivisão, bordejados por vias públicas ou por parcelas pertencentes a terceiros e que constituem, por esse facto, uma unidade autónoma, independentemente da circunstância desses prédios contíguos serem objecto de descrições prediais e inscrições matriciais distintas; - o destino imediato ou subsequente a construção urbana pelo menos de um dos lotes. Perante estes elementos constitutivos, verificados claramente no caso, não sofre qualquer dúvida que a divisão pretendida pelos recorrentes integra uma operação de loteamento. A própria divisão material do prédio em lotes, com a finalidade de construção (concretizada em dois lotes), embora se mantenha a compropriedade, já integra uma operação de loteamento. Aliás, como é reconhecido sem discrepância, a divisão entre os comproprietários tem de considerar-se sujeita aos comandos dos arts. 1376º e segs. do CC e do DL 448/91, conforme os casos [Cfr. J. Osvaldo Gomes, Ob. Cit., 79]. No caso em apreço e pelo que se expôs, deve observar-se apenas o regime deste diploma. Terá, pois, de atender-se desde já ao que dispõe o seu art. 53º nº 1, aí se exigindo que em todos os documentos judiciais ou instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a divisão em lotes nos termos da al. a) do art. 3º, deve constar [Sob pena de nulidade - art. 54º nº 3 do mesmo diploma ] o número do respectivo alvará, a data da sua emissão e a certidão do registo predial. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. III. Decisão Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo dos agravantes. Porto, 21 de Dezembro de 2000 Fernando Manuel Pinto de Almeida João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031248 Nº Convencional: JTRP00030955 Relator: MÁRIO FERNANDES Descritores: CONTRATO-PROMESSA RESOLUÇÃO DO CONTRATO MORA CULPA Nº do Documento: RP200012210031248 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 918/99 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART442 N3 ART793 N2. Sumário: I - No contrato-promessa sinalizado, a simples mora, sem necessidade de a transformar em não cumprimento definitivo, é bastante para a sua resolução. II - A culpa não é pressuposto essencial do direito de resolução de contrato. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO. João ............... e mulher Paula ............, residentes na Rua ......., n.º ..., hab. ...., Porto, vieram intentar acção, sob a forma ordinária, contra “S.... – ............, S. A.”, com sede na Praça ............, n.º ..., ...., Lisboa, pedindo a condenação desta última a reconhecer como válida a resolução do contrato-promessa celebrado entre as partes, com o consequente pagamento aos Autores da quantia de 79.280.000$00, correspondente ao dobro do que aquela recebeu a título de sinal, acrescida de juros legais desde a citação. Para fundamentarem o seu pedido, alegaram os Autores a celebração de um contrato, por força do qual prometeram comprar e a Ré prometeu vender a fracção autónoma que viesse a corresponder à habitação “T3+1”, de um empreendimento àquela pertencente, sito na Av. ........, Rua ...., Rua ...... e Rua ........, no Porto, pelo preço de 64.400.000$00, tendo os Autores, a título de sinal, entregue à Ré a quantia de 38.640.000$00; a Ré não procedeu à notificação dos Autores para a celebração da escritura pública até à data limite estabelecida no contrato, o que era sua incumbência, donde, por força do clausulado no mesmo contrato e havendo incumprimento de uma obrigação, os Autores procederam à sua resolução, através de comunicação que àquela fizeram chegar. A Ré, citada para os termos da acção, deduziu contestação, aduzindo que a falta de outorga da respectiva escritura não lhe era imputável, mas a terceiros, sendo que, para obviar a eventuais prejuízos dos Autores, entregou a estes últimos a aludida fracção, concluindo que não se estava perante incumprimento definitivo da sua parte, quando muito diante de simples mora que não permitia a resolução do contrato-promessa, pelo que a acção devia ser julgada improcedente. Os Autores vieram ainda replicar, refutando a argumentação utilizada pela Ré, defendendo que as razões invocadas pela contestante não eram suficientes para abalar a procedência do pedido formulado. No tribunal “a quo”, por se ter entendido que os autos forneciam já todos os elementos para conhecer do mérito da causa, sem necessidade de produção de mais provas, foi proferido despacho saneador, no qual se tomou posição definitiva quanto à pretensão deduzida, assim se tendo julgado procedente a acção, com a consequente condenação da Ré no pedido que contra si vinha formulado. Do assim decidido, veio a Ré interpor recurso de apelação, apresentando conclusões - após para esse efeito ser convidada neste tribunal - do seguinte teor: - A douta sentença sob recurso não podia considerar validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda; - A douta sentença considerou aplicável a presunção prevista no n.º 1, do artigo 799 do Código Civil, quando a mesma está afastada pelas razões objectivas que foram alegadas nos artigos 8.º a 15.º da contestação; - O Mm.º juiz não apreciou, designando para o efeito a produção de prova com a designação da respectiva audiência de julgamento; - Em sede de audiência de julgamento sempre seriam apreciadas as “razões objectivas” alegadas pelos AA., uma vez que a Ré tinha entregue a fracção em 30 de Novembro de 1998; - A douta sentença não apreciou em concreto a eventual culpa da promitente -vendedora, conforme acórdão in CJ, 1978, 1.º-98; - A Recorrente com a sentença recorrida fica impedida de provar as circunstâncias que afastam a censurabilidade da sua conduta; - De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferida no processo n.º 1300/98, 5 secção, de 1998.12.14, considera que “A mora converte-se em incumprimento definitivo, mediante a perda do interesse do credor, objectivamente apreciada, quer em resultado da inobservância do prazo suplementar que o credor fixe razoavelmente ao devedor relapso”; - A Recorrente considera que a sentença sob recurso não apreciou objectivamente a perda do interesse do comprador, já detentor da fracção, conforme alegado no artigo 4.º da contestação; - A simples mora da Ré só constitui esta no dever de reparar os danos causados; - A douta sentença não apreciou a validade dos documentos anexos à contestação, nomeadamente, o conteúdo do documento n.º 2, cujos factos alegados no artigo 4.º da contestação se enunciaram, pois a Recorrente entregou a fracção ao Autor em 30 de Novembro de 1998; - Com efeito, o estipulado nas cláusulas 5.ª e 6.ª do contrato-promessa tem que ser analisado conjuntamente com o facto de a Recorrente ter entregue a fracção ao A. em 30 de Novembro do 1998 que, embora não integrando aquele clausulado, tem que ser apreciado, objectivamente, para podermos analisar e concluir qual o eventual comportamento da aqui Recorrente; - A douta sentença recorrida penaliza a Recorrente, considerando-a promitente faltosa na outorga do contrato definitivo, sem que previamente tenha ponderado o valor do facto “entrega da fracção em 30 de Novembro de l998”; - O Mm.º Juiz não apreciou, nem conheceu os factos alegados no artigo 4.º da contestação, absolutamente determinantes para a apreciação da conduta da Recorrente quanto ao contrato definitivo, pelo que inquinou a sentença recorrida com o vício previsto na 1.ª parte da alínea d), do artigo 668 do C. Processo Civil. Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância mantém a sua validade. 2. FUNDAMENTAÇÃO. Antes de mais, vejamos qual a matéria factual assente entre as partes e que foi tida em conta em 1.ª instância para a decisão tomada, a saber: - Em 1 de Outubro de 1998, os AA. celebraram com a R, um contrato, em que os AA. prometeram comprar e a R. prometeu vender a fracção autónoma que vier a corresponder à habitação T3+1, designada por 6.6 – Prumada 3, com todas as suas pertenças e dois lugares de garagem no Piso – 1(cave), com os n.ºs 39 e 40 e arrumo do prédio “Complexo ....”, sito no Porto, Avenida ......, Rua ......., Rua ...... e Rua ....., da Freguesia de ....., da qual faz parte o edifício correspondente ao Lote n.º1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 664/920914, inscrito na matriz urbana da respectiva freguesia sob o art. 2368; - Ficou ainda acordado que o pagamento do respectivo preço, no montante de 64.400.000$00 seria efectuado da seguinte forma: · 9.660.000$00 no acto da celebração do contrato promessa; · Três prestações de igual montante em 1 de Dezembro de 1999, 1 de Fevereiro de 1999 e 1 de Abril de 1999; · 25.760.000$00 no acto da celebração da escritura definitiva; - A cláusula 5.ª do dito contrato tem o seguinte teor: · A escritura de compra e venda da fracção identificada na cláusula 2.ª será celebrada, logo que a “PROMITENTE VENDEDORA” obtenha toda a documentação necessária, prevendo-se para o efeito um prazo que poderá ir até 30 de Abril de 1999, sendo os “PROMITENTES COMPRADORES” avisados por escrito e com antecedência mínima de 15 dias, do dia, hora e Cartório Notarial em que a mesma terá lugar. · Logo que recebida a notificação referida no número anterior, os “PROMITENTES COMPRADORES” facultarão de imediato à "PROMITENTE VENDEDORA”, a documentação que se mostre necessária para a realização da escritura; - A cláusula 6.ª do contrato tem o seguinte conteúdo: · No caso de a escritura de compra e venda não poder efectuar-se até à data prevista na cláusula anterior por motivos alheios à vontade da “PROMITENTE VENDEDORA”, nomeadamente, por não se achar obtida a Licença de Utilização, será o referido prazo ampliado por mais três meses; - A cláusula 8.ª, nos 3 primeiros artigos tem os seguintes dizeres: . A falta de cumprimento pela “PROMITENTE VENDEDOPA” ou pelos “PROMITENTES COMPRADORES” de algumas das cláusulas deste contrato confere à outra parte o direito à imediata resolução do contrato ou, alternativamente, o direito à execução específica. · Entende-se que há incumprimento, com as consequências do número anterior, designadamente, quando, uma vez notificado para o efeito, os “PROMITENTES COMPRADORES” não compareçam à escritura ou não esteja em condições de pagar o preço em dívida da fracção; · Havendo resolução do contrato nos termos do n.º1, tem a “PROMITENTE VENDEDORA” direito de fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, caso o incumprimento seja imputável aos “PROMITENTES COMPRADORES” e têm estes, se o incumprimento for imputável à “PROMITENTE VENDEDORA”, o direito à restituição dos sinais em dobro; - Os AA. cumpriram as suas obrigações, pagando, nos prazos convencionados, os montantes devidos a título de sinal; - Até 30 de Abril de 1999, a R. não procedeu à notificação dos AA. para se apresentarem no Cartório Notarial para procederem à celebração da escritura; - E, decorridos que foram mais 3 meses, a R. não notificou os AA. para procederem à celebração da escritura definitiva, que nunca chegou a estar marcada; - Posteriormente, os AA. comunicaram à R. que consideravam o contrato resolvido. Face às conclusões formuladas pela apelante, poder-se-á adiantar que aquela se insurge contra a decisão tomada, entendendo que a resolução do contrato-promessa não poderia ser confirmada pela seguinte série de razões: · tribunal “a quo” não ponderou a factualidade vertida nos arts. 8.º a 15.º da contestação para avaliar da culpa da apelante, relativamente à não fixação da data para a realização da escritura de compra e venda, conforme o clausulado no dito contrato-promessa; · Não ponderação da materialidade vertida no art. 4 da contestação, ao aí se referir que a mencionada fracção foi entregue ao Autor em 30.11.98; · Existir apenas eventual mora da parte da apelante, o que não permite a resolução imediata do contrato-promessa. Definido o âmbito das questões que importa solucionar, passemos, então, a apreciar cada uma delas, por forma a avaliar se assiste razão à apelante no recurso interposto. Para avaliação daquela primeira questão, interessa desde já referir que a apelante nos arts. 8.º a 15.º da contestação arrola uma série de razões de ordem administrativa que, em seu entender, justificam o atraso na obtenção da respectiva licença de utilização, necessária à celebração da falada escritura de compra e venda. Apesar de tal alegação, não cremos que essa factualidade seja determinante para afastar o exercício do direito de resolução, tal como foi clausulado. Assim, em parte alguma é referido ou é possível retirar a ilação de que esse atraso se ficou a dever a terceiros e muito menos aos apelados, sendo certo que aí apenas são relatadas as diligências que teve de desenvolver no sentido de obviar à obtenção da aludida licença de utilização, referente ao prédio onde se situava a fracção que prometera vender. A factualidade aí vertida não é suficiente para afastar a sua responsabilidade pela não realização da mencionada escritura de compra e venda até ao final do período previsto na cláusula 6.ª do contrato-promessa – finais de Julho de 1999. Sintomático será até referir que a apelante tão pouco tenha alegado e demonstrado que já obteve a respectiva licença de utilização necessária à realização da dita escritura. Acrescerá ainda dizer que a culpa não é um pressuposto essencial do direito de resolução, conforme se depreende do disposto no art. 793, n.º 2, do CC. É que, para o exercício do direito de resolução, bastará, em princípio, um juízo de inadimplemento, pois aquela não tem um carácter de sanção, como sucederá no direito à indemnização, antes contendo um carácter de remédio a que o credor deitará mão, tendo em conta a natureza sinalagmática da relação contratual. Apesar desta observação, não deixará de atender-se que, por vezes, a culpa pode, em concreto, ter relevância decisiva para a possibilidade ou não do exercício do direito de resolução, como se depreende da conjugação do disposto no art. 793, n.º 2 e 802, ambos do CC – v., no sentido que se acaba de expor, Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obra dispersa”, vol. I, págs. 129 a 130. Como quer que seja, atento o teor e análise que se fez da materialidade vertida nos aludidos arts. 8.º a 15.º da contestação, cremos não ser possível da mesma retirar um juízo de responsabilidade com relevância para afastar o direito de resolução e daí também que seja despiciendo submeter à apreciação e indagação em fase de julgamento, por controvertida, tal factualidade. A apelante aduz ainda que não se justifica a confirmação da resolução do aludido contrato-promessa, em face da sua alegação constante nos arts. 4.º e 16.º da contestação, onde afirma que entregou aos apelados, em 30.11.98, a fracção objecto do dito contrato-promessa, mais tendo reafirmado através das suas comunicações de 11.5.99 e de 22.9.99 ( v. fls. 37 e 38) a sua disponibilidade para dar cumprimento ao que havia sido contratado, com a realização da respectiva escritura. Não cremos que a mera alegação da referida entrega – mesmo a comprovar-se, face à não aceitação da mesma por parte dos apelados – seja também suficiente para obviar à resolução do contrato, tal como foi clausulado. Por um lado, não vem alegado que os apelados tenham passado a desfrutar do uso da aludida fracção, bem assim que a mesma estava finalizada em conformidade com o acordado e em condições de ser habitada; por outro, o objectivo final do contrato era a transferência de propriedade, o que não se concretizou até ao termo do prazo que vem estabelecido no dito contrato-promessa – finais de Julho de 1999 (v. cláusulas 5.ª e 6.ª). E, se a apelante, através das mencionadas comunicações, reafirmava a disponibilidade para o cumprimento do contrato-promessa, não são explicados os motivos pelos quais antes da declaração de resolução apresentada pelos apelados – 13.8.99 – a apelante não diligenciou com a devida antecedência pela marcação da respectiva escritura. Significa este raciocínio que esta argumentação utilizada pela apelante, mesmo a comprovar-se, não seria suficiente para afastar o falado direito de resolução que as partes convencionaram no contrato-promessa. E nem se diga que a decisão recorrida padece de nulidade, por não se ter pronunciado sobre a materialidade em causa, pois é manifesto que tal não sucedeu, como também não é correcto concluir-se que o tribunal deve apreciar todas as razões invocadas pela parte para sustentar a sua tese, sob pena de omissão de pronúncia. Com efeito, por força do disposto no art. 660, n.º 2, do CPC, compete ao juiz apreciar sim todas as “questões” fundamentais e necessárias à decisão da causa, não sendo essencial que refute todos os argumentos utilizados pelas partes, o que representa doutrina e jurisprudência dominantes que se debruça sobre o assunto – v., a propósito, Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, vol. 5.º, pág. 143 e Ac. do STJ, de 5.11.80, in BMJ 301-395. Não colhe, assim, a invocada nulidade de omissão de pronúncia que vem imputada à decisão recorrida. Importa agora entrar na apreciação daquela última questão de saber se a simples mora de um dos promitentes confere ao outro, sem mais, a possibilidade de resolução do contrato-promessa sinalizado. Antes de mais, há que referir que na decisão recorrida, numa primeira linha, se deu como válida a resolução do dito contrato-promessa, consubstanciada na declaração dos apelados nesse sentido e que fizeram chegar ao conhecimento da apelada através da comunicação de 13.8.99 (fls. 25), tendo em conta que no mencionado contrato havia sido firmada uma cláusula resolutiva (cláusula 8.ª) e a circunstância de a apelante não ter dado cumprimento a uma obrigação que sobre si impendia (cláusulas 5.ª e 6.ª), que era a de marcação de data para realização da competente escritura até ao final do prazo previamente acordado (finais de Julho de 1999). Aliás, se bem analisarmos os fundamentos da acção, logo veremos que os apelados fizeram assentar o seu pedido precisamente na circunstância de as partes terem previsto expressamente essa cláusula resolutiva e não já na possibilidade de se cair, no caso dos autos, numa eventual causa de resolução legal. E, como é sabido, graças ao princípio da autonomia da vontade, é permitido às partes estabelecerem esse tipo de cláusulas, prevendo o regime do incumprimento que determina o fundamento da resolução – art. 432, n.º 1, do CC. A apelante não coloca em causa a validade dessa mesma cláusula e os termos em que a mesma vem fixada, a ponto de não poder ser considerada para sustentar o pedido de resolução formulado, apenas tendo chamado à colação o circunstancionalismo supra referido que tinha a ver com a materialidade por si vertida nos arts. 8.º a 15.º, 4.º e 16.º que, como pensamos ter ficado demonstrado, não é bastante para afastar a declaração de resolução – e, diga-se, sempre poderiam ser questionáveis os termos dessa cláusula, quanto à previsão do incumprimento por parte da apelante, ou seja, por exemplo, a exigibilidade de melhor concretização das obrigações conducentes à resolução – v., neste aspecto, Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1997, separata do vol. XXX, do supl. do BFDUC, págs. 321 a 325 e Baptista Machado, ob. cit., págs. 184 a 193. Sendo assim, não cabe no âmbito deste recurso fazer qualquer tipo de consideração a esse propósito, apenas podendo e cabendo a este tribunal avaliar se as partes procederam em consonância com os ditames da boa fé que devem presidir na formação dos contratos – art. 227, do CC – e, designadamente, se a estipulação da dita cláusula resolutiva diz respeito a um incumprimento insignificante – assim, neste sentido, aqueles autores, Calvão da Silva e Baptista Machado, obs. e locais cits., como ainda Brandão Proença, in “Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime”, págs. 92 a 94. A este propósito, sempre diremos que, na medida em que a dita cláusula resolutiva se refere ao incumprimento por parte da apelada na marcação da respectiva escritura no prazo estabelecido, aliás mesmo após a chamada de atenção por parte dos apelados para a necessidade de a mesma se realizar até ao final do prazo acordado (v. teor das comunicações de fls. 35 e 38 dirigidas à apelante pelos apelados), não se depara uma situação de incumprimento insignificante ou de alcance diminuto, afigurando-se-nos que não foram ultrapassados os princípios da boa fé negocial, ao clausular-se da forma indicada. Feitas estas considerações quanto à justeza da validade da resolução do aludido contrato-promessa, com base na cláusula resolutiva acordada, voltemos àquela questão que supra enunciámos e que gira à volta das consequências a atribuir à simples mora imputada ao promitente vendedor e aqui apelante. No que a este propósito diz respeito, têm sido divergentes a doutrina e jurisprudência que se têm debruçado sobre o assunto. Duas teses têm sido colocadas em confronto. De um lado, estão aqueles que defendem que a simples mora de um dos promitentes confere ao outro, sem mais, a possibilidade de resolução do contrato-promessa sinalizado; do outro, os que pugnam que, para poder ocorrer a resolução, necessário se torna que seja transformada a mora em não cumprimento definitivo, nos termos gerais do art. 808, do CC – v., a título de exemplo, para a primeira tese, Almeida Costa, RLJ, Ano 131, pág. 219 a 221 e Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9.ª ed., págs. 352 a 369, enquanto em sentido diverso se pronunciam Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, 7.ª ed., págs. 112 a 127 e Manuel Januário Gomes, in “Em Tema de Contrato-Promessa”, ed. 1990 da AAFDL, págs. 55 a 60. Por nossa parte, cremos por defensável aquela primeira tese de que a simples mora, sem necessidade de a transformar em não cumprimento definitivo, é bastante para sustentar a possível resolução do contrato-promessa sinalizado, posto que, face ao preceituado no art. 442, n.º 3, 2.ª parte, do CC, se a excepção do cumprimento do contrato-promessa apenas funciona, salvo o disposto no art. 808 do mesmo diploma, então é porque o pedido de resolução, com a opção meramente alternativa pelo aumento do valor da coisa ou do direito, pode operar a partir da simples mora do devedor. Aqui chegados, pensamos ter ficado demonstrado que, no caso de que nos ocupamos, quer por recurso ao convencionado, quer por via do legalmente previsto, era possível aos apelados deitar mão da resolução do aludido contrato-promessa. Desta forma, não podem colher as razões invocadas pela apelante para ver revogada a decisão, a qual é de manter, qualquer que seja a perspectiva pela qual seja encarado a solução a dar à situação trazida ao conhecimento do tribunal. 3. CONCLUSÃO. Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, assim se confirmando a decisão recorrida. Custas em ambas as instâncias a cargo da apelante. Porto, 21 de Dezembro de 2000 Mário Manuel Baptista Fernandes Leonel Gentil Marado Serôdio (voto a decisão com a seguinte declaração: Discordo da fundamentação na parte em que afirma que para a resolução legal do contrato-promessa é suficiente a simples mora. Entendo que à semelhança do que sucede no comum dos contratos, também a resolução do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento strictu sensu, que resultará da conversão de uma situação de mora através de qualquer das vias previstas no artigo 808º do C. Civil - cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 12-3-91, BMJ n.º 405/434 e desta Relação de 19-1-93, CJ Tomo 1, 203). Norberto Inácio Brandão (Subscrevo a declaração do Ex.mº 1º Adjunto).
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031426 Nº Convencional: JTRP00030944 Relator: JOÃO VAZ Descritores: MÚTUO NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL RESTITUIÇÃO JUROS DE MORA Nº do Documento: RP200012210031426 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VALPAÇOS Processo no Tribunal Recorrido: 159/99 Data Dec. Recorrida: 24/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT / TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART1143 ART289 ART805. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/03/12 IN BMJ N475 PAG616. Sumário: No contrato de mútuo nulo por falta de forma, deve ter lugar a restituição da quantia entregue, por efeito da nulidade, sem qualquer actualização mas com juros de mora a contar da interpelação para aquela restituição. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031550 Nº Convencional: JTRP00030945 Relator: TELES DE MENEZES Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE Nº do Documento: RP200012210031550 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 J CIV STO TIRSO Processo no Tribunal Recorrido: 561/98 Data Dec. Recorrida: 03/05/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART562 ART566 N3. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1995/09/28 IN CJSTJ T3 ANOIII PAG36. AC STJ DE 1999/03/16 IN CJSTJ T1 ANOVII PAG167. Sumário: I - Integram uma incapacidade parcial permanente as sequelas de lesões corporais que, embora não se repercutindo numa incapacidade para o trabalho nem em perda de ganho efectiva, constituem uma incapacidade psico-física da pessoa ou um dano que perturba a vida de relação e o bem estar do lesado ao longo da vida. II - Esta incapacidade não deixa de ser um dano patrimonial e deve ser valorada segundo a sua natureza e intensidade, com recurso à equidade. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto Alcino .............. intentou a presente acção com processo sumário contra a Companhia de Seguros..............., S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 6 971 000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Alegou, resumidamente, que se fazia transportar num motociclo que, quando fazia a manobra de ultrapassagem a um veículo automóvel ligeiro seguro na Ré, foi por este embatido, porque o respectivo condutor iniciou ele próprio uma ultrapassagem a um outro veículo, sem atentar na manobra desenvolvida pelo condutor do motociclo. Do acidente resultaram para o A. ferimentos graves, que lhe demandaram intervenções cirúrgicas e incapacidade para o trabalho temporária absoluta, bem como parcial e, depois da alta, incapacidade permanente parcial nunca inferior a 20%. A Ré contestou, reconhecendo a culpa do seu segurado, mas impugnando o grau de incapacidade permanente que, segundo os seus médicos, se situa nos 18%, bem como dizendo desconhecer as lesões sofridas pelo A. e as respectivas consequências. O processo foi saneado, condensado e instruído, tendo-se realizado exame médico ao A. no IMLP. Na audiência, o mandatário da Ré, com poderes especiais para o acto, declarou que aceitava a matéria dos quesitos 1.º a 5.º, 7.º e 10.º, parcialmente a do quesito 8.º, reportada a um ordenado mensal de 65 000$00, e parcialmente a do quesito 9.º, até 350 000$00, declaração que foi aceita pelo A.. Não foi produzida prova testemunhal, por os mandatários dela terem prescindido. Foi proferido despacho a responder aos quesitos e lavrada sentença que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 2 374 000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Da sentença recorreu o A., concluindo assim a sua alegação: 1.º. Do relatório médico, dos ensinamentos da experiência comum e da jurisprudência do STJ decorre que uma qualquer incapacidade permanente geral tem sempre reflexos no desempenho da actividade profissional do lesado. 2.º. Exige sempre ao lesado um maior esforço, um maior sacrifício, uma maior incomodidade. 3.º. Há que alterar a resposta ao quesito 6.º, no sentido de o considerar provado com o esclarecimento de que os 20% de incapacidade permanente geral poderão causar dificuldades ou desconforto na realização de certas funções e actividades decorrentes dos fenómenos dolorosos referidos no relatório de exame. 4.º. Tal situação é relevante e por isso deve ser ressarcida com uma quantia nunca inferior a 3 500 000$00. 5.º. Caso assim se não entenda sempre o montante fixado para ressarcimento dos danos não patrimoniais deverá ser elevado para 3 500 000$00. A apelada respondeu, pedindo a confirmação da sentença na parte impugnada. A instância mantém-se válida e regular. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Factos considerados provados: 1. No dia 9 de .... de 19..., cerca das 15 h, na EN ....., no lugar de L....., freguesia de A..., da comarca de ........, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo de matrícula LO-..-.., propriedade de Óscar Manuel............ e conduzido por Paulo Jorge.............. o e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-DM, conduzido pelo seu proprietário António Manuel.............. - A). 2. Ambos os veículos circulavam no sentido P....... - S....., seguindo o DM à frente do LO - B). 3. O A. seguia como passageiro, gratuitamente transportado, no LO - C). 4. O LO seguia a velocidade não superior a 50 Km/hora e dentro da sua metade da via - D). 5. Perto do local do acidente, o condutor do motociclo decidiu-se a ultrapassar o DM, tendo, para o efeito, ligado o pisca-pisca do seu lado esquerdo e passado a circular sobre a sua metade esquerda da via - E). 6. No entanto, quando o LO se encontrava a par e ao lado do DM, o condutor deste, que seguia sem prestar atenção ao trânsito que se processava na via, sem ter atentado no trânsito à sua retaguarda, guinou à sua esquerda, invadindo a sua metade esquerda da via, com vista a ultrapassar um veículo que circulava à sua frente - F). 7. Por via desta manobra, o DM embateu com a traseira lateral esquerda no rodado da frente do LO, projectando-o de encontro ao solo, juntamente com o seu condutor e o A. - G). 8. Por causa do acidente, o A. esteve doente com total impossibilidade para o trabalho até fins de ...... de 19.... e durante 23 dias em ...... de 1998 - H). 9. Teve alta definitiva em 3 de ....... de 19... - I). 10. À data do acidente o proprietário do veículo ..-..-DM havia transferido a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º--------, até ao montante de 120 000 000$00, válida naquela data - J). 11. Mercê do acidente, o A. sofreu fractura do crânio aberta com afundamento do frontal direito, traumatismo da arcada dentária superior e várias escoriações pelo corpo - 1.º. 12. Recebeu os primeiros socorros no Hospital de ....... e esteve internado no Hospital de ............, durante 6 dias - 2.º. 13. Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas à cabeça (neurocirurgia), bem como a múltiplos e dolorosos tratamentos - 3.º. 14. Esteve acamado na residência durante semanas - 4.º. 15. Trabalhou entre Julho de 1997 e Fevereiro de 1998 com 25%, 20% e 15% de incapacidade para o trabalho - 5.º. 16. O A. era forte, perfeito e saudável - 7.º. 17. Auferia como operário têxtil o ordenado mensal de 65 000$00 - 8.º. 18. Em ordenados e subsídios, durante o período de doença, o A. deixou de receber a quantia de 350 000$00 - 9.º. 19. Em despesas médicas gastou a quantia de 24 000$00 - 10.º. O recurso resume-se à não consideração na sentença da existência de danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente que afecta o A.. Com efeito, a fls 103, escreveu-se: “Quanto à peticionada indemnização de Esc. 4 500 000$00, alegadamente devida pela incapacidade permanente para o trabalho, não é devida, uma vez que se não provou que o A. tivesse ficado afectado de qualquer incapacidade, como resulta claramente da conclusões do relatório médico-legal”. Em conformidade com este entendimento, respondeu-se negativamente ao quesito 6.º, com o fundamento em o IML se ter pronunciado no sentido de o A. ter ficado com 0% de incapacidade permanente para o seu trabalho - cfr fls 96. Na apelação defende-se que a resposta a este quesito deve ser alterada, por do mencionado relatório resultar que o recorrente padece de uma incapacidade permanente geral de 20%, que se não coaduna com a conclusão aí contida de que não apresenta qualquer percentagem de incapacidade permanente profissional, pois se lhe atribui o grau 1 de coeficiente de dano, explicitado como “dano corporal ligeiro, sem necessidade de recurso a ajudas técnicas ou humanas (sem dependência) podendo haver dificuldades ou desconforto na realização de certas funções e actividades”. Justificando-se a alteração da resposta ao quesito, cabe referir que a mesma é possível, pois foi dada com fundamento exclusivo no relatório do IML, cujo consta dos autos - art. 712.º n.º 1-a) do Cód. Proc. Civil. Vejamos o teor do quesito em causa, que foi feito por remissão para a alínea h) do art. 14.º d p. i.: “Apesar de clinicamente curado, o A. apresenta uma incapacidade permanente para o trabalho nunca inferior a 20%, devida a síndrome pós-comocional, tonturas, dores de cabeça, perdas de memória, irritabilidade, insensibilidade no couro cabeludo, dores nos dentes da arcada superior, nomeadamente nos frontais e dificuldades de mastigação. Dores nos locais lesionados, que se acentuam com as mudanças de tempo ou quando faz esforços, cicatrizes extensas e vincadas constituindo deformidade notável patente?”. É bom de ver que a resposta negativa, face ao teor do relatório em questão é algo radical. Com efeito, no relatório refere-se que o A. apresenta as seguintes sequelas lesionais (as quais se referem às alterações permanentes na estrutura anatómica ou funcional de um órgão e correspondem a um estado relativamente estabilizado das lesões): “Crânio: vestígio cicatricial na metade direita da região frontal com 4 por 3 centímetros de área e área de afundamento subjacente; Face: insensibilidade dentária nos incisivos superiores” - fls 83. E quanto às sequelas funcionais (que compreendem as alterações das capacidades físicas ou mentais e surgem na sequência das sequelas lesionais) foram detectados fenómenos dolorosos: “cefaleias ocasionais e insensibilidade dentária nos incisivos superiores e no couro cabeludo no hemicrâneo direito” - fls 84. Relativamente às sequelas situacionais (que representam a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efectuar gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas lesionais e funcionais e de factores pessoais e do meio) e que se repercutem, nomeadamente, na vida profissional ou de formação, não foram registadas queixas da parte do A. - fls 84. Como dano permanente reconhece-se ao A. um “défice funcional, também chamado incapacidade permanente geral (IPG)...determinado tendo em conta a globalidade das sequelas acima descritas”. “Como sequelas com carácter permanente o examinado apresenta área de afundamento craniano sem prótese queixas subjectivas enquadráveis no âmbito de um síndrome pós traumático”. “No presente caso não ressalta que o examinado tenha dificuldades no exercício da sua actividade profissional, aliás o próprio não as refere subjectivamente”. No entanto, atribuiu-se-lhe o coeficiente de dano 1: “Dano corporal ligeiro, sem necessidade de recurso a ajudas técnicas ou humanas (sem dependência), podendo haver dificuldades ou desconforto na realização de certas funções e actividades” - fls 85. Nas conclusões atribiu-se ao A. uma incapacidade permanente geral de 20% e uma incapacidade permanente profissional de 0% - fls 86. As sequelas atrás descritas, embora não se repercutindo numa diminuição da capacidade funcional do A., não dando lugar a uma perda de ganho efectiva, constituem uma incapacidade psico-física da pessoa [Fernando Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, 216], que se não projecta na esfera profissional. O que não significa que não deva ser atendida para efeitos indemnizatórios, embora não como um dano patrimonial típico, mediante o recurso a um cálculo matemático que tenha por base uma perda de ganho real [Acs STJ, 12.5.94 e 28.9.95, CJ/STJ, II,2,98 e III,3,36]. Todavia, uma IPP não se esgota na incapacidade para o trabalho, pode constituir um dano funcional ou, ao menos, um dano que perturba a vida de relação e o bem estar do lesado ao longo da vida. O A. sofre de um síndrome pós traumático, podendo vir a ter dificuldades ou desconforto na realização de certas funções ou actividades. Ora, este dano deve ser considerado, numa variante não confundível com o dano patrimonial consistente na incapacidade para o trabalho, mas sem assumir a natureza de dano não patrimonial - pretium doloris ou dano estético - consistindo, no entanto numa IPP com a apontada significação ou numa IPG, sendo certo que as sequelas lesionais referidas sofridas pelo A. têm como consequência imediata um desvalor na sua pessoa, um dano emergente, determinante de um efectivo prejuízo [Ac. STJ, 28.10.92, CJ, XVII,4,29 e desta Secção, de 30.11.00, tirado no Proc. 901/00]. É um dano que se caracteriza pela alteração morfológica do indivíduo e consiste na privação da efectiva utilidade, proporcionada pelo melhor dos bens dados ao homem - um corpo são [Ac. desta Relação, 15.12.98, Apelação 786/98, 2.ª Secção]. A incapacidade permanente geral de que está afectado o A. constitui, assim, um dano em si mesmo, ligado à sua dimensão anátomo-funcional. Por isso, a resposta ao quesito 6.º deve ser alterada, o que se faz, passando a ser a seguinte: “Está provado apenas que apesar de clinicamente curado, o A. apresenta uma incapacidade permanente geral de 20%, ligada a síndrome pós-comocional, cefaleias ocasionais e insensibilidade dentária nos incisivos superiores e no couro cabeludo, no hemicrâneo direito, e vestígio cicatricial na metade direita da região frontal, com 4 por 3 cm de área e área de afundamento subjacente”. Refira-se que a Ré, no n.º 3 da sua contestação diz o seguinte: “O A. foi observado e tratado nos serviços clínicos da Ré, que lhe deram alta, em 3 de Março de 1998, com uma incapacidade parcial permanente de 18%”. Esta incapacidade permanente geral deve ser valorada segundo a sua natureza e intensidade e com recurso à equidade, tendendo o montante encontrado a ser inferior à indemnização que resultaria da repercussão da IPP nos ganhos profissionais [Oliveira Sá, O. C., 218 e ac. desta Secção no Proc. 901/00, atrás referido]. Pelo que considerou uma IPP para o trabalho, o A. pediu a quantia indemnizatória de 4 500 000$00. In casu não se justifica que o cálculo da indemnização, pelas razões apontadas, seja feito tendo como base a compensação da perda de ganho, mediante a atribuição de uma quantia que produza, no período que houvesse de ser considerado, o de vida activa do A., um rendimento correspondente à perda económica que ele sofreu, de modo que, no fim desse período, essa quantia se extinga [Ac. STJ, 16.3.99, CJ/STJ, VII,1,167]. Porquanto o dano em causa assume particularidades que divergem de danos patrimoniais futuros, sem deixarem de ser patrimoniais. Há, pois, que recorrer à equidade, nos termos definidos pelo art. 566.º n.º 3 do Cód. Civil. Estando o dano, como diminuição da capacidade de trabalho, balizado nos 4 500 000$00, justifica-se a redução dessa quantia para 2 500 000$00 e não para 3 500 000$00, como pretende o apelante. Para se atingir o montante proposto, atendeu-se à natureza e intensidade do dano e ao facto de se tratar de situação definitiva, da qual o A. se não poderá, jamais, libertar, passando a acompanhar a sua história física pessoal. As sequelas lesionais constituem alterações permanentes na estrutura anatómica ou funcional de um órgão e as funcionais compreendem as alterações das capacidades físicas ou mentais, características de um ser humano, surgindo na sequência das sequelas lesionais - cfr relatório médico, a fls 83 e 84. Assim, julga-se a apelação parcialmente procedente e condena-se, ainda, a Ré a pagar ao A., para além da quantia indemnizatória fixada na sentença que, desta forma, se altera, a importância de dois milhões e quinhentos mil escudos (2 500 000$00), decorrente da IPG apresentada pelo A., acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento. Custas nesta e na 1.ª instância por A. e Ré, na proporção de vencido. Porto, 21 de Dezembro de 2000 Trajano ª Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes Leonel Gentil Marado Serôdio
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:023354 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:2 SECÇÃO Relator:ERNANI FIGUEIREDO Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PRAZO DE OPOSIÇÃO FACTO SUPERVENIENTE Sumário:Facto superveniente, para o efeito da contagem do prazo para a dedução da oposição, é o que respeita aos fundamentos da oposição aduzidos pelo oponente, não integrando o conceito factos processuais da execução. Nº Convencional:JSTA00052116 Nº do Documento:SA219990708023354 Data de Entrada:02/12/1998 Recorrente:JOSE ALBERTO LDA Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:01 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TT1INST FARO PER SALTUM. Decisão:NEGA PROVIMENTO. Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO. Legislação Nacional:CPTRIB91 ART285 N1 B N3 ART291 A. Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031640 Nº Convencional: JTRP00030947 Relator: CAMILO CAMILO Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANOS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE Nº do Documento: RP200012210031640 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VALENÇA Processo no Tribunal Recorrido: 325/96 Data Dec. Recorrida: 31/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE. Área Temática: DIR CIV - DIR OBG. Legislação Nacional: CCIV66 ART562 ART566. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/12/15 IN CJSTJ T3 ANOVI PAG155. Sumário: I - A indemnização pelos danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade parcial permanente deve corresponder a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado irá deixar de auferir mas que se extinga no final do período provável de vida activa. II - Para o cálculo dessa indemnização, a utilização de tabelas financeiras assume natureza meramente indicativa, sendo essencial o recurso à equidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0031663 Nº Convencional: JTRP00030942 Relator: LEONEL SERÔDIO Descritores: PROVAS PRESUNÇÕES JUDICIAIS CONTRADITÓRIO Nº do Documento: RP200012210031663 Data do Acordão: 21/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 6J Processo no Tribunal Recorrido: 492/00-3S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: CCIV66 ART349 ART351. CPC95 ART3. Sumário: Não se pode dar como provado um facto, com base em simples presunção judicial, sem que a parte contrária tenha tido oportunidade de produzir prova destinada a afastar a presunção, o que é imposto pelo princípio do contraditório. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010747 Nº Convencional: JTRP00031107 Relator: MARQUES PEREIRA Descritores: ACÇÃO CÍVEL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL LEGITIMIDADE PASSIVA SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL Nº do Documento: RP200012200010747 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Referência de Publicação: CJ T5 ANOXXV PAG237 Tribunal Recorrido: 3 J CR MATOSINHOS Processo no Tribunal Recorrido: 103/00 Data Dec. Recorrida: 03/03/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: DL 522/85 DE 1985/12/31 ART29 N1 A N3 N6. Sumário: Incumbe ao demandante alegar, no requerimento em que deduz o pedido, factos que mostrem que desconhece sem culpa a existência do seguro, a qual, de resto, constitui a regra, dada a obrigatoriedade deste. Não tendo a lesada feito essa alegação, sendo que na própria participação policial é feita referência à existência de seguro, carece o lesante de legitimidade para figurar inicialmente na acção cível enxertada na acção penal como único demandado. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, o Ministério Público deduziu acusação, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, contra o arguido Manuel .........., imputando-lhe a prática, em autoria material, das seguintes infracções: a)um crime p. e p. no art. 148, n.º 1 do C. Penal; b)Uma contra-ordenação p. e p. no art. 24, n.º 1 e 3, conjugado com os arts. 148, al. d) e 141, n.º 1 e 2 do C. da Estrada, aprovado pelo DL n.º 114/94, de 3 de Maio. A lesada Cremilde ............ deduziu pedido cível de indemnização contra o arguido, concluindo pela condenação deste a pagar-lhe a quantia de 4.371.313$00, acrescida de juros, à taxa de 10%, vincendos desde a notificação do pedido. O arguido requereu a abertura da instrução, que foi admitida. No decurso da instrução, foi proferido despacho que julgou extinto, por amnistia, o procedimento pelo crime e pela contra-ordenação imputados ao arguido, nos termos dos arts. 7, al. d) da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio e 127 e 128, n.º 2 do C. Penal. Notificada, a lesada veio requerer o prosseguimento do processo, apenas para efeito de apreciação do pedido cível, nos termos do art. 11, n.º 4 da Lei n.º 29/99, de 12/05. Remetidos os autos ao Tribunal de Competência Especializada Criminal de Matosinhos, onde foram distribuídos ao 3.º Juízo, foi logo proferido despacho judicial do seguinte teor: “A fls. 49 e seg. dos autos, veio Cremilde ............. deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido Manuel .........., cujo teor aqui damos por reproduzido, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 4.371.313$00, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal. Importa, desde já, por razões de economia processual, apreciar a admissibilidade de tal pedido, por se nos afigurar que a sua procedência se encontra, à partida, comprometida. Efectivamente, se é certo que do ponto de vista formal nada obsta à admissão do referido pedido, uma vez que foi deduzido em tempo e por quem tem legitimidade para tal, já o mesmo se não passa do ponto de vista substancial, como veremos. Dispõe o art. 29, n.º 1 do DL n.º 522/85, de 31.12 que “As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil, quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a) só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório”. Ora, conforme decorre dos autos, mormente da participação do acidente de viação, o veículo automóvel conduzido pelo arguido aquando do acidente encontra-se abrangido por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 6453042 da “....................”. Assim sendo, e porque o valor do pedido está perfeitamente compreendido dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório, devia o pedido de indemnização civil em apreço ter sido deduzido contra a seguradora e não contra o arguido/demandado, o qual é parte ilegítima, o que implicará necessariamente a sua absolvição da instância, já que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. arts. 288, n.º 1 al. d), 494 al. e) e 495, todos do Código de Processo Civil). Pelo exposto, decido não admitir o referido pedido de indemnização civil. Custas a cargo do demandante. Notifique”. Não se conformando com tal decisão, a demandante recorreu, tendo terminado a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1.O art. 29 do DL n.º 522/85, de 31/12 pressupõe que o seguro exista, ou seja, que seja válido e esteja em vigor, o que não se encontra apurado ou determinado nos autos e apenas nessa hipótese se poderia afirmar, com rigor, que o pedido deveria ter sido formulado tão só contra a mencionada seguradora. 2.Não se apurou nos autos dessa validade do dito contrato, pelo que faltam factos que possam suportar a justeza da decisão recorrida. 3.A decisão proferida, embora tenha referido a ilegitimidade do arguido demandado pelas referidas razões, limita-se a, no final, “não admitir o referido pedido de indemnização civil”, não proferindo decisão que, nomeadamente, decrete a absolvição de instância do arguido, por alegada ilegitimidade, o que, na perspectiva que propugna, deveria ter sido feito (Cód. Proc. Civil, arts. 288, n.º 1, 494, al. e) e 495). 4.E é seguro que se o tivesse feito, como se afigura que deveria, teria facultado à recorrente a possibilidade de apresentar nova petição, desta vez, se assim se entendesse, formulada contra a mencionada seguradora, nos termos permitidos pelos arts. 234, n.º 4 al. a), 234-A, n.º 1 e 476 do Cód. Proc. Civil, ex vi art. 4 do Cód. Proc. Penal. 5.A decisão proferida, da forma como o foi, impede que a ora recorrente se socorra dessa faculdade. 6.Tal decisão violou, salvo o devido respeito, os normativos referidos nas precedentes 1.ª, 3.ª e 4.ª conclusões e o art. 668, n.º 1 als. c) e d) do Cód. Proc. Civil”. Não houve resposta. Foi proferido despacho de sustentação. Nesta instância, o Ex. m.º Procurador Geral Adjunto apôs o seu visto. Colhidos os vistos e efectuada a conferência, cumpre apreciar e decidir. Em dois fundamentos se estriba o recurso: Primeiro: Não tendo sido apurada a validade, nem sequer a existência do seguro, não podia o Ex. m.º Juiz “a quo” ter proferido decisão a considerar inadmissível o pedido cível por não ter sido proposto só contra a seguradora, nos termos do art. 29, n.º 1 al. a) do DL n.º 522/85, de 31/12; Segundo: Tendo a decisão recorrida entendido existir ilegitimidade passiva, impunha-se que concluísse pela absolvição da instância do arguido/demandado, nos termos dos arts. 228, n.º1, 494, al. e) e 495 do C. P.C., não se limitando a não admitir o pedido cível. Apreciemos. Quanto ao primeiro fundamento: Dispõe o art. 29 do DL n.º 522/85, de 31/12: No n.º 1 al. a): “1.As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a)Só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório;” No n.º 3: “3.Quando, por razão não imputável ao lesado, não for possível determinar qual a seguradora, aquele tem a faculdade de demandar directamente o civilmente responsável, devendo o tribunal notificar oficiosamente este último para indicar ou apresentar documento que identifique a seguradora do veículo interveniente no acidente”. No n.º 6: “6.As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”. Analisando o regime consagrado neste artigo, Lopes do Rego [Regime das Acções de Responsabilidade Civil por Acidentes de Viação Abrangidos pelo Seguro Obrigatório, in Revista do Ministério Público, Ano 8, n.º 29, p. 61 e segs.] salienta três aspectos fundamentais no regime das acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil derivada dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro obrigatório: _o princípio da legitimação exclusiva da seguradora, quando o pedido se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório; _o regime de litisconsórcio necessário passivo da seguradora e do civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar os referidos limites; _a extensão deste regime à própria acção civil exercida no âmbito do processo penal. No caso, a demandante deduziu o pedido de indemnização civil unicamente contra o lesante, sem fazer qualquer referência à existência de seguro. O pedido contém-se dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório (cfr. art. 6, n.º 1 do DL n.º 522/85, de 31/12). Andou bem o Ex. m.º Juiz ao considerar, de imediato, o demandado parte ilegítima, por a acção dever ter sido proposta só contra a seguradora? Entendemos que sim. Na verdade, parece-nos resultar, com meridiana clareza, do art. 29, n.º 1 al. a) e n.º 3 do DL n.º 522/85, de 31/12, que ao demandante incumbe alegar no requerimento em que deduz o pedido factos que mostrem que desconhece sem culpa a existência do seguro, a qual, de resto, constituirá a regra, dada a obrigatoriedade deste. Como escreve Lopes do Rego, no estudo citado, p. 85, “Tal alegação constitui, pois, verdadeira circunstância impeditiva ao regime geral da legitimação exclusiva da seguradora, ou ao princípio do litisconsórcio necessário passivo, consagrados no art. 29, n.º 1”. Não tendo a lesada feito essa alegação, sendo que na própria participação policial é feita referência à existência de seguro, carece o lesante de legitimidade para figurar inicialmente na acção cível enxertada na acção penal como único demandado. Quanto ao segundo fundamento: Julgamos ser, nesta parte, manifesta a improcedência do recurso. Com efeito, uma leitura atenta da decisão recorrida mostra que nesta além de se declarar o demandado parte ilegítima, se considerou que sendo a ilegitimidade de alguma das partes uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, a consequência é a absolvição do demandado da instância, tudo nos termos expressos dos arts. 288, n.º 1 al. d), 494, al. e) e 495 do Cód. de Proc. Civil. Tendo-se concluído, logicamente, pela não admissão do pedido cível. Decisão: Nestes termos, acordam os Juizes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Fixa-se em 3 UCs a taxa de justiça a cargo do recorrente. Porto, 20 de Dezembro de 2000 Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Francisco Marcolino de Jesus Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040768 Nº Convencional: JTRP00031120 Relator: DIAS CABRAL Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS NULIDADE DE SENTENÇA ARGUIÇÃO SUPRIMENTO DA NULIDADE Nº do Documento: RP200012200040768 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J V VERDE 2J Processo no Tribunal Recorrido: 180/98 Data Dec. Recorrida: 25/02/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE. Área Temática: DIR PROC PENAL. DIR MENORES. Legislação Nacional: DL 401/82 DE 1982/09/23 ART1 ART2 ART4. CPP87 ART374 N2 ART379 N1 A. Sumário: I - O regime especial para jovens, previsto no Decreto-Lei n.401/82, não é de aplicação automática. II - Porém, tratando-se de crime cometido por indivíduo com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, o tribunal não pode deixar de se pronunciar, fundamentadamente, sobre a sua aplicabilidade ou inaplicabilidade. III - Nada se referindo na sentença, quanto a esta questão, existe falta de fundamentação daquela, o que determina a sua nulidade. IV - Alegando o recorrente que lhe devia ter sido aplicado o regime especial para jovens, tem de se considerar como arguida aquela nulidade, na motivação do recurso. V - Se a matéria de facto, dada como provada, for suficiente para se decidir sobre a aplicação, ou não, de tal regime, pode o tribunal de recurso suprir a referida nulidade. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010584 Nº Convencional: JTRP00031113 Relator: NAZARÉ SARAIVA Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL PENA ACESSÓRIA Nº do Documento: RP200012200010584 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MONÇÃO Processo no Tribunal Recorrido: 20/00 Data Dec. Recorrida: 09/03/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - DIR ESTRADAL. Legislação Nacional: CP95 ART69 N1 A. Jurisprudência Nacional: AC RP IN PROC0010504 DE 2000/06/14 . Sumário: Quando a grave violação das regras de trânsito rodoviário a que se refere a alínea a) do n.1 do artigo 69 do Código Penal é integrada pela condução de veículo em estado de embriaguez, a proibição de conduzir veículos motorizados não pode restringir-se a certas categorias de veículos, deixando de fora outras, como, por exemplo, os veículos automóveis pesados. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010911 Nº Convencional: JTRP00031132 Relator: NAZARÉ SARAIVA Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO TRIBUNAL COMPETENTE TRIBUNAL COLECTIVO Nº do Documento: RP200012200010911 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA. Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP98 ART16 N2 B ART14 N2 B. L 59/98 DE 1998/08/25 ART4. DL 454/91 DE 1991/12/28. DL 316/97 DE 1997/11/19. Sumário: I - A norma do artigo 4 da Lei n.59/98, de 25 de Agosto, tem natureza transitória. II - Ora, estando-se perante crimes de emissão de cheque sem provisão, cometidos depois de 1 de Janeiro de 1998, ao respectivo processo são aplicáveis as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas por aquela Lei n.59/98, nomeadamente, as decorrentes da eliminação do conteúdo da antiga alínea b) do n.2 do artigo 16. III - Assim, estando em causa a prática de crimes, cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos, embora seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime, o tribunal competente para o seu julgamento é o tribunal colectivo. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 347/17.7GBPNF.P1.S1 Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO Relator: CONCEIÇÃO GOMES Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DUPLA CONFORME CONSTITUCIONALIDADE IRRECORRIBILIDADE Data do Acordão: 10/01/2023 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I -    De harmonia com o disposto no art. 400.º, n.º 1, do CPP: «Não é admissível recurso: (…) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». II -   A conformidade à Constituição da chamada dupla conforme tem sido uniformemente validada pelo TC, vejam-se a título de exemplo, os Acórdãos n.º 659/2018, de 12-12, n.º 212/2017, de 02-05, n.º 687/2016, de 14-12, n.º 239/2015, de 29-04, n.º 107/2015, de 11-02, n.º 269/2014, de 25-03, n.º 186/2013, de 04-04, n.º 189/2001, de 03-05, n.º 451/2003, de 14-10, n.º 495/2003, de 22-10, n.º 640/2004, de 12-11, e n.º 649/2009, de 15-12. III - Uma vez que o acórdão do Tribunal da Relação negou provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, mantendo integralmente o acórdão da 1.ª instância, e as penas aplicadas são, todas elas, inferiores a 8 anos de prisão, não podem ser admitidos os recursos apresentados, nos termos dos arts. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP. Decisão Texto Integral: Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. RELATÓRIO 1.1. No Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, no processo nº 347/17.7GBPNF os arguidos - AA, BB, CC, DD e EE, foram julgados em processo com intervenção do Tribunal Coletivo e, por acórdão de 25 de janeiro de 2022. foi deliberado, na parte que aqui releva: a) a arguida AA foi condenada pela prática (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de três mil e seiscentos euros (3. 600,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de cem euros (100 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. b) a arguida BB foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, AA e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de dois mil quinhentos e vinte euros (2.520,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de setenta euros (70 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. c) a arguida CC foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e AA, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de setecentos e vinte euros (720,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. d) o arguido DD foi condenado pela prática, em concurso efetivo, de – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com a arguida EE relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); – um (1) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão (em autoria imediata, relativamente aos factos descritos em 18) a 26) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos AA, BB, CC e EE, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a a) à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de quatro mil quinhentos e noventa euros (4.590,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de noventa euros (90 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão; e b) à obrigação de, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, entregar aos Demandantes os veículos indicados em 18) dos factos provados. e) a arguida EE foi condenada pela prática dos seguintes crimes: – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com o arguido DD, relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos DD, AA, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e nove (9) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de novecentos euros (900 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. f) o arguido FF, foi condenado pela prática, (em autoria imediata, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), de um crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, als. a) e d) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de seis mil e trezentos euros (6 300 €), impondo-se, desde já, o pagamento de cento e cinquenta euros (150 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. Mais foi decidido, na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por GG e HH: a) Condenar solidariamente os demandados DD e EE a pagar-lhes a quantia de dezanove mil quinhentos e setenta euros e três cêntimos (19 570,03 €), a título de indemnização por danos patrimoniais; e b) Condenar solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e EE no pagamento da quantia de três mil euros (3 000 €) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde o momento da notificação até integral pagamento. 1.2. Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso todo os arguidos, impugnando a matéria de facto e a matéria de direito, para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 22 de junho 2022, negou provimento aos recursos, mantendo, integralmente o acórdão da 1ª instância. 1.3. Ainda inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, dele interpuseram recurso os arguidos AA, BB, EE, DD E CC e FF para este Supremo Tribunal de Justiça, que motivaram, concluindo nos seguintes termos: (transcrição): Os arguidos AA, BB, EE, DD E CC «A) Os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC, não se conformam com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito dos autos de recurso acima identificados e por isso interpõem RECURSO PARA O SUPERMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ao abrigo dos artigos 432.º.1.b), do CPP. B) Entendem os Arguidos que o Acórdão recorrido fez má aplicação das normas legais aplicáveis, designadamente os arts. 410.º.2.a) do CPP e os princípios “in dubio pro reo” e da livre apreciação da prova. C) Os Arguidos foram condenados em penas de prisão, suspensas na sua execução, mediante o cumprimento de certas injunções, nomeadamente de pagamentos indemnizatórios. D) As questões na matéria de facto são três, a saber: movimentação das contas bancárias da falecida, registos dos veículos automóveis e compra e venda de um bem imóvel. E) O que serviu de base à condenação dos Arguidos foram os documentos bancários, declarações de II e a estranheza dos movimentos. F) Os documentos bancários não provam qualquer apropriação indevida de montantes por nenhum dos Arguidos, nem as declarações de II poderiam ter sido valoradas como foram e a estranheza não é factor condenatório. G) Isto porque, em relação às declarações de II, as mesmas nunca poderiam ter sido valoradas da forma que o foram uma vez que o próprio Tribunal de primeira instância referiu na pág. 31 que as declarações de II foram valoradas com especiais cuidados e por várias razões, desde logo porque a referida II tinha interesse, enquanto ofendida, no desfecho do processo, foi objecto de perícia que concluiu pela existência de problemas cognitivos e perturbação neurocognitiva e teve um exame psiquiátrico em 14.06.2018, ou seja, praticamente apenas 6 meses depois das declarações que prestou em 13.12.2017, onde se concluiu que a referida II deveria ser alvo de estudo rigoroso em psicologia forense e que a mesma apresentava notórias claudicações a nível de orientação temporal, tendo existido um agravamento da sua saúde mental (pág. 32 do Acórdão da primeira instância). H) A estranheza de movimentos nunca poderia ser um factor de condenação por si só, ainda para mais quando dos levantamentos aludidos na pág. 38 do Acórdão de primeira instância, concluiu-se que um deles poderia ter sido utilizado para pagamento do funeral do JJ, no valor de € 2.000,00 cerca de 1 mês depois, o que foi corroborado pela testemunha KK, devendo pelo menos ser aplicado o princípio “in dubio pro reo” para a absolvição dos Arguidos. I) No que concerne aos registos dos veículos automóveis, não se pode afirmar que o Arguido DD falsificou a assinatura do falecido JJ pelo seu punho nem que o mesmo solicitou a terceiro que preenchesse as declarações de venda e que tenha conseguido a transferência de duas viaturas de valor simbólico para si mesmo, uma vez que não existe nos autos nenhuma prova de falsificação da assinatura do JJ, para além dos depoimentos que referiram que a vontade do JJ era a entrega dos veículos ao arguido DD. J) No que respeita à compra e venda do imóvel, o Acórdão da Relação apenas reproduziu o teor do Acórdão de primeira instância sendo que quanto à suposta falsificação da assinatura da vendedora aposta no documento de transmissão do imóvel, não existiu qualquer prova de que alguma factualidade aventada nos pontos referidos fosse do conhecimento dos Arguidos e que os mesmos hajam gizado esse plano para conseguirem obter uma vantagem ilegítima, uma vez que a perícia da Polícia Judiciária às assinaturas apostas nos documentos não conclui que a assinatura da II aposta no contrato de compra e venda do ponto 33 dos factos provados seja sequer falsa. K) Segundo a perícia, “apenas” uma das assinaturas apostas na procuração (ponto 42 dos factos provados) ou na autenticação (ponto 34) é decalcada da outra, sendo uma das mesmas “original”, o que significa que a ofendida II quis vender o imóvel e assim outorgou uma coisa ou outra, e nem sequer resulta que os Arguidos soubessem sequer de tal suposta e alegada falsificação, devendo os mesmos ser absolvidos nesta parte por aplicação do princípio “in dubio pro reo”. L) Não poderia o Tribunal Colectivo condenar os Arguidos com base nos depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, o que é reforçado pela prova documental e pericial junta aos autos, nem muito menos com base em declarações de alguém que sofria de graves perturbações cognitivas à data do seu depoimento. M) Houve sim uma clara insuficiência da prova produzida para a fixação da matéria de facto dada como provada tendo sido violado o princípio da livre apreciação da prova do art. 127.º do CPP, bem como o princípio da presunção de inocência do art. 32.º.2 da CRP. N) Foi ainda violado o princípio “in dubio pro reo”, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, e que impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos e, não se tendo feito prova bastante em audiência de julgamento, dos factos imputados aos ora Recorrentes, o princípio probatório in dubio pro reo, a bem das garantias de defesa dos arguidos constitucionalmente consagradas, deveria ter sido acionado, encontrando-se assim o Acórdão recorrido inquinado pelo vício do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, tendo sido violado ainda o princípio da presunção da inocência (32.°, n.° 2 da CRP), bem como as regras quanto à livre apreciação da prova consagrada no artigo 127.° do CPP, tendo igualmente sido violadas as normas constantes dos artigos 40.º n.º 2 e 71.º ambos do CP. O) Já no que tange à fixação da medida da pena, tendo em conta a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, bem como os quadros agravativos e atenuativos, foram aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução. P) Mesmo que não seja procedente qualquer alteração fáctica requerida, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal. Q) Foi então violado o art. 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação, tendo em conta os factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática do crime, a conduta anterior e posterior à prática dos factos, a personalidade do agente, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares, e as consequências da sua conduta que não se coadunam com a aplicação de uma pena privativa da liberdade, ainda que suspensa na sua execução. R) O tribunal só deve condenar em pena de prisão quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela pena, o que não se aplica ao caso em apreço. S) Neste caso dos autos, a aplicação de uma pena de multa ou de trabalho a favor da comunidade seria suficiente para assegurar as finalidades da punição, de acordo com os critérios do art. 71.º do CP, pena essa que no limite deveria ter sido a aplicada aos arguidos, devendo a decisão condenatória dos arguidos em penas de prisão, cuja execução se suspende mediante o cumprimento de certas e determinadas injunções, ser substituída por pena de multa que assegure as finalidades da punição, tendo em conta a situação económico-financeira dos arguidos ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que se requer desde já nesta instância superior. Assim, acreditando que por via da decisão a proferir por V.ªs. Exas. será reposta a necessária JUSTIÇA no caso em apreço». ARGUIDO FF «1) O douto acórdão recorrido que condenou a Arguida assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos, pelo que, deve ser revogado; 2) Relativamente à ADMISSÃO DO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, as questões que tratadas no presente recurso foram invocadas pelo Recorrente e decididas a primeira vez pelo tribunal a quo, quais sejam: - relevo da desistência da instrução; - perícia do Instituto de Medicina Legal e Perícia da Polícia Judiciária; - alteração de um facto essencial descrito nos pontos 25 e 28 da pronúncia, sem observância do disposto nos artigos 358º e 359º do CPP; contradição insanável entre os factos, a fundamentação e a decisão. 3) Quanto a estas questões o Supremo Tribunal de Justiça funciona como tribunal de 2.ª Instância, logo tem aplicação ao caso o disposto nos art.ºs 432.º, n.º 1, alínea a), 399.º, 401.º n.º 1 b), 406.º n.º 1, 408.º n.º 1 a) e seguintes do Código de Processo Penal (CPP) aprovado pelo Decreto – Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro com as subsequentes alterações, e não o disposto no art.º 400.º do CPP; 4) Este entendimento é preconizado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal Anotado, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Portuguesa, 4.ª Edição atualizada, na nota 5 ao comentário ao art.º 400.º do CPP, página 1043, onde refere que: “Mas se o TR, na pendência de um recurso, conhecer ex novo de questões processuais deve ser admitido recurso para o STJ, sob pena de supressão prática de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso.”; 5) Já quanto ao recurso de impugnação sobre a decisão sobre a matéria de facto, o mesmo é admissível por força do disposto no art.º 379.º, n.º 1 e 425.º, n.º 4 do CPP; 6) A este propósito, veja-se o Acórdão proferido pelo STJ, datado de 28/01/2016, Proc. n.º 1006/12.2TBPRD..P1-A.S1, Relator Abrantes Geraldes, disponível em www.direitoemdia.pt,: 7) No caso concreto, o Tribunal a quo, não se absteve de apreciar o mérito da decisão sobre a matéria de facto, mas remeteu para a apreciação que realizou sobre a matéria de facto que outros arguidos impugnaram, o que equivale à sua recusa, falta ou insuficiência de apreciação e implica o cometimento da nulidade prevista pelo art.º 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP; 8) Na verdade, os fundamentos de uns e outros são completamente diferentes e nenhuma relação têm uns com os outros, tanto que há dois recursos quanto à decisão sobre a matéria de facto, um e outro com fundamentos diferentes, não só quanto aos factos a rever, mas também nos respetivos teores e fundamentos, pelo que, o tribunal quanto ao Arguido FF não podia ter decidido a sua impugnação sobre a matéria de facto por remissão para a decisão sobre a mesma matéria de facto deduzida pelos outros Arguidos; 9) Acresce que, as disposições de natureza adjetiva cível são aplicáveis ao processo penal por força do art.º 4.º do CPP; 10) Ademais, o Acórdão do STJ, datado de 25/03/2010, disponível in www.dgsi.pt, nos termos do qual: “I - A partir da reforma operada pela Lei 59/98, de 25-08, pretendendo o recorrente impugnar um acórdão final proferido por tribunal coletivo, pode optar por uma de duas coisas: visando exclusivamente o reexame de matéria de direito – art. 432.º, al. d) – dirige o recurso diretamente ao STJ; se não visar exclusivamente este reexame, dirige-o então, de facto e de direito, à Relação (arts. 427.º e 428.º, n.º 1, do CPP), caso em que da decisão desta, não sendo caso de irrecorribilidade, nos termos do art. 400.º do CPP, poderá depois recorrer para o STJ. (…) V - No segundo caso – impugnação da matéria de facto nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP – a apreciação pelo tribunal superior já não se restringe ao texto da decisão, mas abrange a análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431.º, al. b), do CPP. (…) VII - Constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da 1.ª parte do n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP. Omitindo o tribunal esteve dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respetiva decisão é nula – arts. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. VIII - No caso presente, deveriam ser “reavaliadas” da forma possível (na ausência de oralidade, imediação e concentração) as provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente indicou como tendo sido incorretamente julgados, avaliando se efetivamente essas provas impõem ou não uma decisão diversa da recorrida, sendo que, para a hipótese de se considerar a existência de alguma insuficiência nas indicações prescritas, sempre haveria que lançar mão do mecanismo corretor do n.º 3 do art. 417.º do CPP. IX - O acórdão recorrido não se debruçou sobre a questão suscitada sobre matéria de facto, sendo, portanto, nulo, por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto (arts. 379.º, n.º 1, e 425.º, n.º 4, do CPP).; 11) Quanto ao RELEVO DA DESISTÊNCIA DA INSTRUÇÃO, a Relação fez uma apreciação superficial desta questão e não se pronunciou expressamente quanto às conclusões: (…) “VII) E nesta conformidade, ainda que o JIC tenha fundamentado a decisão de pronúncia na suficiência dos factos que constam do inquérito, a verdade é que a partir do momento em que o Assistente desiste da abertura da instrução e o Ministério Público aceita, essa fase da instrução é inexistente e, não existindo, o JIC não é titular da acção penal, nem titular do inquérito, para pronunciar o arguido por factos que constam do inquérito que mereceu do titular da acção penal, que é o MP, um despacho de arquivamento, e que quer o assistente quer o Ministério Público não requereram a instrução. VIII) Se o Ministério Público, recebido o processo por parte do JIC, entender que afinal, já não existem indícios suficientes da prática do crime, e decidir arquivar o inquérito, o JIC nada pode fazer, ou seja, o JIC não pode acusar, não pode ele requerer a abertura de instrução, porque ele não é titular da acção penal, (…), XIII) No caso concreto, como nem sequer é o JIC o titular da acção penal, e tendo este sido não acusado e o ofendido desistido da instrução, não há objecto processual para que o JIC se possa debruçar, na medida em que este não se pode substituir ao titular da acção penal e pronunciar quando o MP não acusa e o ofendido não requer a abertura de instrução; 12) Ou seja, nestas conclusões o Arguido debruça-se sobre a falta de legitimidade do Juiz de Instrução Criminal para promover a ação penal, quando o Arguido não é acusado em sede de inquérito; 13) Trata-se de uma verdadeira condição de procedibilidade da ação penal e de legitimidade para a ação penal; 14) Ora, as questões de procedibilidade e de legitimidade para a ação penal nem sequer se encontram tipificadas como nulidades insanáveis ou sanáveis na nossa lei adjetiva criminal, mormente, nos art.ºs 118.º a 123.º do CPP; 15) No caso concreto, o Sr. Juiz de Instrução arrogou-se em titular da ação penal, e não tendo o legal titular acusado o Arguido e tendo os Assistentes desistindo da Instrução, com a concordância do MP, entendeu que devia prosseguir a fase da instrução escudado na aplicação analógica do art.º 415.º, n.º 1 e 4.º do CPP à fase da instrução, num suposto exame preliminar que de acordo com o respetivo despacho de abertura não se vê que tenha existido, uma vez que o mesmo só se debruça quanto ao cumprimento dos requisitos processuais do art.º 287.º, n.º 3 do CPP; 16) E se assim é, como na verdade é, seguindo a lição de Germano Marques da Silva, Curso de Direito Processual Penal, Volume II, Editora Verbo, 5.ª Edição Revista e Atualizada, páginas 134.º e seguintes, “(…) A função e a categoria da inexistência é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência é insanável; A existência do ato, de facto, impede de modo irremediável a produção dos efeitos do ato perfeito, como acontece nas nulidades e irregularidades.”; 17) No caso concreto, o Sr. Juiz de Instrução substituiu-se ao titular da ação penal que não acusou e ao Assistente que desistiu da instrução, com a concordância do MP e sem que no despacho de abertura da instrução tenha realizado qualquer exame preliminar de substância, e, sem qualquer outra prova suplementar, decidiu prosseguir a Instrução e pronunciar o Arguido para julgamento; 18) É como se fosse o Exmo. Senhor Procurador do MP a proferir o despacho de pronuncia ou não pronúncia, quando a fase da instrução é materialmente judicial – art.º 286.º, n.º do CPP; 19) É como se o titular da ação penal tivesse decidido arquivar o processo de inquérito e o Sr. Juiz de Instrução, conhecendo e não concordando, fosse analisar a prova produzida no inquérito, sem que ninguém o tivesse solicitado, e, por iniciativa própria, tivesse revogado o despacho de arquivamento e decidido pronunciar o arguido para julgamento, contrariando as atribuições do MP estabelecidas no art.º 53.º do CPP; 20) Veja-se a este propósito, quanto aos princípios gerais de aplicação da sanção da inexistência aos atos processuais, embora em concreto num caso diferente, o Acórdão do STJ, datado de 14/02/2016, disponível em www.dgsi.pt: I - O regime fixado no CPP no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência. II -Admitindo-se, contudo, haver formulações doutrinais que admitem conceptualmente o vício da inexistência do ato processual, a sua ocorrência decorreria de uma falta de tal modo grave que a esse ato faltariam elementos essenciais à sua própria subsistência de modo que, em caso algum, ele poderia produzir efeitos jurídicos o que se traduziria na inexistência da própria relação jurídica processual. III - A função da categoria da inexistência seria a da ultrapassagem da barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado fugindo, porém, à previsão normativa por ser impossível ao legislador prever todos os casos (absurdos e) hipotéticos de inexistência. (…); 21) E em concreto, por igualdade de razões, vejam-se os acórdãos do STJ, de 24/06/1992, ano XVII, 1992, Tomo III, p. 49 e 05/05/1993, CJ, ano XVII, 1993, página 243 citados na página 135 da obra do autor supra; 22) Sem prescindir, caso assim não se entenda, o que não se aceita, a situação pode ser enquadrada na alínea b) do art.º 119.º do CPP; 23) E sendo assim, como na verdade é, valendo-nos ainda do ensinamento de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1994, Vol. III, pág. 28, a falta de legitimidade do Ministério Público para acusar reconduz-se à nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea b) do Código de Processo Penal; 24) No caso concreto não estamos perante a falta de legitimidade para acusar por parte do MP, mas sim perante a falta de legitimidade do Juiz de Instrução Criminal para pronunciar, quando o Arguido não foi acusado e quando, quer o MP, quer os Ofendidos/Assistentes desistem da abertura da Instrução, sem que se tenha realizado qualquer diligência de prova, o que por analogia nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, se aplique o disposto no artigo 119.º, b) do CPP, tal como o fez o Juiz de Instrução, pelo que deve ser considerada esta nulidade insanável; 25) Atendo-nos na aplicação analógica do art.º 415.º, n.º 1 do CPP que o Juiz de Instrução Criminal decidiu no caso concreto, na fase de julgamento, a mesma fundamenta-se nas atribuições ao juiz relator no exame preliminar estatuídas no art.º 417.º do CPP e quando o processo chegou à fase de julgamento, devidamente promovido pela entidade com competência para tal, qual seja o MP e com toda a prova que, quer a acusação, quer a defesa entenderam carrear para os autos; 26) Na fase da instrução, sem que a acusação ou a defesa, nela intervenham como é o caso, e, sobretudo, quando o Arguido é não acusado, a prova que possa existir nos autos é manifestamente insuficiente; 27) Como tal, quando não há acusação e os Assistentes, com a concordância do titular da ação penal, o MP, desistem da sua abertura da instrução, verdadeiramente existe uma falta de promoção do processo pelo MP; 28) Isto porque o MP, atento o disposto no art.º 48.º do CPP é que é o titular da ação penal e não acusou; 29) E se não acusou, sem a intervenção de quem tem legitimidade para tal, não há instrução e o Juiz de Instrução nada pode fazer art.ºs 286.º, n.º2 e 287.º, n.ºs 3 do CPP; 30) Acresce que, o Juiz de instrução, quando decide abrir a instrução, não faz qualquer exame preliminar; 31) Na verdade, o juiz de instrução tem sempre de abrir a instrução desde que estejam cumpridos os requisitos do art.º 287.º, n.º 3 do CPP; 32) Portanto, se nos termos do art.º 286.º, n.º 3 do CPP a instrução tem caráter facultativo e só pode ser deduzida pelo Arguido ou pelo Assistente, notório é que, caso estes desistam, quando o MP não acusa, o Juiz de instrução, não se pode sobrepor ao titular da ação penal que arquivou o processo e pronunciar para julgamento, uma vez que, verdadeiramente, o juiz de instrução, no despacho de abertura não faz qualquer juízo de substância quanto à acusação ou não acusação, limita-se A VERIFICAR O CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS PROCESSUAIS para admitir a abertura da instrução; 33) Por desenvolvimento de raciocínio, se o Juiz de instrução no despacho de abertura não se tivesse limitado a pronunciar-se quanto aos requisitos processuais da sua admissão e tivesse emitido ab initio um juízo de prognose quanto à prova que já constava do inquérito, até se admitia que esse exame preliminar existisse, mas, ainda assim, tal exame preliminar não atribuía a aptidão para o Juiz de instrução poder prosseguir com esta fase, na medida em que, não é o titular da ação penal e o MP não acusou e o Assistente, com a concordância do MP, dela desistiu; 34) Daí que, neste caso, quando o Juiz de instrução pronúncia, sem que haja acusação ou nas situações em que o Assistente desiste da instrução, com concordância do MP, se esteja perante um caso de falta de promoção pelo MP, porque, este arquivou o inquérito, o que, pode fazer, sem qualquer controle por parte do juiz de instrução, nos casos em que não é requerida ou não é admissível a instrução, estamos perante uma nulidade insanável, p. e p. pelo art.º 119.º, b) e 120.º, n.º 1, “contrario senso” do CPP, invocável a todo o tempo, 35) Dispõe o art.º 119.º do CPP que que "constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º (…)"; 36) Como refere Germano Marques da Silva na obra supracitada, numa primeira análise do preceito seríamos tentados a interpretá-lo no sentido de que apenas contempla situações omissivas do despacho acusatório por parte do Ministério Público quando é este que tem legitimidade para o efeito. Mas melhor analisado esse conteúdo normativo que se refere a “falta de promoção nos termos do artigo 48º” verificamos que igualmente cabe na letra do preceito a situação em que o Ministério Público acusa sem legitimidade, ou seja fora da previsão do artigo 48º que remete por sua vez para os artigos 49º a 52º, definindo o artigo 49º a legitimidade em crime dependente de queixa e acrescentamos nós ainda os casos em que, como o aqui sob censura, por aplicação analógica do art.º 4.º do CPP, o Juiz de Instrução prossegue a fase de instrução e pronuncia, quando não há acusação e quer o Assistente, quer o MP dela desistem; 37) Como tal, esta nulidade se não constituir um caso de falta de instrução, ao abrigo da alínea d) do art.º 119 do CPP, o que não se aceita, constituirá sempre um caso de falta de promoção do processo pelo MP porque este não acusou, aceitou a desistência da instrução pelo MP e é o titular da ação penal; 38) Por último, cumpre referir que, no caso presente, não podemos aceitar a jurisprudência plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 06/04/2022, porquanto: - O MP não deduziu acusação pública contra o Recorrente; - O Assistente desistiu da Instrução sem que se tivesse produzido qualquer prova em contrário; - No despacho de abertura, o Juiz de instrução não fez qualquer exame preliminar à prova produzida no inquérito, limitando-se a verificar o cumprimento dos requisitos formais do art.º 287.º, n.º 3 do CPP; - No requerimento de abertura de Instrução, o Assistente não aderiu a toda a prova produzida na fase de inquérito; 39) Como tal, no caso concreto, não se verificam as objeções adiantadas por Paulo Pinto de Albuquerque quanto à aceitação da desistência da Instrução, uma vez que, nenhuma prova foi realizada em sentido contrário àquela que constava do inquérito, 40) Daí que se reitere e se aceite a doutrina citada em tal acórdão, de ARTUR CORDEIRO quando consagra “… um conjunto de requisitos para a desistência da instrução. No caso de ser o arguido o requerente, este, visto que a instrução é o exercício de um direito de defesa, poderá desistir sempre. O Autor não encontra a objeção apontada por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, na medida em que entende que qualquer elemento probatório que tenha sido obtido antes da desistência e que seja útil ou necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mesmo que eventualmente prejudicial ao arguido, estará sinalizado, pelo que o Ministério Público ou o assistente podem requerer a sua produção na audiência de julgamento. Por outro lado, na circunstância de ser o assistente a requerer a abertura de instrução, este poderá desistir da instrução em caso de crimes de natureza semipública, desde que o arguido a isso não se oponha, já que sempre estaria na disponibilidade do assistente a desistência da queixa. No caso de crimes de natureza pública, a situação seria, pois, inquestionavelmente diferente, pois aí existem interesses públicos subjacentes à necessidade de esclarecimento das condutas em questão, não estando o prosseguimento do procedimento criminal dependente de qualquer impulso privado (cfr. ARTUR CORDEIRO, “Inquérito e Instrução…”, ob. cit.); 41) Ademais, o argumento de que em processo penal não tem aplicação o princípio civilista adjetivo do dispositivo não nos merece qualquer acolhimento, na medida em que, em termos de processo penal é perfeitamente possível a desistência da queixa e da acusação particular, ou a possibilidade de desistência do recurso, sendo certo que, o art.º 51.º, n.º 2 do CPP, atribui competência para homologar a desistência de queixa ao Juiz de Instrução que não se vê que seja diferente do que homologar a desistência do requerimento de abertura de instrução, 42) No que concerne à PERÍCIA DO INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL E PERÍCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, in casu, estamos perante o exame pericial às capacidades psiquiátricas e psicológicas da ofendida falecida II e à autenticidade das assinaturas em documentos autênticos; 43) O tribunal relativamente a esta questão apenas refere: “(…)A argumentação do arguido, relativamente às perícias realizadas, é a nosso ver inconcludente: quanto à perícia sobre a capacidade de depor da ofendida, não se vê em que medida o seu uso - com o cuidado tido pelo Tribunal Colectivo - seja gerador de nulidade; quanto à perícia sobre as assinaturas da ofendida, também o Tribunal mostrou, na respectiva motivação de facto, as razões da sua convicção. (…)”; 44) Mas veja-se, a nível das conclusões XVI a XXXVI do recurso do Arguido FF, cujo desenvolvimento se encontra plasmado no corpo das alegações o que se diz; 45) Não só nas conclusões de recurso, como no corpo das alegações o recorrente debruça-se sobre as incongruências patenteadas pela perícia levadas a cabo pelo Instituo de Medicina Legal (IML) relativamente ao estado psíquico da falecida ofendida e pela Polícia Judiaria (PJ) quanto às assinaturas exaradas nos documentos lavrados; 46) Estas incongruências consubstanciam-se em a perícia médica realizada em 04/03/2019 e o relatório pericial realizado em 01/07/2019 se ter revelado inconclusiva para avaliar a condição psíquica da Ofendida II para assinar e outorgar documentos ou contratos nos dois anos anteriores, em Abril de 2017, pelo que tal não poderá ser relevada pelo Tribunal enquanto prova para este efeito; 47) O tribunal nem sequer se debruça quanto ao facto de não ter sido examinada a assinatura constante do Documento particular autenticado (DPA); 48) É que, inexplicavelmente, apenas foram alvo de perícia realizada pela PJ as assinaturas apostas nos documentos Termo de Autenticação (fls. 249) e na Procuração (fls. 252), não tendo sido analisada a que consta do Documento Particular Autenticado – escritura de compra e venda, pelo que, no mínimo, sempre se dirá que esta perícia é, desde logo, incompleta; 49) E quanto ao estado psíquico limita-se a ultrapassar a inconclusão da perícia com o cotejo de outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, o que é ilegalmente inadmissível; 50) Na verdade, segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18/03/2015, disponível em www.dgsi.pt: 1. A prova pericial representa em processo penal um desvio ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), dispondo o art. 163.º do CPP expressamente que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos. E uma das provas de apreciação vinculada é a prova pericial, que «tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» -art. 151º do C.P.P. Ora conforme supra se referiu e atento o disposto no artº 163° do CPP este juízo técnico da prova pericial está subtraído à livre convicção do legislador, pelo que não tendo o julgador conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia. 2. A renovação de uma perícia deve ser ordenada quando a capacidade técnica do perito inicial seja duvidosa, o relatório tenha como ponto de partida pressupostos de facto incorretos, contradições ou quando o novo perito possua meios de investigação que possam suplantar os do anterior perito. Tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico e nunca pela análise de uma testemunha, ou nas declarações do arguido.”; 51) O caso em apreço, o tribunal de primeira instância validou o resultado das perícias com fundamento na prova testemunhal e nas declarações da ofendida em inquérito, não sujeitas a contraditório, atento o seu decesso da II; 52) Destarte, remete para apreciação que fez relativamente aos mesmos factos no recurso interposto da matéria de facto dos outros arguidos, onde não é invocada nenhuma nulidade e adianta que os argumentos são inclusivos; 53) Ora, inclusiva e omissa é apreciação realizada pelo tribunal a quo, que nem sequer se pronuncia sobre as nulidades das perícias, como tal cometeu a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, alínea c) e 2 do CPP; 54) O que o tribunal a quo faz é misturar na sua fundamentação, a propósito das perícias, argumentos que usa para julgar a matéria de facto tal como preconizada pelos outros arguidos, mas não se debruça em concreto sobre as nulidades das perícias, como também sobre a alteração da matéria de facto tal como preconizada por este Arguido; 55) No tocante à ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, cfr. conclusões, relativamente à alteração da decisão sobre a matéria de facto, o Recorrente pediu a alteração dos pontos 27), 28), 30), 31), 32), 35), 36), 38), 39), 43), 44), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 58), 59), 60) e 61), todos dos Factos Provados da sentença, o tribunal limitou-se da dizer que “…A prova dos factos relativos a estes pontos foi já apreciada na análise do recurso dos demais arguidos.”; 56) Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que é muito, o tribunal não pode responder à alteração dos factos deduzida pelo recorrente por remissão para a censura que fez quantos aos factos impugnados pelos outros arguidos, 57) Desde logo, o recurso são separados e autónomos, e os argumentos usados, por uns e por outros, só por em acaso de Euromilhões seriam coincidentes, 58) Para este efeito, basta atentar que os outros arguidos nem sequer impugnam os mesmos factos que este recorrente impugna, 59) Na verdade, os demais arguidos impugnam a decisão da matéria relativamente aos seguintes factos, a saber: 9 a 21, 24 a 28, 32, 36 a 38, 48 a 51, 55 a 56, 58 e 59 a 61 dos factos dados como provados no Acórdão recorrido; 60) Destarte, o tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre a conclusão XLVI) cuja redação se transcreve: Bem ainda o ponto v) dos Factos não Provados com a seguinte redação: II assinou os documentos identificados em 33), 34) e 42) dos factos provados, ambos do Acórdão ora em Recurso, e ainda aditados os seguintes: 204) Em 05 de Janeiro de 2017, II instituiu seus Herdeiros, os Arguidos AA, BB, CC e DD, seus sobrinhos-netos, através de testamento outorgado em Cartório Notarial. 205) Em 29/05/2017, II foi viver para casa do irmão GG, onde ficou até à sua morte. 206) No seguimento do facto 28), o referido LL agendou reunião no seu escritório, ..., localizado na morada referida em 8), para falar com a Ofendida II; 61) Ou seja, o tribunal nem sequer se pronunciou sobre os factos que a primeira instância deu como não assentes e muito menos aqueles o Arguido FF entendeu requer o aditamento aos factos provados; 62) Ou seja, dos factos que todos os arguidos impugnaram apenas existe coincidência quanto à impugnação dos factos assentes 27, 28, 32, 36, 38, 48, 49, 50, 51, 52, 53) 54) 55), 56) 58), 59), 60) e 61); 63) Ou seja, o tribunal não se pronunciou sobre a matéria de facto impugnada pelo Arguido FF concernente aos factos assentes 30), 31), 35), 39), 43), 44), 57), supra transcrita; 64) E também não se pronunciou sobre a prova dos factos que o Arguido FF peticionou que fossem aditados aos factos assentes, os factos 204), 205) e 206), com o teor supra; 65) Sem prescindir, cumpre ainda evidenciar que relativamente aos factos que todos os arguidos pediram a alteração, a redação preconizada por uns e por outros, nem sequer era igual; 66) Pelo exposto, a propósito da não apreciação da decisão da matéria de facto impugnada pelo Recorrente vale por esclarecedor o Acórdão do STJ, datado de 18/12/2019, disponível em www.dgsi.pt, com sumário transcrito no corpo das alegações. 67) Quanto ainda à ALTERAÇÃO DE UM FACTO ESSENCIAL DESCRITO NOS PONTOS 25 E 28 DA PRONÚNCIA, SEM OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 358º E 359º DO CPP; CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE OS FACTOS, A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO, nulidade insanável, o Tribunal a quo entende que o argumento é MERAMENTE SEMÂNTICO. Agir no exercício das suas funções e receber pelo trabalho realizado a remuneração respetiva é exatamente o mesmo que agir com intenção de receber honorários; 68) Salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece que o tribunal entende que foi este Arguido que fixou os honorários ou a remuneração pelo serviço prestados, mas não foi!!! 69) Como o Arguido refere nas suas alegações de recurso e está provado na matéria de facto assente: factos: 8), 28), 32), 33) e 38) da sentença, não foi ele que fixou honorários e para ele era igual que tivessem sido cobrados honorários ou existisse qualquer remuneração pelos serviços que estava a prestar porque, como trabalhador dependente receberia sempre o mesmo!!! 70) Como tal, não estamos perante uma diferença semântica mas sim perante a vontade inerente à prática deste serviço por parte do Arguido que não estava relacionada com o recebimento do honorários ou remuneração por aquele serviço em concreto mas de todos os outros que prestava ao serviço da sociedade de advogados para a qual os prestou; 71) Como tal, a argumentação do tribunal a quo é meramente falaciosa e absolutamente descontextualizada do caso concreto e da prova assente, como se o Arguido fosse um advogado em prática isolada que recebeu uma remuneração por uma serviço que era seu, quando na verdade era de outra, só que realizado por si, 72) O tribunal a quo não entendeu que o Arguido era um trabalhador por conta doutrem e que fazia o que lhe mandavam!!; 73) Completamente alheio ao preço dos serviços que a sua entidade patronal exigia!!!; 74) Ganhava sempre o mesmo, ainda que não trabalhasse por conta da sua entidade patronal!!!; 75) Portanto, mantêm-se plenamente válidas e sem resposta as conclusões do acórdão sob censura: LXIX); LXX); LXXI); LXXVII); LXXVIII); LXXIX); LXXX); LXXXIV); LXXXVI); LXXXVII); LXXXVIII); XC); XCI); 76) Densificando, as conclusões supra, A PRONÚNCIA IMPUTAVA AO ARGUIDO o seguinte: “24. O arguido FF ao elaborar o documento denominado ‘Autenticação De Documento Particular’ sem a presença da ofendida e sem que à mesma fosse explicado o conteúdo de ambos os documentos, sabia que estava a dele constar um facto com relevância jurídica, porquanto através dele seria permitida a realização do contrato de compra e venda, ciente que estava que o Conteúdo do mesmo, não correspondia à verdade”; “25. O arguido FF agiu de forma livre, deliberada e consciente, em violação das obrigações decorrentes da sua atividade profissional, com o propósito de elaborar o referido contrato de compra e venda e termo de autenticação, sem o conhecimento e autorização da ofendida II, e com um conteúdo que sabia não corresponder à verdade, com o intuito de obter para os outros arguidos uma vantagem que sabia ser ilegítima, tendo efetuado a cobrança de honorários por conta dos serviços prestados, através da sociedade que representa”; 77) Este facto, era complementado por outro, descrito no nº 28 da mesma peça, que densificava aquela vantagem ilegítima: “28. Os arguidos MM, AA, BB, CC, DD e EE agiram [...] com o propósito comum de [...] obterem uma vantagem que sabiam ilegítima e que consistia em apropriar-se do imóvel da denunciante”. 78) A descrição de factos continha, assim, duas componentes: - a imputação direta e inequívoca duma intenção específica ao aqui Recorrente, - acrescida da simples menção dum facto objetivo; 79) A primeira, que consubstanciava o dolo específico imputado ao Arguido, enunciava a intenção de obter para os outros arguidos uma vantagem que sabia ser ilegítima (Facto nº 25), consistindo tal vantagem ilegítima na apropriação do imóvel pertencente à Ofendida (Facto nº 28); 80) A segunda consistia na mera constatação de que o Arguido “efetuou a cobrança de honorários por conta dos serviços prestados”; 81) Dito de outro modo: a pronúncia não imputava ao Arguido ter agido com a intenção de receber honorários, antes e apenas ter agido com a intenção de propiciar aos demais Arguidos a vantagem ilegítima da apropriação dum imóvel sem o conhecimento e autorização da Ofendida; 82) Como é sabido, o crime de falsificação de documentos, enquanto crime de perigo abstrato, formal ou de mera atividade, consuma-se com o simples ato da falsificação, “não sendo necessário alcançar aquilo que o agente pretendia com a falsificação do documento, isto é, causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo”; 83) Por isso, o efetivo recebimento do benefício que o agente pretende (tem a intenção de) alcançar é indiferente à consumação; 84) O que significa que, para este efeito, receber ou não receber um benefício é indiferente se o agente, com o ato material da falsificação, não atuou com a intenção de o receber; 85) A circunstância de o Recorrente ter ou não recebido honorários, por si só e descasada da afirmação inequívoca desse facto como sendo a intenção que ele prosseguia, é irrelevante para a narração obrigatória dos factos que preenchem os requisitos típicos do crime (artº 283º, 3, b), CPP). 86) O requisito típico não consiste em receber um benefício ilegítimo, mas em agir com a intenção de o receber, 87) Retornando à pronúncia: verifica-se que nela se descrevia o facto intenção (patrocinar o perceção pelos demais Arguidos do benefício ilegítimo da apropriação dum imóvel pertencente à Ofendida) e referia também um outro facto (ter recebido honorários por conta dos serviços prestados). 88) É radicalmente diferente o facto relativo ao dolo que o douto acórdão assinala como provado. 89) A saber: “54. [...] o arguido FF representou como possível que II não tivesse, efetivamente assinado, os documentos descritos em 33) e 34) e, apesar disso, agiu nos termos que se mostram descritos em 38) e 40) com o propósito, conseguido, de serem pagos os honorários à sociedade de advogados indicada em 8)”. 90) A substância deste facto é diversa – é muito diversa – da descrita na pronúncia; 91) A intenção prosseguida pelo agente deixou de ser a de propiciar aos demais Arguidos a vantagem ilegítima da apropriação abusiva dum imóvel, que vinha imputada ao ora Recorrente e não se provou; 92) Passou a ser a de obter o pagamento de honorários (à sociedade de advogados), que não lhe vinha imputada e quando nem foi este que fixou os honorários ou a remuneração, e, receberia sempre o seu ordenado, mesmo que não trabalhasse!!! 93) Mais: o douto acórdão suprimiu mesmo o inciso “[honorários] por conta dos serviços prestados” que constava da pronúncia, limitando-se a mencionar a cobrança de honorários; 94) Esta supressão não é irrelevante, NEM SEMÂNTICA, como se refere no acórdão sob censura, porque interessa à questão da natureza legítima ou ilegítima dos honorários cobrados e, afinal à natureza legítima ou ilegítima da vantagem ou benefício que essa cobrança pudesse consubstanciar; 95) De momento, releva, no entanto, assinalar a alteração dos factos que representa a imputação ao Arguido dum facto diverso do descrito na pronúncia e que dela não constava: agir com a intenção de cobrar honorários; 96) É certo que, como se disse, da pronúncia – que, recorda-se, no caso vertente, desempenhou a função processual da acusação – constava o facto objetivo de o Arguido ter cobrado honorários pelos serviços prestados, 97) Mas não constava, insiste-se, que tenha sido essa – a cobrança de honorários – a intenção que determinou a sua conduta. 98) E não se pense nem diga que o facto de ter cobrado honorários consubstancia o próprio dolo, 99) Como se escreveu no acórdão de uniformização que será referido adiantes, “de forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objetivos, com ‘recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum’ [...]. 100) Tal equivaleria a conceptualizar o dolo como emanação da própria factualidade objetiva, ou como inerente a essa factualidade, um dolus in re ipsa que [FIGUEIREDO DIAS] repudia vivamente como ultrapassado, nos moldes das antigas ‘presunções de dolo’ [...]”. 101) Por outras palavras: o facto objetivo de o arguido ter cobrado honorários pelos serviços prestados não permite extrapolar que tenha agido com essa intenção dolosa, 102) De onde ressalta, sem retrocesso ou reparação, que o douto acórdão alterou um facto essencial, correspondente a um requisito típico do crime, sem ter cumprido o disposto nos artos 358º ou 359º, CPP; 103) Com fazê-lo, incorreu na nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 379º, CPP, 104) Nulidade essa insuprível, porque a falta de descrição desse facto na pronúncia não pode resolver-se através do recurso ao mecanismo do artº 358º, CPP, e porque estamos perante um facto não autónomo e o Recorrente não consentiu nem consente que, pela via do artº 359º, CPP, o julgamento prossiga para o Tribunal dele conhecer. 105) Está hoje assente, após a publicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2015 (DR, 1ª Série, de 27 de janeiro de 2015), que “a falta de descrição, na acusação, dos elementos objetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzam no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal”; 106) No que tange à CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO, a pronúncia, no seu nº 25, imputava ao Recorrente ter agido “com o propósito de elaborar o referido contrato de compra e venda e termo de autenticação, sem o conhecimento e autorização da ofendida II”; 107) A intenção imputada na pronúncia ao Recorrente, de propiciar aos demais Arguidos a vantagem ilegítima da apropriação dum imóvel, era indissociável deste facto; 108) Ora, o douto acórdão considerou provado um facto diferente: “54. [...] representou como possível que II não tivesse, efetivamente, assinado os documentos[...]”. 109) O que verdadeiramente difere nos dois factos (o imputado e o provado) – para além da sobredita divergência no plano da intenção específica relevante – não é tanto a substituição do dolo direto (agir com o propósito) pelo dolo eventual (representar como possível). 110) A diferença crucial consiste em a pronúncia afirmar que o Arguido sabia que os documentos eram elaborados sem o conhecimento e autorização da ofendida e o acórdão considerar provado que ele representou como possível que a Ofendida não tivesse assinado os documentos. 111) Trata-se de duas realidades estruturalmente distintas. 112) Um documento pode ser assinado por outrem com o nome e firma de quem nele figura como declarante: - com o conhecimento e autorização do declarante; ou - sem o conhecimento e autorização do declarante; ou - contra a vontade do declarante. 113) É da experiência comum, que documentos são, por vezes, assinados por outrem com a firma dum declarante mas com o seu conhecimento e consentimento. 114) São múltiplas as razões que determinam essa desconformidade (ausência, incapacidade física, etc. etc.). 115) A assinatura assim aposta num documento é objetivamente falsa. Mas essa falsidade objetiva não se enquadra, por si só, no crime de falsificação. 116) O douto acórdão, todavia, confundiu essas duas realidades e, onde considerou provado apenas que o Recorrente admitiu como possível que o documento não tivesse sido assinado pela Ofendida, acrescentou depois, em sede de fundamentação, que foi assinado sem o seu conhecimento e contra a sua vontade. 117) Na verdade, a fls 72 do acórdão, lê-se: “[...] o arguido FF autenticou um documento, fazendo exarar em documento autêntico, factos que sabia não serem verdadeiros – nomeadamente que leu e explicou aos outorgantes do contrato de compra e venda descrito em 3) o seu conteúdo, assim como os seus efeitos – representando, inclusivamente, como possível que II não quisesse efetivamente vender ou transmitir a propriedade do imóvel [...]”. 118) Existe uma diferença abissal entre aquele facto provado e este segmento da fundamentação. 119) Esta diferença consubstancia uma contradição insanável que resulta do próprio texto da decisão e que implica o vício previsto na al. b) do nº 2 do artº 410º, CPP. 120) E não se trata duma contradição inócua, seja porque suscita a possibilidade de recuperar ou repristinar um facto não provado (a intenção de promover a favor dos demais arguidos a vantagem ilegítima da apropriação dum imóvel contra a vontade da Ofendida – cfr nº 25 da pronúncia). 121) Seja porque agrava o juízo de censura adstrito à falsidade objetiva do termo de reconhecimento elaborado pelo Recorrente. 122) Pelas razões retro expandidas justifica-se que o Acórdão recorrido seja revogado, ou caso assim não se entenda o processo baixe à Relação para apreciação das nulidades e da alteração da matéria de facto tal como demandado nas conclusões sobreditas, devendo o Arguido ser absolvido absolvida da prática do crime de abuso de confiança fiscal – art.º 105.º, n.º 4 do RGIT, uma vez que, não estão reunidos os pressupostos de facto da sua punição. 123) O acórdão recorrido violou, entre outros, o art.º 18.º e 29, n.º 4 da CRP, o art.º 255.º, alínea a) e 256.º, n.ºs 1 a) e d) e 3 do CP, n.º 4 do CP, deve ainda a sentença sob recurso ser revogada quanto por nula por violação dos artigos 4.º; 48.º; 51.º; 53.º; 118.º; 119.º, alíneas b) e d); 120.º a 123.º; 151.º; 163.º; 286.º, n.ºs 1 e 2; 285.º, n.ºs 1, 2 e 3; 310.º, n.º 1; 340.º, n.ºs 1 e 2; 356.º, n.º 4; 358º e 359.º; 374.º, n.º 2; 379.º, alíneas a) e c); 410.º, n.ºs 2 e 3; 412.º, n.ºs 3 e 4; 415.º, n.º 1; 417.º; do Código de Processo Penal e, pela violação dos artigos 1.º, 18.º, 29.º, n.º 4; 250.º, e 266.º da Constituição de República Portuguesa. Só assim se fazendo Acostumada e Inteira Justiça!! Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido, ou caso, assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, deve o Tribunal ad quem ordenar a remessa ao Tribunal a quo para apreciação integral das questões de direito e de apreciação matéria de facto impugnada como é de direito!!! 1.4. No Tribunal da Relação do Porto houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou nos seguintes termos: «Pressupostos – artigos 432º e 434º do CPP É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça: “a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) De decisões interlocutórias.” Por outro lado: “Poderes de cognição Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.” Dois blocos distintos recorrem para o STJ, a saber, os arguidos AA, BB, EE, DD e CC, e o arguido FF. Os primeiros, fundamentam essa possibilidade invocando que as decisões, a da primeira instância e a da segunda instância, violam o disposto no art. 410º, nº 1, al. b) do CPP – contradição insanável; o segundo entende que se aplica ao caso o disposto nos artºs 432.º, n.º 1, alínea a), 399.º, 401.º n.º 1 b), 406.º n.º 1, 408.º n.º 1 a) e seguintes do CPP, tal como se retira das conclusões apresentadas, delimitadoras do âmbito processual de apreciação pela Instância Superior. O Acórdão desta Relação do Porto, aqui recorrido, doutamente decidiu em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, confirmando integralmente a decisão que fora ali recorrida. Com legitimidade activa para recorrer, apresentados em tempo, e indicando o efeito adequado, quer quanto ao primeiro, quer quanto ao segundo, foram os arguidos condenados: “Os arguidos foram condenados nos seguintes termos: a) a arguida AA foi condenada pela prática (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de três mil e seiscentos euros (3. 600,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de cem euros (100 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. b) a arguida BB foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, AA e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de dois mil quinhentos e vinte euros (2.520,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de setenta euros (70 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. c) a arguida CC foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e AA, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de setecentos e vinte euros (720,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão d) o arguido DDfoicondenado pel a prática, em concurso efetivo, de – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com a arguida EE relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); – um (1) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelosartigos255.º,al.a)e256.º,n.º1,al.c),ambosdoCódigo Penal, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão (em autoria imediata, relativamente aos factos descritos em 18) a 26) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º1, al. e) e n.º3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos AA, BB, CC e EE, relativamente aos factos descritos em 27) a58) dos factos provados), condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a a) à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de quatro mil quinhentos e noventa euros (4.590,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de noventa euros (90 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão; e b) à obrigação de, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, entregar aos Demandantes os veículos indicados em 18) dos factos provados. e) a arguida EE foi condenada pela prática dos seguintes crimes: – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com o arguido DD, relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º,al.a)e256.º,n.º1,al.e)en.º3,ambosdoCódigoPenal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos DD, AA, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e nove (9) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de novecentos euros (900 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão.” Assim sendo, apesar das justificações apresentadas pelos recorrentes para conseguir “encaixar” a possibilidade de recurso para o STJ, e não podendo apontar-se a existência de elementos para isso, uma vez que não se verifica violação de quaisquer regras de direito material probatório,ou vícios da decisão de facto enquadráveis no disposto no art. 410º, nº 2 do CPP ou nulidade(s) não sanada(s), parece-nos, sempre salvaguardando diferentes concepções da realidade e do direito, que os presentes recursos não são admissíveis, e não devem ser apreciados por esse Venerando Tribunal. Porém, caso se entenda que não devem ser rejeitados, nos termos do disposto no artigo 420º, nº 1 al. a) e b) do CPP, sempre se dirá que o Acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de facto e de direito, cumprindo integralmente o exame critico que a lei impõe, fez correcta interpretação e aplicação do direito, não enfermando de qualquer vicio ou nulidade, não tendo sido violadas as normas invocadas pelos arguidos, ou quaisquer outras que cumpra apreciar, ou principio geral, pelo que deve ser integralmente mantido, improcedendo os recursos interpostos pelos recorrentes arguidos AA, BB, EE, DD e CC, e o arguido FF. Os presentes recursos não merecem, na nossa perspectiva, provimento, devendo ser confirmado o douto Acórdão. Porém, V. Exªs, como habitualmente, melhor decidirão, fazendo Justiça. 1.5. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer nos seguintes termos: (…) «5 – Suscita-se a questão prévia da irrecorribilidade da decisão recorrida, que deverá levar à rejeição do recurso, como, aliás, defende o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto. Assim, Da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto. Como já se deixou expresso (em 2), o acórdão ora objecto de recurso confirmou integralmente a decisão da 1ª instância, designadamente todas as penas parcelares, e unitárias, em que foram condenados os ora recorrentes, todas elas, e relembrando, em penas de prisão suspensas na sua execução, e como tal, necessariamente, não superiores a 5 anos de prisão. Ora, preceitua o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do C.P.P. não ser admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância, com o que resulta não ser admissível o recurso interposto para o S.T.J. em presença. Também a norma da alínea f) daquele dispositivo, segundo a qual não é igualmente admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, levaria à mesma conclusão, quanto a todas as penas, parcelares e unitárias, aplicadas. Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.)1, os poderes de cognição do nosso mais Alto Tribunal estão, nos casos das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do C.P.P., delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação. No caso da alínea e), se a pena aplicada não for superior a 5 anos, ou se se tratar de pena não privativa de liberdade, não é admissível recurso. No caso da alínea f), não é admissível recurso se ocorrer uma situação de verificação de dupla conforme, isto é, se as penas aplicadas, em confirmação da decisão da 1ª instância, não forem superiores a 8 anos de prisão. Da conjugação das referidas disposições resulta, assim, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso da prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso. O regime de recursos para o S.T.J. definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P., não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso em relação a quaisquer decisões condenatórias. E a irrecorribilidade da decisão abrange toda a matéria que com essas infracções penais se prenda, “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.”2 É basta a jurisprudência do S.T.J. que consagra tal entendimento, de forma pacífica e reiterada ao longo do tempo. Considere-se, a título meramente exemplificativo, o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.º 81/14.0YFLSB.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt): Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida. Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade) e da não consumação (tentativa). No mesmo sentido, ainda os acórdãos de 02-12-2015 (Proc. n.º 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt), de 13-04-2016 (Processo n.º 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Pires da Graça, in www.stj.pt), ou de 02-05-2018 (Processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt). Ou ainda o acórdão de 22-09-2021 (Processo nº 90/16.4JBLSB.C1.S1, 3ª Secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha): Cabe recordar, brevitatis causa, o art. 400, do CPP, que estatui, no seu n.º 1: “1 - Não é admissível recurso: f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”. Assim, nos termos deste normativo, conjugado com o disposto no art. 432, nº 1, al. b), também do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma as condenações da 1ª Instância (princípio da dupla conforme condenatória) relativas aos crimes em que as penas parcelares foram fixadas em medida não superior a 8 anos de prisão. E, tal como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/03/2018, “5. Como tem sido afirmado na jurisprudência do STJ, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse ambito.” Consignou-se ainda no sumário daquele acórdão: “2. O regime de recursos para o STJ definido pelas normas dos artigos 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, al. b), do CPP, efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais (artigos 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais). O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição, isto é, de um duplo grau de recurso, em relação a quaisquer decisões condenatórias.” Acresce que, tal como se realça no texto daquele acórdão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta questão, nomeadamente no acórdão 186/2013, de 4 de Abril, decidindo não julgar inconstitucional a norma da al. f), do nº 1, do art. 400, do CPP, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.” E o acórdão de 16-12-2021 (Processo n.º 321/19.9JAPDL.L2.S1 - 5.ª Secção, Relator: Conselheiro Cid Geraldo): I - Atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do tribunal da relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos (caso de dupla conforme total), concluímos que são irrecorríveis as condenações do tribunal da relação, relativas a cada crime, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única (s), aplicadas em medida superior a 8 anos. II - Não sendo admissível o recurso, igualmente não podem ser analisadas todas as questões relativas à parte da decisão irrecorrível, tais como a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, qualificação jurídica dos factos, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito. De outro modo não se verificava irrecorribilidade. (…) Na mesma linha de compreensão, considerem-se, por fim, na jurisprudência do corrente ano de 2022 deste Supremo Tribunal, os acórdãos de 04-03-2022 (processo n.º 33/15.2JAPRT.P1.S1 – 5ª Secção, Relator: Conselheiro António Gama), 28-04-2022 (processo n.º 36/19.8JELSB.L1.S1 – 5ª Secção, Relatora: Conselheira Maria do Carmo Dias), de 28-09-2022 (processo n.º 2983/21.8JAPRT.P1.S1 – 3ª Secção, Relator: Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha) e, o recentíssimo, de 02.11.2022 (processo n.º 156/19.9JAFAR.E1.S1 – 3ª Secção, Relator: Conselheiro Ernesto Vaz Pereira). Decerto ciente deste entendimento, o recorrente FF procura opor-se-lhe, fundamentando a admissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça na circunstância de questões várias que enuncia, como sejam relevo da desistência da instrução, perícia do Instituto de Medicina Legal e Perícia da Polícia Judiciária, alteração de um facto essencial descrito nos pontos 25 e 28 da pronúncia, sem observância do disposto nos artigos 358º e 359º do CPP e contradição insanável entre os factos, a fundamentação e a decisão, terem sido decididas pela primeira vez pelo Tribunal a quo, dizendo que (…) quanto a estas questões o Supremo Tribunal de Justiça funciona como tribunal de 2.ª Instância, logo tem aplicação ao caso o disposto nos art.ºs 432.º, n.º 1, alínea a), 399.º, 401.º n.º 1 b), 406.º n.º 1, 408.º n.º 1 a) e seguintes do Código de Processo Penal (CPP) aprovado pelo Decreto – Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro com as subsequentes alterações, e não o disposto no art.º 400.º do CPP. Não colhe tal perspectiva. O acórdão de que foi interposto recurso para este Supremo Tribunal não é, manifestamente, uma decisão proferida em 1.ª instância por um Tribunal da Relação, como se configura no artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., como pretende o recorrente FF. Trata-se, sim, de uma decisão proferida em instância de recurso, que apreciou e decidiu, nessa sede, as questões suscitadas pelos recorrentes. Como muito recentemente se escreveu no despacho de 06.10.2022 do Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de decisão do incidente de reclamação previsto no artigo 405.º do C.P.P., suscitado no processo n.º 194/07.4IDBRG.G1-C.S1: (…) na fase de recurso, necessariamente processada em tribunal superior, todas as decisões ou despachos são, evidentemente, de 2ª instância, independentemente de incidirem sobre o mérito da causa ou apenas sobre questões atinentes à tramitação do procedimento. É, pois, a fase do processo que determina o grau da decisão nele proferida. Os tribunais superiores proferem decisões em 1ª instância apenas nas fases preliminares e na fase de julgamento. (…) E aqui, como ali, (…) o acórdão de que se pretende recorrer, no tocante à questão invocada, não é suscetível de ser enquadrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, como vem defendido, tendo em conta que esta norma se reporta às decisões proferidas em 1.ª instância pela Relação e, no caso, o referido acórdão foi proferido em instância de recurso, para além das decisões das Relações proferidas em 1.ª instância das quais cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça serem as que constam do artigo 12.º, n.º 3, alíneas a), c), d) e e), do CPP. Fica clara, pois, a insubsistência da pretensão do recorrente FF. 6 – Assim, e pelo exposto, emite-se parecer, no sentido de deverem ser rejeitados, por legalmente inadmissíveis, os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB, EE, DD, CC e FF, a tanto não obstando o despacho que os admitiu, já que tal decisão não vincula o tribunal superior, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 414.º, n.º 2 e n.º 3, e 420.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P. 1.5. Foi cumprido o art. 417º, do CPP. 1.6. Com dispensa de Vistos foi o processo á conferência. *** 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. 2.1. Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos: (transcrição na parte relevante) 1) A arguida MM é mãe dos arguidos AA, BB, CC e DD (doravante, simplesmente por facilidade de exposição, designados, respetivamente, por MM, AA, BB, CC e DD); 2) O arguido DD é, e era à data dos factos infra descritos, casado com a arguida EE (doravante, apenas por facilidade de exposição, designada simplesmente por EE); 3) II (doravante, por facilidade de exposição, designada por II) nasceu no dia ... de janeiro de 1937 e foi casada com JJ, nascido a ... de de setembro de 1933; 4) II e JJ eram tios da arguida MM, residindo na Rua do ..., n.º 622, em imóvel sito em propriedade contígua à residência da arguida MM e seu agregado familiar, na Rua do ..., n.º 608, ambas em ..., ...; 5) No dia ... de dezembro de 2016, faleceu JJ, deixando como sua única e universal herdeira a sua mulher, II; 6) Nesse dia, a arguida MM convenceu II a ir viver consigo e com o seu agregado familiar para a sua residência, o que esta aceitou porque, atendendo à sua idade, não pretendia ficar sozinha; 7) Logo nesse dia, II confiou a MM os seus documentos pessoais e, ainda, as chaves da sua casa; 8) O arguido FF (doravante, por facilidade de exposição, designado apenas por FF, seu nome profissional) é, e era à data dos factos infra descritos, advogado, sendo portador da cédula profissional ...47-..., prestando os seus serviços por conta da sociedade de advogados A...e Associados, com escritório na Rua Arquiteto ..., entrada 112-D, 1.º, sala 1,...; 9) Sabendo do descrito em 5) e aproveitando-se de a mesma esta dependente dos arguidos MM, AA, BB, CC, DD e EE, estes últimos, os arguidos DD e EE, engendraram um plano que tinha em vista a apropriação dos montantes em dinheiro que estivessem ou fossem depositados em instituições bancárias pertencentes a II e à herança aberta por óbito de JJ. 10) Então, no contexto acima descrito e na execução do referido plano, os arguidos DD e EE, agindo em comunhão de esforços, convenceram II a, no dia ... de dezembro de 2016, abrir as seguintes contas bancárias, tituladas por ela e também, nos termos infra referidos, por si, visando mais facilmente aceder e apropriar-se dos montantes ali depositados: i. conta o n.º .... ........... 14, na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., balcão de ..., titulada por II e também pela arguida EE, sendo uma conta solidária e para onde a primeira transferiu a quantia de 49 300 € da conta n.º .... .........67, por si e por JJ titulada, também da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...; ii. a conta n.º .... .... ........... 05, no banco Millennium BCP, balcão de ..., titulada por II e os arguidos EE e DD, conta solidária, na qual passou a ser transferido mensalmente o montante de 900 € da reforma da primeira e para onde transferiu 5 193,08 € da conta n.º ......48 que, desde 25.10.1995, era titular juntamente com JJ; 11) Sobre a conta n.º .... ........... 14, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ... acima referida, foi solicitado e emitido um cartão de débito, o qual ficou na posse da arguida EE; 12) Então, no contexto referido em 9) a 11) dos factos provados, de comum acordo com o arguido DD, a arguida EE, sem conhecimento, autorização ou consentimento de II, aproveitando-se de ser contitular da mesma e de estar na posse do respetivo cartão de débito, retirou da conta n.º .... ........... 14, na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ..., balcão de ..., acima referida, as seguintes quantias: – 60 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 26.1.2017;  – 11,99 € por débito direto a favor da MEO, no dia 27.1.2017; – 5 € por débito direto a favor da P....... ., no dia 31.1.2017; – 100 € por levantamento através de cartão de débito, no dia 13.2.2017; – 69,23 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 25.2.2017; – 11,99 € por débito direto a favor da MEO, no dia 27.2.2017; – 5 € por débito direto a favor da P....... ., no dia 28.2.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 1.3.2017; –39,93 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 5.3.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 6.3.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 6.3.2017; – 200 € por levantamento em numerário ao balcão, no dia 14.3.2017; – 54,50 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 15.3.2017; – 86,68 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 18.3.2017;  – 42,80 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 21.3.2017; – 53,32 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 26.3.2017; – 30,93 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 27.3.2017;  – 11,99 € por débito direto a favor da MEO, no dia 29.3.2017; – 5 € por débito direto a favor da P....... ., no dia 31.3.2017; – 5 000 € por levantamento em numerário ao balcão, no dia 3.4.2017 – 45,62 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 3.4.2017; – 45,45 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 3.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 4.4.2017; – 39,67 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 4.4.2017; – 13,84 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 7.4.2017; – 100,53€ por compra paga com o cartão de débito, no dia 11.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 12.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 12.4.2017;  – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 15.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 19.4.2017; – 75,98 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 19.4.2017; – 25,20 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 20.4.2017; – 11 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 22.4.2017; – 27,27 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 23.4.2017; – 64,42 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 26.4.2017; – 11,99 € por débito direto a favor da MEO, no dia 27.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 27.4.2017; – 5 € por débito direto a favor da P....... ., no dia 28.4.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 29.4.2017;  – 29,40 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 2.5.2017; – 43,61 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 4.5.2017; – 71,32 € por pagamento ao Estado feito com o cartão de débito, no dia 25.5.2017; – 9,38 € por pagamento de serviços feito com o cartão de débito, no dia 25.5.2017; – 11,99 € por débito direto a favor da MEO, no dia 26.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 28.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 29.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 29.5.2017;  – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 30.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 30.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 30.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 30.5.2017; – 45 € por compra paga com o cartão de débito, no dia 30.5.2017; – 5 € por débito direto a favor da P....... ., no dia 31.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 31.5.2017;  – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 31.5.2017; – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 31.5.2017; e – 100 € por levantamento através do cartão de débito, no dia 31.5.2017, perfazendo o montante global de 8 570,03 €, montante que os arguidos DD e EE fizeram seu, gastando-o em seu proveito; 13) Além disso, também no contexto referido em 9) a 11) dos factos provados, de comum acordo com o arguido DD, a arguida EE, sem conhecimento, autorização ou consentimento de II, aproveitando-se de ser contitular da mesma, retirou da conta n.º .... .... ........... 05, no banco Millennium BCP, balcão de ..., acima referida, as seguintes quantias: – 5 000 € por levantamento em numerário ao balcão, no dia 16.1.2017; – 1 000 € por levantamento em numerário ao balcão, no dia 5.4.2017; e – 5 000 € por levantamento em numerário ao balcão, no dia 18.5.2017, este último após ter resgatado, no dia 5.5.2017, valores de fundo de investimento no valor de 4 999,84 €; perfazendo o montante global de 11 000 €, montante que os arguidos DD e EE fizeram seu, gastando-o em seu proveito; 14) Todas as quantias depositadas nas contas identificadas em 10) pertenciam exclusivamente a II; 15) Os arguidos DD e EE sabiam que todas as quantias que se encontravam e foram depositadas nas contas bancárias referidas em 10) pertenciam a II, sabendo ainda que, não obstante serem titulares das descritas contas bancárias, não se encontravam autorizados a movimentar as mesmas sem autorização ou consentimento de II; 16) Todavia, estes arguidos, atuando tendo em vista apropriar-se daquelas quantias em dinheiro, agiram do modo descrito em 9) a 14), o que representaram e quiseram, cientes ainda que assim agindo o faziam contra a vontade de II; 17) Os arguidos DD e EE atuaram livre, voluntaria e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas; 18) Sabendo do descrito em 5) e aproveitando-se de a mesma esta dependente dos arguidos MM, AA, BB, CC, EE e DD, este último, o arguido DD, engendrou um plano que tinha em vista a apropriação dos seguintes veículos, ambos com a aquisição do direito de propriedade registada a favor de JJ: i. o veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault 5 TL, com a matrícula QE-..-..; e ii. o trator agrícola Hinomoto C-144, de matrícula VD-..-.. 19) Então, na execução do referido plano, em data concretamente não apurada, mas entre os dias 9 e 19 de dezembro de 2016, o arguido DD solicitou a terceiro que preenchesse, nos locais respetivos, dois modelos de Requerimento de Registo Automóvel, um para o veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault 5 TL, com a matrícula QE-..-.. e outro para o trator agrícola Hinomoto C-144, de matrícula VD-..-.., nomeadamente apondo o nome de DD no local correspondente ao sujeito ativo e o nome de JJ no correspondente ao sujeito passivo e respetivos elementos de identificação (NIF, residência, código postal, localidade, n.º de identificação), assim como a data de 28-11-2016 como sendo a da efetiva celebração do negócio translativo da propriedade sobre os referidos veículos; 20) Depois, na posse dos referidos documentos, o arguido DD, pelo seu próprio punho, apôs a sua assinatura no local próprio para a assinatura do sujeito ativo; 21) Além disso, em cada um dos modelos de Requerimento de Registo Automóvel, no local próprio para a assinatura do sujeito passivo, o arguido DD apôs, pelo seu próprio punho e imitando a assinatura do mesmo, o nome “JJ” como se fora este a, pelo seu próprio punho, a assinar cada um deles22) Após, no dia 19 de dezembro de 2016, o arguido DD, entregou os referidos Requerimentos de Registo Automóvel nos serviços competentes para o registo automóvel; 23) Com as descritas condutas, o arguido DD obteve o registo de aquisição do direito de propriedade sobre o veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault 5 TL, com a matrícula QE-..-.. e o trator agrícola Hinomoto C-144, de matrícula VD-..-.., indicados nesses requerimentos; 24) O arguido DD agiu nos termos descritos em 18) a 23), o que previamente representou, quis e conseguiu, animado do propósito de obter para si os veículos acima indicados, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam; 25) Sabia o arguido DD que ao atuar nos moldes descritos em 18) a 23), nomeadamente ao imitar, pelo seu próprio punho, a assinatura de JJ, o que representou e quis, lograva obter o registo da aquisição do direito de propriedade sobre os referidos veículos e assim deles se apropriar, o que representou, quis e conseguiu; 26) O arguido DD atuou livre, voluntaria e conscientemente, ciente do caráter ilícito e reprovável da sua conduta; 27) Cientes do descrito em 5) e aproveitando-se de a mesma estar de si e da arguida MM dependente, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE engendraram um plano que tinha em vista a apropriação do prédio misto, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto por casa de dois pisos com quintal, com 87 m2 de área coberta e 467,50 m2 de área descoberta e terreno de cultivo, pastagem e ramada com 1500 m2, confrontando a norte com NN e GG, a sul e poente com caminho público e nascente com GG, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1662/20060727 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 57.º e na matriz predial rústica sob o artigo 336.º, estando a aquisição, por compra e à data da morte de JJ, do direito de propriedade sobre o mesmo registada a favor dele e de II; 28) Assim, na concretização de tal plano, sem o conhecimento e contra a vontade de II, o arguido DD, agindo em conjugação de esforços com as arguidas AA, BB, CC e EE, que disso estavam cientes, contratou, por intermédio de LL, seu sócio, os serviços da sociedade de advogados acima identificada para que diligenciasse no sentido de ser celebrado negócio que permitisse a transmissão do direito de propriedade do referido imóvel; 29) Tendo em vista preparar a celebração do referido negócio, no dia 21 de março de 2017, no Cartório Notarial sito na Rua Arquiteto ..., entrada 112-D, 1.º, sala 6, ..., perante a respetiva notária, compareceram os sócios da sociedade de advogados referida em 8) OO e LL e, ainda, o arguido FF, tendo todos declarado que, no dia ... de dezembro de 2016, faleceu JJ no estado de casado, sob o regime da comunhão geral, com II, sendo esta a sua única herdeira porque “não há outras pessoas que, segundo a lei, com ela possam concorrer na sucessão à herança do falecido”; 30) Apesar do descrito em 29), nem OO, nem LL, nem o arguido FF tinham conhecimento direto do ali declarado, nomeadamente que, além de II, inexistiam “outras pessoas que, segundo a lei, com ela possam concorrer na sucessão à herança do falecido”; 31) II não solicitou a quem quer que fosse, designadamente a OO, LL e a qualquer dos arguidos, a realização da escritura de habilitação de herdeira referida em 29); 32) Além disso, no contexto aludido em 27) e na concretização do plano aí referido, com o conhecimento das arguidas AA, BB, CC e EE, mas sem o conhecimento de II e contra a sua vontade, o arguido DD solicitou à referida sociedade de advogados, por intermédio de LL, a elaboração de documento que possibilitasse transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em 27) a favor dos arguidos AA, BB, CC, DD e EE, nomeadamente a sua venda pelo preço de 24 000 €; 33) Na sequência do descrito em 32), no quadro das funções que exercia para a sociedade de advogados identificada em 8) e seguindo ordens de LL, o arguido FF redigiu um documento intitulado “COMPRA E VENDA” nos seguintes termos: “No dia 03 de abril de 2017, na Rua Arquiteto ..., entrada 112 D, sala 1, na freguesia de ..., concelho ..., celebra-se o presente contrato de COMPRA E VENDA, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, com sucessivas alterações através de documento, particular, tendo comparecido como outorgantes: Primeiro: II, Viúva, NIF, .......38, (…), residente na Rua do ..., ..., ...; e Segundo: HERANÇA INDIVISA DE JJ, NIF .......32, aqui representada pelo Cabeça de Casal II, (…), na qualidade de VENDENDORES, e Terceiro: DD, NIF .......34 (…) casado no regime de comunhão de adquiridos com EE, NIF .......29, residentes na Rua do ..., n.º 173, ..., ..., na qualidade de COMPRADOR, Quarto: AA, solteira, (…), residente na Rua ..., n.º 608, ..., ..., na qualidade de COMPRADOR, Quinto: BB, solteira, (…), residente na Rua ..., n.º 608, ..., ..., na qualidade de COMPRADOR, Sexta: CC, portadora (…), casada no regime de comunhão de adquiridos com PP, NIF .......40, residentes na Rua do..., 679, ..., ..., na qualidade de COMPRADORES, E PELA PRIMEIRA E SEGUNDA OUTORGANTES, na qualidade em que intervêm, FOI DITO: Que é são os únicos e exclusivos proprietários do seguinte bem imóvel: Prédio correspondente a casa de dois pisos com quintal com área de 467,50 m2, terreno de cultivo, pastagem e ramada com área de 1500 m2, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1662 e inscrito na matriz predial sob o artigo urbano n.º 57, com o valor patrimonial de 23.702,47 € e artigo rústico n.º 336 com o valor patrimonial de 26,65 €, da freguesia de ..., concelho de ... Que pela presente escritura vendem aos Terceiro, Quarto, Quinto e Sexto Outorgantes o supra identificado bem imóvel pelo preço de 24.000 € [vinte e quatro mil euros], valor [d]o qual dão quitação por lhes haver sido já pago. Mais declaram os vendedores que não possuem quaisquer outros prédios rústicos contíguos a estes. (…) Que da presente aquisição irá ser feito registo com base neste documento particular. Este documento por estar conforme com a vontade dos outorgantes vai por eles ser assinado.” 34) Além disso, redigiu ainda um documento intitulado “AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR” nos seguintes termos: “No dia 04 de Abril de 2017, na Rua Arquitecto ..., 112 D, 1.º, sala 1, compareceram perante mim: II, Viúva, NIF, .......38, (…), residente na Rua do ..., 622, ..., ...; e HERANÇA INDIVISA DE JJ, NIF .......32, aqui representada pelo Cabeça de Casal II, (…), na qualidade de VENDENDORES, e DD, NIF .......34 (…) casado no regime de comunhão de adquiridos com EE, NIF .......29, residentes na Rua do ..., n.º 173, ..., ...; AA, solteira, (…), residente na Rua ..., n.º 608, ..., ...; BB, solteira, (…), residente na Rua ..., n.º 608, ..., ...; CC, portadora (…), casada no regime de comunhão de adquiridos com PP, NIF .......40, residente na Rua do ..., 679, ..., ..., na qualidade de COMPRADORES e que para autenticação me apresentaram o presente documento particular de compra e venda, o qual lhe foi lido e explicado e que por estarem perfeitamente inteirados do seu conteúdo, exprimindo a sua vontade, vai pelos intervenientes assinado em simultâneo. O documento particular autenticado e os documentos que o instruíram e que devem ficar arquivados por não constarem de arquivo público irão ser depositados na plataforma eletrónica através do sítio na internet com o endereço www.predialonline.mj.pt (cfr. art. 24º do D.L. nº 116/2008 e Portaria n.º 1535/2008). Este depósito eletrónico é condição de validade da autenticação do respetivo documento particular. Verifiquei: (…) Arquivo: (…) Este termo foi lido e explicado aos signatários em voz alta, e rubricado e assinado em simultâneo por estes. O documento é composto por duas páginas por mim rubricadas. Porto, 04 de abril de 201735) Após, tais documentos chegaram à posse dos arguidos AA, BB, CC e DD que, neles e pelos seus próprios punhos, apuseram as suas assinaturas; 36) Além disso, pessoa cuja identidade não se apurou, sem o conhecimento ou consentimento da mesma e contra a sua vontade, apôs em cada um dos documentos intitulados “COMPRA E VENDA” e “AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR” descritos respetivamente em 33) e 34) o nome “II” como se fora ela a, pelo seu próprio punho, a assinar cada um deles, assim imitando a assinatura de II; 37) Munidos dos mesmos, assinados nos termos descritos e sabedores do modo como o nome de II neles foi colocado, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE entregaram-nos ao arguido FF; 38) Então, o arguido FF, no quadro das funções exercidas para a sociedade de advogados indicada em 8), no dia 4 de abril de 2017, sem que tivessem comparecido perante si as pessoas indicadas no documento referido em 34), designadamente II, procedeu à autenticação de documento particular, apondo o carimbo profissional da sociedade de advogados referida em 8) nos documentos intitulados “COMPRA E VENDA” e “AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR” descritos, respetivamente, em 33) e 34), ambos assinados nos termos referidos em 35) e 36); 39) De seguida, o arguido FF procedeu ao respetivo registo em sistema informático da Ordem dos Advogados; 40) Além disso, no dia 4 de abril de 2017, o arguido FF, no quadro das funções exercidas para a sociedade indicada em 8) procedeu ao depósito eletrónico dos documentos COMPRA E VENDA” e “AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR” descritos respetivamente em 33) e 34), e, no dia seguinte, requereu o registo de aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em 27) a favor dos arguidos AA, BB, CC e DD, casado com EE; 41) O pedido de registo referido em 40) não se encontrava instruído com o parecer favorável, emitido pela Câmara Municipal de ..., à constituição de uma situação de compropriedade sobre a parte rústica do referido imóvel, do que foi notificado o arguido FF; 42) Então, tendo em vista a representação de II junto da Câmara Municipal de ... no sentido de obter o parecer aludido em 41), em data concretamente não apurada pessoa cuja identidade se não apurou pertencente aos quadros da sociedade de advogados indicada em 8) redigiu, indicando como local e data da sua assinatura “..., 06 de abril de 2017”, um documento intitulado “PROCURAÇÃO” nos seguintes termos: “HERANÇA INDIVISA DE JJ, NIF .......32, aqui representada pelo Cabeça de Casal II, Viúva, NIF .......38, portadora do cartão de cidadão n.º ........ .ZY9, válido até 06/07/2019, residente na Rua do ..., 622, ..., ..., constitui seu bastante procurador, o Advogado, FF, CP 47047p, com domicílio profissional sito na Rua Arquiteto ..., 112 D, sala 1, ..., a quem confere poderes, para representá-lo junto da Câmara Municipal de ....” 43) Depois, em data concretamente não apurada situada entre 5 de abril de 2017 e 16 de junho de 2017, pessoa cuja identidade não se apurou, sem o conhecimento ou consentimento da mesma e contra a sua vontade, apôs no documento intitulado “PROCURAÇÃO” descrito em 42) o nome “II” como se fora ela a, pelo seu próprio punho, a assiná-lo, assim imitando a assinatura de II; 44) Posteriormente, o documento intitulado “PROCURAÇÃO” descrito em 42) foi entregue ao arguido FF, o que foi do conhecimento dos AA, BB, CC, DD e EE, estando cientes do modo como o nome de II nele foi aposto; 45) No dia 16 de junho de 2017, o arguido FF deu entrada na Câmara Municipal de ... um requerimento por si redigido solicitando a emissão de parecer favorável à constituição de compropriedade a favor dos arguidos AA, BB, CC e DD relativamente à parte rústica do imóvel identificado em 27); 46) Com esse requerimento, além de outros, o arguido juntou os seguintes documentos: – a “PROCURAÇÃO” descrita em 42), assinada nos termos referidos em 43); – cópia da COMPRA E VENDA” descrita em 33) e assinada nos termos referidos em 35) e 36); e – cópia da “AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR” descrita em 34) e assinada nos termos referidos em 35) e 36); 47) A sociedade de advogados identificada em 8) cobrou honorários pela prática dos atos descritos em 28) a 46); 48) II nunca qui vender o prédio identificado em 27); 49) Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE sabiam do descrito em 48) e que II não apôs a sua assinatura nos documentos referidos em 33), 34) e 42); 50) Não obstante isso, visando com isso apropriar-se do imóvel identificado em 27), o que representaram e quiseram, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE atuaram do modo descrito em 28) a 44), o que representaram e conseguiram, estando cientes que II não havia declarado pretender vender-lhes aquele imóvel; 51) Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE atuaram, nos moldes descritos em 27) a 46), de comum acordo e em conjugação de esforços, visando apropriar-se do imóvel descrito em 27) que sabiam não lhes pertencer, agindo com o propósito de obter uma vantagem que sabiam ser ilegítima; 52) O arguido FF estava ciente, no momento em que agiu nos moldes descritos em 38) e 39), que as pessoas identificadas nos documentos referidos em 33) e 34) não se encontravam na sua presença, designadamente II, sabendo assim que não correspondia à verdade o que autenticou, designadamente não tendo lido e explicado o conteúdo e efeito dos documentos referidos em 33) e 34); 53) Todavia, atuou nos termos descritos em 38) a 40), o que que quis e representou; 54) Além disso, o arguido FF representou como possível que II não tivesse, efetivamente, assinado os documentos descritos em 33) e 34) e, apesar disso, agiu nos termos que se mostram descritos em 38) a 40) com o propósito, conseguido, de serem pagos os honorários à sociedade de advogados indicada em 8 55) Os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF sabiam que a autenticação de documento particular a este confere fé pública, estando cientes que sua atuação descrita em 28) a 46) permitia a transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em 27) para os arguidos AA, BB, CC e DD; 56) Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, ao atuar nos termos descritos em 42) a 46) agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito comum de enganar a Câmara Municipal de ... e levar a mesma a emitir parecer favorável à compropriedade da parte rústica do imóvel identificado em 27); 57) O arguido FF sabia que atuava no exercício das suas funções de advogado, estando ciente que agindo nos termos descritos em 38) a 40) violava os deveres decorrentes da sua atividade profissional; 58) Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE atuaram livre, voluntaria e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas; 59) Por força do descrito em 9) a 58) e após tomar conhecimento de tais factos, teve necessidade de se deslocar ao Serviço de Finanças de ... para regularizar a situação tributária do imóvel identificado em 27); 60) Além disso, teve ainda de se deslocar a instituições bancárias e a outras repartições públicas; 61) Quando tomou conhecimento do descrito em 9) a 58), II ficou triste, transtornada e ansiosa, sentindo-se “roubada” por familiares em quem depositava grande confiança; 62) No dia 11 de julho de 2017, no Cartório Notarial sito na Rua Monte ..., n.º 39, freguesia e concelho de ..., perante QQ, notária, compareceu II e então declarou o seguinte: “Que não tem descendentes nem ascendentes vivos. Que faz seu testamento, com o qual revoga o que outorgou neste cartório notarial no dia 5 de janeiro de 2017, exarado a partir de fls. 55 do livro de notas para testamentos públicos e para escrituras de revogação de testamentos n.º 10-T. Que institui seus únicos e universais herdeiros o seu irmão e cunhada, respetivamente GG, (NIF ... ... .90) e mulher HH (NIF ... ... .60), casados um com o outro, residentes na Rua Central ..., 15, na freguesia de ..., no concelho de ...”; 63) II faleceu no dia ... de abril de 2019; 64) No dia 3 de maio de 2019, no Cartório Notarial sito na Rua Monte ..., n.º 39, freguesia e concelho de ..., perante QQ, notária, compareceu GG e declarou o seguinte: “Que lhe incumbe o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua irmã e, nessa qualidade, declara: Que a sua irmã II faleceu no dia ... de abril de 2019, na freguesia de ..., no concelho de ..., no estado de viúva de JJ Que a falecida era natural da freguesia de ..., do concelho de ..., onde teve a sua última residência habitual na Rua Central ..., n.º 15, não deixou descendentes nem ascendentes vivos, mas como disposição de sua última vontade, deixou testamento público, outorgado neste cartório notarial no dia 11 de julho de 2017, exarado a partir de fls. 24 do respetivo livro de notas para testamentos públicos e para escrituras de revogação de testamentos n.º 11-T, no qual instituiu como seus únicos e universais herdeiros o seu irmão e a sua cunhada, a saber: Um) O seu irmão, ora outorgante GG (…) Dois) A sua cunhada HH, (NIF ... ... .60), casada com no indicado GG sob o regime da comunhão de adquiridos (…) Que não há outras pessoas que segundo a lei e o referido testamento prefiram aos indicados herdeiros ou que com eles concorram na sucessão da herança aberta por óbito da referida II”; 65) A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio identificado em 279 encontra-se registada, desde o dia 12 de fevereiro de 2020, a favor de GG e HH, por sucessão hereditária de II e JJ. *** 3. O DIREITO 3.1. Questão Prévia O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal suscitou a questão prévia da irrecorribilidade do Acórdão Recorrido, tal como no Tribunal “a quo” é defendido pelo Magistrado do Ministério Público, relativamente aos recursos das arguidas AA, BB, CC, DD, EE, e FF Não há dúvida que assiste razão ao Exmº Procurador-Geral Adjunto. Vejamos. O art. 432.º, sob a epígrafe «Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», consagra o seguinte; 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º». O art. 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição” consagra que «Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito». Retomando o caso sub judice, no Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, no processo nº 347/17.7GBPNF os arguidos - AA, BB, CC, DD e EE, foram julgados em processo comum coletivo e condenados: a) a arguida AA foi condenada pela prática (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de três mil e seiscentos euros (3. 600,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de cem euros (100 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. b) a arguida BB foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, AA e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de dois mil quinhentos e vinte euros (2.520,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de setenta euros (70 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. c) a arguida CC foi condenada (em coautoria com os arguidos DD, EE, BB e AA, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados) pela prática de um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de setecentos e vinte euros (720,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. d) o arguido DD foi condenado pela prática, em concurso efetivo, de – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com a arguida EE relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); – um (1) crime de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão (em autoria imediata, relativamente aos factos descritos em 18) a 26) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos AA, BB, CC e EE, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a a) à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de quatro mil quinhentos e noventa euros (4.590,00 €), impondo-se, desde já, o pagamento de noventa euros (90 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão; e b) à obrigação de, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, entregar aos Demandantes os veículos indicados em 18) dos factos provados. e) a arguida EE foi condenada pela prática dos seguintes crimes: – um (1) crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 205.º, n.º 1, e n.º 4, al. a) e 202.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão (em coautoria com o arguido DD, relativamente aos factos descritos em 9) a 17) dos factos provados); e – um (1) crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão (em coautoria com os arguidos DD, AA, BB e CC, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de três (3) anos e nove (9) meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de novecentos euros (900 €), impondo-se, desde já, o pagamento de vinte euros (20 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. f) o arguido FF, foi condenado pela prática, (em autoria imediata, relativamente aos factos descritos em 27) a 58) dos factos provados), de um crime de falsificação de documento qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, als. a) e d) e n.º 3, ambos do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período, mas condicionando-a à obrigação de, no período da suspensão, proceder ao pagamento da quantia de seis mil e trezentos euros (6 300 €), impondo-se, desde já, o pagamento de cento e cinquenta euros (150 €), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês — montante que, depois, até ao montante global da indemnização fixada e nele deduzido, será entregue aos Demandantes — devendo o primeiro pagamento ocorrer até ao dia 8 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão. Mais foi decidido, na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por GG e HH: a) Condenar solidariamente os demandados DD e EE a pagar-lhes a quantia de dezanove mil quinhentos e setenta euros e três cêntimos (19 570,03 €), a título de indemnização por danos patrimoniais; e b) Condenar solidariamente os arguidos AA, BB, CC, DD e EE no pagamento da quantia de três mil euros (3 000 €) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde o momento da notificação até integral pagamento. Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso todo os arguidos, impugnando a matéria de facto e a matéria de direito, para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 22 de junho 2022, negou provimento aos recursos, mantendo, integralmente o acórdão da 1ª instância. De harmonia com o disposto no art. 400º, nº1, do Código do Processo Penal: «Não é admissível recurso: (…) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». Conforme se afirma no AC do STJ de 26-06-2019, processo nº 380/17.9PBAMD.L1.S1, Relator Nuno Gonçalves,3 «A denominada “dupla conforme” não permite impugnar perante o STJ acórdão da Relação que confirma a condenação da 1ª instância em pena de prisão igual ou inferior a 8 anos. Este Supremo Tribunal tem entendido, à luz do artigo 400.º, n.º 1, al.ª f), do CPP, que são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, em medida igual ou inferior a oito anos de prisão, impostas pela 1ª instância, confirmadas pela Relação, restringindo-se a revista do STJ às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão. Sustenta-se no AC. de 28-11-2018, deste Supremo Tribunal: “O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. V - As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo» 4 A conformidade à Constituição da chamada dupla conforme tem sido uniformemente validada pelo Tribunal Constitucional, vejam-se a título de exemplo, os Acórdãos n.º 659/2018, de 12 de dezembro, n.º 212/2017, de 2 de maio, n.º 687/2016, de 14 de dezembro, n.º 239/2015, de 29 de abril, n.º 107/2015, de 11 de fevereiro, n.º 269/2014, de 25 de março, n.º 186/2013, de 4 de abril, n.º 189/2001, de 3 de maio, n.º 451/2003, de 14 de outubro, n.º 495/2003, de 22 de outubro, n.º 640/2004, de 12 de novembro, e n.º 649/2009, de 15 de dezembro. De igual modo decidiu o AC do STJ de 10MAR21, processo nº 330/19.8GBPVL.G1. S1, do mesmo Relator Nuno Gonçalves, que seguimos de perto: «Na expressão do Ac. de 19-02-2014, deste Supremo Tribunal, significa que só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico5. Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, contanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão. Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu: “As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”. XXI - O acórdão da Relação de que foi interposto recurso é, pois, pelo exposto, irrecorrível, quanto às penas parcelares aplicadas, com exceção da pena pelo crime de homicídio qualificado (…)”6. Também assim no Ac. de 4/07/2019, onde se decidiu: “2. Para efeitos do disposto no art. 400º, nº 1, e), do CPP, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. 3. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares 4. Conexamente, a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º, do CPP, impossibilita o recurso de decisões da Relação que confirmem decisão condenatória da 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que, em caso de “dupla conforme”, o STJ não pode conhecer de qualquer questão referente aos crimes parcelares punidos com pena de prisão inferior a 8 anos, apenas podendo conhecer do respeitante aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos e da matéria relativa ao concurso de crimes, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso”7 Nestas situações, o acórdão da Relação que, apreciando as questões suscitadas nos recursos confirma a decisão da 1ª instância, garante e esgota o direito ao recurso, tanto em matéria de facto como em sede de aplicação do direito. Ainda que o recurso do acórdão confirmatório da condenação se circunscreva a questões de direito, não deve ser admitido perante o STJ, que não deve reapreciar questões que já foram duplamente apreciadas e uniformemente decididas, a não ser quando e na parte em que o duplo grau de recurso está expressamente ressalvado. Quando seja admitido mais um grau de recurso ordinário, então a decisão recorrida é a confirmatória daquela condenação. O recorrente, dissentindo do acórdão confirmatório, não deve insistir na reiteração das questões que motivaram a impugnação da decisão da 1ª instância porque, - apreciadas e decididas no acórdão da Relação -, relativamente a elas foi, assim aí garantido o duplo grau de jurisdição, consagrado na Constituição da República e no direito convencional universal e europeu. Essas mesmas questões não podem, por isso, salvo disposição legal que expressamente as ressalve, legitimar mais um grau de recuso e, consequentemente, ser reexaminadas em mais um grau de recurso, pelo Tribunal da cúspide judiciária comum. No caso, o recorrente limita-se a reiterar na impugnação da decisão da 1ª instância, sem argumentos distintos dos que esgrimiu no recurso perante a 2ª instância. O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, ademais do julgamento da matéria de facto, reapreciou, especificadamente, cada uma das questões apresentadas pelo recorrente na impugnação da decisão condenatória da 1ª instância. E decidiu pela improcedência de todas as pretensões recursórias, confirmando, ipsis literis, a decisão condenatória do tribunal coletivo do juízo central criminal de Guimarães. Por isso, verifica-se dupla conformidade relativamente integral. Pelo que, nestes segmentos do recurso, anteriormente colocados perante a Relação e por esta decididos no acórdão confirmatório recorrido, não é admissível sindicância através de recurso em segundo grau, para um triplo grau de jurisdição, isto é, perante Tribunal da cúspide judiciária comum». Assim sendo, uma vez que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de junho 2022 negou provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, mantendo, integralmente o acórdão da 1ª instância, motivo pelo qual não podem ser admitidos os recursos dos arguidos, nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420 º, nº 1, al. b), do CPP, que serão rejeitados, pois, o facto de terem sido admitidos, não vincula o Tribunal Superior (art. 414 º, nº 3 do CPP). *** 4. DECISÃO. Termos em que acordam os Juízes na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: Rejeitar os recursos dos arguidos AA, BB, EE, DD E CC e FF, por inadmissibilidade legal. Custas pelos recorrentes fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s, e ao abrigo do disposto no art. 420º, nº3, do CPP, em 4 (quatro) UC’s. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP). *** Lisboa, 10 de janeiro de 2023 Maria da Conceição Simão Gomes (relatora) Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto) Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira 2ª Adjunta) _____ 1. Cfr. acórdãos do S.T.J., de 14.02.2018, processo n.º 2736/14.3TDPRT.P1.S1, 14.3.2018 processo n.º 22/08.3JALRA.E1.S1, e de 10.10.2018, processo n.º 144/09.3JABRG.G1.S1, todos da 3ª Secção, in www.stj.pt 2. Cfr. acórdão de 10-03-2021, do S.T.J., proferido no processo n.º 330/19.8GBPVL.G1.S1, da 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves 3. Disponível in www.dgsi.pt. 4. Proc. 115/17.6JDLSB.L1.S1-www.dgsi.pt. 5. Proc. 9/12.1SOLSB.S2, in www.dgsi.pt 6. Proc. 881/16.6JAPRT-A.P1.S1, in www.dgsi.pt 7. Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, in www.dgsi.pt
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S2907 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SOUSA PEXOTO Descritores: MUDANÇA LOCAL DE TRABALHO ABUSO DE DIREITO CASO JULGADO Nº do Documento: SJ200802060029074 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A mudança do local de trabalho, ao abrigo do disposto na primeira parte do n.º 1 do art.º 24.º da LCT, só é permitida se não houver estipulação em contrário e se a mudança não causar prejuízos sérios para o trabalhador. 2. Se houver estipulação em contrário, a excepção prevista na primeira parte do n.º 1 do referido art.º 24.º não pode funcionar. 3. Assim, se a convenção colectiva estipular que o trabalhador só pode ser deslocado para posto ou local de trabalho diferente do habitual ou daquele para que foi contratado, mediante acordo expresso entre o trabalhador e a entidade patronal, é legítima a recusa da trabalhadora em cumprir a ordem que lhe foi dada, para ir trabalhar, durante um mês, para outro hotel, ainda que se prove que a mudança de local de trabalho não lhe causava quaisquer prejuízos. 4. Em tal situação, a inexistência de prejuízos não pode servir de fundamento para qualificar de abusiva a conduta da trabalhadora. 5. Tendo-se decidido na 1.ª instância que a recusa da autora/trabalhadora era legítima e não tendo a ré requerido, nas suas contra-alegações, a ampliação do objecto do recurso de apelação interposto pela autora, por esta discordar da sentença na parte em que decidiu que ela tinha agido com abuso do direito, formou-se caso julgado material relativamente ao segmento decisório da sentença que julgou legítima a recusa da autora. 6. O caso julgado assim formado impedia que a Relação voltasse a reapreciar a questão da legitimidade da recusa. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo tribunal de Justiça: 1. Em 11 de Agosto de 2004, a autora AApropôs, no Tribunal do Trabalho de Cascais, acção emergente de contrato individual de trabalho contra BB, Sociedade Turística, L.da, pedindo que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte da ré e que esta fosse condenada a reintegrá-la ao serviço, com efeitos reportados à data do despedimento e sem prejuízo da respectiva retribuição, antiguidade e categoria profissional, ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização por antiguidade a que se reporta o art.º 439.º, n.º 1 do Código do Trabalho, em montante a fixar pelo tribunal nos termos do normativo referido, e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como a quantia de € 1.185,35 a título das retribuições já vencidas (€ 453,00), de férias vencidas em 1.1.2004 (€ 453,00), de subsídio das ditas férias (€ 453,00), de fracção proporcional das férias que se venceriam em 1.1.2005 (€ 71,45) e de fracção proporcional do subsídio de Natal do ano da cessação do contrato (€ 71,45). Em resumo, a autora alegou que foi ilicitamente despedida, em 25 de Fevereiro de 2004, na sequência de processo disciplinar que lhe foi instaurado, por se ter recusado a cumprir a ordem que lhe foi dada pela ré, para, durante o mês de Dezembro de 2003, ir trabalhar para o “CC”, resultando a ilicitude do despedimento do facto de a sua recusa ser legítima, uma vez que, nos termos da cláusula 56.ª do CCT publicado no BTE n.º 33/81, de 8/9, a sua deslocação temporária para outro local de trabalho carecia do seu acordo expresso. Em 23 de Dezembro de 2004, a autora DDpropôs, no mesmo tribunal, acção contra a mesma ré, com pedido e causa de pedir idênticos aos da autora AA. A ré contestou as duas acções, alegando, em resumo, que o CCT aplicável não era o indicado pelas autoras, mas sim o CCT celebrado entre a Associação dos Sindicatos de Portugal (de que a ré é associada) e a FESHAT - Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicado no BTE n.º 37/83, de 8/10, que nada dispõe acerca da deslocação temporária do trabalhador. A acção proposta pela autora DD foi apensada à da AA e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando as acções improcedentes no que toca à ilicitude do despedimento, com o fundamento de que a conduta das autoras configurava um caso de abuso do direito, apesar da sua recusa em cumprir a ordem que lhes foi dada pela ré tivesse sido legítima, face ao disposto na cláusula 56.º do CCT por elas invocado, que o M.mo Juiz considerou ser o aplicável ao caso, e condenando a ré a pagar, à autora AA, a quantia de € 906,00, a título das férias vencidas em 1.1.2004 e respectivo subsídio, e a quantia de € 204,78, a título de proporcionais de férias, de subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato, acrescidas dos juros de mora, contados desde 23.9.2004, e à autora DD, a quantia de € 906,00 a título das férias vencidas em 1.1.2004 e respectivo subsídio, acrescida de juros de mora contados desde 23.9.2004. As autoras apelaram da sentença, por entenderem que a sua conduta não era subsumível à figura do abuso do direito e, nas contra-alegações, a ré não requereu a ampliação do objecto do recurso, apesar de ter sustentado que o CCT aplicável não era o invocada pelas autoras O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o CCT aplicável era o que foi invocado pelas autoras, mas entendeu que estas não tinham agido com abuso do direito e, na sequência disso, julgou ilícitos os despedimentos e condenou a ré a pagar: i) à autora AA, a quantia de € 5.436,00 a título de indemnização de antiguidade e as retribuições vencidas desde 0 30.º dia que antecedeu a data de propositura da acção, ou seja, desde 11.7.2004 até ao trânsito da decisão, deduzidas das importâncias que ela comprovadamente tivesse obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante do subsídio de desemprego auferido pela autora, montante este que a ré deve entregar na segurança social; ii) à autora DD, a quantia de € 12.080,00 a título de indemnização de antiguidade e as retribuições vencidas desde o 30.º dia que antecedeu a data de propositura da acção, ou seja, desde 23.11.2004 até ao trânsito da decisão, deduzidas das importâncias que ela comprovadamente tivesse obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e do montante do subsídio de desemprego auferido pela autora, montante este que a ré deve entregar na segurança social; iii) a ambas as autoras, os juros de mora, contados desde o vencimento de cada uma das prestações, no que toca às retribuições vencidas e vincendas e desde a data do acórdão no que concerne à indemnização de antiguidade. A ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo: 1 - De acordo com a legislação em vigor à data dos factos (artigo 7.°, n.° 1, do D.L. 519--C1/79, de 29/12, princípio que é mantido pelo artigo 552.º do Código do Trabalho), as convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os trabalhadores ao seu serviço, inscritos nas associações sindicais outorgantes. 2 - Ora, no caso em apreço, a recorrente é associada na AHP e as recorridas no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Hoteleira, Turismo, Restauração e Similares do Sul. 3 – A AHP aderiu ao CCT indústria hoteleira publicado, no BTE n.° 9, de 8//03/1982, tendo o cuidado de expressamente referir que o acordo de adesão "não é extensivo à convenção referida no seu artigo 1.°", isto é, ao CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/9/1981 (doc. 1). 4 - Pode ler-se no acordo de adesão publicado no BTE n.° 28, de 29/07/1983, que: "O presente acordo de adesão reporta-se exclusivamente ao instrumento acima enunciado e não é extensivo à convenção referida no seu artigo 1.º, a qual relativamente às empresas filiadas na Associação dos Hotéis de Portugal é aplicada e mantém-se em vigor nos termos decorrentes da P.E. publica da no BTE, 1.ª Série, n.° 43, de 21 de Novembro de 1981" (doc.1). 5 - Assim, a redacção do acordo de adesão publicado no BTE, 1.ª Série, n.° 28 de 29/0711983, é bem elucidativa de que a AHP nunca quis ser outorgante do CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/9/1981, admitindo a sua aplicação mas somente por força da Portaria de Extensão (citado doc. 1). 6 - Deste modo, a AHP aderiu somente às tabelas salariais publicadas no BTE n.° 9, de 8/03/1982, e não ao CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/09/1981, que, de acordo com adesão, continuaria a aplicar-se às empresas filiadas na AHP e aos seus trabalhadores, mas somente por força da Portaria de Extensão, publicada no BTE n.° 43, de 21/11/1981, como melhor resulta do acordo de adesão que se junta sob doc. 1. 7 - Em 1983, a AHT subscreveu o CCTV publicado no BTE n.° 37. de 08/10/1983, juntamente com outra Associação Patronal e outros Hotéis. 8 - Diz-nos a cláusula 16.ª do CCTV publicado no BTE n.° 37. de 8/10/1983: "mantêm-se em vigor todas as disposições constantes dos instrumentos de regulamentação anteriores, relativamente às partes suas outorgantes, que não sejam derrogadas pela aplicabilidade das normas deste instrumento" (sublinhado nosso). 9 - Assim, por força da cláusula 16.ª, n.° 1, do CCTV publicado no BTE n.° 37, de 8/10/1983, o CCTV publicado no BTE n.° 33/81, de 8/09/1981, mantém-se em vigor somente relativamente às partes outorgantes desta convenção e não a outras. É isso que significa, na cláusula 16.ª, n.° 1, do citado CCTV, a expressão "relativamente às partes suas outorgantes". 10 - Ao contrário do referido no douto acórdão, com a redacção da cláusula 16.ª da citada convenção, a AHP não acordou a manutenção da vigência do CCTV publicado no BTE n.° 33/81 em relação a terceiros, o que fez foi admitir que esta convenção se mantivesse em vigor, mas somente quanto às partes que a outorgaram e não em relação a si que não a outorgou. 11 - Acresce que a associação patronal signatária do CCTV publicado no BTE n.° 33/81 (APH) foi extinta, o que conduziu à caducidade desta mesma convenção por "morte" de uma das partes outorgantes. 12 - Para não cumprir a ordem da recorrente, alegaram as recorridas que a ordem é ilegítima porquanto, nos termos da cláusula 56.ª do CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/9/1981, a deslocação (temporária) do trabalhador, para posto ou local de trabalho diferente do habitual, carece de acordo expresso entre a entidade patronal e o trabalhador. 13 - Acontece que, como demonstrado, a convenção colectiva que regula as relações de trabalho entre Recorrente e Recorridas é o CCT publicado no BTE n.° 37, de 8/10/1983, e não o CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/9/1981 (doc.2). 14 - Assim, relativamente à deslocação (temporária) do trabalhador para outro local de trabalho, aplica-se a legislação geral do trabalho, que permite à entidade patronal transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não lhe causar prejuízo sério (artigo 24.º do D.L. 49408, de 24/11/1969 ou 316.º do Código do Trabalho). 15 - Ora, da transferência temporária não resultava qualquer prejuízo para as recorridas e a ordem de serviço indica o motivo da transferência (muito baixa ocupação prevista para os messes de Novembro e Dezembro e férias de funcionários) e o tempo de duração da transferência (30 dias para cada uma das Recorrentes). 16 - Deste modo, a ordem da Recorrente é lícita e legítima e, consequentemente, a desobediência é ilegítima e ilícita. 17 - Ainda que se entenda que à relação laboral é aplicável CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/911981, o que só por mera hipótese académica e sem conceder se admite, entende a recorrente que, face aos factos dados como provados, existe justa causa de despedimento, como muito doutamente explana o voto de vencido. 18 - De facto, ainda que se venha a entender que a cláusula 56.ª do CCTV publicado no BTE n.° 33, de 8/9/1981, estava em vigor e que seria necessário o acordo das recorridas para a deslocação em causa, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre se dirá que a recusa em obedecer à ordem da recorrente seria ilegítima, pois tal disposição teria de ser interpretada restritivamente, com vista a impedir que se recorra abusivamente e sem qualquer justificação a ela, de forma a obter benefícios injustificados para o trabalhador que não se identificam com o espírito do legislador. 19 - Ora, no caso em apreciação, as recorridas, ao recusarem a deslocação, exerceram o direito previsto na cláusula 56.ª da citada convenção colectiva de forma despropositada, violando os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito em causa. 20 - De facto, verificou-se claramente um excesso no exercício do direito, uma vez que da deslocação temporária não resultava qualquer tipo de prejuízo. 21 - Assim, ao recusarem a deslocação temporária, invocando a cláusula 56.ª do CCT publicado no BTE n.° 31/81, incorreram em abuso de direito previsto no artigo 334.º do C. Civil. 22 - Deste modo, a ordem da recorrente é lícita e a desobediência das recorridas é ilegítima e ilícita. 23 - Não tendo acatado a ordem legítima da recorrente, as recorridas desobedeceram ilicitamente a uma ordem da entidade patronal, violando o disposto no artigo 20.º, n.º 1, al. c), do D.L. 49.408, de 24/11/1969 (ou artigo 121.º, n.° 1, al. d), do Código do Trabalho). [24 – O comportamento das recorridas constitui justa causa de despedimento, por força do] disposto no artigo 9.º, n° 1 e 2 al. a), do D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro (ou artigo 396,°, n.º 1 e n.º 3, al. a), do Código do Trabalho). 26 (sic)- As Recorridas têm antecedentes disciplinares. As autoras não contra-alegaram e, neste Supremo Tribunal, o relator decidiu não tomar conhecimento do recurso no que toca à autora AA, com o fundamento de que o valor da acção por ela proposta era inferior à alçada da Relação, despacho esse que não foi objecto de reclamação para a conferência. De seguida, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se a favor da procedência do recurso, por entender que tinha havido abuso do direito por parte da autora, em “parecer” a que as partes não reagiram. Colhidos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes: 1. A Ré dedica-se à actividade da industria hoteleira, dispondo de vários estabelecimentos hoteleiros, entre eles, o “EE”, sito no Estoril, na rua Eng.º ----------------------, n.º-- e o “CC”, sito em Queijas, na Av.ª --------------, 1---, Linda-a-Pastora. 2. Distando ambos os estabelecimentos um do outro cerca de 10 Km. 3. As autoras são trabalhadoras da Ré, tendo sido contratadas, na sequência de acordo que não foi reduzido a escrito, a fim de desempenharem as funções inerentes à categoria profissional de empregada de andares, sob a direcção, autoridade e fiscalização da Ré. 4. A AA, desde 4 de Agosto de 1989. 5. E a DD, pelo menos, desde 1 de Janeiro de 1974. 6. Trabalhando ambas no hotel que a R. possui, o «EE». 7. Auferindo cada uma, à data de cessação do contrato, a retribuição mensal ilíquida de 453,00 €. 8. Através de comunicação escrita, datada de 29 de Dezembro de 2003 e recebida pela autora AA a 31 de Dezembro de 2003, a ré comunicou-lhe a intenção de a despedir, enviando-lhe a nota de culpa cuja cópia foi junta a fls. 18 a 24 dos autos, com esse teor aí se referindo, nomeadamente, que: « 1.º A «BB» dedica-se à actividade da industria hoteleira, dispondo de vários estabelecimentos hoteleiros, entre eles, o «EE» sito no Estoril, na rua Eng.º -------------, n.º --, e o «CC» sito em Queijas, na ---------, ---, Linda-a-Pastora, distando ambos os estabelecimentos um do outro cerca de 10 Km. 2.º A trabalhadora arguida é funcionária da «BB» com efectividade, tem a categoria profissional de empregada de andares. 3.º Exerce habitualmente as suas funções, ao serviço desta empresa, no estabelecimento hoteleiro «EE.» 4.º Prevendo a «BB» que a ocupação dos quartos do «EE» para os meses de Novembro e Dezembro de 2003 seria muito reduzida, prevendo-se vir a ser mesmo de zero quartos nalguns desses dias, 5.º enquanto que no «CC» se previa uma ocupação anormalmente elevada, durante os referidos meses de Novembro e Dezembro, em virtude da realização de um estágio da Selecção Nacional, 6.º e sendo, ainda, prática corrente da «BB», sempre que as ocupações dos estabelecimentos hoteleiros o justifiquem, fazer a convocação de trabalhadores para o exercício temporário de funções noutra unidade hoteleira a fim de atender às necessidades mais prementes de serviço, em função do índice de ocupação dos respectivos estabelecimentos. 7.º No dia 04.11.2003, encontrando-se a trabalhadora arguida ao serviço no «EE», foi emitida e afixada pelo Sr. FF assistente de direcção do «EE», e superior hierárquico da trabalhadora arguida, uma ordem/comunicado de serviço convocando a trabalhadora arguida para, durante o mês de Dezembro de 2003, exercer as suas funções no estabelecimento «BB», o «CC». 8.º Do mesmo modo, foi convocada outra trabalhadora do «EE», a Sr.ª D.DD, com a categoria profissional de empregada de andares, para durante o mês de Novembro exercer as suas funções no «CC». 9.º De acordo com a referida ordem de serviço, o transporte da trabalhadora arguida na ida e no regresso do «CC» seria assegurado pela carrinha da «BB» todos os dias em que teria lugar a sua prestação de serviço, ou seja, às 3.ªs, 4.ªs e 5.ªs feiras da semana, e durante o seu horário normal de trabalho. 10.º A trabalhadora arguida tomou conhecimento da ordem de serviço em causa no próprio dia 04.11.2003. 11.º Porém, no dia 02.12.2003 a trabalhadora arguida recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 12.º Nesse dia informou verbalmente o Sr. FF que se recusava a ir prestar serviço no «CC» no período para que havia sido convocada, ou seja, durante o mês de Dezembro. 13.º Tendo invocado como justificação para tal comportamento que o seu local de trabalho era no «EE» e não no «CC». 14.º No dia 03.12.2003 a trabalhadora arguida recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 15.º No dia 04.12.2003 a trabalhadora arguida recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 16.º E em nenhum dos dias referidos compareceu no «CC» para onde foi deslocada, mantendo-se em desobediência injustificada à ordem expressa pela «BB». 17.º No dia 09.12.2003, 3.ª feira, um dos dias em que a trabalhadora arguida estava deslocada para ir trabalhar no «CC», não compareceu no serviço entrando na situação de incapacidade temporária para o trabalho’, por estado de doença, pelo período inicial de 3 dias, de 09.12.2003 a 11.12.2003, o qual foi posteriormente prorrogado por mais 9 dias, de 12.12.2003 a 20.12.2003. 18.º As previsões da «BB« relativas à ocupação dos quartos, nos meses de Novembro e Dezembro, do «EE» e do «CC» confirmaram-se e nos dias 2, 3, e 4 de Dezembro, aqueles em que a trabalhadora arguida se recusou a cumprir a ordem de deslocação temporária que lhe foi dada pela sua entidade patronal, a ocupação do «EE» foi a seguinte: - 02.12.2003 – 1 quarto ocupado - 03.12.2003 – 4 quartos ocupados - 04.12.2003 – 4 quartos ocupados 19.º Sendo que nesses mesmos dias e para limpar o número reduzido de quartos ocupados se encontravam ao serviço no «EE» DUAS EMPREGADAS DE ANDARES, A TRABALHADORA E A SUA COLEGA Sr.ª DD. 20.º Enquanto que no «CC», no mesmo período, se verificou que havia os seguintes quartos para limpar: - 02.12.2003 – 71 quartos ocupados, para 4 trabalhadoras - 03.12.2003 – 85 quartos, para 4 trabalhadoras -04.12.2003 – 86 quartos, 4 trabalhadoras 21.º Relativamente aos restantes dias do mês de Dezembro de 2003, até ao presente, não obstante a trabalhadora arguida ter entrado em situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, confirmaram-se igualmente as previsões e a ocupação do «EE» nos dias em que a «BB» tinha deslocado a trabalhadora arguida do seguinte: - 09.12.2003 – 1 quarto ocupado - 10.12.2003 – 0 (zero) quartos ocupado - 11.12.2003 – 0 (zero) quartos ocupado - 16.12.2003 – 1 quarto ocupado - 17.12.2003 – 1qucarto ocupado - 18.12.2003 – 2 quartos ocupados 22.º Nesses mesmos dias a ocupação do «CC» foi a seguinte: - 09.12.2003 – 37 quartos ocupados - 10.12.2003 – 49 quartos ocupados - 11.12.2003 – 60 quartos ocupados - 16.12.2003 – 93 quartos ocupados - 17.12.2003 – 87quartos ocupados -18.12.2003 – 92 quartos ocupados 23.º O comportamento da trabalhadora arguida ao desobedecer ilegítima e injustificadamente, nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro, à ordem de deslocação temporária dada pela entidade patronal em 04.11.2003, foi considerado inadmissível e intolerável, constituindo grosseira violação dos seus deveres profissionais, designadamente o de cumprir as ordens do empregador, nos termos em que está obrigada por força do disposto nas alíneas a) e d) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 121.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, sendo passível de ser sancionado disciplinarmente. 24.º Sendo a ordem de deslocação temporária legítima, emitida no âmbito dos poderes de gestão e direcção da entidade empregadora e não acarretando a mesma qualquer prejuízo para a trabalhadora arguida ou violação de disposições legais, a desobediência da trabalhadora arguida configura, ainda, violação do princípio geral da boa fé no cumprimento do contrato de trabalho existente, expressamente consagrado no art. 119.º n.º 1 do Código do Trabalho, e do princípio da mútua cooperação consagrado no n.º 2 do art.º 119.º 25.º Atendendo à reduzida ocupação prevista dos quartos do «EE», nos termos supra, a ordem de deslocação temporária dada pela entidade empregadora, para além de legalmente legitimada e compreendida nos poderes de direcção da entidade empregadora, teve em vista o cumprimento do dever de ocupação efectiva do trabalhador resultante do contrato de trabalho, nos termos em que a «BB» está obrigada, expressamente previsto na alínea b) do art.º 122.º do Código do Trabalho. 26.º Os factos imputados à trabalhadora arguida são graves, traduzindo um comportamento ilícito e culposo da mesma e tornando imediata e praticamente impossível a relação de trabalho. 27.º E integram-se na alínea a) do n.º 3 do art.º 396.º do Código do Trabalho, pelo que são susceptíveis de se subsumirem no conceito de justa causa de despedimento da trabalhadora arguida. 28.º A trabalhadora arguida tem antecedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada, por decisão da gerência de 14.02.2003, na sequência de processo disciplinar que lhe foi oportunamente instaurado, a sanção disciplinar de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por 12 dias, que foi cumprida pela trabalhadora arguida. 9. A autora AA apresentou a resposta à nota de culpa cuja cópia consta de fls.25 a 29 dos autos. 10. Em 23 de Fevereiro de 2004, a Ré proferiu a decisão cuja cópia consta de fls. 31 e 32 dos autos, pela qual aplicou à autora AA a «sanção disciplinar de despedimento com justa causa, com efeitos imediatos», pelos fundamentos aí enunciados, tendo comunicado a mesma, à autora, por carta registada com A/R, que a Autora recebeu a 25 de Fevereiro de 2004. 11. Através de comunicação escrita, recebida pela autora DD a 21 de Novembro de 2003, a Ré comunicou-lhe a intenção de a despedir, enviando-lhe a nota de culpa cuja cópia consta de fls.204 a 209 do processo 5/05.5, apenso a estes autos, com o seguinte teor: «A «BB» dedica-se à actividade da industria hoteleira, dispondo de vários estabelecimentos hoteleiros, entre eles, o «EE» sito no Estoril, na rua Eng.º .............. n.° .., e o «CC» sito em Queijas, na Av............., 1..., Linda-a-Pastora. A trabalhadora arguida é funcionária da «BB» com efectividade, tem a categoria profissional de empregada de quartos e exerce as suas funções, ao serviço desta empresa, nos estabelecimentos hoteleiros da «BB». Habitualmente exerce as suas funções no estabelecimento hoteleiro «EE. Considerando que: a) a previsão de ocupação de quartos para os meses de Novembro e Dezembro de 2003 relativa ao «EE» era muito reduzida, sendo nalguns dias de zero quartos; b) a previsão para o «CC», durante o mesmo período de Novembro e Dezembro, era uma ocupação anormalmente elevada, em virtude de estágios da Selecção Nacional, c) é prática corrente da «BB», sempre que as ocupações dos estabelecimentos hoteleiros o justifiquem, convocar os trabalhadores para o exercício temporário de funções noutra unidade hoteleira a fim de atender às necessidades mais prementes de serviço, em função do índice de ocupação dos respectivos estabelecimentos, No dia 04.11.2003, encontrando-se a trabalhadora arguida ao serviço no «EE», foi emitida e afixada pelo Sr. FF assistente de direcção do «EE», e superior hierárquico da trabalhadora arguida, uma ordem/comunicado de serviço convocando a trabalhadora arguida para, durante o mês de Novembro de 2003, exercer as suas funções no estabelecimento da «BB», o «CC». Do mesmo modo, foi convocada outra trabalhadora do «EE», A Sr.a AA, com a categoria profissional de empregada de andares, para durante o mês de Dezembro exercer as suas funções no «CC» na viatura da empresa nos dias em que aí teria lugar a sal prestação de serviço, ou seja, às 3°s, 4as e 5as feiras da semana. A trabalhadora arguida tomou conhecimento da ordem de serviço no dia 04.11.2003. Nesse mesmo dia, ao tomar conhecimento da ordem de serviço, a trabalhadora arguida informou verbalmente o Sr. FF que se recusava a ir prestar serviço no «CC» no período para que havia sido convocada, ou seja, durante o mês de Novembro. Tendo invocado como justificação para tal atitude que o seu local de trabalho era no «EE» e não no «CC». A trabalhadora arguida recusou-se a prestar serviço no «CC» no dia 05.11.2003 e em qualquer outro dia posterior do mês de Novembro, até 20.11.2003, data da elaboração da nota de culpa. Permanecendo no «EE». Desde 05.11.2003 até 20.11.2003, no «EE», com referência aos dias em que a trabalhadora arguida prestou serviço, nunca houve qualquer quarto ocupado, ou seja, nunca houve nenhum quarto para limpar, estando ao serviço para esse efeito duas funcionárias, a trabalhadora arguida e a sua colega, a Sr.a D. AA , conforme se discrimina: - 05.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 06.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 11.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 12.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 13.11.2003 -0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 18.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 19.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias - 20.11.2003 - 0 (zero) quartos, para duas funcionárias Enquanto no «CC», no mesmo período, havia os seguintes quartos para limpar para as seguintes funcionárias: - 05.11.2003 - 62 quartos, para 5 funcionárias - 06.11.2003 - 87 quartos, para 5 funcionárias - 11.11.2003 - 60 quartos, para 4 funcionárias - 12.11.2003 - 90 quartos, para 5 funcionárias - 13.11.2003 - 95 quartos, para 6 funcionárias - 18.11.2003 - 70 quartos, para 5 funcionárias - 19.11.2003 - 65 quartos, para 4 funcionárias - 20.11.2003 - 71 quartos, para 4 funcionárias A trabalhadora arguida tem antecedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada, por decisão da Gerência, de 14.02.2003, na sequência de processo disciplinar que lhe foi oportunamente instaurado, a sanção disciplinar [de suspensão] da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por 10 dias, pela mesma cumprida. 12. A autora DD apresentou a resposta à nota de culpa cuja cópia consta de fls.29 a 32 do processo 5/05.5. 13. Em 29 de Dezembro de 2003, a Ré proferiu a decisão cuja cópia consta de fls. 34 e 35 desse processo pela qual aplicou à autora DD a «sanção disciplinar de despedimento com justa causa, com efeitos imediatos», pelos fundamentos aí enunciados, tendo comunicado a mesma à Autora por carta registada com A/R, que a Autora recebeu a 31 de Dezembro de 2003. 14. As autoras são sócias do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul. 15. O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul é associado da FESHOT – Federação dos Sindicatos de Hotelaria Turismo de Portugal e outros. 16. A Ré considerou que a ocupação dos quartos do «EE» para os meses de Novembro e Dezembro de 2003 seria muito reduzida, prevendo-se vir a ser mesmo de zero quartos, nalguns desses dias, enquanto que no «CC» se previa uma ocupação anormalmente elevada, durante os referidos meses de Novembro e Dezembro, em virtude da realização de um estágio da Selecção Nacional. 17. Sendo prática corrente da Ré, sempre que as ocupações dos estabelecimentos hoteleiros o justifiquem, fazer a convocação de trabalhadores para o exercício temporário de funções noutra unidade hoteleira, a fim de atender às necessidades mais prementes de serviço, em função do índice de ocupação dos respectivos estabelecimentos. 18. No dia 4.11.2003, encontrando-se as autoras ao serviço no «EE», foi emitida e afixada pelo Sr. FF assistente de direcção do «EE», e superior hierárquico das autoras, a ordem/comunicado de serviço constante do documento junto a fls. 213 dos autos, convocando as autoras para exercer as suas funções no «CC», sendo a autora DD no mês de Novembro de 2003 e a autora AA no mês de Dezembro de 2003. 19. De acordo com a referida ordem de serviço, o transporte das trabalhadoras na ida e no regresso do «CC» seria assegurado pela carrinha do Hotel, nos dias em que teria lugar a sua prestação de serviço, ou seja, às 3.ªs, 4.ªs e 5.ªs feiras da semana. 20. As autoras tomaram conhecimento da ordem de serviço em causa, no próprio dia 4.11.2003. 21. Nesse mesmo dia, ao tomar conhecimento da ordem de serviço, a autora DD informou verbalmente o Sr. FF que se recusava a ir prestar serviço no «CC», no período para que havia sido convocada, ou seja, durante o mês de Novembro. 22. Tendo invocado, como justificação para tal atitude, que o seu local de trabalho era no «EE» e não no «CC». 23. A autora DD recusou-se a prestar serviço no «CC» no dia 5.11.2003 e em qualquer outro dia posterior do mês de Novembro até 20.11.2003, data da elaboração da nota de culpa. 24. Permanecendo no «EE». 25. No dia 2.12.2003, a autora AA recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 26. Nesse dia, informou, verbalmente, o Sr. FF que se recusava a ir prestar serviço no «CC» no período para que havia sido convocada, ou seja, durante o mês de Dezembro. 27. Tendo invocado como justificação para tal comportamento que o seu local de trabalho era no «EE» e não no «CC». 28. No dia 3.12.2003, a autora AA recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 29. No dia 4.12.2003, a autora AA recusou-se a ir trabalhar para o «CC», tendo permanecido no «EE». 30. E em nenhum dos dias referidos compareceu no «CC» para onde foi deslocada. 31. No dia 9.12.2003, 3.ª feira, um dos dias em que a autora AA estava deslocada para ir trabalhar no «CC», não compareceu no serviço, entrando na situação de incapacidade temporária para o trabalho, por estado de doença, pelo período inicial de 3 dias, de 9.12.2003 a 11.12.2003, o qual foi posteriormente prorrogado por mais 9 dias, de 12.12.2003 a 20.12.2003. 32. Desde 5.11.2003 até 20.11.2003, no «EE», com referência aos dias em que a autora DD prestou serviço – dias 5, 6, 11, 12, 13, 18, 19 e 20 –, nunca houve qualquer quarto ocupado, ou seja, nunca houve nenhum quarto para limpar, estando ao serviço, para esse efeito, as duas funcionárias autoras. 33. Enquanto no «CC», no mesmo período, havia os seguintes quartos para limpar, para as seguintes funcionárias: - 05.11.2003 - 62 quartos, para 5 funcionárias - 06.11.2003 - 87 quartos, para 5 funcionárias - 11.11.2003 - 60 quartos, para 4 funcionárias - 12.11.2003 - 90 quartos, para 5 funcionárias - 13.11.2003 - 95 quartos, para 6 funcionárias - 18.11.2003 - 70 quartos, para 5 funcionárias - 19.11.2003 - 65 quartos, para 4 funcionárias - 20.11.2003 - 71 quartos, para 4 funcionárias. 34. Nos dias 2, 3, e 4 de Dezembro de 2003, a ocupação do «EE» foi a seguinte: - 02.12.2003 – 1 quarto ocupado - 03.12.2003 – 4 quartos ocupados - 04.12.2003 – 4 quartos ocupados. 35. Sendo que, nesses mesmos dias e para limpar esses quartos, se encontravam ao serviço, no «EE», as duas Autoras. 36. Enquanto que no «CC», no mesmo período, se verificou que havia os seguintes quartos para limpar: - 02.12.2003 – 71 quartos ocupados, para 4 trabalhadoras - 03.12.2003 – 85 quartos, para 4 trabalhadoras - 04.12.2003 – 86 quartos, 4 trabalhadoras. 37. Relativamente aos seguintes dias do mês de Dezembro de 2003, a ocupação do «EE» foi a seguinte: - 09.12.2003 – 1 quarto ocupado - 10.12.2003 – 0 (zero) quartos ocupado - 11.12.2003 – 0 (zero) quartos ocupado - 16.12.2003 – 1 quarto ocupado - 17.12.2003 – 1quarto ocupado - 18.12.2003 – 2 quartos ocupados 38. Nesses mesmos dias, a ocupação do «CC» foi a seguinte: - 09.12.2003 – 37 quartos ocupados - 10.12.2003 – 49 quartos ocupados - 11.12.2003 – 60 quartos ocupados - 16.12.2003 – 93 quartos ocupados - 17.12.2003 – 87 quarto ocupados -18.12.2003 – 92 quartos ocupados 39. A autora AA tem antecedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada, por decisão da gerência de 14.02.2003, na sequência de processo disciplinar que lhe foi oportunamente instaurado, a sanção disciplinar de suspensão da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por 12 dias, que foi cumprida pela trabalhadora, nos termos que resultam dos documentos juntos a fls. 281 a 292 dos autos. 40. A autora DD tem antecedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada, por decisão da Gerência, de 14.02.2003, na sequência de processo disciplinar que lhe foi oportunamente instaurado, a sanção disciplinar [de suspensão] da prestação de trabalho, com perda de retribuição, por 10 dias, pela mesma cumprida, nos termos que resultam de fls. 263 a 265 dos autos. 41. Por escritura pública outorgada em 6 de Junho de 1994, a Ré adquiriu, à “EE Hotéis, S.A.”, o prédio urbano identificado no documento junto a fls. 216 a 112 dos autos, bem como o recheio e o direito à denominação social Lenox Country Club, nos termos constantes desse documento. 42. Ocorrendo ainda a cedência dos trabalhadores respectivos. 43. A deslocação das autoras para o «CC» não implicava para as mesmas qualquer acréscimo ou agravamento dos encargos das autoras, nem daí resultava qualquer diminuição dos proveitos das autoras. 44. As tarefas a executar no «CC» eram exactamente as mesmas. 45. Não houve mudança do horário de trabalho das autoras. 46. A R. assegurava, a suas expensas, em viatura da empresa, o transporte de ida e regresso das autoras para e do «CC». 47. Era possível o regresso diário das autoras ao seu local habitual de trabalho ou à sua residência, à mesma hora e nos termos habituais. 48. A deslocação era efectuada dentro do horário de trabalho das autoras. 49. A Ré é associada da Associação dos Hotéis de Portugal (AHP). 50. A Ré pagou, à autora DD, a quantia líquida de 387,64 €, a título de subsídio de Natal, conforme documento junto a fls. 266 do processo 5/05.5. 3. O direito Como já foi referido, apesar das recorridas serem duas, o recurso é restrito à autora DD, uma vez que o relator decidiu que não era de conhecer do mesmo relativamente à autora AA, pelo facto da decisão recorrida, no que a ela diz respeito, não ser susceptível de recurso, face ao valor da acção por ela proposta (€ 3.740,98). E, como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, as questões por ela suscitadas são as seguintes: - saber se a recusa da autora DD em cumprir a ordem que lhe foi dada pela ré, para, durante o mês de Novembro de 2003, ir trabalhar para o “CC” era, ou não, legítima; - saber se essa recusa, sendo ilegítima, constitui justa causa de despedimento; - saber se essa recusa, sendo legítima, configura um caso de abuso do direito. 3.1 Da (i)legitimidade da recusa Com interesse para esta questão, está provado que a autora DD foi admitida ao serviço da ré, em 1 de Janeiro de 1974, para, de forma subordinada, exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregada de andares, funções essas que eram prestadas no “EE”. No dia 4 de Novembro de 2003, foi emitida e afixada pelo Sr. FF assistente da direcção daquele hotel, uma ordem de serviço determinando que, durante o mês de Novembro, a autora DD iria trabalhar para o “CC”. De acordo com a referida ordem de serviço, o transporte da autora (ida e vinda) seria assegurado pela carrinha do hotel. A autora tomou conhecimento da ordem de serviço, na data em que ela foi afixada, e, logo que tomou conhecimento da mesma, informou verbalmente o Sr. FF de que se recusava a ir prestar serviço para o “CC”, alegando que esse não era o seu local de trabalho, atitude de recusa que manteve até 20.11.2003, data em que foi elaborada a nota de culpa. Recordando o que já foi dito, as partes divergiam quanto à legitimidade da ordem dada pela ré: a autora entendia que a ordem era ilegítima, por contrariar o disposto na cláusula 56.ª do CCT para o sector hoteleiro publicado no BTE n.º 33/81, nos termos da qual a deslocação temporária do trabalhador só pode ser feita com o seu acordo expresso; a ré defendia que o CCT aplicável ao caso não era o invocado pela autora, mas sim o publicado no BTE n.º 37/83, que não tinha qualquer cláusula a esse respeito, aplicando-se, pois, o disposto na lei geral. E, como já vimos também, na sentença da 1.ª instância decidiu-se que a recusa da autora era legítima, embora configurasse uma situação de abuso do direito. Ora, não tendo a ré requerido, ao abrigo do disposto no art.º 684-A, n.º 1, do CPC, nas contra-alegações da apelação, a ampliação do objecto do recurso, no que toca àquele fundamento da sentença, em que ela havia decaído, a decisão da 1.ª instância transitou em julgado, na parte em que decidiu pela legitimidade da recusa da autora em cumprir a ordem que lhe fora dada pela ré. E, tendo a sentença transitado em julgado, nessa parte, a decisão em causa passou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, por força do caso julgado material que sobre ela se formou (art.º 671.º, n.º 1, do CPC), o que impedia que a Relação tivesse reapreciado a questão da legitimidade ou não da recusa e que a ré voltasse a suscitar tal questão, no recurso de revista. E, sendo o caso julgado de conhecimento oficioso (art.os 494.º, al. i) e 495.º do CPC), há que acatar o assim decidido na 1.ª instância e tirar daí as respectivas consequências legais, quais sejam, a de que foi legítima a recusa da autora, o que consequentemente afasta a verificação da justa causa de despedimento. E, sendo assim, o objecto do recurso fique circunscrito à questão de saber se tal recusa, no contexto em que ocorreu, configura um caso de abuso do direito. 32. Do abuso do direito O conceito do abuso do direito consta do art.º 334.º do Código Civil e, como dimana do respectivo teor, o abuso do direito ocorre quando os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito são manifestamente excedidos pelo titular do direito. Nessa situação, diz o artigo, o exercício do direito é ilegítimo: “É ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas. Na verdade, como refere Almeida e Costa - (1), as normas jurídicas, porque são gerais e abstractas, disciplinam relações-tipo, atendem ao comum dos casos e, por isso, pode acontecer que um determinado preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, devido às particularidades ou circunstâncias especiais que nela ocorrem. O princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas dessas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. E haverá abuso, continua aquele autor, quando um determinado direito, em si mesmo válido, seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social. Não basta, pois, um qualquer excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Exige-se que o “excesso cometido seja manifesto” - (2)., que seja exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça” -(3) ou que haja uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” - (4), embora não seja necessário que o titular do direito tenha a consciência de que a sua conduta é contrária à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social e económico do direito exercido. A dificuldade estará em saber quando é que o exercício de determinado direito excede, e excede manifestamente, os limites da boa fé, dos bons costumes ou do seu fim social e económico, uma vez que os três conceitos utilizados pelo legislador são conceitos indeterminados. Como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 17.5.2007 - (5), caberá ao julgador fazer, caso a caso, essa aferição, tendo presente que a boa fé a que se refere o art.º 334.º é a boa fé em sentido objectivo, ou seja, tem o alcance de um princípio geral do direito (princípio normativo) que se traduz numa regra de conduta, nos termos da qual os membros de uma comunidade jurídica devem adoptar uma linha de correcção e probidade tanto na constituição de relações entre eles como no desempenho das relações já constituídas, respeitando a palavra dada e a confiança que a sua conduta incute nos outros, que os bons costumes correspondem ao conjunto de regras de convivência, de práticas de vida que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas comumente aceitam e que o fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa. Revertendo, ao caso em apreço, não vislumbramos que a recusa da autora em obedecer à ordem que lhe foi dada pela ré (reconhecido que está que tal direito existia) exceda, muito menos, clamorosamente os limites impostos pela da boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico do direito, uma vez que a autora se limitou a exercer o direito que lhe assistia, recusando, de forma imediata, a ordem que lhe foi transmitida. É certo que a ordem de serviço continha uma justificação para a deslocação aí ordenada (“devido à muita baixa ocupação prevista para os próximos meses de Novembro e Dezembro e também em virtude de férias de funcionárias de andares”) e também é certo que essa baixa de ocupação se veio a confirmar, (vide factos n.os 32 e 33). E também é verdade que na ordem de serviço se dizia que os transportes de e para o Hotel CC seriam assegurados pela carrinha do hotel, facto esse que veio a ser dado como provado (facto n.º 46). E provado ficou, também, que as deslocações da autora não implicavam quaisquer encargos ou diminuição de proveitos para ela (facto n.º 43); que as tarefas que ia executar no Hotel (6) era exactamente iguais às que realizava no Hotel EE(facto n.º 44); que não havia mudança de horário (facto n.º 45); que era possível o regresso diário das autoras ao seu local habitual de trabalho ou à sua residência, à mesma hora e nos termos habituais (facto n.º 47); que a deslocação era efectuada dentro do horário de trabalho da autora (facto n.º 48) e que os dois hotéis distavam, entre si, cerca de 10 Km (facto n.º 2). Como é óbvio, dos factos referidos resulta que a deslocação assentava em razões sérias e que dela não resultavam inconvenientes de grande monta para a autora. O único transtorno que se antolha seria o de ela ter de efectuar, todos os dias, duas viagens de cerca de 10 Km cada uma. Todavia, isso não basta para que se possa concluir que a autora incorreu em abuso do direito. Vejamos porquê. Nos termos do art.º 21.º, n.º 1, al. e), da LCT - (6). (em vigor à data em que a ordem de serviço foi emitida), é proibido à entidade patronal “[t]ransferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo o disposto no artigo 24.º”. Por sua vez, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, “[a] entidade patronal, salva estipulação em contrário, só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”. No que concerne ao local de trabalho, a regra é, pois, da inamovibilidade do trabalhador, o que bem se compreende, uma vez que visa responder a um interesse fundamental do trabalhador que se prende com a organização da sua vida pessoal e familiar. A mudança do local funciona como uma excepção àquela regra e só é permitida nos casos expressamente previstos na lei e, como já vimos, um dos casos em que aquela regra geral pode ser postergada dá-se quando a mudança não acarreta prejuízos sérios para o trabalhador. Todavia, como do teor do n.º 1 do art.º 24.º claramente emerge, a inexistência de prejuízos sérios só permite a mudança, se não houver estipulação em contrário (“salva estipulação em contrário”, diz o normativo em causa), o que significa que, existindo aquela estipulação, a transferência do trabalhador já não será possível, mesmo que esta não lhe cause prejuízos sérios (a não ser, evidentemente, nos casos em que a transferência resulta da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço). Por outras palavras, a estipulação em contrário visa neutralizar a excepção prevista na primeira parte do n.º 1 do art.º 24.º, o que significa que a existência ou inexistência de prejuízos sérios para o trabalhador deixa de ser juridicamente relevante, pois, de outro modo, a estipulação em contrário seria inútil. E, sendo assim, como se entende que é, o facto de a transferência ordenada pela ré não causar prejuízos sérios à autora não pode ser arvorado em fundamento para qualificar de abusiva a sua conduta, uma vez que a cláusula da convenção colectiva em que a 1.ª instância se baseou para julgar legítima a recusa as autora mais não era do que uma “estipulação em contrário”, relativamente à excepção prevista na primeira parte do n.º 1 do art.º 24.º da LCT, uma vez que, no seu n.º 1, expressamente se diz que “[m]ediante acordo expresso entre a entidade patronal e o trabalhador, pode este ser deslocado para posto ou local de trabalho diferente do habitual ou daquele para que foi contratado”, que vale por dizer que a deslocação só é permitida por acordo. Não estando provado esse acordo (que a ré nem sequer alegou existir), a recusa da autora nada tem de abusiva, uma vez que o direito de que era titular foi exercido dentro dos seus limites normais, ou seja, dentro dos parâmetros previstos pelos os outorgantes do CCT que foi julgado aplicável. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol _____________________________________ (1)-Direito das Obrigações, 9.ª edição revista e aumentada, p. 71. (2) - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, p. 298. (3) - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 63. (4)- Vaz Serra, Abuso do direito, in B.M.J., n.º 85, p. 253. (5) - Tirado no proc. 4479/06, da 4.ª Secção, de que foram relator e adjuntos os mesmos juízes que subscrevem este, e que seguimos de muito perto. (6)- Forma abreviada de designar o regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Dec.-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040995 Nº Convencional: JTRP00031119 Relator: CONCEIÇÃO GOMES Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO DESCRIMINALIZAÇÃO PEDIDO CÍVEL CAUSA DE PEDIR RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL RESPONSABILIDADE DO GERENTE Nº do Documento: RP200012200040995 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VALE CAMBRA Processo no Tribunal Recorrido: 318/97-5S Data Dec. Recorrida: 28/04/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO. Legislação Nacional: CPP87 ART71 ART377 N1. CP82 ART2 N2 ART12 ART129 ART314 C. CSC86 ART260. CCIV66 ART483. DL 454/91 DE 1991/12/28 ART11 N3. DL 316/97 DE 1997/11/19. LUCH ART11 ART12 ART13. Jurisprudência Nacional: ASS STJ N179 DE 1999/06/17 IN DR IS-A 1999/06/03. Sumário: I - Apesar de ter sido declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido, pelo crime de emissão de cheque sem provisão, do qual estava acusado, por força de descriminalização, pode aquele ser condenado no pedido de indemnização civil. II - A causa de pedir que deve fundamentar o pedido de indemnização civil, a formular em processo penal, tem que coincidir com os factos que, também, são pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. III - Tendo-se provado todos os elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão, só não se tendo provado a data da entrega do cheque, o que determinou a extinção da responsabilidade criminal, por descriminalização posterior, mostram-se consequentemente, provados todos os elementos constitutivos do ilícito civil, que dão lugar à responsabilidade civil extracontratual e à obrigação de indemnizar. IV - O demandado civil/arguido tendo assinado o cheque como representante legal de uma sociedade é responsável por actuação em nome de outrem. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0010823 Nº Convencional: JTRP00031103 Relator: ANDRÉ DA SILVA Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO VÍCIOS DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA REENVIO DO PROCESSO Nº do Documento: RP200012200010823 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 3 V CR PORTO Processo no Tribunal Recorrido: 135/99 Data Dec. Recorrida: 29/11/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: REENVIO DO PROCESSO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART160 ART410 N2 A. Sumário: I - Não tendo os factos constantes de relatório de perícia sobre a personalidade do arguido sido objecto de apreciação pelo tribunal, cujo acórdão é omisso em relação a eles, verifica-se o vício previsto na alínea a) do n.2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, pois a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. II - Tal vício acarreta a nulidade do acórdão e o reenvio do processo para que, em concreto, o Tribunal "a quo" possa e deva suprir tal omissão, com reflexos na determinação da culpa e na concretização da sanção. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:044637 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:3 SUBSECÇÃO DO CA Relator:MADEIRA DOS SANTOS Descritores:PENSÃO DE REFORMA FUNDO ESPECIAL DE SEGURANÇA SOCIAL PROFISSIONAIS DE BANCA DOS CASINOS SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO Sumário:I - De acordo com a Portaria n. 340/85, de 5/6, o cálculo das pensões dos beneficiários do Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais de Banca dos Casinos estava indexado ao salário mínimo nacional (SMN). II - Essa Portaria foi expressamente revogada pela Portaria n. 140/92, de 4/3, que aprovou um novo Regulamento daquele Fundo Especial, vigente a partir de 1/4/92, contendo um novo regime de cálculo das pensões cuja actualização se passou a fazer sem referência ao SMN. III - O art. 15, n. 2, do Regulamento introduzido pela Portaria n. 140/92, estabeleceu que "os montantes das pensões em curso" em 1/4/92 se manteriam inalteráveis enquanto não fossem ultrapassados pelos valores resultantes da aplicação do novo regime de fixação das pensões. IV - "Os montantes das pensões em curso" em 1/4/92 eram os efectivamente pagos e devidos nessa data, não sendo de considerar neles quaisquer acréscimos decorrentes da ulterior publicação do DL n. 50/92, de 9/4, que alterou o valor do SMN, com efeitos retroactivos a 1/1/92. Nº Convencional:JSTA00052224 Nº do Documento:SA119990708044637 Data de Entrada:10/02/1999 Recorrente:CONSELHO DIRECTIVO DO CRSS DE LISBOA E VALE DO TEJO Recorrido 1:MONNIOT , ERNESTO Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:1 Meio Processual:REC JURISDICIONAL. Objecto:SENT TAC LISBOA. Decisão:PROVIDO. Área Temática 1:JURISPRUDÊNCIA UNIFORME. Área Temática 2:DIR ADM GER - SEGURANÇA SOCIAL. Legislação Nacional:CPC96 ART713 N6. RGU APROVADO PELA PORT 340/85 DE 1985/06/05 ART2 N2 ART7 N1 B N2 ART8. RGU APROVADO PELA PORT 140/92 DE 1992/03/04 ART15 N1 N2 ART18 ART19. DL 50/92 DE 1992/04/09. Jurisprudência Nacional:AC STA PROC43873 DE 1998/10/27.; AC STA PROC43959 DE 1998/11/11.; AC STA PROC43871 DE 1998/11/17.; AC STA PROC45005 DE 1999/06/02. Aditamento: Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040762 Nº Convencional: JTRP00031123 Relator: NEVES MAGALHÃES Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA JOGO DE FORTUNA E AZAR Nº do Documento: RP200012200040762 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 2 J CR V N GAIA Processo no Tribunal Recorrido: 244/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM. DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART374 N2. DL 422/89 DE 1989/12/02 ART1 ART108. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1997/02/05 IN CJ T1 ANOXXII PAG249. AC RP DE 1995/05/24 IN CJ T3 ANOXX PAG259. AC RP IN PROC9740969 DE 1997/11/26. Sumário: I - O princípio da livre apreciação da prova não se traduz num poder arbitrário e insindicável do julgador, quanto à matéria de facto, mas sim num poder vinculado a critérios lógicos, passíveis de apreciação e controlo, através da análise da fundamentação do processo da formação da convicção do tribunal. II - O único elemento essencial do tipo legal do crime de exploração ilícita do jogo é que o resultado dependa, exclusiva ou fundamentalmente, da sorte, não podendo o jogador influenciar o resultado do jogo com a sua perícia, os seus cálculos ou as suas combinações. III - Assim, o ganho ou prejuízo de carácter económico não são elementos daquele tipo legal de crime, podendo o jogo não atribuir um prémio em dinheiro e, mesmo assim, ser um jogo de fortuna ou azar. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041452 Nº Convencional: JTRP00031124 Relator: MANSO RAÍNHO Descritores: INQUÉRITO CONSULTA DO PROCESSO Nº do Documento: RP200012200041452 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T I CR PORTO 2J Processo no Tribunal Recorrido: 3280-A/00 Data Dec. Recorrida: 27/04/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART86 N5 ART17 ART263 N1 ART262 ART267. CONST97 ART27 N1 N3 B ART32 N1. Sumário: I - É ao juiz de instrução que deve ser requerida a consulta do inquérito quando se vise reagir contra a situação de sujeição do arguido a prisão preventiva (situação e não decisão, na medida em que o arguido tanto pode reagir, imediatamente, contra a decisão que lhe impôs a prisão preventiva, como requerer depois, dentro do estabelecido na lei, a sua revogação). II - Com efeito, a consulta do inquérito para aqueles fins, prende-se directamente com os direitos, liberdades e garantias consagradas na Constituição da República Portuguesa, sendo que a aplicação daquela medida de coação, e que se pretende impugnar, é da competência de um juiz. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Seccão Criminal da Relacão do Porto: Ao arguido Paulo ..........., devidamente identificado nos autos, foi imposta pelo TIC do Porto a medida de coacção de prisão preventiva, por se ter entendido que estava fortemente indiciada a prática pelo mesmo de um crime de roubo. Em 18 de Abril de 2000 o arguido requereu ao digno Procurador-Adjunto junto do TIC do Porto a consulta do processo, para poder impugnar a medida de coacção que lhe foi aplicada. Tal pretensão foi indeferida. Em 20 de Maio de 2000 apresentou requerimento ao Mmº juiz do TIC do Porto, onde, depois de salientar que a consulta requerida ao MP fora indeferida, disse vir renovar o pedido de consulta do processo, para os aludidos fins. Posteriormente voltou a reiterar tal pedido ao Mmº juiz do TIC. Sobre estes dois requerimentos dirigidos ao TIC foi proferido despacho judicial de indeferimento da pretensão, com o seguinte fundamento: "Os autos encontram-se em fase de inquérito. Assim e nos termos do disposto no artº 66°-5 do CPP, caberá ao MºPº apreciar o requerido já que é a autoridade judiciária que preside a tal fase processual." É do assim decidido que vem interposto pelo arguido o presente recurso que, devidamente motivado, apresenta as seguintes conclusões: A) O juiz de instrução criminal na fase do inquérito tem competência para apreciar o requerimento que lhe seja dirigido pelo arguido para obter a consulta dos autos tendo em vista impugnar o despacho que imponha as medidas de coacção; B) O despacho recorrido, que não admitiu a consulta dos autos, remetendo a decisão para o MºPº (que já a tinha indeferido) tendo em vista o arguido recorrer ou sindicar o despacho recorrido, é ilegal porque violou o "princípio da igualdade de armas" entre o MºPº e a defesa, consagrado no n° 1 do artº 32° da CRP; C) O despacho recorrido violou o princípio do contraditório consignado no n° 5 do artº 32° da CRP; D) O nº 1 do artº 86° e o n° 2 do artº 89° do CPP que impedem a consulta dos autos são inconstitucionais porque violam as garantias de defesa consagradas no n° 1 do artº 32° da CRP; F) O arguido e seu defensor têm o direito de consulta dos autos, na fase de inquérito, tendo em vista impugnar ou sindicar o despacho que decrete as medidas de coacção. Termina dizendo que deve ser revogado o despacho recorrido, decidindo-se que o juiz de instrução na fase de inquérito tem competência para apreciar o requerimento que lhe seja dirigido para obter a consulta dos autos tendo em vista impugnar o despacho que imponha as medidas de coacção e o arguido tem o direito de consulta dos autos para os aludidos e supra mencionados fins. O digno Procurador-Adjunto apresentou resposta ao recurso, onde concluiu pela procedência do mesmo no que tange à questão da competência para apreciar o requerimento de consulta dos autos, e pela improcedência no mais. Nesta Relação o Exmo Procurador Geral-Adjunto limitou-se a dizer que nada de relevante tinha a acrescentar à resposta do MºPº, no que toca à apreciação pelo JIC do requerimento do arguido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir hic et nunc: Conforme se constata das conclusões do recurso, duas são as questões que o recorrente vem colocar à decisão deste tribunal: a de saber se o juiz de instrução tem competência para apreciar o pedido tendente à consulta do inquérito com vista à impugnação do despacho que determinou a sua prisão preventiva, e a de saber se o recorrente goza do direito de consulta do inquérito nos termos (irrestritos) que defende. Mas importa liminarmente chamar a atenção para o excesso de objecto do recurso. Efectivamente, no que respeita à aludida segunda questão versada no recurso, este tribunal ad quem não pode sobre ela incidir, por isso que, sob pena de suprimir a primeira instância decisória e de se substituir a esta, não se pode pronunciar sobre uma decisão que não chegou a ser proferida. Donde, a única questão que compete decidir é a de saber se o tribunal recorrido tem competência para apreciar o requerimento que lhe foi apresentado pelo arguido. De resto, sempre esta Relação estaria claramente impossibilitada de se pronunciar sobre a aludida questão, na medida em que, sendo certo e seguro que o acesso aos autos de inquérito jamais poderá ter o carácter irrestrito que o recorrente lhe empresta (o interesse também atendível da aquisição, conservação ou veracidade da prova pode condicionar esse acesso), não temos disponíveis os necessários elementos processuais que permitam aferir do eventual interesse em restringir tal acesso. Isto posto: A nosso ver é ao juiz de instrução que deve ser requerida a consulta do inquérito quando, como é o caso, se vise reagir contra a situação de sujeição a prisão preventiva (dizemos situação e não decisão, na medida em que o arguido tanto pode reagir imediatamente contra a decisão que lhe impôs a prisão preventiva, como requerer depois, dentro do estabelecido na lei, a sua revogação). E porquê? Pelo seguinte: É certo que o inquérito é dirigido pelo MºPº (artº 263° nº 1 do CPP) e que é o MºPº a autoridade judiciária que preside a uma tal fase. Donde, resultaria que só o MºPº teria poderes decisórios no âmbito do inquérito. Mas sabemos bem que não é assim. Há inúmeros actos a praticar no decurso do inquérito e que têm que ser levados a cabo pelo juiz de instrução, ou por este autorizados. O que está verdadeiramente e exclusivamente cometido ao MºPº nessa fase processual são os actos de investigação e recolha de provas, nos termos fixados designadamente nos artºs 262° e 267° do CPP). Ao juiz de instrução compete exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (artº 17° do CPP). Ao conjunto dos tribunais compete exercer as funções jurisdicionais, sendo estas objectivadas nos termos do nº 2 do artº 202° da CRP. Deste modo, compete aos tribunais, designadamente, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Já ao MºPº, sendo embora um orgão de administração da justiça (v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág 368), não estão deferidas funções definidoras de direitos. Ora, como bem se salienta na resposta do MºPº, a questão suscitada pelo recorrente - consulta do inquérito para os fins anunciados - prende-se directamente com os direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (v. artº 27º, nºs 1 e 3 b) e 32°, n° 1), sendo que a aplicação da medida de coacção que o recorrente pretende impugnar é da competência de um juiz. Estamos assim perante uma situação de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Nem outra é a doutrina autorizada de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal III, pag 72): é ao juiz que está cometida, no inquérito, a prática dos actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais de quem os requer. No caso vertente está em questão justamente um direito fundamental, o direito à liberdade, para cuja actuação o recorrente entende ter necessidade de consultar o inquérito. O n° 5 do artº 86° do CPP, aludido no despacho recorrido, pressupõe certamente que a autoridade judiciária que preside à fase processual respectiva tenha competência para a prática do acto. Se, como é o caso, do que se trata é do exercício de um direito fundamental, é ao juiz de instrução que compete legalmente conhecer da existência desse direito. Procede pois, nesta parte, o recurso. Decisão: Pelo exposto acordam os juizes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência revogam o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que aprecie o requerimento do arguido. Sem custas de recurso. Este documento foi elaborado e integralmente revisto pelo relator (artº 94°, nº 2 do CPP). Porto, 20 de Dezembro de 2000 José Inácio Manso Raínho Pedro dos Santos Gonçalves Antunes José Alcides Pires Neves Magalhães
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011189 Nº Convencional: JTRP00031105 Relator: ANDRÉ DA SILVA Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PRAZO Nº do Documento: RP200012200011189 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T I CR PORTO 3J Processo no Tribunal Recorrido: 949/99 Data Dec. Recorrida: 15/06/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART68 N2 ART246 N4. CPC96 ART289. Sumário: Arquivado o inquérito por ilegitimidade do Ministério Público para a sua prossecução, resultante de a denunciante de crime dependente de acusação particular (injúrias) não ter requerido a constituição de assistente no prazo referido no n.2 do artigo 68 do Código de Processo Penal, nada obsta a que se reinstaure o procedimento criminal dentro do prazo legal do exercício do direito de queixa, admitindo-se então a constituição de assistente requerida pela ofendida. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011259 Nº Convencional: JTRP00031130 Relator: CLEMENTE LIMA Descritores: ARMA NÃO PROIBIDA JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA Nº do Documento: RP200012200011259 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC Tribunal Recorrido: 1 J CR VIANA CASTELO Processo no Tribunal Recorrido: 305/99 Data Dec. Recorrida: 05/07/1999 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE. Legislação Nacional: CP95 ART275 ART1. DL 207-A/75 DE 1975/04/17 ART1 ART2 ART3. L 29/97 DE 1997/06/29 ART1. DL 37313 DE 1949/02/21 ART41. CPP98 ART445 N3. Jurisprudência Nacional: ASS STJ N2/98 DE 1998/11/04 IN DR IS-A 1998/12/17. AC RE DE 1986/11/04 IN BMJ N363 PAG615. AC RL DE 1984/07/27 IN BMJ N346 PAG296. AC RL DE 1984/10/17 IN BMJ N347 PAG447. AC RP DE 1986/11/26 IN BMJ N361 PAG603. AC STJ DE 1993/06/03 IN CJSTJ T3 ANOI PAG191. AC RP DE 1986/04/30 IN BMJ N356 PAG442. AC STJ N3/97 DE 1997/02/06 IN DR IS-A 1997/03/06. Sumário: I - Declarar uma arma proibida, por resultar de uma transformação de uma pistola de gás, traduz-se no alargamento do elenco legal das armas proibidas, com base num critério não estabelecido na lei, o que implica uma clara violação do princípio da legalidade consignado, maxime, no artigo 1 do Código Penal. II - Com efeito, o legislador fez a incontornável opção de elencar, em concreto, as armas de defesa e, também, as armas proibidas, pelo que não podem ter-se como armas proibidas senão as armas de fogo que, de forma expressa, a lei estabelece como tal. III - Por outro lado, nem do artigo 41 do Decreto-Lei n.37313, de 21 de Fevereiro de 1949, nem de qualquer outra disposição legal, decorre a proibição do manifesto de uma pistola de calibre 6,35 milímetros, resultante de transformação de uma arma de gás. IV - Assim, divergindo-se da jurisprudência firmada no Assento n.2/98, não constitui arma proibida uma arma de fogo, de calibre 6,35 milímetros, resultante de uma adaptação, ou transformação, clandestina de uma arma de gás, de 8 milímetros. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0041216 Nº Convencional: JTRP00031122 Relator: DIAS CABRAL Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL DESPACHO A DESIGNAR DIA PARA JULGAMENTO DESPACHO DE PRONÚNCIA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO Nº do Documento: RP200012200041216 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J MIRANDELA Processo no Tribunal Recorrido: 159/95 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: PROVIDO. Área Temática: DIR CRIM. DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CP82 ART119 N1 B ART120 N1 C. CPP87 ART311 ART313. Jurisprudência Nacional: AC STJ IN DR IS-A 1997/04/07. AC RP IN PROC9741135 DE 1998/01/28. AC RP IN PROC9841151 DE 1998/02/04. AC STJ DE 2000/01/13 IN CJSTJ T1 ANOVIII PAG182. AC STJ DE 2000/02/10 IN CJSTJ T1 ANOVIII PAG208. Sumário: O despacho que recebe a acusação e designa dia para julgamento é um despacho "equivalente" ao despacho de pronúncia e a sua notificação ao arguido suspende e interrompe a prescrição do procedimento criminal. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040750 Nº Convencional: JTRP00031126 Relator: FRANCISCO MARCOLINO Descritores: CRIME DE PERIGO CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE CONCORRÊNCIA DESLEAL CONSUMAÇÃO Nº do Documento: RP200012200040750 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR PAREDES Processo no Tribunal Recorrido: 150/98 Data Dec. Recorrida: 08/03/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CONC. Legislação Nacional: CPI95 ART260 A. CPI40 ART212 N1 ART213. Sumário: I - O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico. II - Também é um crime permanente, e não um crime de efeitos permanentes, pois as suas execução e consumação prolongam-se no tempo. III - Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se elas se tivessem verificado no momento da última conduta. IV - No caso de concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão. V - No caso concreto, enquanto o arguido não retirou o cartaz ou logotipo, que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação daquele o retirar, sob pena de o crime estar em contínua consumação. VI - Não se coloca, deste modo, no caso concreto, um problema de aplicação da lei no tempo já que, sendo o cartaz ou logotipo retirado na vigência da lei nova - Código da Propriedade Industrial vigente -, é esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No 1º Juízo Criminal da Comarca de Paredes, foi o arguido ARMINDO ..........., filho de José ......... e de Laura ......, natural da freguesia de ...., concelho de Felgueiras, nascido a ../../...., casado, comerciante, residente na Rua ......, ......, Felgueiras, pronunciado como autor material de um crime de concorrência: desleal, previsto e punível pelo art. 260.º, alínea a) do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro. A final, veio a ser condenado, como autor do aludido crime, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 2.000$00 (dois mil escudos), o que perfaz o total de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos), sendo absolvido do pedido de indemnização civil. Inconformado, interpôs recurso o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Estamos em face de um crime de efeitos permanentes e não em face de um crime permanente, pelo que o evento ocorreu no domínio do Código da Propriedade Industrial de 1940 e não no de 1995, devendo o arguido ser absolvido por aplicação da amnistia prevista no art.º7.º, al. d), da Lei 29/99, de 12 de Maio; 2. Mas se, - o que apenas se concebe por cautela de patrocínio - se entender que o crime é permanente, então o seu espaço de tempo é um só e não dois, pelo que lhe deve ser aplicada a lei concretamente mais favorável- o CPI de 1940 - por levar á aplicação da Lei da Amnistia: a acção e não a omissão ocorreu toda ao abrigo da lei velha; 3. Em qualquer dos casos o Tribunal "a quo" aplicou retroactivamente a lex severior, violando, designadamente o n.º4 do art.º2.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º4 do art.º2.º do Código Penal vigente; 4. Há insuficiência da matéria de fato para a decisão de direito, pois na sentença do tribunal "a quo" limitou-se a enunciar um conceito legal - o acto susceptível de criar confusão - sem discriminar os factos materiais e concretos dos quais se deduza haver susceptibilidade legal de confusão 5. Há contradição insanável na fundamentação da sentença, pois deu-se simultaneamente como provado ter-se praticado acto susceptível de causar confusão para os consumidores e como não provado que os consumidores se tenham confundido. 6. O Tribunal "a quo" fez uma alteração do enquadramento jurídico constante da pronúncia - da alínea a) para o corpo do art.º 260º do Código da Propriedade Industrial de 1995 - sem ter dado ao arguido oportunidade de se defender da nova incriminação, pelo que foi violado o art.o 358°, n.º 3, do CPP; 7. O Tribunal recorrido cindiu artificialmente os elementos figurativo e gráfico do cartaz, reclamo ou logotipo, pelo que dividiu um evento indivisível para decidir que o elemento figurativo foi imitado do da L....; 8. O Tribunal recorrido não fez a distinção entre o risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores, pelo que, por erro de interpretação do art.º 260°, al. a), do CPI, caiu em erro de julgamento; e 9. Cabe sempre, em caso de dúvida deste Mui Digno e Venerando Tribunal da Relação do Porto, o reenvio prejudicial dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Contra alegou o M.º P.º, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. A douta sentença ora em recurso captou com rigor a prova produzida na audiência de julgamento. 2. E operou uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito. 3. Também a pena aplicada ao arguido se nos afigura justa e adequada, tendo sido devidamente ponderados os critérios do artigo 70° e as circunstâncias do artigo 71° do Código Penal. 4. Não foram violadas quaisquer disposições legais na douta sentença recorrida. Neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, e realizada a audiência com observância do pertinente formalismo legal, cumpre apreciar e decidir. O arguido, nas suas conclusões, levanta as seguintes questões: 1. Qual a lei aplicável no tempo e, no caso de se concluir pela aplicação do revogado CPI, a infracção deve ser declarada amnistiada; 2. Insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição nos factos dados como provados e não provados; 3. Alteração da incriminação constante da pronúncia, sem que ao arguido tenha sido dada a possibilidade de se defender; 4. Erro de julgamento por haverem sido cindidos os elementos figurativo e gráfico do cartaz, não se fazendo a distinção entre risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores. 5. Reenvio dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades, em caso de dúvida, para se saber se há risco de confusão, conforme a define a Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988. A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1. O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA, com sede na ......, freguesia de ........., concelho de ...... . 2. Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros. 3. Por inerência do exercício dessas funções e à efectiva profissão de industrial têxtil, possui o arguido inteiro conhecimento do conteúdo das grandes normas reguladoras do exercício desta actividade, conhecendo para além do mais, o renome transnacional e as características figurativas de diversas marcas reconhecidamente internacionais e de âmbito planetário. 4. A referida sociedade F...., gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T.........., sito no ......, na cidade de P..... . 5. Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992 - conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram. 6. As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L...... & Co, com sede em ...., em ......, ....., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ......., n.º....., Lisboa. 7. Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria. 8. Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L...... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja (ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P..... 9. O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F...... . 10. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções. 11. Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas. 12. Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei. 13. O arguido não tem antecedentes criminais. 14. O arguido é licenciado em medicina e chegou a exercer a actividade de médico. 15. O arguido iniciou negócios de pronto a vestir em Abril de 1994, tendo entretanto deixado de exercer a actividade de médico para se dedicar integralmente às confecções como comerciante. 16. Encontra-se inserido na sociedade e no ramo da actividade têxtil a que actualmente se dedica. 17. O arguido vive em casa própria, com sua mulher e dois filhos menores estudantes. A sua mulher, que também é sócia-gerente da F......, LDA, trabalha como médica clínica geral no posto médico do Centro de Saúde de ...... . 18. O arguido e sua mulher são os únicos sócios e gerentes da F...... . 19. O estabelecimento comercial que a F...... possui na cidade de P... abriu ao público em Julho de 1994 e continua a sua actividade de venda de roupa até à presente data. 20. A F...... possui diversos estabelecimentos comerciais de venda de roupa, designadamente em P...., L..., F... e Po..... . 21. A F....... jamais vendeu quaisquer artigos de marca L... nos seus estabelecimentos de nome T...... . 22. Um par de calças de ganga vendido pela F...... custa cerca de um terço do preço de um par de calças de ganga de marca L..... . 23. A clientela que procura calças de ganga L.... não desenha ou descreve o elemento figurativo de tal marca para dizer o que pretende. 24. A decoração das lojas T..... contrasta com a decoração das lojas dos revendedores autorizados de produtos da marca L..... . 25. A sucursal portuguesa da sociedade L........ de Espana, S.A. tem por objecto, entre o mais, a confecção, distribuição e comercialização em geral, incluindo a compra e venda, importação e exportação em Portugal de todo o tipo de roupas de vestir . E considerou não provados os seguintes factos: 1. Em virtude de utilizar o logotipo supra descrito, o arguido vendesse os seus produtos mais caros. 2. O arguido tenha desviado clientela da L...... & Co, clientela essa que, tomando em conta os preços mais baixos praticados na referida loja T...., deixou de comprar alguns artigos directamente aos revendedores autorizados da L...... & Co. 3. Os únicos produtos similares entre a F...... e as ofendidas sejam calças de ganga. 4. A clientela que procura calças de ganga L.... ou de outra marca equivalente não vai aos estabelecimentos T..... . Para podermos responder a todas as questões postas pelo arguido nas suas conclusões, importa, antes de mais qual o tipo de crime que o arguido cometeu. O arguido foi pronunciado, e condenado, pela prática de um crime de concorrência desleal p. e p. pelo art.º 260°, al. a) do CPI, aprovado pelo DL 16/95, de 24 de Janeiro. Contrapõe que, atendendo a que a sua conduta teve o início em Julho de 1994 e cessou em Maio de 1997, o ilícito se consumou no domínio da anterior legislação - CPI aprovado pelo DL 30.679, de 24/08. No que para os autos interessa, dispunha o corpo e o n.º 1 do art.º 212° do CPI revogado: "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica. São como tais expressamente proibidos: 1. Todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado". Esta conduta era punida, nos termos do art.º 213°, com a pena de multa, que poderia agravar-se com prisão de 15 dias a 6 meses. Por seu turno, o corpo e a al. a) do art.º 260º do CPI V, dispõem: "Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um beneficio ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) Os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os Serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado; Será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias". Se compararmos o n.º 1 do art.º 212° com a al. a) do art.º 260º, logo constatamos que as suas redacções são coincidentes. Em ambos os preceitos se pune a concorrência desleal, havendo agora uma definição, em nossa opinião, mais precisa. Coincidem os elementos do tipo, salvo no que tange ao dolo, em que hoje se exige um dolo específico. "A repressão da concorrência desleal configura-se como a reacção da lei contra a inobservância de um dever geral de proceder honesta e correctamente na luta mercantil..." - Tolda Pinto e Reis Bravo, "Colectânea de Legislação Penal Extravagante", pg. 517. Ou, como se diz no Ac. da RC de 25/9/97, CJ, ano XXII, tomo 5, pg. 43: "O bem jurídico aqui especialmente tutelado é, pois, o interesse privado, individual do concorrente, isto é, do titular dos direitos privativos da propriedade industrial, eventualmente atingido ou lesado pelos actos da concorrência desleal, conquanto reflexamente se proteja também o interesse comunitário e do estado em que a concorrência se processe lealmente, valor fundamental do direito económico vigente, constitucionalmente consagrado (art.º 81°, al. t) do Constituição Política)". Importa, pois, averiguar quais são os direitos privativos da propriedade industrial. Nos termos do art.º 1° do Código da Propriedade Industrial (CPI), "a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal". Segundo o Dr. Carlos Olavo, in "Propriedade Industrial", pg.11, o Direito de Propriedade Industrial "corresponde à necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, feita essencialmente por duas formas: por um lado, a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais, e, por outro, a imposição de determinados deveres no sentido dos vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente". Ou, como diz em Parecer publicado na CJ, Ano XII, tomo 1, pg. 16, "A propriedade industrial reconduz-se, essencialmente a duas ordens de ideias: - A atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais; - A imposição de determinados deveres. Esses deveres representam, em linhas gerais, uma obrigação de proceder honestamente no exercício da actividade económica, e a respectiva violação dá lugar à chamada concorrência desleal. Quanto à primeita das duas indicadas ordens de ideias, aí se integram os direitos privativos da propriedade industrial. O Código de Processo Industrial contempla várias dessas figuras", como por ex., a marca, que é o que interessa para o caso dos autos. A Marca, diz-nos o mesmo autor, é "o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor" - CJ Ano XII, tomo 2, pg. 21. "1. A marca pode ser constituída por um sinal ou um conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. 2. A marca pode igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo" – art.º 165° do CPI. (cfr. art.º 143° do CPI revogado). Como se vê do citado preceito legal, a marca visa distinguir produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. "Pode-se, pois, concluir que, em termos jurídicos, a função da marca se reconduz a uma indicação da proveniência" - A e loc. citados. A propriedade de uma marca adquire-se através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - art.º 167º do CPI. Como se referiu, quando se pratiquem actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento ou produtos, verificando se os demais elementos do tipo, comete-se o crime de concorrência desleal. E os demais elementos são: A existência de um acto de concorrência; Que esse acto seja contrário às normas e usos honestos; De qualquer ramo de actividade; Que o agente actue com dolo específico (no CPI vigente), consistindo este na intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar, para si ou para terceiro, um beneficio ilegítimo. Cotejando a matéria de facto apurada temos que: O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA., com sede na ............, freguesia de ........., concelho de...... Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros. A referida sociedade F......, gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T......, sito no ........., na cidade de P...... . Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992- conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram. As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L......... & Co, com sede em ............, em ..........., ........., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ........, Lisboa. Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria. Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L..... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... . O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F....... . O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções. Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas. Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Da matéria fáctica apurada, dúvidas não há que o arguido cometeu o crime de concorrência desleal ( o que até parece nem pôr em questão salvo na última conclusão ). Com efeito, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas concorrentes, no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... . E por imitação entende-se, nos termos da al. c) do art.º 193° do CPI, a semelhança gráfica, figurativa ou fonética, que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto. Tal definição legal, adiante-se desde já, e para resposta ao pedido de reenvio prejudicial, que não se determinará, por ausência de dúvidas, em nada contende com a Directiva citada, antes vai ao seu encontro, como vai de encontro à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, citado nas alegações de recurso. Confrontando as fotografias de fls. 450 com as de fls. 116 e 117, e com o logotipo constante do pedido de registo de marca, dúvidas não temos, como as não teve o Sr. Juiz "a quo", de que se trata de uma imitação já que a semelhança gráfica e figurativa (e não é necessário que seja também fonética, podendo perfeitamente fazer-se a cisão, salvo se esta neutralizar por completo a imitação) é de tal modo evidente que pode induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor . Tal imitação traduz-se num acto de concorrência, contrário às normas e usos honestos, tendo o arguido actuado com dolo específico. Logo, cometeu o crime de concorrência desleal. Por qual dos regimes deve ser condenado o arguido? O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico ( actos susceptíveis de criar). Não se exige, pois, que haja uma efectiva confusão pelo que, e adiantando, não é nada contraditório o facto de se dar como provado que o acto é susceptível de causar confusão aos consumidores e como não provado que se tenham confundido. Uma coisa é distinta da outra e para a consumação do crime, repete-se, é suficiente a primeira. Mas é também um crime permanente e não, como defende o arguido um crime de efeitos permanentes. Nos crimes permanentes verifica-se que a execução e consumação do delito se prolongam no tempo - Cavaleiro de Ferreira, "Lições", pg. 168. "Tipos de crimes permanentes são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo.... Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de caracteristico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que, corresponde à permanência ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compressão de bens ou interesses juridicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. A existência deste dever, naturalmente ligada à natureza dos bens jurídicos protegidos, distingue o crime permanente dos chamados crimes de efeitos permanentes - , v. g. o furto. Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair-se da cosumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa." - Eduardo Correia in "Direito Criminal", I, pgs. 309 e 310. Ou ainda, como refere Jescheck in "Tratado de Derecho Penal", I, pg. 357: "En los delitos permanentes el mantenimento dei estado ântijurídico cerrado por la acción punible depende de la voluntad del autor, de manera que, en cierto modo, el hecho se renova continuamente" . Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação juridica de todas as condutas como se todas elas se tivessem verificado no momento da última conduta. No caso da concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão existir . Isto é, enquanto o arguido não mandou retirar o cartaz ou logotipo que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação de o arguido o retirar sob pena de o crime estar em contínua consumação. Em cada dia os consumidores eram susceptíveis de serem confundidos. A consumação não se esgotou com a colocação do cartaz ou logotipo. Antes diariamente os consumidores passaram a vê-lo. Pela existência daquela obrigação - da remoção - é que o crime é permanente e não de efeitos permanentes, como o seria se inexistisse essa obrigação. A doutrina do prof Eduardo Correia, que o arguido cita em abono da sua tese ( e a dos outros autores por nós citados) é clara no sentido do texto. Ora, são doutrina e jurisprudência uniformes que, no caso dos crimes permanentes, " Aplica-se sempre a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da mesma lei. Não há, verdadeiramente, aqui qualquer problema, visto que no domínio da lei nova foram praticados actos integradores do crime" - Maia Gonçalves in "Código Penal Português", VIII ed., pg. 183. "Assim, admitindo-se o carácter unitário dos crimes permanentes ... a lei aplicável no momento da perpetração da infracção será a que vigorava no momento em que a última conduta foi praticada" - Cavaleiro de Ferteira, ob. cit., pg. 169. Não se coloca, pois, no caso sub júdice um problema de aplicação da lei no tempo já que, tendo o cartaz ou logotipo sido retirado apenas em Maio de 1997, e portanto no domínio do CPI hoje vigente, é sempre esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga. Assim, não há que falar em violação do princípio da não retroactividade da lei penal. Sendo o crime, em abstracto, punível com pena de prisão superior a um ano, não está amnistiada a infracção . Por outro lado, entende-se que a matéria de facto é suficiente para a condenação já que nela se faz referência a cores idênticas, remetendo-se para as fotografias juntas aos autos, bem como para o pedido de registo de marca. E do seu confronto, dúvidas não há relativamente à imitação, até pela semelhança geométrica dos cartazes. Tem-se dificuldades em entender o alcance da conclusão F. É que a alínea a) do art.º 260° do CPI está, obviamente, subordinada ao corpo ( e à parte final onde se prevê a pena) do artigo. E o arguido foi condenado também pela alínea a), embora, e obviamente, se tivesse de apurar dos elementos do tipo, estes constantes do corpo do artigo. De resto, as alíneas do preceito são meramente exemplificativas, pelo que até se poderia recorrer a outra situação, desde que verificados os pressupostos constantes do tipo. Destarte, nenhuma alteração - substancial ou não - houve da pronúncia. Finalmente, ao entender o tribunal "a quo", como o entende este tribunal, que há risco de confusão, implicitamente afasta o risco de associação de ideias dos consumidores, sendo aquela uma situação mais grave, relativamente a esta. DECISÃO: Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida. O arguido pagará 4 Ucs de taxa de justiça. Porto, 20 de Dezembro de 2000 Francisco Marcolino de Jesus Joaquim Manuel Esteves Marques António Manuel Clemente Lima Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0040750 Nº Convencional: JTRP00031126 Relator: FRANCISCO MARCOLINO Descritores: CRIME DE PERIGO CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE CONCORRÊNCIA DESLEAL CONSUMAÇÃO Nº do Documento: RP200012200040750 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 J CR PAREDES Processo no Tribunal Recorrido: 150/98 Data Dec. Recorrida: 08/03/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR CONC. Legislação Nacional: CPI95 ART260 A. CPI40 ART212 N1 ART213. Sumário: I - O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico. II - Também é um crime permanente, e não um crime de efeitos permanentes, pois as suas execução e consumação prolongam-se no tempo. III - Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se elas se tivessem verificado no momento da última conduta. IV - No caso de concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão. V - No caso concreto, enquanto o arguido não retirou o cartaz ou logotipo, que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação daquele o retirar, sob pena de o crime estar em contínua consumação. VI - Não se coloca, deste modo, no caso concreto, um problema de aplicação da lei no tempo já que, sendo o cartaz ou logotipo retirado na vigência da lei nova - Código da Propriedade Industrial vigente -, é esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto No 1º Juízo Criminal da Comarca de Paredes, foi o arguido ARMINDO ..........., filho de José ......... e de Laura ......, natural da freguesia de ...., concelho de Felgueiras, nascido a ../../...., casado, comerciante, residente na Rua ......, ......, Felgueiras, pronunciado como autor material de um crime de concorrência: desleal, previsto e punível pelo art. 260.º, alínea a) do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro. A final, veio a ser condenado, como autor do aludido crime, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 2.000$00 (dois mil escudos), o que perfaz o total de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos), sendo absolvido do pedido de indemnização civil. Inconformado, interpôs recurso o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. Estamos em face de um crime de efeitos permanentes e não em face de um crime permanente, pelo que o evento ocorreu no domínio do Código da Propriedade Industrial de 1940 e não no de 1995, devendo o arguido ser absolvido por aplicação da amnistia prevista no art.º7.º, al. d), da Lei 29/99, de 12 de Maio; 2. Mas se, - o que apenas se concebe por cautela de patrocínio - se entender que o crime é permanente, então o seu espaço de tempo é um só e não dois, pelo que lhe deve ser aplicada a lei concretamente mais favorável- o CPI de 1940 - por levar á aplicação da Lei da Amnistia: a acção e não a omissão ocorreu toda ao abrigo da lei velha; 3. Em qualquer dos casos o Tribunal "a quo" aplicou retroactivamente a lex severior, violando, designadamente o n.º4 do art.º2.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º4 do art.º2.º do Código Penal vigente; 4. Há insuficiência da matéria de fato para a decisão de direito, pois na sentença do tribunal "a quo" limitou-se a enunciar um conceito legal - o acto susceptível de criar confusão - sem discriminar os factos materiais e concretos dos quais se deduza haver susceptibilidade legal de confusão 5. Há contradição insanável na fundamentação da sentença, pois deu-se simultaneamente como provado ter-se praticado acto susceptível de causar confusão para os consumidores e como não provado que os consumidores se tenham confundido. 6. O Tribunal "a quo" fez uma alteração do enquadramento jurídico constante da pronúncia - da alínea a) para o corpo do art.º 260º do Código da Propriedade Industrial de 1995 - sem ter dado ao arguido oportunidade de se defender da nova incriminação, pelo que foi violado o art.o 358°, n.º 3, do CPP; 7. O Tribunal recorrido cindiu artificialmente os elementos figurativo e gráfico do cartaz, reclamo ou logotipo, pelo que dividiu um evento indivisível para decidir que o elemento figurativo foi imitado do da L....; 8. O Tribunal recorrido não fez a distinção entre o risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores, pelo que, por erro de interpretação do art.º 260°, al. a), do CPI, caiu em erro de julgamento; e 9. Cabe sempre, em caso de dúvida deste Mui Digno e Venerando Tribunal da Relação do Porto, o reenvio prejudicial dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Contra alegou o M.º P.º, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. A douta sentença ora em recurso captou com rigor a prova produzida na audiência de julgamento. 2. E operou uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito. 3. Também a pena aplicada ao arguido se nos afigura justa e adequada, tendo sido devidamente ponderados os critérios do artigo 70° e as circunstâncias do artigo 71° do Código Penal. 4. Não foram violadas quaisquer disposições legais na douta sentença recorrida. Neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, e realizada a audiência com observância do pertinente formalismo legal, cumpre apreciar e decidir. O arguido, nas suas conclusões, levanta as seguintes questões: 1. Qual a lei aplicável no tempo e, no caso de se concluir pela aplicação do revogado CPI, a infracção deve ser declarada amnistiada; 2. Insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição nos factos dados como provados e não provados; 3. Alteração da incriminação constante da pronúncia, sem que ao arguido tenha sido dada a possibilidade de se defender; 4. Erro de julgamento por haverem sido cindidos os elementos figurativo e gráfico do cartaz, não se fazendo a distinção entre risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores. 5. Reenvio dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades, em caso de dúvida, para se saber se há risco de confusão, conforme a define a Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988. A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1. O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA, com sede na ......, freguesia de ........., concelho de ...... . 2. Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros. 3. Por inerência do exercício dessas funções e à efectiva profissão de industrial têxtil, possui o arguido inteiro conhecimento do conteúdo das grandes normas reguladoras do exercício desta actividade, conhecendo para além do mais, o renome transnacional e as características figurativas de diversas marcas reconhecidamente internacionais e de âmbito planetário. 4. A referida sociedade F...., gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T.........., sito no ......, na cidade de P..... . 5. Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992 - conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram. 6. As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L...... & Co, com sede em ...., em ......, ....., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ......., n.º....., Lisboa. 7. Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria. 8. Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L...... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja (ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P..... 9. O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F...... . 10. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções. 11. Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas. 12. Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei. 13. O arguido não tem antecedentes criminais. 14. O arguido é licenciado em medicina e chegou a exercer a actividade de médico. 15. O arguido iniciou negócios de pronto a vestir em Abril de 1994, tendo entretanto deixado de exercer a actividade de médico para se dedicar integralmente às confecções como comerciante. 16. Encontra-se inserido na sociedade e no ramo da actividade têxtil a que actualmente se dedica. 17. O arguido vive em casa própria, com sua mulher e dois filhos menores estudantes. A sua mulher, que também é sócia-gerente da F......, LDA, trabalha como médica clínica geral no posto médico do Centro de Saúde de ...... . 18. O arguido e sua mulher são os únicos sócios e gerentes da F...... . 19. O estabelecimento comercial que a F...... possui na cidade de P... abriu ao público em Julho de 1994 e continua a sua actividade de venda de roupa até à presente data. 20. A F...... possui diversos estabelecimentos comerciais de venda de roupa, designadamente em P...., L..., F... e Po..... . 21. A F....... jamais vendeu quaisquer artigos de marca L... nos seus estabelecimentos de nome T...... . 22. Um par de calças de ganga vendido pela F...... custa cerca de um terço do preço de um par de calças de ganga de marca L..... . 23. A clientela que procura calças de ganga L.... não desenha ou descreve o elemento figurativo de tal marca para dizer o que pretende. 24. A decoração das lojas T..... contrasta com a decoração das lojas dos revendedores autorizados de produtos da marca L..... . 25. A sucursal portuguesa da sociedade L........ de Espana, S.A. tem por objecto, entre o mais, a confecção, distribuição e comercialização em geral, incluindo a compra e venda, importação e exportação em Portugal de todo o tipo de roupas de vestir . E considerou não provados os seguintes factos: 1. Em virtude de utilizar o logotipo supra descrito, o arguido vendesse os seus produtos mais caros. 2. O arguido tenha desviado clientela da L...... & Co, clientela essa que, tomando em conta os preços mais baixos praticados na referida loja T...., deixou de comprar alguns artigos directamente aos revendedores autorizados da L...... & Co. 3. Os únicos produtos similares entre a F...... e as ofendidas sejam calças de ganga. 4. A clientela que procura calças de ganga L.... ou de outra marca equivalente não vai aos estabelecimentos T..... . Para podermos responder a todas as questões postas pelo arguido nas suas conclusões, importa, antes de mais qual o tipo de crime que o arguido cometeu. O arguido foi pronunciado, e condenado, pela prática de um crime de concorrência desleal p. e p. pelo art.º 260°, al. a) do CPI, aprovado pelo DL 16/95, de 24 de Janeiro. Contrapõe que, atendendo a que a sua conduta teve o início em Julho de 1994 e cessou em Maio de 1997, o ilícito se consumou no domínio da anterior legislação - CPI aprovado pelo DL 30.679, de 24/08. No que para os autos interessa, dispunha o corpo e o n.º 1 do art.º 212° do CPI revogado: "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica. São como tais expressamente proibidos: 1. Todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado". Esta conduta era punida, nos termos do art.º 213°, com a pena de multa, que poderia agravar-se com prisão de 15 dias a 6 meses. Por seu turno, o corpo e a al. a) do art.º 260º do CPI V, dispõem: "Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um beneficio ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) Os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os Serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado; Será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias". Se compararmos o n.º 1 do art.º 212° com a al. a) do art.º 260º, logo constatamos que as suas redacções são coincidentes. Em ambos os preceitos se pune a concorrência desleal, havendo agora uma definição, em nossa opinião, mais precisa. Coincidem os elementos do tipo, salvo no que tange ao dolo, em que hoje se exige um dolo específico. "A repressão da concorrência desleal configura-se como a reacção da lei contra a inobservância de um dever geral de proceder honesta e correctamente na luta mercantil..." - Tolda Pinto e Reis Bravo, "Colectânea de Legislação Penal Extravagante", pg. 517. Ou, como se diz no Ac. da RC de 25/9/97, CJ, ano XXII, tomo 5, pg. 43: "O bem jurídico aqui especialmente tutelado é, pois, o interesse privado, individual do concorrente, isto é, do titular dos direitos privativos da propriedade industrial, eventualmente atingido ou lesado pelos actos da concorrência desleal, conquanto reflexamente se proteja também o interesse comunitário e do estado em que a concorrência se processe lealmente, valor fundamental do direito económico vigente, constitucionalmente consagrado (art.º 81°, al. t) do Constituição Política)". Importa, pois, averiguar quais são os direitos privativos da propriedade industrial. Nos termos do art.º 1° do Código da Propriedade Industrial (CPI), "a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal". Segundo o Dr. Carlos Olavo, in "Propriedade Industrial", pg.11, o Direito de Propriedade Industrial "corresponde à necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, feita essencialmente por duas formas: por um lado, a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais, e, por outro, a imposição de determinados deveres no sentido dos vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente". Ou, como diz em Parecer publicado na CJ, Ano XII, tomo 1, pg. 16, "A propriedade industrial reconduz-se, essencialmente a duas ordens de ideias: - A atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais; - A imposição de determinados deveres. Esses deveres representam, em linhas gerais, uma obrigação de proceder honestamente no exercício da actividade económica, e a respectiva violação dá lugar à chamada concorrência desleal. Quanto à primeita das duas indicadas ordens de ideias, aí se integram os direitos privativos da propriedade industrial. O Código de Processo Industrial contempla várias dessas figuras", como por ex., a marca, que é o que interessa para o caso dos autos. A Marca, diz-nos o mesmo autor, é "o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor" - CJ Ano XII, tomo 2, pg. 21. "1. A marca pode ser constituída por um sinal ou um conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. 2. A marca pode igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo" – art.º 165° do CPI. (cfr. art.º 143° do CPI revogado). Como se vê do citado preceito legal, a marca visa distinguir produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. "Pode-se, pois, concluir que, em termos jurídicos, a função da marca se reconduz a uma indicação da proveniência" - A e loc. citados. A propriedade de uma marca adquire-se através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - art.º 167º do CPI. Como se referiu, quando se pratiquem actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento ou produtos, verificando se os demais elementos do tipo, comete-se o crime de concorrência desleal. E os demais elementos são: A existência de um acto de concorrência; Que esse acto seja contrário às normas e usos honestos; De qualquer ramo de actividade; Que o agente actue com dolo específico (no CPI vigente), consistindo este na intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar, para si ou para terceiro, um beneficio ilegítimo. Cotejando a matéria de facto apurada temos que: O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA., com sede na ............, freguesia de ........., concelho de...... Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros. A referida sociedade F......, gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T......, sito no ........., na cidade de P...... . Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992- conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram. As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L......... & Co, com sede em ............, em ..........., ........., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ........, Lisboa. Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria. Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L..... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... . O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F....... . O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções. Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas. Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Da matéria fáctica apurada, dúvidas não há que o arguido cometeu o crime de concorrência desleal ( o que até parece nem pôr em questão salvo na última conclusão ). Com efeito, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas concorrentes, no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... . E por imitação entende-se, nos termos da al. c) do art.º 193° do CPI, a semelhança gráfica, figurativa ou fonética, que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto. Tal definição legal, adiante-se desde já, e para resposta ao pedido de reenvio prejudicial, que não se determinará, por ausência de dúvidas, em nada contende com a Directiva citada, antes vai ao seu encontro, como vai de encontro à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, citado nas alegações de recurso. Confrontando as fotografias de fls. 450 com as de fls. 116 e 117, e com o logotipo constante do pedido de registo de marca, dúvidas não temos, como as não teve o Sr. Juiz "a quo", de que se trata de uma imitação já que a semelhança gráfica e figurativa (e não é necessário que seja também fonética, podendo perfeitamente fazer-se a cisão, salvo se esta neutralizar por completo a imitação) é de tal modo evidente que pode induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor . Tal imitação traduz-se num acto de concorrência, contrário às normas e usos honestos, tendo o arguido actuado com dolo específico. Logo, cometeu o crime de concorrência desleal. Por qual dos regimes deve ser condenado o arguido? O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico ( actos susceptíveis de criar). Não se exige, pois, que haja uma efectiva confusão pelo que, e adiantando, não é nada contraditório o facto de se dar como provado que o acto é susceptível de causar confusão aos consumidores e como não provado que se tenham confundido. Uma coisa é distinta da outra e para a consumação do crime, repete-se, é suficiente a primeira. Mas é também um crime permanente e não, como defende o arguido um crime de efeitos permanentes. Nos crimes permanentes verifica-se que a execução e consumação do delito se prolongam no tempo - Cavaleiro de Ferreira, "Lições", pg. 168. "Tipos de crimes permanentes são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo.... Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de caracteristico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que, corresponde à permanência ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compressão de bens ou interesses juridicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz. A existência deste dever, naturalmente ligada à natureza dos bens jurídicos protegidos, distingue o crime permanente dos chamados crimes de efeitos permanentes - , v. g. o furto. Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair-se da cosumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa." - Eduardo Correia in "Direito Criminal", I, pgs. 309 e 310. Ou ainda, como refere Jescheck in "Tratado de Derecho Penal", I, pg. 357: "En los delitos permanentes el mantenimento dei estado ântijurídico cerrado por la acción punible depende de la voluntad del autor, de manera que, en cierto modo, el hecho se renova continuamente" . Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação juridica de todas as condutas como se todas elas se tivessem verificado no momento da última conduta. No caso da concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão existir . Isto é, enquanto o arguido não mandou retirar o cartaz ou logotipo que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação de o arguido o retirar sob pena de o crime estar em contínua consumação. Em cada dia os consumidores eram susceptíveis de serem confundidos. A consumação não se esgotou com a colocação do cartaz ou logotipo. Antes diariamente os consumidores passaram a vê-lo. Pela existência daquela obrigação - da remoção - é que o crime é permanente e não de efeitos permanentes, como o seria se inexistisse essa obrigação. A doutrina do prof Eduardo Correia, que o arguido cita em abono da sua tese ( e a dos outros autores por nós citados) é clara no sentido do texto. Ora, são doutrina e jurisprudência uniformes que, no caso dos crimes permanentes, " Aplica-se sempre a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da mesma lei. Não há, verdadeiramente, aqui qualquer problema, visto que no domínio da lei nova foram praticados actos integradores do crime" - Maia Gonçalves in "Código Penal Português", VIII ed., pg. 183. "Assim, admitindo-se o carácter unitário dos crimes permanentes ... a lei aplicável no momento da perpetração da infracção será a que vigorava no momento em que a última conduta foi praticada" - Cavaleiro de Ferteira, ob. cit., pg. 169. Não se coloca, pois, no caso sub júdice um problema de aplicação da lei no tempo já que, tendo o cartaz ou logotipo sido retirado apenas em Maio de 1997, e portanto no domínio do CPI hoje vigente, é sempre esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga. Assim, não há que falar em violação do princípio da não retroactividade da lei penal. Sendo o crime, em abstracto, punível com pena de prisão superior a um ano, não está amnistiada a infracção . Por outro lado, entende-se que a matéria de facto é suficiente para a condenação já que nela se faz referência a cores idênticas, remetendo-se para as fotografias juntas aos autos, bem como para o pedido de registo de marca. E do seu confronto, dúvidas não há relativamente à imitação, até pela semelhança geométrica dos cartazes. Tem-se dificuldades em entender o alcance da conclusão F. É que a alínea a) do art.º 260° do CPI está, obviamente, subordinada ao corpo ( e à parte final onde se prevê a pena) do artigo. E o arguido foi condenado também pela alínea a), embora, e obviamente, se tivesse de apurar dos elementos do tipo, estes constantes do corpo do artigo. De resto, as alíneas do preceito são meramente exemplificativas, pelo que até se poderia recorrer a outra situação, desde que verificados os pressupostos constantes do tipo. Destarte, nenhuma alteração - substancial ou não - houve da pronúncia. Finalmente, ao entender o tribunal "a quo", como o entende este tribunal, que há risco de confusão, implicitamente afasta o risco de associação de ideias dos consumidores, sendo aquela uma situação mais grave, relativamente a esta. DECISÃO: Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida. O arguido pagará 4 Ucs de taxa de justiça. Porto, 20 de Dezembro de 2000 Francisco Marcolino de Jesus Joaquim Manuel Esteves Marques António Manuel Clemente Lima Joaquim Costa de Morais
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0011093 Nº Convencional: JTRP00031097 Relator: MARQUES SALGUEIRO Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONTUMÁCIA CONEXÃO APENSAÇÃO DE PROCESSOS CASO JULGADO FORMAL Nº do Documento: RP200012200011093 Data do Acordão: 20/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA. Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA. Área Temática: DIR PROC PENAL. Legislação Nacional: CPP87 ART335 N3. CPC95 ART496 ART497. Sumário: I - Correndo termos, num mesmo Juízo Criminal, dois processos contra o mesmo arguido, um por um crime de introdução em casa alheia previsto e punido pelo artigo 176 ns. 1 e 2 do Còdigo Penal de 1982, em que foi declarada a contumácia do arguido, e outro por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25 n.1 do Decreto-Lei n.15/93, de 22 de Janeiro, em que foi recebida a acusação, sem marcação de data para a audiência, e tendo sido, neste último processo, declarada a conexão entre os dois, prevista no artigo 25 do Código de Processo Penal, e, face à pena abstractamente aplicável ao arguido -superior a cinco anos prisão-, considerado que a competência para o julgamento cabia às Varas Criminais, nos termos do artigo 14 n.2 alínea b) do Código de Processo Penal, tudo por despacho entretanto transitado em julgado, não pode, ulteriormente, o Juiz da Vara Criminal, a que os processos apensados foram redistribuídos, pôr em crise o despacho do Juiz do Juízo Criminal, determinando a desapensação dos processos, visto a declaração de contumácia implicar a suspensão dos termos do processo, e, por se considerar incompetente para o julgamento, ordenando a remessa dos autos ao anterior Juízo Criminal. É que a situação processual formada pela anterior apensação dos processo já se havia estabilizado, coberta que ficou pelo caso julgado formal do despacho do Juiz do Juízo Criminal, com força vinculativa dentro do processo. II - A declaração de contumácia, com a consequente suspensão dos termos ulteriores do processo, não obsta a que se proceda à verificação da existência de conexão e à consequente apensação dos processos e, eventualmente, à alteração da competência que daí possa decorrer. Com uma tal actividade não se estão a promover quaisquer termos do processo, mas apenas a reunir num só Tribunal os vários processo pendentes, que, de acordo com as regras da conexão, devem ser julgados conjuntamente e, se for caso disso, a determinar qual o Tribunal com competência para proceder ao julgamento que oportunamente vier a ter lugar e, bem assim, para, enquanto subsistir a contumácia, diligenciar pela localização e eventual detenção do contumaz ou para ordenar e praticar os actos urgentes, nos termos do artigo 320 do Código de Processo Penal (n.3 do artigo 335); o que logo permite fruir as vantagens, nomeadamente de unidade e economia de meios, que a conexão de processo proporciona. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07S2886 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: VASQUES DINIS Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO AJUDAS DE CUSTO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO EXECUÇÃO DE SENTENÇA Nº do Documento: SJ200802060028864 Data do Acordão: 06/02/2008 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I - A “retribuição normalmente auferida” a que se referem os n.ºs 1 e 2 do art. 26.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), contempla as atribuições patrimoniais com carácter de obrigatoriedade, fundada normativa ou contratualmente, de correspectividade com a efectiva prestação de trabalho, e de regularidade e periodicidade do seu pagamento, excluindo-se as que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada), por não poderem ser consideradas contrapartidas da disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho. II - Face ao disposto nos artigos 344.º n.º 1 e 350.º n.º 1 do Código Civil, cabe à entidade empregadora provar que atribuição por ela feita ao trabalhador não tem carácter retributivo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 87.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e de valer a presunção do nos 2 e 3 do artigo 82.º do mesmo diploma legal, de que está perante prestação com natureza retributiva. III - Por força da referida presunção de natureza retributiva, deve integrar a retribuição, para efeitos de reparação por acidente de trabalho, a importância de 8.000$00 por dia que a entidade empregadora pagava ao sinistrado a título de ajudas de custo, se apenas se prova que em virtude de o local de trabalho do sinistrado se situar a mais de 400 Km da sede da ré/empregadora, aquele e os restantes trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam refeições num restaurante ou confeccionavam-nas eles próprios, mas não se demonstra que aquele pagamento se destinava a prover a despesas de alimentação e alojamento. IV - A fixação da retribuição pelo tribunal, a que se refere o artigo 265.º do Código do Trabalho, depende de ela não ter sido estipulada pelas partes e não estar contemplada em instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao contrato. V - Tratando-se de encontrar a medida da obrigação de indemnizar, no quadro legalmente definido com vista à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, em que é indispensável saber-se o valor da retribuição, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º n.º 3 do Código Civil). VI - Daí que se o tribunal dispuser de elementos de facto que, não reflectindo com perfeição a realidade procurada, dela se aproximam tanto que permitem fixar – sem pôr, seriamente, em causa o equilíbrio dos interesses em conflito – o conteúdo da obrigação, impõe-se-lhe, em obediência ao n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, definir o quantum da condenação, pois, em tal caso, não pode afirmar-se que não há elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, situação em que, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, se relegaria para ulterior liquidação. Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada no Tribunal do Trabalho de Barcelos contra “AA – Companhia de Seguros, S.A” e “BB – Construções, Lda.”, foi, em 16 de Fevereiro de 2004, proferida sentença que condenou as demandadas a reparar os danos sofridos pelo Autor, CC, em consequência do sinistro laboral ocorrido, no dia 22 de Fevereiro de 2001, ao serviço da segunda Ré. Esta, como principal responsável, foi condenada no pagamento de uma pensão por incapacidade permanente, de indemnizações por incapacidade temporária, em prestações agravadas, e a seguradora, subsidiariamente, em prestações normais, em função da responsabilidade transferida. Em recurso de apelação interposto pela Ré empregadora, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Fevereiro de 2005, decidiu anular o julgamento, ordenando a sua repetição, a fim de ser esclarecido «como é que o tribunal chegou aos valores “líquidos” de “80.000$00/mês” e “8 contos/dia”, dado que nos recibos de vencimento constam outros montantes, incluindo o “subsídio de deslocação”, e montantes esses ilíquidos», e ser apurado «quais as despesas reais, efectuadas pelo Autor, conexionadas directamente com os “8 contos/dia”, isto é, quais as despesas efectivas que eram pagas com esse dinheiro»; «quem é que pagava ao senhorio a habitação do Autor e as refeições por ele tomadas em restaurante ou por ele confeccionadas»; e «se foi com a diferença de Esc. 56.069$00 [entre o valor de Esc.: 292.680$00, constante do “recibo de vencimento”, e o valor de Esc.: 236.611$00, que o Autor alegou, como retribuição global] mais o equivalente ao subsídio de alimentação, que o Autor pagou as suas despesas de alimentação e de alojamento, no mês de Janeiro de 2001». Impugnado o aresto da Relação, pela Ré seguradora, este Supremo Tribunal, por acórdão de 17 de Dezembro de 2005, resolveu não conhecer do objecto do respectivo recurso. Regressado o processo ao tribunal de 1.ª instância e efectuado novo julgamento, de que não resultou qualquer alteração à matéria de facto anteriormente fixada, foi, em 13 de Junho de 2006, proferida sentença que, tal como a prolatada após o primeiro julgamento, condenou as demandadas nos seguintes termos: a) A empregadora, como principal responsável, no pagamento: – Da pensão anual e vitalícia no valor de € 5.427,44, devida desde 18 de Junho de 2002, com as actualizações operadas, a partir do dia 1 de Dezembro daquele ano e dos seguintes, respectivamente, para € 5.535,99 (2002), € 5.674,39 (2003), € 5.804,90 (2004) e € 5.938,41 (2005); – Das indemnizações, por incapacidade temporária absoluta, no valor de € 15.344,37, e por incapacidade temporária parcial, no valor de € 789,55; – De juros de mora sobre as respectivas prestações, desde o vencimento até integral pagamento. b) A seguradora, a título subsidiário, no pagamento: – Do capital de remição da pensão anual e vitalícia do valor de € 1.222,50, devida desde 18 de Junho de 2002; – Das indemnizações, por incapacidade temporária absoluta, no valor de € 3.456,23, e por incapacidade temporária parcial, no valor de € 214,52; – De juros de mora sobre as respectivas prestações, desde o vencimento até integral pagamento. Para assim decidir, no que respeita aos valores estabelecidos na condenação da empregadora, a sentença considerou, entre o mais, que, à data do acidente, o Autor auferia um salário anual de € 17.876,94 [(€ 399,04 X 14) + (€ 39,9 X 22 X 14)], dado que se provou que, naquela data, “auferia cerca de 80.000$00 líquidos mensais, acrescidos de uma importância diária de cerca de 8 contos líquidos que as partes denominaram ajudas de custo”, sendo que, por um lado, o pagamento do último montante tinha carácter regular e periódico e, por outro lado, “a entidade patronal não logrou infirmar, como lhe competia, que tais quantias não integravam a retribuição”. Inconformada, por não aceitar a inclusão da importância de Esc.: 8.000$00 no cálculo da pensão e das indemnizações, a Ré empregadora interpôs recurso de apelação, ao qual a Relação do Porto, por acórdão de 26 de Fevereiro de 2007, negou provimento, confirmando integralmente a sentença. 2. De tal acórdão, vem a mesma Ré pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas: 1 - Não tendo sido obtidos, como efectivamente não foram, e é reconhecido, os esclarecimentos solicitados pelo douto Acórdão da Relação do Porto de 14/02/05, não poderia o Mmo. Juiz decidir como se todos os esclarecimentos tivessem sido obtidos. 2 - Realmente, a douta sentença da 1.ª instância proferida após o segundo julgamento é rigorosamente igual à primeira. 3 - O artigo 265.º do Código do Trabalho impondo e/ou permitindo o dever de fixar a retribuição do trabalhador, quando as partes o não fizerem, impõe condicionalismos para que tal aconteça; 4 - Concretamente, a fixação deve ter em conta a prática na empresa e uso no sector ou locais, o que in casu não aconteceu; 5 - De facto, em parte alguma do Doutro Acórdão recorrido, como, aliás, da douta sentença da 1.ª instância se faz a mais pequena referência à prática na empresa e/ou aos usos no sector ou locais. 6 - Assim, a fixação da retribuição do recorrido encontra-se ferida de ilegalidade por não respeitar os critérios de que a lei faz depender tal processologia, quando as partes não fornecerem a retribuição, como aconteceu no caso dos Autos. 7 - Não tendo o Mmo. Juiz obtido os esclarecimentos necessários para fixar a retribuição do recorrido, como foi ordenado pelo Acórdão da Relação do Porto, deveria ter relegado o apuramento daquela retribuição para execução da sentença, nos termos do disposto no art.º 661.º n.º 2 do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável ex vi art.º 10.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Trabalho; 8 - Realmente é este o processo próprio para definir o direito do recorrido, sem penalizar injusta e ilegalmente a recorrente, uma vez que nem um nem outra forneceram dados suficientes para o efeito; 9 - Sendo certo que a recorrente ilidiu a presunção impendente sobre si quando provou que os trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam as refeições num restaurante ou confeccionavam-nas eles próprios; 10 - Porém, a douta sentença não teve em conta aquela matéria provada e decidiu como se não tivesse sido provada. 11 - Sendo verdade que não logrou provar quanto os trabalhadores pagavam pelo alojamento e pelas refeições que tomavam no restaurante ou os próprios confeccionavam, também é certo que tal prova lhe não pertencia por lhe serem actos estranhos; 12 - Sendo ainda certo que o facto de o recorrido ter vindo dizer, quando solicitado para o segundo julgamento, contrariando anteriores afirmações, que realmente gastava diariamente a verba de € 10,00 em alimentação, ainda que não o lograsse provar, comprova que realmente eram os trabalhadores quem pagava, pelo menos, a sua alimentação, na qual gastavam aquela ou outra importância; 13 - Existe manifesta e flagrante incongruência entre o esclarecimento prestado pelo Mmo. Juiz da 1.ª Instância, após o segundo julgamento, de que a convicção sobre o vencimento do sinistrado resultou do depoimento das testemunhas Ângelo Vilas Boas Rodrigues e António Carlos Sousa Real que declararam, no primeiro julgamento, que os 80.000$00 correspondiam a remuneração base e os 8.000$00 diários ao facto de se encontrarem deslocados e a própria decisão. 14 - De facto, apesar de aquelas testemunhas mencionarem verbas precisas, o Mmo. Juiz deu como provado que o vencimento do recorrido era de “cerca de” 80.000$00, acrescido de ajudas de custo diárias de “cerca de” 8.000$00 líquidos, como consta da alínea N) da matéria factual provada. 15 - Assim, transformando uma fundamentação certa em verbas incertas para no final reconverter em importâncias certas, decidindo em contradição com a matéria provada. 16 - Sendo certo que o facto de as mencionadas testemunhas terem referido que o recorrido recebia a verba diária de 8 000$00, conjugado com o facto dado como provado de que os trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam as refeições no restaurante ou os próprios as confeccionavam, demonstra ser aquela verba paga e recebida a título de Ajudas de Custo. 17 - Verba que não faz parte do vencimento recorrido. 18 - O douto acórdão recorrido viola, além do mais, o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do Cód. Civil, 516.º e 661.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, 82.º e 87.° do Dec. Lei n.º 49 408, de 24/11/1969, 265.º do Cód. do Trabalho, 26.º, n.º 3, da Lei 100/97, de 13/9, cláusulas 27.ª, n.º 1 e 33.ª, n.º 2, do CCT para o sector, publicado no BTE n.º 15, de 22/4/2000, e Acórdão da Relação do Porto de 14/02/05 proferido no processo n.º 3879/04-1, 1ª Secção. NESTES TERMOS, e nos mais de direito que V. Ex.cias mui doutamente suprirão, deve ser concedida Revista ao presente Recurso e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que considere a verba diária de 8 000$00 recebida pelo recorrido como Ajudas de Custo e, como tal, não fazendo parte integralmente do vencimento recorrido para cálculo das pensões indemnizatórias; Se assim se não entender, deve, do mesmo modo ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que revogue a douta sentença de 13 de Junho de 2006, a fim de se dar cumprimento ao requerido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente, quanto o sinistrado gastava em alojamento e alimentação. Se também assim se não entender, deve, de igual modo, ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que revogue a mesma douta sentença e ordene que a fixação da retribuição do recorrido seja [re]legada para execução de sentença. O Autor contra-alegou para sustentar a confirmação do acórdão. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada revista, em parecer a que a recorrente respondeu para reafirmar o anteriormente alegado. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Tendo em atenção o teor das conclusões da respectiva alegação, a questão fundamental a resolver é a de saber se a importância diária que o Autor auferia, a título de ajudas de custo, integra o conceito de retribuição com base no qual devem ser calculadas as prestações correspondentes à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em causa e, sendo a resposta afirmativa, saber se o processo deve voltar à 1.ª instância, a fim, designadamente, de se apurar o valor que o Autor gastava em alojamento e alimentação, ou se a fixação da retribuição deve ser relegada para ulterior liquidação. 2. No que agora pode relevar, de acordo com as alíneas N), O) e P) da decisão sobre a matéria de facto (1) , o tribunal recorrido considerou provado que: – À data do acidente, o Autor auferia cerca de Esc.: 80.000$00 líquidos mensais, acrescidos de ajudas de custo diárias de cerca de Esc.: 8.000$00 líquidos; – Em virtude de o local de trabalho se situar a mais de 400 quilómetros da sede da Ré patronal, o Autor e os restantes trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam as refeições num restaurante ou confeccionavam-nas eles próprios; – Nos meses de Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2001, a Ré empregadora pagou ao autor as quantias de Esc.: 205.180$00 e Esc.: 140.000$00. 3. Dado que o sinistro ocorreu em 22 de Fevereiro de 2001, o regime jurídico a observar é o que consta da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, e em vigor desde 1 de Janeiro de 2000, por força do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro. Segundo o artigo 26.º da LAT, “[a]s indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado” (n.º 1); “[a]s pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida, normalmente recebida pelo sinistrado” (n.º 2); “[e]ntende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (n.º 3); e “[e]ntende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade” (n.º 4). A expressão “tudo o que a lei considere como seu elemento integrante” remete para a noção legal de retribuição, traçada no Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, em vigor à data do acidente. De acordo com o artigo 82.º da LCT, “[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1); “[a] retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2); “[a]té prova em contrário, presume-se retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” (n.º 3). O artigo 87.º do mesmo diploma previne que “[n]ão se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”. Sob a epígrafe “Noção de retribuição”, dispõe a Cláusula 33.ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AECOP – Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas e outras e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 15, de 22 de Abril de 2000: 1 – Considera-se retribuição aquilo a que, nos termos da lei e do presente contrato, o trabalhador tem direito a receber como contrapartida do seu trabalho. 2 – Não se considera retribuição: a) A remuneração por trabalho suplementar; b) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, subsídios de refeição, abonos de viagem, despesas de transporte e alimentação, abonos de instalação e outros equivalentes; c) As gratificações extraordinárias concedidas pela entidade patronal, bem como os prémios de produtividade e ou assiduidade; d) A participação nos lucros da empresa. 3 – Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer outra prestação da entidade patronal. E a Cláusula 27.ª do mesmo instrumento de regulamentação colectiva, estabelece no seu n.º 1, que: 1 – Nas deslocações sem regresso diário à residência os trabalhadores deslocados terão direito a: a) Pagamento ou fornecimento integral de alimentação e alojamento, podendo haver lugar ao pagamento de ajudas de custo; b) Transporte gratuito assegurado pela entidade patronal ou pagamento integral das despesas de transporte de ida e volta: no início e no termo da deslocação; no início e no termo dos períodos de férias gozados durante a manutenção da mesma; por cada duas semanas de deslocação; c) Pagamento de um subsídio correspondente a 25% da retribuição normal. Neste quadro normativo, pode afirmar-se que a “retribuição normalmente auferida” a que se referem os números 1 e 2 do artigo 26.º da LAT contempla as atribuições patrimoniais com carácter de obrigatoriedade, fundada normativa ou contratualmente, de correspectividade com a efectiva prestação de trabalho, e de regularidade e periodicidade do seu pagamento, excluindo-se as que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada), por não poderem ser consideradas contrapartidas do trabalho prestado, mais precisamente, da disponibilidade do trabalhador para o prestar (2). No caso presente, não está em causa a obrigatoriedade do pagamento das denominadas ajudas de custo diárias, por força do contrato, nem a regularidade e periodicidade do mesmo pagamento. A controvérsia refere-se, apenas, à finalidade, efectivamente, visada pelo pagamento das importâncias em causa. Conciliando as presunções consignadas nos n.os 2 e 3 do artigo 82.º da LCT com a norma do artigo 87.º do mesmo diploma, observou-se no Acórdão deste Supremo de 13 de Julho de 2006, proferido na Revista n.º 1539/06-4.ª Secção (3): “Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.os 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1, do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes [...], sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 87.º e de valer a presunção dos n.os 2 e 3 do artigo 82.º de que está perante prestação com natureza retributiva”. Este foi, também, o entendimento do acórdão impugnado que, após notar que a recorrente “nem cumpriu o seu ónus de alegação e prova no que aos custos aleatórios diz respeito, nem acedeu ao convite do Tribunal a quo, efectuado no seguimento do ordenado por esta Relação, quanto à determinação rigorosa da retribuição e das despesas efectuadas pelo A., em cumprimento do contrato de trabalho”, porque “não provada a causa do pagamento diário da quantia de 8.000$00, efectuada a título de ajudas de custo”, concluiu, com base na presunção, não ilidida, estabelecida no n.º 3 do citado artigo 82.º, pela natureza retributiva desse pagamento. Contrapõe a recorrente que a presunção foi ilidida, visto que se provou “que os trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam as refeições num restaurante ou confeccionavam-nas eles próprios”. Estes factos constavam do quesito 4.º da base instrutória, onde se perguntava: Em virtude de o local de trabalho se situar a mais de 400 kms da sede da ré patronal, o autor e os restantes trabalhadores tomaram de arrendamento uma habitação e tomavam as refeições num restaurante ou confeccionavam-nas eles próprios? (Fls. 315). A este quesito o tribunal respondeu: Provado (Fls. 436). No quesito 5.º perguntava-se: Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2001, a 2.ª Ré pagou ao A. as quantias de Esc.: 205.180$00 e 140.000$00, respectivamente, por forma a compensar as despesas com alojamento e alimentação referidas em 4.º? (4) (Fls. 315). Ao que o tribunal respondeu: Provado apenas que nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2001, a 2.ª Ré pagou ao A. as quantias de Esc.: 205.180$00 e 140.000$00. (Fls. 436). Decorre da última resposta que não se demonstrou, como a Ré alegara, que os referidos pagamentos se destinaram a prover a despesas de alimentação e alojamento. Assim, aos factos provados, por via da resposta ao quesito 4.º, não pode atribuir-se o sentido propugnado pela recorrente, expressamente excluído pela resposta restritiva ao quesito 5.º. É certo que, na sequência da anulação do primeiro julgamento, correspondendo ao convite do tribunal, o Autor alegou, entre o mais, que “despendia diariamente com alimentação € 10” (fls. 528), facto que a Ré impugnou (fls. 538) e que veio a ser declarado não provado (fls. 570). Essa alegação pode ser perspectivada como o reconhecimento de um facto, de algum modo, desfavorável à pretensão do Autor e favorável à tese da Ré, e, pois, como confissão, nos termos dos artigos 352.º e 356.º, n.º 1, do Código Civil. Porém, face ao que dispõe o artigo 354.º, alínea b), do mesmo Código, a confissão não faz prova contra o confitente, se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis, como são os emergentes de acidentes de trabalho (artigos 34.º e 35.º da LAT). Ora, não tendo aquele facto sido provado por outro meio, não pode ser invocado para, em conjugação com o que resultou da resposta ao quesito 4.º, se concluir, como defende a recorrente, que “eram os trabalhadores quem pagava, pelo menos, a sua alimentação”. Deste modo, não pode afirmar-se que a recorrente tenha ilidido a referida presunção, e, assim, é mister conferir carácter retributivo às importâncias auferidas a título de “ajudas de custo diárias”, o que afasta a aplicação do artigo 87.º da LCT, bem como das supra transcritas cláusulas do CCT, interpretadas no sentido de disporem em contrário de normas legais imperativas ou conduzir a tratamento menos favorável para o trabalhador do que o estabelecido por lei (5). Daí a desnecessidade de prova das despesas efectuadas pelo Autor, para efeito de se apurar a sua correspondência com as referidas “ajudas de custo diárias”. Não merece, por conseguinte, censura o que a tal respeito foi decidido pelo douto acórdão da Relação, havendo, pois, de aceitar-se a integração, como retribuição, das “ajudas de custo diárias” no cálculo das prestações destinadas a reparar o acidente. 4. Pretende a recorrente que, a vingar o entendimento de que a verba diária recebida pelo Autor como ajudas de custo integra a retribuição para efeito de cálculo da pensão e indemnizações, deve o acórdão recorrido ser substituído por outro que revogue a sentença de 13 de Junho de 2006, a fim de ser dado cumprimento ao determinado pelo supra referido acórdão 14 de Fevereiro de 2005. Bem interpretada, tal pretensão tem em vista que seja ordenada, novamente, a repetição do julgamento, pois outro sentido não pode conferir-se à solicitação de que venha a ser dado “cumprimento ao requerido” pelo primeiro acórdão da Relação do Porto, “nomeadamente, quanto o sinistrado gastava em alojamento e alimentação” Recorde-se que o mencionado acórdão ordenara a repetição do julgamento com vista, por um lado, à explicitação dos motivos que levaram o tribunal a chegar aos valores “líquidos” de “80.000$00/mês” e “8 contos/dia” – o que releva em termos de fundamentação da decisão da matéria de facto – e, por outro lado, com vista ao apuramento das despesas reais, efectuadas pelo Autor, conexionadas directamente com os “8 contos/dia”, de quem pagava ao senhorio a habitação do Autor e as refeições por ele tomadas em restaurante ou por ele confeccionadas; e se foi com a diferença de Esc. 56.069$00, mais o equivalente ao subsídio de alimentação, que o Autor pagou as suas despesas de alimentação e de alojamento, no mês de Janeiro de 2001. Na sequência do assim determinado, o tribunal de 1.ª instância convidou as partes a alegar os pertinentes factos, convite a que apenas o Autor correspondeu e em consequência do que foram aditados à base instrutória três novos quesitos, que, no novo julgamento, vieram a merecer respostas negativas, conforme decisão lavrada a fls. 570, que não foi objecto de reclamação por qualquer das partes. Tal significa que o tribunal não deixou de cumprir o que fora determinado pelo acórdão da Relação, no que concerne à averiguação dos elementos de facto cuja necessidade fora sentida pelo tribunal superior. O facto de ter resultado infrutífera a actividade desenvolvida pelo tribunal, no sentido da obtenção de elementos mais precisos tendentes à definição do que era retribuição e do que era compensação por custos aleatórios, não permite afirmar, como a recorrente afirma, que não foi dado cumprimento ao ordenado pelo tribunal superior, mas tão só que, apesar das diligências desenvolvidas, aliás sem qualquer contributo útil da Ré, solicitado mas omitido, não foi possível atingir o objectivo visado, ou seja, não foi possível concretizar, através da afirmação pelas partes de novos factos e da prova sobre eles produzida, os elementos pretendidos. De acordo com o n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, “[o] processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”. Ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do preceito transcrito, apenas significa alargar o objecto da pronúncia do tribunal, para que este se pronuncie sobre factos que, alegados pelas partes e indispensáveis para solução jurídica do litígio, não tenham sido objecto de apreciação da primeira decisão, não implicando, ao contrário do que parece pretender a recorrente, que, em caso de nada se provar quanto à matéria de facto aditada, haja de repetir-se o julgamento até que algo resulte provado... Numa tal situação de non liquet, funcionam, para viabilizar a solução jurídica do pleito, as regras sobre o ónus da prova dos artigos 342.º e segs. do Código Civil, sem olvidar o que dispõe o 350.º “(6).” do mesmo diploma e o princípio consignado no artigo 516.º do Código de Processo Civil “(7)”.. No caso que nos ocupa, não ocorre a indispensabilidade de averiguar outros factos, entre os alegados pelas partes, além dos que foram objecto das duas decisões, para viabilizar uma correcta aplicação do direito, e, por outro lado, não se detectam contradições insanáveis na decisão da matéria de facto, pelo que não se verificam os pressupostos consignados no n.º 3 do citado artigo 729.º. No que diz respeito aos motivos por que o tribunal chegou aos valores líquidos, o Mmo. Juiz da 1.ª instância esclareceu, na decisão proferida sobre a matéria de facto, subsequente ao segundo julgamento, que a sua convicção se baseou “no depoimento de Firmino Ângelo Vilas Boas Rodrigues e António Carlos Sousa Real, colegas do autor e que por força dessa qualidade demonstraram ter conhecimento dos factos, pois referiram [...] na primeira audiência havida que conversaram várias vezes com o autor a esse respeito”, tendo ficado “inequivocamente com a convicção de que falavam verdade” e de que “a circunstância de os recibos juntos aos autos fazerem referência a montantes diversos derivava da circunstância de contabilisticamente, talvez por forma a evitar a tributação e descontos para a segurança social, serem referidas parcelarmente as referidas verbas” (fls. 570). No corpo da alegação da revista (fls. 741 v.º e 742), a recorrente reconhece, expressamente, que o tribunal prestou o solicitado esclarecimento e diz mesmo, a recorrente, que os ditos colegas do Autor “afirmaram na primeira audiência, que os 80.000$00 eram de remuneração e os oito contos diários pelo facto de estarem deslocados”. O segundo acórdão, ora em revista, não detectou qualquer omissão na fundamentação da decisão sobre aquele ponto da matéria de facto, proferida na sequência do segundo julgamento, que, como é evidente pelo que se deixou dito, não se verifica. De qualquer modo, como se observou no Acórdão deste Supremo de 22 de Novembro de 2007(8)., uma tal omissão, a existir, não integra qualquer dos fundamentos consignados no artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, única disposição que permite ao Supremo Tribunal ordenar que os autos voltem ao tribunal recorrido. Não tem, assim, fundamento atendível a pretensão da recorrente no sentido de “ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que revogue a douta sentença de 13 de Junho de 2006, a fim de se dar cumprimento ao requerido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente, quanto o sinistrado gastava em alojamento e alimentação”. 5. A última pretensão formulada na revista, também a título subsidiário, decorre da alegação de que a fixação da retribuição operada nas instâncias “encontra--se ferida de ilegalidade”, por não terem sido respeitados os critérios do artigo 265.º do Código do Trabalho, e de que “não tendo o Mmo. Juiz da 1.ª instância obtido os esclarecimentos necessários para fixar a retribuição do recorrido [...] deveria ter relegado tal facto para execução de sentença, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Proc. Trabalho”. Dispõe o artigo 265.º do Código do Trabalho: “1. Compete ao julgador, tendo em conta a prática na empresa e os usos do sector ou locais, fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ao contrato.”; “2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que forem suscitadas na qualificação como retribuição das prestações recebidas pelo trabalhador que lhe tenham sido pagas pelo empregador.” As dúvidas quanto à qualificação, suscitadas relativamente às importâncias auferidas como ajudas de custo diárias, foram resolvidas, como se viu, pelo recurso à presunção legal, não ilidida, segundo a qual, até prova em contrário, considera-se retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador, tendo-se concluído pela desnecessidade de averiguar o montante das despesas efectuadas pelo Autor. Resta, assim, ajuizar sobre a aplicação ao caso do n.º 1 do artigo 265.º, que corresponde, com alterações, ao n.º 1 do artigo 90.º da LCT, nos termos do qual, “[c]ompete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato”. Subjacente a ambas as disposições, encontra-se o carácter oneroso do contrato de trabalho, cujo objecto deve ser determinável “(9), Coimbra, 2006, p. 476., como impõe o artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil “(10)”., e o escopo de melhor garantir o direito do trabalhador à retribuição, sendo que a competência do tribunal neles estabelecida “não difere da que lhe está atribuída em qualquer outra matéria: determinar e aplicar as normas que regem o contrato” (11). Como nota Joana Vasconcelos (12), o preceito do n.º 1 do artigo 265.º do Código do Trabalho apenas inovou, relativamente à correspondente norma da LCT, em dois pontos: na definição dos casos em que a retribuição é judicialmente fixada – quando, não o tendo sido pelas partes não resulte do IRCT aplicável ao contrato (e não já, genericamente, das “normas aplicáveis ao contrato”) – e na explicitação dos critérios a observar pelo julgador nessa fixação – “a prática na empresa e os usos do sector ou locais”. A fixação da retribuição pelo tribunal, a que se refere aquela norma, depende de ela não ter sido estipulada pelas partes e não estar contemplada em instrumento de regulamentação colectiva aplicável ao contrato. Na decisão da matéria de facto, considerou-se, no presente caso, provado que o Autor, à data do acidente, auferia cerca de 80.000$00 líquidos mensais, acrescidos de ajudas de custo diárias de cerca de 8 contos líquidos, o que significa que as partes estipularam os valores a pagar ao Autor, no âmbito do contrato de trabalho, pelo que não há que fazer apelo à “prática da empresa” e/ou “aos usos do sector ou locais”. Tratando-se, como se trata, de encontrar a medida da obrigação de indemnizar, no quadro legalmente definido com vista à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho, em que é indispensável saber-se o valor da retribuição, há que ter presente o disposto no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, segundo o qual, “[s]e não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. De acordo com o disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “[s]e não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”. Esta norma de direito adjectivo só pode actuar, como resulta do seus próprios termos, quando, reconhecido um direito e a correspondente obrigação, não haja elementos que permitam definir o seu conteúdo, designadamente em termos quantitativos. Se o tribunal dispuser de elementos de facto que, não reflectido com perfeição a realidade procurada, dela se aproximam tanto que permitem fixar – sem pôr, seriamente, em causa o equilíbrio dos interesses em conflito – o conteúdo da obrigação, impõe-se-lhe, em obediência à norma de direito substantivo do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, definir o quantum da condenação, pois, em tal caso, não pode afirmar-se que não há elementos para fixar o objecto ou a quantidade, como exige o n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil. Tendo em atenção que, de harmonia com o que ficou provado, o Autor auferia aproximadamente (“cerca de”) Esc.: 80.000$00 líquidos mensais, acrescidos de ajudas de custo diárias de aproximadamente (“cerca de”) Esc.: 8.000$00, justifica-se que, em juízo de equidade, tais importâncias sejam consideradas, para efeito do cálculo da pensão e indemnizações, ao abrigo da citada norma do Código Civil. Nesta conformidade, tem de concluir-se que, ao fixarem a pensão e indemnizações, com base naqueles valores, as instâncias não violaram, ao contrário do que pretende a recorrente, os preceitos indicados na conclusão 18 da alegação da revista. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008. Vasques Dinis (relator) a Bravo Serra Mário Pereira ___________________________ (1) Dispensa-se a referência à restante matéria de facto fixada pelas instâncias, por não interferir na solução da controvérsia objecto da revista. (2) Cfr. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2005, p. 136. (3) Na linha de orientação dos Acórdãos de 23 de Maio de 2001 (Revista n.º 880/01), 29 de Janeiro de 2003 (Revista n.º 1102/02), e 5 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 3607/02). (4) Sublinhado agora. (5) Artigo 6.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e artigo 13.º, n.º 1, da LCT, diplomas em vigor à data dos factos, (6) “1. Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”; “2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.” (7) “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. (8) Proferido na Revista n.º 1935/07, disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200711220019354 (9) “A indeterminação do salário (mormente quando resulte da inexistência de estipulação expressa) está em contradição com o carácter essencial da retribuição como elemento do contrato” – António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 476. (10) “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja [...] indeterminável”. (11) Cfr. José Barros Moura, Compilação de Direito do Trabalho, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 175. (12)No Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 473.
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021636 Nº Convencional: JTRP00031043 Relator: CÂNDIDO DE LEMOS Descritores: ABUSO DE DIREITO Nº do Documento: RP200012190021636 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J S JOÃO MADEIRA 3J Processo no Tribunal Recorrido: 181/99 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL. Legislação Nacional: CCIV66 ART334. Sumário: Vivendo uma pessoa numa casa há mais de 30 anos, como arrendatária, permitindo que um seu sobrinho, que entretanto tinha ido viver com ela, adquirisse aquela casa, com o compromisso que a tia vivesse com ele até à morte dela, acontecendo que o dito sobrinho faleceu, é abusivo o pedido dos herdeiros dele para que aquela tia desocupe a casa. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acordão do Supremo Tribunal Administrativo Acórdãos STAAcórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo:043837 Data do Acordão:08/07/1999 Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA Relator:MACEDO DE ALMEIDA Descritores:ACTO ADMINISTRATIVO ACTO LESIVO RECURSO CONTENCIOSO TEMPESTIVIDADE DO RECURSO FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO NOTIFICAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO CONHECIMENTO DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO PETIÇÃO INICIAL TELECÓPIA LEGITIMIDADE ACTIVA LEGITIMIDADE PASSIVA TABACO INDEMNIZAÇÃO PEDIDO ACTO DEFINITIVO INTERESSE LEGÍTIMO Sumário:I - O núcleo da alteração introduzida no art. 268 da CRP, pela Lei Constitucional n. 1/89, consistiu em fazer recair a recorribilidade, não na circunstância de o acto ser definitivo e executório, mas na sua efectiva lesividade, assim se pretendendo consagrar uma garantia de accionabilidade em relação aos actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares. II - O preceituado no n. 1, do art. 25 da LPTA terá, por isso, de ser interpretado à luz do regime decorrente do n. 4 do artigo 268 da CRP. III - Para apurar da impugnabilidade contenciosa de acto administrativo, como pressuposto do direito de recorrer, é suficiente que esse acto exprima a intenção de definir a relação jurídica administrativa em concreto, ou que a execução desse mesmo acto tenha tido reflexos lesivos na esfera jurídica do particular. IV - É acto lesivo e, portanto, contenciosamente recorrível, o despacho do Ministro da Economia que, perante um pedido de exame apresentado pela recorrente, proprietária de uma Fábrica de Tabacos nos Açores, ao abrigo do n. 2 do art. 11 do DL n. 371/93, de 29.10., no sentido de que fosse examinada a licitude de uma indemnização compensatória no montante de 100 mil contos atribuída pelo Governo Regional dos Açores a uma outra Fábrica concorrente e, caso concluísse pelo efeito distorsor da concorrência, atribuísse à recorrente subsídio de idêntico montante, decide que a atribuição da aludida indemnização compensatória teve como único objectivo a reposição da situação patrimonial e não consubstancia um auxílio do Estado, não havendo lugar à aplicação do disposto no citado artigo 11 do DL n. 371/93. V - Integrando uma informação técnica dos Serviços a fundamentação do acto recorrido e não constando a mesma da notificação, é lícito à recorrente utilizar o mecanismo processual previsto no n. 1 do art.31 da LPTA, aproveitando-se-lhe o estipulado no n. 2 do mesmo preceito, pelo que o prazo para o recurso contencioso só começou a contar a partir da entrega da certidão requerida. VI - Tendo a petição de recurso sido enviada por telecópia, nos termos do disposto nos artigos 2 e 4 do Dec. Lei n. 28/92, de 27 de Fevereiro, e tendo o respectivo original e duplicados sido entregues na secretaria do tribunal no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, conforme o disposto no art. 4, n. 3 do citado diploma, releva para efeitos da tempestividade do recurso a data da recepção da telecópia. VII - Tem legitimidade para interpor recurso contencioso do acto referido em IV a recorrente na medida em que espera obter da anulação do acto recorrido um concreto benefício, no caso, a atribuição do mesmo subsídio de compensação dada à recorrida particular, projectando-se a decisão directamente na sua esfera jurídica e sendo o seu interesse protegido pela ordem jurídica. VIII- A eventual anulação do acto referido em IV, apenas podendo implicar a atribuição de igual subsídio de compensação à recorrente, não afecta directamente a esfera jurídica do Governo Regional dos Açores, pelo que, não podia ser chamado no recurso como contra-interessado, carecendo, assim, de legitimidade passiva. Nº Convencional:JSTA00052009 Nº do Documento:SA119990708043837 Data de Entrada:06/05/1998 Recorrente:EMP MADEIRENSE DE TABACOS SA Recorrido 1:MINECON E OUTROS Votação:UNANIMIDADE Ano da Publicação:99 Privacidade:1 Meio Processual:REC CONT. Objecto:DESP MINECON DE 1997/05/25. Decisão:JULGADA PROCEDENTE EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO GRAC... Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO. Legislação Nacional:CONST89 ART268 N4. LPTA85 ART25 N1 ART28 N1 N2 ART30 ART31 N1 N2 ART36 N1 B ART49. DL 37/93 DE 1993/10/29 ART11 N1 N2. CPA91 ART7 N1 A ART61. CCIV66 ART279 C E. DL 28/92 DE 1992/02/27 ART2 ART4 N3 N6. RSTA57 ART46 N1. Jurisprudência Nacional:AC STA PROC43207 DE 1999/02/18.; AC STA PROC42010 DE 1998/05/20.; AC STA PROC33816 DE 1994/09/27.; AC STAPLENO PROC24073 DE 1996/06/25 IN AP-DR 1998/08/10.; AC STA PROC38005 DE 1996/11/07.; AC STA PROC41631 DE 1997/11/20. Referência a Doutrina:ROGÉRIO SOARES DIREITO ADMINISTRATIVO COIMBRA 1978 PÁG76. VIEIRA DE ANDRADE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES ALMEDINA 1999 PÁG164. Aditamento: Texto Integral
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021011 Nº Convencional: JTRP00031048 Relator: SOARES DE ALMEIDA Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL IMPROCEDÊNCIA USUCAPIÃO REQUISITOS Nº do Documento: RP200012190021011 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J CINFÃES Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. DIR REAIS. Legislação Nacional: CPC95 ART193. CCIV66 ART1287. Sumário: Quando um Autor, apesar de alegar a posse de um bem pelo tempo necessário para a aquisição do mesmo por usucapião, indicando, assim, como causa de pedir, esse modo de aquisição originária do direito de propriedade, deixam, contudo, de alegar os caracteres de publicidade e pacificidade da posse, necessários para que opere o referido instituto, estamos perante um caso em que a acção deve ser julgada improcedente e não perante um caso de ineptidão da petição inicial. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021474 Nº Convencional: JTRP00031044 Relator: DURVAL MORAIS Descritores: PRIVILÉGIO CREDITÓRIO ESTABELECIMENTO COMERCIAL PENHORA Nº do Documento: RP200012190021474 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J BRAGANÇA 2J Processo no Tribunal Recorrido: 47-B/96 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: REVOGADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV. DIR PROC CIV. Legislação Nacional: RAU90 ART115 N2. CCIV66 ART736 N1. Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1993/05/06 IN BMJ N427 PAG231. Sumário: A penhora sobre um estabelecimento comercial goza de privilégio mobiliário geral, entendendo-se a penhora do direito ao trespasse e arrendamento como penhora do estabelecimento. Reclamações: Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I - Por apenso à execução ordinária para pagamento da quantia de Esc. 2.066.624$00 e juros, instaurada em 4/3/96, no Tribunal Judicial de ....., em que é exequente ADRIANO..., residente na Rua..., nº ...., em ......, e executados MÁRIO... e mulher MARIA..., residentes no R............. "...", em ........, veio o MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PUBLICO, em 5/1/99, reclamar os seguintes créditos: a) - 675.000$00, de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos anos de 1996 – 2º trimestre; 1997- 4º. trimestre; e 1998- 2º trimestre; e juros compensatórios. b) - 653.419$00, de dívida ao Centro Regional de Segurança Social do Norte, de contribuições para a segurança social, referentes aos meses de Abril de 1991 a Abril de 1997, e juros. Por despacho de 24/2/2000, foi julgada improcedente tal reclamação de créditos. Inconformado, traz o Digno Magistrado do Mº.Pº. este recurso de apelação, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: 1ª) - Penhorado o direito ao trespasse e arrendamento de estabelecimento comercial, a providência incide sobre o próprio estabelecimento, como um todo. 2ª) - O estabelecimento comercial constitui uma coisa móvel "sticto sensu" e não um direito. 3ª) - Abrangendo o privilégio mobiliário geral o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora, tal privilégio incide também sobre o valor do estabelecimento comercial penhorado, pelo que o recurso deve ser julgado procedente. Não houve contra-alegações. II- Com interesse para a decisão do recurso, resultam dos autos para além dos referidos em I), os seguintes factos: 1 - Nos autos de execução instaurados, em 4 de Março de 1996, no Tribunal Judicial de ....... sob o nº. ../.., em que é exequente Adriano... e executados Mário... e mulher Maria..., foi penhorado o direito ao trespasse e arrendamento sobre o estabelecimento que gira sobre a denominação de "..." - Restaurante, sito em .......... . 2- Cumprido o artº. 864º. do C.P.C., veio o Exmº. Magistrado do Mº.Pº., em 5/1/99, reclamar, alegando gozarem de privilégio mobilário, as seguintes quantias pelos executados devidas à Fazenda Nacional: a) - 675.000$00, de IVA, referente aos anos de: 1996, 2º trimestre; 1997, 4º trimestre; e 1998, 2º trimestre; e juros compensatórios; b) - 653.419$00, de dívida ao Centro Regional de Segurança Social do Norte, proveniente de contribuições para a segurança social, referentes aos meses de Abril de 1991 a Abril de 1997, e respectivos juros de mora. - O DIREITO - Como é sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que definem o objecto do recurso, ou seja, as questões que este Tribunal de recurso há-de resolver (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód.Proc.Civil). No caso sujeito, a questão a resolver consiste em saber se o direito ao arrendamento e trespasse do restaurante em causa, que foi penhorado nos autos, é um direito, pura e simples, como se entendeu na decisão recorrida, ou, se pelo contrário, constitui uma coisa móvel "strito sensu", que não um direito, como se pretende nas conclusões da respectiva alegação do Digno recorrente. Escreveu-se na decisão recorrida, a dado passo: "Conforme refere o M.P., os créditos por si reclamados gozam de privilégio mobiliário geral - c.f.r. art. 736º, nº 1 do Código Civil e artº 10º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei nº 103/80 de 9/05. Isto significa que abrangem o valor dos móveis existentes no património do devedor. Ora, como atrás se refere, na execução de que estes autos são apensos, encontra-se penhorado um direito. Assim sendo, e não considerando a lei que os privilégios mobiliários abrangem direitos, como acontece com o penhor e hipoteca em que a lei o prevê expressamente (c.f.r. art. 666º, nº 1 do C.C.- "podem ser objecto de penhor todos os direitos não susceptíveis de hipoteca"), a referida reclamação não pode ser atendida." Que dizer? Como se assinala no Ac. do S.T.J., de 15-2-1977, BMJ, 264-194, "o estabelecimento comercial considerado "sub specie universitatis", como um conjunto de vários elementos - coisas corpóreas e incorpóreas - unificado pela vontade do proprietário com vista à sua afectação a determinada actividade mercantil, ou seja, o complexo da organização comercial do comerciante, vem sendo considerado como uma unidade jurídica". "É como verdadeira unidade jurídica, e não apenas como unidade económica, que o estabelecimento comercial deve ser concebido" (Lições de Direito Comercial, vol. I, 1965, pág. 247/248, de A.Ferrer Correia). Por nós, diremos que o estabelecimento comercial é uma realidade heterogénea que engloba bens da mais variada natureza, constituindo o direito ao trespasse e arrendamento apenas um dos elementos integrantes dessa universalidade. Parece-nos assistir a razão ao Digno recorrente nas respectivas conclusões, e, nomeadamente, quando afirma que, penhorado o direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento comercial, a providência incide sobre o próprio estabelecimento. Com efeito, parece-nos não haver dúvidas de que vem sendo entendido unanimemente que o direito ao trespasse e arrendamento é apenas um dos elementos constitutivos do estabelecimento comercial. E de tal forma que a sua penhora equivalerá à penhora do estabelecimento (c.f.r. Ac. do S.T.J., de 3/2/81, B.M.J., 304-348 e Parecer da P.G.R. , de 25-7-85, B.M.J., 352-87). Nesta linha de pensamento, escreveu-se no Ac. da Rel. de Coimbra, de 9-6-92: Qualquer que seja a natureza da venda em hasta pública do direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento comercial, a verdade é que ela se traduz, na prática, numa verdadeira venda, numa verdadeira transmissão desse estabelecimento. Também no Ac.da Rel. de Lisboa, de 29/6/93, se escreveu, com acerto: "O que pode ser penhorado não é o direito ao trespasse, mas sim a universalidade susceptível de ser trespassada, isto é, o estabelecimento comercial de que o arrendamento seja parte" (Col.Jur. Ano XVIII, t. III, pág. 142). Já num caso semelhante, mas relativo ao penhor mercantil, se entendeu, no Ac. do S.T.J., de 6/5/93, que “um contrato de penhor mercantil que tem por objecto o direito ao trespasse e arrendamento comercial abrange o próprio estabelecimento comercial" (BMJ 427-231). No Ac. da Rel. de Lisboa, de 5-5-94, escreveu-se: "Apesar de na prática judiciária corrente se falar em penhora do direito ao trespasse e arrendamento, há-de entender-se que aquela incide efectivamente sobre o estabelecimento comercial, enquanto universalidade - de que o arrendamento, caso exista, faz parte -, coisa móvel, portanto." (B.M.J.437-565). Sobre a qualificação jurídica do direito ao trespasse, dir-se-á ainda o seguinte: Estabelece o artº115º, nº 2 do Regime do Arrendamento Urbano - Dec. Lei nº 321-B/90-, que não há trespasse: "a) Quando a transmissão não seja acompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;" Para o Prof.A. Varela, tal normativo importa o reconhecimento do seguinte requisito: - Transmissão global ou unitária do conjunto das instalações, utensílios, mercadorias ou elementos que integram o estabelecimento (Cód.Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed.,pág.565). Em suma: só há trespasse quando para o trespassário se transferem os elementos (instalações, utensílios, mercadorias, aviamento, etc.) que integram o estabelecimento enquanto negócio em movimento. Assim sendo, também não poderia haver arrematação do direito ao trespasse de estabelecimento comercial, sem a transferência dos elementos acima referidos. Por isso também, não podemos concordar com o Mº Juiz "a quo", quando afirma no despacho recorrido que na execução de que estes autos são apensos, encontra-se penhorado um direito, para, com base nessa interpretação, concluir pela improcedência da reclamação, razão pela qual tal decisão não se pode manter. III – Pelo exposto, e sem mais considerandos, acordam em conceder provimento à apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que verifique e gradue os créditos reclamados. Sem custas. Porto, 19 de Dezembro de 2000 Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0020930 Nº Convencional: JTRP00031054 Relator: RAPAZOTE FERNANDES Descritores: ARROLAMENTO REQUISITOS INTERESSE PROTEGIDO Nº do Documento: RP200012190020930 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: 1 V V N GAIA Processo no Tribunal Recorrido: 146/98 Data Dec. Recorrida: 30/05/2000 Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. Legislação Nacional: CPC95 ART422. Sumário: Um arrolamento apenas pode ser requerido por quem tenha interesse na conservação dos bens ou documentos e não o tem o filho que a apenas tem um interesse afectivo que os bens se conservem no património dos pais, seus proprietários. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0020726 Nº Convencional: JTRP00031045 Relator: FERNANDO BEÇA Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA DENÚNCIA PRAZO FALTA INDEMNIZAÇÃO Nº do Documento: RP200012190020726 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 6J Processo no Tribunal Recorrido: 367/98-1S Texto Integral: N Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR COM. Legislação Nacional: DL 178/86 DE 1986/07/03 ART28 ART29. Sumário: A falta de pré-aviso da denúncia de um contrato de agência dá origem a um único ilícito - o não respeito pelos prazos legais referidos no artigo 28 do Decreto-Lei n.178/86 - sancionado nos termos do artigo 29 desse diploma, não havendo outros ilícitos a considerar. Reclamações: Decisão Texto Integral:
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021440 Nº Convencional: JTRP00031058 Relator: EMÍDIO COSTA Descritores: PATROCÍNIO OFICIOSO ESCUSA ALEGAÇÕES PRAZO SUSPENSÃO Nº do Documento: RP200012190021440 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T J VIEIRA MINHO Processo no Tribunal Recorrido: 95/96 Data Dec. Recorrida: 17/10/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Área Temática: DIR PROC CIV. Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART35 ART39. Sumário: O pedido de escusa do cargo de patrono formulado por advogado nomeado oficiosamente, não tem qualquer efeito imediato sobre o prazo processual em curso para apresentar alegações de recurso. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Maria Isabel ............ e marido, João ............, intentaram, no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, a presente acção com processo sumário contra: - José ......... e mulher, Deolinda ........, pedindo a condenação destes a: a) Reconheceram o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado nos art.ºs 1.º a 11.º, 14.º a 21.º e 40.º a 43.º da petição; b) Removerem todos os materiais que depositaram na propriedade dos Autores, repondo os limites desta no estado em que se encontravam, designadamente procedendo à desobstrução de todo o muro que sustenta o rossio dos Autores, retirando do mesmo todos os materiais que aí depositaram e/ou encostaram, tal como a demolirem e/ou alterarem a construção dos “barracos” referidos na petição, de modo a que os seus telhados não gotejem sobre o prédio dos Autores ou invadam o seu espaço aéreo, respeitando ainda a servidão de estilicídio referida na petição; c) Absterem-se da prática de quaisquer actos que perturbem a posse legítima dos Autores sobre o mesmo prédio; d) Pagarem aos Autores, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos e que vierem a sofrer, emergentes dos actos lesivos praticados, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença. Os Autores pediram, previamente à instauração da acção, a nomeação de patrono oficioso, o que lhes foi deferido, tendo sido nomeado para desempenhar essas funções o Dr. Fernando .............. A acção prosseguiu os seus regulares trâmites, tendo culminado com a prolação de sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou e reconheceu o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado na petição inicial e condenou os Réus a alterarem a construção do barraco em causa, de modo que o seu telhado não goteje sobre o prédio dos Autores ou invada o seu espaço aéreo e de modo a que as águas pluviais que caem do telhado do canastro dos Autores no seu telhado não sejam expelidas contra as paredes do mencionado canastro. Inconformados com o assim decidido, interpuseram os Autores recurso para este Tribunal, o qual foi recebido como de apelação e efeito devolutivo (v. despacho de fls. 93, proferido em 08/07/99). Este despacho foi notificado ao Dr. Fernando ....... por carta de 12/07/99 (fls. 93). Em 30/09/99, o Dr. Fernando ....... apresenta requerimento a pedir a escusa do cargo de patrono oficioso dos Autores, em virtude de ter havido manifesta quebra de confiança por parte dos patrocinados na pessoa do requerente (fls. 94). Comunicado aquele pedido de escusa à Ordem dos Advogados, foi por esta nomeado patrono aos Autores o Dr. F..........., em substituição do Dr. Fernando ....., cujo pedido de escusa foi aceite (fls. 96). Notificado da nomeação, o Dr. F........... apresentou requerimento a pedir a escusa do cargo (fls. 98). Comunicado este pedido de escusa à Ordem dos Advogados, foi por esta nomeado patrono aos Autores o Dr. Pedro ..........., em substituição do Dr. F........, cujo pedido de escusa foi aceite (fls. 103). Desta nomeação foi notificado o Dr. Pedro ........ por carta de 31/03/00. Em 03/05/00, por falta de alegação, foi o interposto recurso julgado deserto (despacho de fls. 107 – v.º). Notificado deste despacho, apresentou o Dr. Pedro ........... requerimento (recebido em juízo a 15/05/00) em que defende que o prazo para apresentar a alegação de recurso terminaria somente a 12/05/00, pelo que, quando foi proferido o despacho a julgá-lo deserto, faltavam ainda 9 dias para os apelantes poderem apresentar a sua alegação, requerendo, por isso, a concessão de um prazo de 9 dias para os apelantes apresentarem a sua alegação (fls. 108). Proferiu-se, seguidamente, despacho a indeferir a concessão do requerido prazo de 9 dias para apresentação de alegação. Inconformado com este despacho, dele interpuseram os Autores recurso para este Tribunal, o qual foi recebido como de agravo e efeito suspensivo. Alegaram, oportunamente, os agravantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª - “Os artigos 24 e 34 do DL 387-B/87, de 29-12, aplicam-se analogicamente à presente situação; 2.ª - Assim, o prazo para a prática do acto processual é contado por inteiro desde a notificação da decisão sobre a questão da nomeação de patrono; 3.ª - Nesta conformidade, o prazo de trinta dias é um prazo para o patrono intentar uma acção ou interpor recurso, para estudar e preparar a exposição dos factos a apresentar ao Tribunal; 4.ª - O patrocinado não poderá ser prejudicado pelo pedido de escusa do patrono nomeado, nem os seus interesses, em nome do princípio da celeridade processual, serem atropelados, causando-lhe prejuízos graves e pondo em causa o andamento do próprio processo; 5.ª - Em alternativa, e caso assim não se entendesse, o aqui patrono foi nomeado e notificado para os termos do art.º 33 e 34 do já citado Dec. Lei, com as devidas adaptações, não sendo recebido qualquer notificação informando-o que havia decorrido prazo para o anterior patrono apresentar alegações; 6.ª - E, assim, de acordo com o art.º 34 daquele Dec. Lei e do n.º 2 do art.º 698 do CPCivil, o patrono dispunha de 30 dias para apresentar as alegações de recurso; 7.ª - Pelas razões expostas, o despacho recorrido violou, entre outros, os art.ºs 24 e 34 do DL 387-B/87, de 29/12”. Não foi apresentada contra-alegação. O M.º Juiz sustentou o despacho recorrido, mantendo-o integralmente. As conclusões dos recorrentes delimitam o âmbito do recurso, conforme se extrai do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil. De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal é apenas a de saber se deve ser concedido aos agravantes o solicitado prazo de nove dias para apresentarem a alegação de recurso referente ao interposto recurso de apelação. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. OS FACTOS E O DIREITO A única questão posta pelos agravantes à consideração deste Tribunal é, como se disse, a de saber se lhes deve ser concedido um prazo de nove dias para apresentarem a sua alegação de recurso. A resposta só pode ser negativa. Como se sabe, o prazo para alegar é estabelecido por lei, sendo tal prazo, para o recurso de apelação, de trinta dias (art.º 698.º, n.º 2, do C.P.C.). Trata-se de um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (art.º 145.º, n.ºs 1 e 3, do C.P.C.). Além disso, é um prazo contínuo, suspendendo-se apenas durante as férias judiciais (art.º 144.º, n.º 1, do mesmo código). Como flui do relatório supra, o patrono oficioso dos Autores foi notificado da admissão do recurso de apelação por carta de 12/07/99, pelo que o prazo para alegar terminava a 14/10/99, uma vez que entre 16/07/99 e 14/09/99 foram férias judiciais (art.º 12.º da Lei n.º 3/99, de 13/01). Porém, a 30/09/99, o patrono nomeado apresenta requerimento a pedir escusa do cargo, ou seja, quando faltavam 14 dias para expirar o prazo respectivo. Este pedido de escusa não tem qualquer efeito imediato sobre o prazo processual em curso, uma vez que, até à aceitação da pedida escusa e consequente nomeação de novo patrono pela Ordem dos Advogados (art.º 35.º do Dec. Lei n.º 387-B/87), continua o advogado primeiramente nomeado (neste caso, o Dr. Fernando ......) a exercer o cargo de patrono. Quer dizer, com a apresentação do pedido de escusa formulado pelo Dr. Fernando ....... o prazo em curso para apresentação da alegação de recurso referente à apelação não se suspendeu nem tão pouco se interrompeu, pela simples razão de que os Autores/recorrentes continuaram a ter patrono. Trata-se, bem vistas as coisas, de caso análogo ao previsto no art.º 39.º do C. de Proc. Civil para a renúncia ao mandato por parte do advogado constituído. Na verdade, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, como é no caso em apreço (art.º 32.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.), a renúncia não produz os seus efeitos próprios no prazo máximo de vinte dias, contados da notificação: até ao termo do mencionado prazo, o mandatário renunciante terá de prosseguir com o patrocínio do seu constituinte, se este entretanto não constituir novo mandatário (v. Abílio Neto, C.P.C. Anotado, 14.ª ed., 105). Ora, a escusa do Dr. Fernando ......... apenas foi comunicada ao Tribunal por ofício de 03/11/99 (fls. 96), tendo-lhe sido nomeado concomitantemente novo patrono. Deste modo, quando foi comunicada a aceitação da escusa do Dr. Fernando ....... já há muito expirara o prazo para apresentar a alegação respectiva. Bem andou, por isso, o M.º Juiz do Tribunal “a quo” ao verter nos autos despacho a julgar deserto o recurso de apelação. A tal não obsta o facto de o Tribunal recorrido ter considerado, como parece inferir-se do despacho recorrido, que a apresentação do pedido de renúncia suspendeu o prazo para alegar. Na verdade, mesmo que assim fosse, e não é, o prazo da alegação teria há muito expirado, quando foi proferido o despacho a julgar deserto o recurso. Ao invés do que defendem os agravantes, não tem aqui aplicação o disposto nos art.ºs 24.º, n.º 2, e 34.º, n.º 1, do citado Dec. Lei n.º 387-B/87 (na redacção da Lei n.º 46/96, de 3/9). Dispõe aquele primeiro preceito: 1 - O pedido de apoio judiciário importa a inexigência imediata de quaisquer preparos, e de encargos de que dependa prosseguimento de acção. 2 - O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido interrompe-se por efeito da sua apresentação e reinicia-se a partir da notificação do despacho que dele conhecer. E, de acordo com o art.º 34.º, n.º 1, “o patrono nomeado antes da propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes á notificação da nomeação e, se o não fizer, justificará o facto”. Em ambos estes preceitos se afloram situações diversas da dos presentes autos. No primeiro, prevê-se a hipótese de formulação inicial do pedido de apoio judiciário. Nestes casos, justifica-se a interrupção dos prazos em curso, sob pena de tirar todo o efeito útil ao respectivo pedido. Pense-se no caso de o réu pedir a nomeação de patrono para contestar uma acção. Caso o prazo para contestar não se interrompesse, o patrono que viesse a ser nomeado, quando o fosse, certamente já não teria qualquer prazo para apresentar a sua contestação. Por sua vez, no art.º 34.º, n.º 1, alude-se ao prazo em que o patrono nomeado deve intentar a acção respectiva, ou seja nos trinta dias seguintes à notificação da nomeação. Se o não fizer, terá de justificar o facto de o não fazer. Nenhuma desta situações se aplica ao caso dos autos, por se tratar de situações completamente diferentes. Este artigo 34.º, n.º1, prevê o prazo em que o defensor nomeado deve intentar a acção. O prazo de intentar uma acção é, como se sabe, de natureza substantiva e, como tal, regulado não pelo art.º 144.º do C. de Proc. Civil, mas pelo art.º 279.º do C. Civil. Ao invés, o prazo para alegar assume natureza adjectiva, sendo regulado pelo citado art.º 144.º do C. P. Civil. Por seu turno, o art.º 24.º refere-se ao pedido de apoio judiciário no momento em que o mesmo é requerido. Ora, no caso presente, não se trata de um pedido de concessão de apoio judiciário, que foi concedido na fase inicial do processo (o pedido de nomeação de patrono foi-o mesmo antes da respectiva instauração), mas tão só do pedido de escusa do patrono nomeado, o qual, como se disse, se mantém em funções, até à aceitação da respectiva escusa e consequente nomeação de quem o há-de substituir. Não há, pois, qualquer hiato no patrocínio exercido, pelo que em caso algum se justifica, nas hipóteses de pedido de escusa do patrono nomeado, que os prazos em curso, no momento do requerimento da escusa, se suspendam ou se interrompam. Não existe, deste modo, qualquer lacuna legal na previsão desta situação, pelo que é injustificado o recurso à analogia para integração dessa eventual lacuna. Não tinha, assim, o Tribunal “a quo” de conceder aos agravantes qualquer prazo suplementar para alegar, já que o prazo para esse fim é concedido por lei e, sendo peremptório, o respectivo decurso extingue o direito de praticar o acto. E, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se admitisse que o prazo para alegar terminava a 12/05/00, como os agravantes referem no seu requerimento de fls. 108, então também é certo que teria de se considerar deserto o recurso, pela simples razão de que esse requerimento foi apresentado em juízo a 15/05/00, ou seja, para além de expirar o prazo da alegação, sendo certo que nem até ao dia 12/05/00 nem posteriormente os recorrentes apresentaram a sua alegação referente ao recurso de apelação. E se entendiam que o prazo para o efeito lhes terminava naquele dia 12, deviam apresentar até essa data a alegação e não requerer a concessão de qualquer prazo suplementar, já que o prazo para alegar é fixado por lei e não pelo juiz. Improcedem, assim, as conclusões dos agravantes, pelo que o despacho recorrido, embora por razões não inteiramente coincidentes, tem de manter-se. DECISÃO Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido. Custas pelos agravantes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Porto, 19 de Dezembro de 2000 Emídio José da Costa Maria Fernanda Pereira Soares Armando Fernandes Soares de Almeida
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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Acórdãos TRPAcórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 0021386 Nº Convencional: JTRP00031046 Relator: MÁRIO CRUZ Descritores: ALD REQUISITOS Nº do Documento: RP200012190021386 Data do Acordão: 19/12/2000 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recorrido: T CIV PORTO 1J Processo no Tribunal Recorrido: 11224/93-1S Data Dec. Recorrida: 09/04/2000 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO. Decisão: ALTERADA A DECISÃO. Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT. Legislação Nacional: CCIV66 ART405. Jurisprudência Nacional: AC RP DE 1999/04/19 IN CJ T2 ANOXXIV PAG204. Sumário: Quando os montantes que seriam suposto serem depositados e pagos pelo aluguer de um veículo não seriam a simples contrapartida do gozo do mesmo, mas corresponderiam a uma antecipação do pagamento do preço tendo em vista a sua aquisição futura pelo locatário, caso este quisesse optar pela compra do bem, findo o período de locação, estamos perante um contrato atípico, vulgarmente conhecido por Aluguer de Longa Duração (ALD), e não perante um contrato de aluguer de veículo sem condutor. Reclamações: Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório A........... -Aluguer de Automóveis, Ld.ª, com sede na Rua ......., Porto, instaurou acção declarativa ordinária contra Américo .......... e esposa, ele comerciante e ela doméstica, residentes ......, Trofa, pedindo: a)que seja decretada a resolução do contrato junto à providência cautelar, celebrado em 92.07.14, com efeitos a 93.07.93, por culpa exclusiva do R. marido; b) que os RR. sejam condenados a restituírem definitivamente à A. o veículo Mercedes Benz 200 CL com a matrícula ...-...-...., com todos os seus documentos e chaves; c) que os RR. sejam condenados a pagarem à A. a quantia de 10.033.479$00 acrescida de juros vincendos à taxa de 18% ao ano até efectivo pagamento, sobre 9.672.129$00; d) que sejam os RR. condenados a pagarem à A. por cada mês que decorrer desde a data da p.i.(93.10.19) até efectiva restituição do dito veículo a quantia de 729.972$00 (364.986$00 x 2). Para o efeito alega ter celebrado com o R. marido um contrato que qualifica de aluguer de longa duração, de que juntou a respectiva cópia, relativamente ao veículo já atrás mencionado, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 29 períodos iguais, mediante as prestações mensais de 314.643$00, acrescidas de IVA, e que o R. deixou de pagar o aluguer referente às renovações de Nov/92 a Set/93, no total de 4.379.832$00, sendo o referido contrato resolvido pela A., e que, de acordo com o clausulado no contrato e face à situação de incumprimento, dá à A. o direito de formular os pedidos que acima indicou. Mais indicou a A. que o referido veículo se destinava à actividade comercial do R. marido e a satisfazer as necessidades e passeios do casal, sendo a respectiva locação efectuada em proveito comum de ambos os RR. Os RR. contestaram dizendo que a A. não estava autorizada legalmente a celebrar contrato de leasing, e por isso, o denominou de contrato de aluguer de longa duração, mas que, verdadeiramente, o que as partes acordaram foi a celebração de um contrato em que, contra o pagamento de uma prestação mensal, a A. se obrigava a conceder ao R. o gozo temporário do veículo identificado na petição e adquirido por indicação deste, que o poderia adquirir à A., total ou parcialmente, no prazo convencionado, mediante o pagamento de preço logo determinado. Aconteceu, no entanto que, em virtude de um grave acidente de viação que requeria reparação orçada em 4.219.632$00 e não repunha o veículo na situação anterior ao acidente, foi acordado entre A. e R. a transformação desse primitivo contrato em contrato de compra e venda imediata mediante o pagamento à A. da quantia de 4.000.000$00 pela seguradora dos danos próprios, Inter-...., mais, 4.000.000$00 pelo adquirente dos salvados, estes a serem pagos em duas prestações mensais e iguais após a entrega dos salvados e declaração de venda do veículo, fazendo a A. seus, além das quantias referidas, as rendas iniciais já por si recebidas no montante de 1.094.958$00, mais os 2.5000.000$00 entregues a coberto do contrato de caução, mais a prestação de mês de Outubro/92 no montante de 314.643$00, e que só não recebera ainda a importância de 4.000.000$00 dos salvados porque a A. nunca chegou a entregar ao adquirente dos salvados a declaração de venda a que se obrigara, assim obstando e impedindo o pagamento e desoneração das obrigações assumidas pelo R. no contrato em causa. Alegam os RR. que, desta feita, não chegou a haver resolução do contrato primitivo mas antes conversão de um negócio em outro, que a A. entretanto incumpriu, pelo que pedem os RR. a sua absolvição do pedido e a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização, sendo esta em montante não inferior a 2.500.000$00. Replicou a A. aceitando ser verdade que o R. pagou à A. os 1.094.958$00 das prestações iniciais, mas dizendo que só em Janeiro de 1993 o R. comunicou à A. a existência do acidente, enviando então um cheque de 1.952.075$00 para pagamento de alugueres e juros, e que se disponibilizou a alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada, imputando a essa nova viatura tudo o que recebera do R. inerente ao anterior contrato. No entanto, refere a A., que o cheque de 1.952.075$00 não veio a ter provisão, nem veio a ser formalizado o novo contrato , como também não veio nunca a A. a receber o valor do cheque, porque entretanto o R. desapareceu para paradeiro incerto. Desta forma, conclui a A. pela improcedência da excepção deduzida pelos RR., e conclui como na p.i., a que veio a acrescentar o pedido de condenação dos RR. em multa e indemnização como litigantes de má fé. Saneado, condensado e instruído o processo, veio a ter lugar a audiência de julgamento, sendo dadas respostas aos quesitos e proferida sentença, na qual foi julgada parcialmente procedente a acção e condenados os RR. a restituírem definitivamente à A. os salvados relativos ao veículo identificado no ponto 2 da matéria de facto provada e absolvidos dos demais pedidos deduzidos, não se condenando nenhuma das partes como litigante de má fé. Inconformada com a sentença recorreu a A., tendo o recurso sido admitido como de apelação e com efeito suspensivo. Alegou a apelante e contra-alegaram os apelados. Remetidos os autos a este Tribunal veio o recurso a ser aceite com as mesmas qualificações. Correram os vistos legais. ......................................... II. Âmbito do recurso São as conclusões apresentadas na alegação de recurso pelo apelante que delimitam o respectivo âmbito, como resulta do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC. Face ao exposto, passam a transcrever-se as conclusões apresentadas pela apelante-A. nessa peça processual: “1ª. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença recorrida comete um erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos. Com efeito, atenta a denominação dada pela apelante e pelos apelados ao mesmo, atento o facto de que não resulta da matéria de facto dada como provada que na base da celebração do mesmo tenha estado a impossibilidade dos apelados, por alguma situação especial, não poderem dispor do seu veículo automóvel habitual, atento o facto de que, como resulta da matéria dada como provada, a atribuição patrimonial, a cargo dos apelados pelo gozo do veículo objecto do contrato dos autos, não ser satisfeita duma só vez mas sim ao longo de trinta períodos mensais, e atento o facto de que, como resulta do teor das cláusulas que constituem o contrato dos autos, designadamente das cláusulas 3.ª, 5.ª, 7.ª 10.ª-ponto 3 e 12.ª - ponto § único, a finalidade do mesmo ultrapassa em muito a mera cedência do gozo do veículo aos apelados - o montante das atribuições patrimoniais a cargo dos apelados, aliado ao contrato celebrado (30 meses), indicam, claramente, uma relação directa de correspectividade entre estas e o valor pelo qual o veículo automóvel ...-...-... foi adquirido pela apelante, o qual resulta do valor do seguro a que os apelados se obrigaram a fazer, figurando aquela como beneficiário do mesmo, fica claro que a função económico-social, a finalidade e as características do contrato dos autos não se identifica plenamente com a função, a finalidade e as características de um mero contrato de Rent-à-Car, tratando-se o mesmo de um Contrato de Aluguer de Longa Duração, vulgo ALD, sendo que a sua função, a sua finalidade e as suas características se identificam plenamente com este tipo de contratos. 2.ª O contrato de ALD é aquele pelo qual um sujeito se compromete a ceder a outro o gozo de um bem duradouro, geralmente um veículo automóvel, por um prazo de tempo dilatado, findo o qual poderá ter lugar, ou não, a transmissão de propriedade desse bem, por força da celebração de um novo contrato, um contrato de compra e venda. Como se verifica, tal contrato congrega em si elementos pertencentes a vários tipos de contratos legalmente tipificados, designadamente, ao contrato de locação - os direitos e as obrigações das partes no contrato de ALD reconduzem-se, grosso modo, ao esquema legal previsto pelo CC para o contrato de locação - e ao contrato de compra e venda - atenta a possibilidade de, chegado o termo do contrato de ALD, as partes convencionarem a transmissão do veículo automóvel objecto do mesmo. Estamos, pois, perante a fusão de elementos pertencentes àqueles tipos legais num só contrato, razão que justifica a qualificação do contrato de ALD como contrato misto, ao qual, em virtude da inexistência de disposições legais especiais relativas ao mesmo, devem ser aplicadas, por analogia, disposições legais gerais previstas para o contrato de locação e para o contrato de compra e venda. Ora, assim sendo, e apesar do erro quanto à qualificação jurídica do contrato dos autos, a decisão recorrida, salvo o devido respeito, esteve bem na aplicação ao caso “sub judice” das disposições gerais previstas no CC. quanto ao contrato de locação, sendo certo, no entanto, que cometeu um erro na interpretação e, por consequência, de aplicação dos arts. 1.051.º, n.º1-e) e 1.044.º do CC., ao caso dos autos. 3.ª “ I. - Só a perda total envolve a caducidade do arrendamento. II. - O critério de qualificação da perda como total ou parcial não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa locada se destina. III. - A perda é total quando, em virtude de causa não imputável ao locador, se tornar impossível o uso da coisa para o fim convencionado”- Acórdão RL, de 89.11.09, CJ, 1989, tomo 5-103. Conforme resulta da matéria dada como provada, designadamente no que concerne ao acidente ocorrido com o veículo automóvel ...-...-..., objecto do contrato dos autos, em 92.09.29 - pontos 17 a 21 -, embora, em resultado do mesmo, os apelados tenham ficado impossibilitados de circular com o referido veículo, a verdade é que as deteriorações, sofridas pelo mesmo em resultado do acidente eram reparáveis, e que tal reparação permitiria repor o veículo automóvel em situação idêntica à anterior ao acidente, ou seja, permitiria aos apelados gozar e usufruir do referido veículo da mesma forma e nas mesmas condições que o faziam antes do acidente, podendo circular normalmente com o veículo automóvel ...-...-... . Ora, assim sendo, não se poderá falar de perda total do veículo automóvel objecto do contrato dos autos, sendo certo que apenas a sua perda total fundamentaria a caducidade do contrato dos autos - tornaria impossível a prestação da apelante -, de acordo com o disposto no art. 1.051.º, n.º1-e) do CC. Por esta razão não se pode considerar que o mesmo tenha caducado, com todas as consequências legais que daí advém quanto à apreciação da questão da cessação do contrato dos autos por resolução e das consequências a ela inerentes. Em face do exposto, e salvo o devido respeito, verifica-se que a sentença recorrida comete um erro na interpretação e aplicação deste artigo ao caso “sub judice”, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso, conforme o disposto no art. 690.º, n.º2-b) do CPC. 4.ª Em consequência do atrás explanado, fica afectado o disposto na sentença recorrida quanto à responsabilidade pela deterioração do veículo automóvel objecto do contrato dos autos, designadamente no que diz respeito à aplicação, por analogia, do art. 1.044.º do CC ao caso “sub judice” - do mesmo resulta que os apelados respondem pelas deteriorações verificadas no veículo automóvel ...-...-... no termo do contrato celebrado. Atento o atrás exposto, e apesar do acidente ocorrido em 92.09.29, o contrato dos autos não cessou por caducidade em virtude deste facto, uma vez que não houve perda total do veículo objecto do contrato, pelo que o mesmo se mantém em vigor em toda a sua extensão e plenitude. Assim, na medida em que o supracitado artigo é aplicável, apenas, aquando do termo do contrato de locação, e dado que o contrato dos autos, que integra elementos deste tipo legal que justificam a aplicação de tal artigo, não cessou - não terminou -, maxime por caducidade, mantendo-se em vigor, parece claro que, salvo melhor opinião, não é aplicável o art. 1.044.º do CC. ao caso “sub judice” Ora, em face do exposto, é manifesto que a sentençça recorrida, salvo o devido respeito, cometeu um erro na interpretação do art. 1.044.º do CC., e, em consequência e face à matéria dada como provada, um erro ao aplicar o artigo ao caso dos autos, o que constitui fundamento bastante, nos termos do disposto no art. 690.º, n.º1-b) do CPC, para o presente recurso de apelação” ........................................ Como se pode constatar da leitura das conclusões atrás transcritas a apelante assenta o seu inconformismo relativamente à sentença na qualificação jurídica dada ao contrato celebrado como de aluguer de veículo automóvel sem condutor (Rent-à Car) em vez de contrato de aluguer de longa duração (ALD), que entende dever caber-lhe, e ainda a respeito da caducidade do contrato celebrado, onde a apelante entende que não houve caducidade por perda ou impossibilidade total da coisa. .................................... III. Fundamentação Foram considerados assentes ou provados na primeira instância os factos seguintes: - “A A. dedica-se à actividade de declarar vender e alugar veículos automóveis.(A) - No exercício da sua actividade a A. declarou celebrar com o R., em 92.07.14, o contrato junto a fls. 9 a 14 da providência cautelar apensa (n.º 11224-A/93), cujo teor se dá por reproduzido. (B) [Este contrato vem formulado sob a epígrafe “Contrato de aluguer de longa duração”, foi celebrado entre Américo .......... e “..........- Aluguer de Automóveis, SA”, tendo como objecto o veículo de marca Mercedes Benz 200CL, com a matrícula ...-...-..., e, e de entre as respectivas cláusulas, afiguram-se-nos ter especial relevância, designadamente para a qualificação jurídica do contrato, as passagens seguintes: “(...) O contrato é celebrado pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 29 períodos iguais - (cláusula 2.ª) - O valor dos alugueres mensais, calculado com base na expectativa das renovações constantes da cláusula anterior, será de 314.643$00, acrescida do respectivo IVA, cuja taxa presentemente é de 16%. (...) O cliente pagou a quantia de 1.094.958$00 relativa ao valor do contrato e às primeiras duas renovações (...) (cláusula 3.ª) - O cliente obriga-se a fazer um seguro do veículo contra todos os riscos pelo valor de 10.978.000$00, que inclua roubo e perda total e parcial do veículo, normal ou fortuita, e bem assim abranja responsabilidade civil ilimitada pelos danos causados pelo veículo. O segurado será Américo ............... e o beneficiário A.........../E..........., sendo o pagamento do mesmo de conta do cliente até ao termo do contrato. 2. A ........... aceita que no termo do contrato a titularidade do seguro seja transferida para o cliente. 3. Apenas o seguro relativo a outros riscos, nomeadamente a imobilização do veículo terá, se for feito, como beneficiário o cliente. (...)-(cláusula 5.ª) - Em caso de acidente o cliente obriga-se a: a) comunicar o sinistro à A............. no prazo de 24 horas, fornecendo todos os elementos necessários à participação e discussão com a C.ª de seguros; b) promover de imediato a remoção do veículo até às oficinas que procederão à sua reparação, logo que estas lhes sejam indicadas pela A............... . (cláusula 6.ª) - Independentemente do benefício do contrato de seguro, o cliente suportará a imobilização do veículo e será responsável por qualquer perda não efectivamente reembolsada pela companhia de seguros. (cláusula 7.ª) - O cliente obriga-se ainda a : (...) c) permitir o exame do veículo pela A................, sempre que esta o pretenda; d) avisar a A...................., no prazo de 48 horas a contar da sua detecção, de qualquer defeito ou deterioração anormal do veículo; e) restituir o veículo, findo o contrato, no estado em que este se encontrar, se tiver sido utilizado sempre com prudência, sob pena de indemnização(...) -(cláusula 8.ª) - Em caso de mora no pagamento de qualquer quantia à A................. serão devidos juros à taxa máxima para operações de crédito activas de período igual ao da duração da mora, sem prejuízo do direito de resolver o contrato, nos termos do art. seguinte - (cláusula 9.ª) - Para além de todas as hipóteses previstas na lei a A................ terá direito a resolver o contrato se o cliente não cumprir qualquer das suas obrigações dele decorrentes e mantiver o incumprimento por mais de 15 dias após ter sido interpelado por carta registada, pela A................. para o respectivo cumprimento. (...). 2. Em caso de resolução do contrato o cliente deverá entregar o veículo à A............... imediatamente, nas condições previstas na al.e) do n.º8, consentindo desde já que a A............ lhe retire, por qualquer meio, incluindo o recurso à acção directa, o uso e fruição do veículo; 3. Se o contrato for resolvido pela A........... nos termos do corpo deste artigo, o cliente obriga-se a pagar à A.................. uma indemnização igual a 50% das rendas vincendas, na óptica de o contrato ser renovado automaticamente até ao fim do prazo máximo a título de cláusula penal especial pelo incumprimento do contrato que gerou a resolução. (cláusula 10.ª) - Em qualquer das hipóteses em que o cliente deva devolver o veículo, e sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, a A................ terá direito a uma indemnização pelo tempo em que estiver indevidamente desapossada do veículo, igual ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor nesse período de mora, a título de cláusula penal especial. (cláusula 11.ª) - O direito de se opor à renovação automática do contrato pertence, em exclusivo ao cliente, não podendo a A...................., por sua iniciativa, opor-se a qualquer das renovações previstas. Para se por à renovação do contrato, o cliente terá de o fazer através de carta registada com aviso de recepção enviada à A.................. com, pelo menos, 30 dias de antecedência relativamente à data de renovação que pretende evitar. § Como consequência do valor do aluguer ter tido em conta as renovações automáticas previstas, a oposição à renovação obriga o cliente a indemnizar a A................. em quantia igual a 50% do valor total de todas as renovações previstas ainda não liquidadas. Esta indemnização terá de ser paga na data da devolução do veículo até à data véspera da renovação que o cliente rejeitou sob pena de se considerar que o contrato se renovou normalmente e a comunicação não produziu qualquer efeito - (cláusula 12.ª) (...)” ] - O R. pagou à A. pelo menos a quantia de 1.094.958$00. (C) - O R. entregou à A. 2.500.000$00, que a A. designou por caução. (D) - Em resultado do acordo referido em B) o R. tinha a pagar à A. 12.409.520$00 (E) - O R não pagou à A. os alugueres referentes a Novembro de 1992 até Setembro de 1993, no total de 4.379.832$00 (F) - Em 93.09.12 a A. enviou ao R. a carta de fls. 15 e 16 da providência cautelar, [Na carta de fls. 15 e 16, registada com A/R, datada de 93.05.12, a A.........., dirigindo-se ao R.-apelado, refere-lhe que “se encontra em mora quanto ao pagamento de 2.920.138$00”, interpelando-o “para o imediato pagamento”, e dizendo que a mencionada carta constitui também “interpelação bastante nos termos e para os efeitos da cláusula 10.ª do contrato (já reproduzido, quanto a esta matéria, na nota antecedente), e que, “se não proceder ao pagamento do devido no prazo de 15 dias impreterivelmente, resolvemos desde já o contrato, decorrido aquele prazo”, mais referindo que fica o aqui R.-apelado “desde já notificado para essa resolução” e que, deve, então, ainda, “restituir a viatura”.] e em 93.07.21 a A. enviou ao R. a carta junta de fls. 17 a 19 da providência cautelar, [Na de fls. 17 e 18, registada com A/R, datada de 21 de Julho de 93 e recebida pelo R. em 22 de Julho de 1993, a A............... refere que, devido ao facto de este , devidamente notificado pela carta referida na nota anterior, não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato.] cujos teores se dão por reproduzidos. (G) - O R. não restituiu o veículo à A. (H) - Em 93.07.21 estavam por pagar alugueres no valor de 3.102.381$00. (J) - Os RR. destinam o veículo à actividade comercial do R. marido e aos passeios e deslocações de ambos e família. (J´) - A “Eu........ - Soc. Port. de Loc. Fin., SA” declarou locar o veículo objecto do acordo referido em B) à A., com início em 92.07.25 e fim em 94.10.25, conforme doc. de fls. 20 junto à providência cautelar. (L) - Em 92.09.29 o veículo sofreu um sinistro. (M) - A reparação do veículo atingia pelo menos o valor de 4.219.632$00. (N) - A A. e o R. marido convencionaram, quiseram e acertaram que, contra o pagamento de prestações mensais no valor de 314.643$00, acrescido de IVA a A. cederia ao R. marido o gozo temporário do veículo, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável, por outros 29 períodos iguais (1.º) - A. e R. convencionaram que o veículo seria adquirido por indicação do R., o que aconteceu. (2.º) - Em Janeiro de 1993, a A. recebeu a quantia de 4.000.000$00 paga pela Companhia de Seguros Inter..........., SA” (12.º) - Desde 92.09.29, o R,. ficou impossibilitado de circular com o veículo. (13.º) - A reparação do veículo foi orçada em 4.894.773$00 e repunha a mesma em situação idêntica à anterior ao acidente. (15.º) - A A. disponibilizou-se para declarar alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada... (16.º) - ...imputando, nesse caso, tudo o que recebera relativamente à viatura anterior, na nova viatura. (17.º)” ................................. Os factos atrás enunciados não são questionados ou objecto de qualquer controvérsia, não se vislumbrando, por outro lado, que tenham sido deficientes as respostas dadas aos quesitos ou que estejam elas afectadas por qualquer obscuridade ou contradição. Assim, consideram-se tais factos como definitivamente fixados por este Tribunal da Relação. No entanto, contêm os autos outros elementos factuais que consideramos provados por documentos, que julgamos importantes para a análise do recurso, e que, por estarem ínsitos na matéria alegada pelas partes, passamos concretamente a referir: -“O veículo Mercedes Benz, de matrícula ....-...-... encontrava-se registado como propriedade de “Eu..........., Sociedade Portuguesa de Locação Financeira, SA” desde 92.09.17, e, do respectivo registo, constavam ainda a menção seguinte: “Locação financeira n.º de ordem 340 em 92.09.17; início em 92.07.25 e fim em 94.10.25 à A............. Aluguer de Automóveis, SA (...)” (fls. 20 da providência cautelar) - A fls. 36-38 dos autos existe um contrato promessa de compra e venda entre a “Sociedade Comercial C. Santos, Ld.ª” como promitente vendedor e o aqui R.-apelado Américo, datado e assinado por ambas as partes em 92.06.09, onde a primeira prometia vender ao segundo uma viatura Mercedes Benz, modelo 200 CE, com data de entrega prevista em Junho de 92, pelo preço total de 10.978.000$00, nele se dizendo ter o promitente comprador entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de “500.000$00” e que contra a entrega da viatura seriam pagos “10.475.456$00 ” - A Fls. 38 dos autos existe um recibo datado de 92.08.17, emitido pela A............., dizendo ter recebido do aqui R.-apelado Américo a quantia de 2.500.000$00 referente à caução contrato 11.120.676 celebrado em 92.07.14. - Os dados referidos nas notas 2 e 3. [Na carta de fls. 15 e 16, registada com A/R, datada de 93.05.12, a .........., dirigindo-se ao R.-apelado, refere-lhe que “se encontra em mora quanto ao pagamento de 2.920.138$00”, interpelando-o “para o imediato pagamento”, e dizendo que a mencionada carta constitui também “interpelação bastante nos termos e para os efeitos da cláusula 10.ª do contrato (já reproduzido, quanto a esta matéria, na nota antecedente), e que, “se não proceder ao pagamento do devido no prazo de 15 dias impreterivelmente, resolvemos desde já o contrato, decorrido aquele prazo”, mais referindo que fica o aqui R.-apelado “desde já notificado para essa resolução” e que, deve, então, ainda, “restituir a viatura”.] [Na de fls. 17 e 18, registada com A/R, datada de 21 de Julho de 93 e recebida pelo R. em 22 de Julho de 1993, a A............... refere que, devido ao facto de este , devidamente notificado pela carta referida na nota anterior, não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato.] ................. Passemos então à apreciação das questões jurídicas colocadas: III-A) Da qualificação jurídica do contrato: Como é do conhecimento geral, nem sempre a qualificação dada pelas partes aos contratos outorgados entre eles vem a corresponder à correcta qualificação jurídica. No caso dos autos, entre A. e R. formou-se um contrato que por eles foi qualificado como contrato de aluguer (de veículo) de longa duração, mais conhecido por ALD, e que consta do apenso aos autos, e que o M.º Juiz qualificou na sentença como um contrato de aluguer de veículo sem condutor, vulgarmente designado por “rent-à-car”, enquadrando essa qualificação jurídica no DL n.º 354/86, de 23 de Outubro. Discordando a apelante da qualificação jurídica dada aos factos, há que começar por aí a análise do presente recurso. Entende a apelante que não se está perante um mero contrato de aluguer de veículo sem condutor, mas perante um contrato de ALD. E parece-nos que a apelante tem razão neste ponto: O DL n.º 354/86, de 23 de Outubro estabeleceu as normas relativas ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor, mas destinava-se essencialmente a regular o aluguer de veículos ligeiros de passageiros e mistos com lotação até nove lugares, motociclos ou veículos de características especiais, aprovados para o efeito pela DGTT, efectuado por determinadas empresas com o mínimo de 25 veículos pertencentes à sua frota, que se dediquem exclusivamente ao aluguer de viaturas. Do DL citado podem, no entanto, e desde já, apontar-se ainda as seguintes características dos contratos que essas sociedades visam: a) a duração dos alugueres corresponde a períodos curtos; [normalmente durante a privação de viatura própria do locatário, em períodos de férias, épocas turísticas, fins de semana, etc] b) o mesmo veículo destina-se durante o período em que está ao serviço da frota da locadora, limitado, em princípio, até ao máximo de cinco anos, a servir sucessivamente vários de clientes; c) os pagamentos efectuados por cada locatário, não têm correspondência nem sequer aproximação, face ao custo de aquisição da própria viatura. d) o cliente (locatário) escolhe a viatura que pretende locar entre os existentes disponíveis da frota da empresa locadora. e) a locadora tem como único objectivo a locação de veículos. No entanto, face à matéria de facto constante dos autos vemos que: a) o veículo locado foi escolhido pelo locatário para que a locadora o colocasse ao serviço daquele; b) o período de aluguer foi estipulado em um mês, sucessiva e automaticamente renovável por 29 meses; c) as rendas foram calculadas tendo como pressuposto o período de 30 meses de aluguer; d)o direito de se opor à renovação do contrato cabia em exclusivo ao locatário, e a oposição à renovação do contrato por parte deste obrigava este a indemnizar a A................ em quantia igual a 50% do valor total de todas as renovações previstas e ainda não liquidadas; e) a renda mensal foi estipulada em 314.643$00, a que deveria acrescer o IVA que na altura era de 16%, renda essa que foi calculada com base na previsibilidade da renovação do contrato pelos 30 meses enunciados na respectiva minuta, e que, no total viriam a corresponder a 9.439.290$00 sem IVA, ou a 10.949.576$00 com IVA; f) o locatário obrigava-se expressamente a prover à manutenção do veículo, procedendo sempre como seu proprietário diligente, incluindo-se na manutenção a conservação, as revisões e as reparações normais e extraordinárias; g) o locatário obrigava-se a fazer um seguro do veículo contra todos os riscos pelo valor de 10.978.000$00, que incluísse roubo e perda total ou parcial do veículo, normal ou fortuita, e bem assim que cobrisse responsabilidade civil ilimitada pelos danos causados a terceiros. h) independentemente do beneficio do seguro, o locatário seria responsável por qualquer perda não reembolsada pela seguradora ao segurado. i) O R. tinha de pagar à A. 12.409.520$00, em resultado do contrato celebrado com esta, o que excedia o simples somatório das rendas como contrapartida pelo tempo de duração dos indicados 30 meses em que duraria o aluguer, que seriam apenas 10.949.580$00. Atenta a facticidade atrás enunciada, há que proceder à interpretação da vontade negocial dentro dos parâmetros estabelecidos nos arts. 236.º a 238.º do CC., ou seja, recorrendo às regras atinentes à interpretação e integração dos contratos, estabelecidas no Código Civil. Há por isso que determinar qual o valor da declaração da vontade negocial, sendo certo que esta vale “com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não pudesse razoavelmente contar com ele”. Para esse juízo é necessário recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. [ Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I-223.] Ora, colocados nessa posição, não podemos deixar de concluir que o contrato firmado entre A. e R., era, por um lado, a forma de a A. visar a realização de proventos através da colocação à disposição do R. da viatura por ele pretendida, contra o recebimento de determinadas importâncias a título de rendas, sem prejuízo de vir a receber uma importância ainda maior a título diferente, quando esgotado o prazo previsto para o aluguer, tendo em vista a sua alienação, [Contrato de aluguer acompanhado de promessa unilateral de venda ] e, por outro lado, a forma considerada pelo R. como sendo a mais adequada a poder aceder imediatamente ao uso e fruição da viatura que visava um dia poder adquirir, sem que entretanto tivesse a necessidade de um grande desembolso inicial, e sem que tivesse de comprometer-se, desde logo, relativamente à sua eventual e futura aquisição. Com efeito, é isso que resulta da conjugação de vários elementos, designadamente: - no campo das coincidências entre a identificação da viatura pretendida pelo locatário (Truta), com a indicada pela locadora (A.............), e com a referida pela entidade financeira (Lusoleasing), todas elas respeitantes sempre à mesma viatura, ou seja, ao veículo Mercedes Benz 200 CL de matrícula ...-...-...; - à coincidência entre a sua aquisição pela entidade financeira(Eu......) e a sua afectação à entidade locadora(A.........), precisamente durante a previsível vigência do contrato de 30 meses ao aqui R.; - à coincidência de a referida viatura ter sido adquirida por indicação do R., o que aconteceu; - à presença de um contrato-promessa de compra e venda junto aos autos entre o R. e a “Sociedade Comercial C. Santos, Ld.ª”, concessionária da Mercedes, cuja importância a pagar no acto da entrega da viatura referia ser de 10.475.000$00 [ainda que tivesse sido de 10.978.000$00 o valor da venda, atenta a importância já entregue pelo R. no momento da celebração desse contrato promessa. (cfr. fls. 36 verso) ] e que referia terem já sido recebidos 500.000$00 no acto da encomenda, como sinal e princípio de pagamento; - à circunstância de o valor que as rendas dos 30 meses iriam atingir ser de montante mais elevado do que a importância que era necessário financiar (10.949.576$40 contra 10.475.576$00) [Só nos contratos de “leasing” há a necessidade de vir explicitada a opção de compra com a indicação do valor residual; nos casos de ALD isso não é indispensável . (......................., Locação Financeira e Aluguer de Longa Duração, 2.ª ed., pg- 142). Nestes contratos (de ALD) podem não constar quaisquer cláusulas relativas à previsão de compra, havendo por isso, muitas vezes, que fazer integração e interpretação da vontade das partes, manifestada através de outros meios com a mesma forma, designadamente em contratos paralelos, a ele acoplados ou associados ao primeiro e que façam supor o direito de o locatário poder optar pela respectiva aquisição, cumpridas integralmente as obrigações estipuladas no contrato. ] e ao facto de a importância entregue pelo R. à locadora na importância de 2.500.000$00 - designado pela A. como “caução”, [mas que correspondia já a um verdadeiro pagamento relativo ao preço de aquisição da viatura, pois que a importância a pagar a final era superior ao montante financiado e pago à A.............. através das rendas previstas. ] - se adicionada com os 10.475.576$00, vir a dar 12.975.576$00, superiores aos 12.409.520$00 que o R. teria de pagar no final do contrato (al. E) da especif.); -à circunstância de haver no teor do contrato uma cláusula que aceitava a transferência do seguro para o segurado finda a duração contrato. [Cfr. cláusula 5.ª n.º 1 do contrato assinado entre A. e R. ] Desta feita, é fácil constatar que o montante das rendas que era suposto pagar, mais a importância previamente paga pelo locatário à A............., e que esta denominou de “caução”, no montante de 2.500.000$00, vêm a cobrir, na realidade, o preço do bem em caso de venda, já com os custos do locador na realização da operação, sua margem de lucro, remuneração do capital e risco do financiamento, pelo que os montantes que seriam suposto ser depositados e pagos não seriam a simples contrapartida do gozo do mesmo, mas corresponderiam a uma antecipação do pagamento do preço tendo em vista a sua aquisição futura pelo locatário, caso este quisesse optar pela compra do bem, findo o período de locação. No fundo, e como diz Teresa Anselmo Vaz, “O que se passa é que o correspectivo periódico constitui antes uma prestação de preço do que a retribuição pelo uso.” [Teresa Anselmo Vaz, in “Alguns aspectos do contrato de compra e venda a prestações e contratos análogos, pg. 83, onde, continuando a versar esta problemática, prossegue: “Pode-se pois afirmar que, nestes casos, o resultado final típico que as partes pretendem atingir não é senão a transferência de propriedade do bem, através do pagamento rateado do preço, embora formalmente adoptem para o efeito um modelo contratual diverso.” ] Em face dos dados disponíveis, não nos restam quaisquer dúvidas que o contrato visado não pode ser qualificado como um simples contrato de aluguer de veículo de passageiros sem condutor (vulgo “rent-à-car”), com regulamentação própria, dada pelo DL n.º 354/86, antes deveria enquadrar-se entre os contratos atípicos, indirectos, e, neste caso, entre os vulgarmente conhecidos por ALD, com o que aliás as partes o baptizaram, e em que, como ensina P. Pais de Vasconcelos, “sob a capa de um tipo de contrato (aluguer) se visa atingir um objectivo de tipo diferente (compra e venda a prestações), sem que no entanto as partes abdiquem da regulamentação própria do contrato típico escolhido como referência (ou seja o aluguer), e não a de outro tipo qualquer (neste caso a compra e venda a prestações com reserva de propriedade). [Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, 1995, 245, de que tomamos a liberdade de transcrever a seguinte passagem: “(...) O contrato de aluguer de longa duração” de automóveis novos é um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade. Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito da vontade contratual. A concorrência do contrato de venda a prestações com reserva de propriedade com o contrato de aluguer de longa duração para a satisfação do mesmo fim das partes não tem nada de reprovável ou de nocivo. Pelo contrário, resulta num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos para a satisfação dos seus interesses, e num aumento dos meios jurídicos disponíveis no comércio.”], [No mesmo sentido, e com abundante anotação de doutrina e jurisprudência, pode consultar-se o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 99.04.19, dos Desembargadores Fonseca Ramos, Sampaio Gomes e Pinto Ferreira, CJ, XXIV, tomo II, pgs. 204 e ss. ], [ Por outro lado, a previsão da entrega da viatura à locadora, findo o contrato, não é incompatível com a opção de venda, pois que o contrato de aluguer poderia cessar por plúrimas causas, designadamente por manifestação do locatário, na forma atempada e acordada contratualmente, de não querer este a renovação do contrato ou a sua duração até ao final dos 30 meses previstos ou até por perecimento do bem ou por resolução contratual por incumprimento do locatário ou mesmo mora.] Desta feita, atenta o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC., para a solução de qualquer litígio que nos surja no caso em presença, há que recorrer às cláusulas do contrato celebrado em tudo que não seja contrário a disposições legais imperativas, e, na sua ausência, ao contrato típico referência, ou seja, ao contrato de aluguer de viatura automóvel sem condutor, previsto no DL n.º 354/86, de 23/10, ou ainda, subsidiariamente a este último, ao contrato de locação, previsto nos arts. 1.022.º e ss. do CC.. ...................... III-B) Da caducidade Não estando previsto no contrato celebrado qualquer disposição relativa à caducidade do contrato por perda da coisa, nem constando do DL n.º 354/86, de 23/10 qualquer norma sobre o caso, há que aplicar o regime de caducidade previsto no art. 1.051.º do Código Civil. Sustenta o M.º Juiz, fazendo apelo à previsão contida no art. 1.051.º, n.º 1 e) do CC que o contrato caducou por perda do objecto, dada a impossibilidade de circulação da viatura após o acidente. De acordo com o alegado pela apelante, só a perda total, interpretada esta no seu sentido teleológico, ou seja, de tornar impossível o seu uso para o fim convencionado, é que poderia integrar a caducidade do contrato por perda da coisa locada. [ Acórdão RL, de 89.11.09, CJ, 1989, tomo V-103, citado na alegação de recurso da apelante.] Também nós perfilhamos essa posição. Entendemos que a caducidade do contrato por perda total se não verificou, pois que o veículo era ainda reparável e, se o fosse, ficaria em condições idênticas às existentes antes do acidente. [vide resp. ao quesito 15.º ] Por outro lado, a existência de sinistro não pode servir de desculpa ao R. para se eximir ao cumprimento das suas obrigações. Com efeito, constava do contrato firmado entre A. e R. que este suportaria a imobilização do veículo e seria responsável por qualquer perda não efectivamente reembolsada pela companhia de seguros. Analisando o comportamento de ambas as partes após o acidente, vemos que, enquanto a A. se disponibilizou a alugar ao R. uma nova viatura, em substituição da sinistrada, imputando nesse caso tudo o que recebera relativamente à viatura anterior, na nova viatura, o R., por sua vez, não promoveu de imediato a remoção do veículo até às oficinas que procederiam à sua reparação, continuando com o veículo sinistrado na sua detenção [vide resp. ao quesito 15.º ], vindo a inviabilizar essa mesma reparação. Por outras palavras: O veículo só não circula porque o R. o não chegou a viabilizar. Deste modo, não chegou a ocorrer a caducidade do contrato, porque não chegou a haver perda do objecto locado. Vejamos, no entanto, se o contrato se manteve ou veio a cessar por outra qualquer causa, e, nessa hipótese, quando veio a ocorrer a cessação e quais os eventuais direitos da A.: Para a resolução desta questão voltemos à redacção do contrato: Refere-nos a cláusula 6.ª que “em caso de acidente o cliente se obriga a comunicar o sinistro à Autoleasing no prazo de 24 horas, fornecendo todos os elementos necessários à participação e discussão com a companhia seguradora (...)” Não está provado que o R. tenha comunicado tempestivamente à A. a ocorrência do acidente. No entanto, a A. não invocou esse fundamento para a resolução contratual, pelo que essa questão não tem interesse para os autos. Um outro fundamento para a resolução contratual era o não cumprimento no prazo de 15 dias, após interpelação por carta registada, de qualquer obrigação contratual por parte do R. Com efeito, de acordo com a cláusula 10.ª , “a A............... terá direito a resolver o contrato se o cliente não cumprir qualquer das suas obrigações dele decorrentes e mantiver o incumprimento por mais de 15 dias após ter sido interpelado por carta registada, pela A..................... para o respectivo cumprimento (...)” Ora, estando provado que o R. não pagava à A. os alugueres referentes a Novembro de 1992 e meses posteriores, e que, em 93.05.12, a A. se dirigiu ao R., por carta registada com A/R, interpelando-o para o pagamento imediato de 2.920.138$00, que se encontraria em dívida, sob pena de resolução - com a advertência ainda de que, nesse caso, deveria ainda restituir a viatura - , e que o não cumprimento dessa obrigação levaria à cessação do contrato, por resolução da locadora, e tendo em conta ainda que, por carta registada com A/R, datada de 93.07.21 e recebida pelo R. em 93.07.22, veio a A. a comunicar àquele, que, por não ter pago nem restituído o veículo, se considerava resolvido o contrato, vem a constatar-se que a resolução do contrato ocorreu pela forma válida, a partir de 93.07.22, por culpa exclusiva do R., não sendo sequer necessário que haja decisão judicial a decretá-la, bastando apenas o seu reconhecimento. [Arts. 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º1 do CC.. Cfr. tb. Acórdão RC de 97.09.30, CJ 1997, tomo IV, -28, Acórdão RL de 98.10.22, CJ, 1998, tomo IV-128, e Acórdão RL de 99.11.11, CJ de 99.11.11, 1999, tomo V- 85, ainda que a qualificação do contrato aqui em presença seja diferente da aí indicada. ] Nos termos da cláusula 10.ª do contrato celebrado, em caso de resolução contratual por facto imputável ao locatário, o A. tem direito a receber os montantes das rendas vencidas e ainda não pagas até à data da resolução contratual e ainda uma indemnização correspondente a 50% das rendas vincendas até final do período de renovação automática, bem como a obter a devolução da viatura. De acordo com a cláusula 11.ª, tem ainda direito a uma indemnização pelo tempo em que estiver indevidamente desapossada do veículo, igual ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor nesse período de mora, a título de cláusula penal especial. Assim, ao abrigo da cláusula 10.ª , e tendo em conta que as rendas vencidas e não pagas respeitavam ao período compreendido entre Novembro de 1992 e Julho de 1993, ambos inclusive, ou seja, a nove meses, o montante de rendas vencidas, em débito à data de resolução do contrato, eram de 3.284.874$00 (com IVA a 16%, taxa vigente à época) [314.643$00+ 16% (de IVA) = 364.986$00; 364.986$00 x 9 = 3.284.874$00 ]; a indemnização correspondente a 50% das rendas vincendas vinha a abranger o período compreendido entre os meses de Agosto de 1993 e o final do período de renovação automática do contrato, que deveria ocorrer em Janeiro de 1995, ou seja, por mais dezoito meses, o que daria também 3.284.874$00 [364.986$00 x 18 x 50% = 3.284.874$00] ; somando estes dois valores, vínhamos a obter o montante de 6. 569.748$00. [Os 4.000.000$00, importância já paga à A. pela companhia seguradora, em lugar do A., visavam o pagamento dos danos causados na viatura com o acidente sofrido pelo R., sendo de recordar que os danos na viatura corriam por conta do locatário. Esse pagamento, portanto, não pode ser tomado em conta como correspondente a qualquer imputação no pagamento. ] Tendo em conta que a Ré não chegou ainda a devolver a viatura, incumbe sobre o R., a título de cláusula penal especial prevista no art. 11.º do contrato, o pagamento da importância correspondente ao dobro do que seria devido se o aluguer estivesse em vigor enquanto o não devolvesse. A A. formula esse pedido de condenação, no entanto, tendo como início para a sua contagem a data da instauração da acção, ou seja, 19 de Outubro de 1993. É portanto a partir de Novembro de 1993 que tem de ser calculado o respectivo montante, à razão de 729.972$00 mensais (ou seja, o dobro da mensalidade de 364.785$00). [Se porventura fosse válida a cláusula em todo o seu segmento, a indemnização devida pela não entrega dos salvados do veículo até ao fim do mês de Novembro de 2.000, ou seja, pelo período desde a p.i. (93.10.19) até hoje, traduzir-se-ia em 26.430.012$00! ] Até ao presente, essa indemnização traduzir-se-ia em 26.430.012$00 ! No entanto, tendo em conta que se o contrato tivesse chegado normalmente ao seu termo, a A. apenas receberia o capital contratualmente estabelecido para a venda, que era de 12.409.520$00 [cfr. alínea E) da especif] , e que entretanto a locatário já havia recebido 1.094.958$00 das três primeiras prestações mais 2.500.000$00 de alegada caução (cfr. als. C) e D) da especif.), o montante que a A teria ainda a receber, em caso de venda, no final do contrato, seria apenas 9.814.562$00. Afigura-se-nos, por isso, dever lançar-se mão do disposto nos arts.. 812.º, n.º 1 e 811.º, n.º 3 do CC, reduzindo o montante indemnizatório pela mora a 9.814.562$00, por aquela indemnização de 26.430.012$00 ser manifestamente desproporcionada face ao dano, na exacta medida em que excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal. Se assim não viesse a acontecer, a A. viria a receber um montante muitíssimo superior ao correspondente ao preço previsto para a alienação, continuando dona do bem, enquanto que, por outro lado, o R. teria de pagar uma indemnização sancionatória pela mora na entrega do veículo, muito superior às rendas e ao valor da compra do veículo, sem que entretanto pudesse adquiri-lo! [As cláusulas penais inserem-se no domínio da livre estipulação das partes (art. 810.º, n.º 1 do CC.) O valor estipulado em abstracto não é, à partida excessivo, pois que é sabido que um veículo automóvel, com o simples decurso do tempo, e ainda mais, uma vez posto a circular, sofre considerável desvalorização, podendo deixar, inclusivamente de servir para um novo contrato, caso haja mora na restituição. Consideramos assim perfeitamente justificado que haja sanções compulsórias em ordem a evitar a mora na entrega (devolução) do veículo, em caso de resolução contratual. A desproporcionalidade, no entanto, só perante os factos concretos e individualizadores pode ser apreciada. O que consideramos excessivo, no caso concreto, é que da simples aplicação da cláusula contratual sancionatória para o caso de mora na devolução do veículo, venha a resultar uma desproporção entre os prejuízos eventualmente causados por esta e a sanção “a forfait”, permanentemente renovável, estipulada no próprio contrato, de tal modo que acabaria por ser muito mais vantajosa para o locador a mora na devolução do veículo pelo locatário, do que o eventual cumprimento por este de todo o contrato, mesmo incluindo o próprio valor previamente fixado, ainda que para a hipótese de venda após o período previsto para a renovação automática do aluguer, de acordo com o que resulta dos outros meios probatórios acoplados ou à margem do próprio contrato. Como a cláusula em causa foi estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se-lhe cláusula penal moratória e pode levar à redução se manifestamente desproporcionada face ao dano (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária, 247 e 248 ou Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 448 e Pinto Monteiro in Cláusula Penal e Indemnização, 770.) ]. Justifica-se, por isso, que se utilize a redução da sanção pela mora, em termos de equidade, limitando-a ao valor indicado de 9.814.562$00. O recurso obtém, assim, apenas parcial provimento. ...................... IV. Deliberação Na procedência parcial da apelação, confirma-se a douta sentença recorrida na parte em que condena o R. a devolver o veículo à A., e revoga-se na parte em que absolveu os RR. dos pedidos deduzidos, indicados no relatório sob as alíneas a) c) e d), substituindo-a por outra em que: - se reconhece a validade da resolução contratual por parte da A., com efeitos a partir de 93.07.22; - se condenam os RR. a pagar à A. a quantia de 6.569.740$00, decorrentes da resolução contratual por facto imputável ao R. - se condenam os RR. a pagarem à A., por cada mês decorrido entre a data da p.i e enquanto não for entregue o veículo, a importância de 729.972$00, limitando-a, no entanto, a 9.814.562$00 a indemnização por esse facto, valores estes sobre os quais incidem, no entanto, juros de mora às taxas legais desde a citação até integral pagamento. Custas na proporção de vencidos, em ambas as instâncias. Porto, 00-12-19 Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques de Castilho Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes